Language of document : ECLI:EU:C:2021:592

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PRIIT PIKAMÄE

apresentadas em 14 de julho de 2021 (1)

Processo C262/21 PPU

A

contra

B

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein oikeus (Supremo Tribunal, Finlândia)]

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Âmbito de aplicação material — Conceito de “matérias civis” — Pedido de proteção internacional apresentado por um progenitor em nome da criança menor — Regulamento (UE) n.o 604/2013 — Decisão de transferência de uma criança menor para o Estado‑Membro responsável pela análise do pedido — Pedido de regresso — Deslocação ou retenção ilícitas de uma criança — Artigo 2.o, ponto 11 — Qualificação — Convenção de Haia de 1980 — Residência habitual — Via de facto»






I.      Introdução

1.        Pode uma decisão de transferência de uma criança menor tomada em aplicação do Regulamento (UE) n.o 604/2013 (2) na sequência de um pedido de proteção internacional apresentado em seu nome por um dos progenitores, sem consentimento do outro, ser abrangida pelo âmbito de aplicação material do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 (3) e, em caso afirmativo, constituir uma situação de rapto internacional dessa criança?

2.        Esta é uma das questões suscitadas pelo presente processo, cuja originalidade está em estabelecer uma ligação entre dois instrumentos jurídicos do direito da União com objeto e objetivos aparentemente bastante distintos e sobre a qual o Tribunal de Justiça deverá pronunciar‑se pela primeira vez.

II.    Quadro jurídico

A.      Convenção de Haia de 25 de outubro de 1980

3.        O artigo 3.o da Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, celebrada em Haia em 25 de outubro de 1980 (a seguir «Convenção de Haia de 1980»), dispõe:

«A deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando:

a)      Tenha sido efetivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção; e

b)      Este direito estiver a ser exercido de maneira efetiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.

O direito de custódia referido na alínea a) pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado.»

4.        O artigo 12.o dessa convenção enuncia:

«Quando uma criança tenha sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do artigo 3.o e tiver decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da deslocação ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respetiva deverá ordenar o regresso imediato da criança.

A autoridade judicial ou administrativa respetiva, mesmo após a expiração do período de 1 ano referido no parágrafo anterior, deve ordenar também o regresso da criança, salvo se for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo ambiente.

Quando a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido tiver razões para crer que a criança tenha sido levada para um outro Estado, pode então suspender o processo ou rejeitar o pedido para o regresso da criança.»

5.        O artigo 13.o da referida convenção tem a seguinte redação:

«Sem prejuízo das disposições contidas no artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar:

a)      Que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efetivamente o direito de custódia na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou

b)      Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.

A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar‐se a ordenar o regresso da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto.

Ao apreciar as circunstâncias referidas neste artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão ter em consideração as informações respeitantes à situação social da criança fornecidas pela autoridade central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado da residência habitual da criança.»

B.      Direito da União

1.      Regulamento n.o 2201/2003

6.        O considerando 5 do Regulamento n.o 2201/2003 refere o seguinte:

«A fim de garantir a igualdade de tratamento de todas as crianças, o presente regulamento abrange todas as decisões em matéria de responsabilidade parental, incluindo as medidas de proteção da criança, independentemente da eventual conexão com um processo matrimonial.»

7.        O considerando 10 do Regulamento n.o 2201/2003 dispõe:

«O presente regulamento não se destina a ser aplicável a matérias como as relativas à segurança social, às medidas públicas de caráter geral em matéria de educação e saúde ou às decisões sobre o direito de asilo e a imigração. […]»

8.        O considerando 17 do Regulamento n.o 2201/2003 enuncia:

«Em caso de deslocação ou de retenção ilícitas de uma criança, deve ser obtido sem demora o seu regresso; para o efeito, deverá continuar a aplicar‑se a [Convenção de Haia de 1980], completada pelas disposições do presente regulamento, nomeadamente o artigo 11.o Os tribunais do Estado‑Membro para o qual a criança tenha sido deslocada ou no qual tenha sido retida ilicitamente devem poder opor‑se ao seu regresso em casos específicos devidamente justificados. Todavia, tal decisão deve poder ser substituída por uma decisão posterior do tribunal do Estado‑Membro da residência habitual da criança antes da deslocação ou da retenção ilícitas. Se esta última decisão implicar o regresso da criança, este deverá ser efetuado sem necessidade de qualquer procedimento específico para o reconhecimento e a execução da referida decisão no Estado‑Membro onde se encontra a criança raptada.»

9.        O artigo 1.o do Regulamento n.o 2201/2003, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», tem a seguinte redação:

«1.      O presente regulamento é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas:

[…]

b)      À atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental.

2.      As matérias referidas na alínea b) do n.o 1 dizem, nomeadamente, respeito:

a)      Ao direito de guarda e ao direito de visita;

[…]»

10.      O artigo 2.o desse regulamento, sob a epígrafe «Definições», especifica:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

7.      “Responsabilidade parental”, o conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou coletiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor relativo à pessoa ou aos bens de uma criança. O termo compreende, nomeadamente, o direito de guarda e o direito de visita;

[…]

9.      “Direito de guarda”, os direitos e as obrigações relativos aos cuidados devidos à criança e, em particular, o direito de decidir sobre o seu lugar de residência;

[…]

11.      “Deslocação ou retenção ilícitas de uma criança”, a deslocação ou a retenção de uma criança, quando:

a)      Viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção; e

b)      No momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda estivesse a ser efetivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê‑lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção. Considera‑se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental.»

11.      O artigo 11.o do referido regulamento prevê:

«1.      Os n.os 2 a 8 são aplicáveis quando uma pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda pedir às autoridades competentes de um Estado‑Membro uma decisão, baseada na Convenção de Haia de 25 de outubro de 1980 […], a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida num Estado‑Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas.

[…]

4.      O tribunal não pode recusar o regresso da criança ao abrigo da alínea b) do artigo 13.o da Convenção de Haia de 1980, se se provar que foram tomadas medidas adequadas para garantir a sua proteção após o regresso.»

2.      Regulamento n.o 604/2013

12.      O artigo 12.o do Regulamento n.o 604/2013 dispõe:

«1.      Se o requerente for titular de um título de residência válido, o Estado‑Membro que o tiver emitido é responsável pela análise do pedido de proteção internacional.

[…]

3.      Se o requente for titular de vários títulos de residência ou de vários vistos válidos, emitidos por diferentes Estados‑Membros, o Estado‑Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional é, pela seguinte ordem:

a)      Os Estado‑Membro que tiver emitido o título de residência que confira o direito de residência mais longo ou, caso os títulos tenham períodos de validade idênticos, o Estado‑Membro que tiver emitido o título de residência cuja validade cesse mais tarde;

b)      O Estado‑Membro que tiver emitido o visto cuja validade cesse mais tarde, quando os vistos forem da mesma natureza;

c)      Em caso de vistos de natureza diferente, o Estado‑Membro que tiver emitido o visto com um período de validade mais longo ou, caso os períodos de validade sejam idênticos, o Estado‑Membro que tiver emitido o visto cuja validade cesse mais tarde.

[…]»

13.      De acordo com o artigo 29.o, n.o 1, desse regulamento:

«A transferência do requerente ou de outra pessoa referida no artigo 18.o, n.o 1, alíneas c) ou d), do Estado‑Membro requerente para o Estado‑Membro responsável efetua‑se em conformidade com o direito nacional do Estado‑Membro requerente, após concertação entre os Estados‑Membros envolvidos, logo que seja materialmente possível e, o mais tardar, no prazo de seis meses a contar da aceitação do pedido de tomada ou retomada a cargo da pessoa em causa por outro Estado‑Membro ou da decisão final sobre o recurso ou revisão, nos casos em que exista efeito suspensivo nos termos do artigo 27.o, n.o 3.

