Language of document : ECLI:EU:T:2010:281

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

6 de Julho de 2010 (*)

«Concorrência – Concentrações – Decisão que declara uma operação de concentração incompatível com o mercado comum – Conceito de concentração – Alienação de todas as participações adquiridas a fim de restabelecer a situação existente antes da realização da concentração – Recusa de ordenar medidas apropriadas – Incompetência da Comissão»

No processo T‑411/07,

Aer Lingus Group plc, com sede em Dublim (Irlanda), representada inicialmente por A. Burnside, solicitor, B. van de Walle de Ghelcke e T. Snels, advogados, e em seguida por A. Burnside e B. van de Walle de Ghelcke,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por X. Lewis, É. Gippini Fournier e S. Noë, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Ryanair Holdings plc, com sede em Dublim (Irlanda), representada por J. Swift, QC, V. Power, A. McCarthy, D. Hull, solicitors, e G. Berrisch, advogado,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão C (2007) 4600 da Comissão, de 11 de Outubro de 2007, que indefere o pedido da recorrente de instauração do procedimento previsto no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, de 20 de Janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO L 24, p. 1), e de adopção de medidas provisórias ao abrigo do artigo 8.°, n.° 5, do referido regulamento,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, E. Cremona e S. Frimodt Nielsen (relator), juízes,

secretário: C. Kantza, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 7 de Julho de 2009,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O artigo 3.° do Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, de 20 de Janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO L 24, p. 1, a seguir «regulamento das concentrações»), intitulado «Definição de concentração», dispõe:

«1. Realiza‑se uma operação de concentração quando uma mudança de controlo duradoura resulta da:

a)      Fusão de duas ou mais empresas ou partes de empresas anteriormente independentes; ou

b)      Aquisição por uma ou mais pessoas, que já detêm o controlo de pelo menos uma empresa, ou por uma ou mais empresas por compra de partes de capital ou de elementos do activo, por via contratual ou por qualquer outro meio, do controlo directo ou indirecto do conjunto ou de partes de uma ou de várias outras empresas.

2. O controlo decorre dos direitos, contratos ou outros meios que conferem, isoladamente ou em conjunto, e tendo em conta as circunstâncias de facto e de direito, a possibilidade de exercer uma influência determinante sobre uma empresa […]»

2        O artigo 8.° do regulamento das concentrações, sob a epígrafe «Poderes de decisão da Comissão», dispõe no n.° 4:

«Se a Comissão determinar que uma concentração:

a)      Já foi realizada e que a concentração foi declarada incompatível com o mercado comum; ou

[…]

a Comissão pode:

–        exigir que as empresas em causa procedam à dissolução da concentração, em especial através da eliminação da fusão ou da alienação de todas as participações ou activos adquiridos, por forma a restabelecer a situação existente antes da realização da concentração. Nos casos em que o restabelecimento da situação não seja possível por via da dissolução da concentração, a Comissão pode tomar qualquer outra medida adequada para restabelecer, o mais possível, a situação existente antes da realização da concentração,

–        ordenar qualquer outra medida adequada para garantir que as empresas em causa procedam à dissolução da concentração, ou tomem outras medidas para restabelecer a situação tal como exigido na sua decisão.

Nos casos a que se refere a alínea a) do primeiro parágrafo, as medidas referidas nesse parágrafo podem ser impostas por uma decisão nos termos do n.° 3 ou por uma decisão separada.»

3        Nos termos do artigo 8.°, n.° 5, do regulamento das concentrações:

«A Comissão pode tomar medidas provisórias adequadas para restaurar ou manter condições de concorrência efectiva sempre que uma concentração:

[…]

c)      Já tiver sido realizada e for declarada incompatível com o mercado comum.»

4        O artigo 21.° do regulamento das concentrações, intitulado «Aplicação do regulamento e competência», contém um n.° 3 com a seguinte redacção:

«Os Estados‑Membros não podem aplicar a sua legislação nacional sobre a concorrência às concentrações de dimensão comunitária.»

 Factos na origem do litígio

 Partes no litígio

5        A recorrente, Aer Lingus Group plc, é uma sociedade anónima de direito irlandês. Após a sua privatização pelo Governo irlandês em 2006, o Estado conservou 25,35% do seu capital e as acções da Aer Lingus Group foram cotadas na bolsa em 2 de Outubro de 2006. A Aer Lingus Group é a sociedade holding da Aer Lingus Ltd (a seguir, tomadas conjuntamente, «Aer Lingus»), uma companhia aérea com sede na Irlanda que assegura voos regulares a partir ou com destino aos Aeroportos de Dublim, de Cork e de Shannon.

6        A Ryanair Holdings plc (a seguir «Ryanair») é uma sociedade cotada na bolsa que assegura voos regulares em 40 países, incluindo entre a Irlanda e outros países europeus.

 Oferta de aquisição da Aer Lingus pela Ryanair e aquisições de participações

7        Em 5 de Outubro de 2006, ou seja, três dias após a primeira cotação das acções da Aer Lingus, a Ryanair anunciou a sua intenção de lançar uma oferta pública de aquisição (OPA) sobre a totalidade do capital social da Aer Lingus. Essa OPA foi lançada em 23 de Outubro de 2006, com um prazo de aceitação fixado inicialmente em 13 de Novembro de 2006, que foi subsequentemente prolongado pela Ryanair, primeiro até 4 de Dezembro de 2006 e posteriormente até 22 de Dezembro de 2006.

8        Antes de anunciar a sua intenção de lançar uma OPA, a Ryanair tinha adquirido no mercado uma participação de 16,03% no capital da Aer Lingus. Em 5 de Outubro, a Ryanair aumentou essa participação para 19,21%. Pouco tempo depois, a Ryanair adquiriu mais acções, de tal forma que detinha 25,17% da Aer Lingus em 28 de Novembro de 2006. Essa participação permaneceu inalterada até Agosto de 2007, altura em que, apesar da adopção, em 27 de Junho de 2007, da decisão da Comissão das Comunidades Europeias mencionada no n.° 15 infra, a Ryanair adquiriu mais 4,3% do capital da Aer Lingus, aumentando a sua participação para 29,3%.

 Exame e proibição da concentração notificada

9        Em 30 de Outubro de 2006, o projecto de concentração através do qual a Ryanair devia adquirir, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do regulamento das concentrações, o controlo da Aer Lingus pela OPA foi notificado à Comissão em conformidade com o artigo 4.° desse mesmo regulamento (a seguir «concentração notificada» ou «concentração»).

10      Por correio electrónico de 19 de Dezembro de 2006, a Ryanair informou a Comissão de que as suas aquisições de acções faziam parte do seu projecto de obter o controlo da Aer Lingus.

11      Por decisão de 20 de Dezembro de 2006, a Comissão considerou que a operação de concentração suscitava sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum e decidiu dar início ao procedimento de exame aprofundado, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do regulamento das concentrações. A concentração é descrita no n.° 7 dessa decisão da seguinte forma:

«Tendo a Ryanair adquirido os primeiros 19% do capital da Aer Lingus menos de dez dias antes da sua OPA, e os 6% suplementares pouco tempo depois, considera‑se que a totalidade da operação de aquisição de acções antes e após o período da oferta pública, bem como o próprio anúncio da OPA, constituem uma concentração única na acepção do artigo 3.° do regulamento das concentrações.»

