Language of document : ECLI:EU:C:2020:269

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

2 de abril de 2020 (*)

«Reenvio prejudicial — Artigo 45.o TFUE — Segurança social dos trabalhadores migrantes — Regulamento (CE) n.o 883/2004 — Artigo 1.o, alínea i) — Livre circulação de trabalhadores — Igualdade de tratamento — Vantagens sociais — Diretiva 2004/38/CE — Artigo 2.o, ponto 2 — Regulamento (UE) n.o 492/2011 — Artigo 7.o, n.o 2 — Prestação familiar — Conceito de “membros da família” — Exclusão do filho do cônjuge de trabalhadores não residentes — Diferença de tratamento em relação ao filho do cônjuge de trabalhadores residentes — Justificação»

No processo C‑802/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Conseil supérieur de la sécurité sociale [Conselho Superior da Segurança Social, Luxemburgo], por Decisão de 17 de dezembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de dezembro de 2018, no processo

Caisse pour l’avenir des enfants

contra

FV,

GW,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: M. Safjan, presidente de secção, C. Toader e N. Jääskinen (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Caisse pour l’avenir des enfants, por R. Jazbinsek e A. Rodesch, avocats,

–        em representação de FV e GW, por P. Peuvrel, avocat,

–        em representação da Comissão Europeia, por B.‑R. Killmann e C. Valero, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 45.o TFUE, do artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77; retificações no JO 2004, L 229, p. 35, e no JO 2005, L 197, p. 34), do artigo 1.o, alínea i), do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1; retificação no JO 2004, L 200, p. 1), e do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União (JO 2011, L 141, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Caisse pour l’avenir des enfants (Luxemburgo) (a seguir «CAE») a FV, trabalhador fronteiriço, e a GW, seu cônjuge, a propósito da recusa da CAE em conceder prestações familiares para a criança nascida do primeiro casamento de GW, uma vez que esta criança não apresenta nenhuma relação de filiação com FV.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2004/38

3        O artigo 2.o da Diretiva 2004/38 prevê:

«Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)      “Cidadão da União”: qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro;

2)      “Membro da família”:

a)      O cônjuge;

b)      O parceiro com quem um cidadão da União contraiu uma parceria registada com base na legislação de um Estado‑Membro, se a legislação do Estado‑Membro de acolhimento considerar as parcerias registadas como equiparadas ao casamento, e nas condições estabelecidas na legislação aplicável do Estado‑Membro de acolhimento;

c)      Os descendentes diretos com menos de 21 anos de idade ou que estejam a cargo, assim como os do cônjuge ou do parceiro na aceção da alínea b);

[…]»

 Regulamento n.o 883/2004

4        Nos termos do artigo 1.o do Regulamento n.o 883/2004:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

i)      “Familiar”:

1)      i)      uma pessoa definida ou reconhecida como tal ou designada como membro do agregado familiar pela legislação nos termos da qual as prestações são concedidas;

ii)      no que se refere a prestações em espécie na aceção do capítulo 1 do título III sobre prestações por doença, maternidade e paternidade equiparadas, uma pessoa definida ou reconhecida como tal ou designada como membro do agregado familiar pela legislação do Estado‑Membro em que resida;

2)      Se a legislação de um Estado‑Membro que for aplicável nos termos do ponto 1) não permitir distinguir os familiares das demais pessoas a quem a referida legislação se aplica, são considerados familiares o cônjuge, os descendentes menores e os descendentes maiores a cargo;

3)      Se, de acordo com a legislação que for aplicável nos termos dos pontos 1) e 2), uma pessoa só for considerada como familiar ou membro do agregado familiar se viver em comunhão de mesa e habitação com a pessoa segurada ou titular de pensão, essa condição considera‑se cumprida se essa pessoa estiver fundamentalmente a cargo da pessoa segurada ou do titular da pensão;

[…]

z)      “Prestação familiar”, qualquer prestação em espécie ou pecuniária destinada a compensar os encargos familiares, com exclusão dos adiantamentos de pensões de alimentos e dos subsídios especiais de nascimento ou de adoção referidos no anexo I.»

5        O artigo 2.o, n.o 1, do referido regulamento enuncia:

«O presente regulamento aplica‑se aos nacionais de um Estado‑Membro, aos apátridas e refugiados residentes num Estado‑Membro que estejam ou tenham estado sujeitos à legislação de um ou mais Estados‑Membros, bem como aos seus familiares e sobreviventes.»

6        O artigo 3.o, n.o 1, do referido regulamento prevê:

«O presente regulamento aplica‑se a todas as legislações relativas aos ramos da segurança social que digam respeito a:

[…]

j)      Prestações familiares.»

