Language of document : ECLI:EU:T:2024:98

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

21 de fevereiro de 2024 (*)

«Produtos fitofarmacêuticos — Substância ativa cipermetrina — Regulamento de Execução (UE) 2021/2049 — Pedido de reexame interno — Artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1367/2006 — Indeferimento do pedido — Identificação de domínios críticos de preocupação pela EFSA — Avaliação e gestão dos riscos — Princípio da precaução — Poder de apreciação da Comissão»

No processo T‑536/22,

Pesticide Action Network Europe (PAN Europe), com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por A. Bailleux, advogado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por A. Becker, G. Gattinara e M. ter Haar, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção),

composto por: R. da Silva Passos, presidente, I. Reine e T. Pynnä (relatora), juízes,

secretário: H. Eriksson, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 12 de outubro de 2023,

profere o presente

Acórdão (1)

1        Por meio do seu recurso interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, a recorrente, Pesticide Action Network Europe (PAN Europe), pede a anulação da decisão da Comissão Europeia de 23 de junho de 2022 (a seguir «decisão recorrida») que indeferiu o pedido de reexame interno que tinha apresentado em conformidade com o artigo 10.o do Regulamento (CE) n.o 1367/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de setembro de 2006, relativo à aplicação das disposições da Convenção de Aarhus sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente às instituições e órgãos da União (JO 2006, L 264, p. 13), do Regulamento de Execução (UE) 2021/2049 da Comissão, de 24 de novembro de 2021, que renova a aprovação da substância ativa cipermetrina como candidata a substituição, em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, e que altera o anexo do Regulamento de Execução (UE) n.o 540/2011 da Comissão (JO 2021, L 420, p. 6).

I.      Antecedentes do litígio

2        A cipermetrina é um inseticida da família dos piretroides. Esta família de inseticidas é amplamente utilizada na União Europeia para combater as pragas das culturas. A cipermetrina é altamente tóxica para os insetos.

3        A Diretiva 2005/53/CE da Comissão, de 16 de setembro de 2005, que altera a Diretiva 91/414/CEE do Conselho com o objetivo de incluir as substâncias ativas clortalonil, clortolurão, cipermetrina, daminozida e tiofanato‑metilo (JO 2005, L 241, p. 51), incluiu a cipermetrina como substância ativa no anexo I da Diretiva 91/414/CEE do Conselho, de 15 de julho de 1991, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO 1991, L 230, p. 1). As substâncias ativas incluídas no anexo I da Diretiva 91/414 são consideradas aprovadas ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Diretivas 79/117/CEE e 91/414 do Conselho (JO 2009, L 309, p. 1), e estão enumeradas na parte A do anexo do Regulamento de Execução (UE) n.o 540/2011 da Comissão, de 25 de maio de 2011, que dá execução ao Regulamento n.o 1107/2009 no que diz respeito à lista de substâncias ativas aprovadas (JO 2011, L 153, p. 1).

4        Essa aprovação devia expirar em 28 de fevereiro de 2016. No entanto, devido a atrasos significativos nos processos de reavaliação e de decisão, essa aprovação foi prorrogada, através de regulamentos de execução da Comissão, por um ano em 2017, 2018, 2019 e 2021, pelo Comité Permanente dos Vegetais, Animais e Alimentos para Consumo Humano e Animal (a seguir «Comité Permanente»).

5        No âmbito do procedimento de renovação da aprovação da cipermetrina, o Estado‑Membro relator (a seguir «EMR») preparou um projeto de relatório de avaliação da renovação em consulta com o Estado‑Membro correlator e apresentou‑o à Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) e à Comissão em 8 de maio de 2017.

6        A EFSA transmitiu também o projeto de relatório de avaliação da renovação aos requerentes e aos Estados‑Membros para que apresentassem os seus comentários e lançou uma consulta pública sobre o mesmo. Em seguida, enviou à Comissão os comentários recebidos.

7        Em 31 de julho de 2018, a EFSA entregou um parecer científico intitulado «Peer Review of the pesticide risk assessment of the active substance Cyprêhrin» (Revisão pelos pares da avaliação dos riscos de pesticidas relativa à substância ativa cipermetrina) (a seguir «conclusões da EFSA»). A EFSA identifica quatro «domínios críticos de preocupação».

8        Como resulta das conclusões da EFSA, esta identifica um ou mais domínios críticos de preocupação nos seguintes casos:

–        quando existam informações suficientes disponíveis para efetuar uma avaliação das utilizações representativas segundo os princípios uniformes nos termos do artigo 29.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1107/2009 e conforme enunciado no Regulamento (UE) n.o 546/2011 da Comissão, de 10 de junho de 2011, que dá execução ao Regulamento n.o 1107/2009 no que diz respeito aos princípios uniformes aplicáveis à avaliação e autorização dos produtos fitofarmacêuticos (JO 2011, L 155, p. 127), e quando essa avaliação não permita concluir que, pelo menos numa das utilizações representativas, é provável que um produto fitofarmacêutico (a seguir «PFF») que contenha a substância ativa não tenha qualquer efeito nocivo para a saúde humana, animal, o ambiente ou a água subterrânea, ou efeitos inaceitáveis para o ambiente;

–        se a avaliação a um nível mais elevado não puder ser concluída devido à falta de informações e a avaliação realizada a um nível inferior não permitir concluir que, pelo menos uma das utilizações representativas, é provável que um PFF que contenha a substância ativa não tenha qualquer efeito nocivo para a saúde humana, animal, o ambiente ou as águas subterrâneas, ou efeitos inaceitáveis para o ambiente;

–        se, tendo em conta os atuais conhecimentos científicos e técnicos, utilizando os documentos de orientação disponíveis no momento do pedido, a substância ativa não for suscetível de satisfazer os critérios de aprovação previstos no artigo 4.o do Regulamento n.o 1107/2009.

9        No que respeita à cipermetrina, a EFSA identificou os seguintes domínios críticos de preocupação:

–        um risco elevado para os organismos aquáticos;

–        um risco elevado para as abelhas melíferas;

–        um risco elevado para os artrópodes não visados situados fora da zona tratada;

–        falta de informação sobre a composição dos lotes de pesticidas utilizados nos estudos ecotoxicológicos apresentados pelos requerentes da aprovação, que não permitiu à EFSA assegurar‑se de que esses lotes de pesticidas correspondiam efetivamente às utilizações representativas de um PFF que contenha a substância ativa, na aceção do artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1107/2009.

10      Na reunião do Comité Permanente de janeiro de 2019, a Comissão apresentou uma proposta de renovação da aprovação que limita a utilização da cipermetrina nas épocas do outono e do inverno, a fim de proteger as abelhas e os meios aquáticos, com medidas de atenuação dos riscos que reduzem em 95 % a deriva dos pesticidas no ambiente, para prevenir os seus efeitos adversos para o ambiente.

11      Perante a recusa da maioria de os Estados‑Membros apoiarem uma proposta de renovação da aprovação com essas limitações, a Comissão solicitou à EFSA que emitisse uma declaração sobre as medidas de atenuação dos riscos da cipermetrina.

12      Em setembro de 2019, a EFSA publicou uma declaração sobre as medidas de redução dos riscos para a cipermetrina (a seguir «declaração de 2019»). A EFSA indica aí que só uma medida de redução dos riscos que reduza em mais de 95 % a deriva dos pesticidas permitiria concluir por um nível de baixo risco para os organismos aquáticos. A mesma conclusão se aplica aos artrópodes não visados. A EFSA indica também que os estudos apresentados não abrangem a utilização da cipermetrina no outono. A EFSA considera ainda que, para proteger as abelhas, a ausência de plantas infestantes em floração na cultura, uma proibição de pulverização de culturas em floração e uma redução da deriva de 54 % são suficientes e que é possível concluir por um nível de baixo risco.

13      Na sequência de numerosas reuniões do Comité Permanente, a Comissão adotou, em 24 de novembro de 2021, o Regulamento de Execução 2021/2049. Esta renovação da aprovação é, no entanto, acompanhada de uma série de disposições específicas previstas no anexo I do referido regulamento.

14      Em 20 de janeiro de 2022, com base no artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1367/2006, a recorrente dirigiu à Comissão um pedido de reexame interno do Regulamento de Execução 2021/2049 com vista a obter a sua revogação ou substituição por um regulamento que indeferisse o pedido de renovação da aprovação da substância ativa cipermetrina. Nesse pedido, a recorrente expõe as razões pelas quais considera que o referido regulamento é contrário ao princípio da precaução e à obrigação da União de assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e do ambiente, conforme resulta dos artigos 9.o e 11.o, do artigo 168.o, n.o 1, e do artigo 191.o, n.o 1, TFUE, bem como dos artigos 35.o e 37.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e tal como é concretizada, no que respeita aos produtos fitossanitários, pelo Regulamento n.o 1107/2009, nomeadamente no seu artigo 4.o

15      Em 18 de fevereiro de 2022, a Comissão pediu à EFSA assistência técnica e científica relativamente a todos os elementos científicos relevantes apresentados no pedido de reexame interno. Em resposta a este pedido, a EFSA publicou, em 15 de março de 2022, um relatório técnico (a seguir «relatório técnico») que se limitava à análise de uma única alegação apresentada pela recorrente, a relativa à não consideração de determinados estudos provenientes da literatura independente na análise da propriedade desreguladora do sistema endócrino da cipermetrina.

