Language of document : ECLI:EU:T:2022:64

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

9 de fevereiro de 2022 (*)

«Contratos públicos — Regulamento Financeiro — Exclusão da participação em procedimentos de adjudicação de contratos e de concessão de subvenções financiados pelo orçamento geral da União e pelo FED por um período de três anos — Princípio da boa‑fé — Abuso de direito — Erro manifesto de apreciação — Proporcionalidade»

No processo T‑672/19,

Companhia de Seguros Índico, S.A., com sede em Maputo (Moçambique), representada por R. Oliveira, advogado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por I. Melo Sampaio, na qualidade de agente,

recorrida,

que tem por objeto um pedido apresentado ao abrigo do artigo 263.º TFUE e por meio do qual é requerida a anulação da Decisão da Comissão, de 18 de julho de 2019, que aplicou à recorrente uma sanção de exclusão, por um período de três anos, da participação em procedimentos de adjudicação de contratos e de concessão de subvenções financiados pelo orçamento geral da União Europeia e pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) e uma sanção de exclusão de ser selecionada para executar fundos da União, e que determinou a publicação das informações relativas a esta exclusão,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: J. Svenningsen, presidente, C. Mac Eochaidh (relator) e T. Pynnä, juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 22 de junho de 2021,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A recorrente, a Companhia de Seguros Índico, S.A., é uma sociedade anónima de direito moçambicano com sede em Maputo (Moçambique) que presta serviços de seguros.

 Contrato de empreitada e acionamento das garantias

2        Em 9 de maio de 2014, um consórcio formado pela Monte Adriano — Engenharia e Construção, S.A., e pela Edifer — Construções Pires Coelho & Fernandes, S.A., celebrou um contrato correspondente a um concurso público de uma empreitada de obras públicas que tinha por objeto, em substância, a construção, modernização e reabilitação de diversas estradas (a seguir «contrato») com a República de Moçambique, representada pelo seu gestor orçamental nacional, o Gabinete do Ordenador Nacional para a Cooperação Moçambique — União Europeia (a seguir «entidade adjudicante»), entidade que se encontra sob a tutela do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação deste país. Após a celebração do contrato, as duas sociedades unidas em consórcio fundiram‑se, dando assim origem a uma nova sociedade, a Elevolution — Engenharia, S.A. (a seguir «Elevolution»).

3        O montante inicial do contrato era de 33 987 529,87 euros, subsequentemente aumentado em 3 399 716,92 euros para trabalhos adicionais. Este projeto foi financiado pelo 10.° Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED), através da Convenção de Financiamento FED/2013/023‑473.

4        Para monitorizar as obras que eram objeto do contrato, a entidade adjudicante designou, na qualidade de supervisora da obra, a entidade de direito público moçambicana Administração Nacional de Estradas (ANE) (a seguir «supervisora da obra») e, na qualidade de representante da supervisora da obra, a sociedade irlandesa Y.

5        O contrato consistia na construção e modernização para standard betuminoso do troço da N11 Fronteira com o Malawi‑Milange‑Geral, incluindo uma ponte, e ainda na reabilitação e modernização parcial das estradas rurais R650 Milange‑Coromana, R650 Milange‑Zalimba e R649 Zalimba‑Majaua.

6        Nos termos do contrato, a adjudicatária, a Elevolution, constituiu junto da recorrente seis garantias bancárias a favor da entidade adjudicante. Eram:

–        duas garantias de pré‑financiamento, a primeira com a referência BOND 318290, emitida em 11 de março de 2014, no montante de 3 398 752,99 euros, e a segunda com a referência BOND 320232, emitida em 22 de setembro de 2014, no montante de 6 364 504,84 euros;

–        duas garantias de execução, a primeira com a referência BOND 318053, emitida em 30 de abril de 2014, no montante de 3 398 752,99 euros, e a segunda com a referência BOND 326207, emitida em 2 de dezembro de 2015, no montante de 339 971,69 euros;

–        duas garantias de retenção, a primeira com a referência BOND 324546, emitida em 9 de outubro de 2015, no montante de 3 398 752,99 euros, e a segunda com a referência BOND 327646, emitida em 8 de fevereiro de 2016, no montante de 339 971,69 euros.

7        Todas as garantias constituídas junto da recorrente eram garantias bancárias à primeira solicitação, por meio das quais esta se constituía devedora principal das quantias garantidas.

8        O período de implementação do contrato começou em 2 de junho de 2014 e devia terminar em 1 de junho de 2016. Este prazo de implementação foi prorrogado por duas vezes, a pedido da Elevolution, num total de 48 dias adicionais, até 19 de julho de 2016.

9        Durante o período de implementação do contrato, a Elevolution apresentou várias reclamações ao abrigo dos artigos 35.º e 55.º das condições gerais do contrato. Algumas delas foram parcialmente aceites pela entidade adjudicante, dando origem a uma prorrogação do prazo de implementação e a um aumento do preço. Várias outras reclamações apresentadas pela adjudicatária foram rejeitadas pela entidade adjudicante.

10      Durante este período de implementação do contrato, foram iniciados diversos procedimentos de resolução amigável e de conciliação. No entanto, por carta de 6 de setembro de 2017, a entidade adjudicante decidiu pôr termo a todos os procedimentos em curso.

