Language of document : ECLI:EU:C:2024:300

Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ANTHONY M. COLLINS

apresentadas em 11 de abril de 2024 (1)

Processo C710/22 P

JCDecaux Street Furniture Belgium

contra

Comissão europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107.°, n.° 1, TFUE — Auxílio executado pelas autoridades belgas a favor da JCDecaux Street Furniture Belgium — Não pagamento de rendas e de impostos por dispositivos publicitários instalados na cidade de Bruxelas (Bélgica) — Vantagem económica — Mecanismo de compensação — Decisão da Comissão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno e ordena a sua recuperação — Inexistência de contradição na fundamentação — Fiscalização, pelo Tribunal de Justiça, da apreciação dos factos e dos elementos de prova — Exclusão, exceto em caso de desvirtuação»






 Introdução

1.        Com o presente recurso, a JCDecaux Street Furniture Belgium (a seguir «JCDecaux») pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia no processo T‑642/19 (2), que negou provimento ao seu recurso de anulação da Decisão (UE) 2019/2120 da Comissão Europeia, de 24 de junho de 2019, relativa ao auxílio estatal SA.33078 (2015/C) (ex 2015/NN) executado pela Bélgica a favor da JCDecaux Belgium Publicité (3). O presente processo dá ao Tribunal de Justiça, nomeadamente a oportunidade de se pronunciar sobre a natureza e o alcance da fiscalização jurisdicional que é chamado a efetuar no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral.

 Antecedentes do litígio

2.        A ville de Bruxelles (cidade de Bruxelas, Bélgica) e a JCDecaux celebraram dois contratos sucessivos, com uma duração respetiva de quinze anos, relativos à instalação, na referida cidade, de abrigos de paragem de autocarro publicitários e de elementos de mobiliário urbano para informação (a seguir «MUPI»), parte dos quais podia ser explorada para fins publicitários (4).

3.        O primeiro contrato, datado de 16 de julho de 1984 (a seguir «contrato de 1984»), dizia respeito a abrigos de paragem de autocarro publicitários e a MUPI de que a JCDecaux continuava a ser proprietária. Previa, nomeadamente, que esta última não tinha de efetuar qualquer pagamento à cidade de Bruxelas a título de rendas, direitos de ocupação ou taxas pelos abrigos de paragem de autocarro e pelos MUPI, mas estava obrigada a fornecer‑lhe uma série de prestações em espécie, a saber, a disponibilização gratuita de cestos de papéis, sanitários públicos e jornais eletrónicos, bem como a elaboração de um mapa geral, de um mapa turístico e hoteleiro e de um mapa das vias pedonais da cidade. Em contrapartida, a JCDecaux estava autorizada a explorar, para fins publicitários, determinados dispositivos integrados nos abrigos de paragem de autocarro e nos MUPI fornecidos, ou separados deles. Cada um destes dispositivos podia ser explorado por um período de quinze anos a contar da sua colocação, comprovada por auto (5).

4.        Em 1998, a cidade de Bruxelas lançou um concurso público que tinha por objeto «o fabrico, o fornecimento, a colocação, a disponibilização, a limpeza e a manutenção de [MUPI], de abrigos para passageiros (“abri‑voyageurs”) e de suportes para afixação, dos quais uma parte podia ser utilizada para fins publicitários». Para cumprir as suas obrigações contratuais decorrentes do contrato de 1984 e assegurar a transparência do concurso público, a cidade de Bruxelas identificou, no anexo 10 do caderno especial de encargos do referido concurso (a seguir «anexo 10»), 282 abrigos de paragem de autocarro e 198 MUPI abrangidos pelo contrato de 1984 (a seguir «dispositivos inscritos no anexo 10») cujo direito de exploração da JCDecaux ainda não tinha terminado de acordo com as cláusulas desse contrato, indicando a localização e a data de termo da exploração de cada um deles.

5.        Dado que a JCDecaux ganhou o concurso, foi celebrado um segundo contrato, em 14 de outubro de 1999, entre esta empresa e a cidade de Bruxelas (a seguir «contrato de 1999»). Este contrato, constituído por uma nota de encomenda, pelo caderno especial de encargos e pelos anexos deste caderno, incluindo o anexo 10, substituiu o contrato de 1984. Previa, nomeadamente, que a cidade de Bruxelas se tornava proprietária dos elementos de mobiliário urbano instalados, mediante o pagamento de um preço líquido forfetário por elemento fornecido, completamente equipado, instalado e operacional, e que a JCDecaux devia pagar uma renda mensal pela utilização desses elementos de mobiliário urbano para fins publicitários.

6.        Durante a execução do contrato de 1999, determinados dispositivos inscritos no anexo 10 foram removidos antes das respetivas datas de termo, previstas nesse anexo, enquanto outros (a seguir «dispositivos controvertidos») foram mantidos e continuaram a ser explorados pela JCDecaux além dessas datas. Em relação a estes últimos, a cidade de Bruxelas não reclamou qualquer pagamento a título de rendas ou de impostos. Esta situação terminou em agosto de 2011, quando os últimos dispositivos inscritos no anexo 10 foram desmantelados.

7.        Em 19 de abril de 2011, a Clear Channel Belgium (a seguir «CCB») apresentou uma queixa à Comissão na qual considerava que, ao continuar a explorar os dispositivos controvertidos além das datas de termo previstas, sem pagar renda nem impostos à cidade de Bruxelas, a JCDecaux tinha beneficiado de um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno.

8.        Em 24 de março de 2015, a Comissão deu início ao procedimento formal de investigação nos termos do artigo 108.°, n.° 2, TFUE e convidou o Reino da Bélgica e outras partes interessadas a apresentarem as suas observações. A Comissão recebeu observações do Reino da Bélgica, da CCB e da JCDecaux. Além disso, realizaram‑se debates e outras interações entre estes últimos e a Comissão.

9.        Nas suas observações, as autoridades belgas indicaram, nomeadamente, que tinham aceitado a manutenção e a exploração dos dispositivos controvertidos além das datas de termo previstas no anexo 10 para preservar o equilíbrio económico do contrato de 1984, visto que alguns dispositivos inscritos nesse anexo tinham sido removidos antecipadamente a pedido da cidade de Bruxelas, que, nomeadamente por razões estéticas, desejava instalar outros modelos. Segundo essas autoridades, uma vez que a JCDecaux tinha sofrido um prejuízo devido a essa remoção antecipada, era aceitável que, para a compensar, pudesse manter outros dispositivos durante mais tempo do que o previsto e que não lhe fosse exigido nenhum pagamento de rendas ou de imposto pelos mesmos (6). As autoridades belgas reconheceram a existência de um desequilíbrio limitado entre o número de dispositivos removidos antecipadamente e o número de dispositivos mantidos além das respetivas datas de termo. Calculando a diferença entre as economias em termos de rendas e de impostos a que renunciou ao aceitar estas remoções antecipadas e as economias em termos de rendas e de impostos que realizou ao manter outros dispositivos além dessas datas de termo, a JCDecaux só beneficiou de uma vantagem financeira no valor máximo de 100 000 a 150 000 euros entre dezembro de 1999 e 2011 (7). Por conseguinte, a medida em causa poderia constituir um auxílio de minimis,  na aceção do Regulamento (CE) n.° 1998/2006 da Comissão, de 15 de dezembro de 2006, relativo à aplicação dos artigos [107.° e 108.° TFUE] aos auxílios de minimis (8).

10.      Em 24 de junho de 2019, a Comissão adotou a decisão controvertida.

11.      Nos considerandos 66 a 69 da decisão controvertida, a Comissão delimitou o objeto da sua análise, indicando, nomeadamente, que, tendo em conta as regras de limitação referidas no artigo 17.° do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.° [TFUE] (9), essa análise dizia apenas respeito à questão de saber em que medida a manutenção dos dispositivos controvertidos além das datas de termo previstas no anexo 10, sem pagamento de rendas ou de impostos, constituía um auxílio estatal concedido à JCDecaux após 15 de setembro de 2001.

12.      Nos considerandos 72 a 81 da decisão controvertida, a Comissão examinou as condições relativas à imputabilidade ao Estado e à transferência de recursos estatais. Sublinhou, nomeadamente, que as autoridades belgas não contestavam que a medida em causa lhes era imputável ou que tinha provocado uma perda de receitas para a cidade de Bruxelas em termos de rendas e de impostos não cobrados sobre os dispositivos controvertidos, que normalmente teriam sido substituídos por dispositivos abrangidos pelo contrato de 1999.

13.      Nos considerandos 82 a 96 da decisão recorrida, a Comissão analisou a condição relativa à existência de uma vantagem económica.

14.      A este respeito, antes de mais, a Comissão salientou que, a partir de 1999 e à medida que as autorizações baseadas no contrato de 1984 expiravam, a JCDecaux tinha continuado a explorar dispositivos publicitários no território da cidade de Bruxelas sem pagar rendas ou impostos, quando, nos termos do contrato de 1999, esses dispositivos deveriam ter sido removidos. Nos termos do mesmo contrato, a exploração dos novos dispositivos publicitários que os iriam substituir implicava o pagamento de rendas e de impostos (10).