16      Por mensagem de correio eletrónico de 18 de julho de 2022, a Comissão enviou à recorrente uma cópia em língua francesa da decisão recorrida, à qual estava junto um anexo em que expunha os fundamentos do indeferimento do pedido de reexame interno.

II.    Pedidos das partes

17      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar a Comissão nas despesas do processo.

18      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

19      A recorrente invoca um único fundamento de recurso, relativo à violação do princípio da precaução e da obrigação da União de assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e do ambiente, conforme resulta dos artigos 9.o e 11.o, do artigo 168.o, n.o 1, e do artigo 191.o, n.o 1, TFUE, bem como dos artigos 35.o e 37.o da Carta dos Direitos Fundamentais, e tal como concretizada, no que respeita aos produtos fitossanitários, pelo Regulamento n.o 1107/2009, nomeadamente o seu artigo 4.o

20      O fundamento único da recorrente subdivide‑se em duas partes. A primeira parte é dirigida contra as observações preliminares contidas no título I do anexo da decisão recorrida. A segunda parte é dirigida contra os fundamentos específicos apresentados no título II do referido anexo para rejeitar as sete alegações suscitadas pela recorrente no seu pedido de reexame interno.

21      A título preliminar, há que examinar a questão do início do prazo de recurso previsto no artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE, bem como os argumentos das partes relativos à admissibilidade de certos argumentos apresentados pela recorrente, na medida em que são contestados pela Comissão. Importa também recordar o alcance da fiscalização jurisdicional do Tribunal Geral.

A.      Observações preliminares

1.      Quanto ao início do prazo de recurso previsto no artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE

22      Sem que a Comissão contestasse a admissibilidade do presente recurso por intempestividade, a recorrente recordou, na audiência, que era importante que o Tribunal Geral clarificasse o início do prazo de recurso previsto no artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE, indicando que este correspondia à comunicação da cópia em língua francesa da decisão recorrida, efetuada em 18 de julho de 2022, e não à notificação dessa decisão em língua inglesa, em 23 de junho de 2022.

23      A este respeito, importa antes de mais recordar que, por força do artigo 2.o do Regulamento n.o 1 do Conselho, de 15 de abril de 1958, que estabelece o regime linguístico da Comunidade Económica Europeia (JO 1958, 17, p. 385), os textos dirigidos às instituições são redigidos numa das línguas oficiais, à escolha do expedidor, e a resposta é redigida na mesma língua.

24      Além disso, há que observar que não resulta de nenhuma disposição do Regulamento n.o 1367/2006 que o legislador tenha pretendido derrogar as disposições gerais relativas à utilização das línguas do Regulamento n.o 1 e, em especial, o artigo 2.o deste regulamento, no que respeita aos pedidos de reexame internos apresentados ao abrigo do artigo 10.o do Regulamento n.o 1367/2006.

25      No presente processo, a recorrente apresentou, em 20 de janeiro de 2022, um pedido de reexame interno em língua francesa relativo ao Regulamento de Execução 2021/2049. Por conseguinte, há que considerar que é a comunicação em língua francesa da decisão recorrida, que chegou à recorrente em 18 de julho de 2022, que constitui o início do prazo de recurso previsto no artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE.

26      Tendo o presente recurso sido apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 31 de agosto de 2022, deve, por conseguinte, ser julgado admissível.

2.      Quanto à natureza do recurso baseado no artigo 12.o do Regulamento n.o 1367/2006 e ao alcance da regra da concordância entre o pedido de reexame e o recurso de anulação

27      Sem concluir pela inadmissibilidade do recurso na íntegra, a Comissão alega, em várias passagens da contestação e da tréplica, que certos argumentos apresentados pela recorrente não foram suscitados no seu pedido de reexame interno. Tais argumentos devem, portanto, ser declarados inadmissíveis, em conformidade com a regra da concordância entre o pedido de reexame e o recurso de anulação. Segundo esta regra, um recurso de anulação não se pode basear em fundamentos ou meios de prova que não tenham já sido invocados no pedido de reexame (Acórdão de 12 de setembro de 2019, TestBioTech e o./Comissão, C‑82/17 P, EU:C:2019:719, n.os 38 e 39).

28      A Comissão não contesta que a recorrente possa responder aos argumentos apresentados na decisão recorrida, em apoio do seu argumento inicial, mas considera que, ao fazê‑lo, não pode sustentar uma nova argumentação. Isso alteraria o «âmbito de aplicação» do procedimento desencadeado pelo pedido de reexame, que é o que importa precisamente impedir, como indicado no considerando 15 do Regulamento (UE) 2021/1767 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de outubro de 2021, que altera o Regulamento n.o 1367/2006 (JO 2021, L 356, p. 1), e no n.o 39 do Acórdão de 12 de setembro de 2019, TestBioTech e o./Comissão (C‑82/17 P, EU:C:2019:719). A esse respeito, segundo a Comissão, embora seja certo que a finalidade do processo de reexame interno é garantir o acesso à justiça contra atos suscetíveis de violar o direito do ambiente, a utilização desse processo não deve prejudicar o seu «efeito útil», que está ligado à manutenção do mesmo «objeto» durante todo o referido processo.

29      Além disso, a Comissão recorda que, no seu Acórdão de 12 de setembro de 2019, TestBioTech e o./Comissão (C‑82/17 P, EU:C:2019:719), o Tribunal de Justiça indicou que o ónus da prova de um requerente de reexame interno dizia respeito «[a]os elementos de facto ou [a]os argumentos de direito», e isto sem qualquer limitação. Não pode, portanto, haver «elementos contextuais» que «escapem à lógica da concordância».

30      Com efeito, segundo a Comissão, a lógica do recurso de anulação, nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 1367/2006, apenas diz respeito à qualidade e ao mérito da resposta dada ao pedido de reexame, que contém uma apreciação da legalidade de uma determinada medida. Se um requerente de reexame interno não estiver satisfeito com a resposta que recebeu, como a sua contestação nos termos do artigo 12.o visa precisamente invalidar essa apreciação da legalidade, não pode acrescentar novos argumentos sem alterar o objeto do processo, desencadeado pelo pedido de reexame interno.

31      Resulta claramente do considerando 21 do Regulamento 2021/1767 que se exige que o requerente apresente, desde o início do processo, elementos de direito ou de facto suficientemente fundamentados que suscitem «dúvidas legítimas» quanto à avaliação efetuada pela instituição ou órgão da União. Por conseguinte, a recorrente não pode utilizar a jurisprudência relativa a outros processos judiciais, como o recurso de decisões do Tribunal Geral ou a ação por incumprimento, uma vez que esta interpretação por analogia não pode derrogar os critérios interpretativos direta e especificamente estabelecidos pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência sobre o Regulamento n.o 1367/2006.

32      Assim, o recurso interposto pela recorrente, na sequência da resposta ao seu pedido de reexame interno, não pode privar o processo de reexame de efeito útil e só pode ter por objeto verificar concretamente se os argumentos ou dúvidas reais apresentados pela recorrente no pedido de reexame foram tratados com diligência e com argumentos plausíveis.

33      A recorrente contesta, de um modo geral, a interpretação que a Comissão faz da regra de concordância. Observa que a Comissão parece querer colocá‑la numa situação impossível, uma vez que ora a acusa de repetir os argumentos desenvolvidos no pedido de reexame interno sem ter em conta a argumentação desenvolvida na decisão recorrida, ora objeta que certos argumentos são inadmissíveis, por serem novos, devido ao facto de terem sido apresentados pela recorrente em resposta à argumentação desenvolvida pela Comissão pela primeira vez na decisão recorrida. Entende que tal interpretação é manifestamente contrária ao direito a uma tutela jurisdicional efetiva e ao espírito do Regulamento n.o 1367/2006.