11      Tendo em conta o atraso na execução dos trabalhos, a entidade adjudicante, por carta datada de 18 de julho de 2016, notificou a Elevolution da desconformidade das prestações fornecidas e do incumprimento grave das suas obrigações contratuais, exigindo que esta última, nos termos do artigo 64.° das condições gerais do contrato, corrigisse esta situação e cumprisse as suas obrigações contratuais.

12      Por carta de 29 de julho de 2016, a Elevolution afirmou que os atrasos e a realização parcial dos trabalhos se deviam a motivos que não lhe eram imputáveis.

13      Por cartas de 13 de outubro de 2016 e de 27 de janeiro de 2017, a entidade adjudicante verificou que a Elevolution não tinha corrigido os problemas de execução contratual detetados.

14      Por carta de 24 de janeiro de 2017, em conformidade com o artigo 38.º, n.º 2, das condições gerais do contrato, a Elevolution informou a entidade adjudicante da sua intenção de suspender a implementação do contrato ou de reduzir o ritmo de realização das obras, devido ao não pagamento de quantias que lhe eram contratualmente devidas.

15      Por carta de 9 de março de 2017, a entidade adjudicante notificou a Elevolution da resolução do contrato, em aplicação do artigo 36.°, n.° 2, das condições gerais do contrato.

16      Por carta de 20 de março de 2017, a Elevolution contestou os fundamentos invocados pela entidade adjudicante para resolver o contrato e afirmou que não existia qualquer fundamento legal ou contratual no qual esta última se pudesse basear para resolver o contrato, uma vez que nenhuma violação do contrato lhe era imputável e suscetível de justificar a resolução do contrato.

17      Por carta de 2 de junho de 2017, a entidade adjudicante enviou duas interpelações à recorrente, com vista à execução das garantias de execução pelo seu montante total. Estavam em causa a garantia com a referência BOND 318053, no montante de 3 398 752,99 euros, e a garantia com a referência BOND 326207, no montante de 339 971,69 euros.

18      Por carta de 3 de julho de 2017, a entidade adjudicante enviou à recorrente duas novas interpelações, desta feita com vista à execução parcial das garantias de pré‑financiamento, pelo montante do pré‑financiamento não reembolsado pela Elevolution nos termos contratuais, isto é, 4 701 975,72 euros. Assim, foi exigido à recorrente o pagamento de 3 398 752,99 euros sobre a garantia com a referência BOND 318290 e o pagamento de 1 303 222,73 euros sobre a garantia com a referência BOND 320232.

19      Por carta de 11 de julho de 2017, a recorrente recusou o pagamento das garantias de execução, alegando que se encontravam pendentes procedimentos de resolução amigável.

20      Por carta de 18 de julho de 2017, a entidade adjudicante lembrou a recorrente da sua obrigação de pagar e de que esse pagamento devia ser realizado imediatamente e sem direito de oposição.

21      Por carta de 24 de agosto de 2017, a recorrente recusou‑se novamente a proceder aos pagamentos pedidos.

22      Por carta de 10 de outubro de 2017, a entidade adjudicante reiterou, por intermédio dos seus advogados, os seus pedidos de pagamento e avisou a recorrente de que o seu comportamento poderia vir a dar lugar a uma decisão de exclusão dos contratos financiados pela União Europeia.

23      Por carta de 12 de outubro de 2017, a recorrente recusou novamente proceder aos pagamentos pedidos, pelo que, por carta de 18 de outubro de 2017, a entidade adjudicante reiterou o pedido de pagamento e informou a recorrente de que a cobrança coerciva seria exigida por via de ação executiva.

24      Em 24 de novembro de 2017, a entidade adjudicante enviou à recorrente mais duas interpelações, com vista à execução parcial das garantias de retenção, num montante total de 1 585 168,08 euros. Este montante correspondia a 10 % do valor dos trabalhos efetivamente realizados pela Elevolution e certificados pelo supervisor aquando da resolução, e teria sido retido nos pagamentos efetuados ao longo do contrato, caso não tivesse sido prestada a referida garantia, de forma a garantir o cumprimento das obrigações da Elevolution durante o período de garantia. Assim, foi requerido o pagamento de 1 496 236,04 euros sobre a garantia com a referência BOND 324546, bem como o pagamento de 88 932,04 euros sobre a garantia com a referência BOND 327646.

25      Por carta de 4 de dezembro de 2017, a Elevolution enviou uma notificação de arbitragem à entidade adjudicante, em conformidade com o disposto no artigo 68.4 das condições especiais do contrato.

26      Por carta de 30 de abril de 2018, a entidade adjudicante respondeu a esta notificação, aceitando a proposta e solicitando à Elevolution que nomeasse o seu árbitro. No entanto, uma vez que os árbitros nunca foram nomeados, o tribunal arbitral nunca se chegou a constituir.

27      Foram intentadas nos tribunais moçambicanos seis ações judiciais relativas à execução das garantias bancárias. De entre estas, já foram proferidas quatro decisões, em 2017 e em 2018, a favor da entidade adjudicante.