15.      A seguir, a Comissão observou que as autoridades belgas tinham reconhecido que, «globalmente», a JCDecaux havia beneficiado de uma vantagem económica e que se limitavam a contestar a sua extensão. No que diz respeito ao seu argumento relativo à existência do mecanismo de compensação, recordou, remetendo para o Acórdão Orange/Comissão (11), que só na medida em que a intervenção estatal devesse ser considerada uma compensação que representava a contrapartida das prestações efetuadas pelas empresas encarregadas de um serviço de interesse económico geral para executar obrigações de serviço público, segundo os critérios estabelecidos pelo Acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (12), é que essa intervenção não estava abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 107.°, n.° 1, TFUE. Ora, tanto o contrato de 1984 como o contrato de 1999 eram contratos comerciais, cujas disposições não atribuíam uma missão de serviço público à JCDecaux. A alegada compensação, «admitindo que se destine efetivamente compensar a desvantagem decorrente de uma eventual obrigação de remoção antecipada de alguns dispositivos» implicava, portanto, uma vantagem para a JCDecaux. Esta conclusão impõe‑se tanto mais no caso em apreço «porquanto é difícil considerar que [esta última] tenha sido afetada por uma desvantagem estrutural, uma vez que aceitou retirar os dispositivos voluntariamente e as próprias autoridades belgas reconheceram que a compensação em causa ultrapassava o montante da alegada desvantagem» (13). A Comissão alegou igualmente que nenhuma das situações referidas nos pontos 69 e 71 da sua Comunicação sobre a noção de «auxílio estatal» nos termos do artigo 107.°, n.° 1, [TFUE] (14) se verificava no caso em apreço, reiterando, nomeadamente, que a JCDecaux «aceitou» retirar certos dispositivos abrangidos pelo contrato de 1984 (15). Acrescentou que não se podia considerar que a cidade de Bruxelas se tinha comportado como um operador privado numa economia de mercado. Com efeito, o alegado mecanismo de compensação não tinha sido formalizado nem monitorizado de forma alguma, não tinham sido fornecidas provas à Comissão de qualquer tipo de negociação entre a cidade de Bruxelas e a JCDecaux sobre este mecanismo e nada indicava que a cidade de Bruxelas tivesse efetuado uma análise das «receitas efetivamente perdidas pela [JCDecaux] devido à substituição antecipada de certos dispositivos regidos pelo contrato de 1984, em comparação com o benefício resultante da manutenção de outros dispositivos, já completamente amortizados (o custo desses painéis foi, como é lógico, totalmente reembolsado — incluindo a margem da [JCDecaux] — pela sua exploração durante o período de vigência do contrato de 1984), regidos pelo mesmo contrato» (16).

16.      Por último, a Comissão afirmou que a sua posição relativa à existência de uma vantagem tinha sido confirmada por um acórdão da cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas, Bélgica) de 29 de abril de 2016 (17), no qual o referido órgão jurisdicional declarou que a JCDecaux não tinha respeitado as datas de remoção estabelecidas no anexo 10 para os dispositivos controvertidos e os tinha explorado ilegitimamente no domínio público da cidade de Bruxelas. A cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) tinha entendido que, desta forma, a JCDecaux agiu de forma objetivamente ilícita e contrária às boas práticas de mercado, uma vez que a exploração, na sua rede, de dispositivos publicitários que não deveriam ou já não deveriam estar instalados lhe proporcionava uma vantagem concorrencial ilícita suscetível de desviar os anunciantes da sua concorrente CCB.

17.      A Comissão concluiu, com base nas considerações precedentes, que a manutenção e a exploração pela JCDecaux, entre 1999 e 2011, dos dispositivos controvertidos além das datas de termo previstas no anexo 10, sem pagamento de rendas nem de impostos, tivera como efeito reduzir os encargos que esta última deveria normalmente ter suportado no exercício da sua atividade e constituía uma vantagem económica.

18.      Nos considerandos 97 a 102 da decisão controvertida, a Comissão examinou a condição relativa à seletividade da vantagem. Salientou, nomeadamente, que a medida em causa era uma medida essencialmente individual e que, neste contexto, a identificação de uma vantagem económica permitia, normalmente, presumir a existência de seletividade.

19.      Nos considerandos 103 a 121 da decisão controvertida, a Comissão considerou que a medida em causa era suscetível de falsear a concorrência e afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Rejeitou, nomeadamente, o argumento das autoridades belgas segundo o qual essa medida poderia constituir um auxílio de minimis,  na aceção do Regulamento (CE) n.° 1998/2006.

20.      No considerando 122 da decisão controvertida, a Comissão concluiu, com base em todas as considerações precedentes, que a medida em causa constituía um auxílio estatal na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE. 

21.      Após ter constatado, nos considerandos 123 e 124 da decisão controvertida, que a medida em causa constituía um auxílio estatal ilegal uma vez que não tinha lhe tinha sido notificada, e, nos considerandos 125 a 130 dessa decisão, que esse auxílio não podia ser considerado compatível com o mercado interno, a Comissão examinou, nos considerandos 131 a 144 da referida decisão, a questão do montante do auxílio incompatível a recuperar. A este respeito, explicou que o «princípio geral» a utilizar no cálculo deste montante consistia em estimar o montante das rendas e impostos que a cidade de Bruxelas teria recebido se a medida em causa não existisse, especificando que este montante deveria ser «calculado em relação a cada dispositivo regido pelo contrato de 1984 que tenha sido mantido após 15 de setembro de 2001, tomando como referência as rendas devidas nos termos do contrato de 1999 e os impostos geralmente aplicáveis aos dispositivos publicitários, entre a data inicialmente prevista para a sua remoção (se esta for posterior a 15 de setembro de 2001) ou 15 de setembro de 2001 (se a data inicialmente prevista para a remoção for anterior a 15 de setembro de 2001) e a data em que a remoção foi efetivamente realizada» (18). Após ter recordado que considerava que a argumentação das autoridades belgas baseada num mecanismo de compensação era «infundada», entendeu que «a vantagem concedida à JCDecaux [correspondia] à totalidade das poupanças realizadas pela empresa ao continuar a explorar os dispositivos regidos pelo contrato de 1984, em vez de os substituir por dispositivos conformes com o contrato de 1999» (19). Por conseguinte, o cálculo do montante do auxílio devia ser efetuado «sem aplicar qualquer lógica de compensação» e tendo em conta, «em relação a cada dispositivo em causa e a cada período pertinente, as rendas existentes e os impostos previstos pelos regulamentos tributários de 2001 e seguintes para os dispositivos com a mesma superfície» (20).

 Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

22.      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de setembro de 2019, a JCDecaux interpôs um recurso de anulação dos artigos 1.° a 4.° da decisão recorrida. Por Despacho de 22 de abril de 2020, o presidente da Primeira Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção da CCB em apoio dos pedidos da Comissão.

23.      A JCDecaux invocou quatro fundamentos de recurso, o primeiro a título principal e os outros três a título subsidiário. No primeiro fundamento, que se dividia em três partes, alegava que a Comissão tinha cometido um erro manifesto de apreciação e um erro de direito ao considerar que a utilização dos dispositivos controvertidos além das datas do respetivo termo previstas no anexo 10 constituía uma vantagem. Na primeira parte, alegava que a Comissão tinha afastado erradamente o mecanismo de compensação. Na segunda parte, sustentava que a Comissão tinha adotado um cenário contrafactual errado ao considerar que deviam ter sido cobradas rendas e impostos pelos dispositivos controvertidos, mantidos além da data do respetivo termo. Na terceira parte, afirmava que a Comissão tinha qualificado erradamente o contrato de 1984 de «meramente comercial», recusando assim a aplicação dos critérios estabelecidos nos Acórdãos Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (21). Com o segundo fundamento, sustentava que um hipotético auxílio de Estado era compatível com o mercado interno nos termos da Comunicação da Comissão relativa ao enquadramento da União Europeia aplicável aos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público (22) e da Decisão 2012/21/UE da Comissão, de 20 de dezembro de 2011, relativa à aplicação do artigo 106.°, n.° 2, [TFUE] aos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público concedidos a certas empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral (23). O terceiro fundamento dividia‑se em duas partes. Na primeira parte, a recorrente acusava a Comissão de não ter respondido suficientemente aos elementos invocados pelas partes, de ter antecipado o montante do auxílio a recuperar num comunicado de imprensa e de ter violado as suas regras internas de processo. Na segunda parte, alegava, nomeadamente, que era impossível quantificar a vantagem alegada, uma vez que o contrato de 1984 não previa o pagamento de qualquer renda, direito de ocupação ou taxa. No quarto fundamento, afirmava que o alegado auxílio de Estado tinha, em todo o caso, prescrito.

24.      Pelo acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedentes estes quatro fundamentos e, consequentemente, negou provimento ao recurso na íntegra, condenou a JCDecaux a suportar as suas próprias despesas e as da Comissão e condenou a CCB a suportar as suas próprias despesas.

25.      As considerações do Tribunal Geral pertinentes para efeitos do presente recurso são, no essencial, as relativas à primeira e segunda partes do primeiro fundamento e à segunda parte do terceiro fundamento.

26.      No que diz respeito à primeira parte do primeiro fundamento, o Tribunal Geral concluiu que a Comissão considerou justamente que a manutenção e a exploração pela JCDecaux dos dispositivos controvertidos além das datas de termo previstas no anexo 10 constituíam uma vantagem económica na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, «mesmo [que] essa manutenção [fosse] um mecanismo de compensação do contrato de 1984» (24).