7        O artigo 67.o do Regulamento n.o 883/2004, com a epígrafe «Familiares que residam noutro Estado‑Membro», tem a seguinte redação:

«Uma pessoa tem direito às prestações familiares nos termos da legislação do Estado‑Membro competente, incluindo para os seus familiares que residam noutro Estado‑Membro, como se estes últimos residissem no primeiro Estado‑Membro. Todavia, um titular de pensão tem direito às prestações familiares em conformidade com a legislação do Estado‑Membro competente no que respeita à pensão.»

 Regulamento n.o 492/2011

8        O artigo 7.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 492/2011 dispõe:

«1.      O trabalhador nacional de um Estado‑Membro não pode ser sujeito no território de outro Estado‑Membro, em razão da sua nacionalidade, a um tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.

2.      O trabalhador referido no n.o 1 beneficia das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais.»

 Diretiva 2014/54/UE

9        O considerando 1 da Diretiva 2014/54/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa a medidas destinadas a facilitar o exercício dos direitos conferidos aos trabalhadores no contexto da livre circulação de trabalhadores (JO 2014, L 128, p. 8), tem a seguinte redação:

«A livre circulação de trabalhadores é uma liberdade fundamental dos cidadãos da União e um dos pilares do mercado interno na União, consagrada no artigo 45.o [TFUE]. A sua concretização é objeto da legislação da União que visa garantir o pleno exercício dos direitos conferidos aos cidadãos da União e aos membros das suas famílias. A expressão “membros das suas famílias” deverá ser entendida como tendo o mesmo significado que a expressão definida no artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva [2004/38], que se aplica também aos familiares dos trabalhadores fronteiriços.»

10      O artigo 1.o da Diretiva 2014/54 prevê:

«A presente diretiva estabelece disposições que facilitam a aplicação uniforme e a execução prática dos direitos conferidos pelo artigo 45.o [TFUE] e pelos artigos 1.o a 10.o do Regulamento [n.o 492/2011]. A presente diretiva é aplicável aos cidadãos da União que exercem esses direitos e aos membros das suas famílias […]»

11      Nos termos do artigo 2.o desta diretiva:

«1.      A presente diretiva é aplicável aos seguintes aspetos da liberdade de circulação dos trabalhadores, conforme especificados nos artigos 1.o a 10.o do Regulamento [n.o 492/2011]:

[…]

c)      Acesso a regalias sociais e benefícios fiscais;

[…]

2.      O âmbito de aplicação da presente diretiva é idêntico ao do Regulamento [n.o 492/2011].»

 Direito luxemburguês

12      As disposições relevantes são os artigos 269.o e 270.o do code de la sécurité sociale (Código da Segurança Social; a seguir «código»), na sua versão aplicável a partir de 1 de agosto de 2016, data da entrada em vigor da loi du 23 juillet 2016, portant modification du code de la sécurité sociale, de la loi modifiée du 4 décembre 1967 concernant l’impôt sur le revenu, et abrogeant la loi modifiée du 21 décembre 2007 concernant le boni pour enfant [Lei de 23 de julho de 2016, que altera o Código da Segurança Social e a Lei alterada, de 4 de dezembro de 1967, relativa ao imposto sobre o rendimento, e que revoga a Lei alterada, de 21 de dezembro de 2007, relativa à prestação por filho (Mémorial A 2016, p. 2348, a seguir «Lei de 23 de julho de 2016»)].

13      O artigo 269.o, n.o 1, do código, na sua versão aplicável a partir de 1 de agosto de 2016, dispõe:

«É introduzida uma prestação para o futuro dos filhos, a seguir “prestação familiar”.

Confere direito à prestação familiar:

a)      cada filho, que resida efetivamente e de forma continuada no Luxemburgo e aí tenha o seu domicílio legal;

b)      os membros da família, tal como definidos no artigo 270.o de qualquer pessoa sujeita à legislação luxemburguesa e abrangida pelo âmbito de aplicação dos regulamentos comunitários ou de outro instrumento, bilateral ou multilateral, celebrado pelo Luxemburgo em matéria de segurança social e que preveja o pagamento de prestações familiares nos termos da legislação do país de emprego. Os membros da família devem residir num país abrangido pelos regulamentos ou instrumentos em causa.»

14      Nos termos do artigo 270.o do código, na sua versão aplicável a partir de 1 de agosto de 2016, «[p]ara efeitos de aplicação do artigo 269.o, n.o 1, alínea b), são considerados membros da família de uma pessoa e dão direito à prestação familiar, os filhos nascidos no casamento, os filhos nascidos fora do casamento e os filhos adotivos dessa pessoa».

15      Em conformidade com o artigo 272.o, n.o 1, primeiro período, do código, na sua versão aplicável a partir de 1 de agosto de 2016, «[o] montante da prestação familiar é fixado em 265 euros por filho e por mês».

