Por carta de 4 de Outubro de 1995 (a seguir «carta de 4 de Outubro de 1995» ou
«decisão impugnada»), o membro da Comissão encarregado da concorrência
recusou-se a dar seguimento ao pedido de reembolso das recorrentes nos termos
seguintes: «In your letter of 24 November 1993 you asked the Commission to review the
position of your clients ('the Swedish respondents) in light of the Court's
judgment of 31 March 1993. More specifically, you requested the Commission to
return the fines relating to the infringements found in the parts of its decision
which had been annulled by the aforesaid judgment. Having received a preliminary
reaction of my services (letter of 4 February 1994 signed by the Director General
for Competition), you reiterated your request in your letters of 8 April, 24 October
and 21 December 1994.
I do not see any possibility to accept your request. Article 3 of the decision
imposed a fine on each of the producers on an individual basis. Consequently, in
point 7 of the operative part of its judgment, the Court annulled or reduced the
fines imposed on each of the undertakings who were applicants before it. In the
absence of an application of annulment on behalf of your clients, the Court did not
and indeed could not annul the parts of Article 3 imposing a fine on them. It
follows that the obligation of the Commission to comply with the judgment of the
Court has been fulfilled in its entirety by thr Commission reimbursing the fines paid
by the successful applicants. As the judgement does not affect the decision with
regard to your clients, the Commission was neither obliged nor indeed entitled to
reimburse the fines paid by your clients.
As your clients' payment is based on a decision which still stands with regard to
them, and which is binding not only on your clients but also on the Commission,
your request for reimbursement cannot be granted.»
[«Na vossa carta de 24 de Novembro de 1993, pediram à Comissão que
reanalisasse a situação das vossas clientes ('as recorrentes suecas) à luz do
acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça em 31 de Março de 1993. Mais
especialmente, V. Ex.as solicitaram à Comissão o reembolso das multas relativas às
infracções declaradas nas partes da decisão que foram anuladas pelo referido
acórdão. Após uma primeira resposta dos meus serviços (carta de 4 de Fevereiro
de 1994, assinada pelo Director-Geral da Concorrência), V. Ex.as repetiram o vossopedido nas cartas de 8 de Abril, 24 de Outubro e 21 de Dezembro de 1994.
Não vejo qualquer possibilidade de dar uma sequência favorável ao vosso pedido.
O artigo 3.° da decisão aplicava uma multa a cada um dos produtores em termos
individuais. É por isso que, no n.° 7 da parte decisória do seu acórdão, o Tribunal
de Justiça anulou ou reduziu as multas aplicadas a cada uma das empresas
recorrentes nos processos que lhe foram submetidos. Na falta de recurso de
anulação em nome das vossas clientes, o Tribunal não anulou e não podia, aliás,
fazê-lo as partes do artigo 3.° que lhes impunham multas. Por conseguinte, a
Comissão cumpriu integralmente a sua obrigação de se conformar com o acórdão
do Tribunal de Justiça, uma vez que reembolsou as multas pagas pelas recorrentes
que obtiveram vencimento na causa. Dado que o acórdão não afecta a decisão na
medida em que diz respeito às vossas clientes, a Comissão não era obrigada nem
sequer estava autorizada a reembolsar as multas pagas por estas.
Como o pagamento efectuado pelas vossas clientes se baseia numa decisão que
continua válida no que lhes diz respeito e vinculativa não só para elas mas também
para a Comissão, o vosso pedido de reembolso não pode ser deferido.»]
Tramitação processual e conclusões das partes
16. Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 15 de Dezembro de 1995,
as recorrentes interpuseram o presente recurso.
17. Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal decidiu iniciar a fase
oral do processo e convidou a Comissão a pronunciar-se, no decurso da audiência,
quanto à eventual pertinência do acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Março
de 1961 (SNUPAT/Alta Autoridade, 42/59 e 49/59, Colect. 1954-1961, p. 597).
18. Na audiência de 11 de Setembro de 1996, foram ouvidas as alegações das partes
e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal, composto por H.
Kirschner, presidente, B. Vesterdorf, C. W. Bellamy, A. Kalogeropoulos e A.
