Language of document : ECLI:EU:T:2001:266

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

15 de Novembro de 2001 (1)

«Marca comunitária - Vocábulo TELEYE - Pedido acompanhado da reivindicação de prioridade da marca anterior TELEEYE - Pedido de rectificação - Modificação substancial da marca»

No processo T-128/99,

Signal Communications Ltd, com sede em Hong Kong (China), representada por J. Grayston e A. Bywater, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por F. López de Rego e G. Humphreys, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrido,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Primeira Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) de 24 de Março de 1999 (processo R 219/1998-1), notificada à recorrente em 25 de Março de 1999,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: P. Mengozzi, presidente, R. M. Moura Ramos e V. Tiili, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vista a petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 25 de Maio de 1999,

vista a contestação apresentada na mesma Secretaria em 23 de Agosto de 1999,

vistas as respostas escritas às questões colocadas pelo Tribunal,

após a audiência de 22 de Fevereiro de 2001,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

1.
    Nos termos do artigo 29.° do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), na redacção resultante das alterações posteriores:

«1. Quem tenha depositado regularmente uma marca num ou para um dos Estados partes na Convenção de Paris, ou quem o represente, goza, para efectuar o depósito de um pedido de marca comunitária para a mesma marca e para produtos ou serviços idênticos ou contidos naqueles para os quais essa marca esteja depositada, de um direito de prioridade, durante um prazo de seis meses a contar da data de depósito do primeiro pedido.

2. É reconhecido como dando origem ao direito de prioridade qualquer depósito que tenha valor de depósito nacional regular por força da legislação nacional do Estado em que foi efectuado ou de acordos bilaterais ou multilaterais.

3. Por depósito nacional regular, deve entender-se qualquer depósito suficiente para determinar a data de depósito do pedido, independentemente do destino dado posteriormente ao pedido.

4. É considerado como primeiro pedido, cuja data de depósito é simultaneamente a data a partir da qual se conta o prazo de prioridade, um pedido posterior depositado para a mesma marca, para produtos ou serviços idênticos e no ou para o mesmo Estado que um primeiro pedido anterior, desde que esse pedido anterior tenha sido retirado, abandonado ou recusado à data de depósito do pedido posterior, sem ter sido sujeito a inspecção pública e sem deixar subsistir direitos, e desde que não tenha ainda servido de base para a reivindicação do direito de prioridade. O pedido anterior já não pode então servir de base para a reivindicação do direito de prioridade.

5. Se o primeiro depósito tiver sido efectuado num Estado que não seja parte na Convenção de Paris, o disposto nos n.os 1 a 4 é aplicável apenas na medida em que esse Estado, de acordo com notas publicadas, conceda, com base num primeiro depósito efectuado no Instituto, um direito de prioridade sujeito a condições e com efeitos equivalentes aos previstos no presente regulamento.»

2.
    O artigo 30.° do mesmo Regulamento estabelece:

«O requerente que queira prevalecer-se da prioridade de um depósito anterior será obrigado a apresentar uma declaração de prioridade e uma cópia do pedido anterior. [...]»

3.
    O artigo 31.° do mesmo regulamento dispõe:

«Por força do direito de prioridade, a data de prioridade é considerada como sendo a do depósito do pedido de marca comunitária para efeitos da determinação da anterioridade de direitos.»

4.
    Nos termos do n.° 2 do artigo 44.° do mesmo regulamento:

«[...] o pedido de marca comunitária só pode ser modificado, a pedido do requerente, para corrigir o nome ou a morada do requerente, erros de expressão ou de transcrição, ou erros manifestos, desde que essa correcção não afecte substancialmente a marca ou não alargue a lista de produtos ou serviços. Se as modificações incidirem sobre a apresentação da marca ou a lista de produtos ou serviços, e sempre que essas modificações sejam introduzidas após a publicação do pedido, este será publicado com as modificações.»

