Language of document : ECLI:EU:T:2018:473

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção alargada)

13 de julho de 2018 (*)

«Política económica e monetária — Supervisão prudencial das instituições de crédito — Artigo 4.o, n.o 1, alínea d), e n.o 3, do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 — Cálculo do rácio de alavancagem — Recusa do BCE de autorizar o recorrente a excluir do cálculo do rácio da alavancagem as posições em risco que preenchem determinadas condições — Artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento (UE) n.o 575/2013 — Poder discricionário do BCE — Erros de direito — Erro manifesto de apreciação»

No processo T‑757/16,

Société générale, com sede em Paris (França), representada inicialmente por A. Gosset‑Grainville, C. Renner e P. Kupka, em seguida, por A. Gosset‑Grainville, Kupka e M. Trabucchi e, por último, por A. Gosset‑Grainville e Trabucchi, advogados,

recorrente,

contra

Banco Central Europeu (BCE), representado por K. Lackhoff, R. Bax e G. Bassani, na qualidade de agentes, assistidos por H.‑G. Kamann e F. Louis, advogados,

recorrido,

apoiado por:

República da Finlândia, representada por S. Hartikainen, na qualidade de agente,

interveniente,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE, destinado a obter a anulação da Decisão ECB/SSM/2016‑O2RNE8IBXP4R0TD8PU41/72 do BCE, de 24 de agosto de 2016, adotada em aplicação do artigo 4.o, n.o 1, alínea d), e do artigo 10.o do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63), e do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento (UE) n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1, retificativos JO 2013, L 208, p. 68, e JO 2013, L 321, p. 6),

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção alargada),

composto por: M. Prek (relator), presidente, E. Buttigieg, F. Schalin, B. Berke e M. J. Costeira, juízes,

secretário: M. Marescaux, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 23 de abril de 2018,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do processo

1        A recorrente, a Société générale, é uma sociedade anónima de direito francês autorizada como instituição de crédito. Enquanto entidade significativa na aceção do artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao Banco Central Europeu atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63), está sujeita à supervisão prudencial direta do Banco Central Europeu (BCE).

2        Em 1 de abril de 2015, a recorrente solicitou ao BCE, em aplicação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento (UE) n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1, retificações no JO 2013, L 208, p. 68, e JO 2013, L 321, p. 6), autorização para excluir do cálculo do rácio de alavancagem as posições em risco constituídas pelos montantes correspondentes a produtos regulamentados nela subscritos, mas que a mesma devia transferir para a Caisse des dépôts et consignations (CDC), estabelecimento público francês.

3        Os produtos em causa são o livret A (caderneta A), regido pelos artigos L.221‑1 a L.221‑9 do code monétaire et financier français (Código Monetário e Financeiro francês, a seguir «CMF»), o livret d’épargne populaire (Caderneta de poupança popular, LEP), regido pelos artigos L.221‑13 a L.221‑17‑2 do CMF, e o livret de développement durable et solidaire (aderneta de desenvolvimento sustentável e solidário, LDD), regido pelo artigo L.221‑27 do CMF. Ao abrigo do artigo L.221‑5 do CMF uma quota‑parte do total dos depósitos angariados a título do livret A e do LDD é centralizada num fundo de poupança gerido pela CDC. O mesmo se verifica no que diz respeito ao LEP, em aplicação do artigo R.221‑58 do CMF.

4        Em 8 de junho de 2016, o BCE transmitiu à recorrente um projeto de decisão em que recusava a concessão do benefício da derrogação pedida.

5        Em 7 de julho de 2016, a pedido da recorrente, foi realizada uma teleconferência com representantes do BCE.

6        Em 24 de agosto de 2016, o BCE adotou a Decisão ECB/SSM/2016‑O2RNE8IBXP4R0TD8PU41/72, tomada em aplicação do artigo 4.o, n.o 1, alínea d), e do artigo 10.o do Regulamento n.o 1024/2013 e do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 (a seguir «decisão impugnada»).

7        O BCE recusou‑se, nessa decisão, a excluir do cálculo do rácio de alavancagem da recorrente as posições em risco sobre a CDC constituídas pela parte dos montantes depositados a título do livret A, do LDD e do LEP que era obrigada a transmitir‑lhe.

8        O BCE, em primeiro lugar, reconheceu que as condições enunciadas no artigo 429.o, n.o 14, alíneas a) a c), do Regulamento n.o 575/2013 estavam preenchidas, devido, antes de mais, a que a CDC devia ser considerada uma entidade do setor público, em seguida, a que as posições em risco sobre a CDC eram tratadas para efeitos prudenciais em conformidade com o artigo 116.o, n.o 4, desse mesmo regulamento e, por último, a que a recorrente era obrigada a transferir uma quota‑parte da poupança depositada a título do livret A, do LDD e do LEP para a CDC com vista ao financiamento de investimentos de interesse geral. O BCE sublinhou igualmente, em substância, que essas condições não estavam preenchidas no que respeita à parte da poupança regulamentada para a qual não existe obrigação de transferência para a CDC, independentemente da finalidade da sua utilização.

9        O BCE, em segundo lugar, considerou que decorria da redação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 que dispunha de um poder discricionário que lhe permitia excluir, ou não, do cálculo do rácio de alavancagem as posições em risco que preenchiam as condições explicitadas nessa disposição. Em substância, entendeu que, mesmo quando essas condições estão preenchidas, podem existir razões prudenciais que justifiquem o indeferimento de um pedido de derrogação ao abrigo dessa disposição. A este propósito, faz referência à finalidade da introdução do rácio de alavancagem, que consiste em fornecer uma visão simples e transparente do nível de exposição de uma instituição de crédito que não seja ponderada em função do risco que representam as diferentes componentes das suas posições em risco, a fim de evitar um desenvolvimento excessivo dessas posições em risco relativamente aos seus fundos próprios.

10      O BCE considerou, em terceiro lugar, que os montantes que a recorrente transferiu para a CDC continuavam a ser posições em risco pertinentes para o cálculo do seu rácio de alavancagem. Baseou‑se em três fundamentos. O primeiro fundamento, que qualificou de «primeira indicação», assenta no tratamento contabilístico da poupança angariada. O BCE deduziu da circunstância de a poupança regulamentada figurar no passivo do balanço da recorrente e de os montantes transferidos para a CDC no ativo do seu balanço que a recorrente era responsável pela posição em risco constituída pela poupança angariada, incluindo os montantes transferidos para a CDC. Acrescentou que a recorrente era obrigada a assegurar a gestão dos riscos operacionais ligados à poupança regulamentada. O segundo fundamento consiste [confidencial] (1). O terceiro fundamento assenta na existência de um período de tempo os ajustamentos das posições da recorrente e os da CDC para efeitos de reequilíbrio. O BCE considerou que, durante esse lapso de tempo, a recorrente poderia ser induzida a recorrer a vendas catastróficas de ativos enquanto aguardava pelas transferências de fundos provenientes da CDC. Em conclusão, o BCE inferiu desses fundamentos que o mecanismo de transferência da CDC para a recorrente revestia um caráter imperfeito, suscitando preocupações prudenciais que justificam o indeferimento do seu pedido.