Potocki, juízes.
19. Na sequência da morte do juiz H. Kirschner, ocorrida em 6 de Fevereiro de 1997,
o presente acórdão foi deliberado pelos três juízes que o assinam, em
conformidade com o artigo 32.° do Regulamento de Processo.
20. As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:
anular a decisão da Comissão de 4 de Outubro de 1995;
ordenar à Comissão que tome todas as medidas necessárias para se
conformar com o acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1993
e, em especial, que reembolse às recorrentes as multas pagas por cada uma
delas ou pelas empresas em cujos direitos e obrigações sucederam, nos
montantes indicados no anexo 6 da petição;
condenar a Comissão a pagar, a partir da data do pagamento das multas
pelas destinatárias suecas e até ao reembolso dos montantes pedidos, juros
sobre estes montantes:
inicialmente à taxa aplicada pelo Fundo Europeu de Cooperação
Monetária à data do pagamento das multas, e posteriormente à taxa
aplicada pelo Instituto Monetário Europeu, ambas acrescidas de um
e meio por cento, ou
à taxa de base dos empréstimos do Banque Nationale de Belgique,
acrescida de um por cento;
nos montantes indicados no anexo 9 da decisão;
condenar a Comissão nas despesas.
21. A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
julgar o recurso inadmissível;
a título subsidiário, julgá-lo improcedente;
condenar as recorrentes nas despesas.
Quanto ao primeiro dos pedidos, de anulação da decisão pretensamente contida
na carta de 4 de Outubro de 1995
Quanto à admissibilidade
Argumentação das partes
22. A Comissão suscita a questão prévia da inadmissibilidade do pedido de anulação,
em virtude de a carta de 4 de Outubro de 1995 constituir apenas a confirmação da
decisão pasta de papel, na parte em que esta se refere às recorrentes. Enquanto
tal, a referida carta não constitui um acto susceptível de recurso.
23. A carta de 4 de Outubro de 1995 não contém qualquer elemento novo em relação
à decisão pasta de papel que altere a situação jurídica das recorrentes. A mesma
carta limita-se a confirmar que a decisão pasta de papel continua válida no que diz
respeito às recorrentes e que não há, por conseguinte, que revogar essa decisão.
24. Embora o recurso vise a anulação de uma nova decisão que pretensamente consta
da carta de 4 de Outubro de 1995, o mesmo visa, na realidade, a decisão pasta de
papel. Dado que o prazo para interpor recurso de anulação dessa decisão pasta de
papel já terminou há muito tempo, o presente recurso deve, por conseguinte, ser
julgado inadmissível.
25. As recorrentes argumentam que a carta de 4 de Outubro de 1995 constitui um acto
impugnável na acepção do artigo 173.° do Tratado.
26. Com efeito, a referida carta deve considerar-se como uma nova decisão em relação
à decisão pasta de papel. A mesma expõe pela primeira vez o ponto de vista da
Comissão no que respeita às obrigações que lhe incumbem por força do acórdão
de 31 de Março de 1993 e, baseada neste ponto de vista, a sua decisão de não
reembolsar as multas pagas pelas recorrentes e pelas empresas em cujos direitos
e obrigações elas sucederam.
27. É, portanto, incorrecto defender que a carta de 4 de Outubro de 1995 não contém
qualquer elemento que não resultasse já da decisão pasta de papel. Nessa decisão,
a Comissão afirmava que as recorrentes tinham cometido diversas infracções às
regras da concorrência, ordenava-lhes que pusessem fim a essas infracções e
aplicava-lhes multas. Pelo contrário, na sua carta de 4 de Outubro de 1995, a
Comissão decidiu, de forma inequívoca e definitiva e pela primeira vez não
reembolsar as multas.
28. Trata-se de um acto que afecta imediatamente e de forma irreversível a situação
jurídica das empresas interessadas (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de
Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, e acórdão do Tribunal
de Primeira Instância de 18 de Dezembro de 1992, Cimenteries CBR e
o./Comissão, T-10/92, T-11/92, T-12/92 e T-15/92, Colect., p. II-2667).
