Language of document : ECLI:EU:T:2021:639

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

29 de setembro de 2021 (*)

«Relações externas — Acordos internacionais — Acordo Euro‑Mediterrânico de Associação CE‑Marrocos — Acordo sob forma de Troca de Cartas sobre a alteração dos Protocolos n.° 1 e n.° 4 do Acordo Euro‑Mediterrânico — Decisão que aprova a celebração do Acordo — Recurso de anulação — Admissibilidade — Capacidade judiciária — Afetação direta — Afetação individual — Âmbito de aplicação territorial — Competência — Interpretação do direito internacional adotada pelo Tribunal de Justiça — Princípio da autodeterminação — Princípio do efeito relativo dos Tratados — Invocabilidade — Conceito de consentimento — Execução — Poder de apreciação — Limites — Manutenção dos efeitos da decisão impugnada»

No processo T‑279/19,

Frente Popular para a Libertação de Saguia elHamra e Rio de Oro (Frente Polisário), representada por G. Devers, advogado,

recorrente

contra

Conselho da União Europeia, representado por P. Plaza García e V. Piessevaux, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado por:

República Francesa, representada por A.‑L. Desjonquères, C. Mosser, J.‑L. Carré e T. Stehelin, na qualidade de agentes,

por

Comissão Europeia, representada por F. Castillo de la Torre, F. Clotuche‑Duvieusart, A. Bouquet e B. Eggers, na qualidade de agentes,

e por

Confederação Marroquina da Agricultura e do Desenvolvimento Rural (Comader), com sede em Rabat (Marrocos), representada por G. Forwood, N. Colin e A. Hublet, advogados,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.° TFUE e destinado à anulação da Decisão (UE) 2019/217 do Conselho, de 28 de janeiro de 2019, relativa à celebração do Acordo sob forma de Troca de Cartas entre a União Europeia e o Reino de Marrocos sobre a alteração dos Protocolos n.° 1 e n.° 4 do Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro (JO 2019, L 34, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada),

composto por: M. J. Costeira, presidente, D. Gratsias (relator), M. Kancheva, B. Berke e T. Perišin, juízes,

secretário: M. Marescaux, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 2 de março de 2021,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

A.      Contexto internacional

1        As evoluções do contexto internacional relativo à questão do Sara Ocidental podem ser resumidas da seguinte forma.

2        Em 14 de dezembro de 1960, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) adotou a Resolução 1514 (XV), intitulada «Declaração sobre a Concessão de Independência aos Países e Povos Coloniais», que enuncia designadamente que «[t]odos os povos têm o direito à autodeterminação[,] em virtude [do qual] podem determinar livremente o seu estatuto político e prosseguir livremente o seu desenvolvimento económico, social e cultural», que «[d]everão ser tomadas medidas imediatas em todos os territórios sob tutela e territórios não autónomos ou em quaisquer outros territórios que não tenham ainda alcançado a independência, de forma a transferir todos e quaisquer poderes para os povos desses territórios, sem nenhuma condição nem reserva, em conformidade com a sua vontade e desejo livremente expressos», e que «[t]odos os Estados deverão observar fielmente e estritamente a Carta das Nações Unidas [...] com base na igualdade, na não ingerência nos assuntos internos dos Estados, e no respeito pelos direitos soberanos de todos os povos e pela integridade territorial de todos os povos».

3        O Sara Ocidental é um território situado no noroeste de África, que foi colonizado pelo Reino de Espanha no final do século XIX e que se tinha tornado, à data da Resolução 1514 (XV), uma província espanhola. Em 1963, foi inscrito pela ONU na «lista preliminar de territórios aos quais a Declaração sobre a Concessão de Independência aos Países e Povos Coloniais se aplica [Resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral]», como território não autónomo administrado pelo Reino de Espanha, na aceção do artigo 73.° da Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco em 26 de junho de 1945. Ainda consta, na presente data, da lista de territórios não autónomos estabelecida pelo Secretário‑Geral da ONU com base nas informações comunicadas em aplicação do artigo 73.°, alínea e), dessa Carta.

4        Em 20 de dezembro de 1966, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução 2229 (XXI) sobre a questão do Ifni e do Sara espanhol, na qual «[r]eafirm[ou] o direito inalienável d[o] pov[o] [...] do Sara espanhol à autodeterminação em conformidade com a Resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral» e convidou o Reino de Espanha, enquanto potência administrante, a «adot[ar] o mais rapidamente possível [...] as modalidades de organização de um referendo sob os auspícios da [ONU] para permitir que a população autóctone do território exerça livremente o seu direito à autodeterminação».

5        Em 24 de outubro de 1970, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução 2625 (XXV), pela qual aprovou a «Declaração sobre os Princípios de Direito Internacional relativos às Relações Amigáveis e à Cooperação entre os Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas», cujo texto figura em anexo à referida resolução. Esta declaração «proclama solenemente», em especial, «o princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos». A respeito deste princípio, enuncia, nomeadamente, o seguinte:

«Em virtude do princípio da igualdade de direitos dos povos e do seu direito de dispor deles próprios, princípio consagrado na Carta das Nações Unidas, todos os povos têm o direito de determinar o seu estatuto político, em total liberdade e sem ingerência externa, e de prosseguir o seu desenvolvimento económico, social e cultural, e todos os Estados têm o dever de respeitar esse direito em conformidade com as disposições da Carta.

[…]

A criação de um Estado soberano e independente, a livre associação ou a integração num Estado independente ou a aquisição de qualquer outro estatuto político livremente decidido por um povo constituem para esse povo meios para exercer o seu direito a dispor dele próprio.

[…]

O território de uma colónia ou de outro território não autónomo possui, ao abrigo da Carta, um estatuto separado e distinto do estatuto do território do Estado que o administra; esse estatuto separado e distinto em virtude da Carta existirá enquanto o povo da colónia ou do território não autónomo não exercer o seu direito a dispor dele próprio, em conformidade com a Carta e, mais particularmente, os seus objetivos e princípios.»

6        A Frente Popular para a Libertação de Saguia el‑Hamra e do Rio de Oro (Frente Polisário) é uma organização criada em 10 de maio de 1973 no Sara Ocidental. Define‑se, no artigo 1.° dos seus estatutos, como um «movimento de libertação nacional» cujos membros «combate[m] pela independência total e pela recuperação da soberania do povo sarauí em todo o território da República Árabe Sarauí Democrática».

7        Em 20 de agosto de 1974, o Reino de Espanha informou a ONU de que se propunha organizar, sob os auspícios desta, um referendo no Sara Ocidental.

8        Em 13 de dezembro de 1974, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução 3292 (XXIX), pela qual decidiu, em especial, solicitar ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) um parecer consultivo sobre as seguintes perguntas:

«I. O Sara Ocidental (Rio de Oro e Sakiet El Hamra) era, no momento da sua colonização pela Espanha, um território de ninguém (terra nullius)?

Se a resposta à primeira pergunta for negativa,

II. Quais eram os vínculos jurídicos deste território com o Reino de Marrocos e a entidade mauritana?»

9        Em 16 de outubro de 1975, o TIJ proferiu o parecer consultivo (v. Sara Ocidental, Parecer Consultivo, CIJ Recueil 1975, p. 12, a seguir «Parecer Consultivo sobre o Sara Ocidental»). No n.° 162 deste parecer, considerou o seguinte:

«Os elementos e informações levados ao conhecimento do Tribunal mostram a existência, no momento da colonização espanhola, de vínculos jurídicos de vassalagem entre o sultão de Marrocos e algumas tribos que viviam no território do Sara Ocidental. Mostram igualmente a existência de direitos, incluindo certos direitos relativos à terra, que constituíam vínculos jurídicos entre a entidade mauritana, na aceção dada pelo Tribunal, e o território do Sara Ocidental. Em contrapartida, o Tribunal concluiu que os elementos e informações levados ao seu conhecimento não demonstram a existência de nenhum vínculo de soberania territorial entre o território do Sara Ocidental, por um lado, e o Reino de Marrocos ou a entidade mauritana, por outro. O Tribunal não declarou, portanto, a existência de vínculos jurídicos suscetíveis de alterar a aplicação da Resolução 1514 (XV) [da Assembleia Geral da ONU] quanto à descolonização do Sara Ocidental e, em particular, à aplicação do princípio da autodeterminação através da expressão livre e autêntica da vontade das populações do território.»

10      No n.° 163 do Parecer Consultivo sobre o Sara Ocidental, o TIJ declarou, em especial:

«[O Tribunal entende], [n]o que respeita à pergunta I, […] que o Sara Ocidental (Rio de Oro e Sakiet El Hamra) não era um território de ninguém (terra nullius) no momento da colonização pela Espanha; [...] no que respeita à pergunta II, […] que o território tinha, com o Reino de Marrocos, vínculos jurídicos que possuíam as características indicadas no n.° 162 do presente parecer [e] que o território tinha, com a entidade mauritana, vínculos jurídicos que possuíam as características indicadas no n.° 162 do presente parecer.»

11      Num discurso proferido no dia da publicação do Parecer Consultivo sobre o Sara Ocidental, o Rei de Marrocos declarou que «o mundo inteiro [tinha reconhecido] que o Sara [Ocidental] pertencia» ao Reino de Marrocos e que lhe «incumb[ia] recuperar pacificamente esse território», apelando, para o efeito, à organização de uma marcha.

12      Em 22 de outubro de 1975, a pedido do Reino de Espanha, o Conselho de Segurança da ONU adotou a Resolução 377 (1975), na qual «ped[iu] ao Secretário‑Geral [da ONU] que procede[sse] imediatamente a consultas com as partes em causa e interessadas» e «apel[ou] [a que estas] [fizessem] prova de ponderação e de moderação». Em 2 de novembro de 1975, adotou a Resolução 379 (1975), na qual «[i]nst[ou] todas as partes em causa e interessadas a evitar qualquer ação unilateral ou outra que p[udesse] ainda agravar a tensão na região» e «[s]olicit[ou] que o Secretário‑Geral se dign[asse] prosseguir e intensificar as suas consultas». Em 6 de novembro de 1975, na sequência do início da marcha anunciada pelo Rei de Marrocos, que reuniu 350 000 pessoas, e de estas terem atravessado a fronteira entre o Reino de Marrocos e o Sara Ocidental, o Conselho de Segurança da ONU adotou a Resolução 380 (1975), na qual, em especial, «[d]eplor[ou] a realização [da] marcha» e «pe[diu ao Reino de] Marrocos a retirada imediata do território do Sara Ocidental de todos os participantes na [referida] marcha».

13      Em 26 de fevereiro de 1976, o Reino de Espanha informou o Secretário‑Geral da ONU de que, a partir dessa data, punha fim à sua presença no Sara Ocidental e se considerava isento de qualquer responsabilidade de caráter internacional relativa à administração desse território. A lista dos territórios não autónomos referida no n.° 3, supra, faz referência, no que respeita ao Sara Ocidental, a esta declaração, que está reproduzida numa nota de pé de página.

14      Entretanto, eclodiu nessa região um conflito armado entre o Reino de Marrocos, a República Islâmica da Mauritânia e a Frente Polisário. Uma parte da população do Sara Ocidental fugiu a esse conflito e refugiou‑se nos campos situados em território argelino, perto da fronteira com o Sara Ocidental.

15      Em 14 de abril de 1976, o Reino de Marrocos celebrou com a República Islâmica da Mauritânia um tratado de partilha do território do Sara Ocidental e anexou a parte do território que lhe tinha sido atribuída por esse tratado. Em 10 de agosto de 1979, a República Islâmica da Mauritânia celebrou um acordo de paz com a Frente Polisário, por força do qual renunciou a qualquer reivindicação territorial sobre o Sara Ocidental. O Reino de Marrocos tomou o controlo do território evacuado pelas forças mauritanas e procedeu à sua anexação.

16      Em 21 de novembro de 1979, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução 34/37 sobre a questão do Sara Ocidental, na qual «[r]eafirm[ou] o direito inalienável do povo do Sara Ocidental à autodeterminação e à independência, em conformidade com a Carta da [ONU] [...] e com os objetivos da [sua] Resolução 1514 (XV)», «[d]eplor[ou] profundamente o agravamento da situação decorrente da persistente ocupação do Sara Ocidental por Marrocos», «inst[ou] Marrocos a comprometer‑se, também ele, com a dinâmica da paz e a pôr termo à ocupação do território do Sara Ocidental» e «recomend[ou], para esse efeito, que a [Frente Polisário], representante do povo do Sara Ocidental, particip[asse] plenamente na busca de uma solução política justa, duradoura e definitiva da questão do Sara Ocidental, em conformidade com as resoluções e declarações da [ONU]». A esta resolução seguiu‑se a Resolução 35/19, de 11 de novembro de 1980, no n.° 10 da qual a Assembleia Geral «[i]nst[ou] [...] Marrocos e a [Frente Polisário], representante do povo do Sara Ocidental, a encetarem negociações diretas para a resolução definitiva da questão do Sara Ocidental».

17      O conflito entre o Reino de Marrocos e a Frente Polisário prosseguiu até as partes aceitarem, em 30 de agosto de 1988, um acordo de princípio sobre as propostas de solução apresentadas, nomeadamente, pelo Secretário‑Geral da ONU e que previam, em particular, a proclamação de um cessar‑fogo e a organização de um referendo de autodeterminação sob a fiscalização da ONU.

18      Em 27 de junho de 1990, o Conselho de Segurança da ONU adotou a Resolução 658 (1990), na qual «[a]prov[ou] o relatório do Secretário‑Geral [da ONU] que contém [...] as propostas de resolução [referidas no n.° 17, supra] e uma exposição do plano [de execução destas]» e «[p]e[diu] às duas partes que cooper[assem] plenamente com o Secretário‑Geral [da ONU] e com o [p]residente em exercício da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da Organização de Unidade Africana no âmbito dos esforços por estes encetados com vista a uma rápida resolução da questão do Sara Ocidental». Em 29 de abril de 1991, o Conselho de Segurança adotou a Resolução 690 (1991) que institui a Missão das Nações Unidas para a organização de um Referendo no Sara Ocidental (MINURSO).

19      Atualmente, apesar das consultas e contactos organizados sob a égide da ONU, as partes não conseguiram resolver a situação no Sara Ocidental. O Reino de Marrocos controla a maior parte do território do Sara Ocidental, enquanto a Frente Polisário controla a outra parte, estando estas duas zonas separadas por um muro de areia edificado e vigiado pelo exército marroquino. Um número significativo de refugiados originários desse território vive ainda nos campos administrados pela Frente Polisário, no território argelino.

B.      Acordo de Associação e Acordo de Liberalização

20      Em 1 de março de 2000, entrou em vigor o Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro, assinado em Bruxelas a 26 de fevereiro de 1996 (JO 2000 L 70, p. 2, a seguir «Acordo de Associação»).

21      O artigo 1.°, n.° 1, do Acordo de Associação estipula:

«É criada uma associação entre a Comunidade e os seus Estados‑Membros, por um lado, e Marrocos, por outro.»

22      O artigo 1.°, n.° 2, do Acordo de Associação estipula:

«O presente acordo tem os seguintes objetivos:

–        proporcionar um enquadramento adequado para o diálogo político entre as partes, a fim de permitir o reforço das suas relações em todos os domínios que considerem pertinentes no âmbito desse diálogo,

–        estabelecer as condições de liberalização progressiva das trocas comerciais de bens, serviços e capitais,

–        desenvolver as trocas comerciais e assegurar o desenvolvimento de relações económicas e sociais equilibradas entre as partes, nomeadamente através do diálogo e da cooperação, a fim de favorecer o desenvolvimento e a prosperidade de Marrocos e do povo marroquino,

–        incentivar a integração magrebina, favorecendo as trocas comerciais e a cooperação entre Marrocos e os países da região,

–        promover a cooperação nos domínios económico, social, cultural e financeiro.»

23      O artigo 16.° do Acordo de Associação estipula:

«A Comunidade e Marrocos adotarão progressivamente uma maior liberalização das suas trocas comerciais recíprocas de produtos agrícolas e da pesca.»

24      O artigo 94.° do Acordo de Associação estipula:

«O presente acordo é aplicável, por um lado, aos territórios em que são aplicáveis os Tratados que instituem a Comunidade Europeia e a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, nos seus próprios termos, e, por outro, ao território do Reino de Marrocos.»

25      Foram celebrados vários protocolos ao Acordo de Associação. Em especial, o Protocolo n.° 1 é relativo aos regimes aplicáveis à importação na União Europeia de produtos agrícolas, de produtos agrícolas transformados, de peixe e de produtos da pesca originários do Reino de Marrocos (a seguir «Protocolo n.° 1»), ao passo que o Protocolo n.° 4 é relativo à definição da noção de «produtos originários» e aos métodos de cooperação administrativa (a seguir «Protocolo n.° 4»).

26      Em 13 de dezembro de 2010, a União e o Reino de Marrocos assinaram, em Bruxelas (Bélgica), o Acordo sob forma de Troca de Cartas respeitante às medidas de liberalização recíprocas em matéria de produtos agrícolas, de produtos agrícolas transformados, de peixe e de produtos da pesca, à substituição dos Protocolos n.os 1, 2 e 3 e seus anexos e às alterações do Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro (JO 2012, L 241, p. 4, a seguir «Acordo de Liberalização»). Em 8 de março de 2012, o Conselho da União Europeia adotou a Decisão 2012/497/UE, relativa à celebração do Acordo de Liberalização (JO 2012, L 241, p. 2).

27      Como resulta do Acordo de Liberalização e dos considerandos 1 a 3 da Decisão 2012/497, este acordo tem por objetivo implementar a liberalização progressiva das trocas comerciais de produtos agrícolas e de pesca prevista no artigo 16.° do Acordo de Associação. Em especial, o Acordo de Liberalização procedeu à substituição dos Protocolos n.os 1, 2 e 3 do Acordo de Associação pelos textos constantes dos seus Anexos I e II.

28      O artigo 2.°, n.° 2, do Protocolo n.° 4 do Acordo de Associação estipula:

«Para efeitos de aplicação do acordo, são considerados como produtos originários de Marrocos:

a)      Os produtos inteiramente obtidos em Marrocos, na aceção do artigo 5.°;

b)      Os produtos obtidos em Marrocos, em cuja fabricação sejam utilizadas matérias que aí não tenham sido inteiramente obtidas, desde que essas matérias tenham sido submetidas em Marrocos a operações de complemento de fabrico ou de transformação suficientes na aceção do artigo 6.°»

29      Nos termos do artigo 16.° do Protocolo n.° 4, os produtos originários de Marrocos, aquando da sua importação na União, beneficiam das disposições desse acordo, mediante a apresentação de uma das provas de origem enumeradas neste artigo.

C.      Litígios relacionados com o Acordo de Associação

1.      Processos T512/12 e C104/16 P

30      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de novembro de 2012 e registada sob o número T‑512/12, a recorrente, Frente Polisário, interpôs um recurso de anulação da Decisão 2012/497 (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Conselho/Frente Polisário, C‑104/16 P, EU:C:2016:973, n.° 38, a seguir «Acórdão Conselho/Frente Polisário»).

31      Em apoio do seu recurso nesse processo, a recorrente alegou, nomeadamente, um certo número de violações, pelo Conselho, das suas obrigações por força do direito internacional, com o fundamento de que este tinha aprovado, pela Decisão 2012/497, a aplicação do Acordo de Liberalização ao território do Sara Ocidental (Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.° 44).

32      Por Acórdão de 10 de dezembro de 2015, Frente Polisário/Conselho (T‑512/12, EU:T:2015:953), o Tribunal Geral anulou a Decisão 2012/497 na parte em que aprovava a aplicação do Acordo de Liberalização ao Sara Ocidental, com o fundamento de que o Conselho não tinha respeitado a sua obrigação de examinar, antes da adoção da Decisão 2012/497, todos os elementos do caso em apreço, uma vez que não verificou se a exploração dos produtos originários desse território exportados para a União não era feita em detrimento da população do referido território nem implicava uma violação dos direitos fundamentais das pessoas em causa (Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.os 47 e 48).

33      Em 19 de fevereiro de 2016, o Conselho interpôs recurso do Acórdão de 10 de dezembro de 2015, Frente Polisário/Conselho (T‑512/12, EU:T:2015:953).

34      Com o Acórdão Conselho/Frente Polisário, decidindo do recurso do Conselho, o Tribunal de Justiça anulou o Acórdão de 10 de dezembro de 2015, Frente Polisário/Conselho (T‑512/12, EU:T:2015:953), e julgou inadmissível o recurso interposto pela recorrente no Tribunal Geral.

35      A este respeito, por um lado, o Tribunal de Justiça julgou procedente o segundo fundamento do recurso, relativo ao erro de direito cometido pelo Tribunal Geral na análise da legitimidade da recorrente e, mais especificamente, a alegação de que o Tribunal Geral considerou erradamente que o Acordo de Liberalização se aplicava ao Sara Ocidental (Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.° 126).

36      Com efeito, em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça entendeu que, em conformidade com o princípio da autodeterminação, aplicável nas relações entre a União e o Reino de Marrocos, o Sara Ocidental, território não autónomo na aceção do artigo 73.° da Carta das Nações Unidas, gozava de um estatuto separado e distinto relativamente ao de qualquer Estado, incluindo o do Reino de Marrocos. O Tribunal de Justiça concluiu daí que os termos «território do Reino de Marrocos» constantes do artigo 94.° do Acordo de Associação não podem ser interpretados de modo tal que o Sara Ocidental seja incluído no âmbito de aplicação territorial desse acordo (Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.os 86 a 93).

37      Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça considerou que é igualmente necessário ter em conta a regra consuetudinária codificada no artigo 29.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1155, p. 331, a seguir «Convenção de Viena»), segundo a qual, salvo se o contrário resultar do Tratado ou tiver sido de outro modo estabelecido, a aplicação de um Tratado é extensiva à totalidade do território de cada uma das partes. Concluiu que esta regra consuetudinária se opunha, também ela, a que o Sara Ocidental fosse considerado abrangido pelo âmbito de aplicação do Acordo de Associação. No entanto, declarou que decorria igualmente da referida regra consuetudinária que um Tratado podia, por derrogação, vincular um Estado em relação a um outro território se essa intenção resultasse desse Tratado ou se for de outro modo estabelecida (Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.os 94 a 98).

38      Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça entendeu que o princípio de direito internacional geral do efeito relativo dos Tratados devia igualmente ser tido em consideração, uma vez que, enquanto «terceiro» no Acordo de Associação, na aceção deste princípio, o povo do Sara Ocidental podia ser afetado pela execução desse acordo em caso de inclusão do território do Sara Ocidental no seu âmbito de aplicação e devia consentir nessa execução. Ora, na falta de qualquer manifestação desse consentimento, o Tribunal de Justiça concluiu daí que o facto de considerar que o território do Sara Ocidental estava abrangido pelo âmbito de aplicação do Acordo de Associação era contrário ao princípio do efeito relativo dos Tratados (Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.os 100 a 107).

39      Em quarto lugar, declarando que o Acordo de Liberalização deve ser considerado um tratado subordinado ao Acordo de Associação, o Tribunal de Justiça deduziu daí que o Acordo de Liberalização não pode ser entendido no sentido de que se aplica ao território do Sara Ocidental, pelo que não era necessário incluir uma cláusula que excluísse essa aplicação. Segundo o Tribunal de Justiça, a prática do Conselho e da Comissão Europeia posterior à celebração do Acordo de Associação não pode pôr em causa esta análise, uma vez que equivaleria a considerar que a União pretendia executar o Acordo de Associação e o Acordo de Liberalização de uma maneira incompatível com os princípios da autodeterminação e do efeito relativo dos Tratados e, portanto, de forma inconciliável com o princípio da boa‑fé na execução dos Tratados (Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.os 110 a 125).

40      Por outro lado, o Tribunal de Justiça decidiu definitivamente o litígio. Declarou, a este respeito, que, uma vez que o Acordo de Liberalização devia ser interpretado, em conformidade com as regras pertinentes de direito internacional aplicáveis nas relações entre a União e o Reino de Marrocos, no sentido de que não se aplicava ao território do Sara Ocidental, devia considerar‑se, em todo o caso, que a recorrente, tendo em conta os argumentos que invocava, não tinha legitimidade para interpor um recurso de anulação da Decisão 2012/497, sem que fosse necessário examinar os outros fundamentos de inadmissibilidade do Conselho e da Comissão (Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.os 128 a 134).

2.      Processo C266/16

41      Por Decisão de 27 de abril de 2016, a High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção do Foro da Rainha (Secção Administrativa), Reino Unido], submeteu ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais que tinham por objeto, em substância, a validade, tendo em conta o artigo 3.°, n.° 5, TUE, de certos atos da União relativos aos acordos internacionais celebrados entre a União e o Reino de Marrocos no domínio da pesca, no âmbito do Acordo de Associação, atendendo à circunstância de permitirem a exploração dos recursos provenientes das águas adjacentes ao Sara Ocidental (Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Western Sahara Campaign UK UK, C‑266/16, EU:C:2018:118, n.os 1, 41 e 54, a seguir «Acórdão Western Sahara Campaign UK»).

42      Com base, designadamente, nas conclusões a que chegou no Acórdão Conselho/Frente Polisário (v. n.os 36 a 39, supra), o Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que os acordos internacionais em causa não eram aplicáveis ao território do Sara Ocidental e às águas adjacentes a este, o exame da primeira questão do órgão jurisdicional de reenvio não tinha revelado nenhum elemento suscetível de afetar a validade dos respetivos atos da União à luz do artigo 3.°, n.° 5, TUE (Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.° 85).

3.      Despachos nos processos T180/14, T275/18 e T376/18

43      Por Despachos de 19 de julho de 2018, Frente Polisário/Conselho (T‑180/14, não publicado, EU:T:2018:496), de 30 de novembro de 2018, Frente Polisário/Conselho (T‑275/18, não publicado, EU:T:2018:869), e de 8 de fevereiro de 2019, Frente Polisário/Conselho (T‑376/18, não publicado, EU:T:2019:77), o Tribunal Geral julgou inadmissíveis os recursos da recorrente interpostos de atos do Conselho relativos à celebração ou à alteração de diferentes acordos internacionais entre a União e o Reino de Marrocos.

44      Em especial, nos dois primeiros despachos referidos no n.° 43, supra, o Tribunal Geral baseou‑se nos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK para declarar a falta de legitimidade ativa da recorrente, devido a não aplicação dos acordos controvertidos ao Sara Ocidental ou às águas adjacentes (Despachos de 19 de julho de 2018, Frente Polisário/Conselho, T‑180/14, não publicado, EU:T:2018:496, n.os 69 a 71, e de 30 de novembro de 2018, Frente Polisário/Conselho, T‑275/18, não publicado, EU:T:2018:869, n.os 41 e 42).

45      No terceiro dos despachos referidos no n.° 43, supra, o Tribunal Geral considerou que, em conformidade com o artigo 218.°, n.os 3 e 4, TFUE, a Decisão do Conselho, de 16 de abril de 2018, que autoriza a abertura de negociações com o Reino de Marrocos com vista à alteração do Acordo de Parceria no domínio da pesca entre a Comunidade Europeia e o Reino de Marrocos e a celebração de um protocolo de execução do referido acordo, tinha apenas por objeto designar o negociador ou o chefe da equipa de negociação da União e dirigir‑lhes diretrizes. Tratava‑se, portanto, de um ato que não produzia efeitos jurídicos nas relações entre a União e os seus Estados‑Membros, bem como entre as instituições da União. O Tribunal Geral concluiu que essa decisão não produzia efeitos na situação jurídica da recorrente e que, portanto, não se podia considerar que a referida decisão lhe dizia diretamente respeito (Despacho de 8 de fevereiro de 2019, Frente Polisário/Conselho, T‑376/18, não publicado, EU:T:2019:77, n.os 28 e 29).

D.      Decisão impugnada e acordo controvertido

46      Na sequência do Acórdão Conselho/Frente Polisário, o Conselho autorizou, por Decisão de 29 de maio de 2017, a Comissão a encetar negociações, em nome da União, com o Reino de Marrocos, com vista à celebração de um acordo internacional que introduzisse alterações aos Protocolos n.° 1 e n.° 4.

47      No âmbito da autorização para encetar negociações concedida à Comissão, o Conselho pediu que esta última, por um lado, se assegurasse que as populações às quais dizia respeito o acordo internacional previsto fossem associadas de forma adequada e, por outro, que avaliasse as repercussões potenciais do referido acordo no desenvolvimento sustentável do Sara Ocidental, designadamente as vantagens para as populações locais e o impacto da exploração dos recursos naturais nos territórios em causa.

48      A Comissão fez constar o resultado das consultas e da análise que efetuou relativamente às questões referidas no n.° 47, supra, no seu Relatório de 11 de junho de 2018 sobre os benefícios para a população do Sara Ocidental, e sobre a consulta desta população, da extensão de preferências pautais aos produtos originários do Sara Ocidental (a seguir «Relatório de 11 de junho de 2018»). Esse relatório acompanha a proposta relativa à celebração do Acordo sob forma de Troca de Cartas entre a União Europeia e o Reino de Marrocos sobre a alteração dos Protocolos n.° 1 e n.° 4 do Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro [COM (2018) 481 final].