12      A abertura do inquérito aprofundado teve por consequência a caducidade da OPA da Ryanair enquanto se aguardava a decisão final nesse procedimento. Com efeito, a legislação irlandesa determina a caducidade das OPA sujeitas ao controlo da Comissão quando esta dá início ao procedimento previsto no artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do regulamento das concentrações. Num comunicado de imprensa de 20 de Dezembro de 2006, o director‑geral da Ryanair declarou contudo:

«A Ryanair reafirma a sua intenção de adquirir a Aer Lingus e vai prosseguir por essa via no momento da – que segundo nós será – conclusão com sucesso da fase II do inquérito».

13      Em 3 de Abril de 2007, a Comissão enviou à Ryanair uma comunicação de objecções, em conformidade com o artigo 18.° do regulamento das concentrações. O n.° 7 dessa comunicação descreve a concentração notificada em termos idênticos aos da decisão de dar início ao procedimento de exame aprofundado.

14      Na sua resposta de 17 de Abril de 2007 à comunicação das objecções, a Ryanair afirmou que se comprometia perante a Comissão a não exercer os direitos de voto associados às suas acções Aer Lingus antes do fim do procedimento de exame aprofundado, observando que, de qualquer forma, as suas acções não lhe permitiam controlar a Aer Lingus.

15      Em 27 de Junho de 2007, em aplicação do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento das concentrações, a Comissão declarou que a concentração notificada era incompatível com o mercado comum [Decisão C (2007) 3104, processo COMP/M.4439 – Ryanair/Aer Lingus, a seguir «decisão Ryanair»]. Essa decisão constitui o objecto do processo T‑342/07, Ryanair/Comissão, no qual a Aer Lingus intervém em apoio da Comissão.

16      O considerando 12 da decisão Ryanair tem a seguinte redacção:

«Atendendo a que a Ryanair adquiriu os primeiros 19% do capital social da Aer Lingus menos de dez dias antes do lançamento da [OPA], e mais 6% pouco tempo depois, e tendo em conta as explicações da Ryanair relativas ao objectivo económico por ela prosseguido no momento em que efectuou essas operações, considera‑se que a totalidade da operação de aquisição de acções antes e após o período da [OPA], bem como a própria OPA, constituem uma concentração única na acepção do artigo 3.° do regulamento das concentrações.»

 Correspondência entre a Aer Lingus e a Comissão durante o procedimento de exame da concentração

17      Durante o procedimento de exame da concentração, a Aer Lingus apresentou várias observações à Comissão no que se refere à participação da Ryanair no seu capital.

18      Logo no procedimento de exame preliminar, a Aer Lingus pediu à Comissão que tratasse a participação da Ryanair e a sua OPA como uma concentração única. Após a decisão de abertura do procedimento de exame aprofundado, durante o qual a Comissão considerou que esses dois elementos faziam parte de uma concentração única, a Aer Lingus pediu à Comissão, por carta de 25 de Janeiro de 2007 e depois por carta de 7 de Junho de 2007, que ordenasse à Ryanair a alienação da sua participação no seu capital e que tomasse as medidas provisórias necessárias ao abrigo do artigo 8.°, n.os 4 e 5, do regulamento das concentrações. A título subsidiário, se a Comissão não se considerasse competente para agir ao abrigo dessas disposições, a Aer Lingus pedia‑lhe que declarasse que as autoridades nacionais encarregadas da concorrência não estavam impedidas, nos termos do artigo 21.°, n.° 3, do regulamento das concentrações, de exercer as suas competências no que diz respeito a essa participação.

19      Em 27 de Junho de 2007, ou seja, no dia da adopção da decisão Ryanair, a Direcção‑Geral (DG) «Concorrência» da Comissão escreveu à Aer Lingus para lhe indicar que os seus serviços não tinham competência para ordenar à Ryanair a alienação da sua participação minoritária ou para tomar outras medidas destinadas a restabelecer a situação anterior à realização da concentração, ao abrigo do artigo 8.°, n.os 4 e 5, do regulamento das concentrações. A DG «Concorrência» acrescentou que esta posição não constituía um obstáculo às competências dos Estados‑Membros quanto à eventual aplicação do seu direito da concorrência à aquisição pela Ryanair de uma participação minoritária na Aer Lingus.

 Correspondência entre a Aer Lingus e a Comissão após a decisão Ryanair, convite a agir ao abrigo do artigo 232.° CE e decisão impugnada

20      A decisão Ryanair que proíbe a realização da operação Ryanair/Aer Lingus não comporta nenhuma medida relativa à participação de 25,17% da Ryanair no capital da Aer Lingus.

21      Em 12 de Julho de 2007, a Aer Lingus enviou um memorando à Comissão, à Irish Competition Authority (Autoridade da concorrência irlandesa), ao Office for Fair Trading do Reino Unido (Serviço da lealdade das transacções comerciais) e ao Bundeskartellamt alemão (Autoridade federal competente em matéria de concorrência) a fim de convidar estas autoridades a adoptarem uma posição comum relativa à autoridade competente para agir no que diz respeito a essa participação. Segundo a recorrente, este memorando foi enviado ao Office for Fair Trading e ao Bundeskartellamt, na medida em que estas autoridades são competentes ao abrigo das disposições nacionais relativas ao controlo das concentrações para agir no que diz respeito às participações minoritárias, e à Irish Competition Authority, na medida em que as duas sociedades em causa são irlandesas e os consumidores mais afectados pela concentração seriam os que residem na Irlanda.

22      Por carta de 3 de Agosto de 2007, os serviços da Comissão reiteraram a sua posição segundo a qual não eram competentes para impor à Ryanair a alienação da sua participação, mas que isso não impedia os Estados‑Membros de aplicar a sua própria legislação em matéria de concorrência.

23      Em 17 de Agosto de 2007, a Aer Lingus enviou uma carta ao membro da Comissão encarregado da concorrência, em que convidava a Comissão a agir ao abrigo do artigo 232.° CE abrindo um procedimento nos termos do artigo 8.°, n.° 4, do regulamento das concentrações, e adoptando medidas provisórias nos termos do artigo 8.°, n.° 5, do referido regulamento, ou ainda declarando formalmente que não era competente para esse efeito. Além disso, a Aer Lingus pedia à Comissão que tomasse posição sobre a interpretação a dar ao artigo 21.° do regulamento das concentrações relativamente à participação de 25,17% da Ryanair no seu capital.

24      Em 11 de Outubro de 2007, a Aer Lingus recebeu a resposta da Comissão (a seguir «decisão impugnada»).

25      Por um lado, a Comissão rejeita o pedido da Aer Lingus de abrir um procedimento contra a Ryanair ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4, do regulamento das concentrações. Observa, antes de mais, que resulta do artigo 3.°, n.os 1 e 2, do regulamento das concentrações que uma concentração só se realiza quando uma empresa adquire o controlo de outra, isto é, a possibilidade de exercer uma influência determinante sobre esta última (n.° 8 da decisão impugnada). A Comissão também salienta que resulta do artigo 8.°, n.° 4, do mencionado regulamento que, se determinar que uma concentração já foi realizada e que foi declarada incompatível com o mercado comum, pode exigir às empresas em causa que procedam à dissolução da concentração, designadamente pela alienação de todas as participações ou activos adquiridos, por forma a restabelecer a situação existente antes da realização da concentração. Recorda que a Comissão também pode exigir qualquer outra medida adequada para que as empresas em causa procedam à dissolução da concentração ou tomem medidas para restabelecer a situação existente antes da realização da concentração (n.° 9).