 Tramitação processual e pedidos das partes

11      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de outubro de 2016, a recorrente interpôs o presente recurso.

12      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 1 de março de 2017, a República da Finlândia pediu para intervir em apoio dos pedidos do BCE. Por despacho de 27 de abril de 2017, o presidente da Segunda Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção da República da Finlândia em apoio dos pedidos do BCE e deferiu o pedido de tratamento confidencial da recorrente relativamente à interveniente.

13      Em 13 de junho de 2017, a República da Finlândia apresentou o seu articulado de intervenção. A recorrente apresentou observações sobre esse articulado dentro prazo fixado. O BCE não apresentou observações.

14      Com base em proposta da Segunda Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

15      Com base em proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Segunda Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo.

16      As partes foram ouvidas em alegações e nas respostas às perguntas feitas pelo Tribunal Geral na audiência de 23 de abril de 2018.

17      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o BCE nas despesas.

18      O BCE e a República da Finlândia concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

19      Em apoio do seu recurso, a recorrente apresenta cinco fundamentos. No âmbito do seu primeiro fundamento, apresentado a título principal, a recorrente alega que a decisão impugnada está ferida de incompetência. No seu segundo, terceiro, quarto e quinto fundamentos, apresentados a título subsidiário, sustenta que a decisão impugnada padece, respetivamente, de erros de direito e erros manifestos de apreciação, de violação de determinados princípios gerais do direito da União Europeia e de fundamentação insuficiente.

20      No seu primeiro fundamento, a recorrente acusa o BCE de, por ocasião da aplicação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, se ter arrogado um poder discricionário que não possui.

21      Quanto ao seu segundo, terceiro e quarto fundamentos, importa referir que estes fundamentos têm em comum a circunstância de contestarem a legalidade da utilização pelo BCE desse poder discricionário, admitindo que dele dispõe. Devem, pois, ser examinados conjuntamente.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de competência do BCE para exercer um poder discricionário por ocasião da aplicação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013

22      A recorrente entende que o BCE, em violação das regras de repartição dos poderes no âmbito da ordem constitucional da União, excedeu as competências que o artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 lhe confere, ao atribuir‑se um poder discricionário por ocasião da aplicação dessa disposição. Alega que a Comissão Europeia fixou de forma pormenorizada e não ambígua os critérios que devem ser observados para que a derrogação prevista no artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 seja concedida e, assim, usou plenamente o seu poder discricionário. Sublinha que foi à Comissão que o legislador conferiu o poder de alterar a medida da posição em risco total para efeitos do cálculo do rácio de alavancagem e que a Comissão não podia subdelegar o seu próprio poder discricionário sem violar o artigo 290.o TFUE ou a jurisprudência resultante do Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7). Daqui a recorrente infere que o artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 não pode ser interpretado no sentido de atribuir um poder discricionário ao BCE no que respeita à oportunidade de conceder, ou não, a derrogação solicitada, uma vez preenchidas as condições exigidas por essa disposição.

23      O BCE, apoiado pela República da Finlândia, contesta os argumentos da recorrente. A título preliminar, manifesta dúvidas quanto ao interesse da recorrente em suscitar o presente fundamento. De qualquer modo, considera que esse fundamento deve ser julgado improcedente.

24      No que respeita à contestação, pelo BCE da admissibilidade do presente fundamento, basta sublinhar que a mesma assenta no postulado segundo o qual a recorrente invoca a exceção da ilegalidade do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, introduzido pelo Regulamento Delegado (UE) 2015/62 da Comissão, de 10 de outubro de 2014, que altera o Regulamento (UE) n.o 575/2013 no que diz respeito ao rácio de alavancagem (JO 2015, L 11, p. 37). O BCE infere daí, em substância, que, se essa exceção fosse acolhida, a recorrente não poderia beneficiar de nenhuma derrogação quando do cálculo do seu rácio de alavancagem.

25      Ora, não é esse o sentido da argumentação da recorrente. Conforme confirmou na audiência, no âmbito do presente fundamento, a recorrente limita‑se a sustentar que o artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 deve ser interpretado no sentido de conferir ao BCE uma competência vinculada e não um poder discricionário, mas não suscita nenhuma exceção de ilegalidade em aplicação do artigo 277.o TFUE, relativa a esta disposição. Por conseguinte, não contesta a validade dessa disposição, antes situando a sua argumentação unicamente no terreno da sua interpretação.

26      No que respeita ao exame do mérito do presente fundamento, importa sublinhar que a competência do BCE para efeitos da adoção da decisão impugnada decorre do Regulamento n.o 1024/2013 e que o alcance dos seus poderes é determinado pelo artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013.

27      Quanto à competência do BCE para adotar a decisão impugnada, recorde‑se que, em aplicação do artigo 4.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento n.o 1024/2013, foi confiada ao BCE a missão de «[a]ssegurar o cumprimento dos atos a que se refere o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, que impõem requisitos prudenciais às instituições de crédito em matéria de requisitos de fundos próprios, titularização, limites aos grandes riscos, liquidez, alavancagem financeira, e divulgação pública de informações sobre essas matérias». Além disso, dado que a recorrente é uma entidade significativa na aceção do artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1024/2013, a execução dessa missão cabe diretamente ao BCE e não às autoridades nacionais no âmbito do mecanismo único de supervisão (MUS) (Acórdão de 16 de maio de 2017, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, T‑122/15, de que foi interposto recurso, EU:T:2017:337, n.o 63).

28      Em aplicação do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1024/2013, «[p]ara efeitos do exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo presente regulamento e com o objetivo de assegurar elevados padrões de supervisão, o BCE aplica toda a legislação aplicável da União». Entre essas disposições pertinentes figura o Regulamento n.o 575/2013.

29      No que diz respeito ao alcance dos poderes do BCE por ocasião da aplicação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, que foi inserido no referido regulamento pelo Regulamento Delegado 2015/62, precisa‑se, nessa disposição, que «[a]s autoridades competentes podem autorizar uma instituição a excluir da medida da exposição as posições em risco que preencham todas as condições a seguir referidas: a) São posições em risco perante uma entidade do setor público; b) São tratadas em conformidade com o artigo 116.o, n.o 4; c) Resultam de depósitos que a instituição está obrigada por lei a transferir para a entidade do setor público referida na alínea a), a fim de financiar investimentos de interesse geral».

30      O presente fundamento implica, portanto, que se verifique se o artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 deve ser interpretado no sentido de conferir às autoridades competentes — e, consequentemente, ao BCE — o poder discricionário de recusar a concessão de uma derrogação mesmo que as condições enunciadas nessa disposição estejam preenchidas ou, pelo contrário, no sentido de lhe atribuir uma competência vinculada, que impõe a concessão dessa derrogação caso as referidas condições estejam preenchidas.

31      A recorrente baseia a sua interpretação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 no postulado de que a Comissão não pode conceder às autoridades competentes um poder discricionário quando da execução dessa disposição e sustenta que essa mesma disposição deve ser interpretada de modo a torná‑la conforme com o Tratado.