Se as transferências para o Estado‑Membro responsável forem efetuadas sob forma de uma partida controlada ou sob escolta, os Estados‑Membros devem garantir que são realizadas em condições humanas e no pleno respeito dos direitos fundamentais e da dignidade humana.

Se necessário, o Estado‑Membro requerente fornece ao requerente um salvo‑conduto. A Comissão adota atos de execução para o modelo deste salvo‑conduto. Esses atos de execução são adotados pelo procedimento de exame a que se refere o artigo 44.o, n.o 2.

O Estado‑Membro responsável informa o Estado‑Membro requerente da chegada da pessoa em causa ao destino, ou de que esta não se apresentou no prazo prescrito, consoante o caso.»

C.      Direito finlandês

14.      O regresso da criança rege‑se pela laki lapsen huollosta ja tapaamisoikeudesta 361/1983 (Lei sobre a Guarda das Crianças e o Direito de Visita), conforme alterada pela Lei 186/1994. As disposições dessa lei correspondem às disposições da Convenção de Haia de 1980.

III. Factos na origem do litígio, processo principal e questões prejudiciais

15.      Decorre da decisão de reenvio, bem como das respostas aos pedidos de documentos e de informações formulados pelo Tribunal de Justiça, que o litígio no processo principal opõe dois nacionais iranianos, progenitores de uma criança de 20 meses de idade.

16.      Em 2016, o pai e a mãe residiram na Finlândia. Nesse país, a mãe beneficiava de um título de residência devido à existência de laços familiares (o pai dispunha de um título de residência enquanto trabalhador por conta de outrem) por um período de quatro anos a contar de 28 de dezembro de 2017. Em maio de 2019, os progenitores mudaram‑se para a Suécia e a mãe obteve, nesse país, um título de residência familiar para o período compreendido entre 11 de março de 2019 e 16 de setembro de 2020. Em 5 de setembro de 2019, nasceu nesse país um filho de ambos, exercendo os progenitores conjuntamente o direito de guarda.

17.      Por Decisão de 11 de novembro de 2019, as autoridades suecas colocaram a mãe e a criança num centro de acolhimento na sequência de atos de violência doméstica de que a mãe foi objeto, decisão confirmada por Sentença de 17 de janeiro de 2020. Em 21 de novembro de 2019, o pai requereu para a criança um título de residência na Suécia com base no laço familiar entre ambos. Em 4 de dezembro seguinte, a mãe apresentou igualmente, para a criança, um pedido de título de residência na Suécia. Em 7 de agosto de 2020, a mãe apresentou às autoridades suecas competentes um pedido de proteção internacional para si e para a criança, invocando ter sido vítima de violência doméstica por parte do pai da criança e o risco de, no caso de regressar ao Irão, vir a ser vítima de violência em nome da honra por parte da família do pai. Em 27 de agosto de 2020, a República da Finlândia comunicou ao Reino da Suécia que, em aplicação do artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 604/2013, era responsável pela análise desse pedido.

18.      Em 27 de outubro de 2020, a autoridade sueca competente em matéria de imigração declarou inadmissível o pedido de asilo da mãe e da criança, arquivou o pedido de título de residência para a criança apresentado pelo pai com base no laço familiar e decidiu transferir a mãe e a criança para a Finlândia em aplicação do Regulamento n.o 604/2013. Em 24 de novembro seguinte, essa transferência foi efetuada em conformidade com o artigo 29.o do referido regulamento, o que implicou a revogação da decisão de tomada a cargo e de colocação da criança. Em 11 de janeiro de 2021, a mãe apresentou na Finlândia um pedido de asilo para si e para a criança, que está atualmente a ser apreciado.

19.      Em 7 de dezembro de 2020, o pai interpôs recurso da decisão de 27 de outubro de 2020 da autoridade sueca competente em matéria de imigração, no que se refere ao arquivamento do seu pedido de título de residência e à transferência da criança para a Finlândia. Por Decisão de 21 de dezembro de 2020, um órgão jurisdicional sueco anulou a referida decisão, pelo facto de o pai não ter sido ouvido, e devolveu o processo à referida autoridade. Ao reapreciar o processo, esta autoridade decidiu, em 29 de dezembro de 2020, arquivar os processos relativos à criança, dado que esta deixara o território nacional. Por Decisão de 6 de abril de 2021, na sequência do recurso interposto pelo pai em 19 de janeiro de 2021 da Decisão de 29 de dezembro de 2020, um órgão jurisdicional sueco negou provimento aos pedidos deste, nomeadamente ao relativo ao regresso da criança à Suécia em aplicação do Regulamento n.o 604/2013. De acordo com as informações comunicadas pela autoridade sueca competente em matéria de imigração, a criança não dispõe atualmente de um título de residência na Suécia, pelo que não pode entrar nesse país.

20.      Paralelamente, um órgão jurisdicional sueco, por despacho de medidas provisórias proferido em novembro de 2020, manteve o direito de guarda conjunto de ambos os progenitores. Por Sentença de 29 de abril de 2021, esse órgão jurisdicional declarou o divórcio dos progenitores, confiou à mãe a guarda exclusiva da criança com efeitos imediatos, indeferiu o pedido de visita apresentado pelo pai e declarou caducado o referido despacho de medidas provisórias.

21.      Em 21 de dezembro de 2020, o pai apresentou um requerimento no hovioikeus (Tribunal de Recurso) de Helsínquia (Finlândia) com vista a obter o regresso imediato da criança à Suécia, alegando que a mesma fora objeto de deslocação e retenção ilícitas. Por Decisão de 25 de fevereiro de 2021, o hovioikeus (Tribunal de Recurso) de Helsínquia negou provimento a esse requerimento. O pai recorreu desta decisão para o Korkein oikeus (Supremo Tribunal, Finlândia). Na apreciação desse recurso, este órgão jurisdicional decidiu, em 23 de abril de 2021, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 2.o, ponto 11, do Regulamento [n.o 2201/2003], relativo à deslocação ilícita de uma criança, ser interpretado no sentido de que a essa qualificação corresponde a situação em que um dos progenitores, sem o consentimento do outro, desloca a criança do seu Estado de residência para outro Estado‑Membro, que é o Estado‑Membro responsável em virtude de uma decisão de transferência tomada por uma autoridade em aplicação do Regulamento [n.o 604/2013]?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão, deve o artigo 2.o, ponto 11, do Regulamento [n.o 2201/2003], relativo à retenção ilícita, ser interpretado no sentido de que a essa qualificação corresponde a situação em que um órgão jurisdicional do Estado de residência da criança anulou a decisão de transferir a apreciação do processo tomada por uma autoridade, [o qual foi arquivado depois de a criança e a mãe terem deixado o seu Estado de residência,] mas em que a criança cujo regresso é [requerido] já não dispõe de [um título] de residência válid[o] no seu Estado de residência nem do direito de entrar ou de residir no Estado em causa? (4)

3)      Se, atendendo à resposta dada à primeira ou à segunda questão, o Regulamento [n.o 2201/2003] for de interpretar no sentido de que se trata de uma deslocação ou retenção ilícitas da criança, e que esta deveria, por conseguinte, ser reenviada para o seu Estado de residência, deve o artigo 13.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Convenção de Haia de 1980 ser interpretado no sentido de que obsta ao regresso da criança ou:

a)      Porque existe um risco grave, na aceção dessa disposição, de [que] o regresso de um bebé de que mãe tomou conta pessoalmente, se tiver de regressar sozinho, [o exponha] a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, [o coloque] numa situação intolerável; ou

b)      Porque a criança, no seu Estado de residência, seria tomada a cargo e colocada numa casa de acolhimento, sozinha ou com a mãe, o que indicaria que existe um risco grave, na aceção dessa disposição, de [que] o regresso da criança [a exponha] a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a [coloque] numa situação intolerável; ou ainda

c)      Porque a criança, sem [título] de residência válid[o], ficaria numa situação intolerável na aceção dessa disposição?