34      Resulta do considerando 15 do Regulamento 2021/1767 que a regra de concordância proíbe apenas as recorrentes de apresentarem «fundamentos [novos]» ou «elementos de prova que não tenham já sido invocados no pedido de reexame» com vista a não «esvaziar» o pedido de reexame interno e impedir as recorrentes de «alterar o objeto do processo iniciado pelo pedido». Tendo em conta o seu sentido usual e o objetivo prosseguido pela regra da concordância, os conceitos de «fundamentos» e de «elementos de prova» não podem ser razoavelmente interpretados no sentido de que englobam qualquer elemento que vise precisar ou contextualizar um argumento já presente no pedido de reexame.

35      A este respeito, segundo a recorrente, há que fazer um paralelismo entre esta regra de concordância e a que prevalece no âmbito do processo de recurso de decisão do Tribunal Geral, bem como no âmbito dos processos por incumprimento.

36      Os conceitos de «fundamentos» e de «elementos de prova» também não podem ser razoavelmente entendidos no sentido de que impedem um recorrente de responder a um argumento suscitado pela própria Comissão para justificar a sua decisão de recusa de reexame.

37      À luz destas considerações, a recorrente convida o Tribunal Geral a declarar que nenhum dos elementos cuja admissibilidade a Comissão contesta pode ser analisado como um «fundamento» ou um «elemento de prova» novo. Estes elementos foram todos apresentados pela recorrente para responder a uma argumentação desenvolvida pela Comissão, na decisão recorrida, para justificar a sua recusa de reexame. Por outro lado, trata‑se de elementos de contexto, de clarificação ou de discussão, que a Comissão já conhecia, e que não podem ser considerados decisivos ou suscetíveis, em si mesmos, de fundamentar uma declaração de ilegalidade. Neste sentido, não afetam de modo algum o objeto do processo, nem prejudicam o efeito útil do processo de reexame.

38      Importa recordar que, nos termos do artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1367/2006, qualquer organização não governamental que satisfaça os critérios enunciados no artigo 11.o desse regulamento tem o direito de requerer, mediante pedido fundamentado, um reexame interno de um ato administrativo às instituições ou órgãos da União que o tenham aprovado ao abrigo da legislação ambiental. Quando o ato administrativo, como neste caso, tem por objeto uma decisão de renovar a aprovação de uma substância ativa, como a cipermetrina, o objeto de um pedido de reexame diz respeito, ao abrigo desta disposição, à reavaliação dessa aprovação.

39      O pedido de reexame interno de um ato administrativo destina‑se, portanto, à constatação de uma alegada ilegalidade ou da falta de fundamento do ato visado. O requerente pode depois recorrer da decisão que indefira o pedido de reexame interno para os tribunais da União, em conformidade com o artigo 12.o do Regulamento n.o 1367/2006, lido em conjugação com o artigo 10.o desse regulamento, invocando incompetência, preterição de formalidades essenciais, violação dos Tratados ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação, ou desvio de poder.

40      Daqui resulta que, segundo uma leitura conjugada dos artigos 10.o e 12.o do Regulamento n.o 1367/2006, um recurso de anulação só é admissível se for dirigido contra a resposta ao referido pedido e se os fundamentos invocados em apoio da anulação visarem especificamente essa resposta (v., neste sentido, Acórdão de 15 de dezembro de 2016, TestBioTech e o./Comissão, T‑177/13, não publicado, EU:T:2016:736, n.o 56).

41      Esse recurso não se pode basear em fundamentos ou meios de prova que não tenham já sido invocados no pedido de reexame, sob pena de se esvaziar de efeito útil o requisito de fundamentação do pedido de reexame, enunciado no artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1367/2006, e de se alterar o objeto do processo iniciado por esse pedido (Acórdão de 12 de setembro de 2019, TestBioTech e o./Comissão, C‑82/17 P, EU:C:2019:719, n.o 39).

42      Assim, é inerente ao sistema de reexame que o requerente do reexame apresente fundamentos concretos e precisos suscetíveis de pôr em causa as apreciações em que se baseia a decisão de autorização. Por conseguinte, para precisar os fundamentos do reexame pela forma exigida, o requerente do reexame interno de um ato administrativo ao abrigo do direito do ambiente é obrigado a indicar os elementos de facto ou os argumentos jurídicos substanciais suscetíveis de fundamentar dúvidas plausíveis, ou seja, substanciais, sobre a apreciação feita pela instituição ou órgão da União no ato recorrido (v., neste sentido, Acórdão de 12 de setembro de 2019, TestBioTech e o./Comissão, C‑82/17 P, EU:C:2019:719, n.os 68 e 69).

43      Além disso, os fundamentos e argumentos apresentados no Tribunal Geral em sede de recurso de anulação de uma decisão que indefere um pedido de reexame interno só podem ser julgados admissíveis na medida em que já tenham sido apresentados pelo recorrente no pedido de reexame interno e de forma a que a Comissão lhes tenha podido responder (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de dezembro de 2016, TestBioTech e o./Comissão, T‑177/13, não publicado, EU:T:2016:736, n.o 68, e de 4 de abril de 2019, ClientEarth/Comissão, T‑108/17, EU:T:2019:215, n.o 55).

44      Todavia, como a Comissão reconhece, não se pode exigir a um recorrente que interponha recurso para o Tribunal Geral ao abrigo do artigo 12.o do Regulamento n.o 1367/2006 que se limite a reproduzir textualmente os argumentos que tinha invocado no seu pedido de reexame interno.

45      Com efeito, por um lado, do mesmo modo que um recorrente pode interpor recurso de uma decisão do Tribunal Geral invocando, no Tribunal de Justiça, fundamentos com origem no próprio acórdão recorrido e que se destinem a criticar juridicamente o seu mérito (Acórdãos de 29 de novembro de 2007, Stadtwerke Schwäbisch Hall e o./Comissão, C‑176/06 P, não publicado, EU:C:2007:730, n.o 17; de 10 de abril de 2014, Comissão/Siemens Österreich e o. e Siemens Transmission, C‑233/11 P a C‑231/11 P, EU:C:2014:256, n.o 102, e de 25 de janeiro de 2022, Comissão/European Food e o., C‑638/19 P, EU:C:2022:50, n.o 77), um recorrente deve poder, nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 1367/2006, invocar argumentos que visem criticar juridicamente o mérito da decisão adotada em resposta ao seu pedido de reexame interno. Tais argumentos não podem, todavia, alterar o objeto do processo instaurado por esse pedido, sob pena de o privar do seu efeito útil. Em especial, não podem incluir novos argumentos ou elementos de prova que pudessem ter sido suscitados logo no pedido de reexame.

46      Por outro lado, um argumento que não foi suscitado na fase do pedido de reexame não pode ser considerado novo, inadmissível em sede de recurso no Tribunal Geral, se só constituir a ampliação de uma argumentação já desenvolvida no âmbito desse pedido (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 3 de março de 2016, Espanha/Comissão, C‑26/15 P, não publicado, EU:C:2016:132, n.o 84; de 13 de julho de 2017, Saint‑Gobain Glass Deutschland/Comissão, C‑60/15 P, EU:C:2017:540, n.o 51; e de 9 de dezembro de 2020, Groupe Canal +/Comissão, C‑132/19 P, EU:C:2020:1007, n.o 28). Para poder ser considerado uma ampliação de um fundamento ou de uma alegação anteriormente enunciados, um novo argumento deve apresentar uma ligação suficientemente estreita com os fundamentos ou as alegações inicialmente expostos, para se poder considerar que resultou da evolução normal do debate num processo contencioso (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 13 de julho de 2022, Delifruit/Comissão, T‑629/20, EU:T:2022:448, n.o 20 e jurisprudência referida).

47      Tendo em conta a natureza particular do processo de reexame instituído pelo Regulamento n.o 1367/2006, essa possibilidade deve, no entanto, ser conciliada com a necessidade de preservar o efeito útil do referido processo, pelo que não pode permitir a um recorrente alterar o objeto desse processo invocando novos fundamentos ou elementos de prova que não apresentem uma ligação suficientemente estreita com as alegações suscitadas na fase do pedido de reexame. Assim, no caso, como alega a Comissão, a recorrente não pode invocar novos argumentos «contextuais» que escapem à lógica desta regra de concordância, a não ser que se admita que tais argumentos são, em todo o caso, inoperantes.

48      É à luz destas considerações que o Tribunal Geral examinará em seguida a admissibilidade dos argumentos invocados pela recorrente, para cada uma das alegações específicas destinadas a contestar o mérito da decisão recorrida.

3.      Quanto ao alcance da fiscalização jurisdicional do Tribunal Geral

49      Nos termos do seu artigo 1.o, n.o 3, o Regulamento n.o 1107/2009 visa assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente e melhorar o funcionamento do mercado interno através da harmonização das normas relativas à colocação no mercado dos PFF, melhorando simultaneamente a produção agrícola.