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16      FV trabalha no Luxemburgo e reside em França com a sua esposa, GW, e os seus três filhos, um dos quais, HY, nasceu de uma anterior união de GW. GW exerce o poder paternal exclusivo sobre HY. Até à data de entrada em vigor da Lei de 23 de julho de 2016, o agregado familiar beneficiava de prestações familiares para essas três crianças, em razão da sua qualidade de trabalhador transfronteiriço de FV.

17      A partir da data de entrada em vigor da Lei de 23 de julho de 2016, que alterou o código, excluindo nomeadamente os filhos do cônjuge ou do parceiro do conceito de «membros da família» definido no seu artigo 270.o, o agregado familiar deixou de beneficiar dessas prestações para HY.

18      Com efeito, por decisão de 8 de novembro de 2016, a CAE, baseando‑se nomeadamente no artigo 67.o do Regulamento n.o 883/2004 e nos artigos 269.o e 270.o do código, na sua versão aplicável a partir da data de entrada em vigor da Lei de 23 de julho de 2016, considerou que, a partir de 1 de agosto de 2016, FV já não tinha direito à prestação familiar para HY, nascido em 5 de dezembro de 2000 e criado no agregado que aquele forma com GW desde julho de 2008. Uma vez que esta criança provém de uma união anterior de GW e não tem uma relação de filiação com FV, não possui a qualidade de «membro da família», na aceção destas disposições, o que exclui o direito à prestação familiar luxemburguesa para a referida criança.

19      Chamado a conhecer de um recurso interposto por FV dessa decisão, o conseil arbitral de la sécurité sociale (Conselho Arbitral da Segurança Social, Luxemburgo), deu provimento a esse recurso, por Decisão de 17 de novembro de 2017, na parte em que tinha por objeto a manutenção da prestação familiar para HY para além de 31 de julho de 2016. Segundo o Conselho Arbitral da Segurança Social:

–        as prestações familiares luxemburguesas constituem uma vantagem social, na aceção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011; estão ligadas ao exercício de uma atividade por conta de outrem, uma vez que, para lhe serem atribuídas, FV deve ser um trabalhador sujeito à legislação luxemburguesa; não há que distinguir, como acontece em matéria de prestações familiares, consoante essa vantagem social se traduza num direito próprio do filho ou num direito à atribuição dessas prestações a FV, que assume o encargo correspondente e que está sujeito à legislação social luxemburguesa, quer seja ou não trabalhador nacional;

–        o regime instituído pelos artigos 269.o e 270.o do código, na versão aplicável a partir de 1 de agosto de 2016, institui uma diferença de tratamento em função da residência da criança em causa, na medida em que existe uma diferença de tratamento no reconhecimento de vantagens sociais, pelo prestador das prestações familiares, consoante se trate de um trabalhador nacional que assume o encargo de um filho do cônjuge, residindo o menor no Luxemburgo, ou de um trabalhador fronteiriço que assume o encargo de um filho do cônjuge, não residindo o menor no Luxemburgo, mas no Estado‑Membro de origem desse trabalhador fronteiriço; isso é contrário ao artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011, e

–        embora o artigo 1.o, alínea i), do Regulamento n.o 883/2004 remeta para a legislação nacional do Estado‑Membro requerido para definir o conceito de «membro da família», a lei nacional de referência, a saber, o artigo 270.o do código, na sua versão aplicável a partir de 1 de agosto de 2016, é incompatível com o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011.

20      Por petição apresentada em 29 de dezembro de 2017 no conseil supérieur de la sécurité sociale (Conselho Superior da Segurança Social), a CAE interpôs recurso da decisão do conseil arbitral de la sécurité sociale (Conselho Arbitral da Segurança Social) de 17 de novembro de 2017. A CAE impugnou a equiparação das prestações familiares a uma vantagem social e sustentou que os elementos objetivos que podiam justificar uma alegada diferença de tratamento não tinham sido tomados em consideração.

21      FV objetou que o princípio da igualdade de tratamento implica que os cidadãos da União que residem num Estado‑Membro e se deslocam para outro Estado‑Membro para aí trabalhar tenham direito às vantagens sociais e fiscais, bem como à assistência social, que estão disponíveis no Estado‑Membro de acolhimento para os seus cidadãos nacionais. Segundo FV, o raciocínio adotado no Acórdão de 15 de dezembro de 2016, Depesme e o. (C‑401/15 a C‑403/15, EU:C:2016:955) devia ser aplicado por analogia à situação do seu agregado familiar. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que os filhos do cônjuge ou do parceiro reconhecido pelo Estado‑Membro de acolhimento do trabalhador fronteiriço podem ser considerados filhos deste para poder beneficiar do direito a um auxílio financeiro para prosseguirem os seus estudos superiores, sendo esse auxílio considerado uma vantagem social, na aceção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011.

22      Nestas circunstâncias, o Conseil supérieur de la sécurité sociale (Conselho Superior da Segurança Social) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve a prestação familiar luxemburguesa, atribuída de acordo com os artigos 269.o e 270.o do [código, na sua versão aplicável a partir de 1 de agosto], ser equiparada a [uma vantagem] social na aceção do artigo 45.o TFUE e do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento [n.o 492/2011]?