27.      A este respeito, em primeiro lugar, o Tribunal Geral recordou que o conceito de «auxílio de Estado» é um conceito jurídico objetivo definido diretamente pelo artigo 107.°, n.° 1, TFUE, que não distingue em função das causas ou dos objetivos das intervenções estatais, definindo‑as sim em função dos seus efeitos, pelo que o facto de o objetivo da medida estatal ter sido preservar o equilíbrio económico do contrato de 1984 ou de esse objetivo estar em conformidade com os princípios do direito nacional não permite excluir ab initio a qualificação de tal medida como «auxílio de Estado» (25).

28.      Em segundo lugar, o Tribunal Geral declarou que o facto de a JCDecaux ter continuado a explorar os dispositivos controvertidos além da data do respetivo termo prevista no anexo 10, sem pagar renda nem impostos à cidade de Bruxelas, teve por efeito a redução desses encargos que tinham onerado o seu orçamento (26). Salientou que era pacífico entre as partes que, após a celebração do contrato de 1999, a JCDecaux só podia instalar e explorar mobiliário urbano no território da cidade de Bruxelas nas condições previstas no referido contrato, segundo as quais devia pagar uma renda e impostos. Constatou igualmente que, nos termos do anexo 10, em derrogação das cláusulas do contrato de 1999, os dispositivos inscritos nesse anexo podiam continuar a ser explorados pela JCDecaux nas condições previstas no contrato de 1984, mas apenas até ao termo do prazo previsto no mesmo anexo. Acrescentou que, após essas datas, esses dispositivos deviam ser substituídos por dispositivos novos abrangidos pelo contrato de 1999 e, portanto, sujeitos à obrigação de pagamento de impostos e de renda (27). Concluiu que o facto de continuar a explorar os dispositivos contravertidos nas condições estabelecidas pelo contrato de 1984, após as referidas datas, permitiu à JCDecaux evitar instalar e explorar dispositivos novos abrangidos pelo contrato de 1999 e, consequentemente, pagar rendas e impostos que devia ter liquidado nos termos deste último contrato (28). O Tribunal Geral recordou igualmente certas constatações da cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) no seu Acórdão de 29 de abril de 2016 (29).

29.      Em terceiro lugar (30), o Tribunal Geral considerou que a Comissão teve razão ao basear‑se nos Acórdãos Orange/Comissão (31) e Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (32).

30.      Em quarto lugar, baseando‑se, em substância, nas considerações expostas a este respeito pela Comissão (33), o Tribunal Geral confirmou a conclusão desta última segundo a qual o alegado mecanismo de compensação não podia ser considerado conforme com o critério do comportamento de um operador privado numa economia de mercado (34).

31.      No que diz respeito à segunda parte do primeiro fundamento, o Tribunal Geral concluiu que a Comissão não tinha cometido um erro de apreciação ao considerar que a JCDecaux beneficiou de uma economia em termos de rendas e de impostos constitutiva de uma vantagem (35). No que se refere às rendas não cobradas, o Tribunal Geral repetiu que, após a entrada em vigor do contrato de 1999, a JCDecaux só podia instalar e explorar, no território da cidade de Bruxelas, mobiliário urbano nas condições previstas no referido contrato, segundo as quais devia pagar uma renda e impostos (36). No que se refere aos impostos não cobrados, o Tribunal Geral rejeitou, nomeadamente, o argumento da JCDecaux de que, na falta de um regime fiscal uniforme para o território nacional, ou mesmo para o território da Região de Bruxelas‑Capital, os regulamentos tributários adotados pela cidade de Bruxelas não podiam constituir um sistema de referência. Considerou que, na hipótese de dever ser interpretado no sentido de que dizia respeito ao caráter seletivo da medida, esse argumento dever ser rejeitado, dado que, quando se trata de uma medida a medida individual, se presume a seletividade da vantagem económica (37). Em todo o caso, durante todo o procedimento pré‑contencioso, as autoridades belgas não contestaram que esses regulamentos constituíam o regime fiscal de referência (38). O Tribunal Geral considerou igualmente que a Comissão teve razão ao concluir que os regulamentos tributários adotados pela cidade de Bruxelas a partir de 2001 deviam ter sido aplicados aos dispositivos controvertidos mantidos no local além das respetivas datas de termo e que a isenção aplicada pela cidade de Bruxelas antes do exercício fiscal de 2009 era uma derrogação ao regime de referência, que implicava uma vantagem através dos recursos estatais por parte desta última (39). Excluiu a relevância, no que respeita à qualificação da medida em causa de auxílio de Estado, das duas sentenças do tribunal de première instance francophone de Bruxelles (Tribunal de Primeira Instância de Língua Francesa de Bruxelas, Bélgica) de 4 de novembro de 2016 (40), que atestaram que a JCDecaux não era devedora de impostos municipais sobre a publicidade no que respeitava ao contrato de 1999 (41).

32.      No que diz respeito à segunda parte do terceiro fundamento, o Tribunal Geral sublinhou, nomeadamente, que a Comissão tinha explicado as razões pelas quais, em seu entender, a vantagem de que a JCDecaux tinha beneficiado era superior à estimada pelas autoridades belgas (42). Além disso, rejeitou o argumento da JCDecaux relativo à impossibilidade de quantificar essa vantagem e à violação dos seus direitos de defesa, uma vez que se baseava na premissa, incorreta, de que a manutenção e a exploração dos dispositivos controvertidos além das datas previstas para o respetivo termo só constituíam uma vantagem na medida em que iam além do que compensava o mecanismo de compensação (43).

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

33.      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 17 de novembro de 2022, a JCDecaux interpôs o presente recurso. Pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido, dê provimento aos seus pedidos apresentados em primeira instância, anulando os artigos 1.° a 4.° da decisão recorrida, e condene a Comissão nas despesas. Na sua contestação, apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 1 de fevereiro de 2023, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e condene a JCDecaux nas despesas. A CCB renunciou à apresentação de articulado.

34.      Na audiência de 17 de janeiro de 2024, a JCDecaux, a Comissão e a CCB apresentaram as suas alegações orais e responderam às questões escritas e orais colocadas pelo Tribunal de Justiça. A CCB concluiu pedindo que fosse negado provimento ao recurso, mas não se pronunciou sobre as despesas.

 Análise

35.      A JCDecaux invoca dois fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, a uma fundamentação contraditória que vicia o acórdão recorrido e a um erro de direito na interpretação e aplicação do conceito de «vantagem económica», na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, e, o segundo, a uma desvirtuação manifesta dos factos e do quadro jurídico aplicável.

 Quanto ao primeiro fundamento de recurso

 Argumentação das partes

36.      Com este fundamento, a JCDecaux sustenta, a título principal, que, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral adotou uma fundamentação contraditória e cometeu um erro de direito ao concluir pela existência de uma vantagem económica. Salienta que, nos n.os 31 e 40 do referido acórdão, o Tribunal Geral reiterou as constatações da cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) no seu Acórdão de 29 de abril de 2016, segundo as quais «não tinha obtido a autorização expressa da cidade de Bruxelas» e tinha explorado «sem título nem direito», no território desta última, muitos dos dispositivos inscritos no anexo 10. No n.° 42 do mesmo acórdão, o Tribunal Geral concluiu, apenas nessa base, que a manutenção e a exploração, pela JCDecaux, dos dispositivos controvertidos além das datas de termo previstas no anexo 10 constituíam uma vantagem económica. Segundo a JCDecaux, se a cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) tinha constatado que esses dispositivos haviam sido mantidos «sem título nem direito» foi porque concluiu pela falta de uma autorização explícita, ou mesmo implícita, da cidade de Bruxelas para proceder a uma «interversão» («interversion») (44) dos dispositivos publicitários. Ora, na falta de uma decisão ou intervenção das autoridades públicas, não pode, por definição, haver auxílio de Estado, uma vez que tal exige «no mínimo» um ato positivo ou negativo por parte dessas autoridades. Admitindo que a JCDecaux tinha beneficiado de uma vantagem, esta decorria do facto de ter explorado, por sua própria iniciativa, os dispositivos controvertidos, ocupando ilegalmente o domínio público. Este comportamento não pode, sem contradição manifesta, servir de fundamento à constatação da existência de uma vantagem económica concedida pelas autoridades públicas.

37.      A título subsidiário, a JCDecaux acusa o Tribunal Geral de ter viciado o acórdão recorrido de uma segunda contradição de fundamentação, na medida em que, no n.° 42 do referido acórdão, este afirmou que a vantagem que lhe foi concedida pela cidade de Bruxelas constituía um auxílio apesar de a manutenção dos dispositivos controvertidos ser considerada «um mecanismo de compensação do contrato de 1984». Critica o facto de o Tribunal Geral não ter retirado qualquer consequência desta afirmação, que põe em causa tanto a qualificação jurídica adotada pela Comissão como o método de cálculo do montante do auxílio a recuperar (45). Com efeito, o referido acórdão conduz à recuperação da alegada vantagem na sua totalidade, ou seja, sem ter em conta os custos suportados pela JCDecaux devido à remoção antecipada de certos dispositivos inscritos no anexo 10, bem como o prejuízo contratual sofrido. Segundo a JCDecaux, se o Tribunal Geral admite que a manutenção dos dispositivos controvertidos podia ser constitutiva de uma compensação, então a totalidade da vantagem económica eventualmente concedida não pode constituir automaticamente um auxílio de Estado.