50      Ao impor a manutenção de um nível elevado de proteção do ambiente, o Regulamento n.o 1107/2009 aplica o artigo 11.o TFUE e o artigo 114.o, n.o 3, TFUE. O artigo 11.o TFUE dispõe que as exigências em matéria de proteção do ambiente devem ser integradas na definição e execução das políticas e ações da União, em especial com o objetivo de promover um desenvolvimento sustentável. Concretizando essa obrigação, o artigo 114.o, n.o 3, TFUE dispõe que, nas suas propostas, nomeadamente em matéria de proteção do ambiente, feitas para aproximação das legislações que tenham por objeto a criação e o funcionamento do mercado interno, a Comissão basear‑se‑á num nível de proteção elevado, tendo nomeadamente em conta qualquer nova evolução baseada em dados científicos, e que, no âmbito das respetivas competências, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia procurarão igualmente alcançar esse objetivo. Esta proteção do ambiente tem uma importância preponderante face às considerações económicas, pelo que pode justificar consequências económicas negativas, mesmo consideráveis, para certos operadores (v. Acórdão de 17 de maio de 2018, Bayer CropScience e o./Comissão, T‑429/13 e T‑451/13, EU:T:2018:280, n.o 106 e jurisprudência referida).

51      Por outro lado, o considerando 8 do Regulamento n.o 1107/2009 precisa que deverá ser aplicado o princípio da precaução e que o referido regulamento visa garantir que a indústria demonstre que as substâncias ou produtos produzidos ou colocados no mercado não têm quaisquer efeitos nocivos na saúde humana ou animal nem nenhum efeito inaceitável no ambiente.

52      Neste âmbito, para poder prosseguir de forma eficaz os objetivos que lhe foram atribuídos pelo Regulamento n.o 1107/2009, e tendo em consideração as avaliações técnicas complexas que deve efetuar, deve ser reconhecido à Comissão um amplo poder de apreciação (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2007, Industrias Químicas del Vallés/Comissão, C‑326/05 P, EU:C:2007:443, n.o 75). Isto vale, nomeadamente, para as decisões em matéria de gestão do risco que tem que tomar por força desse regulamento (Acórdão de 17 de maio de 2018, Bayer CropScience e o./Comissão, T‑429/13 e T‑451/13, EU:T:2018:280, n.o 143).

53      O exercício desse poder não está, todavia, subtraído à fiscalização jurisdicional. Com efeito, resulta de jurisprudência constante que, no quadro dessa fiscalização, o juiz da União deve verificar o respeito das regras de processo, a exatidão material dos factos considerados pela Comissão, a não existência de erro manifesto na apreciação desses factos ou a ausência de desvio de poder (v. Acórdão de 18 de julho de 2007, Industrias Químicas del Vallés/Comissão, C‑326/05 P, EU:C:2007:443, n.o 76 e jurisprudência referida).

54      Quanto à apreciação pelo juiz da União da existência de erro manifesto de apreciação, há que precisar que, para demonstrar que a Comissão cometeu um erro manifesto na apreciação de factos complexos suscetíveis de justificar a anulação do ato recorrido, as provas apresentadas pelo recorrente devem ser suficientes para privar de plausibilidade a apreciação dos factos considerados no ato. Sem prejuízo dessa análise de plausibilidade, não cabe ao Tribunal Geral substituir pela sua a apreciação de factos complexos do autor do ato (v. Acórdão de 17 de maio de 2018, Bayer CropScience e o./Comissão, T‑429/13 e T‑451/13, EU:T:2018:280, n.o 145 e jurisprudência referida).

55      No entanto, os limites da fiscalização do juiz acima referidos não afetam o seu dever de verificar a exatidão material das provas invocadas, a sua fiabilidade e a sua coerência, bem como de fiscalizar se esses elementos constituem a totalidade dos dados relevantes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões deles retiradas (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, EU:C:2005:87, n.o 39; de 9 de julho de 2015, Alemanha/Comissão, C‑360/14 P, não publicado, EU:C:2015:457, n.o 37, e de 4 de maio de 2023, BCE/Crédit lyonnais, C‑389/21 P, EU:C:2023:368, n.o 56).

56      Além disso, cumpre recordar que, no caso de uma instituição dispor de um amplo poder de apreciação, a fiscalização do respeito de determinadas garantias processuais assume uma importância fundamental. O Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar que, entre estas garantias, figura nomeadamente a obrigação de a instituição competente examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos relevantes do caso concreto e de fundamentar a sua decisão de forma suficiente (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2007, Espanha/Lenzing, C‑525/04 P, EU:C:2007:698, n.o 58 e jurisprudência referida).

B.      Quanto às observações preliminares formuladas no título I do anexo da decisão recorrida (primeira parte do fundamento único)

57      Esta primeira parte é composta por três alegações distintas, relativas, primeiro, ao papel da Comissão enquanto gestora dos riscos nos termos do Regulamento n.o 1107/2009, segundo, ao papel do princípio da precaução e, terceiro, ao papel atribuído aos Estados‑Membros nos termos do Regulamento n.o 1107/2009 para a autorização dos PFF.

58      A este respeito, há que observar que, no anexo da decisão recorrida, a Comissão pretendeu formular «um determinado número de observações preliminares gerais sobre os elementos subjacentes às suas decisões regulamentares nos termos do Regulamento [n.o 1107/2009 e que são] pertinentes para a realização do reexame interno».

59      Como reconhece a Comissão na sua contestação, vários argumentos suscitados pela recorrente sobre estas observações preliminares no que respeita, respetivamente, ao papel da Comissão como gestora dos riscos, ao princípio da precaução e ao papel dos Estados‑Membros, são suscetíveis de ter efeito na apreciação do mérito da ação.

60      Nestas condições, os argumentos da recorrente dirigidos contra estas observações preliminares, ainda que apresentem um caráter transversal, não podem ser considerados inadmissíveis ou inoperantes. Devem, por conseguinte, ser examinados quanto ao mérito.

1.      Quanto ao papel da Comissão enquanto gestora dos riscos e ao papel do princípio da precaução

61      Em primeiro lugar, a recorrente acusa a Comissão de ter considerado que, enquanto gestora dos riscos, na aceção do artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO 2002, L 31, p. 1), «não [estava] obrigada a seguir, nas suas decisões regulamentares, as conclusões retiradas da avaliação científica dos riscos», uma vez que podia ter em conta outros fatores legítimos e podia acompanhar as suas decisões de aprovação de medidas de atenuação dos riscos.

62      Antes de mais, segundo a recorrente, é errado aplicar em bloco a sistemática e os princípios do Regulamento n.o 178/2002 ao Regulamento n.o 1107/2009. Com efeito, contrariamente a este último, o Regulamento n.o 1107/2009 baseia‑se no princípio da precaução, pelo que coloca sistematicamente a preservação desses interesses acima da satisfação dos interesses económicos. Além disso, o anexo II do Regulamento n.o 1107/2009 estabelece um certo número de critérios de exclusão cujo incumprimento proíbe a aprovação da substância ativa em causa, sem nenhum poder de apreciação por parte da Comissão. É o que acontece, nomeadamente, com as propriedades desreguladoras do sistema endócrino, cujo risco foi suscitado pela recorrente, bem como com vários critérios ambientais. De um modo mais geral, no plano ecotoxicológico, o ponto 3.8 do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009 só permite à Comissão aprovar uma substância ativa se «a avaliação dos riscos demonstrar que os riscos são aceitáveis», nomeadamente representando apenas uma «exposição desprezível para as abelhas».

63      Segundo a recorrente, resulta destas disposições que a Comissão não está autorizada, a título de gestão dos riscos, a aprovar substâncias ativas que uma avaliação científica independente demonstre não serem conformes com os critérios fixados no anexo II do Regulamento n.o 1107/2009. O mesmo acontece com o caráter «aceitável» do risco, que pode por vezes ser determinado na fase da avaliação, e não com a gestão do risco. Com efeito, segundo a Comunicação da Comissão relativa ao princípio da precaução, de 2 de fevereiro de 2000 [COM(2000) 1 final], esta operação de gestão dos riscos só ocorre na presença de uma «avaliação científica dos riscos que, devido à insuficiência dos dados, ao seu caráter inconclusivo ou ainda à sua imprecisão, não permitem determinar com suficiente certeza o risco em questão». Por outras palavras, quando o risco estiver demonstrado com suficiente certeza, a Comissão não pode ignorar as conclusões da avaliação científica com base nas suas atribuições de gestora do risco. É o que acontece, nomeadamente, quando a EFSA indica a presença de «um risco elevado» associado à substância.

64      Além disso, a recorrente observa que, mesmo admitindo que a Comissão possa aprovar, tendo em conta outros interesses, nomeadamente de natureza económica, uma substância cuja avaliação da EFSA demonstre que não cumpre os critérios do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009, o Regulamento de Execução 2021/2049 não assenta em nenhuma fundamentação desse tipo.