26      Em seguida, a Comissão aplica estas disposições ao presente caso para concluir, nos n.os 10 e 11 da decisão impugnada, que a concentração notificada não foi realizada e que a participação contestada não confere à Ryanair o controlo da Aer Lingus. Esses números têm a seguinte redacção:

«10. A Comissão considera que a concentração examinada no presente caso não foi realizada. A Ryanair não adquiriu o controlo da Aer Lingus, e a decisão [Ryanair] exclui que ela o possa fazer mais tarde no âmbito da operação notificada. Por conseguinte, as operações efectuadas enquanto decorreu o procedimento na Comissão não podem ser consideradas parte de uma concentração realizada.

11. A este respeito, há que salientar que uma participação minoritária de 25,17% não confere à Ryanair o controlo, de facto ou de direito, da Aer Lingus na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do regulamento das concentrações. Ainda que, em certas circunstâncias, uma participação minoritária possa conduzir ao exercício do controlo, a Comissão não dispõe de nenhum elemento que indique que essas circunstâncias estão reunidas no presente caso. Com efeito, de acordo com as informações de que a Comissão dispõe, os direitos da Ryanair enquanto accionista minoritário (em especial, o direito de se opor às resoluções denominadas ‘especiais’, em conformidade com a legislação irlandesa sobre as sociedades) estão exclusivamente associados aos direitos relativos à protecção dos accionistas minoritários. Ora, esses direitos não conferem o controlo na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do regulamento das concentrações. Além disso, a própria Aer Lingus não parece sugerir que essa participação minoritária possa conduzir a que ela seja controlada pela Ryanair e não forneceu à Comissão provas que sugiram a existência desse controlo.»

27      Além disso, a Comissão refuta, nos n.os 12 e 13 da decisão impugnada, a análise sugerida pela Aer Lingus, segundo a qual a participação minoritária da Ryanair no seu capital representaria uma realização parcial da concentração declarada incompatível com o mercado comum pela Comissão, à qual se devia pôr fim em aplicação do artigo 8.°, n.° 4, do regulamento das concentrações:

«12. A interpretação sugerida da aquisição da participação minoritária como ‘realização parcial’ coberta pelo artigo 8.°, n.° 4, do regulamento CE das concentrações é difícil de conciliar com a redacção desta disposição, que faz claramente referência a uma concentração que ‘já foi realizada’. Uma vez que falta o elemento determinante de uma concentração na acepção do regulamento das concentrações, a saber, a aquisição de controlo, não se pode falar no presente caso de uma concentração que ‘já foi realizada’ e as partes não podem assim ser obrigadas a proceder à ‘dissolução da concentração’. A competência da Comissão limita‑se às situações em que o adquirente toma o controlo do alvo. As decisões na acepção do artigo 8.°, n.° 4, do regulamento das concentrações visam remediar os efeitos negativos sobre a concorrência que podem resultar da realização de uma concentração conforme definida no artigo 3.° desse regulamento. No presente caso, esses efeitos negativos não podem ocorrer, pois a Ryanair não adquiriu, e não pode adquirir, o controlo da Aer Lingus no âmbito da concentração projectada.

13. A este respeito, a situação neste processo difere claramente da que se verificava nos processos anteriores, aos quais foi aplicado o artigo 8.°, n.° 4, do regulamento das concentrações, como o processo Tetra Laval/Sidel ou o processo Schneider/Legrand, em que a [OPA] já tinha sido totalmente realizada e o adquirente tinha adquirido o controlo do alvo.»

28      Na medida em que o artigo 8.°, n.° 5, do regulamento das concentrações utiliza a mesma expressão que o artigo 8.°, n.° 4, para identificar as situações em que a Comissão pode agir, e tendo em conta o facto de não ter havido, no presente caso, a realização da concentração, a Comissão rejeita pelas mesmas razões o pedido da Aer Lingus de adoptar medidas provisórias ao abrigo do artigo 8.°, n.° 5, do referido regulamento (v. n.os 15 a 17 da decisão impugnada).

29      Por outro lado, no que diz respeito ao pedido de interpretação do artigo 21.° do regulamento das concentrações, no que se refere à participação de 25,17% da Ryanair no capital da Aer Lingus, a Comissão observa que o n.° 3 dessa disposição se limita a impor uma obrigação aos Estados‑Membros e não lhe confere qualquer direito ou poder específico. Assim, a Comissão considera que não está habilitada a fornecer uma interpretação vinculativa de uma disposição dirigida aos Estados‑Membros e que não pode responder ao pedido de interpretação apresentado pela Aer Lingus (n.os 20 a 25, e n.° 26, última frase, da decisão impugnada).

30      A Comissão observa igualmente que, se o Estado‑Membro não respeitar o artigo 21.°, n.° 3, do regulamento das concentrações, ela dispõe sempre do poder de iniciar contra o referido Estado um processo de incumprimento em aplicação do artigo 226.° CE (n.° 21 da decisão impugnada). De igual modo, se a Aer Lingus considerava que uma autoridade nacional da concorrência estava obrigada a agir no que diz respeito à participação minoritária detida pela Ryanair em conformidade com a legislação nacional aplicável em matéria de concorrência, ser‑lhe‑ia possível levar esse caso perante essa autoridade e/ou o tribunal nacional competente. Se o tribunal nacional considerasse que era necessária uma interpretação do artigo 21.°, n.° 3, para proferir a sua decisão, esse tribunal podia então pedir ao Tribunal de Justiça que decidisse a título prejudicial, em conformidade com o artigo 234.° CE, para clarificar a interpretação dessa disposição e garantir uma interpretação uniforme do direito comunitário pertinente (v. n.° 23 da decisão impugnada).

 Tramitação processual e pedidos das partes

31      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de Novembro de 2007, a recorrente interpôs, ao abrigo do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, um recurso de anulação da decisão impugnada.

32      Por requerimento separado, apresentado no mesmo dia, a recorrente também apresentou, ao abrigo do artigo 242.° CE, um pedido de medidas provisórias e de suspensão da execução da decisão impugnada.

33      Por despacho de 18 de Março de 2008, Aer Lingus Group/Comissão (T‑411/07 R, Colect., p. II‑411), o presidente do Tribunal Geral rejeitou os pedidos de medidas provisórias e de suspensão da execução.

34      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de Novembro de 2007, a recorrente requereu igualmente a tramitação acelerada, ao abrigo do artigo 76.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal. Por carta de 5 de Dezembro de 2007, a Comissão comunicou as suas observações sobre esse pedido.

35      Por decisão de 11 de Dezembro de 2007, o Tribunal Geral (Terceira Secção) rejeitou o pedido de tramitação acelerada.

