Language of document : ECLI:EU:T:2008:80

DESPACHO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

de 18 de Março de 2008 (*)

«Medidas provisórias – Controlo das concentrações – Proibição de uma operação notificada – Artigo 8.°, n.os 4 e 5 do Regulamento (CE) n.° 139/2004 – Pedido para que se ordene à Comissão que tome medidas contra a outra parte na concentração proibida – Medida incompatível com a repartição de competências entre as instituições – Competência da Comissão – Intimação de interveniente – Pedido de suspensão da execução – Admissibilidade – Fumus boni juris – Urgência – Prejuízo grave e irreparável – Efectivação do prejuízo dependente de eventos futuros e incertos – Razões insuficientes – Ponderação da globalidade dos interesses em presença»

No processo T‑411/07 R,

Aer Lingus Group plc, com sede em Dublin (Irlanda), representada por A. Burnside, Solicitor, e B. van de Walle de Ghelcke e T. Snels, advogados,

demandante,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por X. Lewis, E. Gippini Fournier e S. Noë, na qualidade de agentes,

demandada,

apoiada por

Ryanair Holdings plc, com sede em Dublin (Irlanda), representada por J. Swift, QC, V. Power, A. McCarthy e D. W. Hull, Solicitors, e G. M. Berrisch, advogado,

interveniente,

que tem por objecto um pedido para que se ordene à Comissão que tome certas medidas no que respeita à participação da Ryanair Holdings plc no capital da demandante ou, em alternativa, para que seja proferido um despacho no mesmo sentido contra a Comissão ou a Ryanair Holdings plc e para que seja suspensa a execução da Decisão C (2007) 4600 final da Comissão, de 11 de Outubro de 2007, que indefere o pedido da demandante de início do procedimento previsto no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, de 20 de Janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO L 24, p. 1), e adoptadas as medidas provisórias previstas no artigo 8.°, n.° 5, do referido regulamento,

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS,

profere o seguinte

Despacho

 Quadro jurídico

1        Nos termos do artigo 3.° do Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, de 20 de Janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO L 24, p. 1):

«1.      Realiza‑se uma operação de concentração quando uma mudança de controlo duradoura resulta da:

a)      Fusão de duas ou mais empresas ou partes de empresas anteriormente independentes; ou

b)      Aquisição por uma ou mais pessoas, que já detêm o controlo de pelo menos uma empresa, ou por uma ou mais empresas por compra de partes de capital ou de elementos do activo, por via contratual ou por qualquer outro meio, do controlo directo ou indirecto do conjunto ou de partes de uma ou de várias outras empresas.

2.      O controlo decorre dos direitos, contratos ou outros meios que conferem, isoladamente ou em conjunto, e tendo em conta as circunstâncias de facto e de direito, a possibilidade de exercer uma influência determinante sobre uma empresa e, nomeadamente:

a)      Direitos de propriedade ou de uso ou de fruição sobre a totalidade ou parte dos activos de uma empresa;

b)      Direitos ou contratos que conferem uma influência determinante na composição, nas deliberações ou nas decisões dos órgãos de uma empresa.

3.      O controlo é adquirido pelas pessoas ou pelas empresas:

a)      Que sejam titulares desses direitos ou beneficiários desses contratos; ou

b)      Que, não sendo titulares desses direitos nem beneficiários desses contratos, tenham o poder de exercer os direitos deles decorrentes.

[…]»

2        O artigo 8.° do Regulamento n.° 139/2004 dispõe:

«[…]

4.      Se a Comissão determinar que uma concentração:

a)      Já foi realizada e que a concentração foi declarada incompatível com o mercado comum; ou

b)      Foi realizada em infracção de uma condição associada a uma decisão tomada nos termos do n.° 2, que determinou que, na falta dessa condição, a concentração cumpriria o critério estabelecido no n.° 3 do artigo 2.° ou, nos casos referidos no n.° 4 do artigo 2.°, não cumpriria os critérios estabelecidos no n.° 3 do artigo 81.° do Tratado;

a Comissão pode:

–        exigir que as empresas em causa procedam à dissolução da concentração, em especial através da eliminação da fusão ou da alienação de todas as participações ou activos adquiridos, por forma a restabelecer a situação existente antes da realização da concentração. Nos casos em que o restabelecimento da situação não seja possível por via da dissolução da concentração, a Comissão pode tomar qualquer outra medida adequada para restabelecer, o mais possível, a situação existente antes da realização da concentração,

–        ordenar qualquer outra medida adequada para garantir que as empresas em causa procedam à dissolução da concentração, ou tomem outras medidas para restabelecer a situação tal como exigido na sua decisão.

Nos casos a que se refere a alínea a) do primeiro parágrafo, as medidas referidas nesse parágrafo podem ser impostas por uma decisão nos termos do n.° 3 ou por uma decisão separada.

5.      A Comissão pode tomar medidas provisórias adequadas para restaurar ou manter condições de concorrência efectiva sempre que uma concentração:

a)      Tiver sido realizada em infracção do artigo 7.° e ainda não tenha sido tomada uma decisão sobre a compatibilidade da concentração com o mercado comum;

b)      Tiver sido realizada em infracção de uma condição associada a uma decisão nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 6.° ou do n.° 2 do presente artigo;

c)      Já tiver sido realizada e for declarada incompatível com o mercado comum.»

 Matéria de facto

3        A demandante, Aer Lingus Group plc (a seguir «demandante» ou «Aer Lingus»), é uma sociedade anónima e a sociedade holding da Aer Lingus Limited, uma companhia aérea internacional de baixo custo, com sede na Irlanda, que presta serviços de transporte aéreo regular de e para os aeroportos de Dublin, Cork e Shannon. Na sequência da sua privatização, em 2006, pelo Governo irlandês, que nela manteve uma participação de 25,35% , permitiu‑se, em 2 de Outubro de 2006, que as acções dessa sociedade fossem negociadas.

4        Em 23 de Outubro de 2006, a Ryanair Holdings plc (a seguir «Ryanair»), que através da sua filial a 100%, Coinside Limited, tinha anteriormente adquirido, entre 27 de Setembro e 5 de Outubro de 2006, uma participação de 19.21% na Aer Lingus, lançou uma oferta pública de aquisição (OPA) relativamente à totalidade do capital social da Aer Lingus.

5        Em 30 de Outubro de 2006, a Ryanair, nos termos do artigo 4.° do Regulamento n.° 139/2004, notificou à Comissão um projecto de concentração em que se previa a aquisição da Aer Lingus.

6        Durante o período de validade da oferta pública de aquisição, a Ryanair adquiriu mais acções da Aer Lingus e, em 28 de Novembro de 2006, possuía 25,17% do seu capital social.

7        Em 20 de Dezembro de 2006, a Comissão tomou uma decisão nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 139/2004 (a seguir «regulamento») que deu início à segunda fase do procedimento. Nessa decisão, a Comissão considerou que as referidas aquisições em separado e a oferta pública de aquisição lançada pela Ryanair constituíam uma concentração única, na acepção do artigo 3.° do regulamento.

8        Em 27 de Junho de 2007, a Comissão adoptou a Decisão C (2007) 3104 (a seguir «decisão de proibição») em que declara que, por força do disposto no artigo 8.°, n.° 3, do regulamento, a concentração notificada é incompatível com o mercado. A Comissão concluiu que a concentração notificada entrava de forma significativa a concorrência no mercado comum, ou numa parte substancial deste, na acepção do artigo 2.°, n.° 3, do regulamento, em especial devido à criação de uma posição dominante da Ryanair e da Aer Lingus em 35 rotas de e para Dublin, Shannon e Cork e à criação ou reforço de uma posição dominante em 15 outras rotas de e para Dublin e Cork.

9        Por requerimento apresentado na secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 10 de Setembro de 2007, registado com o número de processo T‑342/07, a Ryanair pediu a anulação da decisão de proibição.

10      Após a decisão de proibição, a Ryanair adquiriu mais 4,3% do capital social da Aer Lingus, elevando a sua participação para 29,4% .

11      No procedimento que correu os seus termos na Comissão e que antecedeu a decisão de proibição, a Aer Lingus defendeu que a Comissão, caso proibisse a concentração, deveria tomar uma decisão, ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4, do regulamento, a exigir que a Ryanair alienasse a sua participação minoritária na Aer Lingus.

12      Em 27 de Junho de 2007, a directora‑geral adjunta da Direcção–Geral da Concorrência enviou um ofício à demandante em que afirmava que, na opinião dos serviços responsáveis pelo controlo das concentrações, a Comissão não tinha competência, nos termos do artigo 8.°, n.° 4, do regulamento, para ordenar à Ryanair que alienasse a sua participação minoritária, pois nada indiciava que, com 25,22% do capital da Aer Lingus, a Ryanair ficasse em posição de, de jure ou de facto e na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do regulamento, controlar a Aer Lingus. No ofício também se afirmava que, pelos mesmos motivos, a Comissão não tinha competência para, nos termos do artigo 8.°, n.° 5, do regulamento, tomar medidas provisórias

13      Em 17 de Agosto de 2007, a Aer Lingus requereu à Comissão a abertura de um procedimento contra a Ryanair, nos termos do artigo 8.°, n.° 4, do regulamento, e a tomada de medidas provisórias, nos termos do artigo 8.°, n.° 5, do mesmo diploma, para impedir a Ryanair de exercer os seus direitos de voto na Aer Lingus ou, em alternativa, que declarasse formalmente que não tinha competência para tomar tais medidas. Além disso, a Aer Lingus pediu que a Comissão tomasse formalmente posição sobre a interpretação do artigo 21.° do regulamento.

14      Em 11 de Outubro de 2007, a Comissão adoptou a Decisão C (2007) 4600 final, que indefere o pedido da Aer Lingus (a seguir «decisão impugnada»).