2)      Em caso de equiparação, a definição de familiar aplicável por força do artigo 1.o, alínea i), do Regulamento n.o 883/2004 opõe‑se à definição mais ampla de membro da família do artigo 2.o, [ponto 2], da Diretiva [2004/38], tendo em conta que esta última exclui qualquer autonomia do Estado‑Membro na definição de membro da família, contrariamente ao que é consagrado pelo regulamento de coordenação e exclui, a título subsidiário, qualquer conceito de encargo principal. Deve, por conseguinte, a definição de familiar, na aceção do artigo 1.o, alínea i), do Regulamento n.o 883/2004, prevalecer, tendo em conta a sua especificidade no contexto de uma coordenação dos regimes de segurança social, e, sobretudo, mantêm os Estados‑Membros a competência para definir os membros da família com direito à prestação familiar?

3)      Em caso de aplicação do artigo 2.o, [ponto2], da Diretiva [2004/38] às prestações familiares e, mais concretamente, à prestação familiar luxemburguesa, a exclusão do filho do cônjuge da definição de membro da família pode ser considerada uma discriminação indireta justificada pelo objetivo nacional do Estado‑Membro de consagrar o direito pessoal da criança e pela necessidade de proteger a administração do Estado‑Membro de emprego, tendo em conta que o alargamento do âmbito pessoal de aplicação constitui um encargo excessivo para o sistema de prestações familiares luxemburguesas, que exporta, nomeadamente, quase 48 % das suas prestações familiares?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

23      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 45.o TFUE e o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 devem ser interpretados no sentido de que uma prestação familiar ligada ao exercício, por um trabalhador fronteiriço, de uma atividade por conta de outrem num Estado‑Membro constitui uma vantagem social, na aceção destas disposições.

24      Convém recordar que o artigo 45.o, n.o 2, TFUE dispõe que a livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação, em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados‑Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho. Esta disposição é concretizada no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011, que precisa que o trabalhador nacional de um Estado‑Membro beneficia, no território dos outros Estados‑Membros, das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais (Acórdão de 2 de março de 2017, Eschenbrenner, C‑496/15, EU:C:2017:152, n.o 32).

25      Resulta do objetivo da igualdade de tratamento prosseguido pelo artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 que o conceito de «vantagem social», alargado por esta disposição aos trabalhadores nacionais de outros Estados‑Membros, engloba todas as vantagens que, ligadas ou não a um contrato de trabalho, são geralmente reconhecidas aos trabalhadores nacionais, em razão principalmente da sua qualidade objetiva de trabalhadores e pelo simples facto de residirem no território nacional, e cujo alargamento aos trabalhadores nacionais de outros Estados‑Membros se afigura assim apta a facilitar a sua mobilidade no interior da União e, portanto, a sua integração no Estado‑Membro de acolhimento (Acórdão de 18 de dezembro de 2019, Generálny riaditeľ Sociálnej poisťovne Bratislava e o., C‑447/18, EU:C:2019:1098, n.o 47 e jurisprudência aí referida).

26      O Tribunal de Justiça considerou que o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 beneficia indistintamente tanto os trabalhadores migrantes que residem num Estado‑Membro de acolhimento como os trabalhadores fronteiriços que exercem uma atividade assalariada neste último Estado‑Membro mas residem noutro Estado‑Membro (Acórdãos de 15 de dezembro de 2016, Depesme e o., C‑401/15 a C‑403/15, EU:C:2016:955, n.o 37, e de 18 de dezembro de 2019, Generálny riaditeľ Sociálnej poisťovne Bratislava e o., C‑447/18, EU:C:2019:1098, n.o 41).

27      O artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 beneficia assim um trabalhador, como FV, que, embora trabalhando no Luxemburgo, reside em França.

28      Por conseguinte, há que verificar se uma prestação a prestação familiar em causa no processo principal está abrangida pelo conceito de «vantagem social», na aceção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011.

29      A este respeito, a referência feita por esta disposição às vantagens sociais não pode ser interpretada restritivamente (Acórdão de 18 de dezembro de 2019, Generálny riaditeľ Sociálnej poisťovne Bratislava e o., C‑447/18, EU:C:2019:1098, n.o 46 e jurisprudência referida).

30      Ora, no caso em apreço, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que a prestação familiar em causa no processo principal, que constitui uma vantagem, está ligada, no caso de um trabalhador fronteiriço como FV, ao exercício de uma atividade assalariada no Luxemburgo. A referida prestação só foi inicialmente concedida a FV na medida em que este era um trabalhador fronteiriço sujeito à legislação luxemburguesa.

31      Essa prestação constitui, assim, uma vantagem social na aceção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011.