65      Em segundo lugar, a recorrente critica a consideração da Comissão de que um regime de aprovação acompanhado de «medidas estritas de atenuação dos riscos», como o Regulamento de Execução 2021/2049, pode ser simultaneamente uma aplicação do princípio da precaução e um meio de respeitar o princípio da proporcionalidade. Por um lado, considera que a invocação desses princípios não pode ter por efeito tornar inoperantes os requisitos de aprovação claros e precisos fixados no artigo 4.o e no anexo II do Regulamento n.o 1107/2009. Se a avaliação científica levar à conclusão de que uma substância não preenche esses requisitos, a Comissão não se pode substituir ao legislador aprovando, no entanto, a referida substância por motivos políticos ou económicos. Por outro lado, a adoção de medidas de atenuação dos riscos deve ser compatível com o princípio da efetividade. Ora, este princípio é posto em causa por requisitos tão estritos que se tornem impraticáveis e corram, portanto, o risco de não serem aplicados, respeitados e controlados. Certas condições subjacentes ao Regulamento de Execução 2021/2049, como zonas‑tampão de mais de cem metros, são manifestamente irrealistas. De resto, nenhuma medida específica é imposta aos Estados‑Membros, o que torna o respeito destas condições ainda mais ilusório.

66      A Comissão contesta estes argumentos.

67      A título preliminar, há que observar que, contrariamente ao que alega a Comissão, a posição da recorrente segundo a qual a Comissão ficaria automaticamente privada de «qualquer poder de apreciação» em caso de incertezas quanto à questão de saber se um dos critérios indicados no n.o 3 do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009 está preenchido, apresenta uma ligação suficientemente estreita com o argumento, suscitado pela recorrente no n.o 16 do seu pedido de reexame interno, do qual resulta que, «de acordo com os princípios da precaução, do elevado nível de proteção da saúde humana e do ambiente e do artigo 4.o, [n.o] 1, do Regulamento [n.o 1107/2009], a identificação de um único [domínio crítico de preocupação] deverá conduzir a uma [não renovação da aprovação] da substância, na medida em que não seja possível assegurar a proteção da saúde humana ou do ambiente».

68      Do mesmo modo, no que respeita ao argumento baseado no ponto 3.8 do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009, há que considerar que este apresenta uma ligação suficientemente estreita com os argumentos invocados pela recorrente no seu pedido de reexame interno, pelo que deve ser considerado admissível, em aplicação da jurisprudência acima mencionada no n.o 46.

69      Quanto ao mérito, no que diz respeito ao papel da Comissão enquanto gestora de riscos e ao papel do princípio da precaução, há que recordar, antes de mais, que os procedimentos de autorização e de aprovação instituídos pelo Regulamento n.o 1107/2009 para os PFF e as suas substâncias ativas constituem uma das expressões do princípio da precaução (v. Acórdão de 17 de maio de 2018, Bayer CropScience e o./Comissão, T‑429/13 e T‑451/13, EU:T:2018:280, n.o 108 e jurisprudência referida).

70      O princípio da precaução constitui um princípio geral do direito da União que impõe às autoridades em questão que tomem, no quadro preciso do exercício das competências que lhes são atribuídas pela legislação relevante, medidas adequadas para evitar certos riscos potenciais para a saúde pública, a segurança e o ambiente, dando prevalência aos imperativos ligados à proteção destes interesses sobre os interesses económicos. Com efeito, como as instituições da União são responsáveis, em todos os seus domínios de competência, pela proteção da saúde pública, da segurança e do ambiente, o princípio da precaução pode ser considerado um princípio autónomo decorrente das disposições do Tratado, em especial do artigo 11.o, do artigo 168.o, n.o 1, do artigo 169.o, n.os 1 e 2, e do artigo 191.o, n.os 1 e 2, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de novembro de 2002, Artegodan e o./Comissão, T‑74/00, T‑76/00, T‑83/00 a T‑85/00, T‑132/00, T‑137/00 e T‑141/00, EU:T:2002:283, n.o 184; de 21 de outubro de 2003, Solvay Pharmaceuticals/Conselho, T‑392/02, EU:T:2003:277, n.o 121, e de 11 de julho de 2019, BP/FRA, T‑838/16, não publicado, EU:T:2019:494, n.o 396).

71      O princípio da precaução implica que, havendo incertezas quanto à existência ou à extensão de riscos, podem ser tomadas medidas de proteção, sem que seja necessário esperar que a realidade e gravidade de tais riscos estejam plenamente demonstradas. Quando for impossível determinar com certeza a existência ou o alcance do risco alegado devido à natureza inconclusiva dos resultados dos estudos realizados, mas ainda assim persista a probabilidade de um dano real caso o risco se concretize, o princípio da precaução justifica a adoção de medidas restritivas (v. Acórdão de 6 de maio de 2021, Bayer CropScience e Bayer/Comissão, C‑499/18 P, EU:C:2021:367, n.o 80 e jurisprudência referida).

72      Assim sendo, há que considerar que o princípio da precaução só justifica a adoção de medidas restritivas se forem não discriminatórias e objetivas além de proporcionadas. Assim, o princípio da precaução, conforme previsto no artigo 191.o, n.o 2, TFUE, dirige‑se à ação da União e não pode ser interpretado no sentido de que uma instituição da União é obrigada, apenas com base nesse princípio, a adotar uma medida precisa, como o indeferimento de uma autorização. Embora seja certo que esse princípio pode justificar a adoção de uma medida restritiva por uma instituição, não é menos verdade que não a impõe em todas as circunstâncias (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 4 de abril de 2019, ClientEarth/Comissão, T‑108/17, EU:T:2019:215, n.os 282 e 284).

73      Quando a avaliação científica não permite determinar a existência do risco com suficiente certeza, o recurso ou não ao princípio da precaução depende, regra geral, do nível de proteção escolhido pela autoridade competente no exercício do seu poder de apreciação. Essa escolha deve, porém, ser conforme com o princípio da prevalência da proteção da saúde pública, da segurança e do ambiente sobre os interesses económicos, assim como com os princípios da proporcionalidade e da não discriminação (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de novembro de 2002, Artegodan e o./Comissão, T‑74/00, T‑76/00, T‑83/00 a T‑85/00, T‑132/00, T‑137/00 e T‑141/00, EU:T:2002:283, n.o 186, e de 21 de outubro de 2003, Solvay Pharmaceuticals/Conselho, T‑392/02, EU:T:2003:277, n.o 125).

74      No processo de adoção de medidas adequadas por uma instituição para prevenir certos riscos potenciais para a saúde pública, para a segurança e para o ambiente por força do princípio da precaução, podem‑se distinguir três etapas sucessivas: primeiro, a identificação dos efeitos potencialmente negativos decorrentes de um fenómeno, segundo, a avaliação dos riscos para a saúde pública, para a segurança e para o ambiente ligados a esse fenómeno e, terceiro, quando os riscos potenciais identificados excedam o limite do aceitável para a sociedade, a gestão do risco pela adoção de medidas de proteção adequadas (Acórdão de 17 de maio de 2018, Bayer CropScience e o./Comissão, T‑429/13 e T‑451/13, EU:T:2018:280, n.o 111).

75      Primeiro, a recorrente alega, em substância, que, quando a EFSA deteta um risco com suficiente certeza, a Comissão não pode ignorar as conclusões da avaliação científica com base nas suas atribuições de gestora do risco.

76      A este respeito, importa, antes de mais, recordar que, na decisão recorrida, a Comissão indicou o seguinte:

«Ao adotar regulamentos de execução relativos à aprovação ou renovação da aprovação de uma substância ativa ao abrigo do [Regulamento n.o 1107/2009], a Comissão atua como gestora dos riscos na aceção do artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 178/2002. Na sequência de um processo de avaliação dos riscos em duas fases conduzido por um [EMR] e pela EFSA, em estreita consulta com os gestores dos riscos dos Estados‑Membros representados no Comité Permanente dos Vegetais, Animais e Alimentos para Consumo Humano e Animal — Secção Produtos fitofarmacêuticos — Legislação.

Por conseguinte, a Comissão faz questão de recordar, em primeiro lugar, que, enquanto gestora dos riscos, não está obrigada a seguir, nas suas decisões regulamentares, as conclusões retiradas da avaliação científica dos riscos, mas que as utiliza como base para tomar decisões em matéria de gestão dos riscos com pleno conhecimento de causa [v. considerando 34 do Regulamento (CE) n.o 178/2002], tendo em conta diversos elementos. Entre esses elementos figuram o projeto de relatório de avaliação da renovação elaborado pelo [EMR] e as conclusões da EFSA sobre os resultados da revisão pelos pares desse projeto de avaliação da renovação, realizada sob a sua direção. Com efeito, o artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento [de Execução] (UE) n.o 844/2012 estabelece que a Comissão “[tem] em conta” esses resultados ao tomar decisões em matéria de gestão dos riscos. Além disso, a Comissão pode solicitar à EFSA quaisquer esclarecimentos que considere necessários para tomar a sua decisão em matéria de gestão dos riscos, em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 178/2002, em especial se considerar necessário reforçar a segurança científica. Estas declarações fazem também parte da avaliação dos riscos em que a Comissão baseia a sua decisão.