 Decisão impugnada

15      Na decisão impugnada, a Comissão considerou que, por força do artigo 3.° do regulamento, só existe concentração quando uma empresa adquire o controlo, sendo o controlo definido como a possibilidade de exercer uma influência determinante. No que diz respeito ao artigo 8.°, n.° 4, do regulamento, a Comissão recordou que essa disposição permite, quando a concentração já se realizou, exigir das as empresas em causa que dissolvam a concentração, em especial através da alienação de todas as participações ou activos adquiridos, por forma a restabelecer a situação existente antes da realização da concentração.

16      No entanto, a Comissão considerou que a concentração em causa ainda não se tinha realizado pois a Ryanair não tinha adquirido o controlo da Aer Lingus. As transacções levadas a cabo durante o procedimento que correu os seus termos na Comissão não podiam, portanto, ser consideradas a realização da concentração notificada.

17      A Comissão atribuiu particular importância ao facto de a participação minoritária da Ryanair não lhe permitir, de jure ou de facto, controlar a Aer Lingus, na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do regulamento. Acrescentou que, embora uma participação minoritária possa permitir, em certas circunstâncias, a conclusão de que há um controlo, nada existe no presente caso que indicie ser isso o que efectivamente se passa. De facto, de acordo com as informações de que a Comissão dispõe, os direitos da Ryanair enquanto accionista minoritária (em especial, o direito de bloquear as chamadas «deliberações de carácter especial», nos termos do direito das sociedades irlandês) estão exclusivamente associados aos direitos relacionados com a protecção dos accionistas minoritários e não conferem o controlo sobre a Aer Lingus. Além disso, a Comissão salientou que a própria Aer Lingus não alegou que a participação minoritária adquirida conduziria a que ficasse sob o controlo da Ryanair.

18      Finalmente, a Comissão salientou que o presente processo diferia dos anteriormente apreciados em que também fora aplicado o artigo 8.°, n.° 4, como na Decisão da Comissão, de 30 de Janeiro de 2002, que determina medidas para restabelecer uma concorrência efectiva, nos termos do n.° 4 do artigo 8.° do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho (Processo COMP/M.2416 – Tetra Laval/Sidel; JO 2004, L 38, p. 1, a seguir «processo Tetra Laval/Sidel»), e a Decisão da Comissão, de 30 de Janeiro de 2002, que ordena uma separação de empresas nos termos do n.° 4 do artigo 8.° do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho (Processo COMP/M.2283 – Schneider/Legrand; JO 2004, L 101, p. 134, a seguir «processo Schneider/Legrand»). De facto, nesses processos, em contraste com a presente situação, já tinha sido realizada com sucesso uma aquisição e o adquirente tinha adquirido o controlo da sociedade alvo.

19      No que diz respeito ao pedido da Aer Lingus para que a Comissão tome medidas provisórias, ao abrigo do artigo 8.°, n.° 5, do regulamento, a Comissão observa que a esta disposição se refere de forma semelhante à situação em que a concentração «[j]á tiver sido realizada e for declarada incompatível com o mercado comum», tendo daí concluído, portanto, que não tinha competência para, nesse caso, tomar medidas provisórias.

20      Quanto ao pedido da Aer Lingus para que a Comissão se pronuncie sobre a interpretação do artigo 21.° do regulamento, esta observou que esse pedido equivalia, na verdade, a um pedido de interpretação vinculativa de uma disposição de direito comunitário, de que os Estados‑Membros seriam os destinatários, para o qual não tem competência.

 Tramitação processual

21      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Novembro de 2007, registado sob o número de processo T‑411/07, a demandante, com base no quarto parágrafo do artigo 230.° CE, pediu a anulação da decisão impugnada.

22      Por requerimento separado, apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância na mesma data, registado sob o número de processo T‑411/07 R, a demandante, com base nos artigos 242.° CE e 243.° CE e no artigo 104.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, pediu a adopção de medidas provisórias e a suspensão da execução da decisão impugnada.

23      Em 12 de Dezembro de 2007, a Comissão apresentou observações escritas sobre este pedido de medidas provisórias.

24      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 27 de Novembro de 2007, a Ryanair pediu para intervir em apoio da posição da Comissão.

25      Em documento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 4 de Dezembro de 2007, a Aer Lingus indicou não se opor ao pedido de intervenção da Ryanair e declarou não requerer a confidencialidade dos documentos que apresentou ao Tribunal no quadro do processo T‑411/07 R.

26      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 5 de Dezembro de 2007, a Comissão indicou não se opor ao pedido de intervenção da Ryanair.

27      Em 7 de Dezembro de 2007, o presidente do Tribunal de Primeira Instância proferiu um despacho em que admitia a Ryanair a intervir em apoio da posição da Comissão e a apresentar as suas alegações, o que fez em 19 de Dezembro de 2007.

28      Realizou‑se uma audiência em 24 de Janeiro de 2008.

 Pedidos das partes

29      A demandante conclui pedindo que o presidente do Tribunal se digne:

–        ordenar à Comissão que exija à Ryanair, até ser proferido o acórdão no processo principal ou no processo T‑342/07, independentemente de qual seja o último:

–        que não exerça os direitos de voto ou quaisquer outros direitos associados às acções da Aer Lingus que a Ryanair possui, ou que dessas acções decorram (incluindo, sem limitação, a presença ou direito de voto nas assembleias ou o direito de convocar assembleias gerais), excepto ao abrigo de uma derrogação autorizada pela Comissão;

–        que confie as acções em causa a um depositário e delas não disponha, excepto em favor de um adquirente, no termo de um processo, aprovado pela Comissão;

–        que não aumente a sua participação na Aer Lingus;

–        em alternativa, ordenar, em relação à Comissão e/ou à Ryanair, todas as medidas que o presidente considere adequadas;

–        na medida do necessário, ordenar a suspensão da decisão C (2007) 4600 da Comissão, de 11 de Outubro de 2007, que indefere o pedido da demandante de início do procedimento previsto no artigo 8.°, n.° 4, do regulamento; e

–        condenar a Comissão nas despesas.

30      A Comissão conclui pedindo que o presidente do Tribunal se digne:

–        indeferir o pedido de suspensão da execução;

–        indeferir o pedido de medidas provisórias; e

–        condenar a demandante nas despesas.

31      A Ryanair conclui pedindo que o presidente do Tribunal de digne:

–        indeferir o pedido; e

–        condenar a demandante nas despesas ligadas ao pedido de intervenção.

 Questão de direito

32      Por força dos artigos 242.° CE e 243.° CE, conjugados com o artigo 225.°, n.° 1, CE, o Tribunal de Primeira Instância, se considerar que as circunstâncias o exigem, pode ordenar a suspensão da execução do acto impugnado ou ordenar as medidas provisórias necessárias.

33      O artigo 104.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância determina que os pedidos de medidas provisórias devem especificar o objecto do litígio, as razões da urgência, bem como os fundamentos de facto e de direito que, à primeira vista, justificam a adopção da medida provisória requerida. Por conseguinte, a suspensão da execução e as outras medidas provisórias podem ser concedidas pelo juiz do processo de medidas provisórias, se se provar que, à primeira vista, a sua concessão se justifica de facto e de direito (fumus boni juris) e que são urgentes, no sentido de que é necessário, para evitar um prejuízo grave e irreparável dos interesses do requerente, que sejam decretadas e produzam os seus efeitos antes da decisão no processo principal. Estes requisitos são cumulativos, de modo que as medidas provisórias devem ser indeferidas se um deles não estiver preenchido (despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 1996, SCK e FNK/Comissão, C‑268/96 P, Colect., p. I‑4971, n.° 30). O juiz das medidas provisórias procede igualmente, sendo caso disso, à ponderação dos interesses em presença (despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 2001, Áustria/Conselho, C‑445/00 R, Colect., p. I‑1461, n.° 73 e acórdão aí indicado).

34      Acresce que, no âmbito dessa análise de conjunto, o juiz das medidas provisórias dispõe de um vasto poder de apreciação e é livre de determinar, atentas as especificidades do caso, o modo como essas diferentes condições devem considerar‑se verificadas, bem como a ordem dessa análise, uma vez que nenhuma norma de direito comunitário lhe impõe um esquema de análise preestabelecido para apreciar a necessidade de decidir provisoriamente (despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 19 de Julho de 1995, Comissão/Atlantic Container Line e o., C‑149/95 P (R), Colect., p. I‑2165, n.° 23, e despacho do presidente da Primeira Secção do Tribunal de Justiça de 3 de Abril de 2007, Vischim/Comissão, Colect., p. I‑53, n.° 25).

 Admissibilidade

 Argumentos das partes

35      A Comissão defende que o pedido de medidas provisórias deve ser indeferido pois nenhuma das medidas pedidas faz parte das que podem ser adoptadas no âmbito de um processo de medidas provisórias.

36      Em primeiro lugar, a Comissão alega que as medidas provisórias requeridas excedem aquilo que a demandante poderia obter no processo principal, que não pode ser o despojamento automático da participação minoritária da Ryanair. Caso a Aer Lingus obtenha vencimento no processo principal, caberá à Comissão, nos termos do artigo 233.° CE, tomar as medidas necessárias execução do acórdão do Tribunal de Primeira Instância.

37      Além disso, a Comissão salienta que a demandante requer a adopção de medidas que produzam efeitos até à prolação do acórdão no processo principal ou no processo T‑342/07, independentemente de qual seja o último. Segundo a Comissão, estender a validade das medidas requeridas para além do termo do processo principal equivale a negar a natureza provisória ao processo de medidas provisórias. Também alega que o presente pedido de medidas provisórias não pode dizer respeito a um processo diferente e distinto no qual a demandante não é parte.

38      Em seguida, no que diz respeito ao pedido de suspensão da decisão impugnada, a Comissão sustenta que, segundo jurisprudência consolidada, um pedido de suspensão da execução não pode, em princípio, ser dirigido contra uma decisão administrativa negativa.

