Language of document : ECLI:EU:C:2024:287

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

11 de abril de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Diretiva (UE) 2019/1023 — Processos relativos à reestruturação, à insolvência e ao perdão de dívidas — Artigo 20.o — Acesso ao perdão — Artigo 20.o, n.o 1 — Perdão total da dívida — Artigo 23.o — Derrogações — Artigo 23.o, n.o 4 — Exclusão de determinadas categorias de dívida do perdão da dívida — Exclusão dos créditos de direito público — Justificação ao abrigo do direito nacional — Efeitos jurídicos das diretivas — Obrigação de interpretação conforme»

No processo C‑687/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Audiencia Provincial de Alicante (Audiência Provincial de Alicante, Espanha), por Decisão de 11 de outubro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de novembro de 2022, no processo

Julieta,

Rogelio

contra

Agencia Estatal de la Administración Tributaria,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal, presidente de secção, F. Biltgen (relator), N. Wahl, J. Passer e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo Espanhol, por A. Gavela Llopis, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por G. Braun e J. L. Buendía Sierra, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de dezembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 23.o, n.o 4, da Diretiva (UE) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, sobre os regimes de reestruturação preventiva, o perdão de dívidas e as inibições, e sobre as medidas destinadas a aumentar a eficiência dos processos relativos à reestruturação, à insolvência e ao perdão de dívidas, e que altera a Diretiva (UE) 2017/1132 (Diretiva sobre reestruturação e insolvência) (JO 2019, L 172, p. 18; a seguir «Diretiva sobre reestruturação e insolvência»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe duas pessoas singulares que se tornaram insolventes (a seguir «devedores») à Agencia Estatal de la Administración Tributaria (Agência Nacional da Administração Tributária, Espanha) (a seguir «AEAT»), que tem por objeto um pedido de perdão de dívidas apresentado por estes devedores durante o processo de insolvência que lhes diz respeito.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos dos considerandos 1, 78 e 81 da Diretiva sobre reestruturação e insolvência:

«1)      A presente diretiva tem por objetivo contribuir para o bom funcionamento do mercado interno e eliminar os obstáculos ao exercício de liberdades fundamentais como a livre circulação de capitais e a liberdade de estabelecimento, os quais resultam das diferenças entre as legislações e processos nacionais de reestruturação preventiva, de insolvência, de perdão de dívidas e de inibições. Sem afetar os direitos e liberdades fundamentais dos trabalhadores, a presente diretiva visa eliminar esses obstáculos assegurando: o acesso das empresas e empresários viáveis que estejam em dificuldades financeiras a regimes nacionais eficazes de reestruturação preventiva que lhes permitam continuar a exercer a sua atividade; a possibilidade de os empresários honestos insolventes ou sobreendividados beneficiarem de um perdão total da dívida depois de um período razoável, permitindo‑lhes assim terem uma segunda oportunidade; e uma maior eficácia dos processos relativos à reestruturação, à insolvência e ao perdão de dívidas, nomeadamente com vista à redução da sua duração.

[…]

78)      O perdão total da dívida ou o termo das medidas de inibição após um período não superior a três anos não são adequados a todas as situações, pelo que poderão ser previstas derrogações desta regra que sejam devidamente justificadas por razões estabelecidas no direito nacional. […]

[…]

81)      Caso exista um motivo devidamente justificado ao abrigo do direito nacional, poderá ser adequado limitar a possibilidade de perdão para determinadas categorias de dívida. Os Estados‑Membros deverão poder excluir dívidas garantidas da elegibilidade para perdão só até ao valor da garantia tal como determinado pelo direito nacional, devendo o saldo da dívida ser tratado como dívida não garantida. Os Estados‑Membros deverão poder excluir outras categorias de dívida, quando devidamente justificado.»

4        O artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva prevê:

«A presente diretiva estabelece regras relativas:

a)      Aos regimes de reestruturação preventiva à disposição dos devedores com dificuldades financeiras, caso exista uma probabilidade de insolvência, destinados a evitar a insolvência e a garantir a viabilidade do devedor;

b)      Aos processos conducentes a um perdão das dívidas contraídas por empresários insolventes; e

c)      Às medidas destinadas a aumentar a eficiência dos processos relativos à reestruturação, à insolvência e ao perdão de dívidas.»

5        O artigo 20.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Acesso ao perdão», enuncia:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que os empresários insolventes tenham acesso a, pelo menos, um processo suscetível de conduzir ao perdão total da dívida em conformidade com a presente diretiva.