4)      Se, atendendo à resposta dada à terceira questão, for possível interpretar os fundamentos de recusa do artigo 13.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Convenção de Haia de 1980 no sentido de que existe um risco grave de [que] o regresso da criança a [exponha] a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a [coloque] numa situação intolerável, deve o artigo 11.o, n.o 4, do Regulamento [n.o 2201/2003], juntamente com o conceito de interesse superior da criança, a que se refere o artigo 24.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União [Europeia, a seguir “Carta”], bem como esse mesmo regulamento, ser interpretado no sentido de que, numa situação em que nem a criança nem a mãe têm [um título] de residência [válido] no Estado de residência da criança, e, portanto, não têm o direito de entrar nem de residir nesse país, o Estado de residência da criança deve tomar as medidas adequadas para garantir a residência regular da criança e da mãe no Estado‑Membro em causa?

Caso o Estado de residência da criança tenha essa obrigação, deve o princípio da confiança mútua entre Estados‑Membros ser interpretado no sentido de que o Estado que entrega a criança pode, em conformidade com esse princípio, presumir que o Estado de residência da criança cumprirá essas obrigações, ou exigirá o interesse da criança que se obtenham esclarecimentos por parte das autoridades do Estado de residência sobre as medidas concretas que foram ou serão tomadas para sua proteção, a fim de o Estado‑Membro que entrega a criança poder nomeadamente apreciar a adequação dessas medidas na perspetiva do interesse da criança?

5)      Caso o Estado de residência da criança não tenha a obrigação, referida supra, na quarta questão prejudicial, de tomar as medidas adequadas, deve, à luz do artigo 24.o da [Carta], o artigo 20.o da Convenção de Haia de 1980, nas situações a que se referem as alíneas [a)] a [c)] da terceira questão prejudicial, ser interpretado no sentido de que obsta ao regresso da criança porque esse regresso poderia, na aceção dessa disposição, ser considerado contrário aos princípios fundamentais relativos à proteção dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais?»

IV.    Tramitação processual no Tribunal de Justiça

22.      O órgão jurisdicional de reenvio requereu que o reenvio prejudicial fosse submetido à tramitação urgente prevista no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. A Primeira Secção do Tribunal de Justiça decidiu, em 12 de maio de 2021, sob proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, deferir esse requerimento.

23.      Em 21 de maio de 2021, o órgão jurisdicional de reenvio respondeu ao pedido de informações informal que lhe foi dirigido pelo Tribunal de Justiça. Por articulado de 31 de maio de 2021, o Governo sueco respondeu às questões escritas colocadas pelo Tribunal de Justiça e apresentou os documentos pedidos por este.

24.      A recorrida no processo principal, o Governo finlandês e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Estas mesmas partes e o recorrente no processo principal foram ouvidos na audiência de alegações, em 28 de junho de 2021.

V.      Análise

A.      Quanto à primeira e segunda questões

1.      Observações preliminares

25.      Em primeiro lugar, decorre do enunciado das duas primeiras questões prejudiciais que o órgão jurisdicional de reenvio se interroga, em substância, sobre as consequências de uma decisão de transferência de uma criança e da sua mãe, tomada em aplicação do Regulamento n.o 604/2013, para a qualificação como «deslocação ou retenção ilícitas», tal como definida no artigo 2.o, ponto 11, do Regulamento n.o 2201/2003. As duas questões encerram, por isso, uma interrogação comum, pelo que considero adequado analisá‑las conjuntamente.

26.      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio submeteu as referidas questões relativas à interpretação do artigo 2.o, ponto 11, do Regulamento n.o 2201/2003 partindo da premissa de que esta norma é aplicável ao litígio no processo principal, o que a recorrida no processo principal, apoiada pela Comissão, contesta. Uma vez que a aplicabilidade das disposições do Regulamento n.o 2201/2003 suscita dificuldades e foi objeto de controvérsia na audiência no Tribunal de Justiça, importa verificar se uma situação como a descrita na decisão de reenvio está abrangida pelo âmbito de aplicação desse regulamento (5). Em caso de resposta afirmativa, haverá que analisar os critérios constitutivos da qualificação como «deslocação ou retenção ilícitas».

2.      Quanto à aplicabilidade do Regulamento n.o 2201/2003

27.      A recorrida no processo principal, apoiada pela Comissão, alega que, por um lado, a aplicação do Regulamento n.o 604/2013 é do domínio do exercício do poder público pelos Estados‑Membros que é alheio às questões de direito civil regidas pelo Regulamento n.o 2201/2003 e, por outro, as decisões relativas ao direito de asilo e à imigração estão expressamente excluídas do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 2201/2003.

28.      Afigura‑se difícil subscrever tal análise. De facto, importa salientar que o Regulamento n.o 2201/2003 se aplica, de acordo com o seu artigo 1.o, n.o 1, alínea b), às matérias civis relativas à atribuição, ao exercício, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental. Neste quadro, o Tribunal de Justiça decidiu, reiteradamente, que o conceito de «matérias civis» deve ser concebido, não de modo estrito, mas como um conceito autónomo de direito da União que abrange, em especial, todos os pedidos, medidas ou decisões em matéria de «responsabilidade parental», incluindo, à luz do considerando 5 do Regulamento n.o 2201/2003, os que visam a proteção da criança (6). Na linha desta abordagem extensiva, o Tribunal de Justiça incluiu igualmente no conceito de «matérias civis» medidas de proteção que, mesmo do ponto de vista do direito dos Estados‑Membros, são de direito público (7). Por conseguinte, tal conceção de «matérias civis» pressupõe que se verifique se, independentemente da sua qualificação, uma medida contribui, pela sua natureza, para a proteção da criança.

29.      Tendo em conta estes elementos, considero que, nas circunstâncias específicas do caso em apreço, a transferência da criança efetuada em aplicação do Regulamento n.o 604/2013 está abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 2201/2003. De facto, a decisão de transferência deve ser compreendida, não de forma isolada, mas no quadro da globalidade do processo no qual se insere. Daqui decorre que a transferência não pode ser dissociada do pedido de proteção internacional, no qual tem a sua origem direta. Ora, no presente caso, o pedido de proteção internacional tem como objeto (8) assegurar à criança um estatuto permanente que a proteja de um perigo com o qual pode ser confrontada. Consequentemente, este pedido constitui realmente uma medida de proteção da criança, enquadrando‑se, por isso, nas «matérias civis» na aceção do artigo 1.o do Regulamento n.o 2201/2003.

30.      Afigura‑se que tal conclusão não é posta em causa pelo considerando 10 do Regulamento n.o 2201/2003, nos termos do qual este regulamento «não se destina» a ser aplicável «às decisões sobre o direito de asilo e a imigração». Da leitura deste texto, deduzo que, ao utilizar as palavras «não se destina» (9), o legislador da União não pretendeu excluir de forma sistemática das «matérias civis» todas as decisões relativas ao direito de asilo. Tal análise é, de resto, conforme com a abordagem extensiva adotada pelo Tribunal de Justiça, que, à luz do considerando 5 do referido regulamento, incluiu nas «matérias civis» as medidas de proteção da criança de direito público.