39      Em terceiro lugar, quanto ao pedido para que o presidente do Tribunal ordene à Comissão que exija à Ryanair que se abstenha de exercer os seus direitos de voto minoritários ou de tomar determinadas medidas positivas, a Comissão afirma que, desta forma, a demandante procura escapar à aplicação da jurisprudência segundo a qual o juiz das medidas provisórias não pode dar instruções a entidades que não são parte no litígio.

40      A Comissão considera que o facto de se ter reconhecido à Ryanair o direito de intervir não lhe confere, contudo, o estatuto de parte.

41      Em quarto lugar, quanto ao pedido para que o presidente do Tribunal ordene, em relação à Comissão e/ou à Ryanair, todas as medidas que considere adequadas, a Comissão considera que é vago e impreciso e, portanto, não cumpre os requisitos estabelecidos no Regulamento de Processo. Consequentemente, deve ser julgado inadmissível.

42      Nas suas alegações de intervenção, a Ryanair apoia a Comissão e considera que o pedido deve ser julgado inadmissível. Em especial, salienta que excede aquilo que a demandante poderia obter no processo principal e convida o juiz das medidas provisórias a não ter em conta o equilíbrio constitucional entre as instituições comunitárias e a assumir o papel da Comissão. Também defende que, no essencial, as medidas provisórias não são requeridas contra a Comissão, mas contra a própria Ryanair, que não é parte no processo. Desta forma, a Ryanair, bem como outras partes afectadas, ficariam privadas das garantias processuais de que beneficiam ao abrigo do regulamento e dos princípios gerais do direito comunitário e, em especial, ficariam privadas dos seus direitos de defesa.

 Apreciação do presidente

43      Sem claramente alegar que o presente pedido deve ser julgado integralmente inadmissível, a Comissão afirma que nenhum dos pedidos da demandante pode ser deferido no contexto do processo de medidas provisórias.

44      Cada um destes pedidos deve ser examinado separadamente.

45      Em primeiro lugar, quanto à duração das medidas requeridas, deve salientar‑se que, em conformidade com o artigo 107.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, a decisão pretendida pela demandante apenas tem carácter provisório e em nada prejudica a decisão do Tribunal de Primeira Instância sobre o mérito da causa. Daqui resulta que, em princípio, a duração dos efeitos dessa decisão não podem exceder a duração do processo principal. Por conseguinte, na medida em que o pedido de medidas provisórias «até ser proferido o acórdão no processo principal ou no processo T‑342/07, independentemente de qual seja o último», apresentado pela Aer Lingus, envolve a aplicação de medidas provisórias após a data da prolação do acórdão no processo principal, esse pedido deve ser indeferido. Quaisquer medidas provisórias deferidas no presente processo não podem aplicar‑se para além da data de prolação do acórdão no processo principal.

46      Em segundo lugar, no que diz respeito ao pedido de suspensão da execução da decisão impugnada, observe‑se que a decisão impugnada é uma decisão administrativa negativa contra a qual não se concebe um pedido de suspensão da execução, uma vez que a concessão da suspensão não pode ter como efeito a modificação da situação do requerente (despacho do presidente da Segunda Secção do Tribunal de Justiça de 31 de Julho de 1989, S./Comissão, C‑206/89 R, Colect., p. 2841, n.° 14; e despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 1997, Moccia Irme/Comissão, C‑89/97 P(R), Colect., p. I‑2327, n.° 45, e de 21 de Fevereiro de 2002, Front national e Martinez/Parlamento, C‑486/01 P (R) e C‑488/01 P‑R, Colect., p. I‑1843, n.° 73).

47      Na decisão impugnada, a Comissão rejeitou o pedido da Aer Lingus para que iniciasse um procedimento, nos termos do artigo 8.°, n.° 4, do regulamento, e adoptasse medidas provisórias, nos termos do artigo 8.°, n.° 5, do regulamento, de forma a impedir a Ryanair de exercer os seus direitos de voto nas assembleias da Aer Lingus, ou para que a Comissão se declarasse formalmente incompetente para o efeito. A suspensão da execução desta decisão administrativa de rejeição de modo algum afectaria, por si só, as condições que regem o exercício, pela Ryanair, dos direitos associados à sua participação minoritária no capital da Aer Lingus e, portanto, não teria qualquer efeito útil para a demandante.

48      Uma vez que a decisão de suspensão da execução da decisão impugnada não teria qualquer interesse para a demandante, este pedido deve ser indeferido, excepto se essa suspensão puder ser necessária para efeitos da adopção de qualquer outra das medidas provisórias requeridas pela Aer Lingus se o presidente as considerar admissíveis e procedentes.

49      Em terceiro lugar, quanto ao pedido da demandante para que se ordene à Comissão que exija à Ryanair que não exerça os direitos associados à sua participação na Aer Lingus ou que dessa participação decorrem, que confie as acções em causa a um depositário e delas não disponha, excepto em favor de um adquirente, e que não aumente a sua participação na Aer Lingus, deve observar‑se que, em princípio, a adopção de medidas que, se tomadas, constituem uma ingerência no exercício das competências dessa instituição, incompatível com a repartição das competências entre as diferentes instituições comunitárias pretendida pelos autores do Tratado CE, não é, portanto, possível considerá‑lo (v., neste sentido, despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Outubro de 1997, Eurocoton e o./Conselho, T‑213/97 R, Colect., p. II‑1609, n.° 40, e despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Julho de 2002, Lormines/Comissão, T‑107/01 R, Colect., p. II‑3193, n.os 52 e 53).

50      No caso vertente, se o acórdão no processo principal for no sentido de que, como a demandante alega, a Comissão tem competência para ordenar as medidas previstas no artigo 8.°, n.os 4 e 5, do regulamento, competirá à Comissão, se o considerar necessário no contexto das competências de controlo de que dispõe no domínio das concentrações, adoptar as medidas necessárias para executar o acórdão do Tribunal de Primeira Instância, nos termos do artigo 233.° CE. Consequentemente, se o juiz das medidas provisórias dever deferir este pedido, isso significa intimar a Comissão a retirar determinadas consequências precisas do acórdão de anulação e, por conseguinte, ordenar uma medida que ultrapassa as competências do tribunal que decide em sede de mérito (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Janeiro de 2004, Arizona Chemical e o./Comissão, T‑369/03 R, Colect., p. II‑205, n.° 67).

51      No entanto, por força do sistema de repartição de competências instituído pelo Tratado CE e pelo regulamento, compete à Comissão, se o considerar necessário no contexto das competências de controlo de que lhe dispõe no domínio das concentrações, e, em especial, por força do disposto no artigo 8.°, n.os 4 e 5, do regulamento, adoptar as medidas necessárias à reposição da situação anterior que considere necessárias. Assim, porque o primeiro pedido da Aer Lingus visa a obtenção de uma decisão do presidente do tribunal que imponha à Comissão a aplicação do artigo 8.°, n.os 4 e 5, do regulamento de determinada forma, esse pedido deve ser julgado inadmissível.

52      No que respeita ao pedido da Aer Lingus para que o presidente do Tribunal de Primeira Instância adopte, relativamente à Comissão e/ou à Ryanair, todas as medidas que considere necessárias para o efeito, a Comissão sustenta que este tipo de pedido é demasiado vago e, por conseguinte, inadmissível. A Comissão funda este argumento numa prática constante do Tribunal de Primeira Instância, segundo a qual os pedidos de medidas provisórias ao abrigo do artigo 243.° CE não podem ser vagos e imprecisos (v., neste sentido, despachos do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Fevereiro de 1996, Lehrfreund/Conselho e Comissão, T‑228/95 R, Colect., p. II‑111, n.° 58, e de 2 de Julho de 2004, Sumitomo Chemical/Comissão, T‑78/04 R, Colect., p. II‑2049, invalidado quanto a este aspecto no âmbito do recurso C‑381/04 P, ainda não publicado na Colectânea.)

53      Todavia, quando o conteúdo das medidas solicitadas pela demandante se demarca claramente do resto do pedido, o juiz das medidas provisórias pode concluir que o pedido não é, por natureza, vago e impreciso e, por conseguinte, julgá‑lo admissível. No caso vertente, depreende‑se com clareza desde o primeiro pedido que a demandante pretende obter medidas provisórias que garantam, designadamente, que a Ryanair não exercerá os seus direitos de accionista até à prolação de um acórdão no processo principal. Como a Comissão referiu no n.° 25 das suas observações, «o que a demandante realmente pretende é que sejam tomadas medidas provisórias contra a Ryanair». O objectivo das medidas requeridas para estes efeitos resulta inequivocamente do primeiro pedido da Aer Lingus. Por conseguinte, o pedido para que «o presidente do Tribunal de Primeira Instância adopte, relativamente à Comissão e/ou à Ryanair, todas as medidas que considere necessárias para o efeito» é, neste processo, suficientemente claro para satisfazer as condições definidas no Regulamento de Processo.

54      Na medida em que com esse pedido se pretende, na prática, obter uma decisão do presidente do Tribunal de Primeira Instância que obrigue a Comissão a exercer o seu poder de apreciação, nos termos do artigo 8.°, n.os 4 e 5, de uma forma determinada, com base no anteriormente disposto esse pedido é, contudo, inadmissível.

55      Na medida em que, por outro lado, com esse pedido se pretende obter uma decisão do presidente cujo destinatário é a interveniente, a Comissão sustenta que o juiz das medidas provisórias não pode aplicar medidas a pessoas que não são parte no litígio, que a Ryanair não deve ser considerada parte no litígio e que, por conseguinte, não pode ser objecto de quaisquer medidas provisórias. Além disso, mesmo que a Ryanair fosse considerada parte no processo, devido ao seu estatuto de «interveniente», a Comissão alega que, em virtude de jurisprudência constante, numa situação como a em apreço, em que as medidas pedidas ao juiz das medidas provisórias podem ter uma incidência grave nos direitos e interesses de terceiros, que neste caso inclui outros accionistas da Aer Lingus, que não são parte no litígio e, portanto, não podem ser ouvidos, essas medidas só podem justificar‑se se se verificar que, sem elas, os requerentes ficariam expostos a uma situação susceptível de pôr em perigo a própria existência (despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 1993, CCE Vittel e CE Pierval/Comissão, T‑12/93 R, Colect., p. II‑785, n.° 20).