Os Estados‑Membros podem exigir que a atividade comercial, industrial ou artesanal, ou profissional por conta própria, à qual as dívidas de um empresário insolvente estão associadas, tenha cessado.

2.      Os Estados‑Membros em que o perdão total da dívida tenha como condição o reembolso parcial da dívida pelo empresário asseguram que a obrigação de reembolso tenha por base a situação individual do empresário e, em especial, que seja proporcional aos seus rendimentos e ativos disponíveis ou suscetíveis de serem apreendidos durante o prazo para o perdão e tenha em conta o interesse equitativo dos credores.

[…]»

6        O artigo 23.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Derrogações», prevê, no n.o 4:

«Os Estados‑Membros podem excluir determinadas categorias de dívida do perdão da dívida, ou restringir o acesso ao perdão da dívida ou fixar um prazo para o perdão mais prolongado, caso essas exclusões, restrições ou prolongamentos de prazos sejam devidamente justificados, nomeadamente no caso:

a)      Das dívidas garantidas;

b)      Das dívidas decorrentes de sanções penais ou com elas relacionadas;

c)      Das dívidas decorrentes de responsabilidade delitual;

d)      Das dívidas respeitantes a obrigações de alimentos decorrentes de uma relação familiar, parentesco, casamento ou afinidade;

e)      Das dívidas contraídas após a apresentação do pedido de abertura de um processo conducente a um perdão da dívida ou após a abertura de tal processo; e

f)      Das dívidas decorrentes da obrigação de pagar as custas do processo conducente a um perdão da dívida.»

7        O artigo 34.o, n.o 1, da Diretiva sobre reestruturação e insolvência dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros adotam e publicam, até 17 de julho de 2021, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva, com exceção das disposições necessárias para dar cumprimento ao artigo 28.o, alíneas a), b) e c), que devem ser adotadas e publicadas até 17 de julho de 2024, e das disposições necessárias para dar cumprimento ao artigo 28.o, alínea d), que devem ser adotadas e publicadas até 17 de julho de 2026. Os Estados‑Membros comunicam imediatamente à Comissão [Europeia] o texto dessas disposições.

Os Estados‑Membros aplicam as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva a partir de 17 de julho de 2021, com exceção das disposições necessárias para dar cumprimento ao artigo 28.o, alíneas a), b) e c), que são aplicadas a partir de 17 de julho de 2024, e das disposições necessárias para dar cumprimento ao artigo 28.o, alínea d), que são aplicadas a partir de 17 de julho de 2026.»

8        Em aplicação do artigo 35.o desta diretiva, que prevê que esta entra em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia, a referida diretiva entrou em vigor em 16 de julho de 2019.

 Direito espanhol

9        O Real Decreto‑ley 1/2015 de mecanismo de segunda oportunidad, reducción de carga financiera y otras medidas de orden social (Real Decreto‑Lei 1/2015 relativo ao Mecanismo da Segunda Oportunidade, à Redução dos Encargos Financeiros e de Outras Medidas de Ordem Social), de 27 de fevereiro de 2015 (BOE n.o 51, de 28 de fevereiro de 2015, p. 19058), convertido sem alteração na Lei 25/2015, de 28 de julho de 2015, alterou a Ley 22/2003 concursal (Lei 22/2003 relativa à Insolvência), de 9 de julho de 2003 (BOE n.o 164, de 10 de julho de 2003, p. 26905), introduzindo um novo artigo 178.obis para regular o benefício de um perdão de dívidas. Este artigo 178.obis instituiu um regime que permite ao devedor em questão optar por um perdão imediato de dívidas (artigo 178.obis, n.o 3, ponto 4), ou por um perdão de dívidas durante cinco anos sujeito a um plano de reembolso (artigo 178.obis, n.o 3, ponto 5). Quanto a esta última, o referido artigo 178.obis, n.o 5, ponto 1, previa:

«O benefício do perdão de dívidas concedido aos devedores a que se refere o n.o 3, ponto 5, abrange a parte não satisfeita dos seguintes créditos:

1.o      Os créditos dos credores comuns não garantidos e os créditos subordinados pendentes à data do encerramento do processo de insolvência, mesmo que não tenham sido notificados, com exceção dos créditos de direito público e dos créditos relativos a obrigações de alimentos»

[…]»

10      O Real Decreto Legislativo 1/2020 por el que se aprueba el texto refundido de la Ley Concursal (Real Decreto Legislativo 1/2020, que aprova o Texto Consolidado da Lei relativa à Insolvência), de 5 de maio de 2020 (BOE n.o 127, de 7 de maio de 2020, p. 31518, a seguir «TRLC»), alterou novamente a Lei 22/2003 relativa à Insolvência, substituindo o seu artigo 178.obis por um novo capítulo e excluindo os créditos de direito público do âmbito do perdão de dívidas, seja ela imediata ou diferida.