Antecedentes do litígio

5.
    Em 27 de Maio de 1998, a recorrente apresentou, ao abrigo do Regulamento n.° 40/94, um pedido de marca verbal comunitária, acompanhado da reivindicação de prioridade, ao Instituto Nacional de Patentes do Reino Unido, que o transmitiu ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (a seguir «Instituto»).

6.
    A marca cujo registo foi requerido, tal como foi inscrita no formulário do pedido e que foi em seguida objecto de pedido de rectificação, é o vocábulo TELEYE.

7.
    Os produtos para os quais o registo da marca foi pedido pertencem à classe 9, nos termos do Acordo de Nice relativo à classificação internacional de produtos e serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem, relativamente a cada uma das classes, à seguinte descrição:

«Sistemas, equipamento e aparelhos de vídeo; sistemas, equipamento e aparelhos de monitorização e vigilância; sistemas de televisão de circuito fechado; equipamento e aparelhos; sistemas de vídeo de monitorização e vigilância à distância que utilizam câmaras de televisão de circuito fechado e hardware electrónico para transmitir sinais de vídeo, de controlo de alarme e telemetria por uma rede de banda larga de baixa frequência para um sistema informatizado de visualização e armazenagem.»

8.
    A reivindicação de prioridade que acompanha o pedido de marca comunitária, inscrita no formulário através do qual foi apresentado o pedido, visa a marca TELEEYE depositada nos Estados Unidos em 20 de Janeiro de 1998.

9.
    Por carta de 18 de Junho de 1998, a recorrente apresentou no Instituto uma cópia autenticada do pedido de registo da marca TELEEYE (n.° 75/420 484) nos Estados Unidos.

10.
    Por fax de 7 de Julho de 1998, o Instituto, nos termos do artigo 27.° do Regulamento n.° 40/94 e da regra 9 do Regulamento (CE) n.° 2868/95 da Comissão, de 13 de Dezembro de 1995, relativo às regras de aplicação do Regulamento n.° 40/94 (JO L 303, p. 1), comunicou à recorrente que a data de depósito do seu pedido era a de 27 de Maio de 1998.

11.
    Por fax de 6 de Agosto de 1998, a recorrente informou o Instituto de que passara um erro tipográfico no pedido de marca comunitária e pediu que esta fosse rectificada para que, em vez do sinal TELEYE, seja indicado o sinal TELEEYE, em conformidade com o pedido de marca apresentado nos Estados Unidos, tal como aparece na cópia autenticada acima referida e da qual reivindicou a prioridade.

12.
    Após ter recolhido as observações da recorrente a propósito da sua análise, segundo a qual o artigo 44.° do Regulamento n.° 40/94 e a regra 13 doRegulamento n.° 2868/95 não permitiam a rectificação pedida, o examinador, por carta de 20 de Outubro de 1998, notificou à recorrente a sua decisão de que a rectificação não era possível uma vez que afectava substancialmente a marca.

13.
    Em 11 de Dezembro de 1998, a recorrente interpôs recurso da decisão do examinador para o Instituto, nos termos do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94.

14.
    Foi negado provimento ao recurso por decisão de 24 de Março de 1999 (a seguir «decisão impugnada»).

15.
    Em substância, a Câmara de Recurso considerou que a rectificação pedida pela recorrente afecta substancialmente a representação inicial da marca, já que os sinais TELEYE e TELEEYE diferem pela sua pronúncia, pelo seu impacto visual e pela sua percepção pelo público (n.° 13 da decisão impugnada). Considerou que o argumento da recorrente quanto ao efeito da reivindicação da prioridade não é determinante e que, apesar da divergência entre os sinais a que se refere o pedido de marca comunitária e o pedido apresentado nos Estados Unidos, não havia razão para considerar que deveria ser evidente para o examinador a intenção da recorrente de registar a marca comunitária TELEEYE exactamente com a mesma ortografia constante do pedido apresentado nos Estados Unidos, já que podia ter sido cometido um erro na elaboração do pedido nos Estados Unidos (n.° 14 da decisão impugnada). A Câmara de Recurso decidiu que a recorrente não tinha razão para censurar o Instituto por não ter observado a diferença em questão antes do termo do prazo de reivindicação de prioridade e que é o requerente que deve tomar as medidas necessárias para apresentar um pedido de marca comunitária exacto no prazo aplicável (n.° 15 da decisão impugnada).