56      Deve assinalar‑se que o artigo 243.° CE dispõe claramente que «[o] Tribunal de Justiça, nas causas submetidas à sua apreciação, pode ordenar as medidas provisórias necessárias». Uma redacção tão abrangente visa, manifestamente, garantir ao juiz das medidas provisórias competências suficientes para ordenar as medidas que considere necessárias para garantir a plena eficácia da futura decisão definitiva, a fim de evitar uma lacuna na protecção jurídica garantida pelo Tribunal de Justiça [v. despacho do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 2001, Comissão/NALOO, C‑180/01 P (R), Colect., p. I‑5737, n.° 52 e jurisprudência aí indicada]. Para garantir a plena eficácia do artigo 243.° CE não se pode, por conseguinte, excluir que o juiz das medidas provisórias possa impor obrigações directamente a terceiros, se necessário. Este amplo poder de apreciação deve ser exercido com respeito pelos direitos processuais, em especial pelos direitos de defesa, do destinatário das medidas provisórias e das partes directamente afectadas por essas medidas. É evidente que, ao decidir se deve conceder as medidas provisórias requeridas neste tipo de processo, o juiz das medidas provisórias deve, além disso, ter em devida conta o fumus boni juris e a iminência de um prejuízo grave e irreparável nesse caso concreto. Mesmo quando um terceiro não teve a oportunidade de ser ouvido no contexto de um processo de medidas provisórias, não se pode excluir que, em circunstâncias excepcionais e atenta a natureza temporária dessas medidas, seja destinatário de medidas provisórias se se verificar que, sem essas medidas, a demandante ficaria exposta a uma situação susceptível de pôr em perigo a própria existência.

57      A Ryanair foi admitida a intervir no presente processo por despacho do presidente de 7 de Dezembro de 2007 e apresentou as suas alegações em 19 de Dezembro de 2007. Além disso, a Ryanair, como todas as outras partes no presente processo, teve a oportunidade de expor os seus pontos de vista na audiência. Assim, no presente processo, a opinião da Ryanair também é tomada em consideração.

58      Conclui‑se que o pedido de medidas provisórias apresentado pela demandante ou qualquer outra medida no mesmo sentido, aplicável à Ryanair, que o presidente considere pertinente é admissível.

59      Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento da Comissão segundo a qual as medidas provisórias que têm por efeito suspender os direitos associados à participação da Ryanair no capital da Aer Lingus afectam terceiros, em especial os outros accionistas da Aer Lingus, uma vez que esses terceiros não foram ouvidos no presente processo, pelo que não pode ser ordenada qualquer medida que produza efeitos em relação a estes. A este respeito, deve assinalar‑se que, atentas as considerações precedentes, os amplos poderes de que dispõe o juiz das medidas provisórias apenas estão limitados, na medida em que podem ter incidência nos direitos e interesses de terceiros, nos casos em que esses direitos e interesses podem ser seriamente afectados (despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 1993, CCE Vittel e CE Pierval/Comissão, referido no n.° 55, n.° 20). Além disso, mesmo quando as medidas provisórias solicitadas ao juiz das medidas provisórias possam ter uma incidência grave nos direitos e interesses de terceiros, essas medidas provisórias podem, contudo, ser concedidas «se se verificar que, sem elas, os requerentes ficariam expostos a uma situação susceptível de pôr em perigo a própria existência» (despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 1993, CCE Vittel e CE Pierval/Comissão, referido no n.° 55, n.° 20 e jurisprudência aí indicada). O juiz das medidas provisórias procede a essas apreciações quando pondera os diferentes interesses em causa. Por conseguinte, não se pode excluir que, estando satisfeitas todas as condições, possam ser concedidas medidas provisórias no presente processo, apesar de poderem ter efeitos nos direitos e interesses de outros accionistas da Aer Lingus.

 Quanto ao mérito

 Fumus boni juris

–       Argumentos das partes

60      A demandante sustenta que os elementos factuais e legais expostos supra demonstram existir um grave litígio no que respeita à correcção da interpretação que a Comissão fez do artigo 8.°, n.os 4 e 5, na decisão impugnada.

61      Em primeiro lugar, a demandante contesta a afirmação constante do n.° 12 da decisão impugnada, segundo a qual «não podem ocorrer efeitos negativos, uma vez que a Ryanair não adquiriu, e não pode candidatar‑se a adquirir, o controlo da Air Lingus». Na opinião da demandante, esta afirmação é contrária aos factos, à boa teoria económica e às anteriores decisões da Comissão.

62      Quanto ao primeiro argumento, a demandante sublinha que a Ryanair utilizou a sua participação na Aer Lingus para tentar aceder ao plano estratégico confidencial dessa companhia e que bloqueou uma deliberação de carácter especial que teria permitido à Aer Lingus aumentar o seu capital ou proceder a aquisições estratégicas. Segundo alega, a Ryanair convocou duas assembleias‑gerais extraordinárias com o intuito de anular as deliberações estratégicas da Aer Lingus e ameaçou os seus administradores com acções em justiça por violação de obrigações estatutárias para com ela enquanto accionista.

63      Estes factos, segundo a demandante, afectaram a gestão da Aer Lingus, tendo‑se a empresa visto envolvida em confrontos e disputas legais com a Ryanair e ficado, inevitavelmente, enfraquecida como concorrente efectiva da Ryanair.

64      Quanto ao segundo argumento, a demandante alega que, de acordo com os bons princípios económicos, as participações minoritárias deste tipo falseiam a concorrência entre as empresas em causa. Em especial, a Ryanair não tem interesse em fazer concorrência à Aer Lingus pois, como accionista desta companhia que participa nos seus lucros, tem um interesse conflitual em manter o valor da sua participação e em assegurar‑se de que a Aer Lingus é rentável. Segundo a Aer Lingus, participações minoritárias como a da Ryanair têm consequências anti‑concorrenciais significativas.

65      Quanto ao terceiro argumento, a demandante invoca as decisões Tetra Laval/Sidel e Schneider/Legrand para fundar as suas alegações.

66      Nestas duas decisões, a Comissão considerou que em circunstâncias especiais a conservação de uma participação minoritária impediria o restabelecimento de condições para uma concorrência efectiva e teria consequências desproporcionados para a empresa alvo.

67      Em segundo lugar, segundo a demandante, a interpretação que a Comissão faz do artigo 8.°, n.os 4 e 5, é incorrecta. A Comissão, de acordo com a demandante, procedeu a uma interpretação meramente literal dessas disposições, quando uma interpretação ampla é mais consistente com o objectivo do regulamento.

68      Segundo a demandante, o Tribunal de Justiça no processo Kali e Salz (acórdão de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão, C‑68/94 e C‑30/95, Colect., p. I‑1375) e o Tribunal de Primeira Instância no processo Gencor (acórdão de 25 de Março de 1999, Gencor/Comissão, T‑102/96, Colect., p. II‑753), confrontados com a escolha entre duas possíveis interpretações de diferentes disposições do regulamento, consideraram que a interpretação mais restrita privaria parcialmente o regulamento do seu efeito útil, enquanto a interpretação mais ampla é consistente com a sua letra, embora isso não seja expressamente referido.

69      Na mesma linha, a demandante sustenta que o significado natural do artigo 8.°, n.os 4 e 5, é conforme à utilização das competências previstas nessas disposições para apreciar uma participação como a da Ryanair, enquanto a adoptada pela Comissão deixa a comunidade desarmada face à distorção de concorrência criada pela participação da Ryanair, adquirida no quadro da concentração proibida, e não está, por conseguinte, em conformidade com o objectivo do regulamento.

70      Em especial, a demandante defende que a interpretação da Comissão não tem em consideração os considerandos 2, 5, 6, 7, 8, 14, 20 e 23 do regulamento.

71      Quanto ao artigo 8.°, n.° 4, em vez de se orientar pelos considerandos do regulamento, a Comissão procedeu a uma interpretação meramente literal no n.° 10 da decisão impugnada e considera que «a concentração apreciada no presente procedimento não se realizou» e que «as transacções efectuadas durante o procedimento na Comissão não podem, por conseguinte, ser consideradas parte de uma concentração realizada».

72      Segundo a demandante, o primeiro erro cometido pela Comissão foi ter considerado as «transacções» que deve considerar distintas da concentração examinada na decisão de proibição. De acordo com a demandante, depreende‑se do número 12 da decisão de proibição que as «transacções» a que se refere são parte integrante da concentração proibida. Por conseguinte, a Comissão, ao reconhecer na sua decisão de 20 de Dezembro de 2006 que essas transacções e a OPA integram uma única concentração na acepção do artigo 3.° do regulamento, identificou de forma incorrecta a concentração a que se aplica o artigo 8.°, n.° 4. É necessário que dois requisitos sejam satisfeitos para que o artigo 8.°, n.° 4, se aplique: é necessário que exista uma concentração e esta deve ser considerada incompatível com o mercado comum.

73      Estando satisfeito o segundo requisito, a questão principal que se coloca é, de acordo com a demandante, a de apurar se a concentração assim definida se realizou. A este respeito, a demandante sustenta que a Comissão equipara erradamente o termo «realizada», constante do artigo 8.°, n.° 4, alínea a), à «aquisição de controlo», na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do regulamento. Na perspectiva da demandante, o artigo 8.°, n.° 4, alínea a), não se refere à «aquisição de controlo» e só inclui o termo «realizada». Em seu entender, o facto de a concentração nunca se ter consumado completamente – por a própria Comissão o ter impedido – não significa que a concentração não se tenha realizado, pelo menos parcialmente, através das transacções referidas no n.° 12 da decisão de proibição.