11      O artigo 491.o, n.o 1, do TRLC enunciava:

«Se os créditos sobre a massa insolvente e os créditos dos credores privilegiados tiverem sido integralmente pagos e se o devedor que preencha os requisitos para tal tiver tentado obter previamente um acordo extrajudicial de reembolso, o benefício do perdão de dívidas abrange todos os créditos em dívida, com exceção dos créditos de direito público e dos relativos a obrigações de alimentos.»

12      O artigo 497.o, n.o 1, do TRLC dispunha:

«O benefício do perdão de dívidas concedido aos devedores que tenham aceitado sujeitar‑se ao plano de reembolso é extensível à parte dos créditos seguidamente indicados que, no âmbito do referido plano, não será paga:

1.o      Os créditos dos credores comuns não garantidos e os créditos subordinados pendentes à data do encerramento do processo de insolvência, mesmo que não tenham sido notificados, com exceção dos créditos de direito público e dos relativos a obrigações de alimentos.

[…]»

13      A Ley 16/2022 de reforma del texto refundido de la Ley Concursal, aprobado por el Real Decreto Legislativo 1/2020, para la transposición de la Diretiva (UE) 2019/1023 [(Lei 16/2022, que altera o Texto Consolidado da Lei relativa à Insolvência, aprovado pelo Real Decreto Legislativo 1/2020, com vista à transposição da Diretiva (UE) 2019/1023], de 5 de setembro de 2022 (BOE n.o 214, de 6 de setembro de 2022, p. 123682, a seguir «Lei 16/2022»), confirmou a abordagem adotada pelo TRLC, excluindo igualmente os créditos de direito público do âmbito do perdão de dívidas, seja ela imediata ou diferida.

14      O preâmbulo da Lei 16/2022 prevê, na secção IV:

«[…]

«A [Diretiva sobre reestruturação e insolvência] obriga todos os Estados‑Membros a instituir um mecanismo de segunda oportunidade para evitar que os devedores sejam tentados a deslocalizar‑se para outros países que já preveem esses mecanismos, com o custo que isso implicaria tanto para o devedor como para os seus credores. Paralelamente, a homogeneização neste ponto é considerada essencial para o funcionamento do mercado único europeu.

[…]

São estabelecidas duas modalidades de perdão de dívidas: o perdão de dívidas com liquidação da massa ativa e o perdão de dívidas com um plano de reembolso. […]

[…]

O perdão de dívidas é extensível a todos os créditos no âmbito do processo coletivo e dos créditos sobre a massa insolvente. As exceções baseiam‑se, em certos casos, na importância particular da sua satisfação por uma sociedade justa e solidária fundada no Estado de direito (como as dívidas relativas a obrigações de alimentos, as dívidas resultantes de créditos de direito público, as dívidas emergentes de infrações penais ou ainda as dívidas decorrentes de responsabilidade delitual). Assim, o perdão de dívidas para os créditos de direito público está sujeito a certos limites e só pode ocorrer no primeiro perdão de dívidas, e não nas seguintes. […]

[…]»

15      O artigo 489.o do TRLC conforme alterado pela Lei 16/2022 tem a seguinte redação:

«1.      O perdão de dívidas abrange todas as dívidas não satisfeitas, com exceção das seguintes:

[…]

5.o      Dívidas resultantes de créditos de direito público. Todavia, as dívidas cuja gestão da cobrança seja da competência da [AEAT] podem ser perdoadas até ao montante máximo de 10 000 euros por devedor; para os primeiros 5 000 euros de dívida, o perdão será total e, a partir desse montante, o perdão atinge 50 % da dívida até ao máximo indicado. Do mesmo modo, as dívidas à Segurança Social podem ser perdoadas pelo mesmo montante e nas mesmas condições. O montante perdoado, até ao limite acima referido, é aplicado na ordem inversa da ordem de prioridade legalmente estabelecida pela presente lei e, dentro de cada categoria, em função da sua antiguidade.

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16      No âmbito do processo de insolvência aberto contra os devedores, estes apresentaram, em 3 de março de 2021, um pedido de perdão total de dívidas. A AEAT opôs‑se a este pedido relativamente à inclusão, no perdão de dívidas, de uma dívida no montante de 192 366,21 euros, da qual esta agência era credora e que constituía um crédito de direito público privilegiado.