Pedidos das partes

16.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    ordenar que seja rectificado o pedido de marca comunitária n.° 837096, de forma a constar no mesmo em vez do vocábulo TELEYE o vocábulo TELEEYE;

-    condenar o Instituto nas despesas.

17.
    O Instituto conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto ao pedido de que seja dirigida uma injunção ao Instituto

18.
    A recorrente formula nas suas conclusões o pedido de que se ordene ao Instituto a rectificação do pedido de marca comunitária n.° 837096, de forma a constar no mesmo em vez do vocábulo TELEYE o vocábulo TELEEYE.

19.
    Como decorre da jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância, o Instituto, por força do disposto no artigo 63.°, n.° 6, do Regulamento n.° 40/94, deve tomar as medidas necessárias à execução dum acórdão do Tribunal de Justiça. Por isso, não cabe ao Tribunal dirigir injunções ao Instituto. Incumbe a este tirar as consequências do dispositivo e dos fundamentos do presente acórdão (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 1999, Procter & Gamble/IHMI, BABY-DRY, T-163/98, Colect. p. II-2383, n.° 53, e de 31 de Janeiro de 2001, Mitsubishi Hitec Paper Bielefeld/IHMI, Giroform, T-331/99, Colect. p. II-433, n.° 33).

Quanto ao pedido de anulação

20.
    Decorre da argumentação desenvolvida pela recorrente, baseada na violação de formalidades essenciais na medida em que a fundamentação da decisão impugnada é, na sua opinião, contraditória, insuficiente e/ou viciada por erros de direito de facto, que o seu recurso se apoia em dois fundamentos.

21.
    O primeiro fundamento refere-se à insuficiência da fundamentação contida no n.° 14 da decisão impugnada.

22.
    O segundo fundamento assenta no carácter errado dos fundamentos contidos nos n.os 13 a 15 da decisão impugnada. Numa primeira parte, respeitante aos n.os 13 e 14, a recorrente sustenta que a Câmara de Recurso violou os artigos 29.° e 44.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, interpretados conjugadamente. Numa segunda parte, respeitante ao n.° 15 da decisão impugnada, a recorrente invoca a violação dos artigos 74.°, n.° 1, e 76.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

23.
    Deve analisar-se em primeiro lugar a primeira parte do segundo fundamento.

Argumentos das partes

24.
    A tese da recorrente assenta no n.° 1 do artigo 29.° do Regulamento n.° 40/94, nos termos do qual o pedido de marca comunitária deve respeitar à mesma marca que é invocada ao abrigo do direito de prioridade. Por isso, a intenção da recorrente de apresentar um pedido de registo de marca comunitária conforme a ortografia da marca pedida nos Estados Unidos devia ter sido evidente para o examinador. Se não havia razão para que isso fosse evidente para o examinador, então a rectificação da diferença entre as duas marcas não pode constituir uma modificação substancial.

25.
    Segundo a recorrente, os n.os 13 e 14 dos fundamentos da decisão impugnada são contraditórios, na medida em que resulta do primeiro que o acrescentamento da letra «E» à marca pedida TELEYE constitui uma modificação substancial e resulta do segundo que não havia razão para considerar que devia ser evidente para o examinador que a intenção da recorrente era registar a marca comunitária TELEEYE, exactamente com a mesma ortografia que a utilizada no pedido apresentado nos Estados Unidos. Quer seja o primeiro ou o segundo dos fundamentos referidos que esteja errado, o Instituto devia ter procedido à rectificação pedida, nos termos do artigo 44.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94.