49      Em 25 de outubro de 2018, a União e o Reino de Marrocos assinaram, em Bruxelas, o Acordo sob forma de Troca de Cartas sobre a alteração dos Protocolos n.° 1 e n.° 4 do Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro (a seguir «acordo controvertido»).

50      Em 28 de janeiro de 2019, o Conselho adotou a Decisão (UE) 2019/217, relativa à celebração do Acordo sob forma de Troca de Cartas entre a União Europeia e o Reino de Marrocos sobre a alteração dos Protocolos n.° 1 e n.° 4 do Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro (JO 2019, L 34, p. 1, a seguir «decisão impugnada»).

51      Nos considerandos 3 a 10 da decisão impugnada, o Conselho indica:

«(3)      A União não conjetura o resultado do processo político sobre o estatuto final do Sara Ocidental que se desenrola sob a égide das Nações Unidas e continuou a reafirmar o seu empenhamento na resolução do diferendo no Sara Ocidental, inscrito pelas Nações Unidas na lista de territórios não autónomos, onde ainda figura atualmente, administrado hoje em dia, em grande parte, pelo Reino de Marrocos […]

(4)      Desde a entrada em vigor do Acordo de Associação, os produtos provenientes do Sara Ocidental e certificados de origem marroquina foram importados na União com as preferências pautais previstas nas disposições aplicáveis do referido Acordo.

(5)      No acórdão proferido no processo C‑104/16 P [...], o Tribunal de Justiça precisou, porém, que o Acordo de Associação abrangia apenas o território do Reino de Marrocos, e não o Sara Ocidental, território não autónomo.

(6)      É importante assegurar que os fluxos comerciais que foram desenvolvidos ao longo dos anos não sejam perturbados e estabelecer garantias adequadas para a proteção do direito internacional, incluindo os direitos humanos, e o desenvolvimento sustentável dos territórios em causa. Em 29 de maio de 2017, o Conselho autorizou a Comissão a encetar negociações com o Reino de Marrocos com vista ao estabelecimento, nos termos do acórdão do Tribunal da Justiça, de uma base jurídica para a concessão das preferências pautais previstas no Acordo de Associação aos produtos originários do Sara Ocidental. Um acordo entre a União Europeia e o Reino de Marrocos constitui o único meio de assegurar que a importação de produtos originários do Sara Ocidental beneficia de uma origem preferencial, uma vez que as autoridades marroquinas são as únicas capazes de assegurar a observância das regras necessárias à concessão desse tipo de preferências.

(7)      A Comissão avaliou as potenciais repercussões de um tal acordo para o desenvolvimento sustentável, nomeadamente no que se refere às vantagens e desvantagens das preferências pautais concedidas aos produtos do Sara Ocidental para as populações abrangidas e aos efeitos para a exploração dos recursos naturais dos territórios em causa […]

(8)      […] [A] avaliação demonstrou que, globalmente, as vantagens para a economia do Sara Ocidental da concessão das preferências pautais previstas no Acordo de Associação aos produtos originários do Sara Ocidental, nomeadamente a potente alavanca económica e, portanto, de desenvolvimento social que representa essa concessão, superam as desvantagens referidas no processo de consultas, designadamente a utilização extensiva dos recursos naturais […]

(9)      Foi estimado que o alargamento das preferências pautais aos produtos originários do Sara Ocidental terá um impacto globalmente positivo para as populações abrangidas […]

(10)      Atendendo às considerações sobre o consentimento no acórdão do Tribunal de Justiça, a Comissão, em ligação com o Serviço Europeu para a Ação Externa, tomou todas as medidas razoáveis e possíveis no contexto atual para associar da forma adequada as populações abrangidas, a fim de assegurar o seu consentimento relativamente a um tal acordo. Foi realizado um vasto processo de consultas e os agentes socioeconómicos e políticos que participaram nas consultas mostraram‑se maioritariamente favoráveis ao alargamento das preferências pautais previstas no Acordo de Associação ao Sara Ocidental. Aqueles que rejeitaram o alargamento consideraram essencialmente que um tal acordo sancionava a posição de Marrocos em relação ao território do Sara Ocidental. Ora, nada nos termos desse acordo permite considerar que é reconhecida a soberania de Marrocos sobre o Sara Ocidental. Além disso, a União envidará esforços redobrados para apoiar o processo de resolução pacífica do diferendo lançado e desenvolvido sob a égide das Nações Unidas.»

52      O artigo 1.°, primeiro parágrafo, da decisão impugnada dispõe que o acordo controvertido é aprovado em nome da União. Este acordo entrou em vigor a 19 de julho de 2019 (JO 2019, L 197, p. 1).

53      Os terceiro a nono parágrafos do acordo controvertido estipulam:

«O presente Acordo é celebrado sem prejuízo das posições respetivas da União Europeia sobre o estatuto do Sara Ocidental e do Reino de Marrocos sobre a referida região.

Ambas as partes reafirmam o seu apoio ao processo das Nações Unidas e apoiam os esforços do secretário‑geral para encontrar uma solução política definitiva em conformidade com os princípios e os objetivos da Carta das Nações Unidas e com base nas resoluções do Conselho de Segurança.

A União Europeia e o Reino de Marrocos acordaram em inserir a seguinte declaração comum após o Protocolo n.° 4 do Acordo de Associação.

“Declaração comum sobre a aplicação dos protocolos n.° 1 e n.° 4 do Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro (a seguir designado ‘Acordo de Associação’)

1.      Os produtos originários do Sara Ocidental sujeitos ao controlo das autoridades aduaneiras do Reino de Marrocos beneficiam das preferências comerciais concedidas pela União Europeia aos produtos abrangidos pelo Acordo de Associação.

2.      O Protocolo n.° 4 é aplicável mutatis mutandis para efeitos da definição do caráter originário dos produtos referidos no n.° 1, incluindo no que se refere às provas de origem.

3.      As autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros da União Europeia e do Reino de Marrocos ficam encarregadas de assegurar a aplicação do Protocolo n.° 4 a esses produtos.”

A União Europeia e o Reino de Marrocos reafirmam o seu compromisso de aplicar os protocolos em conformidade com as disposições do Acordo de Associação relativas ao respeito das liberdades fundamentais e dos direitos humanos.

A inserção desta declaração comum decorre da parceria privilegiada há muito estabelecida entre a União Europeia e o Reino de Marrocos, consagrada, nomeadamente, pelo estatuto avançado concedido a Marrocos, bem como da ambição comum das Partes de aprofundar e alargar essa parceria.

Neste espírito de parceria, e a fim de permitir às Partes avaliar o impacto do presente Acordo, sobretudo no desenvolvimento sustentável, designadamente no que diz respeito às vantagens para as populações abrangidas e à exploração dos recursos naturais do território abrangido, a União Europeia e o Reino de Marrocos acordaram em trocar informações, pelo menos uma vez por ano, no âmbito do Comité de Associação.

As modalidades específicas deste exercício de avaliação serão definidas, com vista à sua adoção pelo Comité de Associação, o mais tardar dois meses após a entrada em vigor do presente Acordo.»

II.    Tramitação processual e pedidos das partes

54      Por petição registada na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de abril de 2019, a recorrente interpôs o presente recurso.

55      Em 1 de agosto de 2019, o Conselho apresentou a contestação.

56      Por Decisões do presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral, respetivamente de 10 e 18 de setembro de 2019, a República Francesa, por um lado, e a Comissão, por outro, foram autorizadas a intervir em apoio do Conselho.

57      Em 1 de outubro de 2019, a recorrente apresentou a réplica.

58      Por Decisão de 16 de outubro de 2019, tendo sido alterada a composição das secções, em aplicação do artigo 27.°, n.° 5, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o juiz‑relator foi afeto à Nona Secção do Tribunal Geral, à qual o presente processo foi, consequentemente, atribuído.

59      A República Francesa e a Comissão apresentaram os seus articulados de intervenção, respetivamente, em 23 e 29 de outubro de 2019.

60      Por Despacho de 15 de novembro de 2019, Frente Polisário/Conselho (T‑279/19, não publicado, EU:T:2019:808), a presidente da Nona Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção da Confédération marocaine de l’agriculture et du développement rural [Confederação Marroquina da Agricultura e do Desenvolvimento Rural] (Comader) em apoio do Conselho.

61      Em 5 de dezembro de 2019, o Conselho apresentou a tréplica.

62      A recorrente apresentou, respetivamente, em 20 de dezembro de 2019 e em 6 de janeiro de 2020, observações sobre os articulados de intervenção, por um lado, da República Francesa e, por outro, da Comissão.

63      Em 23 de janeiro de 2020, a Comader apresentou o seu articulado de intervenção. Em 17 de fevereiro de 2020, a recorrente apresentou observações sobre esse articulado.

64      Em 23 de novembro de 2020, sob proposta da Nona Secção, o Tribunal Geral decidiu, nos termos do artigo 28.° do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

65      Em 9 de dezembro de 2020, com fundamento no artigo 106.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral decidiu dar oficiosamente início à fase oral do processo.

66      Através de duas medidas de organização do processo, respetivamente, de 17 e 18 de dezembro de 2020, o Tribunal Geral fez, por um lado, perguntas às partes para resposta por escrito e convidou a recorrente e a Comissão a fornecerem‑lhe informações complementares e, por outro, convidou as partes a precisarem, na audiência, a sua posição sobre certas questões de princípio pertinentes para o presente litígio.

67      O Conselho, por um lado, e a recorrente, a República Francesa, a Comissão e a Comader, por outro, apresentaram as suas respostas escritas às perguntas do Tribunal Geral, respetivamente, em 24 e 25 de janeiro de 2021. A recorrente e a Comissão forneceram as informações solicitadas no âmbito dessas respostas.

68      A audiência de alegações realizou‑se em 2 de março de 2021. A fase oral do processo foi declarada encerrada no termo dessa audiência.

69      Em 19 de abril de 2021, a Comissão apresentou observações sobre a ata da audiência de alegações. Por Despacho de 30 de abril de 2021, o Tribunal Geral reabriu a fase oral do processo a fim de juntar essas observações aos autos e convidar a recorrente, o Conselho, a República Francesa e a Comader a apresentarem as suas observações a este respeito. O Conselho e a República Francesa, por um lado, e a recorrente e a Comader, por outro, apresentaram as suas observações, respetivamente, em 12 e 17 de maio de 2021. A fase oral foi declarada encerrada em 19 de maio de 2021 e o processo passou à fase da deliberação. Em 22 de junho de 2021, foi transmitida às partes uma ata alterada.

70      Após o falecimento do juiz B. Berke, que ocorreu em 1 de agosto de 2021, os três juízes cujas assinaturas estão apostas no presente acórdão prosseguiram as deliberações, em conformidade com o artigo 22.° e o artigo 24.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.

71      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o Conselho, a República Francesa, a Comissão e a Comader nas despesas.

72      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

73      A República Francesa conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne negar provimento ao recurso.

74      A Comissão, sem apresentar formalmente pedidos, indica apoiar os do Conselho.

75      A Comader conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

76      A título preliminar, há que salientar que o presente litígio é relativo à celebração, em nome da União, de um acordo entre esta e o Reino de Marrocos, pelo qual estas partes acordaram inserir, após o Protocolo n.° 4 do Acordo de Associação, uma declaração comum, intitulada «Declaração comum sobre a aplicação dos protocolos n.° 1 e n.° 4 do Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro» (a seguir «Declaração Comum sobre o Sara Ocidental»), que alarga aos produtos originários do Sara Ocidental «sujeitos ao controlo das autoridades aduaneiras [marroquinas]» o benefício das preferências comerciais concedidas aos produtos de origem marroquina exportados na União ao abrigo do protocolo n.° 1 (v. n.° 53, supra).

77      Com o seu recurso, a recorrente, que afirma agir «em nome do povo sarauí», pede a anulação da decisão impugnada, com o fundamento, em substância, de que, ao aprovar o acordo controvertido sem o consentimento desse povo, quando este acordo se aplica ao Sara Ocidental, o Conselho violou, com esta decisão, as obrigações que incumbiam à União no âmbito das suas relações com o Reino de Marrocos, por força do direito da União e do direito internacional. Em especial, a recorrente sustenta que o acordo controvertido não é conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça enunciada nos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK, que excluiu essa aplicação territorial.

78      Sem apresentar formalmente uma exceção de inadmissibilidade, o Conselho, apoiado pela República Francesa, pela Comissão e pela Comader, invoca, a título principal, dois fundamentos de inadmissibilidade contra o presente recurso, um fundamento relativo à falta de capacidade da recorrente para agir judicialmente perante os órgãos jurisdicionais da União e outro fundamento relativo à sua falta de legitimidade para interpor recurso da decisão impugnada. Põem, nomeadamente, em causa, no âmbito destes fundamentos de inadmissibilidade, o alcance e a exclusividade do papel reivindicado pela recorrente em relação ao povo do Sara Ocidental. Além disso, a Comader, por seu lado, questiona a validade do mandato que a recorrente conferiu ao seu advogado. A título subsidiário, o Conselho, a República Francesa, a Comissão e a Comader concluem pela improcedência da argumentação da recorrente sobre o mérito. Em especial, o Conselho, apoiado pela República Francesa, alega, em substância, que, ao aprovar o acordo controvertido, se conformou com a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Por sua vez, a Comissão e a Comader, ao mesmo tempo que aprovam esta argumentação, consideram, de qualquer modo, que esta jurisprudência não é pertinente para a apreciação do recurso, nomeadamente, pelo facto de ser relativa à interpretação dos acordos celebrados pela União com o Reino de Marrocos e não à validade destes. Além disso, o Conselho, a República Francesa, a Comissão e a Comader consideram que os princípios de direito internacional em que a recorrente baseia a sua argumentação não são invocáveis.

A.      Quanto à admissibilidade do recurso

1.      Quanto ao primeiro fundamento de inadmissibilidade do Conselho, relativo à falta de capacidade judiciária da recorrente

79      Em apoio do primeiro fundamento de inadmissibilidade, o Conselho alega que a recorrente não é uma pessoa coletiva, na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, que disponha de capacidade judiciária perante os órgãos jurisdicionais da União. Em primeiro lugar, o Conselho sustenta que a recorrente não tem personalidade jurídica por força do direito interno de um Estado‑Membro. Em segundo lugar, o Conselho afirma que a recorrente não é um sujeito de direito internacional. Em terceiro lugar, o Conselho sustenta que a recorrente não preenche os critérios estabelecidos pelos órgãos jurisdicionais da União para reconhecer capacidade judiciária a uma entidade desprovida de personalidade jurídica e, em especial, o requisito relativo ao facto de a entidade em causa dever ser tratada pela União como um sujeito distinto dotado de direitos e de obrigações.

80      A Comissão, a República Francesa e o Comader desenvolvem, em substância, a mesma argumentação que a do Conselho. A Comader sustenta, além disso, que a recorrente não dispõe da autonomia necessária para agir como entidade responsável nas relações jurídicas, tendo em conta as suas relações com a República Árabe Sarauí Democrática (RASD), não reconhecida pela ONU e pela União.

81      Em apoio da sua capacidade judiciária, a recorrente alega que é um movimento de libertação nacional, sendo os seus direitos e obrigações retirados diretamente do direito internacional, devido ao estatuto separado e distinto do Sara Ocidental e ao direito à autodeterminação do povo sarauí. Este estatuto é confirmado, nomeadamente, pela sua capacidade para celebrar acordos e pelo seu reconhecimento como única representante desse povo pela Assembleia Geral da ONU. Enquanto sujeito de direito internacional, preenche, por maioria de razão, os critérios fixados pela jurisprudência para verificar se uma entidade desprovida de personalidade jurídica pode ser considerada uma pessoa coletiva, na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE.

82      A título preliminar, importa recordar que, nos termos do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, nas condições previstas nos primeiro e segundo parágrafos deste artigo, recursos contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e que não necessitem de medidas de execução.

83      Em seguida, de acordo com a jurisprudência, embora o conceito de pessoa coletiva que consta do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE implique, em princípio, a existência da personalidade jurídica, que deve ser verificada à luz do direito nacional ao abrigo do qual a pessoa coletiva em questão foi constituída, não coincide necessariamente com os conceitos próprios das diferentes ordens jurídicas dos Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 6 de abril de 2017, Saremar/Comissão, T‑220/14, EU:T:2017:267, n.° 45 e jurisprudência referida). Assim, a jurisprudência já reconheceu a capacidade de agir judicialmente perante os órgãos jurisdicionais da União a entidades independentemente da questão da sua constituição como pessoa coletiva de direito interno.

84      Foi o caso, designadamente, quando a entidade em causa dispunha, por um lado, de uma representatividade suficiente em relação às pessoas cujos direitos decorrentes do direito da União pretendia defender e da autonomia e responsabilidade necessárias para agir no âmbito de relações jurídicas determinadas por este mesmo direito e quando, por outro, tinha sido reconhecida pelas instituições como uma interlocutora nas negociações relativas a esses direitos (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de outubro de 1974, Union syndicale — Service public européen e o./Conselho, 175/73, EU:C:1974:95, n.os 9 a 17, e de 8 de outubro de 1974, Syndicat général du personnel des organismes européens/Comissão, 18/74, EU:C:1974:96, n.os 5 a 13).

85      Foi o caso igualmente quando as instituições da União tinham tratado essa entidade como um sujeito distinto, dotado de direitos e obrigações próprios. Com efeito, a coerência e a justiça impõem que se reconheça a capacidade judiciária de tal entidade para contestar as medidas restritivas dos seus direitos ou as decisões desfavoráveis tomadas a seu respeito pelas instituições (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de outubro de 1982, Groupement des Agences de voyages/Comissão, 135/81, EU:C:1982:371, n.os 9 a 11; de 18 de janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho, C‑229/05 P, EU:C:2007:32, n.os 107 a 112; e de 15 de junho de 2017, Al‑Faqih e o./Comissão, C‑19/16 P, EU:C:2017:466, n.° 40).

86      Pode deduzir‑se dos acórdãos referidos nos n.os 84 e 85, supra, que o Tribunal de Justiça procurou adaptar a sua jurisprudência a circunstâncias muito diferentes, afastando uma abordagem demasiado formalista ou rígida do conceito de pessoa coletiva (v., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Conselho/Frente Polisário, C‑104/16 P, EU:C:2016:677, n.° 140). Com efeito, este conceito não pode ser objeto de uma interpretação restritiva, como foi recentemente confirmado pelo Tribunal de Justiça [Acórdão de 22 de junho de 2021, Venezuela/Conselho (Afetação de um Estado terceiro), C‑872/19 P, EU:C:2021:507, n.° 44]. Por conseguinte, esta jurisprudência não exclui que, em circunstâncias diferentes das examinadas nos acórdãos em causa, a capacidade judiciária perante o juiz da União seja reconhecida a uma entidade independentemente da sua personalidade jurídica de direito interno, nomeadamente se as exigências da proteção jurisdicional efetiva o impuserem.

87      Por último, pode deduzir‑se da jurisprudência que sujeitos de direito internacional público, como Estados terceiros, constituem pessoas coletivas na aceção do direito da União [v., neste sentido, Despacho de 10 de setembro de 2020, Camboja e CRF/Comissão, T‑246/19, EU:T:2020:415, n.os 47, 49 e 50 e jurisprudência referida; v. igualmente, neste sentido e por analogia, Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 17 de maio de 2018, Estados Unidos da América/Apple Sales International e o., C‑12/18 P(I), não publicado, EU:C:2018:330, n.° 9 e jurisprudência referida], o que, de resto, foi recentemente confirmado pelo Tribunal de Justiça [v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2021, Venezuela/Conselho (Afetação de um Estado terceiro) (C‑872/19 P, EU:C:2021:507, n.° 53].

88      No presente caso, não se contesta que a recorrente não tem personalidade jurídica ao abrigo do direito de um Estado‑Membro ou de um Estado terceiro. Em especial, resulta das explicações da recorrente que, atendendo ao estatuto de território não autónomo do Sara Ocidental, pretende apenas invocar o direito internacional público e não uma qualquer ordem jurídica interna. A sua qualidade de pessoa coletiva, na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, não pode, portanto, ser estabelecida tendo em conta tal ordem jurídica.

89      Em contrapartida, no que respeita à questão da existência da personalidade jurídica da recorrente à luz do direito internacional público, as partes divergem, especialmente, sobre os efeitos nessa personalidade do papel da recorrente no âmbito do processo de autodeterminação do Sara Ocidental. O Conselho, a República Francesa, a Comissão e a Comader sustentam que a sua representatividade em relação ao povo desse território é limitada a esse papel e que os órgãos da ONU não pretenderam conferir‑lhe outras competências no plano internacional, pelo que, uma vez que não é um Estado nem uma organização internacional, a sua personalidade jurídica não lhe confere nenhuma capacidade para agir fora desse processo. Pelo contrário, a recorrente sustenta que a sua personalidade jurídica internacional decorre diretamente do direito à autodeterminação do referido povo e do papel que lhe foi reconhecido por esses mesmos órgãos, bem como por outras organizações internacionais, por Estados terceiros e pela União.

90      Portanto, há que verificar, à luz da jurisprudência relativa ao conceito de pessoa coletiva, recordada nos n.os 83 a 87, supra, se os elementos invocados pela recorrente, relativos ao papel que desempenha no âmbito do processo de autodeterminação do Sara Ocidental, são de natureza a conferir‑lhe capacidade judiciária perante o juiz da União.

91      A este respeito, em primeiro lugar, importa recordar que, no n.° 89 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, no qual a recorrente se baseia no âmbito do presente recurso, o Tribunal de Justiça indicou que o princípio consuetudinário da autodeterminação faz parte das regras de direito internacional aplicáveis nas relações entre a União e o Reino de Marrocos, cuja tomada em consideração se impõe ao Tribunal Geral. Mais especificamente, no n.° 105 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça recordou que o TIJ salienta, no seu Parecer Consultivo sobre o Sara Ocidental, que a população deste território goza, em virtude do direito internacional geral, do direito à autodeterminação, tal como exposto nos n.os 90 e 91 do mesmo acórdão. Além disso, precisou que, por seu turno, a Assembleia Geral da ONU recomenda, no n.° 7 da sua Resolução 34/37 sobre a questão do Sara Ocidental, que a recorrente, «representante do povo do Sara Ocidental, participe plenamente na busca de uma solução política justa, duradoura e definitiva da questão do Sara Ocidental» (v. n.° 16, supra).

92      Por conseguinte, decorre destas considerações que o direito internacional reconhece ao povo do Sara Ocidental o direito à autodeterminação, o que cabe aos órgãos jurisdicionais da União ter em conta, e que, com fundamento neste direito, a Assembleia Geral da ONU reconhece à recorrente, enquanto representante do referido povo, o direito de participar «plenamente» na busca de uma solução política para a questão do estatuto definitivo desse território. Além disso, há que recordar que esse direito foi confirmado pela Resolução 35/19 (v. n.° 16, supra) e que foi exercido pela recorrente no âmbito das negociações conduzidas sob a égide da ONU, nas quais o Reino de Marrocos e a própria recorrente são partes desde 1988 (v. n.os 17 a 19, supra).

93      Ora, no âmbito do presente fundamento de inadmissibilidade, o Conselho, a República Francesa, a Comissão e a Comader não contestam o exercício, pela recorrente, do seu direito de participar no processo de autodeterminação do Sara Ocidental, enquanto representante do povo desse território, que lhe é reconhecido pelos órgãos da ONU.

94      Por outro lado, como expõe a recorrente, esta assumiu um certo número de compromissos por força do direito internacional na sua qualidade de representante do povo do Sara Ocidental. Com efeito, em primeiro lugar, a recorrente é parte num acordo de paz celebrado com a República Islâmica da Mauritânia, nos termos do qual esta renunciou a qualquer reivindicação territorial sobre esse território (v. n.° 15, supra). Em segundo lugar, a recorrente e o Reino de Marrocos chegaram a acordos sobre um determinado número de questões relativas à aplicação das propostas de regulamento do Secretário‑Geral da ONU, aprovadas pelo Conselho de Segurança na Resolução 658 (1990). Ora, é forçoso constatar que, como a recorrente alegou na réplica, e como resulta da correspondência e das resoluções dos órgãos da ONU que cita a este respeito, esses órgãos recordam regularmente ao Reino de Marrocos e à recorrente as suas obrigações decorrentes do direito internacional e consideram, portanto, que esta última está, nomeadamente, vinculada pelos compromissos assumidos por força desses acordos. Em terceiro lugar, conforme indicado também pela recorrente, está sujeita às exigências do direito internacional humanitário consagradas, designadamente, nas quatro Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949 e no Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949, relativo à proteção das vítimas dos conflitos armados internacionais (Protocolo I), assinado em 8 de junho de 1977, aos quais aderiu em 23 de junho de 2015.

95      Além disso, o Conselho, a República Francesa, a Comissão e a Comader não contestam que, como invoca a recorrente, esta participa nos trabalhos do Comité Especial da Descolonização relativos à questão do Sara Ocidental e nos trabalhos conjuntos da Comissão Económica para a África (CEA), instituída no Conselho Económico e Social das Nações Unidas, e do Comité Técnico Especializado da União Africana sobre Finanças, Assuntos Monetários, Planificação Económica e Integração.

96      Por conseguinte, a recorrente é reconhecida no plano internacional como representante do povo do Sara Ocidental, mesmo supondo que, como sustentam o Conselho, a República Francesa, a Comissão e a Comader, esse reconhecimento se insira no quadro limitado do processo de autodeterminação desse território. Além disso, a sua participação nesse processo implica que disponha da autonomia e da responsabilidade necessárias para agir nesse quadro, o que, aliás, confirmam os seus estatutos juntos aos autos.

97      É certo que, como afirmam, em substância, o Conselho, a República Francesa, a Comissão e a Comader, a natureza e a dimensão dos direitos e das obrigações da recorrente não são equivalentes às dos direitos e das obrigações dos Estados ou das organizações internacionais, o que, de resto, esta não contesta. Todavia, impõe‑se constatar que a sua capacidade, enquanto representante do povo de um território não autónomo, de negociar e de assumir compromissos internacionais no contexto do processo de autodeterminação do Sara Ocidental e de participar nos trabalhos das organizações internacionais relativos a esta questão constitui elementos de base da personalidade jurídica (v., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Conselho/Frente Polisário, C‑104/16 P, EU:C:2016:677, n.° 146; v. igualmente, neste sentido e por analogia, Despacho de 11 de dezembro de 1973, Générale sucrière e o./Comissão, 41/73, 43/73 a 48/73, 50/73, 111/73, 113/73 e 114/73, EU:C:1973:151, n.° 3).

98      Em segundo lugar, a recorrente alega, com razão, que as instituições tomaram nota do seu papel e da sua representatividade. Por um lado, no n.° 105 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, o próprio Tribunal de Justiça constatou o reconhecimento desta representatividade pela Assembleia Geral da ONU (v. n.° 91, supra). Por outro lado, a recorrente fornece elementos que indicam contactos regulares com a Comissão relativos às questões relacionadas com a situação do Sara Ocidental. Por outro lado, importa salientar que, embora as partes divirjam quanto à qualificação dos contactos entre a recorrente e o Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), que existiram antes da celebração do acordo controvertido, não é contestado que estes se verificaram em 5 de fevereiro de 2018 e que incidiram, designadamente, sobre a questão da aplicação do Acordo de Associação aos produtos originários do Sara Ocidental. No seu Relatório de 11 de junho de 2018, a Comissão relatou a posição da recorrente sobre a celebração prevista do acordo controvertido referindo‑se expressamente a esses contactos. Assim, embora não tenha participado nas negociações relativas ao acordo controvertido, a recorrente tem fundamento para sustentar que é considerada uma interlocutora legítima pelas instituições da União no que respeita às questões suscetíveis de ser referentes a esse território, incluindo para exprimir a sua posição sobre a celebração desse acordo.

99      Em terceiro lugar, importa recordar que, no n.° 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, o Tribunal de Justiça considerou que, tendo em conta os elementos referidos no n.° 105 do mesmo acórdão (v. n.° 91, supra), o povo do Sara Ocidental deve ser considerado um «terceiro» na aceção do princípio do efeito relativo dos Tratados, que, enquanto tal, pode ser afetado pela execução do Acordo de Associação em caso de inclusão do território do Sara Ocidental no âmbito de aplicação desse acordo, de modo que a referida execução deve, em todo o caso, receber o seu consentimento.