38.      A Comissão começa por alegar que, com os seus argumentos, a JCDecaux pretende, em substância, obter uma nova apreciação dos factos e, mais precisamente, da sua teoria do mecanismo de compensação, que tinha sido rejeitada tanto pelo órgão jurisdicional nacional como pelo Tribunal Geral. Ora, essa reapreciação dos factos não é da competência do Tribunal de Justiça na fase de recurso de uma decisão do Tribunal Geral.

39.      Em seguida, retomando algumas das considerações expostas no acórdão recorrido e resumidas nos pontos 27 a 30 das presentes conclusões, a Comissão sustenta que este último excluiu acertadamente a relevância do mecanismo de compensação.

40.      Além disso, no que diz respeito à remissão feita pela JCDecaux para o Acórdão da cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) de 29 de abril de 2016, a Comissão salienta que as apreciações do Tribunal Geral à luz do direito nacional são apreciações de facto que, salvo em caso de desvirtuação do direito nacional, escapam à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito do presente recurso. Ora, a JCDecaux limita‑se a contestar o conteúdo e o alcance desse acórdão. Além disso, é incorreto afirmar que o Tribunal Geral se baseou unicamente no referido acórdão para estabelecer a existência de uma vantagem. Quanto ao argumento da JCDecaux relativo à alegada inexistência de um ato das autoridades públicas, o mesmo é inadmissível, porquanto se refere à condição de imputabilidade da medida em causa ao Estado, condição que não foi contestada em primeira instância. Em todo o caso, este argumento é manifestamente improcedente, uma vez que o caso em apreço diz respeito a um ato negativo da cidade de Bruxelas que consiste em permitir que a exploração dos dispositivos controvertidos perdure sem procurar cobrar rendas e impostos.

41.      Por último, a Comissão sublinha que a qualificação de uma medida de auxílio de Estado e a quantificação do seu montante são duas questões distintas. Considera que a tomada em consideração da teoria da compensação não pode ter por efeito conduzir a uma «reavaliação do mecanismo de cálculo da recuperação do auxílio» efetuado na decisão controvertida. Acrescenta que, para a medida em causa escapar à qualificação de auxílio Estado, a cidade de Bruxelas deveria ter procedido a uma avaliação do prejuízo alegadamente sofrido pela JCDecaux. Uma vez que a cidade de Bruxelas não realizou essa avaliação, o montante do auxílio a recuperar corresponde às rendas e aos impostos que a JCDecaux deveria ter pago durante o período da exploração dos dispositivos controvertidos além das datas de termo previstas, até à sua remoção efetiva. Por conseguinte, mesmo que o mecanismo de compensação existisse, quod non, não poderia pôr em causa a qualificação jurídica da vantagem de que a JCDecaux tinha beneficiado, nem o cálculo do montante do auxílio a recuperar.

 Apreciação

42.      Recorde‑se que, em conformidade com o artigo 256.°, n.° 1, TFUE e com o artigo 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o recurso está limitado às questões de direito. O Tribunal Geral tem competência exclusiva, por um lado, para apurar os factos, salvo no caso de a inexatidão material das suas conclusões resultar dos elementos dos autos que lhe foram submetidos, e, por outro lado, para apreciar esses factos. Essa apreciação não constitui, exceto em caso de desvirtuação dos elementos de prova apresentados ao Tribunal Geral, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça. Quando o Tribunal Geral tiver apurado ou apreciado os factos, o Tribunal de Justiça é competente, por força do artigo 256.° TFUE, para fiscalizar a qualificação jurídica desses factos e as consequências jurídicas daí retiradas pelo Tribunal Geral (46).

43.      Contrariamente ao que afirma a Comissão, não considero que os argumentos invocados pela JCDecaux em apoio do primeiro fundamento visem obter do Tribunal de Justiça uma nova apreciação dos factos relativos ao mecanismo de compensação ou à jurisprudência nacional. Como a JCDecaux sublinha na sua réplica, a «objeção de fundo» que formula não diz respeito à apreciação dos factos nem à interpretação do direito nacional efetuadas pelo Tribunal Geral, mas baseia‑se na existência de uma alegada «contradição de fundo» que vicia a fundamentação do acórdão recorrido. A este respeito, recorde‑se que, segundo jurisprudência constante, a questão de saber se a fundamentação de um acórdão do Tribunal Geral é contraditória constitui uma questão de direito que pode ser invocada num recurso de uma decisão do Tribunal Geral (47).

44.      A fundamentação contraditória invocada a título principal pela JCDecaux reside no facto de o Tribunal Geral não poder declarar simultaneamente, com base no Acórdão da cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) de 29 de abril de 2016, que a JCDecaux explorou os dispositivos controvertidos sem título nem direito e confirmar a conclusão da Comissão relativa à existência de um auxílio de Estado, que implica, por definição, uma decisão ou uma intervenção das autoridades públicas que confere uma vantagem. Quanto à fundamentação contraditória invocada a título subsidiário pela JCDecaux, resulta do facto de, no n.° 42 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral ter considerado que a alegada vantagem constituía um auxílio, admitindo, ao mesmo tempo, que a manutenção dos dispositivos controvertidos podia constituir um mecanismo de compensação do contrato de 1984. Na minha opinião, com estes argumentos, a JCDecaux não põe em causa o conteúdo nem o alcance do Acórdão da cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) de 29 de abril de 2016, tais como foram constatados pelo Tribunal Geral. Pelo contrário, subscreve essas constatações em apoio do seu argumento invocado a título principal. Além disso, observe‑se que, nos seus articulados, embora reafirme a existência do mecanismo de compensação, a JCDecaux não contesta de modo nenhum as apreciações enunciadas nos n.os 25, 26 e 34 a 41 do acórdão recorrido e que validam a conclusão da Comissão de que esse mecanismo, admitindo que foi demonstrado, não exclui que tenha sido concedida uma vantagem à JCDecaux.

45.      A meu ver, há que rejeitar também o outro fundamento de inadmissibilidade invocado pela Comissão, segundo o qual, com o seu argumento relativo à alegada inexistência de um ato das autoridades públicas, a JCDecaux contesta pela primeira vez na fase do recurso para o Tribunal de Justiça a condição relativa à imputabilidade da medida em causa ao Estado. Embora seja verdade que este argumento não parece ter sido suscitado nestes termos pela JCDecaux no Tribunal Geral, resulta, porém, da petição de recurso perante o Tribunal de Justiça que este não constitui um fundamento autónomo e novo que deva ser declarado inadmissível por ter sido invocado pela primeira vez, mas apenas um argumento apresentado em apoio do fundamento jurídico relativo a uma alegada contradição na fundamentação que levou o Tribunal Geral a confirmar a existência de um auxílio de Estado.

46.      Não obstante, não concordo com a afirmação da JCDecaux de que foi «apenas com base» nas constatações em causa da cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) que o Tribunal Geral concluiu pela existência uma vantagem económica no presente caso. Decorre de um exame da apreciação do primeiro fundamento invocado no Tribunal Geral (48) que este último considerou que o facto de a JCDecaux ter mantido e continuado a explorar os dispositivos controvertidos além das respetivas datas de termo, previstas no anexo 10, sem pagar rendas nem impostos, tinha tido como consequência uma redução dos encargos que oneravam normalmente o seu orçamento. Esta apreciação baseou‑se, nomeadamente, no exame das disposições do contrato de 1984 e do contrato de 1999, incluindo o anexo 10, das disposições pertinentes dos regulamentos tributários da cidade de Bruxelas citados na decisão controvertida e das observações apresentadas pelas autoridades belgas durante o procedimento pré‑contencioso. Além disso, o Tribunal Geral considerou que o mecanismo de compensação invocado por essas autoridades e pela JCDecaux não excluía a existência de uma vantagem, pelas diferentes razões resumidas nos n.os 27 a 30 das presentes conclusões. Por conseguinte, neste contexto, as referências feitas pelo Tribunal Geral às conclusões da cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) constituem apenas um elemento, entre outros, que este tomou em conta para concluir pela existência dessa vantagem.