32      Resulta de jurisprudência constante que um texto de direito derivado da União Europeia deve ser interpretado, na medida do possível, num sentido conforme com as disposições do Tratado e os princípios gerais do direito da União (Acórdãos de 4 de outubro de 2007, Schutzverband der Spirituosen‑Industrie, C‑457/05, EU:C:2007:576, n.o 22; de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporácion of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 174, e de 25 de novembro de 2009, Alemanha/Comissão, T‑376/07, EU:T:2009:467, n.o 22).

33      Porém, como demonstrado pela utilização, na jurisprudência referida no n.o 32, supra, da expressão «na medida do possível», essa jurisprudência não é aplicável no que respeita a uma disposição cujo sentido é claro e destituído de ambiguidade e que não exige, portanto, interpretação nenhuma (v., neste sentido, Acórdão de 25 de novembro de 2009, Alemanha/Comissão, T‑376/07, EU:T:2009:467, n.o 22). Se fosse esse o caso, o princípio da interpretação conforme dos textos de direito da União derivado serviria de fundamento a uma interpretação contra legem dessa disposição, o que não pode ser admitido (v., neste sentido, Despacho de 17 de julho de 2015, EEB/Comissão, T‑685/14, não publicado, EU:T:2015:560, n.o 31 e jurisprudência referida). No que respeita a uma disposição cujo sentido é claro e destituído de ambiguidade, cabe unicamente ao Tribunal Geral, na eventualidade de ser suscitada uma exceção de ilegalidade na aceção do artigo 277.o TFUE, fiscalizar a sua conformidade com as disposições do Tratado e com os princípios gerais do direito da União.

34      Ora, como já se explicitou no n.o 25, supra, a recorrente não suscita nenhuma exceção de ilegalidade relativa ao artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013.

35      Por conseguinte, há que verificar se o sentido do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 é claro e destituído de ambiguidade ou se, pelo contrário, se pode prestar a uma interpretação conforme com as disposições do Tratado e com os princípios gerais do direito da União. Com efeito, é apenas nesta segunda eventualidade que caberá verificar se, como a recorrente sustenta, a Comissão não podia conferir às autoridades competentes um poder discricionário por ocasião da aplicação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, o que implicaria que o referido artigo seja interpretado no sentido de lhes impor uma competência vinculada.

36      Para determinar o alcance exato do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, há que ter em conta não apenas os termos deste, mas igualmente o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação da qual o mesmo faz parte (v., neste sentido, Acórdão de 7 de junho de 2005, VEMW e o., C‑17/03, EU:C:2005:362, n.o 41 e jurisprudência referida).

37      Sobre a interpretação literal do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, cabe observar que a indicação de que as «autoridades competentes podem autorizar uma instituição a excluir da medida da exposição as posições em risco que preencham todas as condições a seguir referidas» implica necessariamente que essa disposição, em parte, impõe uma competência vinculada às autoridades competentes e, em parte, delega‑lhes um poder discricionário.

38      Por um lado, o artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 enuncia três condições que se impõem às autoridades competentes. Assim, estas não podem conceder uma derrogação se as referidas condições não estiverem preenchidas. Encontram‑se, portanto, numa situação de competência vinculada e devem recusar o benefício dessa disposição.

39      Por outro lado, na eventualidade de essas condições estarem preenchidas, as autoridades competentes «podem», ou seja, têm a possibilidade de conceder uma derrogação. A referência a essa possibilidade implica necessariamente o direito que assiste às autoridades competentes de concederem ou não essa derrogação. Dispõem, assim, a este respeito, de um poder discricionário.

40      Por conseguinte, deve concluir‑se que o artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 apresenta uma redação clara e destituída de ambiguidade, da qual resulta que as autoridades competentes dispõem de um poder discricionário por ocasião da aplicação dessa disposição, desde que as condições que aí figuram estejam preenchidas.

41      Esta conclusão está igualmente em conformidade com a interpretação contextual e teleológica do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013.

42      No que respeita à interpretação contextual do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, há que sublinhar que o exercício de um poder discricionário corresponde a uma das três modalidades de aplicação das derrogações constantes desse regulamento.

43      Com efeito, resulta da economia geral do Regulamento n.o 575/2013 que este prevê simultaneamente derrogações aplicáveis de pleno direito, ou seja, sem que a intervenção das autoridades competentes seja necessária, como é o caso da prevista no artigo 429.o, n.o 13, do referido regulamento, e derrogações que implicam a intervenção das autoridades competentes no âmbito do exercício de uma competência vinculada, como a prevista no artigo 78.o, n.o 1, desse regulamento, ou mesmo derrogações que implicam o exercício de um poder discricionário pelas referidas autoridades. Para além do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, figura, entre as derrogações abrangidas por esta terceira categoria, o artigo 10.o, n.o 1, do referido regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2017, Crédit mutuel Arkéa/BCE, T‑712/15, EU:T:2017:900, de que foi interposto recurso, n.os 67 e 68).

44      No que respeita à interpretação teleológica do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, na medida em que este diz respeito à eventualidade de uma exclusão de certas posições em risco do cálculo do rácio de alavancagem das instituições de crédito, são pertinentes simultaneamente os objetivos prosseguidos através da introdução de um rácio de alavancagem e aqueles aos quais corresponde especificamente o artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013.

45      No que respeita, em primeiro lugar, aos objetivos prosseguidos através da introdução de um rácio de alavancagem, impondo às instituições de crédito a obrigação de publicarem o respetivo rácio de alavancagem e, eventualmente, a prazo, de respeitarem determinados níveis de rácio de alavancagem, decorre do considerando 90 do Regulamento n.o 575/2013 que a intenção do legislador foi desincentivar a constituição, pelas instituições de crédito, de alavancagens excessivas. Resulta, assim, desse considerando, bem como das definições que figuram no artigo 4.o, n.o 1, pontos 93 e 94, do mesmo regulamento que a alavancagem excessiva visa uma situação na qual uma instituição de crédito financia uma parte demasiado importante dos seus investimentos mediante endividamento em vez de recorrer aos seus fundos próprios. O risco é então o de a instituição de crédito não dispor de fundos próprios suficientes para fazer face a pedidos de reembolso das suas dívidas e dever proceder à venda urgente de alguns dos seus ativos. As consequências negativas dessa redução urgente do nível de alavancagem durante a crise financeira foram expostas da seguinte forma no considerando 90 do Regulamento n.o 575/2013: «[o] facto aumentou as pressões no sentido da descida dos preços dos ativos, causando mais perdas às instituições o que, por sua vez, levou a novas reduções nos seus fundos próprios[;] os resultados desta espiral negativa foram a redução da disponibilização de crédito à economia real e uma crise mais profunda e mais prolongada».