36      Por despacho de 23 de Maio de 2008, o presidente da Terceira Secção do Tribunal Geral admitiu a Ryanair a intervir no litígio em apoio dos pedidos da Comissão.

37      Por fax entrado na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de Agosto de 2008, a Ryanair indicou que considerava suficientes as observações que tinham sido apresentadas pela Comissão nas suas alegações e que, consequentemente, renunciava à apresentação de alegações de intervenção. Esse fax continha os seus pedidos referentes ao litígio.

38      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Terceira Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo.

39      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 7 de Julho de 2009.

40      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

41      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso no que diz respeito à sua recusa de abrir um procedimento nos termos do artigo 8.°, n.° 4, do regulamento das concentrações e de adoptar medidas provisórias nos termos do artigo 8.°, n.° 5, do mesmo regulamento;

–        declarar inadmissível ou, subsidiariamente, negar provimento ao recurso no que diz respeito à sua recusa de fornecer uma interpretação do artigo 21.°, n.° 3, do regulamento das concentrações;

–        condenar a recorrente nas despesas.

42      A Ryanair conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas da intervenção.

 Questão de direito

43      A recorrente invoca dois fundamentos em apoio do seu recurso: o primeiro fundamento é relativo à violação do artigo 8.°, n.os  4 e 5, do regulamento das concentrações e o segundo fundamento é relativo à violação do artigo 21.°, n.° 3, desse mesmo regulamento. Na medida em que o segundo fundamento é apresentado pela recorrente de uma forma que o liga estreitamente ao primeiro fundamento, o que foi confirmado na audiência, durante a qual a recorrente indicou que o segundo fundamento podia ser considerado uma parte do primeiro fundamento, esses dois fundamentos serão examinados em conjunto pelo Tribunal.

 Argumentos das partes

44      No que diz respeito ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 8.°, n.os 4 e 5, do regulamento das concentrações, a recorrente alega que a Comissão violou estas disposições na decisão impugnada ao considerar, na sequência da decisão Ryanair que proibiu a realização da concentração projectada, que não era competente para obrigar a Ryanair a alienar a sua participação minoritária no seu capital, para tomar medidas apropriadas a fim de restabelecer a situação existente antes da concentração, ou para adoptar medidas provisórias.

45      Em primeiro lugar, a recorrente contesta a afirmação que consta do n.° 12 da decisão impugnada de acordo com a qual: «[os] efeitos negativos [sobre a concorrência] não podem ocorrer, pois a Ryanair não adquiriu, e não pode adquirir, o controlo da Aer Lingus no âmbito da concentração projectada». Alega, pelo contrário, que a participação da Ryanair tem efeitos negativos significativos sobre a concorrência e que, se, nessas circunstâncias, a Comissão não era competente, ao abrigo do artigo 8.°, n.os 4 e 5, do regulamento das concentrações, para eliminar esses efeitos, esse regulamento e a competência da Comunidade para garantir uma «concorrência não falseada» apresentam uma séria lacuna.

46      Entre os efeitos negativos significativos sobre a concorrência que a participação da Ryanair no seu capital implica, a recorrente alega os seguintes factos: a Ryanair utilizou a sua participação para tentar ter acesso ao plano estratégico confidencial e aos seus segredos comerciais; bloqueou uma decisão especial relativa ao aumento do seu capital e exigiu a convocação de duas assembleias‑gerais extraordinárias para anular duas decisões estratégicas por si adoptadas. Além disso, a Ryanair utilizou a sua qualidade de accionista para conduzir uma campanha contra a sua direcção e ameaçar os seus administradores de processos judiciais por violação de obrigações regulamentares a seu respeito. Estes factos enfraquecem a Aer Lingus na qualidade de concorrente efectivo da Ryanair.

47      No plano económico, esse tipo de participações minoritárias entre concorrentes colocados em situação de duopólio falseiam intrinsecamente a concorrência. A Ryanair é menos incitada a concorrer com a Aer Lingus pois, enquanto accionista, deseja manter o valor da sua participação e assegurar que a Aer Lingus dá lucros. Essa participação altera os interesses das partes, encorajando os aumentos de preço e as colusões tácitas, o que falseia a concorrência. A atractividade bolsista e financeira da Aer Lingus também fica reduzida devido à participação da Ryanair.

48      A referida afirmação, contestada pela Aer Lingus, é igualmente contrária à prática anterior da Comissão consagrada pela Decisão 2004/103/CE, de 30 de Janeiro de 2002, que contém medidas destinadas a restabelecer uma concorrência efectiva em conformidade com o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (Processo COMP/M.2416 – Tetra Laval/Sidel) (JO 2004, L 38, p. 1) (a seguir «decisão Tetra Laval»), em que a Comissão considerou que a Tetra Laval não devia ser autorizada a conservar uma participação na Sidel, e pela Decisão 2004/276/CE, de 30 de Janeiro de 2002, que ordena uma cisão de empresas com base no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho (Processo COMP/M.2283 – Schneider/Legrand) (JO 2004, L 101, p. 134, a seguir «decisão Schneider»), em que a Comissão considerou que uma participação da Schneider inferior a 5% do capital da Legrand não teria efeitos negativos sobre a concorrência. Quanto a este ponto, a recorrente contesta a afirmação da Comissão, no n.° 13 da decisão impugnada, segundo a qual a situação no presente caso difere das que deram lugar aos processos Tetra Laval e Schneider, nas quais a OPA já tinha sido totalmente realizada ou o adquirente tinha tomado o controlo do alvo. Essa distinção não é pertinente para a apreciação da afirmação que consta do n.° 12 dessa decisão de acordo com a qual, «na falta de controlo», não há consequências negativas sobre a concorrência. Nos processos Tetra Laval e Schneider, a Comissão adoptou precisamente o ponto de vista oposto, a saber, que, mesmo se as participações relevantes eram reduzidas a um nível que não permitia exercer o «controlo», uma participação minoritária teria mesmo assim por consequência uma distorção da concorrência inaceitável. Além disso, a concentração aqui em causa continua a ser uma concentração potencial. É irrelevante que a OPA tenha caducado ou não, pois a Ryanair manteve, e continua a manter, a sua intenção de adquirir a Aer Lingus. As diferenças entre os direitos nacionais aplicáveis às OPA não podem ser argumento para justificar que um adquirente possa conservar uma participação minoritária quando outro é obrigado a abandoná‑la. O impacto sobre a concorrência é o mesmo nos dois casos. No presente caso, a adopção da decisão Ryanair não pode ter por efeito privar a Comissão da sua competência para examinar a distorção da concorrência resultante de uma parte da concentração que acaba de proibir.

49      A recorrente invoca igualmente a prática da United Kingdom Competition Commission (Comissão da concorrência do Reino Unido), que, em Outubro de 2007, considerou a título provisório que a aquisição pela BSkyB de 17,9% das acções da ITV podia diminuir substancialmente a concorrência devido ao desaparecimento da rivalidade entre essas duas sociedades e à capacidade da BSkyB de influenciar concretamente a direcção da ITV.

50      Em segundo lugar, a recorrente sustenta que o artigo 8.°, n.° 4, do regulamento das concentrações deve ser interpretado no sentido de que se aplica à participação da Ryanair adquirida no contexto de uma concentração proibida. O mesmo raciocínio aplica‑se, mutatis mutandis, à competência da Comissão para tomar medidas provisórias ao abrigo do artigo 8.°, n.° 5, alínea c), do referido regulamento.