Apreciação do Tribunal
29. O Tribunal recorda liminarmente que resulta da jurisprudência assente que os
recursos das decisões puramente confirmativas de decisões anteriores que não
foram impugnadas nos prazos legais são inadmissíveis (acórdão do Tribunal de
Justiça de 15 de Dezembro de 1988, Irish Cement/Comissão, 166/86 e 220/86,
Colect., p. 6473, n.° 16, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho
de 1995, Groupement des cartes bancaires «CB»/Comissão, T-275/94, Colect.,
p. II-2169, n.° 27). Com efeito, um acto que se limita a confirmar um acto anterior
não pode conferir aos interessados a possibilidade de reabrirem os debates quanto
à legalidade do acto confirmado (acórdão de 22 de Março de 1961, SNUPAT/Alta
Autoridade, já referido, Colect. 1954-1961, p. 597).
30. No caso em apreço, deve concluir-se que, através da sua carta de 24 de Novembro
de 1993, as recorrentes pediram à Comissão que reexaminasse, à luz da
fundamentação do acórdão de 31 de Março de 1993, os efeitos jurídicos da decisão
pasta de papel relativamente a elas. Em particular, pediram à Comissão que
procedesse ao reembolso das multas relativas às infracções declaradas nas partes
da referida decisão que foram anuladas pelo acórdão de 31 de Março de 1993.
31. Este pedido de reexame foi indeferido por carta de 4 de Outubro de 1995, em
virtude de a Comissão ter cumprido a sua obrigação de se conformar com o
acórdão de 31 de Março de 1993, reembolsando as multas pagas na medida em
que as mesmas haviam sido anuladas pelo acórdão do Tribunal de Justiça.
32. A fim de responder à questão de saber se a recusa da Comissão de reexaminar a
legalidade da decisão pasta de papel na parte que se referia às recorrentes
constitui ou não um acto puramente confirmativo, é indispensável analisar antes de
mais se, neste caso, o artigo 176.° do Tratado lhe impunha esse reexame.
33. Com efeito, o Tribunal considera que só neste último caso é que haveria que
considerar o acto contido na carta da Comissão de 4 de Outubro de 1995, relativo
implicitamente à extensão das obrigações que lhe impõe o artigo 176.° do Tratado
na sequência do acórdão de 31 de Março de 1993, como uma nova decisão
susceptível de ser impugnada num recurso de anulação (v., neste sentido, o acórdão
do Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1988, Asteris e o./Comissão, 97/86, 193/86,
99/86 e 215/86, Colect., p. 2181, n.os 8, 32 e 33), devendo considerar-se esta última
decisão como tomada num novo contexto jurídico em relação àquele em que a
decisão pasta de papel foi tomada.
34. Dado que a questão de saber se o acórdão de 31 de Março de 1993 implica a
obrigação de reanalisar a legalidade da decisão pasta de papel na parte em que se
refere às recorrentes releva do mérito da causa, deve analisar-se a questão da
admissibilidade ao mesmo tempo que o mérito da causa.
Quanto ao mérito
Argumentação das partes
35. As recorrentes invocam um único fundamento, baseado no facto de a Comissão,
ao recusar-se a reconsiderar, à luz do acórdão de 31 de Março de 1993, a decisão
pasta de papel na parte que lhes diz respeito e a reembolsar as multas que
pagaram, ignorou as consequências jurídicas que decorrem do acórdão do Tribunal
de Justiça de 31 de Março de 1993. Este fundamento divide-se em duas partes.
36. Numa primeira parte, as recorrentes argumentam que a Comissão ignorou o
princípio de direito comunitário segundo o qual um acórdão de anulação tem por
efeito tornar o acto impugnado, neste caso a decisão pasta de papel, nulo e sem
quaisquer efeitos erga omnes e ex tunc.
37. Na opinião das recorrentes, resulta do artigo 174.°, primeiro parágrafo, do Tratado,
que o efeito erga omnes de um acórdão de anulação respeita tanto às decisões,
como a que está em causa neste caso, como aos regulamentos, já que a referida
disposição não faz qualquer distinção no que diz respeito aos efeitos jurídicos de
uma declaração de nulidade em função dos diferentes tipos de actos.