46      Neste quadro, o rácio de alavancagem visa fornecer uma apreciação do nível dos fundos próprios de uma instituição de crédito relativamente às suas posições em risco, independentemente da tomada em consideração do nível de risco que cada uma dessas posições de risco implica. É o que decorre do considerando 91 do Regulamento n.o 575/2013, segundo o qual «requisitos de fundos próprios baseados no risco […] não são suficientes para evitar que as instituições assumam riscos de alavancagem excessivos e insustentáveis», bem como dos trabalhos do Comité de Basileia a que os considerandos 92 e 93 do Regulamento n.o 575/2013 fazem referência. Com efeito, na publicação do Comité de Basileia sobre os acordos de Basileia III, que é apresentada em anexo à contestação, o rácio de alavancagem é aí referido como um «rácio simples, transparente, não baseado no risco, e calibrado por forma a completar de forma credível as exigências de fundos próprios baseadas no risco». Esta falta de ponderação em função do risco do rácio de alavancagem é visível na descrição da sua metodologia de cálculo, como a mesma figura no artigo 429.o, n.o 2, do Regulamento n.o 575/2013. Aí se precisa que o rácio de alavancagem é calculado «dividindo a medida dos fundos próprios de uma instituição pela medida da exposição total dessa instituição, sendo expresso em percentagem». Não é feita referência a uma qualquer ponderação em função do nível de risco das exposições.

47      Todavia, importa observar que esse objetivo não reveste caráter absoluto, uma vez que o Regulamento n.o 575/2013 prevê a possibilidade de o perfil de risco particularmente diminuto de certas exposições se refletir no cálculo do rácio de alavancagem das instituições de crédito em causa.

48      Isso manifesta‑se, por um lado, no considerando 95 do Regulamento n.o 575/2013, que determina que, «[a]o proceder ao reexame do impacto do rácio de alavancagem sobre diferentes modelos de negócios, há que prestar especial atenção aos modelos de negócio que se considera implicarem risco reduzido, como sejam empréstimos hipotecários e empréstimos especializados a governos regionais, autoridades locais ou entidades do setor público». Esta intenção encontra a sua expressão no artigo 511.o desse mesmo regulamento, sob a epígrafe «Alavancagem», do qual decorre, em substância, que o relatório que a Autoridade Bancária Europeia (ABE) deve enviar à Comissão para que esta eventualmente decida propor ao legislador a obrigatoriedade da introdução de um número adequado de níveis do rácio de alavancagem deve «[i]dentificar os modelos de negócio que reflitam os perfis de risco globais das instituições e introduzir níveis diferenciados do rácio de alavancagem para esses modelos de negócio».

49      Isso manifesta‑se, por outro lado, através da inserção, através do Regulamento Delegado 2015/62, adotado em aplicação do artigo 456.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento n.o 575/2013, nesse mesmo regulamento do artigo 429.o, n.o 14, que prevê a possibilidade de determinadas posições em risco serem excluídas do cálculo do rácio de alavancagem.

50      No que respeita, em segundo lugar, ao objetivo prosseguido através da inserção do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 nesse mesmo regulamento, sublinhe‑se que, segundo o considerando 12 do Regulamento Delegado 2015/62, as alterações que esse regulamento introduz «deverão traduzir‑se numa melhor comparabilidade do rácio de alavancagem comunicado pelas instituições e contribuir para evitar que os operadores no mercado sejam induzidos em erro quanto à alavancagem real das instituições».

51      Resulta da redação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, recordada no n.o 29, supra, que essa disposição só é aplicável se estiverem preenchidas três condições. Antes de mais, as posições em risco suscetíveis de ser excluídas do cálculo do rácio de alavancagem devem ser relativas a uma entidade do setor público. Em seguida, devem tratadas em conformidade com o artigo 116.o, n.o 4, do Regulamento n.o 575/2013. Por último, as referidas posições de risco devem resultar de depósitos que a instituição é legalmente obrigada a transferir para a entidade do setor público em questão a fim de financiar investimentos de interesse geral.

52      Observe‑se que, através dessa derrogação, a Comissão, com o aval do legislador, equacionou a possibilidade de que posições em risco de uma instituição de crédito sobre entidades do setor público que, em razão de uma garantia do Estado, apresentam o mesmo nível de risco diminuto que as posições em risco sobre esse Estado e que não correspondem a uma opção de investimento da sua parte, — na medida em que a instituição de crédito está sujeita a uma obrigação de transferência dos montantes em causa — não serem pertinentes para o cálculo do rácio de alavancagem e poderem, portanto, dele ser excluídas.

53      Com efeito, o artigo 116.o, n.o 4, do Regulamento n.o 575/2013 prevê que, «[e]m circunstâncias excecionais, as posições em risco sobre entidades do setor público podem ser equiparadas a posições em risco sobre a administração central, a administração regional ou a autoridade local do país em que se encontram estabelecidas, sempre que as autoridades competentes desse país considerem que não existem diferenças no risco desses tipos de posições, devido à existência de uma garantia adequada prestada pela administração central, pela administração regional ou pela autoridade local». Essa disposição deve ser interpretada em conjugação com o artigo 114.o, n.o 4, desse mesmo regulamento, que precisa que «[à]s posições em risco sobre administrações centrais ou bancos centrais dos Estados‑Membros, expressas e financiadas na moeda nacional dessa administração central ou desse banco central, é aplicado um ponderador de risco de 0%». Por conseguinte, o artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 apenas diz respeito às posições em risco que, na aplicação da abordagem padrão de cálculo das exigências mínimas de fundos próprios, beneficiem de uma ponderação de risco de 0%.

54      Consequentemente, a aplicação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 implica a conciliação de dois objetivos: por um lado, o respeito da lógica do rácio de alavancagem que exige que o cálculo desse rácio inclua a medida da exposição total de uma instituição de crédito, sem ponderação em função do risco e, por outro, que se tenha em conta o objetivo da Comissão, avalizado pelo legislador, segundo o qual, se for caso disso, determinadas posições que apresentem um perfil de risco particularmente diminuto e que não sejam o resultado de uma opção de investimento da instituição de crédito não sejam pertinentes para o cálculo do rácio de alavancagem e possam ser dele excluídas.

55      Ora, impõe‑se constatar que o facto de se reconhecer às autoridades competentes um poder discricionário por ocasião da aplicação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 permite‑lhes efetuar uma arbitragem entre esses dois objetivos tendo em conta as especificidades de cada caso concreto.

56      Atento o que precede, deve concluir‑se que o artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 deve ser interpretado no sentido de conferir às autoridades competentes um poder discricionário a fim de recusar a derrogação nele instituída, desde que as condições que aí figuram estejam preenchidas.

57      Dado o sentido claro e destituído de qualquer ambiguidade do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, deve concluir‑se que esta disposição não pode prestar‑se à interpretação conforme procurada pela recorrente. Daí decorre que os argumentos da recorrente no sentido de que a Comissão não podia conferir às autoridades competentes — e, consequentemente, ao BCE — um poder discricionário não podem ser tidos em conta para efeitos da interpretação dessa disposição e só teriam sido pertinentes para sustentar uma exceção de ilegalidade na aceção do artigo 277.o TFUE, suscitada em relação ao artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013.