100    Ora, com o presente recurso, a recorrente pretende defender o direito à autodeterminação do povo do Sara Ocidental, com o fundamento, em substância, de que a decisão impugnada não respeita este direito, ao aprovar a celebração de um acordo com o Reino de Marrocos que se aplica a esse território, sem o seu consentimento, contrariamente ao que foi declarado pelo Tribunal de Justiça (v. n.° 77, supra). Por conseguinte, deve considerar‑se que, nesta situação particular, as exigências da proteção jurisdicional efetiva impõem, de qualquer modo, reconhecer à recorrente a capacidade de interpor um recurso perante o Tribunal Geral para defender esse direito.

101    Atendendo a todas estas circunstâncias, a recorrente deve ser qualificada de pessoa coletiva, na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, que dispõe de capacidade judiciária perante os órgãos jurisdicionais da União para efeitos de interposição do presente recurso. Esta capacidade judiciária é sem prejuízo da sua obrigação de demonstrar que preenche os outros requisitos de admissibilidade e, em especial, que tem legitimidade para agir contra a decisão impugnada.

102    Os argumentos do Conselho, da República Francesa, da Comissão e da Comader não põem em causa esta conclusão.

103    Em primeiro lugar, na medida em que não é contestado que os órgãos da ONU reconhecem à recorrente a qualidade de representante do povo do Sara Ocidental no âmbito do processo de autodeterminação desse território não autónomo, os respetivos argumentos relativos ao facto de a recorrente não ser a única representante do povo do Sara Ocidental e de a sua representatividade em relação a este povo estar limitada a esse processo devem, em todo o caso, ser julgados improcedentes. O mesmo se aplica aos argumentos relativos ao facto de a recorrente não ter sido expressamente definida pelos órgãos da ONU como um movimento de libertação nacional ou ao facto de não lhe ter sido concedido o estatuto de observadora junto desses órgãos. Pelas mesmas razões, o argumento segundo o qual a recorrente tem apenas uma personalidade jurídica, quando muito, «funcional» ou «transitória» está votado à improcedência. Com efeito, esses argumentos apenas dizem respeito aos limites do papel e da representatividade da recorrente, mas não põem em causa a sua existência.

104    Em segundo lugar, quanto ao argumento da Comader relativo à alegada falta de independência da recorrente em relação à RASD, é forçoso constatar que foi como representante do povo do Sara Ocidental, e não para representar a RASD, que a recorrente viu ser‑lhe reconhecido o direito de participar no processo relativo ao estatuto definitivo desse território conduzido sob a égide da ONU e assumiu obrigações relacionadas com esse processo. Em todo o caso, como salienta a recorrente, decorre na íntegra do artigo 31.° da «Constituição» da RASD, parcialmente citada pela Comader em apoio do seu argumento, que este texto reconhece a recorrente uma autonomia enquanto organização política encarregada de estruturar e promover a luta pela independência do referido território. Os elementos apresentados pela Comader não permitem, portanto, considerar que as ligações da recorrente com a RASD a privam da autonomia e da responsabilidade necessárias para agir no âmbito de relações jurídicas.

105    Em terceiro lugar, a capacidade judiciária da recorrente não é posta em causa pela circunstância alegada de não existir entre a recorrente e a União ou entre a recorrente e os Estados‑Membros nenhum tipo de relação jurídica, do qual decorra, para a recorrente, direitos e obrigações e que constitua, por parte da União ou dos Estados‑Membros, uma forma de «reconhecimento internacional».

106    A este respeito, há que recordar que a União é uma união de direito, no sentido de que nem os seus Estados‑Membros nem as suas instituições escapam ao controlo da conformidade dos seus atos com a carta constitucional de base que são os Tratados UE e FUE, e que este último estabelece um sistema completo de vias de recurso e de procedimentos destinado a confiar ao Tribunal de Justiça da União Europeia a fiscalização da legalidade dos atos das instituições (v., neste sentido, Acórdão de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.° 281 e jurisprudência referida).

107    No caso em apreço, o Tribunal Geral é chamado a conhecer de um recurso de anulação de um ato da União, recurso sobre o qual tem competência para se pronunciar por força do artigo 256.°, n.° 1, e do artigo 263.° TFUE. Além disso, a recorrente sustenta que a decisão impugnada lhe diz diretamente e individualmente respeito, enquanto representante do povo do Sara Ocidental. Por último, as instituições têm obrigação de respeitar o direito de autodeterminação desse povo, que a recorrente pretende defender no âmbito do presente recurso. Por conseguinte, na fase do exame da sua capacidade judiciária, não pode ser excluída a existência de uma relação jurídica entre a União e a recorrente, que importa verificar no âmbito do exame da afetação direta e individual desta última pela decisão impugnada. Esta análise não pode ser posta em causa pela referência do Conselho ao n.° 22 do Despacho de 3 de abril de 2008, Landtag Schleswig‑Holstein/Comissão (T‑236/06, EU:T:2008:91), que, como salientou a recorrente, é irrelevante no caso vertente. Com efeito, este número do referido despacho é relativo à qualidade de pessoa coletiva, na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, de uma entidade infraestatal de um Estado‑Membro.

108    De qualquer modo, já foi declarado no n.° 98, supra, que as instituições tinham tomado nota da representatividade da recorrente e que a tratavam como uma interlocutora legítima no que respeita à questão do Sara Ocidental. O facto de não ser destinatária de nenhum ato da União não é, portanto, determinante para a apreciação da sua capacidade judiciária.

109    Em quarto lugar, contrariamente ao que a Comissão, em substância, sustenta, ao reconhecer à recorrente capacidade para agir judicialmente perante ele, o Tribunal Geral não se transforma em jurisdição «quase internacional» ao qual uma parte pode submeter a apreciação de um «diferendo» internacional, mesmo que desprovida de personalidade jurídica por força do direito de um Estado‑Membro ou de um Estado terceiro.

110    Com efeito, por um lado, já foi recordado que o presente litígio tem por objeto um recurso de anulação de um ato da União. Não tem por objeto o «diferendo» internacional no qual a recorrente é parte.

111    Por outro lado, um acordo internacional ou atos de uma organização internacional não podem pôr em causa a ordem das competências estabelecida pelos Tratados e, portanto, a autonomia do sistema jurídico da União, cuja observância é assegurada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no exercício da competência exclusiva que lhe é conferida pelo artigo 19.° TUE. Além disso, importa salientar que a Carta das Nações Unidas não impõe aos membros da ONU ou às organizações regionais compostas por alguns deles, como a União, um modelo determinado para assegurar, nas próprias ordens jurídicas internas, o respeito ou a tomada em consideração das resoluções dos seus órgãos (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.os 282 e 298).

112    Por conseguinte, no caso em apreço, importa apenas que a recorrente satisfaça os requisitos de admissibilidade próprios do direito da União, em especial os requisitos decorrentes do conceito de pessoa coletiva, na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE. O reconhecimento da capacidade judiciária da recorrente no âmbito do presente litígio não tem, portanto, por consequência transformar o Tribunal Geral em «jurisdição quase internacional», uma vez que esse reconhecimento é efetuado no quadro estrito do exercício das competências que lhe são conferidas pelo direito da União.

113    Em quinto lugar, no que respeita à alegação da Comissão de que o Tribunal Geral se substitui às instituições que gerem as relações externas da União e adota uma decisão «política» ao reconhecer à recorrente capacidade judiciária, importa recordar que o exercício das competências atribuídas às instituições da União no domínio internacional não pode ser, porém, subtraído à fiscalização jurisdicional. Além disso, o juiz da União não pode fazer prevalecer considerações de política internacional e de oportunidade sobre as regras de admissibilidade do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, o que excederia as suas competências (v., neste sentido e por analogia, Despacho de 25 de setembro de 2019, Magnan/Comissão, T‑99/19, EU:T:2019:693, n.os 34 e 42 e jurisprudência referida).

114    Resulta de tudo o que precede que o fundamento de inadmissibilidade do Conselho relativo à falta de capacidade judiciária da recorrente deve ser julgado improcedente.

2.      Quanto à validade do mandato conferido pela recorrente ao seu advogado

115    A Comader manifesta dúvidas sobre a validade do mandato conferido pela recorrente ao seu advogado. Com efeito, pergunta‑se se esse mandato pode ser validamente assinado pelo «secretário político» da recorrente, como acontece no presente caso. Além disso, a função de «secretário político» não é mencionada no excerto dos estatutos da recorrente que apresentou. A Comader pede que o Tribunal Geral verifique a regularidade desse mandato. Sustenta que, na falta de regularidade, o recurso deve ser declarado inadmissível com fundamento, designadamente, no artigo 51.°, n.° 3, do Regulamento de Processo.

116    Questionada a este respeito, no âmbito da medida de organização do processo de 17 de dezembro de 2020, a recorrente refere, em primeiro lugar, que não é uma «pessoa coletiva de direito privado» na aceção do artigo 51.°, n.° 3, do Regulamento de Processo. Em segundo lugar, alega que todos os recursos por ela interpostos desde 2012 o foram com base em mandatos assinados pelo seu «secretário político», sem que a validade desses mandatos tenha sido alguma vez posta em causa. Em terceiro lugar, o «secretariado da organização política», à cabeça do qual está o signatário do mandato, faz parte das «estruturas principais da Frente» e é objeto dos artigos 119.° a 130.° dos seus estatutos. Em quarto lugar, esse signatário e as suas funções são perfeitamente identificados por documentos disponíveis em linha. Resulta de todos estes elementos que, em conformidade com a jurisprudência, não há nenhuma dúvida sobre a intenção da recorrente de interpor o presente recurso. A recorrente apresenta, em apoio destes argumentos, o texto integral dos seus estatutos, aprovados no décimo quarto congresso, realizado de 16 a 23 de dezembro de 2015, e os documentos disponíveis em linha, aos quais se refere.

117    A título preliminar, importa recordar que cabe ao juiz da União examinar oficiosamente os fundamentos de inadmissibilidade de ordem pública, mesmo que tenham sido invocados, pela primeira vez, por um interveniente (v., por analogia, Acórdão de 14 de abril de 2005, Sniace/Comissão, T‑88/01, EU:T:2005:128, n.° 52 e jurisprudência referida).

118    A este respeito, por um lado, pode ser recordado que a recorrente não é uma pessoa coletiva de direito privado estabelecida nos termos do direito de um Estado‑Membro ou de um Estado terceiro (v. n.° 88, supra).

119    Por outro lado, como resulta dos n.os 91 a 114, supra, a recorrente dispõe de capacidade judiciária perante o juiz da União enquanto pessoa coletiva, na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE.

120    Ora, importa recordar que as disposições do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do Regulamento de Processo, designadamente as relativas às pessoas coletivas de direito privado, como o artigo 51.°, n.° 3, e o artigo 78.°, n.° 4, deste regulamento, não foram concebidas com vista à interposição de um recurso por organizações sem personalidade jurídica constituída ao abrigo do direito interno. Nesta situação, as regras processuais que regem a admissibilidade de um recurso de anulação devem ser aplicadas, adaptando‑as na medida do necessário às circunstâncias do caso em apreço (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 18 de janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho, C‑229/05 P, EU:C:2007:32, n.° 114).

121    Por outro lado e de qualquer modo, há que salientar que, por força do artigo 51.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, quando a parte que representam for uma pessoa coletiva de direito privado, os advogados devem apresentar na Secretaria um mandato outorgado por esta última. Em contrapartida, o Regulamento de Processo não incluiu a obrigação, para as pessoas coletivas de direito privado, de fazer prova de que o mandato conferido ao advogado foi regularmente outorgado por um representante habilitado para o efeito.

122    No entanto, para que o seu recurso seja admissível, qualquer entidade deve demonstrar não só a sua capacidade judiciária, mas também que tomou realmente a decisão de interpor recurso e que os advogados que afirmam representá‑la foram efetivamente mandatados para esse fim (v., neste sentido, Acórdão de 5 de novembro de 2019, BCE e o./Trasta Komercbanka e o., C‑663/17 P, C‑665/17 P e C‑669/17 P, EU:C:2019:923, n.° 57).

123    No presente caso, o mandato conferido pela recorrente ao advogado, apresentado para dar cumprimento ao artigo 51.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, é emitido em nome da recorrente e assinado, com data de 12 de abril de 2019, por A., designado como «secretário político» desta organização.

124    A este respeito, antes de mais, a determinação dos órgãos da recorrente com poderes para tomar a decisão de interpor recurso não pode, por definição, ser efetuada à luz de qualquer direito interno, uma vez que a recorrente não é regida por tal direito. Além disso, nenhuma regulamentação da União foi adotada nesta matéria (v., neste sentido, Acórdão de 5 de novembro de 2019, BCE e o./Trasta Komercbanka e o., C‑663/17 P, C‑665/17 P e C‑669/17 P, n.° 58). É, portanto, apenas à luz dos estatutos desta organização, juntos aos autos no âmbito da sua resposta às questões do Tribunal Geral de 25 de janeiro de 2021, que há que apreciar esta questão.

125    Para começar, como resulta das explicações da recorrente e dos documentos comprovativos apresentados, cujo conteúdo não é contestado, a expressão «secretário político» deve ser entendida no sentido de que se refere à pessoa que encabeça o órgão denominado, nos seus estatutos, «Secretariado da Organização Política». Por outro lado, também não é contestado que, como, de resto, decorre expressamente dos referidos documentos, a pessoa que assinou o mandato conferido pela recorrente ao advogado exercia efetivamente as funções de «secretário político» da recorrente na data da interposição do recurso.

126    Em seguida, nos termos do artigo 92.°, n.° 7, dos estatutos da recorrente, o Secretariado Nacional, que é, de acordo com o artigo 76.° dos mesmos estatutos, o «órgão supremo» da recorrente «durante o período que separa os dois Congressos», tem por funções, designadamente, «[r]epresentar a Frente nas suas relações com os partidos políticos, os governos, os movimentos de libertação bem como as outras organizações». Segundo o artigo 120.° desses mesmos estatutos, «o Secretariado da Organização Política assegura a execução e o acompanhamento das decisões e dos programas do Secretariado Nacional e do seu Gabinete, relativos à natureza e às funções da Organização Política».

127    É possível, portanto, deduzir destes artigos dos estatutos da recorrente, como confirmou esta última na audiência, que a execução das decisões do secretariado nacional nas suas relações com os governos e as outras organizações, designadamente com a União, pode ser da competência do Secretariado da Organização Política e que, a este título, A. estava habilitado a assinar o mandato do advogado da recorrente.

128    É certo que a Comader alegou, na audiência, que o papel do «secretário político» de representação junto de organizações internacionais, como a União, e de órgãos jurisdicionais, como o Tribunal Geral, não resultava da enumeração das missões do secretariado da Organização Política, nos artigos 122.° e 131.° dos seus estatutos, e que esse papel parecia antes ser da competência exclusiva do secretariado nacional.

129    Todavia, por um lado, como já foi salientado, a determinação dos órgãos da recorrente habilitados a tomar a decisão de interpor recurso não depende das regras de qualquer ordem jurídica interna. Além disso, deve ser tida em conta a natureza desta organização, que não foi constituída segundo as regras jurídicas habitualmente aplicáveis a uma pessoa de direito privado ou de direito público instituída ao abrigo de tal ordem jurídica (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 18 de janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho, C‑229/05 P, EU:C:2007:32, n.° 121). Por outro lado, o artigo 120.° dos estatutos confere ao Secretariado da Organização Política a competência para a execução e o acompanhamento das decisões e dos programas do Secretariado Nacional e não decorre dos artigos 122.° e 131.° destes estatutos que a enumeração das suas missões, que neles consta, seja taxativa.

130    Por conseguinte, deve deduzir‑se destas considerações que, no caso em apreço, A., «secretário político» da recorrente, tinha poderes para executar a decisão do «órgão supremo» desta última, a saber, o secretariado nacional, de interpor o presente recurso.

131    Além do mais, pode salientar‑se que o advogado da recorrente, membro da ordem dos advogados de um Estado‑Membro e sujeito enquanto tal a um código de deontologia profissional, declarou, na sua resposta às perguntas do Tribunal Geral de 25 de janeiro de 2021, que a recorrente «teve efetivamente a intenção de interpor o [recurso]» e que «a sua determinação em obter o cumprimento efetivo dos acórdãos do Tribunal de Justiça [era] total», o que confirmou na audiência (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 18 de janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho, C‑229/05 P, EU:C:2007:32, n.° 119).

132    Decorre de tudo o que precede que as dúvidas da Comader relativas à validade do mandato conferido pela recorrente ao seu advogado devem ser afastadas.

3.      Quanto ao segundo fundamento de inadmissibilidade do Conselho, relativo à falta de legitimidade ativa da recorrente

133    No âmbito do segundo fundamento de inadmissibilidade, o Conselho, apoiado pela República Francesa, pela Comissão e pela Comader, alega que a recorrente, que não é destinatária da decisão impugnada, não é diretamente nem individualmente afetada por esta.

134    Por seu lado, a recorrente sustenta que é diretamente e individualmente afetada pela decisão impugnada, na medida em que o acordo controvertido se aplica ao Sara Ocidental e afeta, por esse facto, o povo desse território.

135    A título preliminar, importa recordar, por um lado, que, segundo jurisprudência constante, um ato como a decisão impugnada, que aprova um acordo internacional celebrado pela União, é passível de recurso (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de agosto de 1994, França/Comissão, C‑327/91, EU:C:1994:305, n.os 14 a 17; de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.os 285 a 289; e Western Sahara Campaign UK, n.os 45 a 51). Com efeito, uma decisão de celebração de um acordo internacional constitui um «ato» na aceção do artigo 263.° TFUE, conceito que abrange todas as disposições adotadas pelas instituições, independentemente da sua forma, que visem produzir efeitos jurídicos vinculativos (v., neste sentido, Despacho de 19 de março de 2019, Shindler e o./Conselho, C‑755/18 P, não publicado, EU:C:2019:221, n.° 36 e jurisprudência referida).

136    Por outro lado, há que recordar que o artigo 263.° TFUE faz uma nítida distinção entre o direito de recurso das instituições da União e dos Estados‑Membros e o das pessoas singulares e coletivas. Assim, embora, em conformidade com o segundo parágrafo deste artigo, as instituições e os Estados‑Membros tenham o direito de impugnar, mediante recurso de anulação, a legalidade de qualquer «ato», na aceção do referido artigo, sem que o exercício deste direito esteja sujeito à prova de interesse em agir ou de legitimidade ativa, o quarto parágrafo do referido artigo dispõe que as pessoas singulares e coletivas podem interpor recursos contra os atos de que sejam destinatárias ou que lhes digam diretamente e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhes digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução (v. Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.os 53 e 54 e jurisprudência referida; v. igualmente, neste sentido, Despacho de 19 de março de 2019, Shindler e o./Conselho, C‑755/18 P, não publicado, EU:C:2019:221, n.os 38 e 39).

137    No presente caso, a recorrente não é destinatária da decisão impugnada nem do acordo controvertido.

138    A este respeito, importa sublinhar, por um lado, que os acordos internacionais celebrados pela União ocupam uma posição especial na sua ordem jurídica, uma vez que, nos termos do artigo 216.°, n.° 2, TFUE, as instituições da União estão vinculadas por tais acordos e que, por conseguinte, estes primam sobre os atos da União, e mais especificamente sobre os atos legislativos (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2014, Z., C‑363/12, EU:C:2014:159, n.os 71 e 72 e jurisprudência referida). Importa salientar, por outro lado, que as modalidades específicas de adoção da decisão impugnada, com fundamento no artigo 218.°, n.° 6, alínea a), subalínea i), TFUE, exigem a aprovação do Parlamento Europeu e refletem, portanto, no plano externo, a repartição dos poderes entre o Parlamento e o Conselho aplicável no que respeita à adoção, no plano interno, dos atos legislativos (v., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2014, Parlamento/Conselho, C‑658/11, EU:C:2014:2025, n.° 55).

139    Por conseguinte, o recurso da recorrente contra a decisão impugnada não pode estar sujeito a requisitos de admissibilidade menos estritos do que os aplicáveis a um recurso contra atos legislativos, que não são abrangidos pela flexibilização desses requisitos prevista no artigo 263.°, quarto parágrafo, terceiro membro de frase, TFUE, uma vez que o conceito de ato regulamentar na aceção deste membro de frase exclui precisamente tais atos (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.os 60 e 61, e de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.os 23, 24 e 28).

140    Daqui resulta que cabe à recorrente demonstrar que é diretamente e individualmente afetada pela decisão impugnada, o que, aliás, esta não contesta. Importa começar pelo exame da afetação direta da recorrente.

a)      Quanto à afetação direta da recorrente

141    O Conselho alega que a recorrente não preenche os critérios fixados pela jurisprudência para determinar se o ato impugnado diz diretamente respeito a uma pessoa singular ou coletiva. A este respeito, sustenta que a recorrente não é destinatária do ato impugnado e que este último não produz, em relação a ela, efeitos jurídicos. Com efeito, segundo o Conselho, a decisão impugnada só produz efeitos jurídicos em relação à União ou às suas instituições e não em relação a terceiros. Por outro lado, o Conselho considera que a decisão impugnada não produz efeitos fora do território de aplicação dos Tratados. Além disso, sustenta que, ao se basear nos efeitos do acordo controvertido num território fora da União para determinar a afetação direta da recorrente, o Tribunal Geral é levado a pronunciar‑se sobre a legalidade dos direitos e das obrigações do Reino de Marrocos resultantes do referido acordo, no qual este último consentiu livremente e soberanamente, o que excede as suas competências. Na tréplica, o Conselho acrescenta que, admitindo que a decisão impugnada produza efeitos fora do território da União, o acordo controvertido é apenas suscetível de afetar os operadores ativos nos setores económicos em causa.

142    Por sua vez, a recorrente alega que preenche os dois critérios cuja reunião é exigida para que o requisito da afetação direta esteja preenchido. Com efeito, por um lado, deduz do Acórdão Conselho/Frente Polisário que, na medida em que a decisão impugnada tem por objeto a celebração de um acordo que inclui expressamente no seu âmbito de aplicação o território do Sara Ocidental e os seus recursos naturais sem o consentimento do povo desse território, o referido acordo afeta diretamente este último, enquanto terceiro ao acordo. Por este simples facto, este acordo produz efeitos sobre a sua situação jurídica, enquanto representante exclusivo e único desse povo. Por outro lado, a recorrente afirma que, sendo o objeto do acordo apenas alargar a área geográfica abrangida pelas preferências pautais, a sua execução tem caráter puramente automático e não necessita da adoção de outras regras intermediárias.

143    A argumentação da República Francesa, da Comissão e da Comader corresponde, em substância, à do Conselho.

144    A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o requisito segundo o qual a decisão objeto de recurso deve dizer diretamente respeito a uma pessoa singular ou coletiva, conforme previsto no artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, requer a reunião de dois critérios cumulativos. Em primeiro lugar, a medida contestada da União deve produzir diretamente efeitos na situação jurídica do particular. Em segundo lugar, não deve deixar nenhuma margem de apreciação aos seus destinatários que estão incumbidos da sua aplicação, uma vez que tem caráter puramente automático e decorre exclusivamente da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermediárias (v. Acórdão de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão, C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.° 66 e jurisprudência referida; Despacho de 6 de março de 2012, Northern Ireland Department of Agriculture and Rural Development/Comissão, T‑453/10, não publicado, EU:T:2012:106, n.° 42).

145    Por conseguinte, há que examinar, de maneira distinta, se a recorrente preenche cada um destes dois critérios.

1)      Quanto ao respeito, pela recorrente, do primeiro critério da afetação direta, segundo o qual a medida contestada deve produzir diretamente efeitos na sua situação jurídica

146    No que respeita ao respeito do primeiro dos critérios da afetação direta, deduz‑se da argumentação do Conselho, da República Francesa, da Comissão e da Comader que a sua contestação da existência de efeitos diretos da decisão impugnada na situação jurídica da recorrente contém, em substância, três partes. A primeira é baseada nos efeitos jurídicos intrínsecos de uma decisão de celebração, em nome da União, de um acordo internacional. A segunda é relativa aos efeitos jurídicos específicos da decisão impugnada, tendo em conta a sua aplicação territorial. A terceira diz respeito à não alteração da situação jurídica da recorrente, tendo em conta o seu papel limitado à participação no processo de autodeterminação do Sara Ocidental.

i)      Quanto à primeira parte da argumentação do Conselho, relativa aos efeitos jurídicos intrínsecos de uma decisão de celebração, em nome da União, de um acordo internacional

147    Por um lado, o Conselho, apoiado pela República Francesa, alega, em substância, que uma decisão de celebração, em nome da União, de um acordo internacional não produz efeitos em relação a terceiros e que os alegados efeitos do acordo controvertido na recorrente não podem ser invocados para demonstrar que a sua situação jurídica é afetada por esta decisão. Por outro lado, o Conselho, apoiado, em substância, pela República Francesa, pela Comissão e pela Comader, afirma que uma decisão desta natureza não pode produzir efeitos jurídicos fora da União.

148    Por sua vez, a recorrente alega, por um lado, que a decisão impugnada, na medida em que tem por objeto a celebração do acordo controvertido, é indissociável deste último, sob pena de subtrair esse ato, que é impugnável, à fiscalização da legalidade efetuada pelo juiz e, por outro, que a decisão impugnada tem por objeto a celebração de um acordo que inclui expressamente no seu âmbito de aplicação o território do Sara Ocidental e os seus recursos naturais. Por último, sustenta que, de qualquer modo, a afetação do povo do Sara Ocidental decorre do direito da União, uma vez que a introdução no território da União de produtos originários do Sara Ocidental com certificados de origem marroquina viola o estatuto separado e distinto deste território.

149    A este respeito, em primeiro lugar, importa salientar que uma decisão de celebração de um acordo internacional, que se baseia no artigo 218.°, n.° 6, TFUE, não pode ser confundida com as decisões adotadas com fundamento nos n.os 3 e 4 deste artigo, que são relativas à condução de negociações internacionais e que, portanto, só produzem, em princípio, efeitos jurídicos nas relações entre a União e seus Estados‑Membros e entre as instituições da União (v. Despacho de 8 de fevereiro de 2019, Frente Polisário/Conselho, T‑376/18, não publicado, EU:T:2019:77, n.os 28 e 30 e jurisprudência referida).

150    Com efeito, uma decisão de celebração de um acordo internacional materializa o consentimento da União em ficar vinculada por esse acordo [v., neste sentido, Parecer 2/00 (Protocolo de Cartagena sobre a prevenção dos riscos biotecnológicos), de 6 de dezembro de 2001, EU:C:2001:664, n.° 5]. É, portanto, um elemento constitutivo do referido acordo, do mesmo modo que o ato pelo qual as outras partes no acordo em causa a ele aderiram [v., neste sentido e por analogia, Parecer 1/13 (Adesão de Estados terceiros à Convenção de Haia), de 14 de outubro de 2014, EU:C:2014:2303, n.os 39 a 41 e 65]. Assim, essa decisão produz efeitos jurídicos em relação a essas partes, na medida em que formaliza a aceitação pela União dos compromissos a respeito delas que assumiu no âmbito do acordo em causa.

151    Por outro lado, em conformidade com a regra consuetudinária codificada no artigo 29.° da Convenção de Viena, um acordo internacional pode, em derrogação à regra geral segundo a qual a aplicação desse ato se estende à totalidade do território de cada uma das partes, vincular um Estado em relação a outro território se essa intenção resultar desse tratado ou tenha sido de outro modo estabelecida. Neste contexto, esse acordo é suscetível de afetar um terceiro, na aceção do princípio de direito internacional geral do efeito relativo dos Tratados, efeito no qual esse terceiro deve consentir (v., neste sentido, Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.os 94, 98, 103 e 106).

152    Por conseguinte, tendo em conta o caráter indissociável de tal acordo internacional e da respetiva decisão de celebração, em nome da União, os efeitos da aplicação deste acordo na situação jurídica desse terceiro são pertinentes para apreciar a afetação direta deste último ou do seu representante pela referida decisão.

153    Daqui resulta que é erradamente que o Conselho afirma que, pela sua natureza, a decisão impugnada produz apenas efeitos em relação à União e às suas instituições. Pelas mesmas razões, deve ser julgado improcedente o argumento da República Francesa de que a decisão impugnada não produz, por si só, efeitos jurídicos em relação à recorrente, uma vez que a mesma não é suficiente para fazer entrar em vigor o acordo controvertido, sendo necessário uma ratificação nos termos dos procedimentos aplicáveis. Com efeito, esta conceção assenta, como a recorrente salienta, na premissa de que os efeitos jurídicos da decisão impugnada e do acordo controvertido são dissociáveis. Ora, pelas razões expostas nos n.os 149 a 152, supra, essa premissa está errada.

154    Em segundo lugar, como a própria República Francesa recorda, um recurso de anulação interposto de um acordo internacional deve ser entendido como dirigido contra a decisão que o celebrou em nome da União (v., neste sentido, Acórdão de 9 de agosto de 1994, França/Comissão, C‑327/91, EU:C:1994:305, n.os 15 a 17). Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que os acordos internacionais celebrados pela União vinculam não só as suas instituições, mas também os Estados terceiros que são partes nesses acordos, há que considerar que um pedido de decisão prejudicial relativo à validade de um acordo internacional celebrado pela União deve ser entendido como visando o ato pelo qual a União celebrou esse acordo internacional (v. Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.os 49 e 50 e jurisprudência referida).