17      Por Despacho de 30 de julho de 2021, o Juzgado de Primera Instancia n.o 1 de Denia (Tribunal de Primeira Instância n.o 1 de Dénia, Espanha) decretou o encerramento deste processo de insolvência e concedeu um perdão de dívidas aos devedores, do qual excluiu os créditos de direito público e as obrigações de alimentos.

18      Os devedores interpuseram recurso desse despacho no órgão jurisdicional de reenvio para obter a inclusão do crédito de direito público devido à AEAT nesse perdão de dívidas.

19      Tendo em conta a data do pedido de perdão de dívidas dos devedores, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a versão da Lei 22/2003 relativa à Insolvência a ter em conta não é a resultante da Lei 16/2022, que transpôs a Diretiva sobre reestruturação e insolvência, mas a versão resultante do TRLC aprovado pelo Real Decreto Legislativo 1/2020, publicada após a entrada em vigor desta diretiva e antes da data‑limite da sua transposição. Todavia, precisa que estes dois diplomas nacionais preveem a exclusão dos créditos de direito público do perdão de dívidas.

20      Este órgão jurisdicional refere que existem divergências na jurisprudência nacional relativamente à validade das disposições nacionais que preveem essa exclusão e indica ter dúvidas quanto à compatibilidade destas disposições com a Diretiva sobre reestruturação e insolvência.

21      Por um lado, interroga‑se sobre se a referida exclusão prevista no direito espanhol está devidamente justificada. Observa que o artigo 23.o da Diretiva sobre reestruturação e insolvência permite derrogar a regra geral enunciada no artigo 20.o, n.o 1, desta diretiva, segundo a qual o perdão de dívidas é total. Em especial, o artigo 23.o, n.o 4, da referida diretiva proporciona aos Estados‑Membros a possibilidade de excluir determinadas categorias de dívida do perdão da dívida, desde que a exclusão seja «devidamente justificad[a]».

22      Ora, contrariamente à Lei 16/2022, no preâmbulo da qual o legislador nacional forneceu uma certa justificação, a saber, que as exceções ao perdão de dívidas «[se baseiam], em certos casos, na importância particular da sua satisfação por uma sociedade justa e solidária fundada no Estado de direito», o TRLC aprovado pelo Real Decreto Legislativo 1/2020 não contém nenhuma justificação relativa à exclusão dos créditos de direito público do perdão de dívidas.

23      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre se a lista de determinadas categorias de dívida que podem ser excluídas do perdão da dívida que consta do artigo 23.o, n.o 4, da Diretiva sobre reestruturação e insolvência constitui uma lista exaustiva, dado que, se fosse esse o caso, a Lei 22/2003, na versão resultante do TRLC aprovado pelo Real Decreto Legislativo 1/2020, seria contrária a esta disposição. Em contrapartida, se essa lista tivesse apenas caráter exemplificativo, esta lei seria conforme com a referida disposição.

24      Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio continua cético quanto ao caráter não exaustivo da referida lista, mesmo após a publicação da retificação relativa à versão em língua espanhola deste artigo 23.o, n.o 4 (JO 2022, L 43, p. 94), que esclarece, nesta língua, que a faculdade prevista nesta disposição se aplica «nomeadamente» às categorias de dívida nela enunciadas. Com efeito, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre o interesse de uma tal lista se o legislador nacional for inteiramente livre de estabelecer as categorias de dívida que pretenda excluir do perdão da dívida, desde que a exclusão seja devidamente justificada. Além disso, o referido órgão jurisdicional observa que as categorias de dívida enunciadas nesta disposição apresentam uma certa coerência que seria posta em causa se o legislador nacional tivesse essa liberdade. A circunstância de os créditos de direito público, que são de importância extraordinária, não serem mencionados na lista das categorias de dívida constante da mesma disposição pode ser uma indicação do caráter exaustivo desta lista. Por último, o órgão jurisdicional de reenvio considera que esta liberdade pode afetar o funcionamento do mercado interno.

25      Nestas condições, a Audiencia Provincial de Alicante (Audiência Provincial de Alicante, Espanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      É possível aplicar o princípio da interpretação conforme ao artigo 23.o, n.o 4, da [Diretiva sobre reestruturação e insolvência] quando os factos quando os factos (como acontece no presente processo, tendo em conta a data do pedido de perdão de dívidas) ocorreram no período compreendido entre a entrada em vigor da referida diretiva e a data‑limite para a sua transposição, e a legislação nacional aplicável ([a saber, o TRLC aprovado pelo Real Decreto Legislativo 1/2020]) não é a legislação que transpõe a diretiva ([a saber, Lei 16/2022]?