74      Para justificar o que alega, a demandante tentou, na audiência, apresentar como novos meios de prova comunicados de imprensa da Comissão que, segundo a Aer Lingus, demonstram ser prática corrente da Comissão considerar «realização» fases que não incluem o controlo. A demandante considera que os referidos documentos demonstram que a Comissão, no passados, efectuou inspecções surpresa para verificar se partes numa concentração realizaram uma aquisição examinada pela Comissão, em violação do artigo 7.°, n.° 1, do regulamento.

75      Em terceiro lugar, a demandante invoca um fundamento legal relativo ao artigo 7.° do regulamento. Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, uma concentração de dimensão comunitária não pode ter lugar antes de ter sido declarada compatível com o mercado comum. O artigo 7.°, n.° 2, dispõe que o n.° 1 não prejudica a realização de uma oferta pública de aquisição ou de uma série de transacções de títulos, desde que a concentração seja notificada à Comissão sem demora e que o adquirente não exerça os direitos de voto inerentes às participações em causa ou os exerça com base numa derrogação concedida pela Comissão nos termos do n.° 3.

76      A demandante alega que os n.os 1 e 2 do artigo 7.°, lidos conjugadamente, devem impedir a Ryanair de exercer os seus direitos de voto, excepto se a Comissão tiver concedido uma derrogação nos termos do n.° 3.

77      A Comissão alega que a demandante não demonstrou a existência do fumus boni juris susceptível de justificar a concessão das medidas provisórias requeridas. Em primeiro lugar, como premissa, a Comissão observa que o regulamento só se aplica a concentrações na acepção do artigo 3.°, e não à aquisição de uma participação minoritária que não confere controlo, na acepção do artigo 3.°, n.° 2, ou seja, uma influência decisiva, e que não se contesta que a participação da Ryanair na Aer Lingus não lhe confere controlo sobre essa sociedade.

78      Em segundo lugar, a Comissão alega que definir várias transacções como fazendo parte de uma única concentração garante que todas as transacções são notificadas em conjunto à Comissão e salvaguarda o «sistema de balcão único». Segundo a Comissão, no entanto, isto não lhe confere competência para controlar participações minoritárias como essa.

79      Em terceiro lugar, a Comissão considera que, uma vez dissolvida a concentração única definida no procedimento administrativo, o artigo 21.°, n.° 3, do regulamento já não obsta a que os Estados‑Membros apliquem a sua legislação nacional a essa participação minoritária.

80      Em quarto lugar, no que respeita à interpretação teleológica das disposições em causa, a Comissão observa que a interpretação a que a Aer Lingus procedeu é contrária ao objectivo geral do regulamento, que é o de controlar as concentrações, na acepção do artigo 3.°

81      Por último, a Comissão alega que as suas decisões anteriores, nos termos do artigo 8.°, n.° 4, do regulamento, não justificam a afirmação da Aer Lingus segundo a qual se pode considerar que se realizou uma concentração sem aquisição do controlo pois, em todos os casos anteriores, foi adquirido o controlo.

–       Apreciação do presidente

82      A demandante defende, no essencial, que foi erradamente que a Comissão se recusou a, nos termos do artigo 8.°, n.os 4 e 5, do regulamento, tomar medidas a respeito da participação minoritária da Ryanair na Aer Lingus. A este respeito, a Aer Lingus sustenta que a participação minoritária em causa tem efeitos negativos consideráveis sobre a concorrência e considera que foi erradamente que a Comissão concluiu que não tinha competência para tomar medidas nos termos do artigo 8.°, n.os 4 e 5.

83      Quanto à primeira alegação da demandante, relacionada com a afirmação contida no n.° 12 da decisão impugnada, de que «não podem ocorrer efeitos negativos, uma vez que a Ryanair não adquiriu, e não pode candidatar‑se a adquirir, o controlo da Air Lingus», é claro que, após uma leitura mais atenta da decisão impugnada, essa afirmação foi retirada do seu contexto, não constitui a base da decisão da Comissão de não tomar as medidas requeridas pela demandante ao abrigo do artigo 8.°, n.os 4 e 5, e é, por conseguinte, irrelevante para efeitos do presente procedimento. Efectivamente, segundo a Comissão, a razão de ser da decisão impugnada é, claramente, a de que nas presentes circunstâncias não se realizou nenhuma concentração e de que, por conseguinte, a Comissão não tem competência para tomar medidas nos termos do artigo 8.°, n.os 4 e 5, no que respeita à participação minoritária em causa, independentemente da questão de saber se é possível considerar que essa participação minoritária pode, ou não, estar na origem de preocupações em sede de concorrência.

84      Conclui‑se que não há necessidade de examinar com mais profundidade os argumentos apresentados pela demandante em apoio deste pedido, designadamente os que visam demonstrar que o pedido está em conformidade com os factos do processo, com a «boa teoria económica» e as decisões anteriores da Comissão

85      Com base nos argumentos das partes, tal como expostos supra e discutidos na audiência, a principal questão que o presidente tem de examinar no presente processo de medidas provisórias, quanto ao requisito do fumus boni juris, é a de saber se a demandante fez prova bastante de que, à primeira vista, a Comissão interpretou erradamente o termo «realizada», constante do artigo 8.°, no sentido de aquisição de controlo e de que, por outro lado, o requisito da «realização» deve ser concebido no sentido de englobar quaisquer acções ou diligências levadas a cabo pela parte notificante com o objectivo de consumar a concentração. Por outras palavras, a questão que se coloca é a de saber se uma «realização parcial» ou a realização apenas de um dos elementos que, em conjunto, constituem a concentração única notificada, pode constituir uma «realização» da concentração e desencadear a competência da Comissão, nos termos do artigo 8.°, n.os 4 e 5.

86      Em apoio da sua interpretação do artigo 8.°, n.os 4 e 5, a Aer Lingus refere a jurisprudência dos tribunais comunitários (n.° 68 supra) em que o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância concluíram que, confrontados com duas possíveis interpretações do regulamento, se deve adoptar a interpretação mais conforme à finalidade do regulamento.

87      Quanto à jurisprudência invocada pela demandante, deve sublinhar‑se que o Tribunal de Justiça, no acórdão Kali e Salz, e o Tribunal de Primeira Instância, no acórdão Gencor, consideraram que, dado que a interpretação literal do regulamento não permite apreciar o seu alcance exacto, a regulamentação em causa deve ser interpretada com base na respectiva finalidade (Kali e Salz, n.° 168, e Gencor, n.° 148).

88      Por conseguinte, antes de proceder a uma análise do artigo 8.°, n.os 4 e 5, do regulamento, tomando por referência a sua finalidade, é necessário determinar, em primeiro lugar, se a letra da disposição em causa não é suficientemente clara e se permite as duas interpretações diferentes evocadas pela demandante.

89      A este respeito, deve observar‑se, em primeiro lugar, que a definição do termo inglês «implementation» (realização) pode abranger tanto «o facto de ter atingido um objectivo» como a «execução» e pode, portanto, em princípio, gerar confusão quanto ao âmbito exacto das disposições constantes do artigo 8.°, n.os 4 e 5. Embora a utilização do present perfect simple na expressão «has already been implemented» constante do artigo 8.°, n.os 4, alínea a), e 5, alínea c), do regulamento (respectivamente, já foi realizada e já tiver sido realizada), possa sugerir que esta expressão se refere «à realização de um objectivo», esta consideração não basta, por si só, para determinar, mesmo à primeira vista, o âmbito das competências que o artigo 8.° do regulamento atribui à Comissão.

90      No entanto, é jurisprudência assente que a necessidade de uma interpretação uniforme dos regulamentos comunitários exclui que se considere isoladamente um texto determinado e exige, em caso de dúvida, que seja interpretado e aplicado à luz das versões estabelecidas nas outras línguas oficiais (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 1996, Lubella, C‑64/95, Colect., p. I‑5105, n.° 17 e jurisprudência aí indicada). Consequentemente, é necessário velar para que a versão inglesa do artigo 8.°, n.os 4 e 5, do regulamento não confira à expressão em causa um significado diferente do das outras versões linguísticas, e essa expressão deve ser interpretada e aplicada à luz das versões linguísticas existentes (v., para este efeito, acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Fevereiro de 1997, Ebony Maritime e Loten Navigation, C‑177/95, Colect., p. I‑1111, n.os 29 a 31). A este respeito, deve observar‑se que, na versão francesa do artigo 8.°, n.° 4, a expressão «has already been implemented» corresponde à «a déjà été réalisée», na versão italiana à «è già stata realizzata» e na versão alemã à «vollzogen wurde». O modo como o termo «implemented» foi utilizado nas outras línguas oficiais referidas indica que, prima facie, a definição de «implementation» a que se refere o artigo 8.°, n.os 4 e 5, implica a realização plena da concentração.

91      Em segundo lugar, esta conclusão pode, à primeira vista, ser confirmada através de uma comparação da versão francesa do artigo 8.°, n.os 4 e 5, com a versão francesa de outros diplomas comunitários em que o termo «implementation» significa claramente «aplicação» e não «concretização de um objectivo». É possível encontrar um exemplo dessa utilização do termo «implementation» no considerando 3 do preâmbulo ao Regulamento (CE) n.° 794/2004 da Comissão, de 21 de Abril de 2004, relativo à aplicação do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho que estabelece as regras de execução do artigo 93.° do Tratado CE, que refere: «Tal simplificação só é aceitável se a Comissão tiver sido devidamente informada da aplicação do auxílio existente em causa». O termo «implementation» surge neste caso, na versão francesa do considerando 3, como «mise en oeuvre» (aplicação) e não como «réalisation» (realização, concretização).

92      Em terceiro lugar, há que ter presente que, uma vez desencadeadas as competências da Comissão nos termos do artigo 8.°, n.° 4, esta instituição pode ordenar às empresas em causa que «dissolvam a concentração», uma expressão que, à primeira vista, pressupõe a existência de uma concentração, conforme definida no artigo 3.°, do regulamento, e, portanto, a aquisição de controlo. Neste contexto, deve observar‑se que, no caso vertente, ninguém contesta que a Ryanair, através da sua participação minoritária na Aer Lingus, não está em condições de exercer, de jure ou de facto, controlo sobre a demandante.