26.
    No que toca apenas ao n.° 14, a recorrente argumenta, além disso, que, tendo em conta a sua posição, segundo a qual a rectificação do pedido comunitário para o tornar idêntico à marca invocada a título do direito de prioridade, em virtude de dever respeitar a mesma marca, não constitui uma modificação da marca pedida, a possibilidade de ter sido cometido um erro na elaboração do pedido da marca TELEEYE depositada nos Estados Unidos, invocada neste mesmo ponto pela Câmara de Recurso, não tem qualquer importância. A fundamentação contida no n.° 14 é, por conseguinte, errada.

27.
    O Instituto sustenta que a recorrente faz errada interpretação do artigo 44.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, ao considerar que os termos «substancial» e «manifesto» são interdependentes, quando um erro pode ser substancial sem ser manifesto e, inversamente, um erro manifesto pode não ser substancial.

28.
    O Instituto afirma que, na aplicação do artigo 44.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, utiliza um método para chegar a um justo equilíbrio entre as duas exigências. A primeira, que tem a ver com o «bom senso», respeita à questão de saber se existe uma imprecisão ou um erro manifesto e visa o interesse do requerente; a segunda tem a ver com o «rigor» e visa o interesse de terceiros quando a marca aceite pelo Instituto difere da depositada na origem. Por outro lado, ao aplicar o referido método, o Instituto abstém-se de proceder à análise da existência de uma imprecisão ou de um erro manifesto, análise a que não é obrigado se considerar que a modificação é substancial e que, por este facto, recusa a modificação.

29.
    Quanto a determinar a existência de uma imprecisão ou de um erro manifesto, o Instituto explica que, para apreciar se a intenção do requerente quando apresentou o pedido de marca comunitária visava efectivamente a marca tal como foi modificada, toma em consideração os documentos de que dispõe quando procede à apreciação do pedido e que só a título excepcional é que a indicação manifesta da intenção do requerente poderá ser refutada através de documentos justificativos da sua real intenção no momento do pedido, apresentados posteriormente pelo requerente.

30.
    O Instituto acrescenta que esta forma de proceder está em conformidade com as declarações conjuntas do Conselho e da Comissão das Comunidades Europeiasconstantes da acta do Conselho relativa à reunião em que foi adoptado o regulamento do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, relativo à marca comunitária (JO IHMI 1996, pp. 607, 613), nomeadamente com a declaração n.° 16, nos termos da qual «[...] por 'erros manifestos' devem entender-se os erros cuja rectificação se impõe com toda a evidência, no sentido de que nenhum outro texto senão o resultante da rectificação possa ser perspectivado».

31.
    Neste caso concreto, o Instituto afirma que o erro cometido pelo requerente não era manifesto para a Câmara de Recurso.

32.
    Quanto a averiguar se a modificação da marca pedida é de natureza substancial, o Instituto afirma que aplica critérios objectivos quando compara a marca tal como foi apresentada com aquela que se apresenta modificada, a fim de determinar se a modificação afecta a impressão global da marca. Dado que todas as modificações respeitantes à marca implicam uma alteração, esta só será aceite se daí não resultar uma marca nova, que seja substancialmente diferente da que foi objecto do pedido. No caso de uma marca verbal, o examinador toma em consideração o impacto visual, fonético ou conceptual da modificação da marca considerada globalmente, do ponto de vista de um terceiro que efectua uma pesquisa respeitante aos pedidos de marcas comunitárias pendentes no Instituto, a fim de determinar quais são os sinais que podem ser registados.