51      Antes de mais, há que dar ao regulamento das concentrações uma interpretação teleológica. Ao escolher entre duas interpretações possíveis do regulamento, o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral indicaram que a interpretação mais restritiva privaria o regulamento das concentrações do seu efeito útil, ao passo que a interpretação mais ampla era conforme com o texto do regulamento, mesmo que isso não fosse expressamente afirmado. A recorrente entende que a interpretação do artigo 8.°, n.os 4 e 5, do regulamento das concentrações feita pela Comissão na decisão impugnada é contrária à sua finalidade, que consiste em garantir um sistema de concorrência não falseado em conformidade com o artigo 3.°, alínea g), CE. A abordagem seguida pela Comissão priva a União de vias de recurso face à distorção da concorrência criada pela participação minoritária da Ryanair, mesmo que essa participação tenha sido adquirida no contexto de uma concentração proibida.

52      No que diz respeito ao pedido de aplicação do artigo 8.°, n.° 4, do regulamento das concentrações, que pressupõe uma concentração que «[j]á foi realizada» e que «foi declarada incompatível com o mercado comum», a recorrente salienta que a Comissão procede a uma interpretação meramente literal dessa disposição ao observar, no n.° 10 da decisão impugnada, que «a concentração examinada no presente caso não foi realizada» e que, «por conseguinte, as operações efectuadas enquanto decorria o procedimento na Comissão não podem ser consideradas parte de uma concentração realizada». Esta interpretação é errada, porque a Comissão considera que as «operações» a examinar na decisão impugnada são distintas da concentração examinada no considerando 12 da decisão Ryanair (v. n.° 16 supra). Essa interpretação também é errada devido à equiparação pela Comissão do termo «realizada», utilizado no artigo 8.°, n.° 4, alínea a), do regulamento das concentrações, à aquisição de «controlo», na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do referido regulamento. Para a recorrente, é manifesto que a concentração foi realizada no presente caso através de operações que fazem parte da concentração proibida e que permitiram à Ryanair adquirir (e continuar a deter) mais de 25% do capital da Aer Lingus. O facto de a concentração não ter sido totalmente levada a termo – porque a Comissão o impediu – não significa que a concentração não foi realizada, pelo menos parcialmente pelas operações mencionadas no considerando 12 da decisão Ryanair. A este respeito, a alegação da Comissão, no n.° 12 da decisão impugnada, segundo a qual o conceito de concentração «parcialmente realizada» não é sustentado pela redacção do artigo 8.°, n.° 4, é correcta, mas pouco útil, pois a redacção dessa disposição também não permite exigir uma realização completa no sentido de aquisição do controlo. Segundo a recorrente, o princípio condutor do artigo 8.°, n.° 4, do regulamento das concentrações não é a aquisição do controlo, mas a necessidade de restaurar o statu quo ante mediante a anulação das operações que fazem parte da concentração proibida.

53      Uma abordagem coerente do conceito de «realização» deve igualmente conduzir ao exame do sentido desse termo à luz do artigo 7.°, n.° 1, do regulamento das concentrações, que dispõe que uma concentração de dimensão comunitária não pode ser «realizada» nem antes de ser notificada nem antes de ter sido declarada compatível com o mercado comum. O exame da prática da Comissão quanto a este aspecto permite apurar que a mesma considera que essa disposição permite evitar as realizações parciais, incluindo as transacções que possam levar a uma transferência de controlo. No presente caso, a Comissão conseguiu que a Ryanair suspendesse o exercício dos direitos de voto relativos à sua participação no capital da Aer Lingus, ainda que o exercício desses direitos não corresponda ao exercício de um controlo. Por conseguinte, tratava‑se aqui certamente de evitar possíveis efeitos negativos sobre a concorrência.

54      A recorrente sustenta igualmente que, sem necessidade de apreciar as diferentes versões linguísticas do regulamento das concentrações, o conceito de «realização de uma concentração» utilizado pelo artigo 8.°, n.os 4 e 5, e pelo artigo 7.° pode ter três significados: a realização inteira da concentração, a realização parcial da concentração inteira ou a plena realização de uma parte da concentração. Esta ambiguidade é evidenciada no presente procedimento em que a Comissão proibiu uma concentração definida como contendo duas partes (uma aquisição de acções no mercado e uma OPA), das quais só a primeira foi realizada.

55      No que diz respeito ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 21.°, n.° 3, do regulamento das concentrações, a recorrente alega que as conclusões erradas da Comissão no que se refere à aplicação do artigo 8.°, n.os 4 e 5, do mencionado regulamento conduzem a um erro de interpretação dessa disposição. Com efeito, caso se verifique que a Comissão é competente para tomar medidas de desinvestimento relativamente à participação detida pela Ryanair, as autoridades nacionais encarregadas da concorrência não teriam assim nenhuma competência a esse respeito nos termos do artigo 21.°, n.° 3. Esta abordagem confirma o princípio do «balcão único». Se esta abordagem fosse correcta, a Comissão teria violado o artigo o artigo 21.°, n.° 3, do regulamento das concentrações na decisão impugnada, ao não indicar, de forma inequívoca, que esta disposição impede a intervenção das autoridades nacionais encarregadas da concorrência deixando assim aberta a possibilidade dessa intervenção. Essa violação seria tanto mais grave quanto as autoridades nacionais pertinentes emitiram opiniões contrárias. Uma interpretação coerente do artigo 8.°, n.os 4 e 5, desse mesmo regulamento excluiria qualquer interpretação do artigo 21.°, n.° 3, que impedisse os Estados‑Membros de aplicar o seu direito nacional à participação da Ryanair, depois de essa participação ser isolada da OPA, e que privaria igualmente a Comissão da competência para examinar essa participação ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4, do regulamento das concentrações. Caso contrário, a participação da Ryanair gozaria de imunidade jurídica tanto relativamente à União Europeia como aos Estados‑Membros.

56      A Comissão contesta esta argumentação. Salienta designadamente que o regulamento das concentrações só se aplica às «concentrações» que correspondem à definição consagrada pelo artigo 3.° do regulamento das concentrações. Nesse contexto, a aquisição de uma participação minoritária, não conferindo «controlo» em sentido próprio, não constitui uma «concentração» nos termos do regulamento das concentrações. A Comissão alega igualmente que o artigo 21.°, n.° 3, não lhe confere deveres ou poderes especiais e que, por isso, não está habilitada a dar uma interpretação dessa disposição quando é convidada a agir em conformidade com o artigo 232.° CE.

 Apreciação do Tribunal

57      No seu convite a agir, como no presente recurso, a Aer Lingus sustenta no essencial que a participação da Ryanair no seu capital adquirida antes ou durante a OPA representa uma realização parcial da concentração declarada incompatível pela Comissão. A fim de restabelecer as condições de uma concorrência efectiva, esta deveria ordenar a alienação de todas as participações adquiridas pela Ryanair em aplicação do artigo 8.°, n.° 4, do regulamento das concentrações (v. n.os 8, 23, 44 e seguintes supra).