28      Por outro lado, o lote 2 do projeto fora adjudicado a outra entidade, a sociedade X, que concluiu a obra nos prazos fixados. A prossecução da implementação do lote 1, deixada inacabada pela Elevolution, foi então confiada a essa sociedade, que realizou também essas novas obras dentro do prazo de implementação fixado, mais concretamente em 23 de novembro de 2018. Todavia, os trabalhos em falta no lote 1 só puderam ser confiados à sociedade X até ao limite das disponibilidades financeiras da Convenção de Financiamento. Por este motivo, e até à presente data, o lote 1 continua por concluir, aguardando disponibilidade financeira no quadro do 11.° FED.

 Quanto ao processo que deu origem à adoção da decisão impugnada

29      No contexto acima exposto, e como medida preventiva para acautelar os interesses financeiros da União, a Comissão Europeia decidiu lançar um procedimento tendente à exclusão da recorrente dos procedimentos de adjudicação de contratos e de concessão de subvenções regidos pelo Regulamento (UE) 2018/1877 do Conselho, de 26 de novembro de 2018, relativo ao regulamento financeiro aplicável ao 11.° FED e que revoga o Regulamento (UE) 2015/323 (JO 2018, L 307, p. 1), e pelo Regulamento (UE, Euratom) 2018/1046 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de julho de 2018, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União, que altera os Regulamentos (UE) n.º 1296/2013, (UE) n.º 1301/2013, (UE) n.º 1303/2013, (UE) n.º 1304/2013, (UE) n.º 1309/2013, (UE) n.º 1316/2013, (UE) n.º 223/2014 e (UE) n.º 283/2014, e a Decisão n.º 541/2014/UE, e revoga o Regulamento (UE, Euratom) n.º 966/2012 (JO 2018, L 193, p. 1), bem como de ser selecionada para a execução de fundos da União.

30      Assim, por carta de 29 de março de 2019, depois de ter sido convocada pela Comissão, a instância a que se refere o artigo 143.° do Regulamento 2018/1046 notificou a recorrente dos factos que lhe eram imputados e da sua qualificação jurídica preliminar, convidando‑a a apresentar observações.

31      A recorrente apresentou as suas observações em 19 de abril de 2019.

32      Em 24 de maio de 2019, a instância notificou à Comissão a sua recomendação, no sentido de aplicar à recorrente uma sanção de exclusão da participação em procedimentos de adjudicação de contratos e de concessão de subvenções regidos pelos Regulamentos 2018/1877 e 2018/1046, bem como uma sanção de exclusão de ser selecionada para executar fundos da União, por um período de 3 anos, tendo ainda recomendado publicar a referida sanção no sítio Internet da Comissão.

33      A recomendação foi integralmente seguida pela Comissão, o que se traduziu na adoção da Decisão da Comissão, de 18 de julho de 2019, que aplicou à recorrente uma sanção de exclusão, por um período de três anos, da participação em procedimentos de adjudicação de contratos e de concessão de subvenções financiados pelo orçamento geral da União e pelo FED e uma sanção de exclusão de ser selecionada para executar fundos da União, e que determinou a publicação das informações relativas a esta exclusão (a seguir «decisão impugnada»).

34      Nos termos do artigo 1.° da decisão impugnada, a recorrente foi excluída, por um período de três anos, da participação em procedimentos de adjudicação de contratos e de concessão de subvenções regidos pelos Regulamentos 2018/1877 e 2018/1046, e de ser selecionada para a execução de fundos da União, devido a falta profissional grave e a deficiências significativas no cumprimento das principais obrigações na execução do contrato.

35      O artigo 2.º da decisão impugnada previa, por seu turno, a publicação das informações relativas a esta exclusão no sítio Internet da Comissão.

 Tramitação processual e pedidos das partes

36      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de outubro de 2019, a recorrente interpôs o presente recurso.

37      Em 16 de março de 2021, o presidente da Oitava Secção do Tribunal Geral decidiu apensar o presente processo ao processo T‑652/19 para efeitos da fase oral do processo.

38      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada na sua totalidade;

–        condenar a Comissão a suportar as suas próprias despesas bem como as despesas da recorrente.

39      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto ao primeiro fundamento

40      Com o seu primeiro fundamento, a recorrente alega que a entidade adjudicante violou o princípio da boa‑fé e cometeu um abuso de direito, na medida em que acionou as garantias bancárias constituídas junto da recorrente, apesar de, à data da resolução do contrato, se encontrarem pendentes procedimentos de resolução amigável e de conciliação, e apesar de não existir uma decisão transitada em julgado que declarasse o incumprimento do contrato por parte da adjudicatária.

41      A Comissão contesta esta argumentação.

42      A título preliminar, o Tribunal Geral observa que, com os argumentos apresentados no âmbito do primeiro fundamento, a recorrente não visa a anulação da decisão impugnada. Com efeito, através deste fundamento, a recorrente pretende que o juiz da União se pronuncie sobre o comportamento da entidade adjudicante em relação a si no âmbito do seu pedido de execução das garantias bancárias em causa.

43      Ora, tal fundamento diz exclusivamente respeito à relação entre a recorrente e a entidade adjudicante, relação essa que não está em causa no âmbito do presente recurso, que diz respeito à decisão impugnada que foi adotada pela Comissão. Além disso, resulta dos elementos dos autos que qualquer litígio relativo à execução das garantias bancárias em causa é da competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais da República de Moçambique.