33.
    Neste caso concreto, o Instituto considera que a marca pedida TELEYE e a marca anterior TELEEYE se revelam substancialmente diferentes não apenas foneticamente - pelo facto de ter sido adicionada uma sílaba - e conceptualmente, dado que o prefixo TELE faz pensar no domínio dos produtos e serviços de telecomunicações, enquanto o prefixo TEL evoca o domínio mais restrito dos telefones ou produtos e serviços telefónicos, mas também visualmente, dado que o termo TELEEYE é claramente um termo composto.

34.
    Finalmente, o Instituto contesta que devesse ter sido manifesto para o examinador que, pelo facto de ter sido reivindicada prioridade, a ortografia pedida para a marca comunitária era a do pedido anterior apresentado nos Estados Unidos. Por um lado, o examinador não tinha qualquer razão para supor que a marca constante da cópia do pedido de marca apresentada nos Estados Unidos representava a intenção real e manifesta da recorrente, uma vez que a reivindicação de prioridade e a carta que acompanhava o documento demonstrando a prioridade referiam-se à marca TELEYE. Por outro lado, o Instituto afirma que só no momento do controlo da data de depósito e das formalidades processuais - controlo que não teve lugar - é que tais incoerências podiam ser notadas, mas que não é seguro que isso viesse a ser feito, uma vez que, segundo a Câmara de Recurso, o erro não era manifesto.

35.
    A referência a um erro plausível no pedido depositado nos Estados Unidos só foi feita a título de exemplo, a fim de notar que o examinador, no caso de certas informações complementares divergirem da intenção expressamente estabelecidana reivindicação de prioridade e na carta que acompanha o documento demonstrando a prioridade, não pode deduzir das referidas informações que o pedido de marca comunitário está errado. Se fosse esse o caso, então um pedido de prioridade nunca poderia ser recusado, de forma que já não seria necessário proceder ao exame real da prioridade, em conformidade com o artigo 29.° do Regulamento n.° 40/94, nem tomar em consideração o aspecto contraditório das informações contidas nos pedidos de marca invocados para efeitos do direito de prioridade em relação às contidas no pedido de marca comunitária em consideração.

Apreciação do Tribunal

36.
    Deve observar-se, em primeiro lugar, que, para averiguar se a posição tomada pela Câmara de Recurso nos n.os 14 e 15 da decisão impugnada, que fundamenta a recusa de um pedido de rectificação de um pedido de marca comunitária acompanhado de uma reivindicação de prioridade no facto de que esta rectificação afecta substancialmente a marca, viola os artigos 29.° e 44.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, há que analisar os aspectos prosseguidos pelas disposições destes dois artigos, que prevêem respectivamente o direito de prioridade e as possibilidades de revogação, limitação e modificação de um pedido de marca.

37.
    Quanto ao direito de prioridade previsto pelo artigo 29.° do Regulamento n.° 40/94, deve recordar-se que este direito tem a sua origem no artigo 4.° da Convenção da União de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial de 20 de Março de 1883 (a seguir «convenção»), na redacção revista várias vezes posteriormente, da qual todos os Estados-Membros são partes.

38.
    Pelo direito de prioridade, que constitui um dos pilares essenciais da convenção, os redactores desta quiseram permitir que um dos beneficiários do direito de um dos Estados partes na convenção (a seguir «União»), face à impossibilidade de depositar simultaneamente uma marca em todos os países da União, pudesse pedir o seu registo sucessivamente nos países que fazem parte da União, dando assim uma dimensão internacional à protecção obtida num destes países, sem necessidade de haver uma multiplicidade de formalidades a cumprir. Trata-se de uma das regras previstas pela convenção, destinada a coordenar a protecção dos direitos de propriedade industrial no conjunto do território da União.

39.
    Pare este efeito, a convenção estabeleceu um prazo de seis meses durante o qual o requerente de uma marca num país da União pode pedir a mesma marca nos outros países da União, sem que o ou os pedidos posteriores sejam afectados por eventuais pedidos para a mesma marca feitos por terceiros. Se, no texto original da convenção, o direito de propriedade deparava com uma importante limitação, uma vez que o seu exercício estava subordinado aos direitos de terceiros, a abolição desta limitação alargou o seu alcance e pôs em relevo a importância do objectivo prosseguido, que é o de equiparar o depósito posterior ao pedido anteriorda mesma marca, no que respeita aos direitos do requerente interessado numa determinada marca.