155    No entanto, tendo em conta a competência do Tribunal de Justiça, quer no quadro de um recurso de anulação, quer no quadro de um pedido de decisão prejudicial, para apreciar se um acordo internacional celebrado pela União é compatível com os Tratados e com as regras de direito internacional que a vinculam, foi declarado que a fiscalização da validade de uma decisão de celebração de um acordo internacional pelo Tribunal de Justiça, no contexto de uma questão prejudicial, era suscetível de abranger a legalidade desse ato à luz do próprio conteúdo do acordo internacional em causa (v. Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.os 48 e 51 e jurisprudência referida).

156    Estas considerações são aplicáveis à hipótese de um recurso de anulação interposto por uma pessoa coletiva, na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, de uma decisão de celebração de um acordo internacional, como o presente recurso, sobre o qual, em conformidade com o artigo 256.°, n.° 1, TFUE, o Tribunal Geral é competente para decidir.

157    Com efeito, uma vez que tal decisão constitui um ato impugnável e que as pessoas singulares e coletivas têm legitimidade para pedir a sua anulação, sob reserva do estarem preenchidos os requisitos do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, estas podem pedir ao Tribunal Geral, no âmbito do seu recurso, que fiscalize a legalidade dessa decisão à luz do próprio conteúdo do acordo por esta aprovado. Qualquer outra interpretação conduziria, como salienta, em substância, a recorrente, a subtrair, em grande parte, a decisão impugnada à fiscalização da sua legalidade material, o que seria incompatível com o princípio da proteção jurisdicional efetiva.

158    Por conseguinte, o exame da afetação direta e individual de uma pessoa singular ou coletiva por tal decisão deve ter em conta, se for caso disso, os efeitos produzidos na sua situação jurídica pelo acordo internacional celebrado ao abrigo dessa decisão (v., neste sentido e por analogia, Despacho de 24 de junho de 2020, Price/Conselho, T‑231/20 R, não publicado, EU:T:2020:280, n.os 39 a 43).

159    Caso contrário, isso equivaleria, na prática, a privar as pessoas singulares e coletivas, diretamente e individualmente afetadas pelas estipulações do acordo internacional em causa, da possibilidade de pedirem ao juiz da União a verificação da sua compatibilidade com os Tratados e com as regras de direito internacional que, em conformidade com estes, vinculam a União (v., neste sentido, Western Sahara Campaign UK, n.° 48 e jurisprudência referida) e, consequentemente, a verificação de que pôde legalmente consentir em estar vinculada por essas estipulações.

160    No presente caso, foi declarado que, tendo em conta o seu papel de representante do povo do Sara Ocidental, a recorrente tem capacidade judiciária perante os órgãos jurisdicionais da União para defender os direitos desse povo decorrentes das regras de direito internacional que vinculam a União. Por conseguinte, como alega em substância, a recorrente deve poder invocar, para demonstrar a sua afetação direta e individual, os efeitos do acordo controvertido sobre esses direitos, sob pena de privar a proteção jurisdicional efetiva dos mesmos de grande parte do seu efeito útil.

161    Em terceiro lugar, no que respeita à questão de saber se os efeitos da decisão impugnada estão limitados ao território da União, importa, antes de mais, distinguir os efeitos de uma decisão de celebração de um acordo internacional, baseada no artigo 218.°, n.° 6, TFUE, como a decisão impugnada, e os efeitos de uma medida da União adotada no plano interno. Assim, no que se refere a esta última medida, em conformidade com as regras pertinentes de direito internacional, o seu âmbito de aplicação deve ser circunscrito, em princípio, aos territórios em que a União exerce plenamente a sua jurisdição (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o., C‑366/10, EU:C:2011:864, n.os 123 e 124 e jurisprudência referida).

162    Em contrapartida, uma decisão, como a decisão impugnada, que tem por objeto a celebração de um acordo bilateral com o Reino de Marrocos, produz necessariamente efeitos na ordem jurídica internacional. Com efeito, como decorre do n.° 150, supra, esta decisão destina‑se a produzir efeitos jurídicos no âmbito das relações entre a União e este país terceiro, enquanto elemento constitutivo da expressão de um concurso de vontades destes dois sujeitos de direito internacional.

163    Por outro lado, um acordo internacional celebrado pela União pode produzir efeitos jurídicos no território da outra parte no acordo ou, conforme recordado no n.° 151, supra, noutro território, se essa intenção resultar desse acordo ou se tiver sido de outro modo estabelecida. Por conseguinte, esses efeitos podem ser invocados para demonstrar a afetação direta e individual de uma pessoa singular ou coletiva pela decisão de celebração desse acordo, na medida em que esta última exprime o consentimento da União na produção de tais efeitos pelo referido acordo.

164    De resto, deduz‑se da jurisprudência que a análise dos efeitos de um acordo, como o acordo controvertido, num território diferente do território da União, nomeadamente um território distinto do das partes no acordo, tendo em conta as estipulações desse acordo e o contexto em que foi celebrado, pode ser pertinente para determinar se um recorrente que invoca esses efeitos é diretamente afetado pela decisão de celebração do acordo em causa.

165    Com efeito, nos n.os 81, 83 e 116 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, o Tribunal de Justiça verificou o bem fundado do raciocínio com base no qual o Tribunal Geral, no n.° 103 do Acórdão de 10 de dezembro de 2015, Frente Polisário/Conselho (T‑512/12, EU:T:2015:953), tinha concluído que o Acordo de Liberalização se aplicava igualmente ao território do Sara Ocidental, a fim de determinar se esta conclusão podia servir de premissa para a análise da legitimidade ativa da recorrente. Ao termo da sua própria análise do Acordo de Associação e o Acordo de Liberalização à luz das regras do direito internacional, o Tribunal de Justiça concluiu que essa interpretação não pode ser justificada pelo texto do Acordo de Associação, nem pelo do Acordo de Liberalização, nem, por último, pelas circunstâncias que rodearam a celebração destes dois acordos.

166    Ora, no caso em apreço, a recorrente, invocando o Acórdão Conselho/Frente Polisário, baseia‑se na aplicação do acordo controvertido ao território do Sara Ocidental e na qualidade de terceiro ao acordo, na aceção do efeito relativo dos Tratados, do povo desse território, para sustentar que é diretamente afetada pela decisão impugnada, na qualidade de representante desse povo.

167    Como sublinham o Conselho e a República Francesa, o facto de os efeitos do acordo e a sua execução no território da outra parte, a saber, o Reino de Marrocos, serem, em conformidade com os princípios de direito internacional pertinentes, da competência soberana deste último não pode pôr em causa o direito da recorrente de invocar essa afetação direta.

168    Com efeito, por um lado, no caso vertente, não são os efeitos do acordo controvertido nem os da sua execução no território do Reino de Marrocos, na aceção do artigo 94.° do Acordo de Associação, que são invocados pela recorrente em apoio da sua afetação direta, mas os efeitos por ele produzidos, segundo ela‑a recorrente, no território do Sara Ocidental.

169    Por outro lado, de qualquer modo, a análise da afetação direta da recorrente tendo em conta os efeitos produzidos pelo acordo controvertido no território do Sara Ocidental não leva o Tribunal Geral a pronunciar‑se sobre a legalidade dos direitos e obrigações de um Estado terceiro, a saber, no presente caso, o Reino de Marrocos, decorrentes do acordo controvertido. Com efeito, em conformidade com a jurisprudência (v. n.° 154, supra), o Tribunal Geral não pode, no caso vertente, pronunciar‑se sobre a legalidade do consentimento desse Estado terceiro nos direitos e obrigações decorrentes do referido acordo, mas apenas sobre a legalidade do consentimento da União nesses direitos e obrigações. Por outro lado, os n.os 90 e 94 do Despacho de 3 de julho de 2007, Commune de Champagne e o./Conselho e Comissão (T‑212/02, EU:T:2007:194), referidos pelo Conselho e pela República Francesa a este respeito, não podem pôr em causa as considerações enunciadas nos n.os 161 a 165, supra, baseadas na jurisprudência do Tribunal de Justiça posterior à prolação desse despacho.

170    De qualquer modo, como a recorrente salienta, em substância, na medida em que o acordo controvertido regula a importação, para a União, dos produtos originários do Sara Ocidental, os efeitos desse acordo, e, portanto, da decisão impugnada, no território da União, podem ser invocados para demonstrar a sua afetação direta.

171    Decorre do exposto que, tendo em conta a natureza de uma decisão de celebração de um acordo internacional e dos seus próprios efeitos jurídicos, a existência de efeitos diretos da decisão impugnada na situação jurídica da recorrente, devido ao conteúdo do acordo controvertido, não pode ser à partida excluída. A primeira parte da argumentação do Conselho deve, portanto, ser julgada improcedente.

ii)    Quanto à segunda parte da argumentação do Conselho, relativa aos efeitos jurídicos específicos da decisão impugnada, tendo em conta a sua aplicação territorial

172    O Conselho, apoiado pela República Francesa, pela Comissão e pela Comader, contesta a existência de efeitos jurídicos da decisão impugnada e do acordo controvertido no território do Sara Ocidental. Assim, os efeitos destes atos nesse território são puramente económicos e não jurídicos. Não criam, portanto, direitos nem obrigações para com o povo desse território e não lhe são oponíveis. Em especial, no âmbito das suas respostas escritas às perguntas do Tribunal Geral feitas no âmbito da medida de organização do processo de 17 de dezembro de 2020 e na audiência, o Conselho, a Comissão e a Comader afirmaram, em substância, que o acordo controvertido se aplica aos produtos originários desse território e não ao próprio território.

173    Por sua vez, a recorrente sustenta que, devido à inclusão expressa do território do Sara Ocidental e dos seus recursos naturais no âmbito de aplicação do acordo controvertido, este último e, consequentemente, a decisão impugnada afetam o povo desse território, atendendo ao seu direito à autodeterminação. Além disso, devido à introdução no território da União de produtos originários do Sara Ocidental com certificados de origem marroquina, a afetação do povo do Sara Ocidental decorre, de qualquer modo, do direito da União.

174    Estes argumentos requerem uma análise distinta, por um lado, da questão da aplicação do acordo controvertido ao Sara Ocidental e, por outro, da afetação do povo desse território devido a esta aplicação.

–       Quanto à aplicação do acordo controvertido ao Sara Ocidental

175    A este respeito, em primeiro lugar, importa recordar que, conforme salientado no n.° 76, supra, o acordo controvertido tem por objeto, através da inserção da Declaração Comum sobre o Sara Ocidental posterior ao Protocolo n.° 4, alargar aos produtos originários do Sara Ocidental exportados sob o controlo das autoridades aduaneiras marroquinas, com base em estipulações expressas, o âmbito de aplicação das preferências pautais concedidas inicialmente no âmbito do Acordo de Associação aos produtos de origem marroquina. Esse objeto resulta expressamente do n.° 1 desta declaração e dos seus n.os 2 e 3, que estipulam, por um lado, que o Protocolo n.° 4 é aplicável mutatis mutandis para efeitos da definição do caráter originário desses produtos e, por outro, que as autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros e do Reino de Marrocos são responsáveis pela aplicação das regras dos Protocolos n.° 1 e n.° 4 aos referidos produtos (v. n.° 53, supra).

176    Em segundo lugar, importa salientar que, como se pode deduzir da jurisprudência, quando, no âmbito de um acordo internacional, a União consente na concessão de preferências pautais aplicáveis a produtos exportados para o seu território em função da zona geográfica de que esses produtos são originários, essa zona determina o âmbito de aplicação territorial dessas preferências (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de julho de 1994, Anastasiou e o., C‑432/92, EU:C:1994:277, n.os 37 e 66; de 25 de fevereiro de 2010, Brita, C‑386/08, EU:C:2010:91, n.° 64; e Conselho/Frente Polisário, n.os 121 e 122).

177    No caso vertente, embora o Conselho e a Comissão indiquem que, na prática, os produtos aos quais são aplicáveis as estipulações da Declaração Comum sobre o Sara Ocidental são originários da parte desse território controlada pelo Reino de Marrocos, esta precisão não põe em causa o facto de essas estipulações poderem aplicar‑se a qualquer produto originário do Sara Ocidental e que é exportado sob o controlo das autoridades aduaneiras de Marrocos.

178    Por outro lado, embora, como indicam o Conselho e a Comissão, as preferências pautais sejam aplicadas aos produtos originários do Sara Ocidental quando da respetiva importação para o território da União, decorre expressamente da Declaração Comum sobre o Sara Ocidental que a sua concessão depende da conformidade com as regras do Protocolo n.° 4, incluindo as regras relativas às provas da origem, cuja aplicação é assegurada pelas autoridades aduaneiras marroquinas.

179    Por conseguinte, o acordo controvertido produz efeitos não só no território da União, mas também nos territórios em que as autoridades aduaneiras marroquinas exercem as suas competências, incluindo a parte do Sara Ocidental controlada pelo Reino de Marrocos (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 25 de fevereiro de 2010, Brita, C‑386/08, EU:C:2010:91, n.° 51).

180    Além disso, contrariamente ao que sustentam o Conselho, a República Francesa, a Comissão e a Comader, o acordo controvertido não produz apenas efeitos económicos no território do Sara Ocidental. Com efeito, por um lado, é evidente que os exportadores estabelecidos no Sara Ocidental, cujos produtos podem beneficiar das preferências pautais nele previstas, são obrigados a sujeitar‑se às regras do Protocolo n.° 4 ao Acordo de Associação, em conformidade com o n.° 2 da Declaração Comum sobre o Sara Ocidental. Por outro lado, a supressão total ou parcial dos direitos aduaneiros sobre os produtos que esses operadores exportam, na sua entrada na União, é regulada de forma exaustiva pelo Protocolo n.° 1 ao Acordo de Associação, de modo que as vantagens que daí possam retirar dependem estreitamente da aplicação das regras deste último. Por conseguinte, há que considerar que o acordo controvertido produz efeitos jurídicos em relação a esses operadores.

181    Em terceiro lugar, resulta claramente das estipulações do acordo controvertido que a União e o Reino de Marrocos manifestaram uma intenção comum de aplicar o referido acordo ao Sara Ocidental.

182    Com efeito, por um lado, as declarações destas partes que constam dos terceiro e quarto parágrafos do acordo controvertido só podem ser entendidas no âmbito desta hipótese. Assim, segundo o terceiro parágrafo, este acordo «é celebrado sem prejuízo das posições respetivas da União Europeia sobre o estatuto do Sara Ocidental e do Reino de Marrocos sobre a referida região». Do mesmo modo, de acordo com o quarto parágrafo, «ambas as partes reafirmam o seu apoio ao processo das Nações Unidas» sobre esse território e «apoiam os esforços do secretário‑geral para encontrar uma solução política definitiva».

183    Por outro lado, o oitavo parágrafo do acordo controvertido institui, entre as partes, um mecanismo de troca mútua de informações no que diz respeito, designadamente, «às vantagens para as populações abrangidas» e «à exploração dos recursos naturais do território abrangido». Ora, tendo em conta a definição da zona abrangida pela extensão geográfica das preferências pautais operada pelo referido acordo, limitada ao Sara Ocidental, estas duas expressões visam necessariamente, por um lado, as vantagens para as populações do Sara Ocidental e, por outro, a exploração dos recursos naturais desse território. Este mecanismo de acompanhamento reflete assim os objetivos das partes no acordo controvertido de desenvolvimento económico do território em causa e de preservação dos seus recursos naturais.

184    Esta intenção comum da União e do Reino de Marrocos é confirmada pelos considerandos 5 e 6 da decisão impugnada, que enunciam claramente a vontade do Conselho, partindo da constatação de que o Tribunal de Justiça considerou que «o Acordo de Associação abrangia apenas o território do Reino de Marrocos, e não o Sara Ocidental», de «assegurar que os fluxos comerciais que foram desenvolvidos ao longo dos anos», entre o Sara Ocidental e a União, «não sejam perturbados e estabelecer garantias adequadas para a proteção do direito internacional, incluindo os direitos humanos» nesse território «e o desenvolvimento sustentável» do mesmo (v. n.° 51, supra). Do mesmo modo, decorre dos considerandos 7 e 10 da decisão impugnada que, para estabelecer essas garantias, a Comissão, por um lado, procedeu a uma avaliação dos impactos das preferências pautais concedidas aos produtos do Sara Ocidental sobre as populações desse território e da exploração dos seus recursos naturais e, por outro, «associ[ou]» «as populações» desse território «a fim de assegurar o seu consentimento».

185    Daqui resulta que a recorrente pode legitimamente sustentar que o acordo controvertido se aplica ao território do Sara Ocidental e que, consequentemente, a sua afetação direta pela decisão impugnada, que exprime o consentimento da União a tal aplicação, pode assentar nessa premissa.

186    Esta análise não é posta em causa pela interpretação adotada pelo Tribunal de Justiça do Acordo de Associação e do Acordo de Liberalização nos n.os 86 a 126 do Acórdão Conselho/Frente Polisário.

187    Com efeito, no Acórdão Conselho/Frente Polisário, o Tribunal de Justiça não excluiu que uma estipulação de um acordo posterior ao Acordo de Associação pudesse alargar expressamente o âmbito de aplicação deste último ao Sara Ocidental. Apenas excluiu que, na falta de tal estipulação expressa, esse âmbito de aplicação, que é limitado, em princípio, no que diz respeito ao Reino de Marrocos, ao seu próprio território, pudesse, à luz dos princípios de direito internacional aplicáveis, ser interpretado no sentido de que é extensivo a esse território não autónomo (Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.os 86, 87, 92 e 94 a 98).

188    Assim, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça não examinou um litígio relativo a um acordo entre a União e Marrocos, posterior ao Acordo de Associação, com uma estipulação expressa que previa o alargamento do seu âmbito de aplicação ao Sara Ocidental, mas, pelo contrário, um litígio relativo a um acordo análogo desprovido de tal estipulação expressa.

189    Ora, no presente caso, como há pouco foi recordado nos n.os 175 a 184, supra, o acordo controvertido insere no âmbito do Acordo de Associação uma declaração comum que prevê expressamente a extensão aos produtos originários do Sara Ocidental das preferências pautais concedidas pela União ao Reino de Marrocos nos termos do referido acordo e que traduz a intenção clara e inequívoca das partes de instituírem uma base legal para tal extensão. Em especial, importa salientar que, contrariamente ao Acordo de Liberalização examinado pelo Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.os 111 a 114), deve considerar‑se que o acordo controvertido derroga o artigo 94.° do Acordo de Associação, relativo ao âmbito de aplicação territorial deste último, na medida em que diz respeito ao âmbito de aplicação do regime aplicável à importação para a União dos produtos agrícolas, dos produtos agrícolas transformados, do peixe e dos produtos da pesca, que constitui o objeto do Protocolo n.° 1.

190    Por outro lado, importa realçar que, embora resulte, designadamente, do artigo 31.°, n.° 3, alínea c), da Convenção de Viena que as disposições de um Tratado devem ser interpretadas tendo em conta toda a norma de direito internacional aplicável entre as partes, esta exigência não pode servir de fundamento a uma interpretação de tais disposições contrária à sua redação, quando o sentido destas últimas é claro e que está demonstrado, por outro lado, que esse sentido corresponde ao que as partes no Tratado tinham pretendido dar‑lhes (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 13 de julho de 2018, Confédération nationale du Crédit mutuel/BCE, T‑751/16, EU:T:2018:475, n.° 34 e jurisprudência referida).

191    Em especial, a aplicação do princípio de interpretação consagrado no artigo 31.°, n.° 3, alínea c), da Convenção de Viena não deve ser incompatível com o princípio consagrado no n.° 1 deste artigo, segundo o qual um tratado deve ser interpretado de boa‑fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos do tratado no seu contexto e à luz do seu objeto e do seu fim.

192    Além disso, no caso em apreço, uma interpretação das disposições da Declaração Comum sobre o Sara Ocidental no sentido de que não são aplicáveis ao território do Sara Ocidental teria por efeito esvaziar esta declaração comum e, desse modo, o acordo controvertido, de toda a sua substância (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 23 de novembro de 2016, Comissão/Stichting Greenpeace Nederland e PAN Europe, C‑673/13 P, EU:C:2016:889, n.° 50). Com efeito, como decorre da análise efetuada nos n.os 175 a 184, supra, este acordo tem por único objeto o alargamento aos produtos originários do Sara Ocidental, por intermédio desta declaração comum, das preferências pautais concedidas inicialmente aos produtos de origem marroquina no âmbito do Acordo de Associação. Essa interpretação constituiria, além disso, um obstáculo a qualquer execução efetiva do referido acordo, o que não seria conforme com o princípio da segurança jurídica.

193    De qualquer modo, como já foi salientado no n.° 170, supra, a afetação direta da recorrente pode resultar dos efeitos que o acordo controvertido e a decisão impugnada produzem no território da União, devido à concessão das preferências pautais aos produtos originários do Sara Ocidental quando da sua importação para a União.

–       Quanto à afetação do povo do Sara Ocidental pelo acordo controvertido, enquanto terceiro ao acordo

194    A título preliminar, como foi recordado pelo Tribunal de Justiça no n.° 100 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, por força do princípio de direito internacional geral do efeito relativo dos Tratados, de que a regra constante no artigo 34.° da Convenção de Viena constitui uma expressão especial, os Tratados não devem prejudicar nem beneficiar terceiros sem o seu consentimento. No presente caso, como o Tribunal Geral já recordou, no n.° 106 do mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que, em aplicação deste princípio, o povo do Sara Ocidental deve ser considerado um «terceiro» que pode ser afetado pela execução do Acordo de Associação em caso de inclusão do território do Sara Ocidental no âmbito de aplicação do referido acordo. Além disso, no mesmo número do referido acórdão, o Tribunal de Justiça deduziu daí que essa inclusão requeria, de qualquer modo, o seu consentimento, tanto no caso de essa execução o poder prejudicar como no caso de o poder beneficiar.

195    Estas considerações podem ser pertinentes para qualquer estipulação do Acordo de associação ou de um acordo posterior que preveja expressamente a sua aplicação ao Sara Ocidental. Com efeito, uma vez que a eventual aplicação de tal acordo nesse território é suscetível de afetar o seu povo, enquanto terceiro, o mesmo acontece, por maioria de razão, quanto à sua aplicação expressa ao referido território. Ora, conforme se concluiu no n.° 189, supra, o acordo controvertido, que é posterior ao Acordo de Associação, derroga o artigo 94.° deste último, na medida em que alarga expressamente a esse território o regime de importação dos produtos agrícolas para a União previsto pelo Protocolo n.° 1.

196    De qualquer modo, há que deduzir da jurisprudência que a concessão de preferências pautais aos produtos originários do Sara Ocidental, quando da sua importação para a União com base em certificados emitidos pelas autoridades aduaneiras do Reino de Marrocos, requer o consentimento do povo desse território (v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 2010, Brita, C‑386/08, EU:C:2010:91, n.° 52 e jurisprudência referida).

197    Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento da Comader de que o acordo controvertido não é, de qualquer modo, oponível ao povo do Sara Ocidental, pelo que a recorrente não pode interpor recurso perante o juiz da União.

198    A este respeito, por um lado, conforme resulta do n.° 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, a afetação por uma convenção internacional de um terceiro, na aceção do princípio do efeito relativo dos Tratados, constitui uma questão prévia à questão de saber se o referido terceiro expressou o seu consentimento à convenção em causa. Por conseguinte, supondo que, como afirma a Comader, a falta de consentimento do terceiro em causa à referida convenção a torne inoponível a este respeito, esta inoponibilidade não tem incidência na admissibilidade de um recurso perante o juiz da União, com vista a defender os direitos desse terceiro afetados pela convenção em causa. De qualquer modo, a admissibilidade de um recurso baseado no artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE é determinada unicamente pelos requisitos definidos neste artigo, conforme interpretados pela jurisprudência. Não pode ser regulada pelas condições de oponibilidade de um acordo internacional a um terceiro na ordem jurídica internacional.

199    Por outro lado, há que salientar que as considerações da Comader relativas à alegada inoponibilidade do acordo controvertido ao povo do Sara Ocidental não são suscetíveis de pôr em causa o facto de o Tribunal de Justiça ter declarado a existência de uma eventual afetação desse povo, enquanto terceiro, na aceção do princípio do efeito relativo dos Tratados, num acordo entre a União e o Reino de Marrocos, no caso de este ser executado nesse território. Por outro lado, no que respeita ao parecer do professor de direito internacional público em que a Comader se apoia, importa salientar que, embora seja permitido ao juiz da União, sendo caso disso, inspirar‑se em escritos doutrinários para o exame de uma questão que ainda não foi decidida pelo direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 1957, Algera e o./Assembleia Comum, 7/56 e 3/57 a 7/57, EU:C:1957:7, p. 115), o Tribunal Geral não pode, em contrapartida, basear‑se em tais escritos para pôr em causa a interpretação do direito internacional adotada pelo Tribunal de Justiça.

200    Resulta de tudo o que precede que o âmbito de aplicação territorial do acordo controvertido inclui o território do Sara Ocidental e que, consequentemente, este acordo é suscetível de afetar o povo desse território e, portanto, de necessitar do seu consentimento. Por conseguinte, importa verificar se, atendendo ao papel desempenhado pela recorrente no âmbito do processo de autodeterminação do referido território, enquanto representante do referido povo, essas circunstâncias são de natureza a demonstrar a sua afetação direta.

iii) Quanto à terceira parte da argumentação do Conselho, relativa à não alteração da situação jurídica da recorrente, tendo em conta o seu papel limitado à participação no processo de autodeterminação do Sara Ocidental

201    Segundo o Conselho, a República Francesa, a Comissão e a Comader, o papel conferido à recorrente no âmbito do processo de autodeterminação do Sara Ocidental não implica que a decisão impugnada e o acordo controvertido produzam efeitos diretos na sua situação jurídica. Com efeito, o seu poder de representação é limitado e não exclusivo e a recorrente não é uma operadora económica. Além disso, a decisão impugnada e o acordo controvertido não prejudicam o resultado desse processo. Assim, os efeitos da decisão impugnada na recorrente são, quando muito, indiretos e políticos.

202    Por seu turno, a recorrente sustenta que, pelo simples facto de afetar o povo do Sara Ocidental, na aceção do n.° 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, a decisão impugnada produz efeitos jurídicos diretos na sua situação enquanto representante exclusiva e única do povo do Sara Ocidental. Além disso, em resposta aos argumentos do Conselho, retorque que o processo político de autodeterminação inclui «evidentemente» as questões económicas e ligadas à exploração dos recursos naturais e que, de qualquer modo, o acordo controvertido suscita uma questão «territorial», pelo que o litígio está plenamente abrangido no âmbito no qual exerce a sua missão.

203    A este respeito, antes de mais, importa recordar a situação particular do Sara Ocidental, tal como resulta da evolução do contexto internacional referida nos n.os 2 a 19, supra. Com efeito, embora o processo de autodeterminação desse território não autónomo esteja ainda em curso, a potência administrante desse território, na aceção do artigo 73.° da Carta das Nações Unidas, a saber, o Reino de Espanha, renunciou, desde 26 de fevereiro de 1976, a exercer qualquer responsabilidade de caráter internacional relativa à sua administração, renúncia de que os órgãos da ONU (v. n.° 13, supra) tomaram nota. Por conseguinte, as partes nesse processo, conduzido sob a égide dessa organização, são, por um lado, o Reino de Marrocos, que reivindica o exercício de direitos soberanos sobre esse território e, por outro, a recorrente, enquanto representante do seu povo. Assim, como expõe, em substância, a Comissão no seu articulado de intervenção, um «conflito de legitimidade» opõe o Reino de Marrocos à recorrente no que respeita à representatividade desse território e da sua população. Em especial, como ilustra o debate entre as partes no âmbito do presente litígio, não existe acordo entre o Reino de Marrocos e a recorrente no que diz respeito à questão da competência para celebrar um acordo internacional aplicável a esse território.

204    Em seguida, no que respeita à dimensão da representatividade da recorrente em relação ao povo do Sara Ocidental e à sua incidência sobre a sua afetação direta por uma decisão de celebração de um acordo entre a União e o Reino de Marrocos com aplicação expressa a esse território, importa salientar que, nem nos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK nem nos despachos referidos no n.° 43, supra, os órgãos jurisdicionais da União tomaram posição sobre esta questão.

205    Em contrapartida, o Conselho refere‑se aos n.os 183 a 194 das Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Conselho/Frente Polisário (C‑104/16 P, EU:C:2016:677). A este respeito, em especial, nos n.os 185 e 186 destas conclusões, o advogado‑geral indicou que, em seu entender, a recorrente apenas é reconhecida pela ONU como a representante do povo do Sara Ocidental no âmbito do processo político destinado a resolver a questão da autodeterminação do povo desse território. Ora, o advogado‑geral observou que o litígio, que estava em causa nos processos T‑512/12 e C‑104/16 P, não fazia parte desse processo político.