2)      É compatível com o artigo 23.o, n.o 4, da [Diretiva sobre reestruturação e insolvência] e com os seus princípios inspiradores relativos ao perdão de dívidas uma legislação nacional, como a espanhola nos termos previstos no [TRLC aprovado pelo Real Decreto Legislativo 1/2020], que não dá nenhuma justificação para a exclusão dos créditos de direito público do perdão de dívidas? Esta legislação, na medida em que exclui os créditos de direito público do perdão de dívidas e não é devidamente justificada, compromete ou prejudica a realização dos objetivos estabelecidos por aquela diretiva?

3)      O artigo 23.o, n.o 4, da [Diretiva sobre reestruturação e insolvência] contém uma lista exaustiva e fechada de categorias de créditos suscetíveis de serem excluídos do perdão de dívidas, ou, pelo contrário, essa lista é meramente exemplificativa e o legislador nacional tem total liberdade para determinar as categorias de créditos suscetíveis de serem excluídos que considere adequadas, desde que sejam devidamente justificadas nos termos do seu direito nacional?»

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça

26      O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio prejudicial fosse submetido à tramitação prejudicial acelerada prevista no artigo 105.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Em apoio do seu pedido, esse órgão jurisdicional salienta que o litígio que lhe foi submetido diz potencialmente respeito a um número significativo de pessoas, dado que a crise económica que afeta o Reino de Espanha deu origem a um grande número de processos de insolvência, ainda pendentes, que envolvem pessoas singulares e no âmbito dos quais os pedidos de perdão de dívidas apresentados ao abrigo do TRLC são muito numerosos. Assim, um tratamento rápido do presente reenvio prejudicial permitiria resolver judiciosa e rapidamente muitos litígios com o mesmo objeto.

27      A este respeito, importa recordar que, por força do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal de Justiça pode, quando a natureza do processo exija o tratamento deste dentro de prazos curtos, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada, em derrogação das disposições deste regulamento.

28      No caso em apreço, por Decisão de 28 de dezembro de 2022, o presidente do Tribunal de Justiça, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, indeferiu o pedido do órgão jurisdicional de reenvio de que o presente processo fosse submetido a tramitação acelerada com o fundamento de que, em conformidade com jurisprudência constante, o número significativo de pessoas ou de situações jurídicas potencialmente afetadas pela decisão que um órgão jurisdicional de reenvio deve proferir depois de ter chamado o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se a título prejudicial não é suscetível, enquanto tal, de constituir uma circunstância excecional que possa justificar o recurso à tramitação acelerada [v., nomeadamente, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 21 de setembro de 2006, KÖGÁZ e o., C‑283/06 e C‑312/06, não publicado, EU:C:2006:602, n.o 9, e Acórdão de 8 de dezembro de 2020, Staatsanwaltschaft Wien (Ordens de transferência bancária falsificadas) C‑584/19, EU:C:2020:1002, n.o 36 e jurisprudência referida].

29      Além disso, há que constatar que nenhum dos argumentos apresentados pelo órgão jurisdicional em apoio do seu pedido permite demonstrar que a natureza desse processo exige que este seja tratado em prazos curtos devido a uma urgência que justifique que seja submetido a tramitação acelerada.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

30      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o princípio da interpretação conforme é aplicável a uma situação em que os factos ocorreram após a data de entrada em vigor da Diretiva sobre reestruturação e insolvência, mas antes do termo do prazo de transposição desta diretiva.

31      A este respeito, importa recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a obrigação de interpretação conforme a que se refere o órgão jurisdicional de reenvio diz respeito a todas as disposições do direito nacional, tanto anteriores como posteriores à diretiva em questão (Acórdão de 23 de abril de 2009, Angelidaki e o., C‑378/07 a C‑380/07, EU:C:2009:250, n.o 197 e jurisprudência referida), e pouca importa, a este respeito, que a disposição em causa do direito nacional, adotada após a entrada em vigor desta diretiva, vise ou não a transposição da referida diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.o 121 e jurisprudência referida).

32      Decorre, além disso, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a obrigação geral, que incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais, de interpretar o direito interno de uma maneira que seja conforme com a diretiva só existe a partir do termo do respetivo prazo de transposição (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.o 115, e de 23 de abril de 2009, Angelidaki e o., C‑378/07 a C‑380/07, EU:C:2009:250, n.o 201).