31.      Além dos termos do referido considerando 10, que é, em todo o caso, desprovido de valor jurídico vinculativo (10), não decorre das disposições do Regulamento n.o 2201/2003 que as decisões relativas ao direito de asilo estão, por princípio, excluídas do âmbito de aplicação desse regulamento. Em apoio desta análise, observo que essas decisões não constam do artigo 1.o, n.o 3, do referido regulamento, que enumera taxativamente as matérias excluídas do âmbito de aplicação deste regulamento (11). Além disso, não se pode argumentar com o facto de o artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2201/2003 não mencionar, entre as matérias civis, as decisões relativas ao direito de asilo. De facto, como já decidiu o Tribunal de Justiça, a utilização do advérbio «nomeadamente» no artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2201/2003 implica que a enumeração constante dessa disposição tem caráter indicativo (12).

32.      Atendendo a todas estas considerações, entendo, contrariamente ao que sustentam a Comissão e a recorrida no processo principal, que as decisões relativas ao direito de asilo são abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 2201/2003, desde que revistam, como no presente caso, o caráter de medida de proteção da criança.

 3.      Quanto à qualificação como «deslocação ou retenção ilícitas»

33.      De acordo com a lógica descrita anteriormente, há que analisar cada um dos critérios que permitem qualificar como «ilícitas» a deslocação ou a retenção de uma criança e verificar, atendendo às circunstâncias do caso em apreço, se essas condições estão reunidas.

34.      A este respeito, o artigo 2.o, ponto 11, do Regulamento n.o 2201/2003, cujos termos se aproximam muito dos do artigo 3.o da Convenção de Haia de 1980, engloba a deslocação e a retenção ilícitas na mesma definição. Apoiando‑se nessa definição, o Tribunal de Justiça esclareceu que a existência de uma deslocação ou de uma retenção ilícitas na aceção do artigo 2.o, ponto 11, do referido regulamento pressupõe que a criança tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da sua deslocação ou da sua retenção e resulta da violação do direito de guarda atribuído por força da legislação desse Estado‑Membro (13). Daqui decorre que a qualificação como «deslocação ou retenção ilícitas» assenta essencialmente nos dois conceitos cumulativos de residência habitual da criança e de violação do direito de guarda. Para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, importa, por isso, analisar sucessivamente cada um destes conceitos.

 a)      Quanto à residência habitual da criança

35.      No Regulamento n.o 2201/2003, o conceito de «residência habitual» surge sob dois ângulos diferentes. Por um lado, de acordo com o artigo 2.o, ponto 11, e com o artigo 11.o desse regulamento, constitui um elemento‑chave da qualificação como «deslocação ou retenção ilícitas» e do mecanismo de regresso da criança previsto para tal hipótese. Por outro, no quadro dos artigos 8.o a 10.o do referido regulamento, reveste o caráter de critério geral de competência jurisdicional (14). Dito isto, uma vez que o conceito de «residência habitual» deve ter um significado uniforme no Regulamento n.o 2201/2003, o Tribunal de Justiça decidiu que a interpretação desse conceito no quadro dos artigos 8.o e 10.o desse regulamento é transponível para o artigo 2.o, ponto 11, e para o artigo 11.o desse mesmo regulamento (15).

36.      Importa salientar que o Regulamento n.o 2201/2003 não contém nenhuma definição de «residência habitual», ainda que a utilização deste adjetivo implique que a residência da criança tem uma certa estabilidade ou regularidade (16), nem remete expressamente para o direito dos Estados‑Membros. O Tribunal de Justiça deduziu destes elementos que o conceito de «residência habitual» devia ser objeto de interpretação autónoma, tendo em conta o contexto das disposições do Regulamento n.o 2201/2003 e o objetivo prosseguido por este, nomeadamente o que resulta do considerando 12, segundo o qual o referido regulamento foi elaborado em função do interesse superior da criança e, em particular, do critério da proximidade (17).

37.      Nesta base, o Tribunal de Justiça decidiu que a residência habitual da criança, na aceção do Regulamento n.o 2201/2003, corresponde ao lugar onde, à luz das circunstâncias específicas de cada caso concreto, se situa o centro da sua vida (18). Assim, no âmbito desta abordagem concreta, há que tomar em consideração, além da presença física da criança no território de um Estado‑Membro, os fatores suscetíveis de indicar que esta presença não tem, de modo nenhum, caráter temporário ou ocasional e traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar estável (19). Para tal, importa, em cada caso concreto, tomar em consideração um conjunto de indícios concordantes, como a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência da criança no território dos diferentes Estados‑Membros em causa, o lugar e as condições da sua escolarização, bem como as relações familiares e sociais da criança nos referidos Estados‑Membros (20).

38.      Por outro lado, quando, como no caso em apreço, se trate de uma criança de tenra idade, o Tribunal de Justiça decidiu que a avaliação da integração da criança num ambiente social e familiar não pode descurar as circunstâncias relativas à residência das pessoas de quem a criança depende (21). De facto, o ambiente no qual uma criança de tenra idade se desenvolve é essencialmente familiar e determinado pela ou pelas pessoas de referência com as quais a criança vive, que a guardam efetivamente e que dela cuidam (22) — regra geral, os seus progenitores. Consequentemente, quando essa criança viva diariamente com os seus progenitores, a determinação da sua residência habitual implica a do lugar onde estes vivem de forma estável e onde estão integrados num ambiente social e familiar (23). Para determinar esse lugar, importa analisar uma série de elementos factuais que incluem, de forma não exaustiva, a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência dos progenitores no ou nos Estados‑Membros em causa, os seus conhecimentos linguísticos, as suas origens geográficas e familiares, bem como as relações familiares e sociais que possuem. Estes indícios de natureza objetiva podem, se for caso disso, ser completados com a tomada em consideração da intenção dos progenitores titulares do direito de guarda de se estabelecerem com a criança num determinado lugar quando ela reflita a realidade da integração dos progenitores e, portanto, da criança num ambiente social e familiar (24).

39.      Assim, como salientou o advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no processo UD, o Tribunal de Justiça desenvolveu uma abordagem dita «híbrida», segundo a qual a residência habitual da criança é determinada com base, por um lado, em fatores objetivos que caracterizam a residência da criança e, por outro, em circunstâncias relativas à residência dos progenitores, bem como nas intenções destes quanto ao local de residência da criança (25). Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, com base nesses elementos, se a criança tinha a sua residência habitual na Suécia imediatamente antes da sua deslocação ou da sua retenção ilícitas alegadas, tendo em conta todas as circunstâncias de facto específicas do caso em apreço.

40.      Dito isto, e para fornecer elementos úteis ao órgão jurisdicional de reenvio, observo, quanto à qualificação como «deslocação ilícita», que a criança e a sua mãe foram transferidas para a Finlândia em 24 de novembro de 2020. Ora, antes dessa deslocação, a criança residia na Suécia desde 5 de setembro de 2019, data do seu nascimento, enquanto os seus progenitores, titulares do direito de guarda, viviam neste país desde maio de 2019 e aí dispunham de um título de residência. Daqui decorre que, sem prejuízo de elementos complementares de que o órgão jurisdicional de reenvio disponha, se afigura ponto assente que, antes da deslocação, a residência habitual da criança se situava na Suécia.