58      O primeiro fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo, terceiro e quarto fundamentos, em que é contestada a legalidade da utilização pelo BCE do seu poder discricionário

59      No seu segundo fundamento, a recorrente sustenta que a decisão impugnada padece de erros de direito. Designadamente, no âmbito da terceira parte desse fundamento, sustenta que o BCE privou de efeito útil o artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, uma vez que o raciocínio seguido na decisão impugnada leva, em princípio, a afastar as posições em risco sobre a CDC a título da poupança regulamentada do benefício do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013. No seu terceiro fundamento, alega que a decisão impugnada padece de erros manifestos de apreciação. Mais particularmente, no âmbito da terceira parte deste fundamento, alega que o argumento relativo à existência de um prazo de ajustamento entre as posições da recorrente e as da CDC tem uma natureza manifestamente errónea. No seu quarto fundamento, a recorrente acusa o BCE de ter violado certos princípios gerais do direito da União quando da adoção da decisão impugnada. Assim, no âmbito da terceira parte do fundamento, alega que a decisão impugnada viola o princípio da boa administração.

60      O BCE, apoiado pela República da Finlândia, considera que estes três fundamentos devem ser julgados improcedentes. Recorda os limites da fiscalização que o Tribunal Geral pode fazer sobre o exercício de um poder discricionário e acrescenta que o artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, enquanto exceção, deve ser objeto de interpretação estrita. Daqui infere, em substância, que são as finalidades gerais desse regulamento relativo ao rácio de alavancagem e não os objetivos específicos ao artigo 429.o, n.o 14, desse regulamento que são pertinentes no que diz respeito à interpretação dessa disposição. Sublinha, a esse propósito, que a finalidade do rácio de alavancagem exige que o mesmo seja determinado independentemente de qualquer ponderação do risco.

61      Em resposta à terceira parte do segundo fundamento, o BCE afirma não ter privado de efeito útil a derrogação prevista no artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, uma vez que se manteve dentro dos limites do seu poder discricionário. Acrescenta que essa disposição não visa apenas a poupança regulamentada francesa e que não é de excluir que possa vir a ser aplicada noutras circunstâncias. Por último, alega que resulta do considerando 95 do Regulamento n.o 575/2013 que o legislador pretendeu prestar especial atenção aos bancos com um modelo de negócio especial e não excluir certos produtos.

62      Em resposta à terceira parte do terceiro fundamento, o BCE alega, designadamente, que o prazo de ajustamento das posições respetivas da recorrente e da CDC gera um risco suplementar de alavancagem. Não podendo recorrer à CDC durante esse período, a recorrente, perante levantamentos sobre a poupança angariada, podia ser levada a reduzir a sua alavancagem através de vendas forçadas potenciais, fontes de prejuízos importantes para ela. Acrescenta que, embora esse risco de alavancagem excessiva comece por uma penúria de liquidez, com ela não se confunde porquanto assenta na importância relativa das posições em risco financiadas pela dívida por referência aos fundos próprios de uma instituição de crédito.Sublinha, a este respeito, que não existe incoerência entre a decisão impugnada e as decisões por meio das quais autorizou estabelecimentos de crédito franceses a compensar as entradas com as saídas associadas à poupança regulamentada quando do cálculo do respetivo rácio de liquidez, uma vez que essas decisões dizem respeito a medidas prudenciais, de facto vinculadas, mas diferentes. Acrescenta que o rácio de alavancagem visa evitar que as fontes de financiamento de uma instituição de crédito sejam excessivamente orientadas para a dívida e constitui «a última rede de segurança prudencial.

63      Em resposta à terceira parte do quarto fundamento, relativa a violação do princípio da boa administração, observa que a recorrente não alega que a decisão impugnada se baseia em factos inexatos ou incompletos. Acrescenta que a argumentação da recorrente parece proceder de uma confusão entre violação do princípio da boa administração e erros de apreciação e remete para a sua argumentação relativa ao facto de a decisão impugnada não padecer de nenhum erro manifesto de apreciação. Nesse âmbito, defende, nomeadamente, que a circunstância de as posições em risco sobre a CDC serem equiparadas a posições em risco sobre o Estado francês e ponderadas a 0% de risco para efeitos das exigências de fundos próprios não é relevante para o cálculo do rácio de alavancagem e explica que apenas salientou que as posições em risco sobre a CDC não se diferenciavam das outras posições em risco sobre as entidades do setor público e as administrações centrais e que nada justificava, desse ponto de vista, a sua exclusão do cálculo do referido rácio. Sublinha igualmente que a alegação de que a poupança regulamentada constitui um «valor refúgio» em caso de tensão ou crise é destituída de pertinência, pois os Estados estão expostos ao risco de solvabilidade e os mercados podem deixar de confiar em investimentos habitualmente considerados muito seguros.

64      Como foi recordado nos n.os 8 a 10, supra, na decisão impugnada, o BCE recusou conceder a derrogação solicitada, em aplicação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013. Sublinhou que os montantes transferidos pela recorrente para a CDC eram posições em risco pertinentes para o cálculo do seu rácio de alavancagem na medida em que a poupança regulamentada assentava num mecanismo de transferência imperfeito que permitia que a recorrente suportasse o risco ligado ao rácio de alavancagem. Para chegar a esta conclusão, o BCE baseou‑se em três fundamentos, relativos, em primeiro lugar, ao tratamento contabilístico da poupança regulamentada, que demonstra que a recorrente continuava responsável pela totalidade da posição em risco constituída pela poupança regulamentada, incluindo os montantes transferidos para a CDC, em segundo lugar, [confidencial], e, em terceiro lugar, à existência de um prazo entre os ajustamentos das posições da recorrente e as da CDC.

65      No âmbito do segundo, terceiro e quarto fundamentos, a recorrente contesta a legalidade desses fundamentos.

66      Na medida em que, pelas razões expostas no âmbito do exame do primeiro fundamento, o BCE dispõe de um poder discricionário e, consequentemente, de um amplo poder de apreciação na escolha de conceder ou não o benefício do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, a fiscalização jurisdicional que o Tribunal Geral deve efetuar sobre a procedência dos fundamentos da decisão impugnada não o deve levar a substituir a apreciação do BCE pela sua própria apreciação, visando antes verificar que a decisão impugnada não assenta em factos materialmente inexatos e não está ferida de um erro de direito nem de um erro manifesto de apreciação ou de desvio de poder (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 6 de fevereiro de 2014, CEEES e Asociación de Gestores de Estaciones de Servicio/Comissão, T‑342/11, EU:T:2014:60, n.o 70 e jurisprudência referida).

67      Porém, resulta de jurisprudência constante que, quando as instituições dispõem desse poder de apreciação, o respeito das garantias conferidas pela ordem jurídica da União nos processos administrativos assume uma importância ainda mais fundamental. De entre essas garantias conferidas pela ordem jurídica da União nos processos administrativos figura, designadamente, o princípio da boa administração, ao qual está ligada a obrigação, para a instituição competente, de examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso em apreço (Acórdãos de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, EU:C:1991:438, n.o 14, e de 29 de março de 2012, Comissão/Estónia, C‑505/09 P, EU:C:2012:179, n.o 95).