38. Contrariamente às alegações da Comissão, a decisão pasta de papel não deve ser
considerada como um feixe de decisões individuais, mas deve entender-se como
uma única decisão, dirigida a múltiplas empresas. Esta apreciação é corroborada
pelas conclusões a que chegou o Tribunal de Justiça no acórdão de 31 de Março
de 1993, segundo as quais a Comissão não tentou explicar de que forma as
informações consideradas nos parágrafos 1 e 2 do artigo 1.° da parte decisória da
decisão diziam respeito a cada destinatário individual indicando entre quem e quem
teria havido concertação e durante que períodos.
39. O efeito erga omnes de um acórdão de anulação é, além disso, consagrado por uma
jurisprudência bem assente (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de
Dezembro de 1954, Itália/Alta Autoridade, 2/54, Colect. 1954-1961, p. 5; de 11 de
Fevereiro de 1955, Assider/Alta Autoridade, 3/54, Colect. 1954-1961, p. 11 e
I.S.A./Alta Autoridade, 4/54, Colect. 1954-1961, p. 177; de 28 de Junho de 1955,
5/55, Assider/Alta Autoridade, 5/55, Colect. 1954-1961, p. 25, e acórdão de 22 de
Março de 1961, SNUPAT/Alta Autoridade, já referido; conclusões do
advogado-geral Lagrange que precederam o acórdão do Tribunal de Justiça de 27
de Março de 1963, Da Costa en Schaake e o., 28/62, 29/62 e 30/62, Colect.
1962-1964, p. 235; conclusões do advogado-geral Gand que precederam o despacho
do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1969, Alemanha/Comissão, 50/69 R,
Recueil, pp. 449, 454; conclusões do advogado-geral Dutheillet de Lamothe que
precederam o acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Junho de 1972, Compagnie
d'approvisionnement et des Grands Moulins de Paris/Comissão, 9/71 e 11/71,
Colect. 1972, p. 131; acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Novembro de 1976,
Küster/Parlamento, 30/76, Colect., p. 665, bem como as conclusões do
advogado-geral Reischl relativas a esse acórdão; acórdão do Tribunal de Justiça de
5 de Março de 1980, Könecke/Comissão, 76/79, Recueil, p. 665; de 13 de Maio de
1981, International Chemical Corporation, 66/80, Recueil, p. 1191; Asteris e
o./Comissão, já referido; e de 2 de Março de 1989, Pinna, 359/87, Colect., p. 585,
bem como as conclusões do advogado-geral Lenz que precederam esse acórdão,n.os 13 a 16 e 29).
40. As recorrentes observam que, embora o juiz comunitário tenha o poder de limitar
os efeitos erga omnes dos seus acórdãos (v., a título de exemplo, os acórdãos do
Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 1995, Solvay/Comissão, T-30/91,
Colect., p. II-1775 e ICI/Comissão, T-36/91, Colect., p. II-1847), o Tribunal de
Justiça não fez uso desse poder no seu acórdão de 31 de Março de 1993.
Contrariamente ao n.° 4 do artigo 1.° da decisão pasta de papel, os n.os 1 e 2 do
referido artigo foram anulados sem qualquer limitação dos efeitos dessa anulação,
de forma que as conclusões que essas disposições continham foram também
anuladas no que se refere às recorrentes.
41. O n.° 7 da parte decisória do referido acórdão, segundo o qual «são anuladas as
multas aplicadas às recorrentes» não pode, na opinião das recorrentes, alterar essa
apreciação. A referência às «recorrentes» foi inserida com o único objectivo de
distinguir as empresas cujas multas o Tribunal anulou na totalidade e aquelas cujas
multas confirmou total ou parcialmente.
42. Daí resulta, na opinião das recorrentes, que o acórdão do Tribunal de Justiça de
31 de Março de 1993 obriga a Comissão, a fim de evitar qualquer enriquecimento
sem causa, a revogar a decisão pasta de papel na medida em que a mesma aplicou
às destinatárias suecas multas relativamente às infracções declaradas nesses
números e a proceder a um reembolso parcial dessas multas, acrescidas de juros
a taxa que reflicta o benefício que representou a disponibilidade desses montantes.