47.      Considero que nenhuma das duas contradições invocadas pela JCDecaux procede.

48.      Assim, por um lado, é verdade que, no Acórdão de 29 de abril de 2016, a cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) constatou que a JCDecaux não tinha obtido «a autorização expressa da cidade de Bruxelas para proceder a uma “interversão” dos dispositivos publicitários» e que «[a] falta de reação [desta última] ao facto de [permanecerem MUPI] no local além da data autorizada para cada um deles não pod[ia] ser interpretada no sentido de que implicava um acordo implícito e certo da autoridade pública para derrogar os prazos acordados para cada dispositivo». No entanto, há que ter em conta que, nesse acórdão, a cour d'ppel (Tribunal de Recurso) se baseava exclusivamente na loi belge sur les pratiques du commerce et sur l’information et la protection du consommateur, du 14 juillet 1991 (Lei belga relativa às Práticas Comerciais e à Informação e Proteção dos Consumidores, de 14 de julho de 1991) (49), uma vez que foi chamada a decidir se o facto de a JCDecaux ter mantido no local e continuado a explorar determinados dispositivos sem ter as autorizações necessárias constituía, na aceção do artigo 94.° dessa lei, um ato contrário às práticas honestas em matéria comercial, suscetível de prejudicar os interesses profissionais da sua concorrente CCB. A meu ver, nesse contexto, as conclusões da cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) devem ser entendidas no sentido de que remetem para uma falta de autorização, na aceção do direito administrativo belga (50). Isso não exclui, de modo nenhum, que, do ponto de vista das regras da União em matéria de auxílios de Estado (51), a atitude negativa, ou pelo menos passiva, da cidade de Bruxelas, que consistiu em, com pleno conhecimento de causa, não se opor à manutenção e à exploração, no seu território, de um certo número de dispositivos publicitários da JCDecaux além das datas de termo previstas e, sobretudo, em se abster de cobrar as rendas e os impostos normalmente devidos, possa constituir um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE (52). Acrescente‑se que a JCDecaux não pode argumentar, como faz na réplica, que, ao qualificar, na contestação, esse comportamento por parte da cidade de Bruxelas como um «ato negativo», a Comissão está a introduzir um argumento novo na fase de recurso para o Tribunal de Justiça. Com efeito, a Comissão limita‑se a responder a um argumento invocado pela JCDecaux em apoio da alegação principal do seu primeiro fundamento.

49.      Por outro lado, no que se refere à alegada fundamentação contraditória invocada a título subsidiário, penso que assenta numa interpretação incorreta, por parte da JCDecaux, do n.° 42 do acórdão recorrido. Como a Comissão confirmou na audiência em resposta a uma questão do Tribunal de Justiça, o que o Tribunal Geral quis exprimir nesse ponto foi que, mesmo admitindo que a existência do mecanismo de compensação e a vontade da cidade de Bruxelas de o aplicar estivessem suficientemente demonstradas, isso não impediria que se concluísse que a JCDecaux beneficiou de uma vantagem económica, uma vez que, nomeadamente, esse mecanismo não preenchia a primeira condição da jurisprudência resultante do Acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (53) e não podia ser considerado um comportamento normal de um operador numa economia de mercado. Isto decorre, aliás, da leitura do n.° 42 do acórdão recorrido e das considerações que o precedem (54). Uma vez que rejeitou a pertinência do mecanismo de compensação invocado, o Tribunal Geral também não pode ser criticado por não ter reexaminado, à luz desse mecanismo, o método de cálculo do auxílio a recuperar estabelecido na decisão controvertida.

50.      Atendendo às considerações anteriores, entendo que o primeiro fundamento de recurso é admissível, mas improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento do presente recurso

 Argumentação das partes

51.      Com este fundamento, que se divide em duas partes, a JCDecaux alega que o Tribunal Geral desvirtuou manifestamente os factos e o quadro jurídico aplicável, ao considerar que os dispositivos controvertidos, mantidos além das datas de termo previstas no anexo 10, estavam ipso facto abrangidos pelo regime jurídico do contrato de 1999 e, por conseguinte, sujeitos ao pagamento de rendas e de impostos.

52.      Na primeira parte do fundamento, a JCDecaux contesta as considerações do Tribunal Geral nos n.os 29 e 30 do acórdão recorrido. A este respeito, começa por alegar que, de acordo com os «princípios básicos de direito contratual», os dispositivos instalados no âmbito do contrato de 1984 continuavam a ser regidos por este contrato até à sua remoção efetiva, mesmo que esta ocorresse após as datas de termo previstas no anexo 10, continuavam a ser sua propriedade e não estavam sujeitos a qualquer obrigação de pagamento de rendas ou de impostos (55). Sublinha que foi em contrapartida de um investimento considerável, que consistiu na conceção, no fabrico, na instalação e na manutenção dos abrigos de autocarro e dos MUPI disponibilizados à cidade de Bruxelas, que obteve o direito de os explorar para fins publicitários, e que o equilíbrio económico deste contrato assentava em obrigações contratuais precisas. Seguidamente, a JCDecaux expõe que nenhuma estipulação do contrato de 1999 prevê a remoção automática dos dispositivos abrangidos pelo contrato de 1984 ou de qualquer outro elemento de mobiliário urbano existente; pelo contrário, o contrato de 1999 prevê expressamente que os dispositivos instalados em 1999 podem, e até devem, coexistir com os dispositivos inscritos no anexo 10 sem que as estipulações contratuais aplicáveis a estes últimos sejam por isso alteradas. Acrescenta que também não existia nenhuma obrigação de substituir, dispositivo a dispositivo e nos mesmos locais (56), os dispositivos abrangidos pelo contrato de 1984 por novos dispositivos abrangidos pelo contrato de 1999. A manutenção de certos dispositivos abrangidos pelo contrato de 1984 e pertencentes à JCDecaux não poderia, portanto, tê‑la impedido de instalar e de explorar outros dispositivos pertencentes à cidade de Bruxelas. Por último, a JCDecaux observa que estes contratos apresentam diferenças fundamentais no que diz respeito à lógica económica que lhes está subjacente e às respetivas condições. Em sua opinião, o Tribunal Geral não podia «presumir hipoteticamente» que, se ela tivesse retirado os dispositivos controvertidos nas datas de termo previstas no anexo 10, teria instalado um número idêntico de dispositivos nos mesmos locais ao abrigo do contrato de 1999 e teria pago à cidade de Bruxelas rendas e impostos correspondentes a serviços muito diferentes, regidos por este último contrato. Na réplica, a JCDecaux acrescenta que decorre claramente dos argumentos da Comissão no articulado de resposta que o acórdão recorrido enferma de uma fundamentação contraditória, na medida em que não se pode alegar, simultaneamente, que os dispositivos instalados ao abrigo do contrato de 1984 estão sujeitos a um regime jurídico diferente do regime do contrato de 1999 e que deveriam estar sujeitos ao pagamento de rendas e de impostos previstos por este último contrato.

53.      Na segunda parte do fundamento, a JCDecaux sustenta que, nos n.os 53, 54 e 56 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral desvirtuou o regime jurídico aplicável em matéria de tributação da exploração dos dispositivos controvertidos, mantidos além das datas de termo previstas no anexo 10.

54.      A este respeito, por um lado, a JCDecaux afirma que o Tribunal Geral fez «uma interpretação injustificada do quadro jurídico» ao concluir, no n.° 54 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha cometido qualquer erro de apreciação ao tomar os regulamentos tributários da cidade de Bruxelas, referidos no n.° 56 do mesmo acórdão, como sistema de referência, uma vez que, durante o procedimento pré‑contencioso, as autoridades belgas não tinham contestado que estes regulamentos constituíam o regime fiscal de referência relativo à tributação da exploração de dispositivos publicitários no território da cidade de Bruxelas. Assim, o Tribunal Geral não teve em conta que os municípios gozam de autonomia fiscal, consagrada no artigo 170.°, n.° 4, da Constituição belga (57), e que, por conseguinte, não existia um regime fiscal uniforme no território nacional, nem mesmo no território da Região de Bruxelas‑Capital. Além disso, a cidade de Bruxelas só adotou regulamentos tributários sobre a publicidade em 2001. A JCDecaux conclui daqui que o Tribunal Geral não podia considerar que apenas os regulamentos tributários desta cidade referidos pela Comissão constituíam um sistema de referência, tanto mais que decorre de duas sentenças do tribunal de première instance francophone de Bruxelles (Tribunal de Primeira Instância de Língua Francesa de Bruxelas, Bélgica) de 4 de novembro de 2016 (58) que os dispositivos publicitários abrangidos pelo contrato de 1999 deviam estar isentos do imposto sobre a publicidade.

55.      Por outro lado, a JCDecaux sustenta que o facto de não ter de pagar impostos pelos dispositivos que explorava para fins publicitários no território da cidade de Bruxelas não pode constituir uma vantagem seletiva, uma vez que, durante vários anos, a CCB não dispunha de dispositivos semelhantes sujeitos a esse imposto. Acrescenta que, quando a CCB explorou posteriormente esses dispositivos nesse território, contestou a legalidade do regulamento tributário de 15 de dezembro de 2008 nos órgãos jurisdicionais belgas, que o declararam inconstitucional e anularam os impostos cobrados a essa concorrente em relação a 2009. A este respeito, remete para um acórdão da cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) de 4 de setembro de 2018, cuja existência tinha descoberto por acaso e que foi confirmado, em sede de recurso, por um acórdão da Cour de cassation (Tribunal de Cassação, Bélgica) de 1 de outubro de 2021 (59).