 Quanto à legalidade dos fundamentos que figuram no ponto 2.3.3, alíneas i) e ii), da decisão impugnada

68      No ponto 2.3.3, alínea i), da decisão impugnada, o BCE justificou a sua escolha de recusar a derrogação solicitada alegando que o tratamento contabilístico da poupança regulamentada constitui uma primeira indicação de que as posições em risco sobre a CDC continuam a ser suportadas pela recorrente. A este respeito, sublinhou que a poupança regulamentada figura no passivo do balanço da recorrente e que as posições em risco sobre a CDC figuram no ativo desse balanço. Além disso, também observou que a recorrente era responsável pela gestão dos riscos operacionais ligados à angariação da poupança regulamentada.

69      Nos seus articulados, o BCE recorda que o tratamento contabilístico da poupança regulamentada foi invocado na decisão impugnada meramente a título de «primeira indicação» de que as posições em risco sobre a CDC são suportadas pela recorrente e alega não se ter baseado nessa circunstância para recusar a derrogação solicitada. Contudo, da economia da decisão impugnada resulta que os argumentos que figuram no ponto 2.3.3, alínea i), dessa decisão constituem um dos fundamentos em que o BCE se apoiou para concluir que os montantes que a recorrente transferiu para a CDC eram posições em risco pertinentes para o cálculo do seu rácio de alavancagem. Importa, portanto, apreciar a legalidade do referido fundamento.

70      No ponto 2.3.3, alínea ii), da decisão impugnada, o BCE sublinhou que a recorrente estava [confidencial]. Acrescentou que tanto o volume das posições em risco sobre a CDC como a circunstância de essas posições em risco poderem não ser tidas em conta a título de outras exigências prudenciais justificavam que sejam incluídas no cálculo do rácio de alavancagem.

71      Assim, por essa razão, o BCE entendeu que as posições em risco sobre a CDC eram pertinentes para efeitos do cálculo do rácio de alavancagem da recorrente, dado que [confidencial].

72      Observe‑se que o único exemplo salientado na decisão impugnada de uma situação em que a CDC não estaria em condições de restituir os referidos montantes é o da falta de pagamento pelo Estado francês. Interrogado na audiência, o BCE confirmou ter sido a única hipótese que considerou.

73      No âmbito da terceira parte do seu segundo fundamento, a recorrente acusa o BCE de ter cometido um erro de direito ao privar de efeito útil o artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013.

74      A este propósito, há que sublinhar que, embora o BCE tenha liberdade, no âmbito do exercício do poder discricionário que lhe é reconhecido pelo artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, para conceder ou não a derrogação prevista nessa disposição, essa liberdade é exercida sob reserva de não violar os objetivos prosseguidos pela derrogação e de não privar esta última do seu efeito útil (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 15 de dezembro de 2016, Nemec, C‑256/15, EU:C:2016:954, n.os 48 e 49 e jurisprudência referida).

75      Pelas razões expostas nos n.os 44 a 55, supra, deve considerar‑se que o objetivo do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 consiste em permitir às autoridades competentes efetuar uma arbitragem entre, por um lado, a lógica do rácio de alavancagem que exige que a medida do nível de posição de risco de uma instituição de crédito não tenha em consideração o risco representado pelas exposições dessa instituição de crédito e, por outro, a eventualidade de determinadas exposições apresentarem um perfil de risco particularmente diminuto e que não decorrem de uma opção de investimento da instituição de crédito, não serem pertinentes para o cálculo do rácio de alavancagem e dele possam ser excluídas.

76      Daqui se infere necessariamente que o BCE não se pode basear em fundamentos que tornam quase inaplicável, na prática, a possibilidade oferecida pelo artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, sem privar de efeito útil essa disposição e desrespeitar os objetivos que presidiram à sua introdução (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 11 de dezembro de 2008, Stichting Centraal Begeleidingsorgaan voor de Intercollegiale Toetsing, C‑407/07, EU:C:2008:713, n.o 30 e jurisprudência referida).

77      No que respeita ao fundamento que figura no ponto 2.3.3, alínea i), da decisão impugnada, cabe observar que, através desse fundamento, o BCE exclui do benefício do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 as posições em risco da recorrente na CDC com base em considerações inerentes às posições em risco a que essa disposição diz respeito.

78      É o que se verifica, em primeiro lugar, quanto à consideração relativa ao facto de as posições em risco da recorrente sobre na CDC estarem incluídas no seu balanço contabilístico.

79      Uma posição em risco é definida pelo artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento no 575/2013 como «um ativo ou um elemento extrapatrimonial». Por conseguinte, esta definição inclui necessariamente os elementos que figuram no ativo do balanço de uma instituição de crédito. Além disso, como o artigo 429.o, n.o 14, alínea c), do Regulamento n.o 575/2013 diz respeito a posições em risco que resultam de depósitos que a instituição é legalmente obrigada a transferir para uma entidade do setor público a fim de financiar investimentos de interesse geral, estão em causa posições em risco que, devido à sua própria natureza, se destinam a figurar no balanço de uma instituição de crédito e não a constituir elementos extra balanço.

80      A este respeito, a indicação pelo BCE, nos seus documentos, de que as posições em risco sobre a CDC a título da poupança regulamentada se diferenciam dos ativos fiduciários, os quais podem, eventualmente, deixar de ser contabilizados e ser excluídos do cálculo do rácio de alavancagem em aplicação do artigo 429.o, n.o 13, do Regulamento n.o 575/2013, é irrelevante, pois apenas estão em causa a interpretação e a aplicação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013.

81      Por conseguinte, na medida em que as posições em risco relativamente às quais o artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 pondera a possibilidade de não serem tidas em conta no âmbito do cálculo do rácio de alavancagem de uma instituição de crédito são, devido à sua própria natureza, destinadas a figurar no ativo do balanço da referida instituição de crédito, a consideração de que as posições em risco sobre a CDC figuram no ativo do balanço da recorrente não pode validamente justificar a recusa de conceder a derrogação solicitada.

82      O mesmo se verifica, em segundo lugar e por razões análogas, no que respeita à consideração de que as referidas posições em risco constituem uma parte dos montantes depositados na recorrente a título de poupança regulamentada, que continua a fazer parte do passivo do seu balanço. Basta, a este propósito, sublinhar que, vistos os termos utilizados no artigo 429.o, n.o 14, alínea c), do Regulamento n.o 575/2013, essa circunstância, longe de se opor à aplicação dessa disposição, constitui uma condição da sua aplicação.

83      A mesma conclusão se impõe, em terceiro lugar, no que respeita à alegação, pelo BCE, de que a recorrente suporta o risco operacional ligado à poupança regulamentada. Este é definido no artigo 4.o, n.o 1, ponto 52, do Regulamento n.o 575/2013 como «o risco de perdas resultantes da inadequação ou deficiência de procedimentos, do pessoal ou dos sistemas internos ou de eventos externos, incluindo os riscos jurídicos». Na medida em que o artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 diz respeito a posições em risco que constituem uma parte dos depósitos efetuados na instituição de crédito em causa, é inerente à lógica dessa disposição que a recorrente suporte o risco operacional correspondente à poupança em questão.