32      Tendo em conta as considerações anteriores, há que responder à primeira questão que o artigo 45.o TFUE e o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 devem ser interpretados no sentido de que uma prestação familiar ligada ao exercício, por um trabalhador fronteiriço, de uma atividade por conta de outrem num Estado‑Membro constitui uma vantagem social, na aceção destas disposições.

 Quanto à segunda e terceira questões

33      Com a sua segunda e terceira questões, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, alínea i), do Regulamento n.o 883/2004, lido em conjugação com o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 e com o artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva 2004/38, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições de um Estado‑Membro nos termos das quais os trabalhadores fronteiriços só podem receber uma prestação familiar ligada ao exercício, por estes, de uma atividade assalariada num Estado‑Membro para os seus próprios filhos, com exclusão dos filhos do seu cônjuge, com os quais não têm uma relação de filiação, ao passo que o direito de receber essa prestação existe em relação a todos os filhos que residem nesse Estado.

34      No que respeita à aplicabilidade do Regulamento n.o 883/2004 a factos como os que estão em causa no processo principal, há que verificar se uma prestação como a prestação familiar em causa no processo principal está abrangida pelo âmbito de aplicação material deste regulamento.

35      A este respeito, cabe recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a distinção entre prestações abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 883/2004 e prestações dele excluídas reside essencialmente nos elementos constitutivos de cada prestação, nomeadamente nas suas finalidades e nas condições de concessão, e não no facto de uma prestação ser ou não qualificada de prestação de segurança social pela legislação nacional (Acórdão de 18 de dezembro de 2019, Generálny riaditeľ Sociálnej poisťovne Bratislava e o., C‑447/18, EU:C:2019:1098, n.o 22 e jurisprudência aí referida).

36      Assim, uma prestação pode ser considerada uma prestação de segurança social na medida em que, por um lado, seja concedida aos beneficiários independentemente de qualquer apreciação individual e discricionária das necessidades pessoais, com base numa situação definida na lei, e, por outro, esteja relacionada com um dos riscos expressamente enumerados no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004 (Acórdão de 18 de dezembro de 2019, Generálny riaditeľ Sociálnej poisťovne Bratislava e o., C‑447/18, EU:C:2019:1098, n.o 23 e jurisprudência aí referida).

37      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as prestações concedidas automaticamente às famílias que preenchem determinados critérios objetivos respeitantes, nomeadamente, à sua dimensão, aos seus rendimentos e recursos de capital, independentemente de qualquer apreciação individual e discricionária das necessidades pessoais, e que visam compensar os encargos familiares, devem ser consideradas prestações de segurança social (Acórdãos de 14 de junho de 2016, Comissão/Reino Unido, C‑308/14, EU:C:2016:436, n.o 60, e de 21 de junho de 2017, Martinez Silva, C‑449/16, EU:C:2017:485, n.o 22).

38      Quanto à questão de saber se uma determinada prestação está abrangida pelas prestações familiares a que se refere o artigo 3.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento n.o 883/2004, há que salientar que, segundo o artigo 1.o, alínea z), deste regulamento, a expressão «prestação familiar» designa qualquer prestação em espécie ou pecuniária destinada a compensar os encargos familiares, com exclusão dos adiantamentos de pensões de alimentos e dos subsídios especiais de nascimento ou de adoção referidos no anexo I deste regulamento. O Tribunal de Justiça já declarou que a expressão «compensar os encargos familiares» deve ser interpretada no sentido de que tem em vista, nomeadamente, uma contribuição pública para o orçamento familiar, destinada a atenuar os encargos decorrentes do sustento dos filhos (Acórdão de 21 de junho de 2017, Martinez Silva, C‑449/16, EU:C:2017:485, n.o 23 e jurisprudência aí referida).

39      Quanto à prestação em causa no processo principal, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, por um lado, essa prestação é paga para todos os filhos residentes no Luxemburgo e para todos os filhos dos trabalhadores não residentes que tenham uma relação de filiação com estes últimos. Esta prestação é, consequentemente, concedida com base numa situação legalmente definida, independentemente de qualquer apreciação individual e discricionária das necessidades pessoais. Por outro lado, a referida prestação representa uma contribuição pública para o orçamento familiar destinada a atenuar os encargos decorrentes do sustento dos filhos.

40      Conclui‑se que uma prestação como a prestação familiar em causa no processo principal constitui uma prestação de segurança social abrangida pelas prestações familiares visadas no artigo 3.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento n.o 883/2004.

41      Além disso, um trabalhador como FV está abrangido pelo âmbito de aplicação pessoal do Regulamento n.o 883/2004, que se aplica, em conformidade com o seu artigo 2.o, n.o 1, aos nacionais de um Estado‑Membro residentes num Estado‑Membro que estejam ou tenham estado sujeitos à legislação de um ou mais Estados‑Membros, bem como aos seus familiares e sobreviventes.