41.      Em contrapartida, do ponto de vista da qualificação como «retenção», não se afigura, de modo nenhum, adquirido, à luz dos critérios suprarreferidos, que a criança mantinha a sua residência habitual na Suécia imediatamente antes da retenção ilícita alegada. Como já sublinhei, a residência habitual de uma criança de tenra idade está estreitamente ligada à das pessoas de referência com as quais a criança vive, que a guardam efetivamente e que dela cuidam. Ora, decorre dos elementos comunicados ao Tribunal de Justiça que, devido às decisões tomadas pelas autoridades suecas na sequência do comportamento do pai, a criança já praticamente não tem contacto com este e vive com a mãe. Observo, por outro lado, que a deslocação da criança para a Finlândia, na sequência de uma decisão de transferência imediatamente executória, tem origem no pedido de proteção internacional apresentado pela mãe em nome da criança e que, desde a sua transferência, esta reside neste país (26) com a mãe e não tem o direito de entrar nem de permanecer na Suécia. Afigura‑se que tais elementos que atestam a fixação da criança na Finlândia podem ser utilmente tidos em conta na determinação da residência habitual desta e revelam‑se decisivos para concluir pela inexistência de qualquer retenção ilícita.

 b)      Quanto à violação do direito de guarda

42.      Resulta do artigo 2.o, ponto 11, do Regulamento n.o 2201/2003 que a deslocação ou a retenção da criança é ilícita quando viole o exercício efetivo do direito de guarda atribuído por força da legislação do Estado‑Membro onde a criança residia imediatamente antes da sua deslocação ou da sua retenção. Por outras palavras, o caráter ilícito da deslocação ou da retenção de uma criança para efeitos de aplicação do Regulamento n.o 2201/2003 pressupõe necessariamente a existência de um direito de guarda, conferido pela legislação nacional aplicável, em violação do qual essa deslocação ou essa retenção ocorreu.

43.      No presente caso, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a deslocação da criança, ocorrida no quadro de uma transferência para o Estado‑Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional, e a sua manutenção nesse Estado são suscetíveis de constituir uma violação do direito de guarda. Para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, é necessário não apenas esclarecer os contornos do conceito de «direito de guarda», mas sobretudo definir de forma mais ampla o conceito de «violação» desse direito. Quanto a este último aspeto, refiro, antes de mais, que o facto de a deslocação da criança resultar da aplicação do Regulamento n.o 604/2013 parece demonstrar que a violação do direito de guarda pressupõe necessariamente a prática de uma via de facto imputável ao autor da deslocação ou da retenção ilícitas.

 1)      Exercício efetivo do direito de guarda

44.      Com base na definição dada no artigo 2.o, ponto 9, do Regulamento n.o 2201/2003, o Tribunal de Justiça declarou que o conceito de «direito de guarda» constitui um conceito autónomo que deve ser objeto de interpretação uniforme e que, para efeitos de aplicação do referido regulamento, o direito de guarda abrange, de qualquer modo, o direito de o seu titular decidir sobre o lugar de residência da criança (27). Embora o conceito de «direito de guarda» seja definido pelo direito da União, o artigo 2.o, ponto 11, do Regulamento n.o 2201/2003 remete a designação do titular desse direito para a legislação do Estado‑Membro no qual a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da sua deslocação ou da sua retenção. De facto, nos termos do referido artigo, o caráter lícito ou não da deslocação ou da retenção de uma criança depende de um «direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção». Consequentemente, a atribuição do direito de guarda, seja aos dois progenitores, seja a um deles, é regida apenas pelo direito do Estado‑Membro de origem.

45.      Decorre destes elementos que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se o pai dispunha de um direito de guarda que lhe conferia o direito de decidir sobre o lugar de residência da criança, atribuído pelo Estado‑Membro no qual esta tinha a sua residência habitual imediatamente antes da sua deslocação ou da sua retenção. Quanto a este aspeto, observo que, de acordo com os elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe, o direito de guarda era detido conjuntamente pelo pai e pela mãe até à prolação da Sentença de 29 de abril de 2021, pela qual um tribunal sueco atribuiu à mãe a guarda exclusiva da criança, com efeitos imediatos (28).

46.      A este primeiro critério jurídico relativo à existência do direito de guarda acresce um segundo, mais factual. De acordo com o artigo 2.o, ponto 11, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003, a deslocação ou a retenção apenas revestem um caráter ilícito se o direito de guarda estivesse «a ser efetivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê‑lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção». Esta condição suplementar é lógica, dado que a qualificação como «deslocação ou retenção ilícitas» implica a aplicação do mecanismo de regresso imediato da criança previsto no Regulamento n.o 2201/2003. Ora, numa situação caracterizada por um direito de guarda reduzido à sua existência teórica, sem ou com poucas concretizações, a execução de um processo de regresso imediato não estaria em conformidade com o objetivo de proteção dos interesses fundamentais da criança prosseguido pelo referido regulamento.

47.      Tanto quanto é do meu conhecimento, o Tribunal de Justiça ainda não teve oportunidade de esclarecer expressamente o significado do critério relativo ao exercício efetivo do direito de guarda. Contudo, nas Conclusões que apresentou no processo UD, o advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe propôs uma definição, pela negativa, desse conceito ao salientar «que o progenitor que não tem a guarda efetiva da criança (mesmo sendo titular da responsabilidade parental) só faz parte do seu ambiente familiar se a criança mantiver contactos regulares com ele» (29). Por outro lado, observo que este conceito de «exercício efetivo do direito de guarda» consta igualmente da Convenção de Haia de 1980, cujo artigo 3.o define a deslocação ou a retenção ilícitas em termos praticamente idênticos aos utilizados no artigo 2.o, ponto 11, do Regulamento n.o 2201/2003. Ora, resulta do relatório explicativo da referida convenção que o caráter efetivo do direito de guarda, que deve ser verificado à luz das circunstâncias específicas de cada caso concreto, deve ser entendido em sentido lato (30) e corresponde às situações em que o detentor da guarda presta cuidados à pessoa da criança, mesmo que, concretamente, mas por razões legítimas, estes não vivam juntos (31).

48.      Deduzo destes elementos que um progenitor exerce efetivamente o direito de guarda quando preste cuidados à pessoa da criança e mantenha laços regulares com esta. No entanto, os contornos desse critério devem ser analisados e aplicados com prudência e rigor, de modo a prevenir qualquer utilização abusiva deste para efeitos de justificação da deslocação ou da retenção da criança, sob pena de frustrar o objetivo de proteção do interesse superior da criança prosseguido pelo Regulamento n.o 2201/2003. No âmbito da sua avaliação, o órgão jurisdicional de reenvio deverá ter em conta o facto de, apenas dois meses após o seu nascimento, a criança ter sido objeto de uma decisão de tomada a cargo e de colocação, juntamente com a mãe, num lar de acolhimento devido ao comportamento violento do pai e de, desde esse acontecimento, este apenas ter mantido, de acordo com as autoridades suecas, ligações ocasionais com a criança.

 2)      Prática de uma via de facto imputável à mãe da criança

49.      Para realçar esta última condição, importa remeter para a interpretação do conceito de «deslocação ilícita» adotada pela Convenção de Haia de 1980 e pelo Regulamento n.o 2201/2003. Quanto à referida convenção, saliento, à semelhança da Comissão, que, de acordo com o n.o 11 do Relatório Explicativo da Convenção de Haia de 1980, «as situações consideradas decorrem da prática de vias de facto para criar ligações artificiais de competência judicial internacional, com vista a obter a guarda de uma criança». Esta consideração é explicitada nos n.os 12 a 15 desse relatório explicativo, dos quais resulta, em substância, que a deslocação ilícita, que tem como consequência retirar a criança do ambiente familiar e social no qual a sua vida decorria, tem como objetivo obter das autoridades do país para onde a criança foi levada o direito de guarda sobre esta. Por outras palavras, ao tentar obter ligações mais ou menos artificiais de competência judicial, o autor ou o instigador da deslocação ilícita pretende obter o reconhecimento jurídico da via de facto que praticou.