84      No que se refere ao fundamento que figura no ponto 2.3.3, alínea ii), da decisão impugnada, cabe recordar que, segundo o artigo 429.o, n.o 14, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 575/2013, «[a]s autoridades competentes podem autorizar uma instituição a excluir da medida da exposição as posições em risco que preencham todas as condições a seguir referidas: a) [s]ão posições em risco perante uma entidade do setor público; b) [s]ão tratadas em conformidade com o artigo 116.o, n.o 4».

85      Como decorre dos n.os 51 a 53, supra, a remissão que o artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 faz para o artigo 116.o, n.o 4, do mesmo regulamento, conjugada com o disposto no artigo 114.o, n.o 4, deste mesmo regulamento, manifesta a vontade do legislador de que posições em risco sobre entidades do setor público que, em razão de uma garantia do Estado, apresentam o mesmo nível de risco que as posições em risco sobre esse Estado possam, eventualmente, não ser tidas em conta no cálculo do rácio de alavancagem.

86      Dado que o artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 diz unicamente respeito a posições em risco sobre entidades do setor público que possuem uma garantia de um Estado, uma recusa motivada pela consideração de princípio de que um Estado pode encontrar‑se em situação de falta de pagamento, sem exame da verosimilhança dessa eventualidade relativamente ao Estado em causa, equivaleria a tornar inaplicável, na prática, a possibilidade conferida pelo artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013.

87      Ora, impõe‑se observar que, para concluir que a recorrente [confidencial], resulta da decisão impugnada que o BCE se limitou a salientar a eventualidade de uma falta de pagamento do Estado francês, sem se debruçar sobre a verosimilhança desta.

88      Além disso e em consequência, na medida em que o BCE não examinou a verosimilhança de uma falta de pagamento do Estado francês, o destaque, no ponto 2.3.3, alínea ii), da decisão impugnada, do volume das posições em risco da recorrente sobre a CDC também não pode justificar, por si só, que se tomem em conta as referidas posições em risco no cálculo do rácio de alavancagem. Com efeito, o referido volume só poderia ser pertinente na eventualidade de, em razão de uma falta de pagamentos do Estado francês, a recorrente não poder reclamar à CDC os montantes transferidos a título da poupança regulamentada e devesse de recorrer a vendas forçadas de ativos.

89      Atento o que precede, importa declarar que os fundamentos que figuram no ponto 2.3.3, alíneas i) e ii), da decisão impugnada levam a privar de efeito útil a derrogação que figura no artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, uma vez que afastam a sua aplicação com base em elementos inerentes às posições em risco a que se refere o referido artigo.

90      Esta conclusão não é posta em causa pela argumentação do BCE, designadamente pela afirmação de que as posições em risco sobre a CDC não são fundamentalmente diferentes das posições em risco que estão na origem de uma alavancagem, dado que esses ativos são financiados através de uma dívida constituída em favor dos aforradores que a recorrente tem de reembolsar a pedido destes. A este propósito, basta sublinhar que, contrariamente a outras posições em risco, o legislador ponderou, em benefício das posições em risco que preencham as condições previstas no artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, a possibilidade de as mesmas não serem incluídas no cálculo do rácio de alavancagem, possibilidade que o BCE não pode liminarmente excluir.

91      O mesmo se verifica relativamente à menção de que a garantia do Estado associada às posições em risco sobre a CDC não as priva de pertinência no que respeita ao cálculo do rácio de alavancagem da recorrente, uma vez que este visa fornecer uma apreciação não baseada no nível de risco que cada uma das posições em risco da recorrente implica e que, além disso, os Estados podem estar expostos a riscos de solvabilidade. Com efeito, uma vez que o legislador entendeu que posições em risco sobre entidades do setor público que preencham as condições previstas no artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 possam, eventualmente, não ser tidas em conta no cálculo do rácio de alavancagem, cabia ao BCE, no uso do seu poder discricionário, conciliar os objetivos que presidiram à introdução do rácio de alavancagem com os do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013. Ora, pelas razões expostas nos n.os 85 a 87, supra, não é esse o caso, uma vez que o BCE não se baseou numa apreciação da verosimilhança de um risco de falta de pagamentos do Estado francês, antes tendo adotado um raciocínio que, de facto, obstava a qualquer possibilidade de que pudesse ser acolhido um pedido baseado no artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013.

92      Resulta do exposto que os fundamentos que figuram no ponto 2.3.3, alíneas i) e ii), da decisão impugnada enfermam de um erro de direito.

 Quanto à legalidade do fundamento que figura no ponto 2.3.3, alínea iii), da decisão impugnada

93      No ponto 2.3.3, alínea iii), da decisão impugnada, o BCE referiu‑se ao prazo que medeia entre os ajustamentos das posições respetivas da recorrente e da CDC. Desse facto, o BCE inferiu, em substância, que a recorrente podia ser levada a recorrer a vendas catastróficas de ativos enquanto aguardava pelas transferências de fundos provenientes da CDC.

94      Na terceira parte do seu terceiro fundamento, a recorrente alega que esse fundamento reveste caráter manifestamente erróneo. Além disso, no âmbito da terceira parte do seu quarto fundamento, sustenta que o BCE não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força do princípio da boa administração, nomeadamente ao não efetuar uma análise suficientemente aprofundada das características da poupança regulamentada.

95      Importa sublinhar que, segundo a definição que figura no artigo 4.o, n.o 1, ponto 94, do Regulamento n.o 575/2013, o risco de alavancagem excessiva refere‑se ao «risco resultante da vulnerabilidade de uma instituição, devido à alavancagem ou alavancagem contingente que possa requerer medidas corretivas não previstas [n]o seu plano de atividades, nomeadamente a venda urgente de ativos que possa resultar em perdas ou em ajustamentos da avaliação dos seus ativos remanescentes».

96      Daqui decorre que os riscos tidos em vista a título de uma alavancagem excessiva se concretizam numa situação de falta de liquidez. Com efeito, é para obter liquidez que uma instituição de crédito pode ser levada a tomar medidas não previstas no plano de atividades, incluindo a venda urgente de ativos com as consequências explicitadas no artigo 4.o, n.o 1, ponto 94, do Regulamento n.o 575/2013, conforme recorda o considerando 90 desse regulamento.

97      Uma vez que as consequências negativas de um alavancamento excessivo se manifestam em caso de insuficiência de liquidez, a circunstância alegada pela recorrente de que o prazo de ajustamento das suas posições com as da CDC diz respeito ao risco de liquidez não retira pertinência ao referido prazo por ocasião da apreciação do risco ligado ao seu rácio de alavancagem.