42      Tendo em conta as considerações anteriores, o Regulamento n.o 883/2004 é aplicável a factos como os que estão em causa no processo principal.

43      Por outro lado, uma aplicação conjugada deste regulamento e do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 não pode ser excluída.

44      Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou que, embora seja verdade que o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO 1968, L 257, p. 2), e o Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 1408/71»), que foram respetivamente revogados e substituídos pelos Regulamentos n.os 492/2011 e 883/2004, não tenham o mesmo âmbito de aplicação ratione personae, não é menos certo que, dado que o Regulamento n.o 1612/68 possui alcance geral no que respeita à livre circulação dos trabalhadores, o artigo 7.o, n.o 2, deste regulamento pode ser aplicável às vantagens sociais que simultaneamente estão abrangidas pelo âmbito de aplicação específico do Regulamento n.o 1408/71 (Acórdão de 5 de maio de 2011, Comissão/Alemanha, C‑206/10, EU:C:2011:283, n.o 39; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 12 de maio de 1998, Martínez Sala, C‑85/96, EU:C:1998:217, n.o 27).

45      Assim, por exemplo, o Tribunal de Justiça considerou que uma prestação como um subsídio para educação, que visa compensar os encargos familiares, se inclui no domínio de aplicação ratione materiae do direito da União enquanto prestação familiar, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea h), do Regulamento n.o 1408/71, e enquanto vantagem social, na aceção do artigo 7.o, n.o 2, do artigo Regulamento n.o 1612/68 (v., neste sentido, Acórdão de 12 de maio de 1998, Martínez Sala, C‑85/96, EU:C:1998:217, n.os 27 e 28).

46      Estas considerações são válidas, mutatis mutandis, no que respeita aos Regulamentos n.os 883/2004 e 492/2011.

47      Por conseguinte, há que responder à segunda e terceira questões com base tanto no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 como no Regulamento n.o 883/2004.

48      No que respeita, em primeiro lugar, ao artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011, uma prestação como a prestação familiar em causa no processo principal constitui, como resulta do n.o 32 do presente acórdão, uma vantagem social, na aceção da referida disposição.

49      Além disso, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os membros da família de um trabalhador migrante são beneficiários indiretos da igualdade de tratamento concedida a esse trabalhador pelo artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 (v., por analogia, Acórdão de 15 de dezembro de 2016, Depesme e o., C‑401/15 a C‑403/15, EU:C:2016:955, n.o 40)

50      O Tribunal de Justiça declarou igualmente que o artigo 45.o TFUE e o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 devem ser interpretados no sentido de que se deve entender por filho de um trabalhador fronteiriço, que pode beneficiar indiretamente das vantagens sociais previstas nesta última disposição, não só o filho que tem uma relação de filiação com esse trabalhador mas também o filho do cônjuge ou do parceiro registado do referido trabalhador, quando este último prover ao sustento desse filho. Segundo o Tribunal de Justiça, esta última exigência resulta de uma situação de facto, cuja apreciação cabe à Administração e, se for caso disso, aos órgãos jurisdicionais nacionais, sem que seja necessário determinar os motivos desta contribuição ou calcular com precisão a sua dimensão (v., neste sentido, Acórdão de 15 de dezembro de 2016, Depesme e o., C‑401/15 a C‑403/15, EU:C:2016:955, n.o 64).

51      O Tribunal de Justiça considerou que o conceito de «membro da família» do trabalhador fronteiriço suscetível de beneficiar indiretamente da igualdade de tratamento, por força do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011, corresponde ao de «membro da família», na aceção do artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva 2004/38, que abrange o cônjuge ou o parceiro com o qual o cidadão da União tenha contraído uma união de facto registada, os descendentes diretos que tenham menos de 21 anos ou que estejam a cargo, e os descendentes diretos do cônjuge ou do parceiro. A este respeito, o Tribunal de Justiça teve em conta o considerando 1, o artigo 1.o e o artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2014/54 (v., neste sentido, Acórdão de 15 de dezembro de 2016, Depesme e o., C‑401/15 a C‑403/15, EU:C:2016:955, n.os 52 a 54).

52      No processo principal, decorre da decisão de reenvio que o pai biológico da criança não paga pensão de alimentos à mãe deste último. Parece, portanto, que FV, que é cônjuge da mãe de HY, provê ao sustento desta criança este filho, o que, todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

53      Assim, há que determinar se a regra que proíbe as discriminações em razão da nacionalidade no que respeita às vantagens sociais, enunciada no artigo 7.o do Regulamento n.o 492/2011, se opõe a disposições de um Estado‑Membro que impedem um trabalhador fronteiriço de receber uma prestação como a prestação familiar em causa no processo principal para o filho do seu cônjuge com o qual não tem uma relação de filiação.