93      Consequentemente, sem que seja necessário discutir pormenorizadamente os argumentos da demandante relativos aos objectivos do regulamento, pode concluir‑se que a demandante não demonstrou a existência de um fumus boni juris.

94      Esta conclusão não pode ser posta em causa pela alegação da demandante de que a Comissão considera que o artigo 7.°, n.° 1, obsta à realização parcial, mesmo no que respeita às fases que não implicam qualquer alteração no controlo, e indica às partes que devem abster‑se de tomar tais medidas. Na audiência, a Comissão confirmou que, embora nunca tenha adoptado uma posição formal sobre a questão de saber se o artigo 7.° impede a aquisição de participações minoritárias, adoptou o princípio, no quadro das discussões com as partes notificantes, de pedir ao adquirente que se abstenha de exercer quaisquer direitos de voto, decorrentes de uma participação maioritária ou minoritária, até ao fim do procedimento. A este respeito, deve assinalar‑se, em primeiro lugar, que, com base na repartição de competências apreciada no n.° 42 supra, a interpretação do direito comunitário é uma prerrogativa do Tribunal de Justiça e não da Comissão e que, nessa medida, a prática da Comissão, apesar de influente e importante para determinar se se justificam determinadas expectativas legítimas, não é conclusiva neste contexto. Em segundo lugar, como indicado pela Comissão na audiência, mesmo que o artigo 7.°, n.° 1, do regulamento deva ser interpretado no sentido de apenas proibir uma alteração do controlo enquanto se espera pela apreciação da Comissão, e não as medidas não equiparáveis a uma alteração do controlo, como é o caso dos direitos de voto decorrentes de uma participação minoritária, atento o prazo de que a Comissão dispõe para fiscalizar uma concentração notificada e a combinação de factores que podem conferir o controlo em determinado caso, continuaria a ser legítimo para a Comissão pedir às partes que não tomem qualquer medida que possa conduzir a uma alteração do controlo. Além disso, embora não seja, à primeira vista, um requisito resultante do regulamento, é possível que as partes notificantes considerem mais vantajoso facilitar o procedimento administrativo da Comissão satisfazendo esse pedido e, assim, evitem o risco de a Comissão considerar necessário proceder a inspecções na instalações das partes para verificar se algumas das medida tomadas pelas partes notificantes não acarretou, na verdade, uma alteração do controlo.

95      Quanto aos comunicados de imprensa, que, segundo a demandante demonstram que é prática comum da Comissão tomar em consideração medidas que não implicam um controlo, como a «realização», deve observar‑se, antes de mais, que a demandante não explicou a razão pela qual esses comunicados, um dos quais de 1997, não estavam disponíveis quando apresentou o seu pedido nem porque só foram aduzidos numa fase tão adiantada do procedimento. Todavia, independentemente da admissibilidade desta prova tardia, basta referir que é inconclusiva para efeitos do significado do termo inglês «implementation». Em especial, a informação contida nos referidos comunicados de imprensa não parece afectar as considerações que precedem.

96      Na audiência, o representante da interveniente, referindo‑se à forma como a demandante utilizou o tempo do tribunal para apresentar tão tardiamente este tipo de prova, considerou que se estava próximo de um desrespeito ao tribunal. Sem que seja necessário apreciar esta grave alegação, o presidente considera que, de todo o modo, essa prova é inconclusiva e que, também a este respeito, se pode concluir que a demandante não demonstrou a existência de um fumus boni juris.

97      Nos termos da sua primeira alegação, ou seja, que a participação da Ryanair na Aer Lingus suscita problemas sérios de concorrência, a demandante afirmou que a recusa da Comissão em adoptar medidas nos termos do artigo 8.°, n.° 4, para obrigar a Ryanair a alienar a sua participação minoritária é contrária às decisões anteriores dessa instituição, tendo‑se referido, em particular, às decisões nos processos Tetra Laval/Sidel e Schneider/Legrand. A este respeito, com uma preocupação de exaustividade, deve salientar‑se que esta prova também não contraria a conclusão a que se chegou supra. Em especial, o facto de a Comissão ter considerado, nos processos Tetra Laval/Sidel e Schneider/Legrand, que a manutenção de uma participação minoritária na sociedade objecto da transacção notificada, proibida por força do regulamento, obstava ao restabelecimento de uma concorrência efectiva e, por conseguinte, ordenado a alienação de todas as acções que tinham sido adquiridas é irrelevante no contexto do presente processo. Na verdade, o facto de as competências da Comissão nesses processos terem sido desencadeadas pela «realização» da transacção, ou seja, devido a uma alteração do controlo, está em consonância com as conclusões precedentes. Uma vez desencadeadas essas competências, a Comissão tinha legitimidade, conforme especificamente disposto no artigo 8.°, n.° 4, para «exigir que as empresas em causa procedam à dissolução da concentração, em especial através da eliminação da fusão ou da alienação de todas as participações ou activos adquiridos, por forma a restabelecer a situação existente antes da realização da concentração».

98      Quanto à alegação da demandante baseada no artigo 7.°, ou seja, de que, uma vez que a aquisição proposta ainda não foi declarada compatível com o mercado comum, a Ryanair pode adquirir títulos ou realizar uma OPA no contexto da transacção notificada apenas na medida em que não exerça os direitos de voto associados aos títulos adquiridos, salvo derrogação da Comissão, basta declarar que a interpretação do termo «implementation» exposta supra também se deve aplicar mutatis mutandis aos argumentos da demandante relativos ao artigo 7.°

99      Por conseguinte, a Aer Lingus também não demonstrou a existência de um fumus boni juris a propósito deste fundamento jurídico.

100    Por último, a demandante alega que a interpretação do artigo 8.°, n.os 4 e 5, adoptada pela Comissão, em conjugação com a proibição imposta aos Estados‑Membros pelo artigo 21.°, n.° 3, de aplicarem a sua própria legislação sobre a concorrência às concentrações de dimensão comunitária, está na origem de uma lacuna incompatível com o objectivo do regulamento. A este respeito, deve salientar‑se, em primeiro lugar, que as mesmas circunstâncias factuais, em que uma empresa possui uma participação minoritária numa empresa concorrente que não permite um controlo e em que esse concorrente considera que a participação minoritária em causa é prejudicial à concorrência, podem muito bem ter lugar quando a participação minoritária não é adquirida no contexto de uma concentração. Nestas circunstâncias, não restam dúvidas de que o regulamento não seria aplicável e de que a impossibilidade de a Comissão analisar a participação minoritária em causa na perspectiva do artigo 8.°, n.os 4 e 5, do regulamento não estaria, claramente, na origem de uma lacuna quanto à capacidade de a Comunidade garantir uma sã concorrência.

101    No que diz respeito ao artigo 21.°, deve assinalar‑se, em primeiro lugar, que o n.° 3 do artigo 21.° deve ser interpretado em conjugação com o n.° 1. O artigo 21.°, n.° 1 dispõe que o regulamento só se aplica às concentrações com dimensão comunitária definidas no artigo 3.° À luz desta indicação, em circunstâncias como as do caso vertente, em que uma concentração notificada foi declarada incompatível com o mercado comum pela Comissão e em que, com esse fundamento, foi abandonada a OPA, não existe nenhuma concentração com dimensão comunitária na acepção do artigo 3.° Nestas circunstâncias, as partes também não podem ponderar a hipótese de uma concentração com dimensão comunitária, uma vez que essa concentração violaria a decisão já tomada pela Comissão. Assim, como a Comissão expôs nas suas observações escritas, não se pode afirmar que o artigo 21, n.° 3, é, à primeira vista, aplicável, uma vez que não existe, nem sequer pode ser considerada, uma qualquer concentração, à qual só o regulamento se aplica. A participação minoritária restante já não está, à primeira vista, associada a uma aquisição de controlo, deixa de fazer parte de uma «concentração» e está fora do âmbito do regulamento. Por conseguinte, o artigo 21.°, que, por força do considerando 8 do regulamento, visa garantir que as modificações estruturais importantes sejam exclusivamente apreciadas pela Comissão, em conformidade com o sistema de «balcão único», não obsta, em princípio e nestas circunstâncias, à aplicação da legislação nacional sobre a concorrência pelas autoridades nacionais incumbidas da concorrência e pelos órgãos jurisdicionais nacionais.

102    Deste ponto de vista, o facto de a decisão da Comissão que declarou a concentração incompatível com o mercado comum ser contestada no Tribunal de Primeira Instância é irrelevante do ponto de vista material, uma vez que, com base no artigo 242.° CE, os recursos para o Tribunal de Justiça não têm efeito suspensivo. Além disso, se as autoridades nacionais competentes em matéria de concorrência fossem impedidas de tomar medidas definitivas por razões de economia processual, seria lícito a essas autoridades adoptar medidas provisórias para responder às inquietações que pudessem ter enquanto aguardam pela decisão deste Tribunal.

103    Além disso, quanto à existência de uma lacuna legal, deve salientar‑se que, enquanto uma participação minoritária do tipo em causa não pode, à primeira vista, reger‑se pelo regulamento, pode considerar‑se a possibilidade de as disposições do Tratado CE sobre a concorrência, especialmente os artigos 81.° CE e 82.° CE, poderem ser aplicadas pela Comissão ao comportamento das empresas envolvidas depois da aquisição de uma participação minoritária. A este respeito, deve recordar‑se que, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, se se verificar uma infracção ao disposto nos artigos 81.° ou 82.° do Tratado, a Comissão pode impor «soluções de conduta ou de carácter estrutural proporcionadas à infracção cometida e necessárias para pôr efectivamente termo à infracção».