33      Daqui resulta que, como salientou o advogado‑geral no n.o 29 das suas conclusões, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que os factos ocorreram antes do termo do prazo de transposição da diretiva em questão, o princípio da interpretação conforme ainda não se impõe a um órgão jurisdicional nacional que tem de se pronunciar sobre esses factos.

34      Quanto à obrigação de os Estados‑Membros, durante o prazo de transposição de uma diretiva, se absterem de adotar disposições suscetíveis de comprometer seriamente a obtenção do resultado por esta prescrito (Acórdão de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.o 121 e jurisprudência referida), há que constatar que essa obrigação tem de ser examinada no âmbito da resposta à segunda questão.

35      Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira questão que o princípio da interpretação conforme não é aplicável a uma situação na qual os factos ocorreram após a data de entrada em vigor da Diretiva sobre reestruturação e insolvência, mas antes do termo do prazo de transposição desta diretiva e da respetiva transposição para o direito nacional.

 Quanto à terceira questão

36      Com a sua terceira questão, que importa examinar em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 23.o, n.o 4, da Diretiva sobre reestruturação e insolvência deve ser interpretado no sentido de que a lista de determinadas categorias de dívida que ali figura tem caráter exaustivo ou não e se, em caso de resposta negativa, os Estados‑Membros têm a faculdade de excluir do perdão da dívida determinadas categorias de dívida diferentes das enumeradas nessa disposição, desde que essa exclusão seja devidamente justificada ao abrigo do direito nacional.

37      No que respeita, em primeiro lugar, à questão de saber se esta lista tem caráter exaustivo ou não, há que constatar que a referida lista é introduzida pelos termos «nomeadamente no caso», e que termos com o mesmo significado são empregados nas outras versões linguísticas deste artigo 23.o, n.o 4, incluindo na versão em língua espanhola desta disposição na sequência da publicação da retificação referida no n.o 24 do presente acórdão. Assim, decorre da redação da referida disposição que as determinadas categorias de dívida não são enumeradas de forma exaustiva.

38      A interpretação literal do artigo 23.o, n.o 4, da Diretiva sobre reestruturação e insolvência segundo a qual a lista que figura nesta disposição não tem caráter exaustivo, mas exemplificativo, é corroborada, como salientou o advogado‑geral no n.o 33 das suas conclusões, pelo considerando 81 desta diretiva, do qual resulta que o legislador da União considerou que os Estados‑Membros «deverão poder excluir outras categorias de dívida, quando devidamente justificado».

39      Daqui resulta que este artigo 23.o, n.o 4, deve ser interpretado no sentido de que a lista das determinadas categorias de dívida que ali figura não tem caráter exaustivo e que os Estados‑Membros têm a faculdade de excluir do perdão da dívida determinadas categorias de dívida diferentes das enumeradas nessa disposição, quando devidamente justificado.

40      No que respeita, em segundo lugar, à margem de apreciação de que gozam os Estados‑Membros no exercício desta faculdade, importa constatar que, como o advogado‑geral demonstrou nos n.os 39 a 43 das suas conclusões, nem a Diretiva sobre reestruturação e insolvência nem os trabalhos preparatórios da sua adoção contêm elementos suscetíveis de corroborar a tese proposta, nomeadamente, pelo órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual, atendendo à coerência interna das categorias de dívida expressamente previstas no artigo 23.o, n.o 4, desta diretiva, o legislador da União pretendeu limitar a margem de apreciação dos Estados‑Membros quanto à exclusão do perdão da dívida de categorias de dívida diferentes das enumeradas nesta disposição, tais como os créditos de direito público. Pelo contrário, resulta mais especificamente destes trabalhos preparatórios que esse legislador teve uma vontade afirmada de deixar aos Estados‑Membros uma certa margem de apreciação para que estes pudessem, quando da transposição da referida diretiva para o seu direito nacional, ter em conta a situação económica e as estruturas jurídicas nacionais.

41      Por conseguinte, há que concluir que o artigo 23.o, n.o 4, da Diretiva sobre reestruturação e insolvência deve ser interpretado no sentido de que não restringe a margem de apreciação de que os Estados‑Membros dispõem quanto à escolha das categorias de dívida diferentes das enumeradas nesta disposição que pretendem excluir do perdão da dívida.

42      Não obstante, o legislador da União sujeitou expressamente o exercício da faculdade assim concedida aos Estados‑Membros nesse artigo 23.o, n.o 4, à condição de essas exclusões serem «devidamente justificad[a]s». Daqui decorre que, quando o legislador nacional adota tais derrogações, os fundamentos dessas derrogações devem resultar do direito nacional ou do processo que lhes deu origem e que esses fundamentos devem prosseguir um interesse público legítimo.