44      Por conseguinte, há que considerar que o presente fundamento não é suscetível de influenciar a resolução do litígio e que, por conseguinte, é inoperante.

45      De qualquer modo, nenhum elemento dos autos permite considerar que, no âmbito dos pedidos de execução das garantias bancárias em causa, o comportamento da entidade adjudicante possa ter sido guiado ou influenciado por qualquer uma das instituições da União.

 Quanto ao segundo fundamento

46      Com o seu segundo fundamento, dividido em duas partes, a recorrente alega, por um lado, uma violação do artigo 106.º, n.º 1, alínea c), do Regulamento (UE, Euratom) n.º 966/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União e que revoga o Regulamento (CE, Euratom) n.º 1605/2002 do Conselho (JO 2012, L 298, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE, Euratom) 2015/1929 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de outubro de 2015 (JO 2015, L 286, p. 1), e, por outro, uma violação do artigo 106.º, n.º 1, alínea e), do mesmo regulamento.

47      Estas violações resultam do facto de o comportamento da recorrente não constituir uma «falta grave em matéria profissional», na aceção do artigo 106.º, n.º 1, alínea c), do Regulamento n.º 966/2012, nem corresponder a «deficiências significativas no cumprimento das principais obrigações relativas à execução de um contrato financiado pelo orçamento, que tenham levado à sua rescisão antecipada ou à imposição de indemnizações por perdas e danos ou de outras sanções contratuais», na aceção do artigo 106.º, n.º 1, alínea e), do mesmo regulamento.

48      A Comissão contesta esta argumentação.

49      A título preliminar, há que recordar que, no caso em apreço, a competência do juiz da União está limitada à fiscalização do erro manifesto de apreciação quanto à qualificação jurídica do comportamento da recorrente.

50      Com efeito, a Comissão dispõe de uma margem de apreciação no que respeita à apreciação do incumprimento que pode conduzir a uma declaração de incumprimento grave de uma obrigação principal na execução de um contrato, para efeitos do artigo 106.º, n.º 1, alínea e), do Regulamento n.º 966/2012, conforme alterado pelo Regulamento 2015/1929. A este respeito, a fiscalização do Tribunal Geral deve limitar‑se à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, da exatidão material dos factos, bem como da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (v., neste sentido, Acórdão de 13 de maio de 2020, Agmin Italy/Comissão, T‑290/18, não publicado, EU:T:2020:196, n.º 113).

51      A fiscalização do Tribunal Geral é, por analogia, a mesma no que diz respeito à apreciação, pela Comissão, de uma declaração de «falta grave em matéria profissional», na aceção do artigo 106.º, n.º 1, alínea c), do Regulamento n.º 966/2012, conforme alterado pelo Regulamento 2015/1929.

52      Além disso, para demonstrar que, na apreciação dos factos, a Comissão cometeu um erro de tal forma manifesto, que é suscetível de justificar a anulação da decisão impugnada, os elementos de prova apresentados pelo recorrente devem ser suficientes para retirar plausibilidade às apreciações constantes da decisão em causa. Por outras palavras, o fundamento relativo a um erro manifesto deverá ser rejeitado se, não obstante os elementos apresentados pelo recorrente, a apreciação contestada puder ser admitida como verdadeira ou válida (v. Acórdão de 7 de junho de 2017, Blaž Jamnik e Blaž/Parlamento, T‑726/15, EU:T:2017:376, n.º 38 e jurisprudência referida; v., igualmente, neste sentido e por analogia, Acórdão de 14 de junho de 2018, Lubrizol France/Conselho, C‑223/17 P, não publicado, EU:C:2018:442, n.º 39).

 Quanto à parte relativa à qualificação de «deficiênci[a] significativ[a] no cumprimento das principais obrigações» [na aceção do artigo 106.º, n.º 1, alínea e), do Regulamento n.º 966/2012, conforme alterado pelo Regulamento 2015/1929]

53      São os seguintes os factos centrais relativos ao litígio entre a recorrente e a entidade adjudicante.

54      Primeiro, a recorrente prestou um total de seis garantias bancárias (duas garantias de pré‑financiamento, duas garantias de boa execução e duas garantias de retenção) a favor da entidade adjudicante.

55      O objetivo destas garantias era assegurar o cumprimento das obrigações contratuais da Elevolution para com a entidade adjudicante no âmbito da implementação do contrato.

56      Todas as garantias prestadas pela recorrente previam o seguinte:

«We, the undersigned, ÍNDICO Seguros, S.A. […] hereby irrevocably declare that we guarantee, as primary obligor and not merely as a surety […]» [Nós, abaixo assinados, ÍNDICO Seguros, S.A. […], declaramos, pela presente, garantir irrevogavelmente, enquanto primeiro devedor e não apenas a título de garantia [...]]

57      A redação das duas garantias de pré‑financiamento era idêntica e previa o seguinte:

«Payment shall be made without objection or legal proceedings of any kind, upon receipt of your first written claim (sent by registered letter with confirmation of receipt) stating that the Contractor has not repaid the prefinancing on request or that the Contract has been terminated. We shall not delay the payment, nor shall we oppose it for any reason whatsoever» [Proceder‑se‑á ao pagamento sem objeção ou qualquer tipo de processo judicial, imediatamente após a receção do primeiro pedido escrito da contraparte (por carta registada com aviso de receção), no qual se declare que o contratante não reembolsou o pré‑financiamento pedido ou que o contrato foi resolvido. Não se atrasará o pagamento nem serão levantadas quaisquer objeções quanto ao mesmo, seja por que razão for.]