40.
    O direito de prioridade confere, assim, ao requerente de uma marca uma imunidade limitada no tempo em relação aos pedidos respeitantes à mesma marca que pudessem ser apresentados por terceiros durante o período da prioridade.

41.
    O Regulamento n.° 40/94 contém regras próprias relativamente à concessão de um direito de prioridade nos seus artigos 29.° a 31.°, que seguem o sistema da convenção ao consagrar um direito de prioridade que inclui os registos pedidos num dos Estados da União ou num dos Estados partes no Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio.

42.
    O direito de prioridade nasce do pedido de marca apresentado anteriormente num dos Estados acima mencionados e constitui um direito autónomo, na medida em que subsiste independentemente da sorte posterior do referido pedido. Quando o pedido de marca comunitária é acompanhado de uma reivindicação de prioridade, este direito torna-se um elemento essencial desse pedido, uma vez que determina uma das suas características essenciais, a saber, que a data de depósito é a data em que o pedido anterior foi apresentado, para efeitos de determinação da anterioridade dos direitos. Assim, os pedidos ou os direitos que emergiram num período que decorreu entre o pedido anterior e o segundo pedido não podem ser opostos ao requerente ou ao futuro titular.

43.
    No âmbito do pedido apresentado em conformidade com o artigo 29.° do Regulamento n.° 40/94, o facto de a intenção do requerente ser a de fazer um pedido para a mesma marca que é invocada a título de direito de prioridade não implica, apesar disso, que o exame da reivindicação da prioridade se mostre inútil e que, como sustenta o Instituto, uma prioridade nunca poderia ser recusada por o documento que demonstra a prioridade provar, de forma vinculativa para o Instituto, a intenção da recorrente.

44.
    Com efeito, um pedido de marca comunitária acompanhado de uma reivindicação de prioridade não pode ser aceite automaticamente com base na presunção absoluta de que a intenção do requerente é fazer um pedido para a mesma marca, da qual invoca a prioridade, mas deve antes ser objecto de exame, no âmbito do qual o Instituto aprecia se todas as condições de forma e fundo foram respeitadas.

45.
    Quando, como no caso vertente, existe uma divergência entre o documento que demonstra a prioridade e a intenção expressamente estabelecida na reivindicação de prioridade e na carta que acompanha o referido documento, é na sequência do exame da reivindicação de prioridade que o Instituto, esclarecido pelas observações apresentadas pelo requerente quanto à divergência verificada, determina a natureza desta divergência bem como a intenção do requerente e confirma ou não se o requerente visa efectivamente obter uma marca comunitária para a mesma marcaque a que foi depositada anteriormente, precisando assim o objecto do pedido de registo.

46.
    Nestas condições, contrariamente ao que sustenta a recorrente, a divergência acima mencionada não implica por si só que devia ter sido evidente para o examinador que a recorrente desejava para a marca comunitária a mesma ortografia que a utilizada no pedido anterior.

47.
    No caso vertente, a recorrente apresentou um pedido de rectificação, por fax de 6 de Agosto de 1998, no qual argumentava que os seus associados nos Estados Unidos chamaram a sua atenção para o erro tipográfico que tinham cometido na carta que dirigiram à recorrente, através da qual lhe pediram para proceder a um pedido de marca comunitária para a marca TELEYE. O Instituto pôde claramente verificar, o que aliás não contesta, que se tratava de um erro tipográfico e que a intenção da recorrente era registar a marca anterior TELEEYE; todavia, decidiu recusar a rectificação pedida, considerando que a mesma afectaria substancialmente a marca comunitária originalmente pedida.