56.      A Comissão alega, desde logo, que, com a sua argumentação, a JCDecaux pretende, na realidade, obter um reexame dos factos, sem demonstrar uma desvirtuação dos factos cometida pelo Tribunal Geral. Em todo o caso, o segundo fundamento é improcedente em cada uma das suas duas partes. Assim, no que respeita à primeira parte, a Comissão reconhece que o contrato de 1999 não contém nenhuma disposição que preveja a remoção automática dos dispositivos publicitários abrangidos pelo contrato de 1984. Os dispositivos instalados ao abrigo do contrato de 1984 e inscritos no anexo 10 continuavam sujeitos às disposições desse contrato, mesmo após a entrada em vigor do contrato de 1999, mas apenas até às datas de remoção previstas naquele anexo. O que o Tribunal Geral afirmou no n.° 29 do acórdão recorrido, e que foi clarificado nos n.os 48 e 49 do mesmo acórdão, é que a JCDecaux deveria ter pago rendas pela exploração destes últimos dispositivos, tal como aconteceu com a exploração dos dispositivos abrangidos pelo contrato de 1999. A conclusão constante do n.° 30 do acórdão recorrido é, por conseguinte, bem fundamentada. Com esta conclusão, o Tribunal Geral não considerou, de modo nenhum, que os dispositivos controvertidos, mantidos além das datas de termo previstas estavam, ipso facto, sujeitos ao regime jurídico do contrato de 1999. No que respeita à segunda parte, a Comissão começa por sustentar que o argumento da JCDecaux relativo ao artigo 170.°, n.° 4, da Constituição belga é inadmissível, uma vez que a interpretação do direito nacional constitui uma apreciação de ordem factual da competência exclusiva do Tribunal Geral. Além disso, as autoridades belgas não contestaram, durante o procedimento pré‑contencioso, que os regulamentos tributários da cidade de Bruxelas constituíam o sistema de referência. Seguidamente, remetendo para o n.° 63 do acórdão recorrido, a Comissão afirma que não deixou de ter em conta as duas sentenças do tribunal de première instance francophone de Bruxelles (Tribunal de Primeira Instância de Língua Francesa de Bruxelas) de 4 de novembro de 2016, mas que excluiu que fossem pertinentes para a análise do conceito de «auxílio de Estado», na medida em que as referidas sentenças diziam respeito ao mobiliário urbano abrangido pelo contrato de 1999 e pertencente à cidade de Bruxelas. Por último, alega que o facto de a CCB ter beneficiado de uma isenção fiscal noutros municípios belgas não é relevante para efeitos da análise da vantagem económica de que a JCDecaux beneficiou.

 Apreciação

57.      Além do que já foi exposto no n.° 42 das presentes conclusões, o Tribunal de Justiça precisou que a apreciação dos factos e dos elementos de prova não constitui, exceto em caso de desvirtuação, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral e que tal desvirtuação existe quando, sem ter recorrido a novos elementos de prova, a apreciação dos elementos de prova existentes parece manifestamente errada. Essa desvirtuação deve resultar manifestamente dos documentos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas. Tal distorção deve ser manifestamente evidente a partir dos documentos do processo, sem que seja necessário reavaliar os factos e as provas (60). Existe igualmente desvirtuação se o Tribunal Geral tiver manifestamente ultrapassado os limites de uma apreciação razoável dos elementos de prova (61).

58.      No caso em apreço, com a primeira parte do fundamento, a JCDecaux alega que a conclusão do Tribunal Geral, no n.° 30 do acórdão recorrido, segundo a qual «o facto de continuar a explorar determinados dispositivos inscritos no anexo 10 nas condições estabelecidas pelo contrato de 1984, após o termo dos prazos previstos no mesmo anexo, [lhe] permitiu [...] evitar instalar e explorar dispositivos novos abrangidos pelo contrato de 1999 e, consequentemente, pagar rendas e impostos que devia ter liquidado, nos termos deste último contrato», assenta numa desvirtuação manifesta dos factos e do quadro jurídico aplicável. Resulta claramente do referido n.° 30 que esta conclusão se baseia no raciocínio em três etapas seguido pelo Tribunal Geral no n.° 29 do acórdão recorrido.

59.      A este respeito, desde logo, entendo que, ao invés do que a JCDecaux alega, o Tribunal Geral não desvirtuou os factos ao declarar, numa primeira etapa, no n.° 29 do acórdão recorrido, que «é pacífico entre as partes que, após a celebração do contrato de 1999, a recorrente só podia instalar e explorar mobiliário urbano no território da cidade de Bruxelas nas condições previstas no referido contrato, segundo as quais devia pagar uma renda e impostos». Pelo contrário, vários elementos dos autos demonstram claramente a bondade desta constatação. Assim, por um lado, como explicarei no n.° 60 das presentes conclusões, após as datas de termo previstas no anexo 10, o contrato de 1984 deixava de ser aplicável. Por outro lado, a partir de 1999, a instalação e a exploração de novos dispositivos no território da cidade de Bruxelas só podiam ter lugar no quadro do regime previsto pelo contrato de 1999. A este respeito, é pertinente salientar, como a Comissão recordou na audiência, que o artigo 1.°, alínea g), do caderno especial de encargos (62) previa a favor da empresa vencedora do concurso público [adjudicatária] — neste caso a JCDecaux — direitos exclusivos de exploração dos dispositivos publicitários no território da cidade de Bruxelas durante toda a vigência do contrato. Por conseguinte, só o regime previsto pelo referido contrato era aplicável.

60.      Seguidamente, entendo que a JCDecaux não demonstrou que a segunda etapa do raciocínio do Tribunal de Justiça, no n.° 29 do acórdão recorrido, segundo a qual decorre do «anexo 10, em derrogação das cláusulas do contrato de 1999, [que] os dispositivos inscritos nesse anexo podiam continuar a ser explorados [por ela] nas condições previstas no contrato de 1984, a saber, sem pagar renda nem impostos, mas apenas até ao termo do prazo previsto no mesmo anexo», se baseia numa apreciação manifestamente errada dos factos ou dos elementos de prova. Resulta dos argumentos da JCDecaux que esta apenas contesta essa consideração na medida em que, na sua opinião, os dispositivos inscritos no anexo 10 continuavam a estar sujeitos ao contrato de 1984 até à sua remoção efetiva, mesmo que isso ocorresse após as referidas datas de termo. Ora, como a Comissão acertadamente sublinha, nenhum documento dos autos apoia, e ainda menos de forma manifesta, esta tese. Pelo contrário, alguns documentos contradizem‑na diretamente. Assim, recorde‑se que, no seu acórdão de 29 de abril de 2016, a cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) declarou que a exploração, pela JCDecaux, dos dispositivos controvertidos além das respetivas datas de termo tinha ocorrido sem título nem direito, o que, na minha opinião, exclui, em princípio, a possibilidade de essa exploração ter sido regida pelo contrato de 1984. Além disso, parece‑me que, se o anexo 10 previa uma data de termo específica para cada um dos dispositivos nele enumerados é porque, o mais tardar nessa data, cada um dos dispositivos em causa devia ser removido do local onde se encontrava, e, a partir desse momento, as disposições do contrato de 1984 deixavam de lhe ser aplicáveis. Por outras palavras, só até às referidas datas de termo é que os dispositivos inscritos no anexo 10 podiam coexistir com os dispositivos colocados no âmbito do contrato de 1999 sem que as estipulações contratuais aplicáveis aos primeiros fossem alteradas. Este ponto de vista, longe de ser contrário aos «princípios básicos de direito contratual», como defende a JCDecaux, parece‑me ser, de facto, a única solução conforme a estes princípios.

61.      Por último, considero que a JCDecaux também não demonstra que, ao afirmar, numa terceira etapa, no n.° 29 do acórdão recorrido, que, após as datas de termo previstas no anexo 10, os dispositivos inscritos nesse anexo «deviam ser substituídos por dispositivos novos abrangidos pelo contrato de 1999 e, portanto, sujeitos à obrigação de pagamento de impostos e de renda», o Tribunal Geral tinha procedido a uma apreciação manifestamente errada dos elementos de prova. Na minha opinião, o que o Tribunal de Justiça quis dizer a esse respeito foi simplesmente que, após essas datas, a JCDecaux deveria ter, por um lado, retirado os dispositivos inscritos no anexo 10, e, por outro, instalado novos dispositivos em conformidade com o regime do contrato de 1999. Relativamente a este último aspeto, observo que resulta da nota de encomenda que faz parte do contrato de 1999 que a JCDecaux se tinha comprometido a «respeitar escrupulosamente todas as condições do contrato», incluindo a instalação de 280 suportes para afixação em todo o território da cidade de Bruxelas, e isso «no prazo de 8 meses de calendário após a receção da nota de encomenda». Contrariamente à afirmação da JCDecaux, não creio que o Tribunal Geral tenha considerado que, por aquele motivo, a JCDecaux tinha uma obrigação de substituição «automática» e «local a local» de todos os dispositivos controvertidos por um número equivalente de dispositivos abrangidos pelo contrato de 1999 (63). A Comissão não se baseou, de resto, nessa hipótese na decisão controvertida.