58      A redação das duas garantias de execução e das duas garantias de retenção também era idêntica e previa o seguinte:

«Payment shall be made without objection or legal proceedings of any kind, upon receipt of your first written claim (sent by registered letter with confirmation of receipt) stating that the Contractor has failed to perform its contractual obligations fully and properly or that the Contract has been terminated. We shall not delay the payment, nor shall we oppose it for any reason whatsoever» [Proceder‑se‑á ao pagamento sem objeção ou qualquer tipo de processo judicial, imediatamente após a receção do primeiro pedido escrito da contraparte (por carta registada com aviso de receção), no qual se declare que o contratante não cumpriu plena e adequadamente as suas obrigações contratuais ou que o contrato foi resolvido. Não se atrasará o pagamento nem serão levantadas quaisquer objeções quanto ao mesmo, seja por que razão for.]

59      Segundo, a entidade adjudicante notificou a Elevolution da resolução do contrato.

60      Terceiro, a entidade adjudicante enviou à recorrente duas interpelações, com vista à execução das garantias de execução pelo seu montante total. Em seguida, a entidade adjudicante enviou à recorrente duas novas interpelações, desta feita com vista à execução parcial das garantias de pré‑financiamento, pelo montante do pré‑financiamento não reembolsado pela Elevolution nos termos contratuais. Por último, a entidade adjudicante enviou à recorrente mais duas interpelações, com vista à execução parcial das garantias de retenção.

61      Quarto, resulta dos elementos dos autos que, à data da decisão impugnada, a recorrente não tinha reembolsado os montantes pedidos no âmbito das interpelações referidas no n.º 60, supra.

62      Decorre dos elementos que precedem que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação quando declarou, nos considerandos 45 a 51 da decisão impugnada, que o objeto e o conteúdo essencial das garantias eram o pagamento imediato, mediante mera solicitação, das quantias garantidas, nomeadamente na sequência da resolução do contrato. Há que constatar que ao ter‑se recusado a cumprir esta obrigação irrevogável, alegando que o requerimento de uma providência cautelar para obstar ao acionamento das garantias ou que a pendência de uma ação executiva a autorizava a não pagar imediatamente as quantias garantidas, a recorrente frustrou a obrigação principal a que se tinha vinculado, que era a de pagar os montantes solicitados, mediante mera solicitação da entidade adjudicante e, assim, servir de garante da solvência da Elevolution, independentemente de todos os litígios que pudessem vir a surgir entre as partes no contrato.

63      A natureza «on first demand» destas garantias era clara e resulta inequivocamente do seu texto, bem como do próprio contrato, nomeadamente dos artigos 15.° e 46.° das suas condições gerais, como aliás a própria recorrente reconhece. Além disso, no que respeita à forma e ao conteúdo do acionamento da garantia, segundo as cláusulas contratuais, a recorrente estava obrigada a honrar a garantia no caso de a entidade adjudicante apresentar uma carta, assinada pelo chefe da Delegação da União Europeia em Moçambique, que indicasse que a Elevolution não tinha respeitado as suas obrigações estipuladas no contrato ou que o contrato tinha sido resolvido e que especificasse o montante reclamado. Ora, as cartas da entidade adjudicante que pediram a execução das garantias bancárias cumprem efetivamente estes requisitos.

64      Assim, a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação quando verificou que a violação das obrigações contratuais pela recorrente constituía uma deficiência significativa no cumprimento das principais obrigações relativas à execução de um contrato financiado pelo orçamento, na aceção do artigo 106.º, n.º 1, alínea e), do Regulamento n.º 966/2012, conforme alterado pelo Regulamento 2015/1929.

 Quanto à parte relativa à qualificação de «falta grave em matéria profissional» [na aceção do artigo 106.º, n.º 1, alínea c), do Regulamento n.º 966/2012, conforme alterado pelo Regulamento 2015/1929]

65      A recorrente começa por considerar que o seu comportamento não constitui uma falta grave em matéria profissional, atendendo aos motivos específicos pelos quais recusou o pagamento das garantias. Além disso, considera que não violou disposições legislativas ou regulamentares nem normas deontológicas aplicáveis à sua profissão. Em seguida, a recorrente considera que não teve um comportamento ilícito que tenha um impacto sobre a sua credibilidade profissional e que, em todo o caso, não agiu de forma dolosa nem com negligência grave. Por último, a recorrente sublinha que o seu comportamento não se enquadra em nenhuma das situações previstas no artigo 106.º, n.º 1, alínea c), i) a v), do Regulamento n.º 966/2012, conforme alterado pelo Regulamento 2015/1929.