O papel da Comissão enquanto gestora de riscos pressupõe que as suas decisões possam implicar uma escolha na seleção das opções de prevenção e controlo adequadas, a fim de atenuar os riscos identificados na avaliação dos riscos. Com efeito, o artigo 6.o do [Regulamento n.o 1107/2009] dispõe que a aprovação e a renovação das decisões de aprovação pela Comissão podem ser sujeitas a condições e restrições como a “necessidade de impor medidas de redução dos riscos” [artigo 6.o, alínea i)], a fim de garantir o cumprimento dos critérios de aprovação estabelecidos no artigo 4.o e no anexo II do [Regulamento n.o 1107/2009].

Neste contexto, a Comissão faz questão de recordar que o critério de aprovação no domínio do ambiente é a ausência de efeitos “inaceitáveis” no ambiente [v. artigo 4.o, n.o 3, alínea e), do Regulamento n.o 1107/2009], o que difere do critério relativo à saúde humana, a saber, “não terem efeitos nocivos imediatos ou a prazo na saúde humana […] ou na saúde animal” [v. artigo 4.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1107/2009].»

77      Antes de mais, importa recordar que, segundo a jurisprudência, a avaliação dos riscos para a saúde pública, para a segurança e para o ambiente consiste em a instituição à qual cabe enfrentar os efeitos potencialmente negativos de um fenómeno apreciar de forma científica esses riscos e determinar se ultrapassam o nível de risco considerado aceitável pela sociedade. Assim, para que as instituições possam proceder a uma avaliação dos riscos, importa que, por um lado, disponham de uma avaliação científica dos mesmos e, por outro, determinem o nível de risco considerado inaceitável para a sociedade (v. Acórdão de 17 de março de 2021, FMC/Comissão, T‑719/17, EU:T:2021:143, n.o 65 e jurisprudência referida).

78      A avaliação científica dos riscos é um processo científico que consiste, tanto quanto possível, em identificar e caracterizar um perigo, avaliar a exposição a esse perigo e caracterizar o risco [v. Acórdão de 12 de abril de 2013, Du Pont de Nemours (França) e o./Comissão, T‑31/07, não publicado, EU:T:2013:167, n.o 138 e jurisprudência aí referida].

79      Como processo científico, a avaliação científica dos riscos deve ser confiada pela instituição a peritos científicos (v. Acórdão de 17 de maio de 2018, Bayer CropScience e o./Comissão, T‑429/13 e T‑451/13, EU:T:2018:280, n.o 115 e jurisprudência referida).

80      A avaliação científica dos riscos não tem que fornecer obrigatoriamente às instituições provas científicas concludentes da realidade do risco e da gravidade dos potenciais efeitos adversos em caso de concretização desse risco. Com efeito, o contexto da aplicação do princípio da precaução corresponde por natureza a um contexto de incerteza científica. Além disso, a adoção de uma medida preventiva ou, pelo contrário, a sua revogação ou flexibilização não podem estar sujeitas à prova da inexistência de qualquer risco, na medida em que tal prova é, regra geral, impossível de fazer do ponto de vista científico, uma vez que um nível de risco zero não existe na prática. Todavia, uma medida preventiva não pode ser validamente fundamentada por uma abordagem puramente hipotética do risco, assente em meras suposições ainda não cientificamente verificadas (v. Acórdão de 17 de março de 2021, FMC/Comissão, T‑719/17, EU:T:2021:143, n.o 69 e jurisprudência referida).

81      Com efeito, a avaliação científica dos riscos deve basear‑se nos melhores dados científicos disponíveis e deve ser levada a cabo de modo independente, objetivo e transparente [v. Acórdão de 12 de abril de 2013, Du Pont de Nemours (França) e o./Comissão, T‑31/07, não publicado, EU:T:2013:167, n.o 141 e jurisprudência aí referida].

82      Além disso, só se pode tomar uma medida preventiva se o risco, sem que a sua existência e alcance tenham sido plenamente demonstrados por dados científicos conclusivos, se revelar ainda assim suficientemente documentado com base em dados científicos disponíveis no momento em que é tomada a medida [Acórdãos de 12 de abril de 2013, Du Pont de Nemours (França) e o./Comissão, T‑31/07, não publicado, EU:T:2013:167, n.o 143; de 17 de maio de 2018, Bayer CropScience e o./Comissão, T‑429/13 e T‑451/13, EU:T:2018:280, n.o 120, e de 17 de março de 2021, FMC/Comissão, T‑719/17, EU:T:2021:143, n.o 73].

83      Em seguida, a determinação do nível de risco considerado inaceitável para a sociedade cabe, no respeito das normas aplicáveis, às instituições encarregadas da opção política que é a fixação de um nível de proteção adequado para essa sociedade. É a essas instituições que cabe determinar o limiar crítico de probabilidade dos efeitos adversos para a saúde pública, para a segurança e para o ambiente e o grau desses efeitos potenciais que deixou de lhes parecer aceitável para essa sociedade e que, uma vez ultrapassado, exige, no interesse da proteção da saúde pública, da segurança e do ambiente, o recurso a medidas preventivas, apesar da incerteza científica subsistente (v. Acórdão de 17 de março de 2021, FMC/Comissão, T‑719/17, EU:T:2021:143, n.o 75 e jurisprudência referida).

84      Na determinação do nível de risco considerado inaceitável para a sociedade, as instituições estão sujeitas às suas obrigações de assegurar um nível de proteção elevado da saúde pública, da segurança e do ambiente. Esse nível de proteção elevado, para ser compatível com o artigo 114.o, n.o 3, TFUE, não tem que ser necessariamente o mais elevado possível do ponto de vista técnico. Por outro lado, essas instituições não podem adotar uma abordagem puramente hipotética do risco e orientar as suas decisões por um nível de «risco zero» [Acórdãos de 12 de abril de 2013, Du Pont de Nemours (França) e o./Comissão, T‑31/07, não publicado, EU:T:2013:167, n.o 146, e de 17 de março de 2021, FMC/Comissão, T‑719/17, EU:T:2021:143, n.o 76].

85      A determinação do nível de risco considerado inaceitável para a sociedade depende da apreciação feita pela autoridade pública competente sobre as circunstâncias específicas de cada caso concreto. A esse respeito, essa autoridade pode ter em conta, nomeadamente, a gravidade do impacto de superveniência desse risco para a saúde pública, para a segurança e para o ambiente, incluindo a extensão dos efeitos adversos possíveis, a persistência, a reversibilidade ou os possíveis efeitos posteriores desses danos e a perceção mais ou menos concreta do risco com base no estado dos conhecimentos científicos disponíveis [Acórdãos de 12 de abril de 2013, Du Pont de Nemours (França) e o./Comissão, T‑31/07, não publicado, EU:T:2013:167, n.o 147; de 17 de maio de 2018, Bayer CropScience e o./Comissão, T‑429/13 e T‑451/13, EU:T:2018:280, n.o 124, e de 17 de março de 2021, FMC/Comissão, T‑719/17, EU:T:2021:143, n.o 77].

86      Por último, a gestão do risco corresponde a todas as ações levadas a cabo por uma instituição que tem que enfrentar um risco para o reduzir a um nível considerado aceitável para a sociedade, tendo em conta a sua obrigação, decorrente do princípio da precaução, de assegurar um nível elevado de proteção da saúde pública, da segurança e do ambiente [Acórdãos de 12 de abril de 2013, Du Pont de Nemours (França) e o./Comissão, T‑31/07, não publicado, EU:T:2013:167, n.o 148; de 17 de maio de 2018, Bayer CropScience e o./Comissão, T‑429/13 e T‑451/13, EU:T:2018:280, n.o 125, e de 17 de março de 2021, FMC/Comissão, T‑719/17, EU:T:2021:143, n.o 78].

87      Essas ações incluem a adoção de medidas provisórias que devem ser proporcionadas, não discriminatórias, transparentes e coerentes face a medidas semelhantes já adotadas (v. Acórdão de 17 de maio de 2018, Bayer CropScience e o./Comissão, T‑429/13 e T‑451/13, EU:T:2018:280, n.o 126 e jurisprudência referida).