43      A este respeito, tanto o considerando 78 da Diretiva sobre reestruturação e insolvência, que faz referência às derrogações «devidamente justificadas por razões estabelecidas no direito nacional», como o considerando 81 desta diretiva, que evoca um motivo «devidamente justificado ao abrigo do direito nacional», permitem considerar que o legislador da União estimou que era suficiente o respeito das modalidades previstas para o efeito nos diferentes direitos nacionais.

44      Tendo em conta o que precede, há que responder à terceira questão que o artigo 23.o, n.o 4, da Diretiva sobre reestruturação e insolvência deve ser interpretado no sentido de que a lista de determinadas categorias de dívida que ali figura não tem caráter exaustivo e que os Estados‑Membros têm a faculdade de excluir do perdão da dívida determinadas categorias de dívida diferentes das enumeradas nessa disposição, desde que essa exclusão seja devidamente justificada ao abrigo do direito nacional.

 Quanto à segunda questão

45      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se uma interpretação, pelos órgãos jurisdicionais nacionais, de uma legislação nacional aplicável a factos ocorridos após a data de entrada em vigor da Diretiva sobre reestruturação e insolvência, mas antes do termo do prazo da sua transposição, segundo a qual a exclusão dos créditos de direito público do perdão de dívidas não está devidamente justificada nessa legislação, não é suscetível de comprometer seriamente, após o termo desse prazo, a realização do objetivo prosseguido por essa diretiva.

46      Para responder a esta questão, importa recordar que, como resulta da jurisprudência referida no n.o 34 do presente acórdão, a partir da data em que uma diretiva entra em vigor, os Estados‑Membros devem abster‑se de adotar disposições suscetíveis de comprometer seriamente, após o termo do prazo de transposição dessa diretiva, a realização do objetivo por ela prosseguido.

47      Dado que todas as autoridades dos Estados‑Membros estão sujeitas à obrigação de garantir a plena eficácia das disposições do direito da União, a obrigação de abstenção enunciada no número anterior do presente acórdão também se impõe aos órgãos jurisdicionais nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.os 121 e 122, e jurisprudência referida).

48      O Tribunal de Justiça deduziu, portanto, que, a partir da data em que uma diretiva entra em vigor, os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros devem abster‑se, na medida do possível, de interpretar o direito interno de modo suscetível a comprometer seriamente, após o termo do prazo de transposição, o objetivo prosseguido por essa diretiva (Acórdão de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.o 123).

49      Importa também salientar que, por força do artigo 1.o da Diretiva sobre reestruturação e insolvência, esta estabelece regras relativas, primeiro, aos regimes de reestruturação preventiva acessíveis aos devedores com dificuldades financeiras quando há uma probabilidade de insolvência, segundo, aos processos que permitem um perdão das dívidas contraídas por empresários insolventes e, terceiro, às medidas destinadas a aumentar a eficácia dos processos em matéria de reestruturação, insolvência e perdão de dívidas. No que respeita mais precisamente ao procedimento de perdão de dívidas, o objetivo desta diretiva é, como resulta do artigo 20.o, n.o 1, lido em conjugação com o seu considerando 1, que os empresários honestos insolventes ou sobre‑endividados tenham acesso a, pelo menos, um procedimento que possa conduzir a um perdão total da dívida em conformidade com a referida diretiva, permitindo‑lhes assim terem uma segunda oportunidade.

50      Todavia, por um lado, como exposto nos n.os 37 a 44 do presente acórdão, o artigo 23.o, n.o 4, da mesma diretiva permite aos Estados‑Membros excluir determinadas categorias de dívida do perdão da dívida desde que essa exclusão seja devidamente justificada. Por outro lado, como resulta da jurisprudência referida nos n.os 46 a 48 do presente acórdão, a partir da data em que uma diretiva entra em vigor, os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros devem abster‑se, na medida do possível, de interpretar o direito interno de modo suscetível a comprometer seriamente, após o termo do prazo de transposição dessa diretiva, a realização do objetivo por ela prosseguido.