66      A este respeito, no n.º 55 da decisão impugnada, a Comissão identificou os motivos pelos quais considerou que a conduta da recorrente configurava uma falta grave em matéria profissional. Em especial, estava em causa o facto de a recorrente ter violado disposições legislativas ou regulamentares, porquanto violou a obrigação principal decorrente dos contratos de garantia que subscreveu a favor da entidade adjudicante, que era a de pagar as quantias garantidas mediante simples solicitação desta, o que desvirtuou o objetivo principal das garantias. Além disso, a Comissão referiu que a recorrente violou regras deontológicas aplicáveis à profissão à qual pertence ao subscrever obrigações claras que não cumpriu, violando assim os padrões éticos da sua profissão. Ademais, a Comissão referiu que a conduta da recorrente teve um impacto grave sobre a sua credibilidade profissional e que o seu comportamento denotou uma intenção dolosa ou uma negligência grave, uma vez que a recorrente recusou repetidamente o pagamento e negou a própria possibilidade de ser solicitada a pagar as garantias na sequência de uma interpelação da entidade adjudicante.

67      Ora, o facto de a recorrente ter recusado repetidamente honrar garantias à primeira solicitação e de o ter continuado a fazer até à data da decisão impugnada, embora resulte, em termos inequívocos, da sua redação o seu caráter autónomo, principal e à primeira solicitação, violou manifestamente as disposições legislativas ou regulamentares aplicáveis e as regras deontológicas aplicáveis à sua profissão.

68      Do mesmo modo, a afirmação segundo a qual a recorrente não tinha património suficiente para pagar as quantias garantidas revela um elemento adicional que é suscetível de demonstrar uma falta grave em matéria profissional da sua parte, na medida em que, uma vez que não invocou uma alteração das circunstâncias desde a data em que aceitou prestar as garantias em causa, a recorrente confessa que não estava em condições de respeitar as obrigações que delas decorriam.

69      Além disso, a recorrente sustenta que não procedeu aos diferentes pagamentos por estar vinculada às instruções dadas pela Elevolution. Ora, o facto de ter recebido instruções desta última em sentido contrário ao pedido de acionamento proveniente da entidade adjudicante não isentava a recorrente da obrigação contratual irrevogável que assumiu livremente. Com efeito, resulta do próprio texto das garantias que a mera resolução do contrato era suficiente para as acionar e que estas garantias eram autónomas e distintas do contrato.

70      De igual modo, no que respeita ao argumento segundo o qual a sua obrigação de pagar seria secundária relativamente às obrigações da Elevolution, basta recordar que a redação das garantias é inequívoca no que diz respeito ao caráter principal da obrigação em causa.

71      Além disso, a recorrente alega que o direito moçambicano a impediria de proceder ao pagamento e que as leis e os princípios gerais do direito moçambicano se sobrepõem ao texto das garantias.

72      No entanto, a recorrente não aponta uma única norma concreta que impeça esse pagamento, para lá de referências genéricas e não substanciadas a grandes princípios do direito. Assim, a recorrente enuncia e transcreve uma série de normas jurídicas, de trechos doutrinários e de jurisprudência, sem nunca explicar, concretamente, em que medida é que os mesmos a impedem de cumprir a sua obrigação de pagar.

73      Além disso, se considerava que o sistema jurídico moçambicano a impedia de dar cumprimento a garantias à primeira solicitação, como aquelas que subscreveu, a recorrente, enquanto operador económico consciencioso, não devia ter aceitado a respetiva constituição. Constituí‑las, apesar de considerar que depois, chegado o momento, não as poderia honrar, configura, por si só, uma falta grave em matéria profissional, visto que a recorrente assumiu uma obrigação que não tencionava cumprir. Aliás, a própria recorrente confessa isso mesmo, ao afirmar que tinha a expectativa de não ser chamada a cumprir as obrigações, que, no entanto, assumiu livremente, de pagar as quantias garantidas à primeira solicitação.

74      Por conseguinte, a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação quando sublinhou que a recusa de pagamento frustrou o conteúdo essencial das garantias à primeira solicitação prestadas e, por ter sido praticada por um profissional do sector, validou a conclusão a que a Comissão chegou na decisão impugnada, segundo a qual a recorrente agiu com dolo ou, pelo menos, negligência grave, uma vez que conhecia ou não podia ignorar as normas legais e as regras deontológicas que pautavam o exercício da sua profissão. A recorrente tão‑pouco podia ignorar que o objetivo essencial das garantias à primeira solicitação era precisamente garantir a solvência da Elevolution, independentemente de todos os litígios que pudessem vir a surgir entre as partes no âmbito do contrato.

75      Finalmente, em resposta ao último argumento avançado pela recorrente, os comportamentos referidos no artigo 106.º, n.º 1, alínea c), i) a v), do Regulamento n.º 966/2012, conforme alterado pelo Regulamento 2015/1929, constituem uma lista não exaustiva de faltas graves em matéria profissional, como indica a utilização da expressão «incluindo, em particular, qualquer um dos seguintes comportamentos». Trata‑se de uma lista meramente exemplificativa, pelo que o facto de o comportamento da recorrente não se enquadrar na mesma não exclui, por si só, a existência de uma falta grave em matéria profissional.

76      Decorre assim do que precede que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação quando concluiu que a conduta da recorrente constituía uma falta grave em matéria profissional, na aceção do artigo 106.º, n.º 1, alínea c), do Regulamento n.º 966/2012, conforme alterado pelo Regulamento 2015/1929.