50.      Uma conceção idêntica da deslocação ou da retenção ilícitas emerge igualmente da análise dos acórdãos do Tribunal de Justiça relativos à interpretação do Regulamento n.o 2201/2003. Assim, o Tribunal de Justiça salientou «que a deslocação ilícita de uma criança, na sequência de uma decisão unilateral de um dos seus progenitores, priva a criança, na maior parte dos casos, da possibilidade de manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com o outro progenitor» (32). Seguindo a mesma lógica, o Tribunal de Justiça considerou que as disposições do Regulamento n.o 2201/2003, nomeadamente as relativas ao regresso imediato da criança, têm como finalidade que «um dos progenitores não possa reforçar a sua posição quanto à questão da guarda da criança subtraindo‑se, por uma via de facto, à competência dos órgãos jurisdicionais em princípio designados, em conformidade com as regras previstas designadamente por esse regulamento, para decidir sobre a responsabilidade parental relativamente a esta última» (33).

51.      Decorre destas considerações que a violação do direito de guarda, que implica deslocação ou retenção ilícitas, é entendida da mesma maneira na Convenção de Haia de 1980 e no Regulamento n.o 2201/2003. Na aceção destes dois textos, a violação do direito de guarda consiste essencialmente num comportamento ilícito que permite ao progenitor responsável pela deslocação da criança ou pela sua retenção contornar as regras de competência judicial internacional. Deduzo de todos estes elementos que a caracterização de uma deslocação ou de uma retenção ilícitas não depende, contrariamente ao que afirma o Governo finlandês, apenas da verificação puramente material, objetiva, de que a criança foi deslocada ou retida fora do seu lugar de residência habitual sem o consentimento do titular ou cotitular do direito de guarda. É para tal necessário que a violação do direito de guarda deste decorra da prática de uma via de facto imputável ao progenitor responsável pela deslocação ou pela retenção da criança e destinada, ignorando o interesse superior da criança, a conceder a este progenitor um benefício prático ou jurídico em detrimento do outro progenitor.

52.      A particularidade do presente caso reside no facto de a deslocação da criança ter ocorrido no quadro de uma decisão, tomada em aplicação do Regulamento n.o 604/2013, de transferência do interessado e da sua mãe para o Estado‑Membro responsável pela análise dos pedidos de proteção internacional apresentados por esta. A este respeito, importa sublinhar que, nos termos do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32/UE (34), todo o indivíduo adulto dotado de capacidade jurídica tem o direito de apresentar um pedido de proteção internacional em seu próprio nome. Quanto aos menores, o artigo 7.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 prevê que estes têm o direito de apresentar um pedido de proteção internacional em seu próprio nome nos Estados‑Membros que conferem aos menores a capacidade de estar, por si, em juízo, e têm, em todos os Estados‑Membros vinculados por esta diretiva, o direito de apresentar um pedido de proteção internacional através de um representante adulto, como um progenitor ou outro membro adulto da família. Resulta destas disposições que a legislação da União não se opõe a que vários membros de uma família apresentem, cada um, um pedido de proteção internacional nem a que um deles apresente o seu pedido igualmente em nome de um membro da família que é menor (35).

53.      De acordo com o artigo 20.o do Regulamento n.o 604/2013, o processo de determinação do Estado‑Membro responsável tem início a partir do momento da apresentação desse pedido. Segundo o n.o 3 desse artigo, a situação do menor que acompanhe o requerente e corresponda à definição de membro da família é indissociável da situação do seu membro da família e é da competência do Estado‑Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional desse membro da família, mesmo que o menor não seja requerente, desde que seja no interesse superior do menor. O Tribunal de Justiça decidiu que, na falta de prova em contrário, esta disposição estabelece uma presunção de que é do interesse superior da criança tratar a situação desta de forma indissociável da dos seus progenitores (36).

54.      A autoridade nacional competente à qual esse pedido de proteção internacional seja apresentado é chamada, não a confiar a responsabilidade da análise de um pedido de proteção internacional a um Estado‑Membro designado à conveniência do requerente, mas antes a aplicar os critérios de responsabilidade fixados pelo legislador da União no capítulo III do Regulamento n.o 604/2013 para determinar o Estado‑Membro responsável pela análise do referido pedido, tendo em conta o interesse superior da criança (37). Com base nesses critérios de designação, o Estado‑Membro ao qual tenha sido apresentado o pedido de proteção internacional pode requerer a outro Estado‑Membro que proceda à tomada a cargo ou à retomada a cargo do requerente nas condições previstas nos artigos 21.o, 23.o e 24.o do Regulamento n.o 604/2013. Se o Estado requerido considerar, após as verificações previstas nos artigos 22.o e 25.o desse regulamento, que é responsável pela análise do pedido de proteção internacional, o requerente é, de acordo com o artigo 26.o do referido regulamento, objeto de uma decisão de transferência para esse Estado.

55.      Essa decisão é, sem prejuízo do exercício das vias de recurso previstas no artigo 27.o do Regulamento n.o 604/2013, vinculativa para o requerente, que, nas condições previstas no artigo 28.o, n.o 2, do referido regulamento, pode ser objeto de retenção com vista a garantir o procedimento de transferência quando exista um risco importante de que a pessoa fuja. Por força do artigo 29.o desse mesmo regulamento, a transferência deve ser executada logo que seja materialmente possível e, o mais tardar, no prazo de seis meses a contar da aceitação da tomada a cargo pelo Estado‑Membro requerido.

56.      Resulta desta análise que a aplicação dos critérios objetivos de designação previstos no Regulamento n.o 604/2013 implica que o requerente que não resida no Estado‑Membro responsável pelo pedido de proteção internacional seja objeto de um procedimento de transferência vinculativo. Nestas condições, a transferência de uma criança efetuada em aplicação do artigo 29.o do Regulamento n.o 604/2013 na sequência do pedido de proteção internacional apresentado para ela por apenas um dos progenitores titulares do direito de guarda, igualmente visado na decisão de transferência, não pode constituir, em si mesma, uma violação desse direito na aceção do 2.o, ponto 11, do Regulamento n.o 2201/2003. De facto, nesse caso, a deslocação da criança não decorre da prática de uma via de facto imputável a esse progenitor, mas da execução de uma regulamentação distinta cuja aplicação se impõe tanto aos Estados‑Membros como aos requerentes de proteção internacional.

57.      Contudo, o mesmo não acontece no caso de, a coberto de um pedido de proteção internacional apresentado para a criança e para si próprio, um dos progenitores pretender, na realidade, praticar uma via de facto para contornar as regras de competência judicial previstas no Regulamento n.o 2201/2003 (38). Embora, em todo o caso, a apreciação da existência ou não de uma via de facto seja da competência do juiz nacional ao qual cabe analisar todas as circunstâncias específicas do caso em apreço, não se afigura, com base nas informações comunicadas pelo órgão jurisdicional de reenvio e pelas partes, que tal comportamento ilícito esteja demonstrado (39).