88      Tendo em conta o exposto, a recorrente não pode validamente sustentar que, uma vez que a EFSA identifica determinados domínios críticos de preocupação, a Comissão já não dispõe de qualquer poder de apreciação a esse respeito.

89      Com efeito, embora, por força do artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento de Execução (UE) n.o 844/2012 da Comissão, de 18 de setembro de 2012, que estabelece as disposições necessárias à execução do procedimento de renovação de substâncias ativas, tal como previsto no Regulamento (UE) n.o 1107/2009 (JO 2012, L 252, p. 26), a Comissão deva «ter em conta» as conclusões da EFSA e o projeto de relatório de avaliação da renovação emitido pelo EMR, na adoção de um regulamento relativo à renovação da aprovação de uma substância ativa, enquanto gestora dos riscos, não está vinculada pelas conclusões da EFSA ou do EMR (v., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2023, Ascenza Agro e Industrias Afrasa/Comissão, T‑77/20, EU:T:2023:602, n.os 246 e 247).

90      Com efeito, essa consideração não pode ser interpretada como uma obrigação de a Comissão seguir em todos os pontos as conclusões da EFSA ou do EMR, mesmo que essas conclusões sejam o ponto de partida da avaliação e, logo, tenham um peso importante na referida avaliação (v., neste sentido, Acórdão de 9 de fevereiro de 2022, Taminco e Arysta LifeScience Great Britain/Comissão, T‑740/18, EU:T:2022:61, n.o 141).

91      No entanto, o amplo poder de apreciação da Comissão enquanto gestora dos riscos continua enquadrado pelo necessário respeito das disposições do Regulamento n.o 1107/2009, em especial pelo seu artigo 4.o, lido em conjugação com o anexo II deste regulamento, bem como pelo princípio da precaução subjacente a todas as disposições deste regulamento.

92      Em particular, quando a avaliação dos riscos conduz à identificação de vários domínios críticos de preocupação, na aceção acima recordada no n.o 8, e a uma recomendação de não renovar a aprovação da substância ativa em causa, a Comissão não pode, em princípio, afastar‑se dos resultados dessa avaliação, sob pena de violar o princípio da precaução.

93      A este respeito, a Comissão só pode renovar a aprovação de uma substância ativa se se demonstrar suficientemente que, não obstante a identificação de domínios críticos de preocupação, as medidas de atenuação dos riscos permitem concluir que os critérios do artigo 4.o, n.os 1 a 3, do Regulamento n.o 1107/2009 são respeitados. Tal demonstração não pode ser considerada suficiente na ausência de verificação científica do caráter apropriado de tais medidas à luz dos critérios acima referidos.

94      Assim, como alega a Comissão, e sem prejuízo do respeito dos princípios acima enunciados nos n.os 89 a 93, o seu papel é precisamente a determinação dos riscos que são aceitáveis para a sociedade, com um limiar de tolerância mais elevado no que respeita à proteção do ambiente do que no que diz respeito à saúde humana ou animal, e tomando em consideração medidas de gestão para mitigar determinados riscos.

95      Contrariamente ao que alega a recorrente, isso não significa que, ao renovar a aprovação da substância ativa cipermetrina, impondo ao mesmo tempo certas medidas de gestão dos riscos, a Comissão tenha «ultrapassado» ou ignorado as avaliações científicas da EFSA.

96      A esse respeito, há que lembrar que, no caso em apreço, a avaliação dos riscos pela EFSA nas suas conclusões foi precisada posteriormente pela sua declaração de 2019, na qual confirmou a possibilidade de adotar medidas de gestão dos riscos. Por conseguinte, o simples facto de a EFSA ter identificado quatro domínios críticos de preocupação nas suas conclusões não permite considerar que a Comissão já não dispunha de nenhuma margem de apreciação, enquanto gestora dos riscos, desde que assegurasse que os critérios indicados no artigo 4.o do Regulamento n.o 1107/2009 estavam preenchidos. Por outras palavras, não está excluído que a Comissão verifique, no respeito do princípio da precaução, se o risco se poderia ter tornado aceitável através da imposição de determinadas medidas.

97      Além disso, a recorrente refere‑se erradamente a tais medidas de gestão dos riscos unicamente perante uma «ausência de dados». Com efeito, o artigo 4.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 1107/2009 refere‑se a «condições realistas de utilização» e permite, portanto, também a adoção das medidas em questão para riscos bem assentes, mesmo quando é demonstrado um risco com base num conjunto completo de dados.

98      Improcede, pois, a primeira alegação da recorrente.

99      Segundo, a recorrente alega, em substância, que o anexo II do Regulamento n.o 1107/2009 estabelece um certo número de critérios de exclusão cujo incumprimento proíbe a aprovação da substância ativa em causa, sem qualquer poder de apreciação da Comissão. É o caso, em especial, das propriedades desreguladoras do sistema endócrino previstos nos pontos 3.6.5 e 3.8.5 do anexo II do referido regulamento.

100    A este respeito, resulta da jurisprudência que os critérios que figuram nos pontos 3.6.2, 3.6.3 e 3.6.5 do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009 que são relativos, respetivamente, à genotoxicidade, à carcinogenia e as propriedades desreguladoras do sistema endócrino, estão redigidos e devem ser interpretados da mesma maneira que o mencionado no ponto 3.6.4 desse anexo, a saber, que uma substância ativa «só [é] aprovada se» essa substância «não [tiver] sido ou não [tiver] de ser» — classificada como mutagénica, cancerígena ou como tendo propriedades desreguladoras do sistema endócrino. Neste sentido, trata‑se de «critérios de exclusão», por oposição aos requisitos do artigo 4.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 1107/2009, relativamente aos quais o artigo 4.o, n.o 1, do mesmo regulamento prevê que, quando seja previsível que estejam preenchidos, a substância em causa deve ser aprovada (v., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2023, Ascenza Agro e Industrias Afrasa/Comissão, T‑77/20, EU:T:2023:602, n.os 118 e 121).

101    No entanto, basta observar que, no caso em apreço, não resulta da decisão recorrida que o critério previsto no ponto 3.6.5 do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009 não constitui um critério de exclusão, na aceção da jurisprudência acima referida no n.o 100. Além disso, em momento algum a cipermetrina foi qualificada pela EFSA ou pelo EMR como uma substância ativa com propriedades desreguladoras do sistema endócrino, na aceção do ponto 3.6.5 do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009. Por outro lado, o respeito do critério relativo às propriedades desreguladoras do sistema endócrino não constava dos «domínios críticos de preocupação» identificados pela EFSA nas suas conclusões.

102    A segunda alegação da recorrente deve, assim, ser julgada inoperante.

103    Terceiro, quanto aos argumentos da recorrente, relativos ao necessário respeito do princípio da efetividade, como foi acima indicado no n.o 91, o amplo poder de apreciação da Comissão enquanto gestora dos riscos continua enquadrado pelo artigo 4.o do Regulamento n.o 1107/2009, lido em conjugação com o anexo II deste regulamento. A este respeito, resulta do artigo 4.o, n.os 2 e 3, do referido regulamento, que a aprovação de uma substância ativa só pode ser concedida se se demonstrar que os requisitos de aprovação estão preenchidos, em condições realistas de utilização. Em conformidade com o n.o 5 desse mesmo artigo, deve demonstrar‑se que pelo menos uma utilização representativa de, pelo menos, um PFF que contenha essa substância respeita os referidos critérios, em condições realistas de utilização.

104    Do mesmo modo, a Comissão, enquanto gestora dos riscos, não pode considerar que os critérios do artigo 4.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 1107/2009 estão preenchidos quando essa conclusão assenta na imposição de medidas de atenuação dos riscos que não permitem excluir os efeitos adversos para a saúde humana ou os efeitos inaceitáveis para o ambiente, nomeadamente porque tais medidas são irrealistas. Por outras palavras, não pode identificar uma utilização «segura» sem se garantir de que as medidas de atenuação dos riscos adotadas para esse efeito permitem efetivamente, e não teoricamente, reduzir o risco identificado a um nível aceitável.

105    Contudo, na decisão recorrida, a Comissão não alegou de modo nenhum que tinha o direito de prever medidas de atenuação dos riscos que fossem irrealistas. Pelo contrário, baseou‑se na declaração de 2019 na qual a própria EFSA considerou que as medidas de atenuação dos riscos referidas no anexo I do Regulamento de Execução 2021/2049, cuja observância deve ser verificada pelos Estados‑Membros no âmbito dos procedimentos de autorização dos PFF que contenham a substância ativa em causa, permitiam concluir pela existência de um baixo risco para os organismos aquáticos, os artrópodes não visados e as abelhas. Por outro lado, a Comissão considerou que cabia aos Estados‑Membros, no âmbito dos referidos procedimentos de autorização, verificar se tais medidas eram possíveis na prática. Assim, o argumento da recorrente deve ser rejeitado.