77      Por conseguinte, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento

78      Com o terceiro fundamento, a recorrente alega uma violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 106.º, n.º 3, do Regulamento n.º 966/2012, conforme alterado pelo Regulamento 2015/1929, por o prejuízo financeiro alegado, a saber, 10 milhões de euros, não ser um montante significativo no contexto do FED, por a recorrente não ter atuado com dolo ou negligência, mas apenas ter seguido as instruções da Elevolution, e porque o cumprimento da obrigação de pagar a teria levado à insolvência. Além disso, a recorrente alega que cooperou com as autoridades e que tal deveria ter sido tido em conta na decisão impugnada.

79      A Comissão contesta esta argumentação.

80      Segundo jurisprudência constante em matéria de direito sancionatório, o princípio da proporcionalidade exige que os atos das instituições não excedam o que é apropriado e necessário para atingir o fim desejado. A gravidade das infrações deve ser determinada em função de um grande número de elementos e não se deve atribuir a nenhum desses elementos uma importância desproporcionada relativamente aos outros elementos de apreciação. O princípio da proporcionalidade implica, neste contexto, que a determinação da sanção pela Comissão deve ser proporcional aos elementos tidos em conta para apreciar a gravidade da infração e que deve a este respeito aplicar estes elementos de forma coerente e objetivamente justificada (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 17 de maio de 2011, Arkema France/Comissão, T‑343/08, EU:T:2011:218, n.º 63 e jurisprudência referida).

81      O artigo 106.°, n.° 3, do Regulamento 966/2012, conforme alterado pelo Regulamento 2015/1929, contém uma enumeração exemplificativa das circunstâncias a ponderar no âmbito da análise da proporcionalidade de uma decisão de exclusão. Tais circunstâncias são a gravidade da falta cometida, incluindo o impacto nos interesses financeiros e na imagem da União, o tempo decorrido desde a falta cometida, a duração e a recorrência da falta, a intenção ou o grau de negligência da entidade em causa e as medidas por esta adotadas para remediar a situação.

82      O Tribunal Geral observa que a Comissão tomou devidamente em consideração, na decisão impugnada, os elementos desta enumeração exemplificativa que eram pertinentes no caso concreto.

83      Como resulta do n.º 63 da decisão impugnada, foram assim consideradas decisivas para fixar a sanção aplicada as seguintes circunstâncias, concretamente, em primeiro lugar, o elevado impacto da conduta da recorrente nos interesses financeiros do FED, que a Comissão avaliou em cerca de 10 milhões de euros, e, em segundo lugar, o dolo ou, pelo menos, a negligência grave da recorrente.

84      Relativamente à primeira circunstância, e contrariamente ao que a recorrente afirma, foi com razão que a Comissão qualificou de elevado o impacto da conduta da recorrente nos interesses financeiros do FED.

85      Com efeito, o contrato tinha por objeto um valor inicial de 33 987 529,87 euros, subsequentemente aumentado em 3 399 716,92 euros para trabalhos adicionais. Além disso, segundo a Comissão, e sem que esse montante seja contestado pela recorrente, o valor total das garantias não honradas pela recorrente ascende a cerca de 10 milhões de euros. Assim, o Tribunal Geral considera que este montante é particularmente avultado no contexto do FED e do apoio da União ao desenvolvimento de Moçambique.

86      Por outro lado, embora seja certo, como a recorrente afirma, que o orçamento total do 11.º FED era de cerca de 30 mil milhões de euros, esta alegação não é pertinente no caso em apreço, uma vez que o projeto em causa no presente processo era financiado pelo 10.º e não pelo 11.º FED.

87      De qualquer modo, a Comissão indica, com pertinência, que o orçamento do FED se destinava a financiar todas as ações e projetos de apoio ao desenvolvimento num conjunto de 77 países de África, das Caraíbas e do Pacífico, por um período de seis anos, pelo que o valor pertinente a considerar não era o orçamento total do FED, mas a parcela deste consagrada a Moçambique. Ora, no 10.º FED, que abrange os anos de 2008 a 2013, o montante alocado a Moçambique era de 747,6 milhões de euros, ou seja, um montante que está bem longe dos 30,5 mil milhões de euros que a recorrente menciona no seu recurso.

88      A Comissão refere, além disso, que as estradas objeto do contrato representavam uma das três ações financiadas pelo FED e que foram aprovadas para este país pela Decisão C(2013) 2982 final da Comissão, de 22 de maio de 2013, relativa ao Programa de Ação Anual de 2013 a favor de Moçambique, a financiar pelo 10.º FED.

89      Assim, segundo a Comissão, e sem que estes montantes sejam contestados pela recorrente, o contrato representava cerca de 5 % do envelope financeiro previsto para Moçambique no conjunto dos seis anos do 10.º FED e cerca de 27 % em termos anuais, o que constitui um montante significativo.

90      Com efeito, como a Comissão indica de forma pertinente, os fundos em causa destinavam‑se a financiar a construção do último elo de ligação em falta no corredor rodoviário de ligação entre o Malawi e a estrada Norte/Sul de Moçambique, permitindo também a ligação a portos. Não se pode deixar de observar que se tratava assim de uma infraestrutura essencial para a região, que permitiria combinar a integração regional com objetivos como o aumento da produtividade agrícola e piscatória e a empregabilidade. Esta ação enquadrava‑se, segundo a Comissão, no contexto mais amplo do combate à pobreza em Moçambique e era uma peça essencial do mesmo.