43. Numa segunda parte do fundamento, as recorrentes argumentam que a Comissão
violou o artigo 176.° do Tratado.
44. Com efeito, esta disposição obriga a instituição em causa a tomar as medidas que
a execução de um acórdão de anulação implica, não só relativamente às partes no
litígio mas também relativamente a outras partes. A obrigação de se conformar
com o acórdão implica designadamente para a instituição recorrida o dever de
reanalisar os casos semelhantes à luz do acórdão. Neste caso concreto, a Comissão
está designadamente obrigada a proceder de forma a que as destinatárias suecas
que se encontram numa situação semelhante à das recorrentes no Tribunal de
Justiça sejam colocadas na mesma situação que estas últimas (acórdão de 22 de
Março de 1961, SNUPAT/Alta Autoridade, já referido, e também os acórdãos do
Tribunal de Justiça de 6 de Março de 1979, Simmenthal/Comissão, 92/78, Recueil,
p. 777, e de 5 de Março de 1980, e Könecke/Comissão, já referido).
45. Para esse efeito, a instituição interessada deve analisar não apenas a parte
decisória do acórdão, mas também a fundamentação do mesmo (acórdão Asteris
e o./Comissão, já referido). A este propósito, as recorrentes sublinham que o
acórdão de 31 de Março de 1993 contém considerações de ordem geral que se
aplicam também às conclusões que deram como provadas as infracções de que
foram acusadas.
46. Recordam nomeadamente que o Tribunal de Justiça anulou o artigo 1.°, n.° 1, da
decisão pasta de papel, em virtude de a Comissão não ter explicado o valor
probatório de certas provas documentais e não ter provado que a concertação
sobre os preços era a única explicação plausível das indicações do paralelismo de
comportamento que invocava. Da mesma forma, sublinham que o artigo 1.°, n.° 2,
foi anulado em virtude de a conclusão de existência da infracção em questão não
ter sido mencionada na comunicação das acusações, o que havia constituído uma
violação dos direitos da defesa e, assim, tinha viciado o processo seguido pela
Comissão relativamente a cada uma das destinatárias dessa comunicação das
acusações, posteriormente acusadas de terem tomado parte nessa infracção. Todas
as multas pagas relativamente a estas conclusões deveriam por isso ter sido
reembolsadas.
47. A Comissão recorda que a questão essencial colocada neste caso é a de saber se
uma empresa a quem a Comissão aplicou uma multa por infracção ao direito da
concorrência e que pagou essa multa sem interpor recurso de anulação dessa
decisão pode seguidamente reclamar o seu reembolso em virtude de o órgão
jurisdicional comunitário ter anulado as multas impostas a outras empresas que, no
prazo que lhes era conferido, interpuseram recurso de anulação e obtiveram
vencimento na causa.
48. Na sua opinião, a resposta a esta questão deve ser negativa, porque as decisões
que aplicam multas são decisões individuais dirigidas a destinatários distintos. Só
o próprio destinatário poderia interpor recurso de anulação contra esta decisão.
Ora, se um destinatário decide não interpor um tal recurso de anulação nos prazos
previstos para esse efeito, a decisão permanece válida a seu respeito e obrigatória
em todos os seus elementos, em conformidade com o artigo 189.° do Tratado. Não
existe, pois, qualquer razão que obrigue a Comissão ou lhe permita reembolsar,
ainda que parcialmente, as multas em questão. Acolher o pedido das recorrentes
corresponderia a contornar o prazo previsto pelo artigo 173.° do Tratado.
49. A Comissão contesta a tese das recorrentes segundo a qual a anulação pelo
Tribunal de Justiça dos n.os 1 e 2 do artigo 1.° da decisão pasta de papel tem efeito
erga omnes, de forma que estaria obrigada a reembolsar as multas pagas
relativamente às conclusões que constavam desses dois números.