51      Ora, o facto de, antes do termo do prazo de transposição da Diretiva sobre reestruturação e insolvência, um legislador nacional não ter justificado devidamente a exclusão de uma categoria de dívida, como os créditos de direito público, do perdão da dívida não é, enquanto tal, suscetível de comprometer seriamente a realização do objetivo prosseguido por essa diretiva. Com efeito, por um lado, não obstante o objetivo desta de conferir aos empresários honestos insolventes ou sobre‑endividados uma segunda oportunidade, permitindo‑lhes o acesso a um procedimento que pode conduzir a um perdão total de dívidas, a referida diretiva permite aos Estados‑Membros excluir categorias de dívida, tais como os créditos de direito público, do perdão da dívida. Por outro lado, essa falta de justificação, pelo legislador nacional, da exclusão dos créditos de direito público dos procedimentos de perdão de dívidas não afeta a possibilidade de esse legislador fornecer uma justificação adequada para essa exclusão se a mantiver após o prazo de transposição da mesma diretiva.

52      Embora caiba, em definitivo, ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se, no processo principal e tendo em conta todos os elementos desse processo, o TRLC aprovado pelo Real Decreto Legislativo 1/2020 é suscetível de comprometer seriamente, após o termo do prazo de transposição da Diretiva sobre reestruturação e insolvência, a realização do objetivo prosseguido por esta diretiva, o Tribunal de Justiça pode, com base nos elementos que constam dos autos, fornecer a esse órgão jurisdicional indicações úteis para efetuar essa apreciação.

53      A este respeito, cabe salientar que, quanto à justificação da exclusão dos créditos de direito público do perdão de dívidas ao abrigo do direito nacional, por um lado, como resulta da decisão de reenvio, o legislador espanhol, no preâmbulo da Lei 16/2022, que visa assegurar a transposição da referida diretiva, justificou essa exclusão. Por conseguinte, afigura‑se que, após o termo do prazo de transposição da mesma diretiva, o legislador espanhol respeitou a obrigação, prevista no artigo 23.o, n.o 4, desta, de justificar a referida exclusão.

54      Por outro lado, como o órgão jurisdicional de reenvio precisou, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), os preâmbulos e as exposições de motivos das disposições legislativas espanholas fazem parte integrante destas e são pertinentes para a sua interpretação, dado que o órgão de que emanam explica a sua razão de ser (ratio legis). Uma vez que é ponto assente que o legislador espanhol justificou a exclusão dos créditos de direito público do perdão de dívidas no preâmbulo da Lei 16/2022, afigura‑se, a priori, que esse legislador forneceu uma justificação ao abrigo do direito nacional e que a falta de qualquer justificação, nomeadamente, na versão do TRLC aplicável ao processo principal, não pode ter por efeito comprometer seriamente, após o termo do prazo de transposição da Diretiva sobre reestruturação e insolvência, a realização do objetivo prosseguido por esta diretiva.

55      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que uma interpretação, pelos órgãos jurisdicionais nacionais, de uma legislação nacional aplicável a factos ocorridos após a data de entrada em vigor da Diretiva sobre reestruturação e insolvência, mas antes do termo do prazo da sua transposição, segundo a qual a exclusão dos créditos de direito público do perdão de dívidas não está devidamente justificada nessa legislação não é suscetível de comprometer seriamente, após o termo desse prazo, a realização do objetivo prosseguido por essa diretiva.

 Quanto às despesas

56      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      O princípio da interpretação conforme não é aplicável a uma situação na qual os factos ocorreram após a data de entrada em vigor da Diretiva (UE) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, sobre os regimes de reestruturação preventiva, o perdão de dívidas e as inibições, e sobre as medidas destinadas a aumentar a eficiência dos processos relativos à reestruturação, à insolvência e ao perdão de dívidas, e que altera a Diretiva (UE) 2017/1132 (Diretiva sobre reestruturação e insolvência), mas antes do termo do prazo de transposição desta diretiva e da respetiva transposição para o direito nacional.

2)      O artigo 23.o, n.o 4, da Diretiva 2019/1023

deve ser interpretado no sentido de que:

a lista de determinadas categorias de dívida que ali figura não tem caráter exaustivo e que os EstadosMembros têm a faculdade de excluir do perdão da dívida determinadas categorias de dívida diferentes das enumeradas nessa disposição, desde que essa exclusão seja devidamente justificada ao abrigo do direito nacional.

3)      Uma interpretação, pelos órgãos jurisdicionais nacionais, de uma legislação nacional aplicável a factos ocorridos após a data de entrada em vigor da Diretiva 2019/1023, mas antes do termo do prazo da sua transposição, segundo a qual a exclusão dos créditos de direito público do perdão de dívidas não está devidamente justificada nessa legislação não é suscetível de comprometer seriamente, após o termo desse prazo, a realização do objetivo prosseguido por essa diretiva.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.