104    Enquanto o artigo 81.° CE pode, à primeira vista, ser de difícil aplicação em casos como o vertente, em que a infracção em causa resulta da aquisição de acções no mercado e, por conseguinte, pode ser difícil chegar a acordo, a demandante pode pedir à Comissão que inicie um procedimento nos termos do artigo 82.° CE, se entender que a Ryanair goza de uma posição dominante num ou mais mercados e abusa dessa posição, interferindo na estratégia comercial de um concorrente directo e/ou explorando a sua participação minoritária num concorrente directo para enfraquecer a sua posição.

105    É também pertinente referir que estas circunstâncias também ocorrem em casos, como o em apreço, em que todas as partes concordam que não houve alteração do controlo na acepção do regulamento. Contudo, se se apurar, numa fase ulterior, que a Ryanair exerce um controlo sobre a Aer Lingus ou o adquiriu graças à sua participação minoritária, então o artigo 8.°, n.os 4 e 5, pode ser aplicável.

106    Por conseguinte, relativamente a este fundamento jurídico, relativo à existência de uma lacuna incompatível com o objectivo do regulamento, pode concluir‑se que a demandante não demonstrou a existência de um fumus boni juris.

107    Conclui‑se que a demandante não fez prova da existência de um fumus boni juris.

 Urgência

–       Argumentos das partes

108    A demandante considera que o requisito relativo à urgência se encontra satisfeito neste caso, em especial na medida em que existe o risco de a Ryanair poder a todo o momento impor a sua vontade à Aer Lingus.

109    A demandante sustenta, em primeiro lugar, que devido à estrutura accionista actual da Aer Lingus, a Ryanair já tem a possibilidade de bloquear as deliberações especiais que exigem uma maioria de 75%. A demandante refere, além disso, que a Ryanair já usou a sua participação minoritária na Air Lingus para bloquear uma proposta de deliberação especial que autorizava a Aer Lingus a emitir acções adicionais susceptíveis de no máximo representarem 5% do seu capital social sem ter de previamente oferecer essas acções aos accionistas existentes.

110    Em segundo lugar, por diversas razões, o peso da Ryanair nas votações das deliberações ordinárias é, na prática, mais importante do que o resultante da sua participação. Com efeito, partindo do princípio de que só 80% dos direitos associados a acções da Aer Lingus se exprimirão numa assembleia‑geral, o que, segundo a demandante, representa a taxa de participação provável tendo em conta a taxa de presenças na primeira, e até agora única, assembleia‑geral da Aer Lingus, o peso do voto da Ryanair inclina‑se, efectivamente, para os 40%. Este peso é ainda maior devido ao facto de a Ryanair ser o maior accionista da Aer Lingus e um accionista muito especializado em aeronáutica e que, segundo a demandante, pode, potencialmente, ter uma influência muito grande sobre os outros accionistas.

111    Em terceiro lugar, a demandante sustenta que existe a possibilidade de o Governo irlandês, o segundo maior accionista da Aer Lingus, se abster em deliberações de accionistas que afectem a direcção estratégica da empresa. Também podem ocorrer situações em que o governo tenha de se abster, por exemplo quando for parte interessada na transacção em causa. Segundo a demandante, é o que poderia acontecer caso a Aer Lingus pretendesse celebrar acordos com a Dublin Airport Authority, controlada pelo Estado, por exemplo para voltar a desenvolver a sede da companhia. Nestas circunstâncias, a participação da Ryanair podia, de facto, representar mais de 50% do total dos votos susceptíveis de expressão.

112    Além disso, a Aer Lingus apresenta vários exemplos de casos em que a Ryanair pode interferir nos seus negócios, tirando partido das circunstâncias expostas supra. Designadamente, a Ryanair podia utilizar a sua participação na Aer Lingus para prosseguir a sua campanha contra o Terminal 2 do Aeroporto de Dublin, que, segundo a demandante, é crucial para os planos de expansão da Aer Lingus. Do mesmo modo, a Ryanair, que prefere os aviões da Boeing, podia interferir com os planos da Aer Lingus para adquirir aviões da Airbus. Nas suas alegações escritas, a Aer Lingus referiu a intenção da Ryanair de interferir na decisão da administração da Aer Lingus de abandonar um determinado número de rotas e de abrir outras. Na audiência, contudo, foi confirmado que essas tentativas não tiveram sucesso. Segundo a demandante, o prejuízo que resultaria do exercício, pela Ryanair, dos seus direitos de voto enquanto accionista minoritário caso a administração fosse derrotada num assunto de politica comercial seria simultaneamente grave e irreparável, e a perturbação que daí resultaria para a actividade da Aer Lingus não podia ser sanada pelo acórdão que o Tribunal deverá proferir no processo principal, nem de qualquer outra forma.

113    Na audiência, a demandante tentou apresentar, como prova nova, informações relativas, designadamente, a um contrato celebrado com a Airbus para entrega de aviões de grande fuselagem, o qual, segundo a demandante, ainda devia ser aprovado pelos accionistas pouco depois da audiência e que constitui um aspecto essencial da estratégia comercial da Aer Lingus para explorar as oportunidades resultantes do regime de «Open Sky». Caso as iniciativas do conselho de administração relativas a estas oportunidades não sejam aprovadas pelos accionistas da Aer Lingus a breve trecho, a Aer Lingus sofrerá um prejuízo grave e irreparável, pois deixaria de poder beneficiar dessas oportunidades após a prolação do acórdão no processo principal.

114    Por último, a demandante sustenta que o Tribunal de Primeira Instância, no presente caso, deve aplicar o «princípio de precaução» pois, segundo afirma, uma vez demonstrado que existe um risco não desprezível de a Ryanair poder causar à Aer Lingus um prejuízo grave e irreparável, ou contribuir para a sua produção, o Tribunal de Primeira Instância tem legitimidade para tomar medidas cautelares sem necessitar de esperar por outras provas da realidade desse risco.

115    A Comissão, por seu lado, considera essencialmente que o requisito da urgência não está preenchido.

–       Apreciação do presidente

116    Resulta de jurisprudência constante que o carácter urgente de um pedido de medidas provisórias deve ser apreciado por referência à necessidade que há de decidir a título provisório, a fim de evitar que seja causado um prejuízo grave e irreparável à parte que solicita a medida provisória. É a esta que incumbe provar que não poderá esperar o desfecho do processo principal sem ter de suportar um prejuízo dessa natureza (despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Novembro de 2001, Duales System Deutschland/Comissão, Colect., T‑151/01 R, Colect., p. II‑3295, n.° 187 e jurisprudência aí indicada).

117    Quando o prejuízo depende da superveniência de um conjunto de factores, basta que seja previsível com um grau de probabilidade suficiente (despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Janeiro de 2004, Arizona Chemical e o./Comissão, referido no n.° 50 supra, n.° 71; v. também, para este efeito, despachos do Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1993, Alemanha/Conselho, C‑280/93 R, Colect., p. I‑3667, n.os 32 a 34, e do presidente do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1999, HFB e o./Comissão, C‑335/99 P (R), Colect., p. I‑8705, n.° 67). Contudo, a demandante é, no entanto, obrigada a provar os factos que é suposto justificarem a perspectiva desse prejuízo grave e irreparável (despacho Arizona Chemical e o./Comissão, já referido, n.° 72; v. também, neste sentido, Despacho HFB e o./Comissão, referido no n.° 144 supra, n.° 67; v. também, para este efeito, HFB e o./Comissão, já referido, n.° 67).

118    A este respeito, deve sublinhar‑se que para se poder determinar se o prejuízo temido pela demandante é grave e irreparável e, por conseguinte, justifica que se decretem medidas provisórias, o juiz das medidas provisórias deve dispor de provas concretas que lhe permitam determinar as exactas consequências que, para cada uma das empresas em causa, muito provavelmente resultariam do facto de não serem decretadas as medidas requeridas.

119    A título preliminar, deve, portanto, salientar‑se que a alegação da demandante, segundo a qual o presidente deve aplicar o «princípio da precaução» e o Tribunal de Primeira Instância tem legitimidade para aplicar «medidas de protecção» sem ter de esperar pela prova da realidade do risco alegado pela demandante, é manifestamente inconsistente com os princípios e a jurisprudência aplicáveis a pedidos de medidas provisórias e não pode ser acolhida.

120    No caso em apreço, a demandante sustenta que a interferência da Ryanair, seu accionista e principal concorrente, na condução dos seus negócios a colocaria numa posição extremamente difícil e, em consequência, sofreria um prejuízo grave e irreparável. A demandante referiu, em especial, alguns cenários em que a Ryanair poderia ser capaz de influenciar o resultado da votação em inúmeros domínios que, segundo a demandante, são cruciais para os planos de desenvolvimento definidos pelo conselho de administração da Aer Lingus.

121    A este respeito, cabe sublinhar, a título preliminar, que a demandante não afirma que a Ryanair está em posição de controlar a Aer Lingus. Com base na definição de controlo dada no artigo 3.°, n.° 2, não se pode considerar que a Ryanair esteja em posição de «exercer uma influência determinante» sobre a Aer Lingus.

122    Além disso, a demandante, tanto nas suas alegações escritas como na audiência, momento em que lhe foi dada uma ampla oportunidade para defender a sua posição, não forneceu provas concretas suficientes quanto ao prejuízo que a Aer Lingus corre o risco de sofrer, quanto à probabilidade desse prejuízo ocorrer e quanto ao facto de esse prejuízo ser, efectivamente, grave e irreparável. Por exemplo, a demandante não forneceu elementos concretos suficientes que permitam determinar, em relação a cada exemplo dado, nomeadamente, se e quando devia ter lugar uma votação, a razão pela qual devia ocorrer uma votação antes de o Tribunal de Primeira Instância se pronunciar no processo principal, porque é que só a Ryanair estava em condições, nas circunstâncias concretas, de se opor a uma proposta do conselho de administração ou de aprovar as suas próprias propostas. Além do mais, a Aer Lingus não fez prova bastante de que o prejuízo que daí adviria seria grave e irreparável.

123    Conclui‑se que as alegações da demandante mais não são do que declarações hipotéticas e não fundamentadas que não cumprem o requisito da previsibilidade do prejuízo com o grau de probabilidade exigido.