206    No entanto, deduz‑se do n.° 7 da Resolução 34/37 que a Assembleia Geral da ONU considerou antes que era necessário que a recorrente participasse em negociações com o Reino de Marrocos relativas ao estatuto definitivo do Sara Ocidental porque era uma representante legítima do povo desse território (v. n.os 16 e 91, supra). Assim, o reconhecimento, pelos órgãos da ONU, da representatividade da recorrente em relação ao referido povo precede logicamente o reconhecimento do seu direito a ser parte no processo de autodeterminação desse território. Esta interpretação é confirmada pela redação do n.° 10 da Resolução 35/19 (v. n.° 16, supra).

207    Por conseguinte, embora seja verdade que o processo conduzido no Sara Ocidental sob a égide da ONU não inclui uma vertente comercial ou aduaneira, a participação da recorrente nesse processo não significa que não possa representar o povo do Sara Ocidental no contexto de um acordo entre a União e o Reino de Marrocos relativo a esses domínios, quando esta representação se mostre necessária para salvaguardar o direito à autodeterminação desse povo. A este respeito, importa sublinhar que, como salienta com razão a recorrente, o acordo controvertido não suscita apenas questões comerciais ou aduaneiras, mas também uma questão específica de ordem territorial que lhe diz respeito, na medida em que se aplica ao território sobre o qual esse povo dispõe do direito à autodeterminação.

208    Por último, no que respeita à exclusividade da representatividade da recorrente em relação ao povo do Sara Ocidental, basta salientar, nesta fase, que não resulta dos documentos dos autos que as instâncias da ONU, como salienta em substância a recorrente, tenham posto em causa a posição expressa nas Resoluções 34/37 e 35/19 e tenham reconhecido outras organizações para além dela habilitadas a representar o povo em causa. Contrariamente às alegações da Comissão e da Comader, o facto de, no âmbito do respetivo acompanhamento do processo de autodeterminação, essas instâncias terem, em conformidade com o seu mandato, relações e contactos com outras organizações diferentes da recorrente, nomeadamente provenientes da sociedade civil, e com as autoridades marroquinas, não é determinante a este respeito.

209    Do mesmo modo, a questão de saber se, não obstante a Declaração do Reino de Espanha de 26 de fevereiro de 1976, este manteve a sua qualidade de potência administrante, na aceção do artigo 73.° da Carta das Nações Unidas, abordada nos n.os 187 a 192 das Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Conselho/Frente Polisário (C‑104/16 P, EU:C:2016:677), não é relevante no presente caso. Com efeito, por um lado, deduz‑se do n.° 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário que o Tribunal de Justiça considerou que o povo do Sara Ocidental é um terceiro ao Acordo de Associação distinto do Reino de Espanha, capaz de exprimir ele próprio o seu consentimento à execução deste acordo ou de um acordo subsequente sobre esse território. Por outro lado, como sustenta, em substância, a recorrente, na medida em que foi reconhecida pela ONU como a representante desse povo e, conforme salientado no n.° 207, supra, a sua participação no processo de autodeterminação não exclui que possa expressar o consentimento deste último no acordo aplicável ao referido território, as competências eventualmente conservadas pelo Reino de Espanha não lhe podem, de qualquer modo, ser opostas.

210    De qualquer modo, importa realçar que a celebração, pela União, do acordo controvertido com uma das partes no processo de autodeterminação em curso no território do Sara Ocidental, que reivindica direitos de soberania sobre esse território e celebrou ela própria o referido acordo com este fundamento, produz necessariamente efeitos jurídicos sobre a outra parte nesse processo, tendo em conta o «conflito de legitimidade» que opõe estas partes quanto a esse território.

211    De resto, a fundamentação do acordo controvertido e os considerandos da decisão impugnada indicam que as próprias partes, em especial a União, estão conscientes de que a celebração deste acordo não é alheia ao processo de autodeterminação em curso no Sara Ocidental.

212    Testemunho disso é o facto de que, no terceiro parágrafo do acordo controvertido, as partes tiveram o cuidado de precisar que a celebração deste acordo não prejudicava as suas respetivas posições sobre o estatuto do Sara Ocidental, a saber que é, por um lado, para a União, um território não autónomo e, por outro, para o Reino de Marrocos, uma parte do seu território. O mesmo acontece com a reafirmação, no quarto parágrafo deste acordo, do respetivo apoio ao «processo das Nações Unidas». Deve deduzir‑se daí que as partes consideraram que havia o risco de a celebração do acordo controvertido ser interpretada no sentido de que traduzia uma posição comum sobre o estatuto desse território e prejudicava o processo de autodeterminação em causa e que era necessário introduzir essas precisões para afastar esse risco.

213    Estas preocupações estão igualmente refletidas nos considerandos 3 e 10 da decisão impugnada (v. n.° 51, supra). Em especial, neste último considerando, o Conselho responde aos «agentes socioeconómicos e políticos» que participaram nas consultas conduzidas pela Comissão e pelo SEAE e que «rejeitaram o alargamento [das preferências pautais do Acordo de Associação ao Sara Ocidental]» porque «consideraram essencialmente que um tal acordo sancionava a posição de Marrocos em relação ao território do Sara Ocidental». A este respeito, o Conselho indica que «nada nos termos desse acordo permite considerar que é reconhecida a soberania de Marrocos sobre o Sara Ocidental» e que «a União envidará esforços redobrados para apoiar o processo de resolução pacífica do diferendo lançado e desenvolvido sob a égide das Nações Unidas».

214    Por outro lado, embora a recorrente não tenha sido formalmente convidada a participar nas consultas referidas no n.° 213, supra, houve contactos entre ela e o SEAE sobre o acordo controvertido que decorreram em 5 de fevereiro de 2018, como já foi salientado, e, no seu Relatório de 11 de junho de 2018, a Comissão mencionou a posição da recorrente sobre a celebração prevista deste acordo, referindo‑se expressamente a esses contactos. Esta posição ia ao encontro da posição dos «agentes socioeconómicos e políticos» referida no décimo considerando da decisão impugnada, no sentido de que a recorrente se opunha à celebração do acordo controvertido. Portanto, apesar de a recorrente não ser parte nesse acordo e não ter participado nas negociações com vista à sua celebração, que apenas incluíram as autoridades da União e as autoridades marroquinas, foi considerada pelas instituições uma interlocutora legítima para expressar o seu ponto de vista sobre o referido acordo (v. n.° 98, supra).

215    Por conseguinte, na medida em que a celebração do acordo controvertido afeta o povo do Sara Ocidental e deve obter o seu consentimento, a decisão impugnada produz efeitos diretos na situação jurídica da recorrente enquanto representante deste povo. Além disso, na medida em que este acordo foi celebrado com o Reino de Marrocos, a decisão diz‑lhe diretamente respeito enquanto parte no processo de autodeterminação nesse território. Com efeito, por um lado, é ponto assente que a recorrente não consentiu na celebração do acordo controvertido. Por outro lado, sustenta, no âmbito do presente recurso, que o consentimento do povo do Sara Ocidental não foi validamente obtido, nomeadamente, devido ao facto de não o ter ela própria expressado.

216    Os argumentos do Conselho, da República Francesa, da Comissão e da Comader não põem em causa esta conclusão.

217    Com efeito, por um lado, o facto de não ser um operador económico é irrelevante, na medida em que a recorrente não reivindica essa qualidade e não pretende que a sua afetação direta seja derivada da aplicação, a seu respeito, das regras que condicionam a concessão de preferências pautais aos produtos provenientes do Sara Ocidental, mas do próprio âmbito de aplicação territorial deste acordo. Além disso, no que respeita à comparação entre o presente processo e o processo que deu origem ao Acórdão de 20 de setembro de 2019, Venezuela/Conselho (T‑65/18, EU:T:2019:649, objeto de recurso), invocado pelo Conselho e pela Comissão em apoio da sua argumentação, basta salientar que, por Acórdão de 22 de junho de 2021, Venezuela/Conselho (Afetação de um Estado terceiro) (C‑872/19 P, EU:C:2021:507), o Tribunal de Justiça anulou o acórdão do Tribunal Geral citado pelo Conselho, com o fundamento de que o Tribunal Geral tinha cometido um erro de direito ao considerar que as medidas restritivas em causa não produziam diretamente efeitos na situação jurídica da República Bolivariana da Venezuela e ao acolher, com este fundamento, o segundo fundamento de inadmissibilidade invocado pelo Conselho [Acórdão de 22 de junho de 2021, Venezuela/Conselho (Afetação de um Estado terceiro), C‑872/19 P, EU:C:2021:507, n.° 73]. Por conseguinte, o Conselho não se pode basear no acórdão do Tribunal Geral acima referido para pôr em causa a afetação direta da recorrente. Além disso, o litígio em causa entre o Estado terceiro acima mencionado e o Conselho era relativo a atos unilaterais que se aplicavam apenas no território da União e o consentimento de um terceiro nesses atos não era exigido, pelo que esta comparação não é, de qualquer modo, pertinente.

218    Por outro lado, o facto de o acordo controvertido e a decisão impugnada não prejudicarem o resultado do processo de autodeterminação não significa que estes atos não sejam suscetíveis de alterar a situação jurídica da recorrente, enquanto representante de um terceiro a esse acordo e parte nesse processo. O mesmo se diga quanto à produção de efeitos «políticos» «indiretos» nesse processo.

219    Resulta de tudo o que precede que as três partes da argumentação do Conselho no que respeita ao primeiro critério da afetação direta devem ser julgadas improcedentes e que a recorrente satisfaz este critério.

2)      Quanto ao segundo critério da afetação direta, relativo ao caráter puramente automático e decorrente exclusivamente da regulamentação da União da aplicação da medida contestada

220    No que respeita ao segundo critério da afetação direta, relativo ao caráter puramente automático da aplicação da medida contestada, decorrente apenas da regulamentação da União, há que salientar que o Conselho não apresentou uma argumentação específica em relação a este critério.

221    A este respeito, pode realçar‑se que, como sustenta a recorrente, o acordo controvertido constitui um simples alargamento geográfico das preferências pautais já concedidas ao Reino de Marrocos sem alteração do volume ou dos produtos abrangidos por estas preferências. Por conseguinte, a execução deste acordo no território da União não deixa nenhuma margem de apreciação às autoridades responsáveis pela aplicação das referidas preferências pautais, uma vez que, quando os produtos em causa são produtos originários do Sara Ocidental, devem ser‑lhes aplicadas as preferências pautais previstas pelo acordo controvertido.

222    Por outro lado, conforme salientado no n.° 215, supra, não tendo a recorrente, enquanto representante do povo do Sara Ocidental, consentido na celebração do acordo controvertido, que se aplica a esse território, a decisão impugnada, que aprova este acordo, altera imediatamente a sua situação jurídica, sem que sejam necessárias outras medidas.

223    É certo que a Comissão contesta o facto de a afetação direta da recorrente poder resultar do efeito direto produzido pelo acordo controvertido sobre os particulares. Todavia, decorre da jurisprudência (v. n.° 144, supra) que, para determinar se o segundo critério da afetação direta está preenchido, é necessário decidir a questão de saber se a aplicação das estipulações do acordo controvertido tem caráter puramente automático e decorre apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermediárias. A pertinência desta questão não pode ser posta em causa pelo facto de, por outro lado, o efeito direto dessas estipulações ser suscetível de determinar a sua invocabilidade quanto ao mérito por particulares.

224    Por conseguinte, há que concluir que a recorrente é diretamente afetada pela decisão impugnada.

b)      Quanto à afetação individual da recorrente

225    O Conselho sustenta que a participação da recorrente nas negociações sobre o estatuto do Sara Ocidental não é suscetível de a individualizar em relação à decisão impugnada e que o acordo controvertido não afeta a sua posição no quadro dessas negociações. Na tréplica, o Conselho acrescenta que, mesmo supondo que a recorrente seja competente para as questões económicas do Sara Ocidental, decorre, em especial, do n.° 69 do Acórdão de 10 de abril de 2003, Comissão/Nederlandse Antillen (C‑142/00 P, EU:C:2003:217), que essa competência não basta para demonstrar que o acordo controvertido lhe diz individualmente respeito.

226    A Comissão, a República Francesa e a Comader desenvolvem, em substância, a mesma argumentação que a do Conselho.

227    A recorrente sustenta que o acordo controvertido lhe diz individualmente respeito, uma vez que resulta dos n.os 100 a 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário que o povo do Sara Ocidental, de que é representante, deve dar o seu consentimento a qualquer acordo internacional aplicável ao território do Sara. Assim, tendo em conta o papel que desempenha em relação a esse povo, designadamente na expressão do seu consentimento em estar vinculado por via de tratado, a recorrente apresenta qualidades que lhe são particulares e que a caracterizam em relação a qualquer outra pessoa, sendo deste modo individualmente afetada pela decisão impugnada. Na réplica, a recorrente acrescenta que, ao proceder às consultas descritas no n.° 48, supra, o Conselho a impediu de exercer a sua competência para expressar o consentimento do povo sarauí e reitera, em substância, a argumentação exposta com vista a demonstrar que é diretamente afetada por essa decisão.

228    Segundo jurisprudência constante, os sujeitos que não os destinatários de uma decisão só podem afirmar que esta lhes diz individualmente respeito se os afetar em razão de certas qualidades que lhes são particulares ou de uma situação de facto que os caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e, por esse facto, os individualiza de maneira análoga à do destinatário de uma decisão (Acórdão de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão, C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.° 71 e jurisprudência referida).

229    No presente caso, importa salientar que, enquanto representante do povo de um território não autónomo, que goza do direito à autodeterminação, a recorrente dispõe, ao abrigo do direito internacional, de competências próprias e distintas das competências das partes no acordo controvertido. Assim, pode utilmente invocar, para demonstrar que é individualmente afetada pela decisão impugnada, que esta a impede de exercer, como pretende, as referidas competências.

230    Ora, em primeiro lugar, no âmbito do exame da afetação direta da recorrente, concluiu‑se que a participação da recorrente no processo político em curso no Sara Ocidental não significa que não possa representar o povo desse território no contexto de um acordo entre a União e o Reino de Marrocos em matéria comercial e aduaneira que se aplica nesse território, quando essa representação se mostre necessária para salvaguardar o direito à autodeterminação desse povo. Em segundo lugar, foi igualmente salientado que não resulta dos elementos dos autos que as instâncias da ONU tenham reconhecido para além dela outras organizações habilitadas a representar o povo em causa. Em terceiro lugar, contrariamente ao que o Conselho, a República Francesa, a Comissão e a Comader sustentam, a celebração, pela União, do acordo controvertido com uma das partes no processo de autodeterminação no território do Sara Ocidental suscita questões que não podem ser consideradas totalmente alheias a esse processo e que dizem respeito, por conseguinte, à recorrente enquanto parte no mesmo (v. n.os 206 a 215, supra).

231    Nestas condições, a recorrente deve ser considerada afetada pela decisão impugnada em razão de qualidades que lhe são particulares e que a individualizam de maneira análoga à do destinatário dessa decisão, enquanto representante do povo do Sara Ocidental e enquanto parte no processo de autodeterminação. A recorrente deve, portanto, poder submeter essa decisão à fiscalização do juiz da União para que este verifique se a União podia legalmente consentir na aplicação do acordo controvertido a esse território.

232    Estas considerações não são postas em causa pelos argumentos do Conselho, da República Francesa, da Comissão e da Comader.

233    Em primeiro lugar, quanto ao Acórdão de 10 de abril de 2003, Comissão/Nederlandse Antillen (C‑142/00 P, EU:C:2003:217), há que salientar que, nesse processo, fora interposto pela Comissão no Tribunal de Justiça um recurso de um acórdão do Tribunal Geral relativo a um litígio em que as Antilhas Neerlandesas, território ultramarino ligado à Comunidade Europeia por um acordo de associação, contestavam medidas de proteção à importação de arroz originário dos países e territórios ultramarinos (PTU). Essas medidas eram de alcance geral e, apesar de afetarem o setor da transformação industrial de arroz nas Antilhas Neerlandesas de onde provinha a maior parte das importações desse produto originárias dos PTU na Comunidade, não visavam especificamente as importações provenientes desse território ultramarino particular, mas de todos os PTU.

234    Foi nesse contexto que o Tribunal de Justiça considerou que o interesse geral que as Antilhas Neerlandesas podiam ter na prosperidade económica no seu território e a incidência das medidas contestadas no setor da transformação do arroz, atividade que podia ser exercida por qualquer operador em qualquer PTU, não constituíam circunstâncias suscetíveis de individualizar as recorrentes (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2003, Comissão/Nederlandse Antillen, C‑142/00 P, EU:C:2003:217, n.os 66 a 79).

235    As circunstâncias do litígio que deu origem ao Acórdão de 10 de abril de 2003, Comissão/Nederlandse Antillen (C‑142/00 P, EU:C:2003:217), não são, portanto, comparáveis às do presente processo. Com efeito, por um lado, as medidas contestadas no âmbito desse litígio não visavam especificamente o território das recorrentes. Por outro lado, e de qualquer modo, a adoção dessas medidas não implicava requerer o consentimento do povo desse território.

236    Em segundo lugar, a referência da Comissão e da República Francesa à jurisprudência relativa à afetação individual das associações (v. Acórdão de 18 de janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho, C‑229/05 P, EU:C:2007:32, n.° 70 e jurisprudência referida, e Despacho de 3 de abril de 2014, ADEAS/Comissão, T‑7/13, não publicado, EU:T:2014:221, n.° 32 e jurisprudência referida) é irrelevante no caso vertente. Com efeito, a afetação individual de uma associação que representa os interesses privados de um conjunto de particulares ou de empresas não pode ser comparada à de uma organização, como a recorrente, que representa o povo de um território não autónomo.

237    Em terceiro lugar, tendo em conta o papel da recorrente e as circunstâncias recordadas no n.° 230, supra, as quais bastam para a individualizar em relação à decisão impugnada, o facto de não ter participado nas negociações conduzidas pela União com vista à celebração do acordo controvertido não lhe pode ser oposto. Além disso, no âmbito do presente recurso, a recorrente põe em causa a legalidade da decisão impugnada precisamente devido ao facto de não ter sido associada à celebração do referido acordo para expressar o consentimento do povo do Sara Ocidental no mesmo.

238    Daqui resulta que a recorrente é não só diretamente mas também individualmente afetada pela decisão impugnada. Por conseguinte, há que julgar improcedente o fundamento de inadmissibilidade do Conselho relativo à falta de legitimidade ativa e examinar o mérito do recurso.

B.      Quanto à procedência do recurso

239    Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca dez fundamentos. O primeiro fundamento é relativo à falta de competência do Conselho para adotar a decisão impugnada; o segundo, à violação da sua obrigação de verificar o respeito pelos direitos fundamentais e pelo direito internacional humanitário; o terceiro, à violação da obrigação de executar os acórdãos do Tribunal de Justiça; o quarto, à violação dos direitos fundamentais, enquanto princípios e valores que devem guiar a ação externa da União; o quinto, à violação do princípio da proteção da confiança legítima; o sexto, à aplicação errada do princípio da proporcionalidade; o sétimo, à violação do direito à autodeterminação; o oitavo, à violação do princípio do efeito relativo dos Tratados; o nono, à violação do direito internacional humanitário e, o décimo, à violação das obrigações da União por força do direito da responsabilidade internacional.

1.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de competência do Conselho para adotar a decisão impugnada

240    A recorrente sustenta que o Conselho, enquanto órgão da União, não tem competência para adotar a decisão impugnada, uma vez que esta procedia à celebração de um acordo internacional aplicável a um território sob a soberania de um povo terceiro, sobre o qual nem a União nem o seu cocontratante têm autoridade.

241    O Conselho sustenta que, com o presente fundamento, a recorrente contesta, na realidade, a competência da União devido à violação do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados e faz referência à sua resposta aos sétimo e oitavo fundamentos. Por outro lado, salienta que a competência para celebrar acordos internacionais lhe é conferida pelo artigo 218.°, n.° 6, TFUE.

242    Por sua vez, a Comissão sustenta que o direito internacional não se opõe à celebração, pela potência administrante de um território não autónomo, de um acordo internacional aplicável ao referido território. No caso vertente, o Reino de Marrocos deve ser considerado, de facto, a autoridade administrante do Sara Ocidental. A República Francesa defende, em substância, uma posição análoga. A Comader aprova, em substância, a resposta do Conselho ao presente fundamento.

243    A título preliminar, importa recordar que, em conformidade com o princípio da atribuição enunciado no artigo 5.°, n.os 1 e 2, TUE, a União atua unicamente dentro dos limites das competências que os Estados‑Membros lhe tenham atribuído nos Tratados para alcançar os objetivos fixados por estes últimos. No que respeita, mais particularmente, às instituições da União, é especificado, no artigo 13.°, n.° 2, TUE, que cada uma delas atua dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados, de acordo com os procedimentos, as condições e as finalidades que estes estabelecem (Acórdão de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.os 97 e 98).

244    No caso em apreço, como indica o primeiro «tendo em conta» da decisão impugnada, o Conselho adotou essa decisão com fundamento no artigo 207.°, n.° 4, primeiro parágrafo, TFUE, em conjugação com o artigo 218.°, n.° 6, segundo parágrafo, alínea a), subalínea i), TFUE.

245    A recorrente não contesta que o Conselho respeitou os procedimentos e as condições aplicáveis a um ato adotado com base nas disposições do TFUE recordadas no n.° 244, supra. Na realidade, no âmbito do presente fundamento, a recorrente contesta apenas a competência da União para celebrar o acordo controvertido, na medida em que este é aplicável a um território estrangeiro, que se encontra sob a soberania do povo do Sara Ocidental. A este respeito, a recorrente refere‑se, em especial, ao princípio geral de direito consagrado pela locução latina «nemo plus juris ad alium transferre potest quam ipse habet».

246    A este respeito, é certo que se pode salientar que determinadas regras de direito internacional podem obstar a que a União, devido ao seu estatuto de organização internacional, adira ela própria a uma convenção internacional ou, no mínimo, podem enquadrar estritamente essa adesão [v., neste sentido, Parecer 2/91 (Convenção n.° 170 da OIT), de 19 de março de 1993, EU:C:1993:106, n.° 5, e Acórdão de 20 de novembro de 2018, Comissão/Conselho (AMP Antártida), C‑626/15 e C‑659/16, EU:C:2018:925, n.os 128 a 130]. De igual modo, em certos casos, o direito internacional pôde opor‑se a que tratados aplicáveis a um território não autónomo sejam celebrados com um determinado Estado terceiro devido a violações cometidas nesse território pelo referido Estado [Parecer Consultivo do TIJ de 21 de junho de 1971, Consequências jurídicas para os Estados da presença contínua da África do Sul na Namíbia (Sudoeste africano) não obstante a Resolução 276 (1970) do Conselho de Segurança (TIJ, Recueil 1971, p. 16, n.os 122 a 126)].

247    Todavia, no caso vertente, a recorrente não invocou nenhuma regra do direito internacional que seja de natureza a limitar o poder da União de celebrar um acordo bilateral como o acordo controvertido, devido ao seu estatuto de organização internacional. Por outro lado, embora a recorrente considere que certos princípios do direito internacional consuetudinário se opõem a que a União celebre o referido acordo, não invoca nenhuma regra deste direito, designadamente resultante de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU ou consagrada num acórdão do TIJ, a proibir expressamente qualquer acordo internacional com o Reino de Marrocos aplicável ao território do Sara Ocidental.

248    Além disso, resulta do n.° 98 do Acórdão Conselho/Frente Polisário que o Tribunal de Justiça não excluiu, por princípio, que, à luz dos princípios do direito internacional aplicáveis às relações entre a União e o Reino de Marrocos no âmbito do Acordo de Associação, a União tenha o direito de celebrar com este país terceiro um acordo inserido nesse âmbito e que preveja expressamente a sua aplicação ao Sara Ocidental.

249    Por estas razões, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

250    Importa prosseguir a apreciação do mérito do recurso com o terceiro fundamento.

2.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo, em substância, à violação, pelo Conselho, da sua obrigação de se conformar às exigências deduzidas pela jurisprudência do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados

251    A recorrente sustenta que, ao celebrar com o Reino de Marrocos um acordo expressamente aplicável ao território do Sara Ocidental sem o seu consentimento, o Conselho violou a obrigação de execução dos acórdãos do Tribunal de Justiça que decorre do artigo 266.° TFUE. Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que a inclusão implícita desse território no âmbito de aplicação dos acordos celebrados entre a União e o Reino de Marrocos é juridicamente impossível, por força do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados. A recorrente deduz daí que pelas mesmas razões, uma aplicação expressa de tais acordos ao referido território está, por maioria de razão, excluída. Por outro lado, na primeira parte da petição, nas considerações preliminares da réplica e nas observações sobre os articulados de intervenção, a recorrente alega, em especial, que a celebração do acordo controvertido é contrária à jurisprudência na medida em que não respeita o estatuto separado e distinto do Sara Ocidental e a exigência do consentimento do povo desse território.

252    O Conselho sustenta que, ao celebrar um acordo que permite expressamente ao Acordo de Associação produzir efeitos no território do Sara Ocidental, após ter obtido o consentimento do povo desse território, se conformou com o Acórdão Conselho/Frente Polisário.

253    A este respeito, nas considerações preliminares da contestação, intituladas «Questões horizontais», o Conselho sustenta, em substância, que, tendo em conta a situação particular do Sara Ocidental, que torna impossível um consulta direta do povo desse território ou através de um representante institucional, as instituições puderam fazer uso do seu poder de apreciação para procederem a consultas baseadas num critério objetivo, relativo aos benefícios para as populações desse território, e, a este respeito, se conformaram com os princípios do direito internacional aplicáveis. Por outro lado, o Conselho alega que as disposições e os princípios do direito internacional aplicáveis às potências administrantes são pertinentes no caso em apreço, atendendo à «administração de facto» desse território pelo Reino de Marrocos e que, em todo o caso, a recorrente não tem capacidade jurídica nem os meios administrativos para celebrar um acordo comercial com a União. Por último, sustenta que a recorrente não preenche os requisitos enunciados pela jurisprudência para invocar regras de direito internacional e que a fiscalização jurisdicional da decisão impugnada à luz dos princípios do direito internacional consuetudinário está necessariamente limitada ao erro manifesto de apreciação.

254    Na parte do seu articulado de intervenção intitulada «Considerações jurídicas preliminares», a Comissão desenvolve, em substância, uma argumentação análoga à do Conselho no que respeita à invocabilidade dos princípios do direito internacional consuetudinário por um particular e ao caráter limitado da fiscalização jurisdicional dos atos da União à luz destes princípios. Além disso, no âmbito dos sétimo e oitavo fundamentos, a Comissão alega, por um lado, que a violação do direito à autodeterminação não é invocável contra um ato do Conselho e, por outro, que o princípio do efeito relativo dos Tratados só pode tornar um acordo internacional inoponível a um terceiro, mas não pôr em causa a sua validade. Por último, sustenta que a recorrente está equivocada sobre as consequências a retirar dos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK. Com efeito, estes acórdãos limitaram‑se a interpretar os acordos aplicáveis ao território de Marrocos à luz dos princípios do direito internacional pertinentes, mas não tinham por objeto a validade desses acordos.

255    Na parte «Considerações preliminares sobre os “factos”» do seu articulado de intervenção, a Comissão desenvolve, em substância, a mesma análise que a do Conselho no que respeita ao processo que conduziu à celebração do acordo controvertido. Além disso, especifica que este acordo não considera os produtos originários do Sara Ocidental como de origem marroquina, mas os refere expressamente como originários desse território. Por outro lado, a Comissão sustenta que o processo de negociação conduzido sob a égide da ONU não confia à recorrente a missão exclusiva de «falar em nome» do povo do Sara Ocidental.

256    A República Francesa partilha, em substância, da análise do Conselho e da Comissão.

257    Na parte «Considerações factuais» do seu articulado de intervenção, a Comader adere, em parte, à análise da Comissão e do Conselho relativa ao processo de consulta anterior à celebração do acordo controvertido. Além disso, a Comader afirma que os eleitos locais, que participaram nessa consulta, são os representantes legítimos da população do Sara Ocidental e gozam de legitimidade democrática. Por outro lado, sustenta, em especial, que o artigo 266.° TFUE não é aplicável ao caso em apreço. Por último, a Comader alega que o princípio do efeito relativo dos Tratados não é aplicável, no presente caso, e que, de qualquer modo, o acordo controvertido não é oponível à recorrente.