58      Na decisão impugnada, a Comissão rejeita esse pedido de abertura de um procedimento contra a Ryanair ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4, do regulamento das concentrações, considerando que a concentração notificada por essa empresa não foi realizada e que a participação contestada não confere o controlo da Aer Lingus à Ryanair. A Comissão considera igualmente que, na falta de concentração realizada na acepção definida pelo regulamento das concentrações, a interpretação sugerida pela recorrente excede os limites da sua competência (v. n.os 25 a 27 supra).

59      A fim de apreciar a legalidade da decisão impugnada à luz do poder reconhecido à Comissão de ordenar a uma empresa a dissolução de uma concentração, designadamente pela alienação de todas as participações adquiridas noutra empresa, temos de nos situar no momento relevante definido no artigo 8.°, n.° 4, do regulamento das concentrações, que visa uma «concentração» que «[j]á foi realizada» e que «foi declarada incompatível com o mercado comum» (v. n.° 2 supra).

60      A este propósito, a decisão impugnada intervém efectivamente no momento em que a Comissão declarou que a concentração notificada pela Ryanair era incompatível com o mercado comum. Como a Comissão não tinha resolvido a questão da participação minoritária da Ryanair no capital da Aer Lingus na decisão Ryanair, que declarou a incompatibilidade da concentração notificada ao abrigo do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento das concentrações, ainda o podia fazer numa decisão distinta adoptada com base no artigo 8.°, n.° 4, in fine, do referido regulamento.

61      Contudo, tal como exposto com razão na decisão impugnada, a outra condição prevista no artigo 8.°, n.° 4, do regulamento das concentrações não está preenchida, na medida em que a concentração notificada não foi realizada. No presente caso, a partir do momento em que a decisão de incompatibilidade com o mercado comum foi adoptada, a Ryanair não dispõe, de direito ou de facto, da possibilidade de controlar a Aer Lingus ou de exercer uma influência determinante sobre a actividade dessa empresa.

62      No plano jurídico, o conceito de concentração utilizado pelo regulamento das concentrações é importante, pois serve de fundamento à competência da Comissão nos termos desse regulamento. Com efeito, o regulamento das concentrações aplica‑se a todas as concentrações de dimensão comunitária (artigo 1.°, n.° 1). O conceito de concentração é definido pelo artigo 3.° do mencionado regulamento. Nos termos do referido artigo 3.°, n.° 1, considera‑se que uma concentração está realizada quando há uma mudança duradoura do controlo, que resulta, por exemplo, da fusão de duas empresas ou da aquisição por uma empresa do controlo de outra empresa. O artigo 3.°, n.° 2, precisa que o dito controlo decorre dos direitos, contratos ou outros meios que conferem a possibilidade de exercer uma influência dominante sobre a actividade da empresa visada.

63      Assim, qualquer operação ou conjunto de operações que realize «uma mudança do controlo duradoura», conferindo «a possibilidade de exercer uma influência dominante sobre [a] empresa» visada, é considerada uma concentração realizada na acepção do regulamento das concentrações. A característica comum a essas concentrações é a seguinte: onde existiam duas empresas distintas antes da operação para uma determinada actividade económica passa a só existir uma após essa operação. Posta de lado a hipótese da fusão, que consagra o desaparecimento de uma das duas empresas em causa, a Comissão deve assim determinar se a realização da concentração tem por consequência atribuir a uma das empresas em causa um poder de controlo sobre a outra, poder esse que não detinha antes. Esse poder de controlo consiste na possibilidade de exercer uma influência determinante sobre a actividade de uma empresa, designadamente quando a empresa titular desse poder lhe pode impor escolhas relativas às suas decisões estratégicas.

64      Resulta do que antecede que a aquisição de uma participação que não confere, em si mesma, o controlo na acepção definida pelo artigo 3.° do regulamento das concentrações não constitui uma concentração considerada realizada, visada por esse regulamento. Quanto a este aspecto, o direito da União distingue‑se do direito de certos Estados‑Membros, cujas autoridades nacionais estão habilitadas pelas disposições de direito interno relativas ao controlo das concentrações para agir no que diz respeito às participações minoritárias mais amplamente definidas (v. n.os 21 e 49 supra).

65      Contrariamente ao que afirma a recorrente, o conceito de concentração não pode ser alargado a casos em que, na falta da obtenção do controlo, a participação em causa não confere, em si mesma, a possibilidade de exercer uma influência determinante sobre a actividade da empresa, mas se insere mais amplamente no quadro de uma concentração notificada examinada pela Comissão e declarada incompatível com o mercado comum no fim desse exame sem que tenha havido mudança de controlo na acepção acima referida.

66      Esse poder não é conferido à Comissão pelo regulamento das concentrações. De acordo com os próprios termos utilizados pelo artigo 8.°, n.° 4, do mencionado regulamento, o poder de ordenar a alienação de todas as participações adquiridas por uma empresa noutra empresas só existe para «restabelecer […] a situação existente antes da realização da concentração». Sem aquisição do controlo, a Comissão não dispõe do poder de dissolver a referida concentração. Se o legislador tivesse pretendido conferir à Comissão uma competência mais alargada que a consagrada no regulamento das concentrações, teria previsto uma disposição nesse sentido.

67      No plano factual, não é contestado que a participação da Ryanair no capital da Aer Lingus não confere no presente caso à Ryanair a possibilidade de «controlar» a Aer Lingus. Além dos elementos expostos nos n.os 10 e 11 da decisão impugnada, a Aer Lingus afirma «aceitar a pressuposição feita no n.° 11 da decisão impugnada de que, em 27 de Junho de 2007, a Ryanair não exercia o ‘controlo’ na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do regulamento das concentrações». De igual modo, a Aer Lingus não sustenta que a participação de 29,3% detida pela Ryanair no seu capital a partir do mês de Agosto de 2007 confere a esta o controlo da companhia, mas limita‑se a afirmar que essa participação lhe dá uma «possibilidade importante de interferir na sua gestão e na sua estratégia comercial».

68      Por outro lado, em resposta aos argumentos da recorrente relativos aos alegados efeitos negativos sobre a concorrência, há que observar que a Comissão, na decisão impugnada, refuta com razão os referidos argumentos e a possibilidade de que os mencionados efeitos possam ser equiparados concretamente a uma forma de controlo no presente caso (n.° 11 da decisão impugnada). A este propósito, há que salientar, de forma geral, que o regulamento das concentrações não tem por finalidade preservar as sociedades dos diferendos comerciais que as opõem aos seus accionistas ou afastar todas as incertezas sobre a aprovação de decisões importantes por estes últimos. Se a direcção da Aer Lingus considera que o comportamento da Ryanair enquanto accionista é abusivo ou ilegal, tem a possibilidade de levar o caso aos órgãos jurisdicionais ou às autoridades nacionais competentes.

69      De qualquer forma, embora seja verdade que os elementos factuais invocados pela recorrente tendem a indicar que as relações entre a sua direcção e a Ryanair são tensas e que as suas opiniões divergem sobre um determinado número de pontos, os mesmos não provam, contudo – como seria necessário para que a Comissão pudesse decidir aplicar o artigo 8.°, n.° 4, do regulamento das concentrações –, a existência de uma possibilidade de exercer uma influência determinante sobre a actividade dessa empresa.