124    Mais especificamente, em relação, em primeiro lugar, à alegação de que a Ryanair já goza, devido à actual estrutura accionista da Aer Lingus, da possibilidade de bloquear as deliberações especiais que exigem uma maioria de 75%, já tendo uma vez feito uso dessa possibilidade, a Aer Lingus não forneceu provas concretas de que deverá ser aprovada uma dessas deliberações especiais antes de o Tribunal de Primeira Instância se pronunciar no processo principal. Além disso, a Aer Lingus não apresentou provas concretas, que demonstrem com o grau de probabilidade exigido, de que a Ryanair se irá opor a essa hipotética deliberação especial e também não apresentou quaisquer provas concretas para sustentar a sua afirmação de que essa oposição pode causar um prejuízo grave e irreparável à Aer Lingus. Quanto à referência à única deliberação especial a que a Ryanair se opôs com sucesso até agora, a Aer Lingus não forneceu qualquer prova tangível para sustentar a sua afirmação de que a incapacidade do conselho de administração para obter a abolição dos direitos de preferência dos accionistas pode causar um prejuízo grave e irreparável à Aer Lingus.

125    Em segundo lugar, quanto à alegação da Aer Lingus de que o peso da Ryanair na votação das deliberações ordinárias é, na prática, mais significativo do que o peso que, em teoria, lhe confere a participação que possui, deve sublinhar‑se, mais uma vez, que, através deste argumento, a demandante não sustenta que a Ryanair esteja em posição, de jure ou de facto, de controlar a Aer Lingus. Além disso, esta não apresentou provas tangíveis de que a aprovação de uma deliberação desse tipo devia ocorrer antes de o Tribunal de Primeira Instância se pronunciar no processo principal. Além do mais, a Aer Lingus não apresentou quaisquer provas que sustentem a sua afirmação de que é provável que essa oposição lhe cause um prejuízo grave e irreparável.

126    Neste contexto, a Aer Lingus alega que a participação da Ryanair pode ocasionar um prejuízo grave para a concorrência, principalmente no contexto de duas questões, ou seja, a proposta do conselho de administração da Aer Lingus de aquisição de aparelhos fabricados pela Airbus e o projecto do mesmo conselho para o Terminal 2 do aeroporto de Dublin.

127    Quanto à proposta do conselho de administração de aquisição de aparelhos fabricados pela Airbus, deve salientar‑se, em primeiro lugar, que a conclusão da Aer Lingus de que a Ryanair se oporia a essa aquisição se funda na suposição geral de que, como a Ryanair possui uma frota composta apenas por aviões da Boeing, a Ryanair procuraria obrigar a Aer Lingus a adquirir aviões da Boeing, e numa declaração surgida na imprensa e segundo a qual a Ryanair tudo faria para que a frota da Aer Lingus só passasse a incluir aviões da Boeing. A este respeito, a Ryanair referiu na audiência, o que não foi contestado pela Aer Lingus, que tinha manifestado essa intenção num momento em que a aquisição estava a ser considerada e que o objectivo da conversão da frota da Aer Lingus numa frota constituída apenas por aviões da Boeing era o de facilitar a integração da Aer Lingus na Ryanair. Embora a Ryanair tenha recorrido da decisão da Comissão que declarou a aquisição da Aer Lingus incompatível com o mercado comum e, com este fundamento, se possa afirmar que a Ryanair ainda considera a possibilidade de integrar a Aer Lingus, não se pode concluir, com base na prova apresentada, que existe uma probabilidade suficiente de a Ryanair se opor à proposta do conselho de administração da Aer Lingus de aquisição de aviões da Airbus.

128    Além disso, embora a Aer Lingus tenha afirmado, na audiência, que pretende adquirir aviões de grande fuselagem da Airbus e que essa aquisição deve ser aprovada pelos accionistas pouco depois da audiência, não demonstrou com o grau de probabilidade necessário que embora essa aprovação seja obrigatória a taxa de participação na assembleia‑geral será tão baixa que a Ryanair disporá do número de votos suficiente para impedir a aprovação dessa aquisição e, por maioria de razão, para impor a aquisição dos aviões da Boeing. Por último, mesmo supondo que a Ryanair está em condições de se opor à aquisição de aviões da Airbus, a Aer Lingus não alegou que se o contrato não fosse ratificado até uma certa data a sua opção expiraria necessariamente.

129    De igual modo, em relação à alegação da Aer Lingus de que o Governo irlandês pode decidir abster‑se em certas deliberações, ou a isso ser obrigado pela legislação irlandesa, não foi apresentada qualquer prova tangível de que, antes de este tribunal se pronunciar sobre o processo principal, deve ser aprovada uma deliberação especifica em que o Governo irlandês se deverá abster e que necessita da aprovação dos accionistas. Além disso, a Aer Lingus não apresentou quaisquer provas concretas, susceptíveis de demonstrar com o grau de probabilidade exigido, de que essa abstenção pode conduzir à rejeição da proposta do conselho de administração, o que, por seu turno, pode implicar um prejuízo grave e irreparável para a Aer Lingus. Quanto ao exemplo específico do Terminal 2, a Aer Lingus não apresentou qualquer prova tangível para sustentar a sua afirmação de que é necessária uma deliberação dos accionistas para que os projectos do conselho de administração nesta área sejam aprovados e também não forneceu qualquer prova concreta para demonstrar que a legislação irlandesa exige do Governo irlandês que se abstenha de exercer os seus direitos de voto. Finalmente, nenhuma prova concreta foi fornecida para sustentar a afirmação de que a não obtenção, pelo conselho de administração, da aprovação dos accionistas para a sua ideia para a utilização do uso do Terminal 2 pode causar à Aer Lingus um prejuízo grave e irreparável.

130    Além disso, nas suas observações relativas às referidas questões, a demandante não demonstrou que o prejuízo que, em seu entender, a Aer Lingus sofreria não é pecuniário.

131    Quanto ao prejuízo pecuniário, é apropriado referir, nesta fase, que é jurisprudência assente que um prejuízo de carácter financeiro não pode, salvo circunstâncias excepcionais, ser considerado irreparável ou mesmo dificilmente reparável, uma vez que pode ser objecto de uma compensação financeira posterior. Está igualmente assente que uma medida provisória justificar‑se‑á se resultar que, na sua falta, o requerente ficará numa situação susceptível de colocar em risco a sua existência antes de ser proferido o acórdão que põe termo ao processo principal ou de alterar de forma irremediável a sua posição no mercado (despachos do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Julho de 2000, Esedra/Comissão, T‑169/00 R, Colect., p. II‑2951, n.° 45; de 3 de Dezembro de 2002, Neue Erba Lautex/Comissão, T‑181/02 R, Colect., p. II‑5081, n.° 84; de 27 de Julho de 2004, TQ3 Travel Solutions Bélgica/Comissão, T‑148/04 R, Colect., p. II‑3027, n.° 46, e de 10 de Novembro de 2004, Wam/Comissão, Colect., p. II‑3917, n.° 29). A este respeito, basta referir que a demandante nunca alegou que, caso as medidas provisórias requeridas não fossem deferidas, a sua própria existência ficaria em risco ou que a sua posição no mercado se alteraria de forma irremediável antes o Tribunal de Primeira Instância proferir a sua decisão no processo principal.

132    Na audiência, a demandante dispôs‑se efectivamente a fornecer, à porta fechada e sem a presença da interveniente, novas informações mais específicas sobre os exemplos de prejuízo expostos. Como exemplo do tipo de informação que podia fornecer numa audiência à porta fechada, a demandante esclareceu que a breve trecho será necessária uma votação dos accionistas para aprovar um contrato para aquisição de aviões da Airbus, cujos detalhes são altamente confidenciais. No entanto, a demandante não explicou de que forma as informações complementares podem satisfazer o requisito de urgência exigido para o deferimento das medidas provisórias. Além disso, a demandante não explicou as razões pelas quais essas informações complementares não tinham sido fornecidas nas suas observações escritas, sob reserva de confidencialidade, e só foram apresentadas numa fase tão adiantada do processo. Por último, das considerações precedentes, relativas à admissibilidade do pedido de medidas provisórias que tem a Ryanair por destinatário ou que sobre esta companhia deve produzir os seus efeitos, resulta que a prova produzida não estando a Ryanair presente não podem servir de base a medidas provisórias, pois isso violaria os direitos de defesa da Ryanair. A única excepção a este princípio, fundada na natureza temporária das medidas provisórias, tem cabimento nos casos em que, se as medidas provisórias solicitadas não fossem deferidas, é a própria existência da demandante que está em perigo. Como se referiu supra, a Aer Lingus nunca alegou que a sua existência, caso as medidas provisórias não fossem deferidas, ficaria em perigo.

133    Em qualquer caso, independentemente da admissibilidade deste novo meio de prova, não ficou demonstrado que essas informações complementares seriam susceptíveis de alterar a conclusão a que o presidente chegou supra.

134    À luz das considerações que precedem, deve declarar‑se que a demandante não demonstrou que, caso as medidas provisórias requeridas não sejam deferidas, sofrerá um prejuízo grave e irreparável.

135    Do exposto resulta que a demandante não fez prova do fumus boni juris e da necessidade de medidas provisórias para prevenir o risco iminente de um prejuízo grave e irreparável. Assim, há que indeferir o pedido de medidas provisórias. É o que decorre, nomeadamente, do facto de que, conforme resulta do n.° 56 supra, é necessário demonstrar a existência de um fumus boni juris manifesto e de um prejuízo grave e irreparável para que as medidas exigidas pudessem ser impostas à Ryanair, pois essas medidas teriam um grave impacto nos direitos e interesses da Ryanair enquanto accionista da Aer Lingus.

Pelos fundamentos expostos,

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

decide:

1)      O pedido de medidas provisórias é indeferido.

2)      Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

Feito no Luxemburgo, em 18 de Março de 2008.

Secretário

 

       Presidente

E. Coulon

 

       M. Jaeger


* Língua do processo: inglês.