50. Sustenta, a esse respeito, que as recorrentes confundem o estatuto legal das
decisões e o dos regulamentos. Enquanto os regulamentos produzem efeitos
jurídicos para categorias de pessoas encaradas de forma geral e abstracta, as
decisões são actos administrativos individuais, que afectam a situação jurídica dos
destinatários individuais. O simples facto de as decisões que impõem multas às
recorrentes terem sido tomadas ao mesmo tempo que as decisões relativas a outras
empresas implicadas não altera em nada a natureza individual de cada decisão. Se
a anulação de um regulamento pode ter efeitos gerais, a anulação de uma decisão,
pelo contrário, apenas afecta a situação jurídica do recorrente que obteve ganho
de causa.
51. Constituindo a decisão pasta de papel, na realidade, um feixe de decisões
individuais dirigidas aos diversos destinatários e que aplicavam multas a título
individual, o acórdão de 31 de Março de 1993 não produz efeitos erga omnes na
acepção defendida pelas recorrentes. Esta interpretação é confortada pela redacção
da parte decisória do acórdão, segundo a qual o Tribunal anulou ou reduziu «as
multas aplicadas às recorrentes», isto é, as multas aplicadas às empresas que
interpuseram recurso. O Tribunal não poderia ter anulado as multas aplicadas às
destinatárias suecas.
52. No que respeita à afirmação segundo a qual a Comissão terá violado o artigo 176.°
do Tratado, a Comissão responde que cumpriu integralmente a sua obrigação de
se conformar com o acórdão de 31 de Março de 1993, reembolsando as multas
pagas pelas recorrentes que obtiveram vencimento no Tribunal de Justiça. Quanto
às destinatárias suecas, recorrentes no presente processo, não está nem obrigada
nem mesmo autorizada a reembolsar as suas multas.
53. Finalmente, a Comissão alega que a afirmação das recorrentes, segundo a qual
estaria obrigada a proceder de forma que as destinatárias suecas, que se encontram
numa situação semelhante à das recorrentes no Tribunal de Justiça, sejam
colocadas na mesma situação que estas últimas, é manifestamente errada. Com
efeito, as destinatárias suecas não se encontram na mesma situação que as outras
destinatárias da decisão, justamente porque não interpuseram recurso de anulação
no prazo previsto no artigo 173.° do Tratado.
54. Respondendo a uma questão colocada pelo Tribunal, a Comissão, no decurso da
audiência, argumentou que a solução dada no processo SNUPAT/Alta Autoridade,
já referido, não é transponível para o caso dos autos. Com efeito, havia diferenças
importantes entre o contexto em que se inscreve o presente processo e aquele em
que se inscrevia o processo SNUPAT (v., além do acórdão de 22 de Março de
1961, SNUPAT/Alta Autoridade, já referido, os acórdãos do Tribunal de Justiça
de 17 de Julho de 1959, SNUPAT/Alta Autoridade, 32/58 e 33/58, Colect.
1954-1961, p. 337, e de 12 de Julho de 1962, Hoogovens/Alta Autoridade, 14/61,
Colect. 1962, p. 123). Em primeiro lugar, a empresa SNUPAT, contrariamente às
destinatárias suecas, tinha efectivamente utilizado em tempo útil todas as vias de
recurso disponíveis para contestar as decisões da Alta Autoridade que lhe
causavam prejuízo. Em segundo lugar, o processo SNUPAT dizia respeito a um
regime de perequação que, pela sua natureza, estabelecia um nexo entre o
tratamento conferido pela Alta Autoridade às diferentes empresas. Com efeito, as
isenções concedidas a certas empresas tinham automaticamente como consequência
cotizações mais elevadas para as outras, entre as quais a recorrente SNUPAT. Esse
nexo entre os destinatários não existe no caso em análise.
Apreciação do Tribunal
55. Antes de mais, há que analisar a tese das recorrentes segundo a qual o acórdão de
31 de Março de 1993 produz efeitos erga omnes. Segundo as recorrentes, o acórdão
anulou os dois primeiros números do artigo 1.° da decisão pasta de papel sem
limitar o âmbito de aplicação dessa anulação, de forma que as declarações feitas
pela Comissão quanto às infracções consideradas provadas nessas disposições foram
anuladas também na parte que diz respeito às recorrentes.