54      A este respeito, o princípio da igualdade de tratamento inscrito tanto no artigo 45.o TFUE como no artigo 7.o do Regulamento n.o 492/2011 proíbe não só as discriminações diretas, em razão da nacionalidade, mas ainda todas as formas indiretas de discriminação que, por aplicação de outros critérios de distinção, conduzam, de facto, ao mesmo resultado (Acórdãos de 13 de abril de 2010, Bressol e o., C‑73/08, EU:C:2010:181, n.o 40; e de 10 de julho de 2019, Aubriet, C‑410/18, EU:C:2019:582, n.o 26; v., igualmente, por analogia, Acórdão de 14 de dezembro de 2016, Bragança Linares Verruga e o., C‑238/15, EU:C:2016:949, n.o 41).

55      No caso em apreço, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, por força da legislação nacional em causa no processo principal, todos as crianças residentes no Luxemburgo podem beneficiar da referida prestação familiar, o que implica que todas as crianças que fazem parte do agregado familiar de um trabalhador residente no Luxemburgo podem beneficiar da mesma prestação, incluindo os filhos do cônjuge desse trabalhador. Em contrapartida, os trabalhadores não residentes só podem invocar esse direito em relação aos seus próprios filhos, com exclusão dos filhos do seu cônjuge, com os quais não têm uma relação de filiação.

56      Uma distinção deste tipo, baseada na residência, que pode funcionar principalmente em detrimento dos cidadãos de outros Estados‑Membros, visto que os não residentes são na maioria das vezes não nacionais, constitui assim uma discriminação indireta com base na nacionalidade que só pode ser admitida se for objetivamente justificada (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2019, Aubriet, C‑410/18, EU:C:2019:582, n.o 28 e jurisprudência aí referida).

57      O facto de o direito à prestação familiar em causa no processo principal ser diretamente conferido pela legislação nacional em causa no processo principal às crianças residentes no Luxemburgo, ao passo que, no caso de trabalhadores não residentes, esse direito é conferido ao trabalhador, para os membros da sua família conforme definidos por essa legislação, é irrelevante a este respeito. Com efeito, decorre da jurisprudência que as prestações familiares não podem, pela sua própria natureza, ser consideradas devidas a um indivíduo independentemente da sua situação familiar (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de fevereiro de 2002, Humer, C‑255/99, EU:C:2002:73, n.o 50, e de 26 de novembro de 2009, Slanina, C‑363/08, EU:C:2009:732, n.o 31).

58      Para ser justificada, a referida discriminação indireta deve ser adequada para garantir a realização de um objetivo legítimo e não pode ir além do necessário para alcançar esse objetivo (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2019, Aubriet, C‑410/18, EU:C:2019:582, n.o 29).

59      O órgão jurisdicional de reenvio menciona, a este respeito, por um lado, o «objetivo nacional […] de consagrar o direito pessoal da criança» e, por outro, a «necessidade de proteger a administração do Estado‑Membro de emprego, tendo em conta que o alargamento do âmbito pessoal de aplicação constitui um encargo excessivo para o sistema de prestações familiares luxemburguesas, que exporta, nomeadamente, quase 48 % das suas prestações familiares».

60      No que respeita ao objetivo nacional de consagrar o direito pessoal da criança, esse objetivo não é suscetível de justificar a discriminação indireta em causa no processo principal.

61      Com efeito, como salientou a Comissão Europeia nas suas observações escritas, embora o direito à prestação familiar em causa no processo principal seja conferido pela legislação nacional em causa no processo principal diretamente à criança residente no Luxemburgo, no que se refere aos trabalhadores não residentes, este direito é conferido ao trabalhador, para os membros da sua família conforme definidos por essa legislação, a saber, as crianças que têm uma relação de filiação com esse trabalhador, com exclusão dos filhos do seu cônjuge, que não apresentam esse vínculo com ele. Por conseguinte, a legislação nacional em causa no processo principal não confere nenhum direito pessoal aos filhos dos trabalhadores não residentes.

62      No que respeita ao objetivo de proteger a Administração do Estado‑Membro de emprego, tendo em conta que o alargamento do âmbito pessoal de aplicação constitui um «encargo excessivo para o sistema de prestações familiares luxemburguesas», admitindo que este objetivo possa ser considerado legítimo, a discriminação indireta em causa no processo principal não é, em todo o caso, nem adequada nem necessária para resolver o alegado problema da exportação das prestações familiares luxemburguesas.

63      Com efeito, por um lado, ao conceder a prestação familiar em causa no processo principal a todos as crianças que tenham uma relação de filiação com os trabalhadores fronteiriços, sem que a existência de um agregado familiar comum ou de um encargo principal com o filho tenham de ser provados, o próprio legislador luxemburguês adotou uma interpretação ampla do círculo de beneficiários dessa prestação. Por outro lado, esse objetivo pode ser prosseguido através de medidas que afetem indistintamente os trabalhadores residentes e os trabalhadores fronteiriços.