58.      De facto, de acordo com as informações constantes da decisão de reenvio, não resulta de nenhum elemento de facto que a mãe tenha abusado do procedimento de pedido de asilo para contornar as regras de competência judicial previstas no Regulamento n.o 2201/2003 (40). Importa sublinhar que, depois de já ter pedido, em 4 de dezembro de 2019, um título de residência para a criança na Suécia, a mãe solicitou, em 7 de agosto de 2020, a concessão, por esse mesmo país, do estatuto de proteção internacional para si própria e para o filho. O facto de a mãe não ter informado o pai da criança sobre o pedido de proteção internacional apresentado às autoridades suecas e suas consequências não constitui, em si mesmo, prova de uma intenção fraudulenta por parte desta, visto que, além disso, esse comportamento se insere num contexto de medo relacionado com violência doméstica anterior. Como sublinha o órgão jurisdicional de reenvio, a mãe apresentou ainda um pedido de guarda exclusiva num órgão jurisdicional sueco em 2 de setembro de 2020, data na qual a autoridade competente em matéria de imigração já lhe comunicara que a República da Finlândia era responsável pelo seu pedido de proteção internacional e pelo da criança. Acresce que, embora a mãe se tenha deslocado voluntariamente para a Finlândia, a verdade é que essa deslocação ocorreu em execução de uma decisão vinculativa de transferência contra a qual não se pode considerar que aquela estava obrigada a usar a faculdade de interpor recurso (41), muito menos que podia evitá‑la.

59.      Em conformidade com essa decisão de transferência, a mãe e a criança permaneceram, em seguida, ininterruptamente na Finlândia, Estado‑Membro ao qual cabe analisar os pedidos de proteção internacional, estando o processo atualmente a decorrer e tendo‑se realizado, em 27 de maio de 2021, uma entrevista com a mãe da criança. Há que observar que não foi efetuado nenhum pedido nem foi adotada nenhuma decisão de retomada a cargo da mãe e da criança na Suécia, mantendo os interessados a situação jurídica de requerentes de proteção internacional a residir na Finlândia, Estado responsável pela análise dos seus pedidos. Por Sentença de 6 de abril de 2021, transitada em julgado em 12 de maio do mesmo ano, de acordo com a recorrida no processo principal, um órgão jurisdicional administrativo sueco indeferiu o pedido apresentado pelo pai da criança para obter o regresso desta com base no Regulamento n.o 604/2013. Por último, importa salientar que nem a mãe nem a criança dispõem atualmente de um título de residência na Suécia e que um órgão jurisdicional deste Estado‑Membro competente em matéria de direito da família confiou à mãe a guarda exclusiva da criança e indeferiu o pedido de direito de visita apresentado pelo pai.

60.      Considero que estas circunstâncias são de molde a excluir uma violação do direito de guarda e, portanto, as qualificações como «deslocação ou retenção ilícitas».

 B.      Quanto à terceira, quarta e quinta questões

61.      Por último, saliento que a terceira, quarta e quinta questões prejudiciais têm por objeto as condições nas quais um órgão jurisdicional ao qual seja apresentado um pedido de regresso pode indeferi‑lo, em aplicação do artigo 13.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Convenção de Haia de 1980 e do artigo 11.o, n.o 4, do Regulamento n.o 2201/2003, para assegurar a proteção da criança.

62.      Decorre da própria formulação do pedido de decisão prejudicial que essas questões têm um caráter condicional. Colocam‑se apenas no caso de a resposta dada às duas primeiras questões permitir considerar que as circunstâncias do processo principal implicam a qualificação como «deslocação ou retenção ilícitas» da criança na aceção do artigo 2.o, ponto 11, do referido regulamento. Ora, como foi exposto nas presentes conclusões de forma que, na minha opinião, não deixa margem para dúvidas, essa qualificação não pode ser acolhida. Por conseguinte, não há que responder à terceira, quarta e quinta questões prejudiciais. Saliento, de resto, que a confirmação da existência de uma decisão judicial, evocada pela recorrida no processo principal na audiência, que negou provimento ao recurso interposto pelo pai da Sentença de 29 de abril de 2021, que atribuiu à mãe a guarda exclusiva do filho de ambos, permite encerrar, no órgão jurisdicional de reenvio, a questão relativa ao regresso deste à Suécia.

VI.    Conclusão

Face ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Korkein oikeus (Supremo Tribunal, Finlândia), da seguinte forma:

O Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que uma situação, como a do processo principal, na qual uma criança e a sua mãe tenham entrado e permanecido num Estado‑Membro em execução de uma decisão de transferência tomada pela autoridade competente do Estado‑Membro de origem, em conformidade com o Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, não pode ser considerada uma deslocação ou uma retenção ilícitas, na aceção do artigo 2.o, ponto 11, do Regulamento n.o 2201/2003, a não ser que se demonstre que, a coberto de um pedido de proteção internacional apresentado para a criança, a mãe praticou uma via de facto para contornar as regras de competência judicial previstas no Regulamento n.o 2201/2003, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar atendendo a todas as circunstâncias específicas do caso em apreço.


1      Língua original: francês.


2      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31).


3      Regulamento do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 (JO 2003, L 338, p. 1).


4      É aqui retomada a formulação da segunda questão prejudicial, tal como especificada pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua resposta de 21 de maio de 2021 ao pedido de informações informal que lhe foi dirigido pelo Tribunal de Justiça.


5      V., neste sentido, Acórdãos de 18 de dezembro de 2014, McCarthy e o. (C‑202/13, EU:C:2014:2450, n.o 30); de 25 de julho de 2018, Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:584, n.o 67); e de 12 de março de 2020, VW (Direito de acesso a um advogado em caso de não comparência) (C‑659/18, EU:C:2020:201, n.os 22 e 23).


6      V., neste sentido, Acórdãos de 27 de novembro de 2007, C (C‑435/06, EU:C:2007:714, n.os 46 a 51); de 21 de outubro de 2015, Gogova (C‑215/15, EU:C:2015:710, n.o 26); e de 19 de setembro de 2018, C.E. e N.E. (C‑325/18 PPU e C‑375/18 PPU, EU:C:2018:739, n.o 55).


7      V., neste sentido, Acórdãos de 27 de novembro de 2007, C (C‑435/06, EU:C:2007:714, n.os 34, 50 e 51); de 2 de abril de 2009, A (C‑523/07, EU:C:2009:225, n.os 24, 27 a 29); e de 26 de abril de 2012, Health Service Executive (C‑92/12 PPU, EU:C:2012:255, n.os 60 e 61).


8      No Acórdão de 21 de outubro de 2015, Gogova (C‑215/15, EU:C:2015:710, n.o 28), o Tribunal de Justiça decidiu que, para determinar se um pedido é abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 2201/2003, há que atender ao objeto do pedido. Saliento que, no presente caso, quase que basta atender à redação do pedido em causa.


9      Formulação que deve ser distinguida da formulação, mais imperativa, «não é aplicável».


10      Acórdão de 25 de novembro de 2020, Istituto nazionale della previdenza sociale (Prestações familiares para residentes de longa duração) (C‑303/19, EU:C:2020:958, n.o 26).


11      Acórdão de 13 de outubro de 2016, Mikołajczyk (C‑294/15, EU:C:2016:772, n.o 29). Recordo, além disso, no que respeita aos termos do considerando 10 do Regulamento n.o 2201/2003, que o preâmbulo de um ato da União não só não tem valor jurídico vinculativo, como não pode ser invocado para derrogar as próprias disposições do ato em causa nem para interpretar essas disposições em sentido manifestamente contrário à sua letra [Acórdão de 25 de novembro de 2020, Istituto nazionale della previdenza sociale (Prestações familiares para residentes de longa duração) (C‑303/19, EU:C:2020:958, n.o 26)].