62.      Considero que a conclusão do Tribunal Geral que figura no n.° 30 do acórdão recorrido, reproduzida no n.° 58 das presentes conclusões, mais não é do que a consequência lógica das considerações expostas nos n.os 59 a 61 das presentes conclusões, pelo que não se pode considerar que assenta numa apreciação manifestamente errada dos factos ou dos elementos de prova. Na minha opinião, e contrariamente ao que afirma a JCDecaux, ao declarar, no n.° 30 do acórdão recorrido, que esta última tinha assim podido evitar pagar rendas e impostos que devia ter liquidado nos termos do contrato de 1999, o Tribunal Geral não considerou que os dispositivos controvertidos que permaneceram no local e foram explorados após as datas de termo previstas pelo anexo 10 estavam abrangidos, «ipso facto», pelo regime do contrato de 1999. Como a Comissão explicou nos seus articulados perante o Tribunal de Justiça e na audiência, do ponto de vista jurídico, estes dispositivos não estavam abrangidos pelo contrato de 1984 nem pelo de 1999. No entanto, não deixa de ser verdade, como constataram, nomeadamente, os tribunais belgas, que os dispositivos controvertidos, mantidos e explorados além das respetivas datas de termo, foram utilizados de forma ilegal. Perante esta situação de facto, que permitia à JCDecaux gerar receitas publicitárias significativas sem ter de pagar rendas nem impostos, cabia à Comissão, a fim de apreciar a existência de uma vantagem, adotar, para reproduzir a expressão por ela utilizada na audiência, um «cenário contrafactual» (64). A meu ver, o Tribunal Geral não ultrapassou manifestamente os limites de uma apreciação razoável dos factos e das provas ao validar, a este respeito, o «cenário» tido em conta pela Comissão e que consistia em aplicar, por referência, a disciplina em vigor à data dos factos controvertidos, a saber, o regime jurídico do contrato de 1999. Com efeito, recordo que, tendo em conta a cláusula de exclusividade contida neste contrato, se tratava do único regime aplicável à exploração, para fins publicitários, de dispositivos do tipo dos que estão em causa, no domínio público da cidade de Bruxelas.

63.      Acrescentarei, como a Comissão e a CCB salientaram na audiência, que o facto de, no âmbito do contrato de 1999, diversamente do contrato de 1984, a propriedade do mobiliário urbano ser transferida para a cidade de Bruxelas não é, em si mesmo, determinante para a questão do pagamento das rendas. Com efeito, no caso vertente, não se trata de rendas pela locação do mobiliário urbano, propriamente dita, mas pela exploração de suportes publicitários no espaço público (65).

64.      A segunda parte do fundamento é dirigida contra os n.os 53, 54 e 56 do acórdão recorrido e diz respeito à alegada desvirtuação, pelo Tribunal Geral, do regime jurídico aplicável no que respeita à criação do sistema de referência e à tributação da exploração dos dispositivos controvertidos.

65.      A título preliminar, observe‑se que, tal como já acontecia no Tribunal Geral, não resulta claramente da argumentação que a JCDecaux desenvolve em apoio desta segunda parte se a mesma põe em causa as considerações relativas à existência de uma vantagem económica ou as relativas ao caráter seletivo da medida (66). Partindo do princípio de que a segunda hipótese deve ser aceite, parece‑me que a conclusão, no n.° 53 do acórdão recorrido, de que a argumentação da JCDecaux deve ser rejeitada, dado que, quando se trata de uma medida individual, se presume a seletividade da vantagem económica, continua a ser plenamente fundada (67). No caso vertente, estamos na presença de um auxílio individual, e não de um regime geral de auxílio.

66.      De qualquer modo, considero que a JCDecaux não apresentou nenhum elemento que permita concluir de maneira manifesta que, nos pontos criticados do acórdão recorrido, o Tribunal Geral tenha desvirtuado o conteúdo do direito nacional pertinente ou tenha efetuado constatações ou apreciações contrárias ao conteúdo desse direito.

67.      No que respeita ao n.° 54 do acórdão recorrido, não resulta da argumentação da JCDecaux que esta ponha em causa, enquanto tal, a conclusão do Tribunal Geral de que as autoridades belgas não contestaram, durante o procedimento pré‑contencioso, que os regulamentos tributários da cidade de Bruxelas constituíam o regime fiscal de referência. Em todo o caso, considero que, ao validar a posição da Comissão segundo a qual esses regulamentos tributários constituíam o sistema de referência, o Tribunal Geral não efetuou uma apreciação manifestamente contrária ao conteúdo do artigo 170.°, n.° 4, da Constituição belga. Com efeito, embora esta disposição consagre a autonomia fiscal dos municípios belgas, de modo que o regime de tributação da exploração de dispositivos publicitários pode variar de um município para outro, não vejo como isso podia impedir que, para determinar a existência de uma vantagem no caso em apreço, a Comissão tivesse em conta apenas a regulamentação fiscal aplicável no território da cidade de Bruxelas.

68.      No que diz respeito ao argumento que a JCDecaux retira das duas sentenças do tribunal de première instance francophone de Bruxelles (Tribunal de Primeira Instância de Língua Francesa de Bruxelas) de 4 de novembro de 2016, partilho a opinião da Comissão de que, no n.° 63 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não ignorou essas sentenças, mas rejeitou a sua pertinência para a qualificação da medida em causa de auxílio de Estado. Nessas sentenças, o tribunal de première instance francophone de Bruxelles (Tribunal de Primeira Instância de Língua Francesa de Bruxelas) considerou que a JCDecaux não era devedora do imposto sobre os dispositivos publicitários previsto pelos regulamentos tributários de 20 de dezembro de 2010 e de 5 de dezembro de 2011, uma vez que o artigo 9.°, primeiro travessão, desses regulamentos isentava do referido imposto os dispositivos publicitários pertencentes à cidade de Bruxelas. Ora, se os dispositivos abrangidos pelo contrato de 1999 eram efetivamente propriedade da cidade de Bruxelas, o mesmo não acontecia com os dispositivos abrangidos pelo contrato de 1984, que eram propriedade da JCDecaux. No que diz respeito aos dispositivos controvertidos, que esta última manteve no local e continuou a explorar após as datas de termo previstas no anexo 10, continuaram a ser propriedade dela, mas, tal como foi explicado no n.° 60 das presentes conclusões, a sua exploração já não era regida pelo contrato de 1984. Após as respetivas datas de termo, ficaram, portanto, sujeitos aos regulamentos tributários adotados pela cidade de Bruxelas a partir de 2001. Por conseguinte, o Tribunal Geral não pode ser acusado de qualquer desvirtuação manifesta da regulamentação nacional aplicável ou da jurisprudência nacional pertinente.

69.      Por último, concordo igualmente com a Comissão quando esta argumenta que a circunstância de, durante vários anos, a CCB não ter estado sujeita ao pagamento de um imposto sobre os dispositivos publicitários que explorava no território de outros municípios, é irrelevante para a análise da vantagem, na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, de que a JCDecaux beneficiou. Por outras palavras, não é por a CCB ter, em qualquer hipótese, beneficiado de uma isenção fiscal noutros municípios distintos da cidade de Bruxelas que a isenção fiscal concedida à JCDecaux nesta última cidade deve escapar à qualificação de auxílio de Estado. O facto de o Tribunal Geral não ter abordado expressamente esta questão no acórdão recorrido não é suficiente para demonstrar a existência de uma desvirtuação manifesta dos factos ou do quadro jurídico aplicável. Também não pode constituir uma desvirtuação dessa natureza o facto de o Tribunal Geral não ter tido em conta o acórdão da cour d'appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) de 4 de setembro de 2018, confirmado em sede de recurso por um acórdão da Cour de cassation (Tribunal de Cassação) de 1 de outubro de 2021, uma vez que não resulta dos autos que esses acórdãos tenham sido levados ao seu conhecimento durante o processo que correu perante ele.

70.      Atendendo às considerações anteriores, entendo que o segundo fundamento de recurso deve ser igualmente julgado improcedente.

 Conclusão

71.      Em face de todas as considerações que antecedem, proponho ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso na sua totalidade e, em conformidade com o artigo 184.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, condene a JCDecaux Street Furniture Belgium nas despesas efetuadas pela Comissão Europeia. A Clear Channel Belgium, interveniente em primeira instância, participou na fase oral do processo no Tribunal de Justiça, mas não pediu a condenação da JCDecaux nas despesas. Nestas condições, em conformidade com o artigo 184.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, dever‑se‑á decidir que esta suportará as suas próprias despesas relativas ao processo de recurso no Tribunal de justiça.


1      Língua original: francês.


2      Acórdão de 7 de setembro de 2022, JCDecaux Street Furniture Belgium/Comissão (T‑642/19, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2022:503).


3      JO 2019, L 320, p. 119; a seguir «decisão controvertida».


4      Mais concretamente, como resulta do considerando 13 da decisão controvertida, «[o]s dois contratos dizem respeito à instalação de mobiliário urbano remunerada por dispositivos publicitários com cerca de 2 m2, que podem servir de suporte para publicidade [...]». Esses dispositivos comportavam, em geral, duas superfícies, uma destinada à afixação de publicidade, e a outra, reservada à cidade de Bruxelas, para fornecimento de informações administrativas e socioculturais.


5      Por conseguinte, em 1999, quando o contrato de 1984 expirou, alguns dispositivos abrangidos pelo contrato de 1984 podiam ainda ser explorados até ao final do seu período de exploração de 15 anos.


6      Ao longo das presentes conclusões, será feita referência a este acordo através expressão «mecanismo de compensação». A JCDecaux pronunciou‑se no mesmo sentido nas suas observações, sublinhando, nomeadamente, que a exploração dos dispositivos controvertidos não era regida pelo contrato de 1999 e que a respetiva manutenção tinha ocorrido no âmbito do contrato de 1984 sem nenhuma transferência de recursos públicos. Além disso, sustentou que nem os dispositivos abrangidos pelo contrato de 1984 nem os abrangidos pelo contrato de 1999 estavam sujeitos a imposto.


7      Nas suas observações escritas, a CCB indicou que a vantagem económica de que a JCDecaux beneficiou devido à exploração dos dispositivos controvertidos além das respetivas datas de termo era superior a 2 150 000 euros, sem juros incluídos.