258    A título preliminar, importa salientar que o Conselho, a República Francesa, a Comissão e a Comader põem em causa, nomeadamente, a base jurídica do presente fundamento e que os seus argumentos levantam, em definitivo, a questão de saber se este não é inoperante. Há, portanto, que examinar esta questão antes de se pronunciar, sendo caso disso, sobre a procedência do referido fundamento.

a)      Quanto aos argumentos do Conselho, da República Francesa, da Comissão e da Comader relativos, em substância, ao caráter inoperante do terceiro fundamento

259    Os argumentos do Conselho, da República Francesa, da Comissão e da Comader põem em causa as bases jurídicas do presente fundamento em três aspetos. Em primeiro lugar, o artigo 266.° TFUE não é aplicável. Em segundo lugar, os acórdãos referidos pela recorrente não podem ser utilmente invocados para efeitos de contestação da validade dos acordos entre a União e o Reino de Marrocos. Em terceiro lugar, a recorrente não pode invocar os princípios do direito internacional consuetudinário cuja violação alega no presente caso.

260    Em primeiro lugar, importa recordar que, por força do artigo 266.°, n.° 1, TFUE, a instituição, o órgão ou o organismo de que emane o ato anulado, ou cuja abstenção tenha sido declarada contrária aos Tratados, deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia.

261    Segundo jurisprudência constante, a obrigação prevista no artigo 266.° TFUE, que é aplicável por analogia aos acórdãos que declaram a invalidade de um ato da União, implica que as instituições em causa são obrigadas a respeitar não apenas a parte decisória do acórdão de anulação ou de invalidação, mas igualmente a fundamentação da mesma e que constitui a sua base de sustentação necessária, na medida em que são indispensáveis para determinar o sentido exato do que foi deliberado no dispositivo. Com efeito, é esta fundamentação que, por um lado, identifica exatamente a disposição considerada ilegal e, por outro lado, revela as razões exatas da ilegalidade declarada no dispositivo, que têm de ser tomadas em consideração pela instituição ao substituir o ato anulado ou invalidado (v. Acórdão de 28 de janeiro de 2016, CM Eurologistik e GLS, C‑283/14 e C‑284/14, EU:C:2016:57, n.os 48 e 49 e jurisprudência referida).

262    No entanto, não resulta da redação do artigo 266.° TFUE nem da referida no n.° 261, supra, que a obrigação prevista neste artigo se estende a fundamentação de um acórdão que negou provimento a um recurso de anulação de um ato da União.

263    Ora, no caso vertente, conforme recordado nos n.os 34 e 40, supra, no Acórdão Conselho/Frente Polisário, o Tribunal de Justiça, após ter anulado o Acórdão de 10 de dezembro de 2015, Frente Polisário/Conselho (T‑512/12, EU:T:2015:953), decidiu definitivamente o litígio, julgando o recurso da recorrente inadmissível, por falta de legitimidade.

264    Relativamente ao Acórdão Western Sahara Campaign UK, além de não ter posto em causa a validade dos atos da União impugnados, que era objeto das questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça, basta salientar, de qualquer modo, que era relativo a uma decisão e a acordos internacionais em matéria de pesca cujo âmbito de aplicação material difere do da decisão impugnada e do acordo controvertido. Constatações análogas podem ser feitas, mutatis mutandis, no que respeita aos Despachos de 19 de julho de 2018, Frente Polisário/Conselho (T‑180/14, não publicado, EU:T:2018:496), e de 30 de novembro de 2018, Frente Polisário/Conselho (T‑275/18, não publicado, EU:T:2018:869).

265    Por conseguinte, como salienta, em substância, a Comader, a recorrente não pode, no caso em apreço, retirar do artigo 266.° TFUE uma obrigação, para as instituições, de executar as decisões dos órgãos jurisdicionais da União referidas nos n.os 263 e 264, supra. Assim, na medida em que se baseia nas disposições deste artigo, o presente fundamento deve ser julgado inoperante.

266    No entanto, há que salientar que, segundo jurisprudência constante, não se exige que uma parte refira expressamente as disposições em que baseia os fundamentos que invoca, desde que o objeto do pedido dessa parte e os principais elementos de facto e de direito em que se baseia o pedido sejam apresentados na petição com suficiente clareza. Esta jurisprudência é aplicável, mutatis mutandis, em caso de erro no enunciado das disposições em que se basearam os fundamentos de um recurso [v. Acórdão de 23 de novembro de 2017, Aurora/OCVV — SESVanderhave (M 02205), T‑140/15, EU:T:2017:830, n.° 38 e jurisprudência referida].

267    No presente caso, como decorre do n.° 251, supra, a argumentação desenvolvida em apoio do presente fundamento baseia‑se numa alegação relativa, em substância, à violação, pelas instituições, da sua obrigação de se conformarem com a jurisprudência do Tribunal de Justiça referente à interpretação dos acordos entre a União e o Reino de Marrocos à luz das regras de direito internacional aplicáveis. A este respeito, interrogada na audiência sobre a base jurídica deste fundamento, a recorrente referiu, em substância, que, na medida em que se indica, na fundamentação da decisão impugnada, que esta foi adotada em conformidade com o Acórdão Conselho/Frente Polisário, pode utilmente invocar as considerações deste último para sustentar que a referida decisão as não respeita. Aliás, foi neste sentido que entenderam o Conselho e a Comissão, como demonstram os seus argumentos em resposta aos da recorrente.

268    A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a União é uma União de direito cujas instituições estão sujeitas à fiscalização da conformidade dos seus atos, nomeadamente, com os Tratados e com os princípios gerais do direito e na qual as pessoas singulares e coletivas devem beneficiar de uma proteção jurisdicional efetiva (v. Acórdão de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho, C‑45/15 P, EU:C:2017:402, n.° 35 e jurisprudência referida).

269    Em especial, as instituições da União são obrigadas a cumprir as obrigações decorrentes do direito da União, tal como interpretado por um acórdão declarativo de um incumprimento, um acórdão prejudicial ou uma jurisprudência assente na matéria (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho, C‑45/15 P, EU:C:2017:402, n.os 31 e 40 e jurisprudência referida).

270    No âmbito de um recurso de anulação, cabe, portanto, ao juiz da União, que aprecia um fundamento nesse sentido, fiscalizar a conformidade da decisão impugnada com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, sempre que este tenha deduzido do direito da União ou do direito internacional aplicável exigências pertinentes para a apreciação da legalidade dessa decisão.

271    É o que sucede, no caso vertente, com as obrigações que decorrem, segundo o Acórdão Conselho/Frente Polisário, em especial, do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados. Com efeito, conforme resulta dos considerandos 6 e 10 da decisão impugnada (v. n.° 51, supra), as instituições negociaram e celebraram o acordo controvertido com vista a retirar as consequências desse acórdão, prevendo uma base legal expressa para a aplicação do regime preferencial do Acordo de Associação aos produtos originários do Sara Ocidental, acompanhada de garantias de respeito pelo direito internacional e pelos direitos fundamentais, designadamente, para ter em conta as «considerações sobre o consentimento» constantes do n.° 106 do referido acórdão.

272    Daqui resulta que, na medida em que é relativo, em substância, à violação, pelo Conselho, da sua obrigação de se conformar com a interpretação do Acordo de Associação à luz das regras de direito internacional público aplicáveis, adotada pela jurisprudência, em especial, no Acórdão Conselho/Frente Polisário, o presente fundamento não é inoperante não obstante a referência errada da recorrente ao artigo 266.° TFUE.

273    Em segundo lugar, o facto de, no Acórdão Conselho/Frente Polisário, o Tribunal de Justiça ter procedido à interpretação do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados no contexto da interpretação do Acordo de Associação e do Acordo de Liberalização e não da fiscalização da validade destes últimos não é determinante.

274    Com efeito, por um lado, como decorre da jurisprudência recordada no n.° 269, supra, as instituições devem observar as regras do direito da União, tal como interpretadas pela jurisprudência, seja qual for o contexto em que esta jurisprudência é declarada. Este princípio é aplicável à interpretação, pelo Tribunal de Justiça, de regras do direito internacional, uma vez que a União é obrigada, em conformidade com jurisprudência constante, a exercer as suas competências no respeito do direito internacional no seu conjunto (v. Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.° 47 e jurisprudência referida). Além disso, como foi recordado, o juiz da União é competente para apreciar se um acordo internacional celebrado pela União é compatível com os Tratados e com as regras de direito internacional que, em conformidade com os mesmos, vinculam a União (v. n.os 155 e 156, supra).

275    Por outro lado, como foi relembrado no n.° 195, supra, as regras deduzidas, pelo Tribunal de Justiça, dos princípios do direito internacional que este interpretou no Acórdão Conselho/Frente Polisário são pertinentes para determinar se o Acordo de Associação pode legalmente aplicar‑se, de forma implícita, ao Sara Ocidental. Por conseguinte, essas regras também o são, por maioria de razão, para examinar se é possível introduzir neste acordo uma estipulação que preveja expressamente essa aplicação territorial. A legalidade da decisão impugnada pode, portanto, ser examinada à luz dessas regras.

276    Em terceiro lugar, no que respeita à invocabilidade dos princípios do direito internacional interpretados pelo Tribunal de Justiça, em especial, o princípio da autodeterminação e o princípio do efeito relativo dos Tratados, antes de mais, foi recordado de forma reiterada que o juiz da União é competente para apreciar a compatibilidade de uma decisão de celebração de um acordo internacional com, designadamente, as regras de direito internacional, uma vez que a União deve exercer as suas competências no respeito dessas regras, às quais está vinculada por força dos Tratados.

277    A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 3.°, n.° 5, e do artigo 21.°, n.° 1, TUE, a ação da União na cena internacional assenta nos valores e nos princípios que presidiram à sua criação, desenvolvimento e alargamento. Contribui, em especial, para o estrito respeito e o desenvolvimento do direito internacional, designadamente para o respeito dos princípios da Carta das Nações Unidas.

278    Importa acrescentar que, em conformidade com o artigo 207.°, n.° 1, TFUE, e como decorre, de resto, do considerando 12 da decisão impugnada, a política comercial comum é conduzida de acordo com os princípios e objetivos da ação externa da União, incluindo os recordados no n.° 277, supra. A União tem a obrigação de integrar estes princípios e objetivos na condução dessa política [v., neste sentido, Parecer 2/15 (Acordo de Comércio Livre com Singapura), de 16 de maio de 2017, EU:C:2017:376, n.os 142 a 147].

279    Em seguida, há que relembrar que, nos n.os 88 e 89 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, o Tribunal de Justiça declarou que o direito à autodeterminação constituía um direito oponível erga omnes e um dos princípios essenciais do direito internacional e que, a esse título, este princípio fazia parte das regras de direito internacional aplicáveis nas relações entre a União e o Reino de Marrocos, cuja tomada em consideração se impunha ao juiz da União. Além disso, nos n.os 90 a 93 do mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça, com base nas Resoluções da Assembleia Geral da ONU e no Parecer Consultivo sobre o Sara Ocidental, declarou que o estatuto separado e distinto do Sara Ocidental devia ser respeitado no âmbito das relações entre a União e o Reino de Marrocos e que essa exigência devia ser tida em conta para a interpretação do Acordo de Associação.

280    De igual modo, após ter recordado nos n.os 104 e 105 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, por um lado, as constatações do TIJ no Parecer Consultivo sobre o Sara Ocidental, em especial, a constatação de que a população desse território goza do direito à autodeterminação e, por outro, a recomendação da Assembleia Geral da ONU relativa à participação da recorrente na busca de uma solução para o estatuto definitivo desse território, o Tribunal de Justiça deduziu desses elementos, no n.° 106 do mesmo acórdão, que o referido povo deve ser considerado um terceiro, na aceção do princípio do efeito relativo dos Tratados, que deve consentir na execução do Acordo de Associação no referido território.

281    Resulta daí que, no Acórdão Conselho/Frente Polisário, o Tribunal de Justiça deduziu do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados obrigações claras, precisas e incondicionais (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o., C‑366/10, EU:C:2011:864, n.° 55), que se impõem relativamente ao Sara Ocidental no âmbito das relações entre a União e o Reino de Marrocos, a saber, por um lado, o respeito do seu estatuto separado e distinto e, por outro, a obrigação de assegurar o consentimento do seu povo em caso de execução do Acordo de Associação nesse território. Conforme exposto no n.° 275, supra, deve deduzir‑se daí que estas obrigações são pertinentes, por maioria de razão, para se pronunciar sobre a legalidade de estipulações que preveem uma aplicação expressa desse acordo ou dos seus protocolos a esse território.

282    Por conseguinte, no caso em apreço, para defender os direitos que o povo do Sara Ocidental retira do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados, a recorrente deve ter a faculdade de invocar a violação dessas obrigações claras, precisas e incondicionais contra a decisão impugnada, na medida em que esta alegada violação é suscetível de afetar o referido povo, enquanto terceiro num acordo celebrado entre a União e o Reino de Marrocos (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 16 de junho de 1998, Racke, C‑162/96, EU:C:1998:293, n.° 51).

283    Contrariamente ao que o Conselho, a República Francesa, a Comissão e a Comader sugerem, a invocabilidade, pela recorrente, do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados não colide com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à questão da invocabilidade dos princípios do direito internacional consuetudinário, que decorre, nomeadamente, do Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864).

284    A este respeito, importa recordar que, no n.° 107 do Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864), o Tribunal de Justiça declarou que os princípios do direito internacional consuetudinário referidos no n.° 103 do mesmo acórdão podem ser invocados por um sujeito jurídico, para efeitos do exame da validade de um ato da União, pelo Tribunal de Justiça, na medida em que, por um lado, esses princípios sejam suscetíveis de pôr em causa a competência da União para adotar o referido ato e, por outro, o ato em causa seja suscetível de afetar direitos dos sujeitos jurídicos derivados do direito da União ou de gerar obrigações para os mesmos à luz desse direito. Tratava‑se, nesse caso, do princípio segundo o qual cada Estado tem soberania completa e exclusiva sobre o seu espaço aéreo, do princípio nos termos do qual nenhum Estado pode legitimamente pretender submeter uma qualquer parte do alto mar à sua soberania e do princípio da liberdade de sobrevoar o alto mar.

285    Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, na medida em que estes princípios foram invocados no processo principal a fim de que aprecie se a União é competente para adotar a Diretiva 2008/101/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, que altera a Diretiva 2003/87/CE de modo a incluir as atividades da aviação no regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade (JO 2009, L 8, p. 3), e na medida em que esta diretiva era suscetível de gerar obrigações para as recorrentes no processo principal, não se pode excluir que estas últimas possam invocar os referidos princípios, mesmo que estes parecessem ter apenas por alcance criar obrigações entre Estados (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o., C‑366/10, EU:C:2011:864, n.os 108 e 109).

286    Ora, importa salientar que as circunstâncias em que o Tribunal de Justiça enunciou as considerações recordadas nos n.os 284 e 285, supra, são diferentes das circunstâncias do caso em apreço.

287    Em primeiro lugar, não decorre do Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864), que, anteriormente a esse acórdão, já tivessem sido deduzidas dos princípios do direito internacional consuetudinário mencionados no seu n.° 103 obrigações claras, precisas e incondicionais que se imponham à União em relação a empresas de países terceiros, como as recorrentes no processo principal. Assim, no âmbito das questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça nesse processo, foi‑lhe pedido, em substância, que fiscalizasse a validade do ato impugnado diretamente à luz dos referidos princípios, enunciados de forma geral.

288    Em segundo lugar, as recorrentes no processo principal eram empresas de transporte aéreo e associações profissionais que agrupavam tais empresas. Tratava‑se, portanto, de particulares a respeito dos quais os princípios do direito internacional consuetudinário que invocavam não eram, em princípio, criadores de direitos, uma vez que, como o Tribunal de Justiça salientou no n.° 109 do Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864), esses princípios pareciam criar obrigações apenas entre Estados. Como a recorrente sublinhou, em substância, nas suas observações sobre o articulado de intervenção da Comissão e na audiência, a situação desses particulares não é comparável à sua no presente caso, enquanto representante de um terceiro ao acordo celebrado pela decisão impugnada, que retira do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados direitos que pode invocar contra essa decisão.

289    Em terceiro lugar, a Diretiva 2008/101, cuja validade era contestada pelas recorrentes no processo principal, é um ato adotado no exercício das competências internas da União e o seu âmbito de aplicação deve, em princípio, ser limitado ao território da União. Ora, essas recorrentes invocavam precisamente os princípios do direito internacional consuetudinário mencionados no n.° 103 do Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864), para alegar, em substância, a violação, pela União, das suas competências, uma vez que essa diretiva podia aplicar‑se às partes dos voos internacionais efetuadas fora do espaço aéreo dos Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o., C‑366/10, EU:C:2011:864, n.os 121 a 130).

290    Em contrapartida, no presente caso, a decisão impugnada não foi adotada no âmbito das competências internas da União, mas no quadro da sua ação externa, que assenta, nos termos, nomeadamente, do artigo 21.° TUE, no respeito pelos princípios da Carta das Nações Unidas e do direito internacional. Ora, conforme declarado no n.° 247, supra, no âmbito do primeiro fundamento relativo à incompetência do Conselho para adotar a decisão impugnada, o simples facto de o acordo controvertido ser aplicável ao Sara Ocidental não constitui, por si só, uma violação pelo Conselho de uma regra do direito internacional que limite as competências da União para celebrar tal acordo.

291    Resulta de tudo o que precede que, no caso vertente, a invocabilidade do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados não pode ser apreciada à luz das considerações constantes dos n.os 107 a 109 do Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864), na medida em que essas considerações assentavam numa apreciação das circunstâncias específicas do caso em apreço, relativas à natureza dos princípios do direito internacional invocados e do ato impugnado e à situação jurídica das recorrentes no processo principal, que não são comparáveis às do presente caso. Em especial, a invocabilidade dos dois princípios acima referidos não pode ser limitada, neste caso, à contestação da competência da União para adotar a decisão impugnada, uma vez que, por um lado, a recorrente invoca obrigações claras, precisas e incondicionais impostas à União no quadro da adoção dessa decisão e que, por outro, esta invocação visa assegurar o respeito dos direitos de um terceiro ao acordo suscetíveis de serem afetados pela violação dessas obrigações.

292    De qualquer modo, conforme salientado nos n.os 267, 271 e 272, supra, no âmbito do presente fundamento, a recorrente formula uma alegação relativa, em substância, à violação, pelo Conselho e pela Comissão, da respetiva obrigação de se conformarem com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à interpretação dos acordos entre a União e o Reino de Marrocos à luz das regras de direito internacional aplicáveis e, em especial, da obrigação de se conformarem com o Acórdão Conselho/Frente Polisário, em apoio de um recurso interposto contra uma decisão adotada para retirar as consequências desse acórdão. Por conseguinte, neste contexto, não lhe pode ser negado o direito de pôr em causa a legalidade da decisão impugnada, invocando, no âmbito desta alegação, tais regras, de natureza fundamental, quando a União está vinculada por essas regras e essa decisão foi adotada para se conformar com a interpretação que o Tribunal de Justiça lhes deu (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 16 de junho de 1998, Racke, C‑162/96, EU:C:1998:293, n.os 48 e 51 e jurisprudência referida).

293    Por último, impõe‑se concluir que a argumentação da Comissão e da Comader relativa à invocabilidade específica, por um lado, do princípio da autodeterminação e, por outro, do princípio do efeito relativo dos Tratados, só pode ser rejeitada.

294    Por um lado, no que respeita ao argumento da Comissão, de que o princípio da autodeterminação consagra um direito «coletivo» que abre um processo de natureza essencialmente política, cujo desfecho não é definido de antemão, há que salientar que não decorre dos n.os 88 a 106 do Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Conselho/Frente Polisário (C‑104/16 P, EU:C:2016:973), que essas especificidades alegadas do direito à autodeterminação devem ser tidas em conta para fiscalizar o respeito das obrigações claras, precisas e incondicionais recordadas no n.° 281, supra.

295    De qualquer modo, o facto de o direito de autodeterminação ser um direito coletivo é irrelevante, uma vez que o terceiro representado pela recorrente é precisamente o titular desse direito. De igual modo, o argumento de que o direito de autodeterminação abre um processo político cujo resultado não é determinado de antemão assenta, em definitivo, na premissa errada de que o povo do Sara Ocidental não goza, desde logo, do direito à autodeterminação pelo facto de, nesta fase, o processo relativo ao estatuto definitivo desse território não ter chegado ao seu termo e de o referido povo não estar, portanto, em condições de exercer plenamente esse direito. Ora, conforme declarou o Tribunal de Justiça no n.° 105 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, os órgãos da ONU reconheceram que esse povo goza deste direito e foi precisamente a este título que a recorrente participou nesse processo. Por conseguinte, o facto de o resultado desse processo ainda não estar, nesta fase, determinado não pode obstar à invocabilidade deste princípio.

296    Por outro lado, no que respeita à invocabilidade do princípio do efeito relativo dos Tratados, princípio do direito internacional geral que se impõe a qualquer parte numa convenção internacional (v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 2010, Brita, C‑386/08, EU:C:2010:91, n.° 44), há que salientar que as considerações enunciadas nos n.os 197 a 199, supra, são mutatis mutandis transponíveis para a questão da invocabilidade deste princípio no âmbito do presente recurso. Em especial, conforme exposto pela recorrente, em substância, importa distinguir as consequências da inobservância do princípio do efeito relativo dos Tratados na ordem jurídica internacional e as consequências, na ordem jurídica da União, de uma violação, pelas instituições, de uma obrigação decorrente deste princípio, tendo em conta a competência do juiz da União para fiscalizar o respeito desta obrigação.

297    Resulta de tudo o que precede que, no âmbito do presente fundamento, a recorrente pode invocar utilmente o Acórdão Conselho/Frente Polisário e a interpretação que nele é acolhida do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados. Este fundamento não é, portanto, inoperante.

b)      Quanto à procedência dos argumentos invocados pela recorrente em apoio do presente fundamento

298    A argumentação da recorrente em apoio do presente fundamento inclui, em substância, três partes, relativas, em primeiro lugar, à impossibilidade de a União e de o Reino de Marrocos celebrarem um acordo aplicável ao Sara Ocidental, em segundo lugar, à violação do estatuto separado e distinto desse território, contrariamente ao princípio da autodeterminação, e, em terceiro lugar, à violação da exigência do consentimento do povo desse território, enquanto terceiro ao acordo controvertido, na aceção do princípio do efeito relativo dos Tratados.

1)      Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, relativa à impossibilidade de a União e de o Reino de Marrocos celebrarem um acordo aplicável ao Sara Ocidental

299    Com a primeira parte do terceiro fundamento, a recorrente sustenta que, como resulta dos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK, a aplicação ao Sara Ocidental de um acordo entre a União e o Reino de Marrocos é juridicamente impossível devido, em especial, à violação do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados. Ora, o acordo controvertido visa, na realidade, «perenizar» a aplicação de facto do Acordo de Associação à parte desse território controlada pelas autoridades marroquinas, que tinha sido excluída pelo primeiro destes acórdãos.

300    A este respeito, conforme recordado no n.° 187, supra, no Acórdão Conselho/Frente Polisário, o Tribunal de Justiça apenas excluiu que, na falta de uma estipulação expressa que alargue ao território do Sara Ocidental o âmbito de aplicação do Acordo de Associação, limitado, no que diz respeito ao Reino de Marrocos, ao seu próprio território, o Acordo de Liberalização possa ser interpretado no sentido de que procedeu a esse alargamento.

301    Com efeito, o Tribunal de Justiça começou por declarar que, por força do princípio da autodeterminação, foi reconhecido pela Assembleia Geral da ONU e pelo TIJ ao Sara Ocidental, território não autónomo, na aceção do artigo 73.° da Carta das Nações Unidas, um estatuto separado e distinto em relação ao de qualquer Estado, incluindo o Reino de Marrocos. Em seguida, no que respeita à regra codificada no artigo 29.° da Convenção de Viena, o Tribunal de Justiça salientou, em substância, que, ao abrigo desta regra, um tratado só pode vincular um Estado em relação a um outro território diferente do seu se tal intenção resultar desse tratado ou tiver sido de outro modo estabelecida. Por último, tendo salientado que, por força do princípio do efeito relativo dos Tratados, a execução do Acordo de Associação em caso de inclusão do Sara Ocidental no âmbito de aplicação deste último devia receber o consentimento do povo desse território, enquanto terceiro a esse acordo, o Tribunal de Justiça declarou que o Acórdão de 10 de dezembro de 2015, Frente Polisário/Conselho (T‑512/12, EU:T:2015:953) não evidenciava que o povo do Sara Ocidental tivesse manifestado tal consentimento. O Tribunal de Justiça concluiu que estas três regras de direito internacional se opunham a que esse território não autónomo fosse considerado abrangido pelo âmbito de aplicação territorial do Acordo de Associação e do Acordo de Liberalização por força de um acordo tácito entre a União e o Reino de Marrocos (Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.os 92 a 116).

302    Além disso, o Tribunal de Justiça considerou que a prática posterior à celebração do Acordo de Associação não podia justificar a interpretação deste acordo e do Acordo de Liberalização no sentido de que se aplicavam juridicamente ao Sara Ocidental, uma vez que, contrariamente ao disposto no artigo 31.°, n.° 3, alínea b), da Convenção de Viena, o Tribunal Geral não verificou se essa prática traduzia a existência de um acordo entre as partes e se uma vontade alegada da União de executar esses acordos de forma incompatível com os princípios da autodeterminação e do efeito relativo dos Tratados era inconciliável com o princípio da boa‑fé na execução dos Tratados (Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.os 122 a 125).

303    As decisões dos órgãos jurisdicionais da União referidas nos n.os 42 e 44, supra, que são posteriores ao Acórdão Conselho/Frente Polisário, aplicaram um raciocínio análogo, fazendo expressamente referência a este acórdão. Com efeito, os processos que deram origem a essas decisões eram referentes a acordos entre a União e o Reino de Marrocos que não continham estipulações expressas a alargar o seu âmbito de aplicação territorial ao Sara Ocidental ou às águas adjacentes (v., neste sentido, Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.os 62, 63, 71 a 73, 79 e 83; Despachos de 19 de julho de 2018, Frente Polisário/Conselho, T‑180/14, não publicado, EU:T:2018:496, n.os 44 a 69, e de 30 de novembro de 2018, Frente Polisário/Conselho, T‑275/18, não publicado, EU:T:2018:869, n.os 27 a 41).

304    Em contrapartida, no âmbito desta jurisprudência, os órgãos jurisdicionais da União não se pronunciaram sobre litígios relativos a acordos entre a União e o Reino de Marrocos que contivessem uma estipulação expressa que incluísse o Sara Ocidental no âmbito de aplicação territorial do acordo.

305    Ora, como acaba de ser recordado no n.° 301, supra, e como, de resto, a Comissão e a República Francesa sublinharam, no Acórdão Conselho/Frente Polisário, o Tribunal de Justiça declarou que a regra codificada no artigo 29.° da Convenção de Viena não se opõe a que um tratado vincule um Estado relativamente a um outro território diferente do seu se tal intenção resultar desse tratado. Ora, no caso em apreço, essa intenção resulta expressamente da redação da Declaração Comum sobre o Sara Ocidental e é corroborada pelo considerando 6 da decisão impugnada. Contrariamente ao que a recorrente afirma, não se pode, portanto, considerar que o acordo controvertido «valida» uma prática excluída pela jurisprudência. Com efeito, por um lado, esta não afastou totalmente a possibilidade de um acordo entre a União e o Reino de Marrocos ser legalmente aplicável ao Sara Ocidental. Por outro lado, essa aplicação não resulta, no caso vertente, de uma simples «prática», mas dos termos expressos do próprio acordo controvertido, refletindo a vontade comum das partes, designadamente da União. Por conseguinte, a presente parte deve ser julgada improcedente.

306    Importa prosseguir o exame do presente fundamento com a terceira parte.

2)      Quanto à terceira parte do terceiro fundamento, relativa à violação da exigência do consentimento do povo do Sara Ocidental no acordo controvertido, enquanto terceiro ao mesmo, na aceção do princípio do efeito relativo dos Tratados

307    Com a terceira parte do terceiro fundamento, a recorrente contesta, em especial, a validade das consultas efetuadas pela Comissão e pelo SEAE e a pertinência do Relatório de 11 de junho de 2018 que dá conta, nomeadamente, das mesmas. Com efeito, essas consultas e esse relatório centram‑se nos benefícios do acordo controvertido, quando o único critério pertinente, enunciado pelo Tribunal de Justiça, é o consentimento do povo do Sara Ocidental neste acordo. Além disso, segundo a recorrente, essas consultas, para as quais as instituições e o Reino de Marrocos não eram, segundo a recorrente, competentes, não podiam ter por objeto ou por efeito obter o referido consentimento, uma vez que, por um lado, este não podia resultar de um processo informal de consulta e, por outro, este último envolvia entidades instituídas pela lei marroquina e não incluía a parte desse povo que vivia fora da zona controlada pelo Reino de Marrocos. Além disso, no considerando 10 da decisão impugnada, o Conselho alterou a natureza e o alcance das referidas consultas, considerando‑as uma manifestação do consentimento das «populações abrangidas». Estas considerações do Conselho não são conformes com o Acórdão Conselho/Frente Polisário, designadamente, o seu n.° 106.