106    Quanto à referência às considerações económicas ou políticas às quais a Comissão deu prioridade através da adoção do Regulamento de Execução 2021/2049, trata‑se de um argumento novo em relação às alegações suscitadas no pedido de reexame e, portanto, inadmissível no âmbito do presente recurso. Em todo o caso, o argumento é demasiado vago e hipotético para poder pôr em causa a legalidade da decisão recorrida.

107    Por último, ao afirmar, em substância, na decisão recorrida, que podia recorrer ao princípio da precaução na aplicação e na execução do Regulamento n.o 1107/2009, respeitando simultaneamente o princípio da proporcionalidade, como confirmou o Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 6 de maio de 2021, Bayer CropScience e Bayer/Comissão, C‑499/18 P, EU:C:2021:367, n.o 166), a Comissão não cometeu nenhum erro de direito.

108    Por conseguinte, sem prejuízo da questão de saber se a Comissão podia validamente considerar que a cipermetrina preenchia os requisitos de aprovação referidos no ponto 3.6.5 do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009, que será adiante examinada, a argumentação da recorrente deve ser rejeitada.

2.      Quanto ao papel atribuído aos EstadosMembros nos termos do Regulamento n.o 1107/2009

109    A recorrente entende que a Comissão não pode validamente considerar que é competência dos Estados‑Membros, no momento da emissão de autorizações de colocação no mercado de produtos que contenham cipermetrina, «estabelecer condições adequadas, como medidas de atenuação dos riscos» e proceder à avaliação comparativa prevista no artigo 50.o do Regulamento n.o 1107/2009, uma vez que a cipermetrina foi classificada como candidata a substituição.

110    Considera que a Comissão não se pode eximir das suas responsabilidades para com os Estados‑Membros. Por um lado, a maior parte dos Estados‑Membros não tem capacidade administrativa para conceber tais medidas de atenuação dos riscos e ainda menos para velar pelo seu cumprimento na prática. Ao descartar desta forma a responsabilidade nos Estados, a Comissão viola, portanto, o princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE. Por outro lado, o Regulamento n.o 1107/2009 prevê um princípio de reconhecimento mútuo que permite ao titular de uma autorização num Estado‑Membro invocá‑la noutros Estados. Este mecanismo tem por consequência privar os Estados‑Membros de um verdadeiro controlo sobre os produtos utilizados no seu território e é suscetível de dar origem a uma «corrida com a proposta mais baixa». Tendo em conta este contexto, a posição da Comissão compromete os dois objetivos do Regulamento n.o 1107/2009, a saber, a harmonização das regras em matéria de produtos fitossanitários no mercado interno e a realização de um elevado nível de proteção da saúde humana e do ambiente.

111    A Comissão contesta estes argumentos.

112    No anexo da decisão recorrida, a Comissão precisou o seguinte, a título de «observações preliminares», numa secção c) intitulada «O papel atribuído aos Estados‑Membros nos termos do [Regulamento n.o 1107/2009] para a autorização dos PFF»:

«A Comissão gostaria de recordar que os legisladores decidiram distinguir o nível de ação à escala da União no que diz respeito à aprovação de substâncias ativas, deixando ao mesmo tempo sob a responsabilidade dos Estados‑Membros a autorização dos produtos que contêm essas substâncias para utilizações como pesticidas [v. considerandos 10 e 23 do (Regulamento n.o 1107/2009)]. Por conseguinte, os Estados‑Membros devem garantir a segurança mediante o estabelecimento de condições adequadas, tais como medidas de atenuação dos riscos, incluindo, entre outras, as necessárias para a aprovação à escala da [União]. Além disso, quando uma substância é classificada como candidata a substituição, os Estados‑Membros só podem conceder autorizações se estiverem preenchidas as condições previstas no artigo 50.o do [Regulamento n.o 1107/2009], ou seja, após ter sido realizada uma avaliação comparativa.

No caso da cipermetrina, a Comissão procedeu com cuidado, analisando em pormenor os pontos de vista expressos pelos avaliadores dos riscos sobre a renovação da aprovação da cipermetrina. Entrou em contacto com a EFSA e com o [EMR]. Reforçou ainda mais a sua decisão, solicitando à EFSA uma declaração suplementar sobre a eficácia das potenciais medidas de atenuação dos riscos e obrigando os Estados‑Membros a impor essas medidas através das suas autorizações (ver “condições específicas” estabelecidas nos anexos I e II do regulamento da Comissão), relativas, nomeadamente, aos seguintes elementos:

–        Limitação da utilização aos utilizadores profissionais

–        Condições específicas e mensuráveis de proteção dos organismos aquáticos e dos artrópodes não visados, incluindo abelhas

–        Instruções específicas que exigem que os Estados‑Membros, ao analisarem um pedido de autorização, prestem especial atenção a vários aspetos, incluindo a proteção dos organismos aquáticos e dos artrópodes não visados, incluindo as abelhas, a avaliação dos riscos para os consumidores e a especificação técnica da substância ativa tal como é fabricada

–        Previsão de medidas de acompanhamento, se for caso disso.»

113    Ora, como acertadamente alega a Comissão, a recorrente não contesta o mérito dos argumentos acima referidos do anexo da decisão recorrida, limitando‑se a referir, no essencial, por um lado, que a Comissão se subtrai às suas obrigações «descartando as responsabilidades» nos Estados‑Membros, e, por outro, que o princípio do reconhecimento mútuo das autorizações, consagrado nos artigos 40.o e seguintes do Regulamento n.o 1107/2009, é contrário aos objetivos do referido regulamento.

114    Ora, quanto ao primeiro argumento, não se pode deixar de observar que, ao recordar que, por força do Regulamento n.o 1107/2009, a aprovação da substância ativa cabe à Comissão, ao passo que a autorização do produto cabe aos Estados‑Membros, a Comissão não cometeu nenhum erro de direito. A recorrente limita‑se, aliás, a invocar problemas de sobrecarga administrativa de que as autoridades nacionais sofrem, mas não contesta o argumento de que incumbe efetivamente aos Estados‑Membros, por força do artigo 50.o do Regulamento n.o 1107/2009, efetuar uma avaliação comparativa antes de concederem uma autorização relativa a um PFF que contenha uma substância candidata a substituição.

115    Na réplica, a recorrente afirma que o artigo 50.o do Regulamento n.o 1107/2009 em nada impedia a Comissão de fixar por si própria medidas de atenuação dos riscos no Regulamento de Execução 2021/2049. Ora, tal argumento é inoperante, na medida em que não põe em causa a constatação feita pela Comissão na decisão recorrida, segundo a qual, com base no sistema do Regulamento n.o 1107/2009, cabe aos Estados‑Membros determinar condições adequadas aquando da autorização dos produtos, que podem ir além das restrições relativas à substância ativa impostas a nível da União. As remissões efetuadas pela recorrente para o artigo 6.o e para o artigo 36.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009, admitindo que fossem admissíveis, também não permitem pôr em causa esta conclusão.

116    Quanto ao segundo argumento, relativo ao reconhecimento mútuo, os elementos invocados pela recorrente são igualmente inoperantes, na medida em que, tratando‑se de uma substância candidata a substituição, o artigo 41.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1107/2009 isenta precisamente essa substância da aplicação do reconhecimento mútuo obrigatório.

117    A recorrente alega, no entanto, que, por força desta disposição, os Estados‑Membros estão autorizados a aplicar o procedimento de reconhecimento mútuo, o que, na prática, levaria a uma corrida com a proposta mais baixa. Ora, admitindo que tal fenómeno se verificasse, na falta de uma exceção de ilegalidade do artigo 41.o do Regulamento n.o 1107/2009 suscitada pela recorrente, esse argumento também não é suscetível de demonstrar que a Comissão cometeu um erro de direito ou um erro manifesto de apreciação ao recordar, na decisão recorrida, o papel dos Estados‑Membros nos termos do Regulamento n.o 1107/2009.

118    Por conseguinte, devem ser julgados improcedentes todos os argumentos da recorrente relativos às observações preliminares enunciadas pela Comissão no anexo da decisão recorrida.

C.      Quanto às alegações da recorrente em apoio do seu pedido de reexame interno (segunda parte do fundamento único)

[OMISSIS]

1.      Quanto à sétima alegação, relativa à falta de exame da toxicidade crónica da formulação representativa apresentada pelo requerente

[OMISSIS]

435    Por conseguinte, há que julgar improcedente a sétima alegação e negar integralmente provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

436    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, nos termos do pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Pesticide Action Network Europe (PAN Europe) é condenada nas despesas.

Da Silva Passos

Reine

Pynnä

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 21 de fevereiro de 2024.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.


1      Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.