70      Assim, no que diz respeito à alegação de que a Ryanair utilizou a sua participação para tentar ter acesso ao plano estratégico confidencial e aos segredos negociais da Aer Lingus, o único elemento referido em apoio dessa afirmação é uma carta em que a Ryanair solicita, em termos gerais, uma reunião com os dirigentes da Aer Lingus. A petição inicial não contém nenhum elemento que possa provar que tenham sido trocadas efectivamente informações confidenciais durante essa reunião. Essa troca de informações não seria, de qualquer forma, uma consequência directa da participação minoritária, mas resultaria de um comportamento posterior das duas companhias que poderia eventualmente ser examinado à luz do artigo 81.° CE.

71      De igual modo, no que se refere à alegação de que a Ryanair votou contra uma decisão especial que devia permitir ao conselho de administração emitir acções sem ter de as propor previamente aos accionistas existentes, tal como o direito das sociedades prevê em geral, resulta dos comentários do director executivo da recorrente, relatados pelo jornal The Irish Times de 7 de Julho de 2007 num artigo intitulado «A Ryanair impede a tentativa da Aer Lingus de diluir a sua participação» e mencionados pela Comissão sem serem contestados pela recorrente, que o fracasso dessa decisão não teve uma repercussão significativa para a sociedade.

72      Quanto à alegação de que a Ryanair solicitou a convocação de duas assembleias‑gerais extraordinárias a fim de anular duas decisões estratégicas adoptadas pela Aer Lingus, a Comissão observa, sem ser contestada pela recorrente, que o conselho de administração da Aer Lingus rejeitou esses dois pedidos e que as decisões previstas foram executadas apesar da oposição da Ryanair. Este exemplo ilustra o facto de que, contrariamente ao que a recorrente afirma, a Ryanair não está em condições de lhe impor a sua vontade.

73      No que diz respeito à alegação de que a Ryanair conduziu uma campanha contra a direcção da Aer Lingus, há que compreendê‑la como uma nova referência às duas assembleias‑gerais extraordinárias solicitadas pela Ryanair, bem como à correspondência e às declarações públicas que se lhes referem. Como a Comissão salientou nas suas alegações, a Aer Lingus rejeitou esses dois pedidos e executou a sua decisão como previsto. Caso se verificasse que a Ryanair tinha perturbado a direcção da Aer Lingus durante várias semanas, isso não provaria, contudo, a existência de uma possibilidade de exercer uma influência determinante sobre a actividade dessa empresa na acepção do regulamento das concentrações.

74      Em resposta à alegação de que a detenção de uma participação minoritária numa empresa concorrente colocada numa situação de duopólio falseia intrinsecamente o jogo da concorrência, porque a sociedade que dispõe dessa participação é menos incitada a concorrer com uma sociedade em cujos lucros está interessada, há que observar que essa alegação é desmentida pelos factos. A Comissão observa, a esse respeito, sem ser contestada pela recorrente, que, depois de ter adquirido a sua participação na Aer Lingus, a Ryanair deu início a quatro ligações que anteriormente só eram asseguradas pela Aer Lingus e aumentou a frequência dos seus voos em seis outras ligações, em que concorre com a Aer Lingus (v. comunicados de imprensa da Ryanair intitulados «A Ryanair anuncia seis novas ligações a partir de Dublim» de 15 de Agosto de 2007 e «Nova ligação – a 31.a – a partir do Aeroporto de Shannon e três novas ligações a partir de Dublim» de 25 de Outubro de 2007). Esta alegação teórica não basta, em qualquer hipótese, para caracterizar em si mesma uma forma de controlo da Ryanair sobre a Aer Lingus, susceptível de justificar o desinvestimento da participação minoritária contestada no presente caso.

75      O mesmo se diga da alegação de que a participação da Ryanair tem consequências materiais sobre as acções da Aer Lingus, tornando‑as menos interessantes para esta última empresa. Com efeito, no plano dos princípios, a atractividade bolsista e financeira da Aer Lingus não assenta unicamente na participação minoritária da Ryanair, devendo ter em conta a totalidade do capital dessa empresa, em que outros accionistas importantes podem igualmente estar presentes. Além disso, mesmo supondo que a participação da Ryanair possa ter uma incidência nessa atractividade, esta não basta para demonstrar a existência de um controlo no sentido que lhe atribui o regulamento das concentrações.

76      Aceitar que a Comissão possa ordenar o desinvestimento de uma participação minoritária unicamente pelo facto de a mesma representar um risco teórico no plano económico numa situação de duopólio ou um inconveniente para a atractividade das acções de uma das empresas que compõem esse duopólio ultrapassaria as competências conferidas à Comissão para o controlo das concentrações.

77      No que se refere à prática anterior desta última, o seu exame permite, de qualquer forma, apurar que todas as decisões adoptadas até hoje pela Comissão ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4, do regulamento das concentrações dizem respeito a concentrações já realizadas, em que a sociedade‑alvo tinha deixado de ser um concorrente independente do adquirente. Diversamente do presente caso, essas decisões não tinham por objecto a aplicabilidade do artigo 8.°, n.° 4, à concentração em causa, mas unicamente as medidas adequadas para restabelecer a concorrência que a realização da concentração tinha suprimido, podendo essas medidas variar de um processo para outro tendo em conta os dados do caso concreto. A prática anterior da Comissão no que diz respeito ao tratamento das participações minoritárias ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4, do regulamento das concentrações não pode, por isso, ser utilmente invocada para pôr em causa os critérios definidos por essa disposição.

78      Consequentemente, não se pode acusar a Comissão de ter violado o artigo 8.°, n.° 4, do regulamento das concentrações ao considerar que não tinha sido realizada nenhuma concentração no presente caso e que não dispunha de competência para ordenar à Ryanair a alienação da sua participação no capital da Aer Lingus. Esse poder só seria reconhecido à Comissão ao abrigo do regulamento das concentrações se essa participação tivesse permitido à Ryanair controlar a Aer Lingus, exercendo nela uma influência determinante de direito e de facto, o que não aconteceu no presente caso.

79      A apreciação precedente não é afectada pelo facto de a Comissão ter entendido, durante o procedimento de exame, que se devia considerar que a participação adquirida pela Ryanair no mercado imediatamente antes e enquanto durou a OPA entrava no âmbito da mesma, o que constituía, segundo os seus termos, uma «concentração única». Com efeito, nessa fase, a saber, a do procedimento de exame, as preocupações da Comissão não são «restabelecer […] a situação existente antes da realização da concentração» no caso de ter adoptado uma decisão de incompatibilidade, quando a concentração notificada tenha sido realizada. Essas preocupações só existem a partir do momento em que foi adoptada uma decisão final e que há que retirar daí as devidas consequências quando se verifique que a situação não é conforme com tal decisão.

80      No procedimento de exame, a Comissão procura antes evitar encontrar‑se em situações em que a concentração seja realizada quando ainda pode ser declarada incompatível com o mercado comum. É esse o objectivo do artigo 7.° do regulamento das concentrações, que visa fazer respeitar um dos princípios fundadores desse regulamento, nos termos do qual uma concentração de dimensão comunitária não pode ser realizada sem ter sido notificada e autorizada previamente pela Comissão.