48.
    O Regulamento n.° 40/94 prevê a possibilidade de modificar o pedido de marca comunitária a pedido do requerente, nos casos referidos no artigo 44.°, n.° 2, e sob condições precisas, nomeadamente para rectificar erros de expressão ou de transcrição, ou erros manifestos, desde que essa correcção não afecte substancialmente a marca. Ao prever esta possibilidade, o legislador comunitário pretendeu prosseguir dois objectivos. Por um lado, pretendeu evitar os inconvenientes que decorreriam da proibição absoluta de qualquer modificação dum pedido de marca, nomeadamente a obrigação de o requerente apresentar um novo pedido. Por outro lado, ao limitar tal possibilidade pela condição de que a modificação do pedido não afecte substancialmente a marca, o legislador pretendeu evitar abusos que poderiam resultar de um sistema muito liberal de modificações e proteger assim os interesses de terceiros relativamente à disponibilidade dos sinais.

49.
    A estes elementos acresce que, no caso vertente, o pedido de rectificação da marca pedida está directamente relacionado com a reivindicação de prioridade, no sentido de que a rectificação visa fazer coincidir a ortografia da marca comunitária pedida com a da marca pedida anteriormente, como resulta da comparação das duas marcas tal como aparecem no formulário do pedido de marca comunitária e no pedido de marca invocada a título de direito de prioridade, apresentados no Instituto e à luz das observações apresentadas pela recorrente ao Instituto. Trata-se de um elemento que é necessário ter em conta na interpretação da exigência acima mencionada, a saber, que a modificação não afecte substancialmente a marca.

50.
    Assim, é forçoso reconhecer que resulta, por um lado, do facto de o artigo 29.° do Regulamento n.° 40/94 implicar a identidade do objecto do pedido de marca comunitária com o objecto do pedido anterior e, por outro lado, da natureza doerro em questão e da intenção claramente provada da recorrente de registar a marca cuja prioridade é invocada, que a rectificação pedida se mostra isenta de qualquer carácter abusivo e não comporta uma modificação substancial da marca.

51.
    Aliás, o reconhecimento da possibilidade de a recorrente pedir, neste caso concreto, uma rectificação da marca nos termos do artigo 44.°, n.° 2, não é contrária a qualquer exigência de protecção de terceiros, tal como resulta do prazo de seis meses previsto no artigo 29.° Embora este prazo vise ter em conta interesses de terceiros, que não devem ser confrontados com períodos muito longos de prioridade no decurso dos quais os direitos que pretendem adquirir não podem ser validamente obtidos, não é menos verdade que visa também proteger os interesses do requerente, ao qual deve ser permitido organizar uma extensão internacional do direito de marca durante um certo período.

52.
    Foi, pois, sem razão que, nos n.os 13 e 14 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso baseou a sua apreciação nos critérios evocados no n.° 33, supra, e não teve em conta o conjunto de considerações que precedem e, nomeadamente, o efeito que a reivindicação do direito de prioridade pode ter na análise da questão de saber se a rectificação pedida pela recorrente afecta substancialmente a marca.

53.
    Daí resulta que, sem necessidade de analisar a segunda parte do segundo fundamento nem o primeiro fundamento, o recurso deve ser considerado procedente. Por conseguinte, a decisão impugnada deve ser anulada.

Quanto às despesas

54.
    Nos termos do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Instituto sido vencido, há que condená-lo a suportar as suas próprias despesas e as efectuadas pela recorrente, em conformidade com o pedido desta.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1.
    A decisão da Terceira Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) de 24 de Março de 1999 (processo R 219/1998-1) é anulada.

2.
    O Instituto suportará as suas despesas e as efectuadas pela recorrente.

Mengozzi
Tiili
Moura Ramos

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Novembro de 2001.

O secretário

O presidente

H. Jung

P. Mengozzi


1: Língua do processo: inglês.