308    O Conselho, a República Francesa, a Comissão e a Comader sustentam, em substância, que as consultas efetuadas respeitam os princípios aplicáveis do direito internacional, tendo em conta a situação particular do Sara Ocidental, que não permitia recolher diretamente o consentimento do seu povo ou apenas por intermédio da recorrente, e o poder de apreciação importante das instituições (v. n.os 252 a 257, supra).

309    O exame da presente parte implica apreciar, em primeiro lugar, a aplicação do princípio do efeito relativo dos Tratados no presente caso, em segundo lugar, as modalidades segundo as quais as instituições pretenderam, neste caso, se conformar, de acordo com a expressão do considerando 10 da decisão impugnada, com as «considerações sobre o consentimento no [A]córdão [Conselho/Frente Polisário]» e, em terceiro lugar, a procedência da argumentação recordada no n.° 307, supra.

i)      Quanto à aplicação do princípio do efeito relativo dos Tratados ao presente caso

310    Em primeiro lugar, importa recordar que, como resulta dos n.os 100 a 107 do Acórdão Conselho/Frente Polisário e, contrariamente ao que a Comader sustenta, o princípio do efeito relativo dos Tratados é aplicável no caso vertente. Em especial, o facto alegado de que, tendo em conta a sua posição sobre o Sara Ocidental, o Reino de Marrocos não pretendeu conceder nem direitos nem obrigações ao povo desse território não tem nenhuma relevância para a aplicabilidade deste princípio no âmbito da interpretação, pelos órgãos jurisdicionais da União, à luz do direito internacional, de um acordo entre a União e o Reino de Marrocos aplicável ao Sara Ocidental, tal como o acordo controvertido.

311    Em segundo lugar, há que constatar que, no Acórdão Conselho/Frente Polisário, o Tribunal de Justiça não indicou os critérios que permitiam determinar se o consentimento do povo do Sara Ocidental tinha sido dado para a execução do Acordo de Associação nesse território nem o modo como esse consentimento podia ser expresso, uma vez que declarou simplesmente que o Acórdão de 10 de dezembro de 2015, Frente Polisário/Conselho (T‑512/12, EU:T:2015:953), não revelava que esse povo tivesse manifestado tal consentimento.

312    Por outro lado, não se afigura que os órgãos da ONU tenham tomado posição sobre a questão do consentimento do povo do Sara Ocidental num acordo internacional aplicável a esse território. A este respeito, pode salientar‑se que a carta do consultor jurídico, secretário‑geral adjunto para os assuntos jurídicos da ONU, de 29 de janeiro de 2002 (a seguir «carta de 29 de janeiro de 2002 do consultor jurídico da ONU»), a que faz referência o Conselho, não se pronuncia sobre esta questão. Com efeito, por um lado, essa carta diz respeito à questão da legalidade de contratos de direito privado celebrados entre organismos públicos marroquinos e sociedades petrolíferas com vista à prospeção e à avaliação de recursos petrolíferos ao largo da costa do Sara Ocidental e, por outro, apenas se pronuncia sobre a necessidade de ter em conta os interesses e a vontade desse povo, e não sobre as modalidades dessa tomada em consideração.

313    Em terceiro lugar, foi recordado no n.° 194, supra, que, por força do princípio de direito internacional geral do efeito relativo dos Tratados, de que a regra constante no artigo 34.° da Convenção de Viena constitui uma expressão especial, os Tratados não devem prejudicar nem beneficiar terceiros sem o seu consentimento.

314    Por outro lado, o artigo 35.° da Convenção de Viena estipula:

«Uma disposição de um tratado faz nascer uma obrigação para um terceiro Estado se as Partes nesse tratado entenderem criar a obrigação por meio dessa disposição e se o terceiro Estado aceitar expressamente por escrito essa obrigação.»

315     Além disso, o artigo 36.°, n.° 1, da Convenção de Viena estipula:

«Uma disposição de um tratado faz nascer um direito para um terceiro Estado se as Partes nesse tratado entenderem conferir esse direito, por meio dessa disposição, ao terceiro Estado, ou a um grupo de Estados a que ele pertença, ou ainda a todos os Estados, e se esse terceiro Estado o consentir. Presume‑se o consentimento enquanto não houver indicação em contrário, salvo se o tratado dispuser de outro modo.»

316    Pode deduzir‑se das disposições dos artigos 35.° e 36.° da Convenção de Viena, que exprimem, em relação aos Estados, regras decorrentes do princípio do direito consuetudinário do efeito relativo dos Tratados, que o consentimento do povo do Sara Ocidental no acordo controvertido só pode ser presumido caso as partes nesse acordo entenderem conferir‑lhe um direito, salvo indicação em contrário, e que, em contrapartida, esse consentimento deve ser expresso relativamente às obrigações que essas mesmas partes entendem impor‑lhe.

317    Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento do Conselho e da Comissão de que a exigência do consentimento não é suscetível de se aplicar da mesma maneira a um Estado e a um território não autónomo. Com efeito, por um lado, embora as disposições da Convenção de Viena se refiram unicamente às relações entre Estados, os princípios que codifica são suscetíveis de se aplicar a outros sujeitos de direito internacional (v., neste sentido, Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.° 100). Por outro lado, impõe‑se concluir que essa distinção não resulta do n.° 106 do acórdão acima referido. Com efeito, neste número, o Tribunal de Justiça não realçou nenhuma diferença de conteúdo entre a qualificação do povo do Sara Ocidental como «terceiro» na aceção do princípio do efeito relativo dos Tratados, e a qualificação de um Estado como «terceiro» na aceção do artigo 34.° da Convenção de Viena.

318    Ora, no presente caso, há que salientar que o acordo controvertido não visa conceder direitos ao povo do Sara Ocidental, enquanto terceiro ao acordo.

319    Por um lado, é o Reino de Marrocos, enquanto parte no acordo controvertido, que é titular das preferências pautais concedidas pela União aos produtos provenientes do Sara Ocidental. Esta constatação é confirmada pelo facto de, como sublinha a recorrente e como precisa a Comissão na exposição de motivos da proposta relativa à celebração do acordo controvertido, as estipulações da Declaração Comum sobre o Sara Ocidental não alterarem o volume nem as categorias de produtos abrangidos pelo Protocolo n.° 1. Assim, as preferências pautais destinadas aos produtos originários do Sara Ocidental colocados sob o controlo das autoridades marroquinas são concedidas dentro do limite dos volumes totais determinados pelo Protocolo n.° 1 para os produtos de origem marroquina e apenas para as categorias de produtos que são abrangidos por este último protocolo.

320    Por outro lado, não se pode considerar que o Reino de Marrocos exerce estes direitos em nome do povo do Sara Ocidental, uma vez que, tendo em conta a sua posição sobre esse território expressa no terceiro parágrafo do acordo controvertido, e como indica, em substância, a Comader, não pretende reconhecer‑lhe tais direitos.

321    Por outro lado, embora o acordo controvertido possa ser criador de direitos relativamente aos exportadores estabelecidos no Sara Ocidental, estes efeitos apenas dizem respeito aos particulares e não a um sujeito, terceiro ao mesmo, suscetível de neles consentir. Além disso, no que respeita aos benefícios que possam ser retirados do referido acordo pela população desse território no seu conjunto, trata‑se, de qualquer modo, de efeitos puramente socioeconómicos e não jurídicos. Estes benefícios, aliás, indiretos, não podem, portanto, ser equiparados a direitos concedidos a um terceiro, na aceção do efeito relativo dos Tratados.

322    Em contrapartida, o acordo controvertido tem por efeito impor ao terceiro em causa uma obrigação, na medida em que confere a uma das partes uma competência no seu território, que ele próprio não tem, portanto, o direito de exercer ou, sendo caso disso, de delegar o exercício desse direito (v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 2010, Brita, C‑386/08, EU:C:2010:91, n.° 52). A circunstância, alegada pelo Conselho, de não estar, nesta fase, em condições de exercer essas competências, atendendo ao estatuto de território não autónomo do território em causa e à situação que nele atualmente prevalece, não pode pôr em causa esta conclusão nem a necessidade, para este terceiro, de consentir nessa obrigação.

323    Daqui resulta que o princípio expresso no artigo 36.°, n.° 1, da Convenção de Viena, segundo o qual o consentimento de um terceiro num Tratado pode ser presumido quando este faz nascer para esse terceiro um direito, salvo indicação em contrário, não é aplicável no presente caso. A expressão deste consentimento deve, portanto, ser expressa.

324    Em quarto lugar, no que respeita ao conteúdo e ao alcance do conceito de consentimento, tal como utilizado nos artigos 34.° a 36.° da Convenção de Viena e referido no n.° 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, há que salientar que, conforme decorre do terceiro parágrafo do preâmbulo desta Convenção, o princípio do livre consentimento constitui, à semelhança do princípio da boa‑fé e da regra «pacta sunt servanda», um princípio «universalmente reconhecido» que desempenha um papel fundamental em matéria de direito dos Tratados.

325    Por outro lado, importa salientar que, quando uma regra de direito internacional exige o consentimento de uma parte ou de um terceiro, esta regra implica, em primeiro lugar, que a expressão deste consentimento condicione a validade do ato para o qual é requerido, em segundo lugar, que a validade do próprio consentimento dependa do seu caráter «livre e autêntico» e, em terceiro lugar, que o referido ato seja oponível à parte ou ao terceiro que nele tenha validamente consentido (v., neste sentido, Acórdão do TIJ de 12 de outubro de 1984, Delimitação da fronteira marítima na região do Golfo do Maine, CIJ, Recueil 1984, p. 246, n.os 127 a 130 e 138 a 140, e Parecer Consultivo do TIJ de 25 de fevereiro de 2019, Efeitos jurídicos da separação do arquipélago de Chagos de Maurício em 1965, CIJ, Recueil 2019, p. 95, n.os 160, 172 e 174; v., igualmente, neste sentido e por analogia, Acórdão de 23 de janeiro de 2014, Manzi e Compagnia Naviera Orchestra, C‑537/11, EU:C:2014:19, n.° 47 e jurisprudência referida).

326    Por conseguinte, há que considerar que, em princípio, o consentimento do povo do Sara Ocidental, enquanto terceiro ao acordo controvertido, na aceção do n.° 106 do Acordo Conselho/Frente Polisário, deve satisfazer as mesmas exigências e produzir os mesmos efeitos jurídicos que os enunciados no n.° 325, supra.

327    É à luz destas considerações que importa examinar as diligências concretas efetuadas pelo Conselho e pela Comissão para se conformarem com a exigência enunciada no n.° 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário.

ii)     Quanto às consultas realizadas pelo Conselho e pela Comissão para se conformarem com a interpretação do princípio do efeito relativo dos Tratados adotada no Acórdão Conselho/Frente Polisário

328    A título preliminar, importa recordar que, no considerando 10 da decisão impugnada, o Conselho afirma que «a Comissão, em ligação com o [SEAE], tomou todas as medidas razoáveis e possíveis no contexto atual para associar da forma adequada as populações abrangidas, a fim de assegurar o seu consentimento relativamente a um tal acordo». Como confirmam as explicações do Conselho, da Comissão e da República Francesa no Tribunal Geral, foi no âmbito destas consultas que as instituições entenderam ter em conta as «considerações sobre o consentimento» que constam do n.° 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário.

329    A este respeito, em primeiro lugar, resulta das explicações do Conselho e do Relatório de 11 de junho de 2018 que, na Decisão do Conselho de 29 de maio de 2017 que autoriza a Comissão a encetar negociações com o Reino de Marrocos, em conformidade com o artigo 218.°, n.° 2, TFUE, associou à sua autorização duas condições, uma relativa à avaliação, pela Comissão, das «potenciais repercussões do acordo controvertido sobre o desenvolvimento sustentável do Sara Ocidental» e outra que exige que «as populações abrangidas pelo acordo [tenham sido] associadas adequadamente».

330    Em segundo lugar, no Relatório de 11 de junho de 2018, no qual a Comissão faz o balanço da avaliação e das consultas a que procedeu a pedido do Conselho, indica:

«Na ausência de uma alternativa viável que permitisse consultar diretamente a população do Sara Ocidental, os serviços da Comissão e o SEAE realizado consultas com um amplo leque de organizações representativas da sociedade civil sarauí, parlamentares, operadores económicos e organizações, nomeadamente a [recorrente]. [...] As consultas concentraram‑se no objetivo principal de trocar pontos de vista e observações sobre o interesse que poderia ter para as populações do Sara Ocidental e para a economia do território o alargamento do tratamento preferencial concedido aos produtos marroquinos aos produtos do Sara Ocidental aquando da sua importação para a União Europeia.»

331    Mais especificamente, ainda no Relatório de 11 de junho de 2018, a Comissão precisa o seguinte:

«[O] exercício de consulta levado a cabo pelos serviços da Comissão Europeia e pelo SEAE adquiriu uma tripla dimensão. Enquanto parceiro da negociação, o Governo de Marrocos, por seu turno, levou a cabo um vasto exercício de consulta dos representantes regionais eleitos, por força e no respeito das suas próprias regras institucionais, e partilhou as suas conclusões com os serviços da Comissão e com o SEAE. Por outro lado, estes serviços quiseram igualmente consultar um leque tão vasto quanto possível de organizações políticas, socioeconómicas ou da sociedade civil suscetíveis de representar os interesses locais ou regionais do Sara Ocidental. Por último, tiveram igualmente lugar discussões com a [recorrente], enquanto parte no processo de paz conduzido pelas Nações Unidas.»

332    Em terceiro lugar, nas conclusões relativas aos resultados do «exercício de consulta» das «populações em causa» desse mesmo relatório, a Comissão indica:

«O processo de consulta levado a cabo pelos serviços da Comissão Europeia e pelo SEAE revela que a maior parte das populações que vivem atualmente no Sara Ocidental é amplamente favorável ao alargamento das preferências pautais aos produtos do Sara Ocidental no âmbito do Acordo de [Associação]. Também os representantes do Sara Ocidental eleitos para os órgãos nacionais, regionais e locais no âmbito do exercício de sensibilização e consulta realizado pelas autoridades no quadro institucional marroquino se manifestaram favoráveis. Esta opinião é partilhada pela esmagadora maioria das organizações socioeconómicas que atuam no âmbito da sociedade civil.»

333    Em contrapartida, nas conclusões mencionadas no n.° 331, supra, a Comissão indica que «[a recorrente] rejeita a alteração destinada a alargar as preferências pautais aos produtos do Sara Ocidental no quadro do Acordo de [Associação] sobretudo porque considera que a cobertura do Sara Ocidental [por este acordo] vem consolidar a soberania de Marrocos sobre o Sara Ocidental, e não por considerar o alargamento das preferências pautais contrário aos interesses de desenvolvimento das populações que vivem no território».

334    Assim, como expõe a Comissão no seu articulado de intervenção, considerou que, por um lado, devido à impossibilidade de consultar diretamente ou por intermédio de um único representante «legítimo» o povo do Sara Ocidental e, por outro, com uma preocupação de «não ingerência» no «conflito de legitimidade que opõe [o Reino de] Marrocos à recorrente», «nenhuma [destas] [p]artes te[ndo] o apanágio da legitimidade», cabe‑lhe, em ligação com o SEAE, «realizar consultas tão "inclusivas" quanto possível», alargando «a base da consulta para além dos interlocutores promovidos por uma ou outra das [p]artes, estendendo‑a, na medida do possível, à sociedade civil». O Conselho aprovou esta abordagem no considerando 10 da decisão impugnada, indicando que essa instituição e esse serviço tinham «tom[ado] todas as medidas razoáveis e possíveis no contexto atual [...] a fim de assegurar [o] consentimento [das populações em causa] relativamente a[o] acordo [controvertido]».

335    Várias conclusões podem ser extraídas destas considerações.

336    Desde logo, pode daí deduzir‑se que as instituições não consideraram possível, na prática, recolher, diretamente ou apenas por intermédio da recorrente, o consentimento do povo do Sara Ocidental, enquanto terceiro ao acordo controvertido, devido à situação particular desse território, mas que, em contrapartida, consideraram que a consulta de «organizações representativas» das «populações em causa» a fim de obter o seu consentimento nesse acordo permitia, no entanto, atendendo a essa situação, se conformarem, na medida do possível, com as exigências que podiam ser deduzidas do n.° 106.° do Acórdão Conselho/Frente Polisário.

337    Em seguida, pode deduzir‑se que o conceito de «populações em causa» referido pelas instituições inclui, no essencial, as populações que se encontram atualmente no território do Sara Ocidental, independentemente da sua pertença ao povo desse território, sem prejuízo, porém, de acordo com os termos do Relatório de 11 de junho de 2018, da «[recolha da] opinião da população sarauí refugiada» que possibilita «[a] inclu[são] [da] recorrente entre as partes consultadas». Assim, este conceito distingue‑se do conceito de «povo do Sara Ocidental», por um lado, na medida em que é suscetível de incluir todas as populações locais afetadas, positiva ou negativamente, pela aplicação do acordo controvertido nesse território e, por outro, na medida em que não possui o conteúdo político deste segundo conceito, que decorre, nomeadamente, do direito à autodeterminação reconhecido ao referido povo.

338    Por último, como salientou a recorrente, em substância, as consultas efetuadas pela Comissão e pelo SEAE assentam numa abordagem comparável à exigida pelo artigo 11.°, n.° 3, TUE e pelo artigo 2.° do Protocolo n.° 2 do TFUE sobre a aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, nos termos dos quais a Comissão deve proceder a amplas consultas às partes interessadas, nomeadamente, antes de propor um ato legislativo.

339    No entanto, pode sublinhar‑se que esta abordagem implica apenas, em princípio, recolher as opiniões das diferentes partes em causa e tê‑las em conta, em especial para a adoção do ato proposto, com uma preocupação de coerência e de transparência. Assim, embora a tomada em consideração dessas opiniões seja suscetível de ter influência na adoção ou não do referido ato, não produz efeitos jurídicos comparáveis ao da expressão do consentimento de uma parte contratante ou de um terceiro, exigida para a adoção de tal ato.

340    Por conseguinte, quando o Conselho refere o «consentimento das populações abrangidas» no considerando 10 da decisão impugnada, este conceito não pode ser interpretado no sentido de que reveste o conteúdo jurídico indicado no n.° 325, supra. Com efeito, como resulta, em especial, das conclusões do Relatório de 11 de junho de 2018, as instituições e as organizações consideradas representativas das «populações em causa» pela Comissão e pelo SEAE e consultadas tanto por estes últimos como pelo Reino de Marrocos apenas expressaram uma opinião maioritariamente favorável à celebração do acordo controvertido. Em contrapartida, não se pode considerar que, em si mesma, esta opinião condiciona a validade deste acordo e da decisão impugnada e vincula essas instituições e essas organizações ou as próprias «populações em causa», de modo que o referido acordo lhes seria oponível. O conceito de consentimento referido na decisão impugnada deve, portanto, ser entendido, nesse contexto particular, no sentido de que apenas remete a esta opinião maioritariamente favorável. É no âmbito do exame do mérito da presente parte que importa verificar se o sentido particular que a decisão impugnada confere ao conceito de consentimento é compatível com a interpretação do princípio do efeito relativo dos Tratados adotada pelo Tribunal de Justiça no n.° 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário.

iii) Quanto à questão de saber se o sentido particular conferido ao conceito de consentimento na decisão impugnada é compatível com a interpretação do princípio do efeito relativo dos Tratados adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Conselho/Frente Polisário

341    A título preliminar, importa salientar que os argumentos invocados pela recorrente em apoio da presente parte do terceiro fundamento suscitam a questão de saber se, atendendo à situação particular do Sara Ocidental, o Conselho pôde fazer uso da sua margem de apreciação para interpretar a exigência de que o povo desse território devia expressar o seu consentimento no acordo controvertido no sentido de que implicava apenas recolher a opinião maioritariamente favorável das populações «em causa» no quadro das consultas efetuadas pela Comissão e pelo SEAE.

342    A este respeito, em primeiro lugar, há que recordar que, no âmbito das relações externas e, em especial, da política comercial, as instituições dispõem de uma margem de apreciação importante, tendo em conta a complexidade das avaliações, nomeadamente, de ordem política e económica, que lhes incumbe, nesse contexto, efetuar (v. Acórdão de 27 de setembro de 2007, Ikea Wholesale, C‑351/04, EU:C:2007:547, n.° 40 e jurisprudência referida). Além disso, no âmbito de um acordo de associação, como o que está em causa no presente caso, que constitui um conjunto de convenções complexo, que comporta várias vertentes e que responde à vontade comum das partes de estabelecer relações estreitas e, sendo caso disso, de as intensificar (v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Western Sahara Campaign UK UK, C‑266/16, EU:C:2018:118, n.os 59 a 61), as instituições devem poder promover as conciliações necessárias entre os diferentes interesses em causa nas relações com o país terceiro parceiro da União e determinar a estratégia mais apropriada a este respeito (v., neste sentido e por analogia, Despacho de 25 de setembro de 2019, Magnan/Comissão, T‑99/19, EU:T:2019:693, n.° 54 e jurisprudência referida).

343    Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que um princípio de direito internacional consuetudinário não reveste o mesmo grau de precisão que uma disposição de um acordo internacional, a fiscalização jurisdicional deve, necessariamente, limitar‑se à questão de saber se as instituições da União, ao adotarem o ato em causa, tinham cometido erros manifestos de apreciação quanto às condições de aplicação desse princípio (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o., C‑366/10, EU:C:2011:864, n.° 110 e jurisprudência referida).

344    No entanto, por um lado, o Tribunal de Justiça declarou que a fiscalização jurisdicional do erro manifesto de apreciação exige que as instituições da União, autoras do ato em causa, estejam em condições de demonstrar ao juiz da União que o ato foi adotado mediante um exercício efetivo do seu poder de apreciação, que pressupõe a tomada em consideração de todos os elementos e circunstâncias pertinentes da situação que esse ato pretendeu regular (Acórdão de 7 de setembro de 2006, Espanha/Conselho, C‑310/04, EU:C:2006:521, n.° 122).

345    Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou igualmente, no que respeita à questão de saber se o requisito da adoção em último recurso de uma decisão que autoriza uma cooperação reforçada tinha sido preenchido, que lhe cabia verificar se o Conselho, que era o melhor colocado para apreciar se os Estados‑Membros estavam em condições de conseguir adotar uma regulamentação para a União no seu conjunto, tinha apreciado com diligência e imparcialidade os elementos pertinentes a este respeito e se a conclusão a que tinha chegado estava suficientemente fundamentada (v., neste sentido, Acórdão de 16 de abril de 2013, Espanha e Itália/Conselho, C‑274/11 e C‑295/11, EU:C:2013:240, n.os 52 a 54).

346    As considerações do Tribunal de Justiça recordadas nos n.os 344 e 345, supra, enunciadas no contexto de recursos, por um lado, de um ato legislativo e, por outro, de uma decisão do Conselho que autoriza uma cooperação reforçada, adotada com fundamento no artigo 329.°, n.° 1, TFUE, a saber, atos que implicam um poder de apreciação dos seus autores particularmente importante, são transponíveis, mutatis mutandis, para um recurso de uma decisão de celebração de um acordo internacional (v., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Conselho/Frente Polisário, C‑104/16 P, EU:C:2016:677, n.os 224 a 227).

347    Além disso, o poder de apreciação das instituições pode ser limitado, incluindo no âmbito das relações externas, por um conceito jurídico que estabeleça critérios objetivos e garanta o grau de previsibilidade exigido pelo direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2014, National Iranian Oil Company/Conselho, T‑578/12, não publicado, EU:T:2014:678, n.° 123).

348    No caso em apreço, conforme declarado no n.° 281, supra, ao deduzir, por um lado, do princípio da autodeterminação a obrigação, no âmbito das relações entre a União e o Reino de Marrocos, de respeitar o estatuto separado e distinto do Sara Ocidental e, por outro, do princípio do efeito relativo dos Tratados a exigência de que o povo desse território devia dar o seu consentimento num acordo entre a União e o Reino de Marrocos que nele seria executado, o Tribunal de Justiça enunciou obrigações claras, precisas e incondicionais que se impõem às instituições em relação ao terceiro representado pela recorrente.

349    Por conseguinte, a margem de apreciação de que dispõe o Conselho para celebrar um acordo com o Reino de Marrocos que se aplique expressamente ao Sara Ocidental está juridicamente enquadrada pelas obrigações referidas no n.° 348, supra. Em especial, no que respeita à exigência de que o povo desse território devia consentir nesse acordo, é certo que cabia ao Conselho apreciar se a situação atual desse território justificava uma adaptação das modalidades da expressão desse consentimento e se estavam reunidas as condições para considerar que o mesmo tinha sido expresso. Todavia, não lhe cabia decidir se o referido consentimento podia ser dispensado, sob pena de violar esta exigência.

350    Em segundo lugar, foi recordado, no n.° 203, supra, a situação particular do Sara Ocidental, território não autónomo, em relação ao qual a potência administrante, na aceção do artigo 73.° da Carta das Nações Unidas, renunciou a exercer qualquer responsabilidade de caráter internacional, e que é objeto de um processo de autodeterminação ainda em curso, não tendo as suas partes, a saber, o Reino de Marrocos e a recorrente, enquanto representante do povo desse território, chegado a um acordo sobre a resolução da situação desse território, devido, nomeadamente, ao «conflito de legitimidade», que os opõe a este respeito.

351    Mais especificamente, pode ser observado, no caso vertente, que não existe, até à data, um acordo entre essas partes, em que uma delas tenha consentido no exercício pela outra, em benefício desse território, das competências aduaneiras e comerciais, designadamente, no âmbito de um acordo internacional que lhe seja aplicável como o acordo controvertido.

352    A este respeito, há que salientar que, no considerando 6 da decisão impugnada, o Conselho indicou que «[u]m acordo entre a União Europeia e o Reino de Marrocos constitu[ía] o único meio de assegurar que a importação de produtos originários do Sara Ocidental benefici[asse] de uma origem preferencial, uma vez que as autoridades marroquinas [eram] as únicas capazes de assegurar a observância das regras necessárias à concessão desse tipo de preferências». Deve, portanto, deduzir‑se que foi com vista a extrair as consequências da situação particular do Sara Ocidental, descrita nos n.os 350 e 351, supra, que o Conselho decidiu celebrar o acordo controvertido com o Reino de Marrocos, que lhe pareceu ser a única das partes no processo de autodeterminação desse território em condições de exercer as competências exigidas por este acordo, o que, de resto, confirmam os argumentos do Conselho e da Comissão relativos à incapacidade da recorrente de exercer tais competências, enunciados no âmbito do presente litígio.

353    Porém, conforme recordado no n.° 336, supra, as instituições consideraram igualmente que a situação particular do Sara Ocidental não lhes permitia, na prática, recolher o consentimento do povo desse território, enquanto terceiro ao acordo controvertido, e que lhes cabia proceder a uma consulta das populações locais desse território, a fim de recolher a sua opinião sobre a celebração deste acordo. Em especial, as instituições consideraram que não era possível consultar esse povo diretamente ou por intermédio de um único representante, a saber, a recorrente, e que lhes cabia realizar consultas tão inclusivas quanto possível para não se ingerirem no conflito de legitimidade entre esta última e o Reino de Marrocos.

354    No entanto, impõe‑se concluir que os diferentes elementos relativos à situação particular do Sara Ocidental alegados pelo Conselho e pela Comissão para justificar a decisão referida no n.° 353, supra, não podem ser acolhidos.

355    Com efeito, em primeiro lugar, no que respeita ao argumento do Conselho e da Comissão de que a exigência de consentimento não é suscetível de se aplicar da mesma maneira a um Estado ou a um território não autónomo, foi declarado no n.° 317, supra, que os princípios codificados pela Convenção de Viena podiam aplicar‑se a outros sujeitos de direito internacional que não Estados e que, em todo o caso, no n.° 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, o Tribunal de Justiça não tinha realçado nenhuma diferença de conteúdo entre a qualificação do povo do Sara Ocidental como «terceiro», na aceção do princípio do efeito relativo dos Tratados, e a qualificação de um Estado como «terceiro», na aceção do artigo 34.° da Convenção de Viena.

356    Em segundo lugar, no que respeita ao princípio invocado pela Comissão, consagrado no artigo 36.°, n.° 1, segundo período, da Convenção de Viena, nos termos do qual o consentimento é presumido quando um acordo cria benefícios ou direitos para o terceiro em causa, importa recordar que, pelas razões enunciadas nos n.os 319 a 322, supra, foi declarado no n.° 323 que este princípio não era aplicável.