81      Com efeito, o artigo 4.° do referido regulamento, intitulado «Notificação prévia […]», dispõe, no seu n.° 1, que as concentrações de dimensão comunitária abrangidas pelo presente regulamento devem ser notificadas à Comissão antes da sua realização e após a conclusão do acordo, o anúncio da OPA ou a aquisição de uma participação de controlo. Este princípio é igualmente retomado no artigo 7.° do regulamento das concentrações, intitulado «Suspensão da concentração». Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, uma concentração de dimensão comunitária não pode ter lugar nem antes de ser notificada nem antes de ter sido declarada compatível com o mercado comum. O artigo 7.°, n.° 2, dispõe que o n.° 1 não prejudica a realização de uma OPA ou de uma série de transacções de títulos através da qual seja adquirido o controlo, na acepção do artigo 3.°, junto de vários vendedores desde que a concentração seja notificada à Comissão nos termos do artigo 4.°, sem demora, e que o adquirente não exerça os direitos de voto inerentes às participações em causa ou os exerça apenas tendo em vista proteger o pleno valor do seu investimento com base numa derrogação concedida pela Comissão.

82      Há que observar que a obrigação de suspensão da realização da concentração até que a mesma seja autorizada pela Comissão é objecto de uma derrogação automática no caso de uma OPA ou de uma aquisição de controlo através de uma série de transacções que implique vários vendedores. Para poder beneficiar desta derrogação, os interessados devem notificar sem demora a concentração à Comissão e não exercer os direitos de voto associados a essas participações. Como a Comissão alega nos seus articulados, essa derrogação tem por efeito transferir o risco da proibição da operação para o adquirente. Se, no fim do procedimento de exame, a Comissão considerar que a operação notificada deve ser proibida, os títulos adquiridos para realizar a concentração deverão ser cedidos, como ilustram os processos Tetra Laval e Schneider, que são evocados na decisão impugnada e pela recorrente (v. n.os 27 e 48 supra).

83      Neste contexto, a aquisição de uma participação que não confere, por si só, o controlo na acepção do artigo 3.° do regulamento das concentrações pode ser abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 7.° do referido regulamento. A actuação da Comissão deve ser compreendida no sentido de que utiliza o conceito de «concentração única» para limitar o risco de se encontrar numa situação em que uma decisão de incompatibilidade necessitaria de ser completada por uma decisão de dissolução destinada a pôr fim à obtenção do controlo ocorrida antes mesmo que a Comissão se pronuncie sobre os seus efeitos concorrenciais. Quando a Comissão pediu à Ryanair que não exercesse os seus direitos de voto, tendo esta, aliás, observado que estes não lhe conferiam o controlo da Aer Lingus (v. n.° 14 supra), limitou‑se a pedir a esta empresa que evitasse colocar‑se numa situação em que realizaria uma concentração que devesse dar lugar a uma medida adoptada ao abrigo do artigo 8.°, n.os 4 e 5, no caso de uma decisão de incompatibilidade com o mercado comum.

84      Por estes motivos, foi com razão que a Comissão considerou, nos n.os 12 e 13 da decisão impugnada, que a participação minoritária da Ryanair no capital da Aer Lingus não podia ser considerada no presente caso como «realização parcial» de uma concentração susceptível de dar lugar a uma medida adoptada com base no artigo 8.°, n.os 4 e 5, em caso de decisão de incompatibilidade com o mercado comum.

85      Na falta de tomada de controlo efectivo da Aer Lingus pela Ryanair, a participação controvertida não pode ser equiparada a uma «concentração» que «[j]á foi realizada», mesmo se a operação na qual essa participação se insere tenha sido declarada incompatível com o mercado comum.

86      Nenhum dos argumentos apresentados pela recorrente nas suas alegações e na audiência, que reproduzem no essencial a teoria a que a decisão impugnada já dá resposta, podem pôr em causa a apreciação precedente.

87      Por conseguinte, apesar da definição da concentração única e da decisão de incompatibilidade da concentração com o mercado comum consagradas na decisão Ryanair, a Comissão justificou de forma suficiente na decisão impugnada, de direito e de facto, a sua decisão de não adoptar medidas ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4, do regulamento das concentrações.

88      O mesmo raciocínio é válido para o artigo 8.°, n.° 5, do regulamento das concentrações, a propósito do qual a recorrente invoca os mesmos argumentos contra a análise desenvolvida quanto a esse ponto pela Comissão na decisão impugnada, e que retoma, mutatis mutandis, a análise desenvolvida a respeito do artigo 8.°, n.° 4, do referido regulamento.

89      Por último, há que recordar que a Comissão afirmou, na decisão impugnada, que o artigo 21.°, n.° 3, do regulamento das concentrações se limitava a impor uma obrigação aos Estados‑Membros e não lhe conferia direitos ou poderes específicos. Assim, a Comissão considerou que não estava habilitada a fazer uma interpretação vinculativa dessa disposição e que não podia responder ao pedido de interpretação apresentado pela Aer Lingus (v. n.° 29 supra).

90      Tal como a Comissão, o Tribunal observa que o artigo 21.°, n.° 3, do regulamento das concentrações dispõe que «[o]s Estados‑Membros não podem aplicar a sua legislação nacional sobre a concorrência às concentrações de dimensão comunitária» e que, por isso, não confere à Comissão o poder de adoptar uma medida que produza efeitos jurídicos vinculativos capazes de afectar os interesses da Aer Lingus. Assim, não se pode criticar a Comissão por ter recordado na sua resposta o quadro jurídico aplicável ao presente procedimento e as consequências a retirar dele, designadamente no que diz respeito às vias de recurso previstas nos artigos 226.° CE e 234.° CE (v. n.° 31 supra).

91      Além disso, a argumentação da recorrente no presente processo convida o Tribunal a examinar um caso que não se verificou, na medida em que a aplicação do artigo 8.°, n.os 4 e 5, do regulamento das concentrações não assenta em conclusões erradas como a recorrente sustenta (v. n.° 55 supra). Na falta de concentração de dimensão comunitária, os Estados‑Membros continuam livres, com efeito, para aplicar a sua legislação nacional sobre a concorrência à participação da Ryanair no capital da Aer Lingus de acordo com as regras previstas a esse respeito.

92      Resulta das considerações precedentes que deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

93      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida e tendo a Comissão e a Ryanair pedido a condenação da recorrente nas despesas, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas, bem como as efectuadas pela Comissão e pela Ryanair, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Aer Lingus Group plc suportará as suas próprias despesas, bem como as despesas efectuadas pela Comissão e pela Ryanair Holdings plc, incluindo as despesas relativas ao processo de medidas provisórias.

Azizi

Cremona

Frimodt Nielsen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de Julho de 2010.

Assinaturas

Índice


Quadro jurídico

Factos na origem do litígio

Partes no litígio

Oferta de aquisição da Aer Lingus pela Ryanair e aquisições de participações

Exame e proibição da concentração notificada

Correspondência entre a Aer Lingus e a Comissão durante o procedimento de exame da concentração

Correspondência entre a Aer Lingus e a Comissão após a decisão Ryanair, convite a agir ao abrigo do artigo 232.° CE e decisão impugnada

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.