56. Esta tese não pode ser acolhida. Com efeito, embora nada impeça a Comissão de
decidir através de uma única decisão sobre diversas infracções, mesmo que alguns
destinatários sejam estranhos a algumas das infracções, desde que a decisão
permita a qualquer destinatário entender com precisão as acusações de que é alvo
(acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Coöperatieve
Vereniging «Suiker Unie» e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73,
111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.° 111), o Tribunal considera que a
decisão pasta de papel, embora redigida e publicada sob a forma de uma única
decisão, se deve entender como um feixe de decisões individuais que reconhecem,
relativamente a cada uma das empresas destinatárias, a ou as infracções que lhe
são imputadas e lhe inflige, eventualmente, uma multa. Por isso, a Comissão
poderia, se o tivesse desejado, tomar, de modo formal, várias decisões individuais
distintas, declarando as infracções ao artigo 85.° do Tratado que tinha considerado
provadas.
57. Esta apreciação é, além disso, suportada pela redacção da parte decisória da
decisão pasta de papel, já que esta declara relativamente a cada empresa, a título
individual, as infracções provadas a seu respeito e inflige, por conseguinte, multas
individuais às destinatárias da decisão (v. nomeadamente os artigos 1.° e 3.° da
decisão pasta de papel).
58. Nos termos do artigo 189.° do Tratado, cada uma destas decisões individuais que
fazem parte da decisão pasta de papel é obrigatória em todos os seus elementos
para o destinatário que designa. Na medida em que um destinatário não tenha
interposto, nos termos do artigo 173.°, recurso de anulação da decisão pasta de
papel na parte que lhe diz respeito, essa decisão permanece, por conseguinte,
válida e vinculativa a seu respeito (v., no mesmo sentido, o acórdão do Tribunal de
Justiça de 9 de Março de 1994, TWD Textilwerke Deggendorf, C-188/92, Colect.,
p. I-833, n.° 13).
59. Por isso, se um destinatário decide interpor recurso de anulação, o órgão
jurisdicional comunitário só é chamado a apreciar os elementos da decisão que lhe
dizem respeito. Em contrapartida, os elementos da decisão que dizem respeito a
outros destinatários, que não foram impugnados, não fazem parte do objecto do
litígio que o órgão jurisdicional comunitário é chamado a decidir.
60. Este só pode, no âmbito de um recurso de anulação, decidir quanto ao objecto do
litígio que lhe foi submetido pelas partes. Por conseguinte, uma decisão como a
decisão pasta de papel só pode ser anulada relativamente aos destinatários que
obtiveram ganho de causa nos seus recursos perante o órgão jurisdicional
comunitário.
61. O Tribunal considera, por isso, que se devem interpretar os n.os 1 e 2 da parte
decisória do acórdão do Tribunal de Justiça no sentido de que os dois primeirosnúmeros do artigo 1.° da decisão pasta de papel só são anulados na medida em que
respeitam às partes que obtiveram vencimento no processo que decorreu no
Tribunal de Justiça. Esta apreciação é, além disso, corroborada pelo n.° 7 da parte
decisória do acórdão, segundo a qual só as «multas aplicadas às recorrentes» são
anuladas ou reduzidas.
62. A este respeito, deve declarar-se que a jurisprudência invocada pelas recorrentes
em apoio da sua tese de efeito erga omnes é, como a Comissão alegou justamente,
desprovida de pertinência no caso em apreciação, dado que cada um dos acórdãos
citados diz respeito a questões de direito diferentes, que remetem para situações
de facto muito especiais.
63. Resulta do exposto que a primeira parte do fundamento deve ser julgada
improcedente.
64. Seguidamente deve examinar-se a segunda parte do fundamento baseada na
violação do artigo 176.° do Tratado, na medida em que a Comissão teria ignorado
a sua obrigação de reexaminar a legalidade da decisão pasta de papel na parte que
dizia respeito às destinatárias suecas.
65. Nos termos do artigo 176.°, primeiro parágrafo, do Tratado, «a instituição ou as
instituições de que emane o acto anulado... devem tomar as medidas necessárias
à execução do acórdão do Tribunal de Justiça».