8      JO 2006, L 379, p. 5.


9      JO 2015, L 248, p. 9.


10      Considerando 84 da decisão controvertida.


11      Acórdão de 26 de outubro de 2016 (C‑211/15 P, EU:C:2016:798, n.os 41 a 44).


12      Acórdão de 24 de julho de 2003 (C‑280/00, EU:C:2003:415).


13      Considerando 89 da decisão controvertida.


14      JO 2016 C 262, p. 1.


15      Considerandos 91 e 93 da decisão controvertida.


16      Considerando 94 da decisão controvertida.


17      Acórdão da cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas, Bélgica) de 29 de abril de 2016 (9.ª Secção) no âmbito do Processo 2011/AR/140.


18      Considerando 132 da decisão controvertida.


19      Considerando 134 da decisão controvertida.


20      Considerando 137 da decisão controvertida. Os regulamentos tributários em questão são referidos no considerando 138 da decisão controvertida e nas notas de rodapé 46 e 49 da mesma decisão. V., também, n.º 56 do acórdão recorrido.


21      Acórdão de 24 de julho de 2003 (C‑280/00, EU:C:2003:415).


22      JO 2012, C 8, p. 15.


23      JO 2012, L 7, p. 3.


24      N.º 42 do acórdão recorrido.


25      N.os 24 a 26 do acórdão recorrido.


26      N.º 28 do acórdão recorrido.


27      N.º 29 do acórdão recorrido.


28      N.º 30 do acórdão recorrido.


29      N.º 31 do acórdão recorrido.


30      N.os 34 a 36 do acórdão recorrido.


31      Acórdão de 26 de outubro de 2016 (C‑211/15 P, EU:C:2016:798).


32      Acórdão de 24 de julho de 2003 (C‑280/00, EU:C:2003:415). O Tribunal Geral examinou mais detalhadamente a questão das condições estabelecidas pela jurisprudência resultante deste acórdão, nos n.os 66 a 75 do acórdão recorrido. Declarou que a Comissão não tinha cometido um erro de apreciação quando concluiu, no considerando 88 da decisão controvertida, que o contrato de 1984 era um contrato meramente comercial, pelo que a primeira dessas condições não estava preenchida.


33      V. n.º 15 das presentes conclusões.


34      N.os 37 a 41 do acórdão recorrido.


35      N.º 65 do acórdão recorrido.


36      N.os 48 e 49 do acórdão recorrido.


37      N.º 53 do acórdão recorrido.


38      N.º 54 do acórdão recorrido.


39      N.º 61 do acórdão recorrido.


40      Acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de Bruxelas de 4 de novembro de 2016 (RG 2012/9807/A + 2012/9808/A e RG 2012/14576/A e 2014/5965/A).


41      N.º 63 do acórdão recorrido.


42      N.º 93 do acórdão recorrido.


43      N.º 95 do acórdão recorrido.


44      Resulta do Acórdão da cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) de 29 de abril de 2016 que, ao referir‑se à «teoria da interversão», a JCDecaux pretende explicar que «só manteve algum mobiliário [urbano] antigo além da data de termo respetiva para compensar a substituição prematura de mobiliário [urbano] antigo que podia permanecer no local por mobiliário novo».


45      A este respeito, a JCDecaux visa, em especial, os n.os 83 a 89 do acórdão recorrido.


46      Acórdão de 12 de maio de 2022, Klein/Comissão (C‑430/20 P, EU:C:2022:377, n.º 39 e jurisprudência referida).


47      Acórdão de 16 de julho de 2009, Der Grüne Punkt – Duales System Deutschland/Comissão (C‑385/07 P, EU:C:2009:456, n.º 71 e jurisprudência referida).


48      N.os 17 a 76 do acórdão recorrido.


49      Moniteur belge de 29 de agosto de 1991.


50      No seu acórdão, a cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) salientou, nomeadamente, que «a instalação de mobiliário urbano no domínio público e a sua exploração para fins publicitários carecem de autorização da autoridade pública, a qual pode assumir diversas formas; na falta de autorização, a instalação e a exploração têm lugar sem título nem direito e são, por conseguinte, ilegais». A cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) recordou igualmente que «[c]ada dispositivo é objeto de uma autorização emitida para um local e uma duração determinados» e que «[a]s autorizações e os dispositivos não são permutáveis conforme a vontade do seu titular». Além disso, a cour d’appel (Tribunal de Recurso) observou que «a CCB [dirigia] a sua ação contra [a JCDecaux], autora da prática controvertida, e não contra a cidade de Bruxelas» e que «no caso vertente, não se [tratava] de fiscalizar a forma como [esta última executava] o contrato de 1984 e o concurso público de 1999».


51      No seu Acórdão de 29 de abril de 2016, a cour d’apple de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) sublinhou que «não tem de examinar se [a JCDecaux] recebeu auxílios de Estado nem de avaliá‑los».


52      Acórdão de 12 de outubro de 2000, Espanha/Comissão (C‑480/98, EU:C:2000:559, n.os 19 a 21). V., igualmente, n.º 68 da Comunicação da Comissão sobre a noção de auxílio estatal na aceção do artigo 107.º, n.º 1, [TFUE].


53      Acórdão de 24 de julho de 2003 (C‑280/00, EU:C:2003:415).


54      V. n.os 25, 26, 28 a 41 e 68 a 75 do acórdão recorrido. No âmbito do presente recurso, a JCDecaux não contesta as considerações com base nas quais o Tribunal Geral rejeitou a pertinência do alegado mecanismo de indemnização.


55      Segundo a JCDecaux, a cidade de Bruxelas poderia, no máximo, ter pedido em tribunal a remoção dos dispositivos controvertidos e/ou uma indemnização. Além disso, poderia ter cobrado à JCDecaux a taxa que havia instituído especificamente, em 17 de setembro de 2001, em caso de ocupação do seu domínio público para fins comerciais.


56      A este respeito, a JCDecaux salienta que a evolução dos sítios em termos de logística e de regulamentação urbanística tornou frequentemente necessário encontrar novas localizações.


57      Nos termos desta disposição, «[n]enhum encargo ou imposição podem ser estabelecidos pela aglomeração, pela federação de municípios ou pelo município, a não ser por deliberação do respetivo conselho».


58      Acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de Bruxelas de 4 de novembro de 2016 (RG 2012/9807/A + 2012/9808/A e RG 2012/14576/A e 2014/5965/A).


59      Acórdão n.º F.19.0012.F da cour de cassation belge (Tribunal de Cassação) de 1 de outubro de 2021 (ECLI:BE:CASS:2021:ARR.20211001.1F.7).


60      Acórdão de 23 de março de 2023, PV/Comissão (C‑640/20 P, EU:C:2023:232, n.os 77 e 78 e jurisprudência referida).


61      Acórdãos de 2 de outubro de 2014, Strack/Comissão (C‑127/13 P, EU:C:2014:2250, n.º 79), e de 16 de fevereiro de 2017, Hansen & Rosenthal e H&R Wax Company Vertrieb/Comissão (C‑90/15 P, EU:C:2017:123, n.º 48).


62      Que tem o seguinte teor: «Durante o período de validade do contrato, a entidade adjudicante compromete‑se a não mandar efetuar nem [a] autorizar prestações relativas a mobiliário urbano equipado de suportes publicitários, idêntico ou semelhante ao descrito no presente caderno especial de encargos, por outros empreiteiros ou pelos seus próprios serviços, em todo o seu território.»


63      Saliento que está igualmente previsto na nota de encomenda que «[q]uando se tratar de substituir o mobiliário existente por um novo modelo de abrigo de passageiros ou por um suporte de afixação, [a JCDecaux comprometeu‑se] a efetuar os trabalhos de substituição num prazo de 48 a 72 horas, em função das condições meteorológicas». Esta nota de encomenda é acompanhada de um anexo no qual «figuram as listas detalhadas das localizações dos abrigos de passageiros e dos suportes para afixação, a fim de […] permitir [à JCDecaux] elaborar a [sua] proposta de instalação, tendo em conta a situação do mobiliário existente e as datas de remoção dos dispositivos instalados».


64      V. n.º 67 da Comunicação da Comissão sobre a noção de auxílio estatal nos termos do artigo 107.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia: «Para proceder a esta apreciação [da existência ou não de uma vantagem], deve ser comparada a situação financeira da empresa na sequência da medida com a situação financeira em que estaria se a medida não tivesse sido tomada.»


65      Na audiência, a CCB explicou, sem ser desmentida pela JCDecaux, que esta última explorava para fins publicitários, no território do município vizinho de Uccle (Bélgica), dispositivos instalados em mobiliário urbano de que era proprietária e por cuja exploração pagava uma renda.


66      Na sua contestação perante o Tribunal Geral, a Comissão já tinha formulado este reparo. A JCDecaux respondeu, na réplica, que os seus argumentos não se referiam ao caráter seletivo da medida e que, através da petição, «[contestava] simples e claramente a pertinência da utilização, pela Comissão, do regulamento tributário de 2001 sobre os dispositivos publicitários da cidade, a fim de demonstrar a existência de uma vantagem a favor da JCDecaux (quod non) e como base de cálculo do montante de um eventual auxílio a recuperar pelo Estado belga».


67      Acórdão de 4 de junho de 2015, Comissão/MOL (C‑15/14 P, EU:C:2015:362, n.º 60).