64      Por conseguinte, o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 opõe‑se a disposições de um Estado‑Membro nos termos das quais os trabalhadores não residentes só podem receber uma prestação como a prestação familiar em causa no processo principal para os seus próprios filhos, com exclusão dos filhos do seu cônjuge, com os quais não têm uma relação de filiação, ao passo que todas as crianças residentes nesse Estado‑Membro têm o direito de receber essa prestação.

65      No que respeita, em segundo lugar, ao Regulamento n.o 883/2004, o seu artigo 67.o prevê que uma pessoa tem direito às prestações familiares nos termos da legislação do Estado‑Membro competente, incluindo para os seus familiares que residam noutro Estado‑Membro, como se estes últimos residissem no primeiro Estado‑Membro.

66      Em conformidade com o artigo 1.o, alínea i), do Regulamento n.o 883/2004, para efeitos deste regulamento, a expressão «membro da família» designa qualquer pessoa definida ou reconhecida como tal ou designada como membro do agregado familiar pela legislação nos termos da qual as prestações são concedidas.

67      Apoiando‑se nesta definição e no Acórdão de 22 de outubro de 2015, Trapkowski (C‑378/14, EU:C:2015:720), a CAE alega que cabe ao Estado‑Membro competente definir os membros da família para os quais existe um direito à prestação familiar. O legislador nacional é, portanto, competente para limitar o pagamento das prestações familiares apenas às crianças que tenham uma relação de filiação com o trabalhador.

68      A este respeito, inscrevendo‑se no objetivo do Regulamento n.o 883/2004, que consiste em assegurar uma coordenação entre regimes nacionais distintos sem organizar um regime comum de segurança social, é verdade que o Tribunal de Justiça declarou que as pessoas que têm direito às prestações familiares são determinadas em conformidade com o direito nacional (Acórdão de 22 de outubro de 2015, Trapkowski, C‑378/14, EU:C:2015:720, n.o 44).

69      Não é menos verdade que, no exercício dessa competência, os Estados‑Membros devem respeitar o direito da União, em particular as disposições relativas à liberdade dos trabalhadores (v., por analogia, Acórdão de 7 de dezembro de 2017, Zaniewicz‑Dybeck, C‑189/16, EU:C:2017:946, n.o 40).

70      Ora, o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011, que é a expressão particular, no domínio específico da concessão de vantagens sociais, da regra da igualdade de tratamento consagrada no artigo 45.o, n.o 2, TFUE e que deve ser interpretado da mesma forma que esta última disposição (Acórdãos de 15 de dezembro de 2016, Depesme e o., C‑401/15 a C‑403/15, EU:C:2016:955, n.o 35, e de 18 de dezembro de 2019, Generálny riaditeľSociálnej poisťovne Bratislava e o., C‑447/18, EU:C:2019:1098, n.o 39), opõe‑se, como se concluiu no n.o 64 do presente acórdão, a disposições de um Estado‑Membro nos termos das quais os trabalhadores não residentes só podem receber uma prestação como a prestação familiar em causa no processo principal para os seus próprios filhos, com exclusão dos filhos do seu cônjuge, com os quais não têm uma relação de filiação, ao passo que todas as crianças residentes nesse Estado‑Membro têm o direito de receber essa prestação.

71      Tendo em conta todas as considerações anteriores, há que responder à segunda e terceira questões que o artigo 1.o, alínea i), e o artigo 67.o do Regulamento n.o 883/2004, lidos em conjugação com o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 e com o artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva 2004/38, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a disposições de um Estado‑Membro nos termos das quais os trabalhadores fronteiriços só podem receber uma prestação familiar ligada ao exercício, por estes, de uma atividade assalariada nesse Estado‑Membro para os seus próprios filhos, com exclusão dos filhos do seu cônjuge, com os quais não têm uma relação de filiação mas dos quais proveem o respetivo sustento, ao passo que todas as crianças residentes nesse Estado‑Membro têm o direito de receber essa prestação.

 Quanto às despesas

72      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

1)      O artigo 45.o TFUE e o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União, devem ser interpretados no sentido de que uma prestação familiar ligada ao exercício, por um trabalhador fronteiriço, de uma atividade por conta de outrem num EstadoMembro constitui uma vantagem social, na aceção destas disposições.

2)      O artigo 1.o, alínea i), e o artigo 67.o do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, lidos em conjugação com o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 e com o artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos EstadosMembros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a disposições de um EstadoMembro nos termos das quais os trabalhadores fronteiriços só podem receber uma prestação familiar ligada ao exercício, por estes, de uma atividade assalariada nesse EstadoMembro para os seus próprios filhos, com exclusão dos filhos do seu cônjuge, com os quais não têm uma relação de filiação mas dos quais proveem o respetivo sustento, ao passo que todas as crianças residentes nesse EstadoMembro têm o direito de receber essa prestação.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.