98      Todavia, importa sublinhar que o próprio BCE reconhece que esse prazo de ajustamento não está na origem de um risco de liquidez a título da apreciação das exigências de cobertura das necessidades de liquidez que figuram no artigo 412.o do Regulamento n.o 575/2013 e do Regulamento Delegado (UE) 2015/61 da Comissão, de 10 de outubro de 2014, que completa o Regulamento n.o 575/2013 no que diz respeito ao requisito de cobertura de liquidez para as instituições de crédito (JO 2015, L 11, p. 1). Menciona, a este propósito, nos seus articulados a autorização que concedeu a instituições de crédito francesas que requereram aplicar o artigo 26.o do Regulamento Delegado 2015/61, que lhes permitiu assim efetuar uma compensação entre as entradas e as saídas associados à poupança regulamentada no âmbito do cálculo do rácio de liquidez e sublinha que poderia ser igualmente concedida à recorrente uma autorização similar.

99      Importa sublinhar que o Regulamento Delegado 2015/61 foi adotado para completar o Regulamento n.o 575/2013, o qual determina no seu artigo 412.o, n.o 1, que «[a]s instituições dispõem de ativos líquidos cujo valor total cubra as saídas de liquidez deduzidas das entradas de liquidez em condições de esforço, de modo a assegurar que as instituições mantêm reservas prudenciais de liquidez adequadas para fazer face a eventuais desequilíbrios entre as entradas e as saídas de liquidez em condições de esforço agravadas durante um período de trinta dias [e que e]m períodos de esforço, as instituições podem utilizar os seus ativos líquidos para cobrir as saídas de liquidez líquidas».

100    Segundo o artigo 26.o do Regulamento Delegado 2015/61, sob a epígrafe «Saídas com entradas interdependentes», «[s]ob reserva da aprovação prévia das autoridades competentes, as instituições de crédito podem calcular as saídas de liquidez líquidas de uma entrada interdependente que satisfaça todas as condições seguintes: a) A entrada interdependente está diretamente relacionada com a saída e não é tomada em consideração para o cálculo das entradas de liquidez referido no capítulo 3; b) A entrada interdependente é obrigatória por força de um compromisso legal, regulamentar ou contratual; c) A entrada interdependente cumpre uma das seguintes condições: i) ocorre obrigatoriamente antes da saída; ii) é recebida no prazo de 10 dias e garantida pela administração central de um Estado‑Membro».

101    Importa observar que esta disposição permite às autoridades competentes — e, em consequência, ao BCE no âmbito da sua missão de fiscalização prudencial que lhe foi confiada pelo artigo 4.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento n.o 1024/2013 — compensar as entradas e saídas de tesouraria interdependentes, se, devido à existência de uma garantia da administração central de um Estado‑Membro e à brevidade do prazo que as separa, considerar que o referido prazo não está na origem de um risco de liquidez.

102    Daqui decorre logicamente que a concessão, pelo BCE, do benefício do artigo 26.o do Regulamento Delegado 2015/61 às entradas e saídas de tesouraria ligadas às posições em risco sobre a CDC equivale ao reconhecimento pelo BCE de que o prazo que as pode separar não está na origem de um risco de liquidez.

103    Na medida em que, pelas razões expostas no n.o 96, supra, os riscos associados a uma situação de alavancagem excessiva se concretizem em caso de falta de liquidez, a posição de princípio do BCE, segundo a qual o prazo de ajustamento em causa poderia favorecer a superveniência dos riscos associados a uma alavancagem excessiva, embora não seja constitutivo de um risco de liquidez, deve, em razão da sua generalidade, considerar‑se manifestamente errónea.

104    Com efeito, o prazo de ajustamento em causa poderia ser pertinente para o risco de alavancagem, ao passo que não é para o risco de liquidez, apenas no caso em que os levantamentos de depósitos ligados à poupança regulamentada são de uma dimensão tal que se excedam «as condições de esforço agravadas» previstas para o cálculo do rácio de liquidez nos termos do artigo 412.o, n.o 1, do Regulamento n.o 575/2013.

105    Ora, essa eventualidade para efeitos do indeferimento do pedido da recorrente não podia ser tida em conta sem um exame aprofundado, pelo BCE, das características da poupança regulamentada. Esse exame deveria, designadamente, ter conduzido o BCE a analisar se, atentas as suas características — designadamente a garantia do Estado associada à poupança regulamentada —, era possível que levantamentos de poupança regulamentada fossem de um volume e de uma rapidez tais que a recorrente se visse impelida a recorrer às medidas referidas no artigo 4.o, n.o 1, ponto 94, do Regulamento n.o 575/2013 sem poder esperar pelas transferências de fundos provenientes da CDC a título do ajustamento das posições.

106    Com efeito, pelas razões expostas nos n.os 54 e 55, supra, é tendo em conta as especificidades de cada caso que cabe ao BCE, por ocasião da aplicação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, efetuar uma arbitragem entre os objetivos do rácio de alavancagem e a eventualidade de que certas posições em risco que preenchem as condições que figuram nessa disposição possam ser excluídas do cálculo do referido rácio. Essa obrigação de examinar as especificidades da poupança regulamentada resultava igualmente da jurisprudência referida no n.o 67, supra.

107    Ora, impõe‑se constatar que, na decisão impugnada, o BCE não procedeu a um exame detalhado das características da poupança regulamentada, antes se tendo limitado a assinalar de modo abstrato os riscos que implica o prazo de ajustamento das posições entre as da recorrente e as da CDC.

108    Por conseguinte, ao proceder deste modo, o BCE não cumpriu a sua obrigação, decorrente da jurisprudência referida no n.o 67, supra, de examinar, cuidadosa e imparcialmente, todos os elementos pertinentes do caso concreto.

109    Esta conclusão não é posta em causa pela argumentação do BCE relativa ao facto de o rácio de alavancagem ser uma exigência prudencial não assente no risco e de os mercados poderem subitamente perder a confiança em investimentos habitualmente julgados muito seguros. Com efeito, essa afirmação, fundada apenas nos objetivos prosseguidos com a introdução do rácio de alavancagem pelo Regulamento n.o 575/2013, não atende aos objetivos prosseguidos pela inclusão do artigo 429.o, n.o 14, nesse mesmo regulamento.

110    Do que precede resulta que o conjunto dos fundamentos salientados pelo BCE para concluir pela existência de um mecanismo de transferência imperfeito que permite que a recorrente suporte o risco ligado ao rácio de alavancagem e, por conseguinte, ao indeferimento do seu pedido no sentido de que sejam excluídas do cálculo do seu rácio de alavancagem as posições em risco sobre a CDC, constituídas pelos montantes que esta é obrigada a transferir‑lhe, está ferido de ilegalidade.

111    Há, por conseguinte, que acolher o segundo, terceiro e quarto fundamentos da recorrente e anular a decisão impugnada, não sendo necessário examinar o quinto fundamento.

 Quanto às despesas

112    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o BCE sido vencido, há que o condenar nas despesas, em conformidade com o pedido da recorrente.

113    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Consequentemente, a República da Finlândia suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção alargada)

decide:

1)      A Decisão ECB/SSM/2016O2RNE8IBXP4R0TD8PU41/72 do Banco Central Europeu (BCE), de 24 de agosto de 2016, é anulada.

2)      O BCE é condenado nas despesas.

3)      A República da Finlândia suportará as suas próprias despesas.

Prek

Buttigieg

Schalin

Berke

 

Costeira

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de julho de 2018.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.


1      Dados confidenciais ocultos.