12      V., neste sentido, Acórdão de 27 de novembro de 2007, C (C‑435/06, EU:C:2007:714, n.o 30).


13      V. Acórdão de 9 de outubro de 2014, C (C‑376/14 PPU, EU:C:2014:2268, n.o 47).


14      Para mais elementos sobre esta distinção, v. Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo OL (C‑111/17 PPU, EU:C:2017:375, n.os 44 a 51).


15      V. Acórdãos de 9 de outubro de 2014, C (C‑376/14 PPU, EU:C:2014:2268, n.o 54), e de 8 de junho de 2017, OL (C‑111/17 PPU, EU:C:2017:436, n.o 41).


16      V. Acórdãos de 22 de dezembro de 2010, Mercredi (C‑497/10 PPU, EU:C:2010:829, n.o 44), e de 17 de outubro de 2018, UD (C‑393/18 PPU, EU:C:2018:835, n.o 45).


17      V. Acórdãos de 2 de abril de 2009, A (C‑523/07, EU:C:2009:225, n.os 34 e 35); de 22 de dezembro de 2010, Mercredi (C‑497/10 PPU, EU:C:2010:829, n.os 44 a 46); de 9 de outubro de 2014, C (C‑376/14 PPU, EU:C:2014:2268, n.o 50); de 8 de junho de 2017, OL (C‑111/17 PPU, EU:C:2017:436, n.o 40); de 28 de junho de 2018, HR (C‑512/17, EU:C:2018:513, n.o 40); e de 17 de outubro de 2018, UD (C‑393/18 PPU, EU:C:2018:835, n.o 45).


18      V. Acórdão de 28 de junho de 2018, HR (C‑512/17, EU:C:2018:513, n.os 41 e 42).


19      V., neste sentido, Acórdãos de 2 de abril de 2009, A (C‑523/07, EU:C:2009:225, n.os 37 e 38); de 22 de dezembro de 2010, Mercredi (C‑497/10 PPU, EU:C:2010:829, n.os 44, 47 a 49); de 9 de outubro de 2014, C (C‑376/14 PPU, EU:C:2014:2268, n.o 51); de 8 de junho de 2017, OL (C‑111/17 PPU, EU:C:2017:436, n.os 42 e 43); e de 28 de junho de 2018, HR (C‑512/17, EU:C:2018:513, n.o 41).


20      V., neste sentido, Acórdãos de 2 de abril de 2009, A (C‑523/07, EU:C:2009:225, n.o 39), e de 28 de junho de 2018, HR (C‑512/17, EU:C:2018:513, n.o 43).


21      V. Acórdão de 22 de dezembro de 2010, Mercredi (C‑497/10 PPU, EU:C:2010:829, n.os 53 a 55).


22      V. Acórdão de 8 de junho de 2017, OL (C‑111/17 PPU, EU:C:2017:436, n.o 45).


23      V. Acórdão de 28 de junho de 2018, HR (C‑512/17, EU:C:2018:513, n.o 45).


24      V. Acórdãos de 2 de abril de 2009, A (C‑523/07, EU:C:2009:225, n.o 40), e de 8 de junho de 2017, OL (C‑111/17 PPU, EU:C:2017:436, n.os 46 e 47).


25      V. Conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no processo UD (C‑393/18 PPU, EU:C:2018:749, n.o 52).


26      De acordo com a mãe da criança, esta frequenta uma creche finlandesa durante o dia e já fala finlandês como uma criança da sua idade é capaz de fazer. No Acórdão de 9 de outubro de 2014, C (C‑376/14 PPU, EU:C:2014:2268, n.o 56), o Tribunal de Justiça esclareceu que a necessidade de assegurar a proteção do superior interesse da criança implicava a tomada em consideração de elementos de facto que demonstrem uma certa integração da criança num ambiente social e familiar depois da sua deslocação.


27      V., neste sentido, Acórdão de 5 de outubro de 2010, McB. (C‑400/10 PPU, EU:C:2010:582, n.o 41).


28      Quanto à cessação da guarda conjunta, em 29 de abril de 2021, a mesma tem como consequência que a qualificação como «retenção ilícita» apenas poderia, em todo o caso, ser acolhida no que diz respeito ao período que teve início em 24 de novembro de 2020 e que terminou em 29 de abril de 2021.


29      V. Conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no processo UD (C‑393/18 PPU, EU:C:2018:749, n.o 94).


30      Uma análise das decisões identificadas na base Incadat (repertório da jurisprudência dos órgãos jurisdicionais dos Estados signatários da Convenção de Haia de 1980) mostra que esse sentido amplo do conceito de «exercício efetivo do direito de guarda» é adotado pelos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros.


31      Relatório Explicativo da Convenção de Haia de 1980, Perez‑Vera, E., n.os 72, 73 e 115 (https://assets.hcch.net/docs/a5fb103c‑2ceb‑4d17‑87e3‑a7528a0d368c.pdf).


32      Acórdãos de 23 de dezembro de 2009, Detiček (C‑403/09 PPU, EU:C:2009:810, n.o 56), e de 1 de julho de 2010, Povse (C‑211/10 PPU, EU:C:2010:400, n.o 64).


33      Acórdão de 8 de junho de 2017, OL (C‑111/17 PPU, EU:C:2017:436, n.o 63). V., no mesmo sentido, Acórdãos de 23 de dezembro de 2009, Detiček (C‑403/09 PPU, EU:C:2009:810, n.o 57), e de 9 de outubro de 2014, C (C‑376/14 PPU, EU:C:2014:2268, n.o 67). Nos Acórdãos de 1 de julho de 2010, Povse (C‑211/10 PPU, EU:C:2010:400, n.o 43), e de 24 de março de 2021, SS (C‑603/20 PPU, EU:C:2021:231, n.o 45), o Tribunal de Justiça emprega o termo comum de rapto, mais explícito e significativo, que é igualmente utilizado no título da Convenção de Haia de 1980.


34      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60).


35      V. Acórdão de 4 de outubro de 2018, Ahmedbekova (C‑652/16, EU:C:2018:801, n.os 53 a 55).


36      V., neste sentido, Acórdão de 23 de janeiro de 2019, M.A. e o. (C‑661/17, EU:C:2019:53, n.os 87 a 90).


37      V., neste sentido, Acórdão de 7 de junho de 2016, Ghezelbash (C‑63/15, EU:C:2016:409, n.o 54).


38      No Acórdão de 18 de dezembro de 2014, McCarthy e o. (C‑202/13, EU:C:2014:2450, n.o 54), o Tribunal de Justiça esclareceu que a prova de uma prática abusiva requer que se analise, pelo menos, se o interessado procurou obter uma vantagem resultante da regulamentação da União criando artificialmente as condições exigidas para a sua obtenção.


39      Afigura‑se, além disso, que a dificuldade objetiva relativa ao conhecimento e à compreensão do mecanismo complexo previsto no Regulamento n.o 604/2013 para efeitos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional, bem como a incerteza do resultado de tal procedimento, contribuem para que se conclua pelo caráter pouco realista de uma estratégia destinada a contornar as disposições dessa norma com vista à criação de ligações artificiais de competência judicial internacional.


40      V., neste sentido, Acórdão de 8 de junho de 2017, OL (C‑111/17 PPU, EU:C:2017:436, n.o 64).


41      No Acórdão de 7 de junho de 2016, Ghezelbash (C‑63/15, EU:C:2016:409, n.o 54), o Tribunal de Justiça esclareceu, de resto, que a interposição de um recurso nos termos do Regulamento n.o 604/2013 não pode ser equiparada ao forum shopping que o sistema de Dublim visa evitar.