91      O facto de a recorrente não ter honrado as garantias que subscreveu levou a que, ainda hoje, esta infraestrutura essencial não esteja concluída, precisamente por falta de fundos. A Comissão refere, a este respeito, que a sociedade X apenas concluiu parcialmente a obra deixada inacabada pela Elevolution, exatamente porque a impossibilidade de recuperar os fundos de que a recorrente era garante à primeira solicitação impediu o financiamento das obras que falta concluir.

92      Por outro lado, quanto à segunda circunstância, o Tribunal Geral constata que as garantias subscritas pela recorrente não estão subordinadas ao contrato, sendo antes obrigações autónomas, independentes e distintas, pelas quais a recorrente se constituiu devedora principal das quantias garantidas. A oposição da Elevolution ao acionamento das garantias não isentou, por conseguinte, a recorrente de cumprir as suas próprias obrigações.

93      A recorrente acrescenta que cumprir a sua obrigação de pagar a teria levado a perder todas as garantias relacionadas com cosseguros e resseguros, bem como as contragarantias e os privilégios creditórios oferecidos pela Elevolution, e sugere mesmo que fazê‑lo a poderia levar à insolvência, visto que, segundo a própria recorrente, não tinha património suficiente para honrar as garantias que subscreveu.

94      Ora, todas estas circunstâncias são alheias ao facto de a recorrente ter subscrito garantias à primeira solicitação. Com efeito, existia uma relação contratual entre a recorrente e a entidade adjudicante cujo conteúdo principal era claro e resultava cristalinamente do texto das garantias, a saber, que a recorrente devia pagar as quantias garantidas mediante simples interpelação. Assim, as demais relações contratuais que a recorrente possa ter assumido paralelamente a esta obrigação eram alheias a esta obrigação que lhe era imposta.

95      Como foi já acima explicado, esta recusa de pagamento frustrou o conteúdo essencial das garantias à primeira solicitação prestadas e, por ter sido praticada por uma empresa profissional do sector, tornou inelutável a conclusão de que a recorrente agiu com dolo ou, pelo menos, negligência grave, pois conhecia ou não podia ignorar que o objetivo essencial das garantias à primeira solicitação é precisamente garantir a solvência do empreiteiro, independentemente de todos os litígios que pudessem vir a surgir entre as partes no contrato.

96      Além disso, a recorrente alega que a sua suposta cooperação não foi tida em conta na ponderação da duração da sanção.

97      A recorrente explica, com efeito, que pediu que o arresto efetuado pelo órgão jurisdicional da República de Moçambique fosse substituído por um depósito «do valor da causa» nas contas da entidade adjudicante, e que solicitou a realização de uma reunião com as cosseguradoras e as resseguradoras em causa, com vista a estabelecer «uma plataforma que assegurasse o depósito do valor na conta bancária da entidade adjudicante», mas que as reuniões por si solicitadas acabaram por nunca ser concedidas, e que, portanto, nunca foram facultadas «as informações necessárias para a concretização do depósito dos valores que serviriam de garantia efetiva e material para o eventual pagamento dos montantes exigíveis em caso de condenação».

98      A este respeito, o Tribunal Geral entende que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação quando considerou que este elemento não devia ser tido em conta na determinação da sanção, a título das medidas adotadas pela recorrente para sanar as infrações descritas pela Comissão. Com efeito, como a própria recorrente reconhece, a sua alegada tentativa de depositar o montante das garantias na conta bancária da entidade adjudicante não se materializou, porque o memorando de entendimento a ele referente e o correspondente depósito, a realizar até 28 de dezembro de 2018, nunca se concretizaram. Ora, como a Comissão alega, era necessário que a recorrente tivesse dado passos concretos que tivessem contribuído para atenuar o prejuízo financeiro acima salientado, para que aqueles pudessem ser qualificados de medidas destinadas a sanar as infrações de que era acusada, o que a recorrente não fez ou, pelo menos, não descreveu no seu recurso.

99      Por último, a recorrente sublinha que a sanção que lhe foi aplicada tem um impacto significativo na sua atividade, o que a poderia conduzir à insolvência e ao despedimento dos seus trabalhadores.

100    Como a Comissão indica, a decisão impugnada afeta apenas as relações futuras da recorrente com a Comissão, por um período de três anos, não afetando os serviços prestados pela recorrente aos seus outros clientes. A este respeito, a recorrente não explica em que medida a sanção aplicada põe em causa a sua própria existência.

101    Resulta do que precede que a Comissão não excedeu os limites do que era apropriado e necessário para atingir o fim desejado, a saber, a proteção dos interesses financeiros e da reputação da União, e que, por conseguinte, não violou o princípio da proporcionalidade quando determinou a sanção que veio a ser aplicada à recorrente.

102    O terceiro fundamento é assim desprovido de fundamento e deve ser julgado improcedente.

103    Há, por conseguinte, que negar provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

104    Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas e as despesas da Comissão, em conformidade com o pedido desta última.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Companhia de Seguros Índico, S.A., é condenada nas despesas.

Svenningsen

Mac Eochaidh

Pynnä

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de fevereiro de 2022.

O Secretário

 

O Presidente

E. Coulon

 

M. van der Woude


* Língua do processo: português.