357    Em terceiro lugar, no que respeita à argumentação do Conselho e da Comissão relativa à dificuldade de identificação dos membros do povo do Sara Ocidental, há que declarar, à semelhança da recorrente, que essa dificuldade não pode, por si só, constituir um obstáculo à possibilidade de esse povo consentir no acordo controvertido. Com efeito, por um lado, não decorre do Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Conselho/Frente Polisário (C‑104/16 P, EU:C:2016:973), nem dos diferentes princípios do direito internacional interpretados nesse acórdão que o consentimento desse povo deva ser necessariamente obtido através de uma consulta direta dos seus membros. De resto, a própria recorrente não sustenta essa tese e alega, pelo contrário, na réplica, que as instituições não têm competência para proceder a este tipo de consulta. Por outro lado, como salienta com razão a recorrente, o direito à autodeterminação é um direito coletivo e o referido povo viu ser‑lhe reconhecido, pelas instâncias da ONU, este direito e, por via disso, a sua existência, independentemente das individualidades que o compõem e do seu número. Além disso, deduz‑se do n.° 106 do acórdão acima referido que o Tribunal de Justiça considerou, implicitamente, que esse povo era um sujeito de direito autónomo capaz de expressar o seu consentimento num acordo internacional independentemente da identificação dos seus membros.

358    Em quarto lugar, no que respeita à necessidade de não se ingerirem no «conflito de legitimidade» entre a recorrente e o Reino de Marrocos referente ao Sara Ocidental, invocada pelo Conselho e pela Comissão, basta salientar que este argumento é difícil de conciliar com o facto de, como recorda o próprio Conselho, ter expressamente precisado, no considerando 10 da decisão impugnada, que nada nos termos do acordo controvertido permitia considerar que era reconhecida a soberania do Reino de Marrocos sobre o Sara Ocidental. Com efeito, uma vez que a União não pode reconhecer, em conformidade com o direito internacional e com a respetiva interpretação adotada pelo Tribunal de Justiça, as reivindicações do Reino de Marrocos sobre esse território, as instituições não podem invocar o risco de ingerência no diferendo que opõe a recorrente a esse país terceiro a respeito dessas reivindicações para se absterem de proceder às diligências adequadas com vista a assegurar o consentimento do povo desse território.

359    Em quinto lugar, independentemente da questão de saber se o consentimento do povo do Sara Ocidental só pode ser expresso através da recorrente, o facto alegado, designadamente pelo Conselho, de que o Sara Ocidental é, nesta fase, um território não autónomo e, portanto, não dispõe da capacidade de expressar o seu consentimento à maneira de um Estado independente não é determinante.

360    Por um lado, esta argumentação assenta, em última análise, na premissa errada mencionada n.° 295, supra, de que o povo do Sara Ocidental não goza ainda do direito à autodeterminação porque, nesta fase, o processo relativo ao estatuto definitivo desse território não chegou ao seu termo e de que o referido povo não está em condições de o exercer plenamente. Ora, conforme declarado no mesmo número, esta premissa não é compatível com as conclusões efetuadas pelo Tribunal de Justiça, no que respeita ao reconhecimento, pelos órgãos da ONU, do direito à autodeterminação de que esse povo é titular.

361    Por outro lado, a circunstância alegada de os povos dos territórios não autónomos, como o do Sara Ocidental, não estarem necessariamente em condições de celebrar um tratado com vista à concessão de preferências comerciais ou de exercer as competências que esse tratado implica, não significa que não estejam em condições de expressar, de forma válida, o seu consentimento nesse tratado, enquanto terceiros no mesmo. Em especial, não se deduz do princípio do efeito relativo dos Tratados, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, que o consentimento desse terceiro deva necessariamente ser ele próprio recolhido através de um tratado.

362    Em sexto lugar, o facto de as instituições considerarem que o Reino de Marrocos é a «potência administrante de facto» no Sara Ocidental não parece uma circunstância de natureza a excluir a necessidade de o povo desse território consentir no acordo controvertido. A este respeito, basta recordar que, no n.° 72 do Acórdão Western Sahara Campaign UK, o Tribunal de Justiça declarou que o Reino de Marrocos exclui categoricamente ser, nomeadamente, uma potência administrante do território do Sara Ocidental.

363    Ora, não se afigura que a posição do Reino de Marrocos tenha evoluído, na medida em que, como recorda a Comader, esse Estado terceiro continua a considerar que «a região do Sara é uma parte integrante do território nacional sobre a qual [ele] exerce a plenitude dos seus atributos de soberania como sobre o resto do território nacional». Esta posição, que, de resto, é recordada no terceiro parágrafo do acordo controvertido, é inconciliável com a qualidade de potência administrante, na aceção do artigo 73.° da Carta das Nações Unidas, que implica, como indica a Resolução 2625 (XXV) da Assembleia da ONU (v. n.° 5, supra) e conforme sublinhado pela recorrente, que um território não autónomo tenha um estatuto separado e distinto do território do Estado que o administra. Em todo o caso, mesmo admitindo que o Reino de Marrocos desempenhe o papel de potência administrante «de facto» relativamente ao Sara Ocidental, esta circunstância não torna desnecessário o consentimento do seu povo no acordo controvertido, tendo em conta o seu direito à autodeterminação e a aplicação do princípio do efeito relativo dos Tratados.

364    Em sétimo lugar, importa recordar que, conforme declarado no âmbito do exame da legitimidade ativa da recorrente, a sua participação no processo de autodeterminação não significa que não possa representar esse povo no contexto de um acordo entre a União e o Reino de Marrocos e não resulta dos documentos dos autos que os órgãos da ONU tenham reconhecido outras organizações para além dela habilitadas a representar o referido povo (v. n.os 207 e 208, supra). Por conseguinte, não era impossível recolher o consentimento deste último por intermédio da recorrente. O argumento do Conselho e da Comissão de que esta hipótese confere um «direito de veto» a esta organização sobre a aplicação do acordo controvertido ao referido território, só pode ser rejeitado. Com efeito, basta recordar, a este respeito, que, conforme declarado no n.° 349, supra, não cabia ao Conselho decidir se era possível dispensar o consentimento do povo do Sara Ocidental para celebrar o acordo controvertido. Por conseguinte, a alegada circunstância de que a competência da requerente para expressar esse consentimento lhe confere um «direito de veto» não pode justificar tal decisão.

365    Daqui resulta que os elementos relativos à situação particular do Sara Ocidental invocados pelo Conselho e pela Comissão não são de natureza a excluir a possibilidade de o povo do Sara Ocidental expressar o seu consentimento no acordo, enquanto terceiro ao mesmo.

366    Em terceiro lugar, conforme declarado no n.° 339, supra, as consultas efetuadas pela Comissão e pelo SEAE tiveram apenas por objeto recolher a opinião das «populações em causa» a respeito do acordo controvertido e não o consentimento do povo do Sara Ocidental no mesmo. Por conseguinte, como sustenta, com razão, a recorrente, essas consultas não podem ser consideradas conformes com as exigências deduzidas pelo Tribunal de Justiça do princípio do efeito relativo dos Tratados, aplicável ao referido povo ao abrigo do seu direito à autodeterminação.

367    A argumentação do Conselho, da República Francesa, da Comissão e da Comader, de que as consultas em causa respeitam os princípios pertinentes do direito internacional não pode pôr em causa esta conclusão.

368    A este respeito, por um lado, o Conselho sustenta que a consulta realizada pela União é conforme com os princípios pertinentes do direito internacional, uma vez que foi conduzida junto de instâncias representativas e com o objetivo de obter um consentimento. O Conselho deduz, em especial, estes critérios da Convenção n.° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em Genebra a 27 de junho de 1989, e da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 13 de setembro de 2007. Assim, a consulta em questão teve por objetivo assegurar a mais ampla participação possível das instâncias e das organizações representativas das populações em causa. Neste quadro, o Reino de Marrocos consultou, em especial, os eleitos regionais, designados por sufrágio universal direto em 2015 e dos quais é oriunda uma parte significativa das tribos locais. A Comissão e o SEAE consultaram um amplo leque de organizações locais políticas e sociopolíticas e de representantes da sociedade civil, bem como a recorrente.

369    Por outro lado, segundo o Conselho, apoiado pela República Francesa e pela Comissão, as instituições basearam‑se num critério objetivo, a saber, o do caráter benéfico das preferências pautais resultantes do Acordo de Associação para as populações do Sara Ocidental, que é conforme com os princípios que podem ser extraídos da carta de 29 de janeiro de 2002 do consultor jurídico da ONU.

370    No que respeita à argumentação do Conselho referida no n.° 368, supra, basta salientar que, como alega em substância a recorrente, os critérios que este último deduz dessa convenção e dessa declaração, a saber, que qualquer consulta deve ser realizada junto das instâncias representativas das populações em causa e devem ter por objetivo a obtenção do seu consentimento, não correspondem às exigências deduzidas pelo Tribunal de Justiça do princípio do efeito relativo dos Tratados em ligação com o princípio da autodeterminação.

371    Com efeito, por um lado, há que salientar, desde logo, que, como já foi indicado de forma reiterada, o Conselho não confere ao conceito de consentimento os efeitos jurídicos que estão associados, em princípio, em direito internacional, a este conceito, uma vez que esta instituição não se refere, no caso vertente, ao consentimento de um terceiro ao acordo controvertido, na aceção do n.° 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, mas a opinião maioritariamente favorável das populações locais (v. n.os 336 a 340, supra).

372    Além disso, como sublinha a recorrente, no Relatório de 11 de junho de 2018, a Comissão não faz referência ao conceito de consentimento, mas indica apenas, nas suas conclusões, que «a maior parte das populações que vivem atualmente no Sara Ocidental é amplamente favorável ao alargamento das preferências pautais aos produtos do Sara Ocidental no âmbito do Acordo de [Associação]». Do mesmo modo, refere‑se às «manifesta[ções] favoráveis» «[d]os representantes do Sara Ocidental eleitos para os órgãos nacionais, regionais e locais no âmbito do exercício de sensibilização e consulta realizado pelas autoridades no quadro institucional marroquino», a qual «é partilhada pela esmagadora maioria das organizações socioeconómicas que atuam no âmbito da sociedade civil».

373    Por outro lado, conforme exposto no n.° 337, supra, e como foi alegado várias vezes pela recorrente em apoio do seu recurso, designadamente no âmbito da presente parte, o conceito de «populações em causa», referido pelas instituições, não coincide com o conceito de «povo do Sara Ocidental», cujo conteúdo implica o direito à autodeterminação. Por conseguinte, as instituições não podem sustentar que estes dois conceitos são equivalentes para demonstrar que se conformaram com as exigências decorrentes do respeito deste direito.

374    Em especial, não se afigura que, para além da recorrente, as partes consultadas pela Comissão possam ser consideradas «instâncias representativas» do povo do Sara Ocidental.

375    Em primeiro lugar, no que respeita à consulta dos eleitos locais pelo Reino de Marrocos, há que salientar que, como precisa a Comissão, essas autoridades locais e regionais foram designadas ao abrigo da ordem constitucional marroquina e que, como sublinha, em substância, a recorrente, o exercício das suas competências é baseado nas reivindicações de soberania do Reino de Marrocos sobre o Sara Ocidental. Por conseguinte, as instituições não podem considerar, em todo o caso, que as consultas realizadas junto dessas autoridades por esse Estado, parte no acordo controvertido, visam obter o consentimento de um terceiro a esse acordo, mas, quando muito, associar à celebração do acordo as coletividades locais e os organismos públicos interessados que dependem do referido Estado.

376    O facto, alegado pelo Conselho, de esses eleitos serem de «origem sarauí» não tem, a este respeito, qualquer alcance, tanto mais que, como a Comissão precisou no Relatório de 11 de junho de 2018 e como salienta a recorrente, o Reino de Marrocos não estabelece nenhuma distinção numa base étnica ou comunitária entre as populações que se encontram na parte do Sara Ocidental que controla.

377    Em segundo lugar, no que respeita à consulta, pela Comissão e pelo SEAE, das diferentes organizações não governamentais e dos operadores económicos referidos no Relatório de 11 de junho de 2018, a Comissão, interrogada a este respeito pelo Tribunal Geral no âmbito de uma medida de organização do processo, indicou que, para selecionar essas entidades, o SEAE e ela própria se basearam essencialmente em três critérios. Estes critérios são, em primeiro lugar, a presença efetiva da entidade ou a prossecução de atividades de forma regular no Sara Ocidental, em segundo lugar, o tipo de atividade exercida (atividades socioeconómicas e direitos do homem) e, em terceiro lugar, a importância ou a pertinência da atividade desenvolvida em benefício da população do Sara Ocidental e o seu reconhecimento no seu setor de atividade no Sara Ocidental ou a nível internacional. Acrescenta, na sua resposta escrita, que a maioria dos interlocutores consultados tinha declarado ser de origem sarauí.

378    A este respeito, por um lado, pode salientar‑se que estes critérios de seleção não podem ser considerados no sentido de que visam selecionar «instâncias representativas» do povo do Sara Ocidental, mas, quando muito, uma amostra de entidades que exercem atividades nesse território, quer no domínio socioeconómico, quer no domínio dos direitos fundamentais, suscetíveis de serem benéficos para a população local. A indicação da Comissão de que a maioria dos interlocutores consultados tinha declarado ser de «origem sarauí» é, a este respeito, irrelevante. Com efeito, resulta das explicações desta instituição que essa origem não constituiu um critério de seleção das referidas entidades e que, em todo o caso, esses interlocutores não se exprimiram enquanto membros do referido povo, mas enquanto representantes das entidades consultadas.

379    Por outro lado, há que salientar que essas entidades e organismos são, quando muito, representativos de diferentes interesses socioeconómicos e próprios da sociedade civil, mas não decorre do Relatório de 11 de junho de 2018 nem dos articulados do Conselho e da Comissão que essas entidades ou esses organismos se considerem eles próprios ou devam ser considerados instâncias representativas do povo do Sara Ocidental e habilitadas a expressar o consentimento deste último. Em todo o caso, mesmo admitindo que os critérios referidos no n.° 368 sejam aplicáveis, também não resulta dos documentos dos autos que se considerem ou que devam ser considerados «instâncias representativas» das «populações em causa».

380    Além disso, há que acrescentar que a representatividade das entidades e dos organismos consultados pela Comissão e pelo SEAE é contestada pela recorrente que sustenta, por um lado, que a grande maioria das organizações que a Comissão indica ter consultado no Relatório de 11 de junho de 2018 não participou, na realidade, na referida consulta (94 das 112 organizações mencionadas no anexo ao relatório) e que corrobora, a este respeito, a sua afirmação com elementos precisos e concretos. Por outro lado, a recorrente afirma que as únicas entidades consultadas pela Comissão são, na sua grande maioria, operadores marroquinos ou organizações favoráveis aos interesses do Reino de Marrocos. O Conselho e a Comissão não contestam a primeira destas afirmações e as precisões fornecidas pela Comissão referentes às entidades realmente consultadas tendem a confirmar a segunda de entre elas.

381    Em terceiro lugar, no que respeita à própria recorrente, esta afirma que o encontro que ocorreu, a 5 de fevereiro de 2018, em Bruxelas, entre o seu representante e o representante do SEAE não se inseria, enquanto tal, no âmbito das consultas referidas no n.° 377, supra. Com efeito, a recorrente contesta o próprio princípio dessas consultas, para as quais, segundo ela, a Comissão e o SEAE não tinham competência, e precisa que este encontro tinha sido organizado a seu pedido e apenas com o intuito de retomar o diálogo com a Comissão. Por sua vez, a Comissão indica, no Relatório de 11 de junho de 2018, que houve «discussões técnicas» com a recorrente «na sua qualidade de interlocutor[a] das Nações Unidas e parte no processo de paz das Nações Unidas».

382    Contudo, na medida em que a opinião da recorrente sobre o acordo controvertido foi, porém, tida em conta no Relatório de 11 de junho de 2018, tal como a das outras entidades referidas neste relatório, há que salientar, de qualquer modo, que a Comissão não considerou que a recorrente era uma instância representativa do povo do Sara Ocidental habilitada a expressar o seu consentimento, mas, quando muito, uma das numerosas «partes interessadas», na aceção do artigo 11.°, n.° 3, TUE, que lhe competia consultar, em conformidade com estas disposições.

383    Por conseguinte, não se pode considerar que as consultas a que se faz referência no Relatório de 11 de junho de 2018 tenham sido realizadas junto de «instâncias representativas» do povo do Sara Ocidental, mas, quando muito, como salienta a recorrente, em substância, junto de «partes em causa» que as instituições podiam, em todo o caso, associar à celebração do acordo controvertido, conforme os tratados, independentemente das «considerações sobre o consentimento» do Tribunal de Justiça referidas no considerando 10 da decisão impugnada.

384    Resulta, portanto, dos n.os 371 a 383, supra, que as consultas realizadas a pedido do Conselho pela Comissão e pelo SEAE não podem ser consideradas no sentido de terem permitido recolher o consentimento do povo do Sara Ocidental no acordo controvertido, em conformidade com o princípio do efeito relativo dos Tratados, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça.

385    No que respeita, agora, à interpretação do direito internacional defendida pelo Conselho com base na carta de 29 de janeiro de 2002 do consultor jurídico da ONU, apoiado, a este respeito, pela Comissão e pela República Francesa (v. n.° 369, supra), em primeiro lugar, importa salientar que, como já foi recordado no n.° 111, supra, a União constitui um sistema jurídico autónomo. Daqui resulta que as instituições não podem subtrair‑se à obrigação de se conformarem com a interpretação pelo Tribunal de Justiça das regras de direito internacional aplicáveis a um acordo relativo a um território não autónomo, substituindo esta interpretação por critérios diferentes retirados de uma carta do consultor jurídico da ONU ao Conselho de Segurança, desprovidos, além do mais, de caráter vinculativo.

386    De resto, os pareceres do consultor jurídico da ONU são emitidos aos órgãos desta no âmbito das funções que incumbem ao secretariado desta organização internacional por força do artigo 98.° da Carta das Nações Unidas. O seu alcance não é, portanto, equivalente ao dos pareceres consultivos emitidos ao abrigo do artigo 96.° da referida Carta pelo TIJ, órgão judicial principal das Nações Unidas nos termos do artigo 92.° desta Carta, que determinam o direito aplicável à questão submetida (v., neste sentido, Parecer Consultivo de 25 de fevereiro de 2019, Efeitos jurídicos da separação do arquipélago de Chagos de Maurício em 1965, CIJ, Recueil 2019, p. 95, n.° 137).

387    Em segundo lugar, há que salientar que, conforme recordado no n.° 312, supra, a carta de 29 de janeiro de 2002 do consultor jurídico da ONU não tinha por objeto a questão do consentimento do povo do Sara Ocidental num acordo internacional aplicável a esse território, mas a questão da legalidade dos contratos de direito privado celebrados entre organismos públicos marroquinos e sociedades petrolíferas com vista à prospeção e à avaliação de recursos petrolíferos ao largo da costa do Sara Ocidental.

388    Em terceiro lugar, importa realçar que, na sua carta de 29 de janeiro de 2002, o consultor jurídico da ONU examinou a questão do Conselho de Segurança com base em analogias com a questão de saber se, mais genericamente, as atividades de uma potência administrante, na aceção do artigo 73.° da Carta das Nações Unidas, relativas aos recursos minerais de um território não autónomo são, em si mesmas, ilegais ou apenas em determinadas condições. Ora, como já foi exposto nos n.os 362 e 363, supra, o Reino de Marrocos não pretende ser considerado uma potência administrante do Sara Ocidental e não pode ser considerado como tal, tendo em conta a sua posição sobre o estatuto desse território, que está, de resto, refletida no preâmbulo do acordo controvertido.

389    Em quarto lugar, decorre da parte «Conclusões» da carta de 29 de janeiro de 2002 do consultor jurídico da ONU que este considera que a exploração dos recursos naturais dos territórios não autónomos é contrária aos princípios do direito internacional aplicáveis a esses territórios, se for efetuada em detrimento dos interesses e da vontade dos povos desses territórios não autónomos. Assim, mesmo supondo que estas conclusões possam ser transponíveis, por analogia, para o alargamento das preferências comerciais concedidas pela União no âmbito do Acordo de Associação, é forçoso constatar que não vêm apoiar a tese do Conselho, da Comissão e da República Francesa segundo a qual as instituições respeitaram os princípios de direito internacional aplicáveis. Com efeito, decorre daí expressamente que as atividades de prospeção e de exploração realizadas no Sara Ocidental devem ser conformes não só com os interesses do povo desse território, mas também com a sua vontade e que, se assim não for, são contrárias a esses princípios.

390    Por conseguinte, o Conselho e a Comissão não podem, em todo o caso, basear‑se na carta de 29 de janeiro de 2002 do consultor jurídico da ONU para considerar que o acordo controvertido é conforme com os princípios do direito internacional aplicáveis aos territórios não autónomos, dado que pode ser considerado benéfico para o desenvolvimento económico do Sara Ocidental, independentemente da questão de saber se o consentimento do povo do Sara Ocidental tinha sido expresso. Assim, é com razão que a recorrente sustenta que as instituições não podiam substituir a exigência da expressão desse consentimento, enunciada pelo Tribunal de Justiça no n.° 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, pelo critério dos benefícios do acordo controvertido para as populações em causa.

391    Resulta de tudo o que precede que, ao adotar a decisão impugnada, o Conselho não teve suficientemente em conta todos os elementos pertinentes relativos à situação do Sara Ocidental e considerou, erradamente, que dispunha de uma margem de apreciação para decidir se era necessário se conformar com a exigência de que o povo desse território devia expressar o seu consentimento na aplicação do acordo controvertido a esse território, enquanto terceiro ao acordo controvertido, em conformidade com a interpretação adotada pelo Tribunal de Justiça do princípio do efeito relativo dos Tratados em ligação com o princípio da autodeterminação. Em especial, em primeiro lugar, o Conselho e a Comissão consideraram erradamente que a situação atual desse território não permitia garantir a existência desse consentimento e, em particular, por intermédio da recorrente. Em segundo lugar, ao considerar que as consultas realizadas pela Comissão e pelo SEAE, que não tinham por objeto recolher esse consentimento nem tinham por objetivo dirigir‑se às «instâncias representativas» do referido povo, tinham permitido respeitar o princípio do efeito relativo dos Tratados, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça no n.° 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, o Conselho está errado tanto sobre o alcance dessas consultas como sobre o da exigência enunciada nesse número. Em terceiro lugar, o Conselho considerou erradamente que podia basear‑se na carta de 29 de janeiro de 2002 do consultor jurídico da ONU para substituir essa exigência pelos critérios alegadamente enunciados nesta carta. Daqui resulta que a presente parte do terceiro fundamento é procedente e pode levar à anulação da decisão impugnada.

392    Decorre de tudo o que precede que, sem que seja necessário examinar a segunda parte do terceiro fundamento e os outros fundamentos da petição, há que anular a decisão impugnada.

C.      Quanto à manutenção no tempo dos efeitos da decisão impugnada

393    Nos termos do artigo 264.°, segundo parágrafo, TFUE, o Tribunal Geral pode indicar, quando o considerar necessário, quais os efeitos do ato anulado que se devem considerar subsistentes.

394    A este respeito, decorre da jurisprudência que os efeitos de um ato impugnado, designadamente a decisão de celebração de um acordo internacional, podem ser mantidos por motivos de segurança jurídica, quando os efeitos imediatos da sua anulação originarem consequências negativas graves [v., neste sentido, Acórdãos de 28 de abril de 2015, Comissão/Conselho, C‑28/12, EU:C:2015:282, n.° 60 e jurisprudência referida, e de 4 de setembro de 2018, Comissão/Conselho (Acordo com o Cazaquistão), C‑244/17, EU:C:2018:662, n.° 51].

395    No presente caso, há que salientar que a anulação da decisão impugnada com efeitos imediatos é suscetível de ter consequências graves na ação externa da União e de pôr em causa a segurança jurídica dos compromissos internacionais que assumiu e que vinculam as instituições e os Estados‑Membros.

396    Nestas circunstâncias, há que aplicar oficiosamente o artigo 264.°, segundo parágrafo, TFUE, mantendo os efeitos da decisão impugnada durante um período que não pode exceder o prazo previsto no artigo 56.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia ou, se um recurso for interposto dentro desse prazo, até à prolação do acórdão do Tribunal de Justiça que decida desse recurso.

 Quanto às despesas

397    Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

398    Tendo o Conselho sido vencido, há, portanto, que condená‑lo nas despesas, em conformidade com o pedido da recorrente.

399    Em conformidade com o artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a República Francesa e a Comissão suportarão as suas próprias despesas.

400    Nos termos do artigo 138.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pode decidir que um interveniente diferente dos mencionados nos n.os 1 e 2 suporte as suas próprias despesas.

401    No presente caso, há que decidir que a Comader suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

decide:

A Decisão (UE) 2019/217 do Conselho, de 28 de janeiro de 2019, relativa à celebração do Acordo sob forma de Troca de Cartas entre a União Europeia e o Reino de Marrocos sobre a alteração dos Protocolos n.° 1 e n.° 4 do Acordo EuroMediterrânico que cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus EstadosMembros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro, é anulada.Os efeitos da Decisão 2019/217 são mantidos durante um período que não pode exceder o prazo previsto no artigo 56.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia ou, se um recurso for interposto dentro desse prazo, até à prolação do acórdão do Tribunal de Justiça que decida desse recurso.O Conselho da União Europeia é condenado a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Frente Popular para a Libertação de Saguiaelhamra e Rio de Oro (Frente Polisário). A República Francesa, a Comissão Europeia e a Confederação Marroquina da Agricultura e do Desenvolvimento Rural (Comader) suportarão as suas próprias despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de setembro de 2021.

Índice


I. Antecedentes do litígio

A. Contexto internacional

B. Acordo de Associação e Acordo de Liberalização

C. Litígios relacionados com o Acordo de Associação

1. Processos T512/12 e C104/16 P

2. Processo C266/16

3. Despachos nos processos T180/14, T275/18 e T376/18

D. Decisão impugnada e acordo controvertido

II. Tramitação processual e pedidos das partes

III. Questão de direito

A. Quanto à admissibilidade do recurso

1. Quanto ao primeiro fundamento de inadmissibilidade do Conselho, relativo à falta de capacidade judiciária da recorrente

2. Quanto à validade do mandato conferido pela recorrente ao seu advogado

3. Quanto ao segundo fundamento de inadmissibilidade do Conselho, relativo à falta de legitimidade ativa da recorrente

a) Quanto à afetação direta da recorrente

1) Quanto ao respeito, pela recorrente, do primeiro critério da afetação direta, segundo o qual a medida contestada deve produzir diretamente efeitos na sua situação jurídica

i) Quanto à primeira parte da argumentação do Conselho, relativa aos efeitos jurídicos intrínsecos de uma decisão de celebração, em nome da União, de um acordo internacional

ii) Quanto à segunda parte da argumentação do Conselho, relativa aos efeitos jurídicos específicos da decisão impugnada, tendo em conta a sua aplicação territorial

Quanto à aplicação do acordo controvertido ao Sara Ocidental

Quanto à afetação do povo do Sara Ocidental pelo acordo controvertido, enquanto terceiro ao acordo

iii) Quanto à terceira parte da argumentação do Conselho, relativa à não alteração da situação jurídica da recorrente, tendo em conta o seu papel limitado à participação no processo de autodeterminação do Sara Ocidental

2) Quanto ao segundo critério da afetação direta, relativo ao caráter puramente automático e decorrente exclusivamente da regulamentação da União da aplicação da medida contestada

b) Quanto à afetação individual da recorrente

B. Quanto à procedência do recurso

1. Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de competência do Conselho para adotar a decisão impugnada

2. Quanto ao terceiro fundamento, relativo, em substância, à violação, pelo Conselho, da sua obrigação de se conformar às exigências deduzidas pela jurisprudência do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados

a) Quanto aos argumentos do Conselho, da República Francesa, da Comissão e da Comader relativos, em substância, ao caráter inoperante do terceiro fundamento

b) Quanto à procedência dos argumentos invocados pela recorrente em apoio do presente fundamento

1) Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, relativa à impossibilidade de a União e de o Reino de Marrocos celebrarem um acordo aplicável ao Sara Ocidental

2) Quanto à terceira parte do terceiro fundamento, relativa à violação da exigência do consentimento do povo do Sara Ocidental no acordo controvertido, enquanto terceiro ao mesmo, na aceção do princípio do efeito relativo dos Tratados

i) Quanto à aplicação do princípio do efeito relativo dos Tratados ao presente caso

ii) Quanto às consultas realizadas pelo Conselho e pela Comissão para se conformarem com a interpretação do princípio do efeito relativo dos Tratados adotada no Acórdão Conselho/Frente Polisário

iii) Quanto à questão de saber se o sentido particular conferido ao conceito de consentimento na decisão impugnada é compatível com a interpretação do princípio do efeito relativo dos Tratados adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Conselho/Frente Polisário

C. Quanto à manutenção no tempo dos efeitos da decisão impugnada

Quanto às despesas


*      Língua do processo: francês.