Language of document : ECLI:EU:T:2006:277

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

27 de Setembro de 2006 (*)

«Concorrência – Coima – Violação do artigo 81.° CE – Poderes da Comissão em matéria de execução – Prescrição – Artigos 4.° e 6.° do Regulamento (CEE) n.° 2988/74 – Admissibilidade»

No processo T‑153/04,

Ferriere Nord SpA, com sede em Osoppo (Itália), representada por W. Viscardini e G. Donà, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por A. Nijenhuis e A. Whelan, na qualidade de agentes, assistidos por A. Colabianchi, advogado,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação das decisões da Comissão notificadas em 5 de Fevereiro de 2004, por via postal e, em 13 de Abril de 2004, por fax, relativas ao saldo não apurado da coima aplicada à recorrente pela Decisão 89/515/CEE da Comissão, de 2 de Agosto de 1989, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (processo IV/31.553: rede electrossoldada para betão) (JO L 260, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),

composto por: R. García‑Valdecasas, presidente, J. D. Cooke e V. Trstenjak, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 7 de Fevereiro de 2006,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        Os artigos 4.° a 6.° do Regulamento (CEE) n.° 2988/74 do Conselho, de 26 de Novembro de 1974, relativo à prescrição quanto a procedimentos e execução de sanções no domínio do direito dos transportes e da concorrência da Comunidade Económica Europeia (JO L 319 p. 1; EE 08 F2 p. 41), têm a seguinte redacção:

«Artigo 4.°

Prescrição quanto à execução de sanções

1.      O poder de a Comissão executar as decisões que aplicam multas, sanções ou adstrições por infracções às disposições do direito dos transportes ou da concorrência da Comunidade Económica Europeia está sujeito a um prazo de prescrição de cinco anos.

2.      A prescrição começa a correr a partir do dia em que a decisão se tornar definitiva.

Artigo 5.°

Interrupção da prescrição quanto à execução de sanções

1.      A prescrição quanto à execução de sanções interrompe‑se:

a)      Pela notificação de uma decisão que altere o montante inicial da multa, sanção ou adstrição ou que rejeite um pedido de alteração;

b)      Por qualquer acto da Comissão ou de um Estado‑Membro, agindo a pedido da Comissão, que tenha por finalidade a execução forçada da multa, sanção ou adstrição.

2.      A prescrição começa a correr de novo a partir de cada interrupção.

Artigo 6.°

Suspensão da prescrição quanto à execução de sanções

A prescrição quanto à execução de sanções suspende‑se pelo período durante o qual:

a)      For concedida uma facilidade de pagamento;

[…]»

 Factos na origem do litígio

2        Em 2 de Agosto de 1989, a Comissão adoptou a Decisão 89/515/CEE, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (processo IV/31.553: rede electrossoldada para betão) (JO L 260, p. 1, a seguir «decisão rede electrossoldada para betão»), através da qual concluiu, nomeadamente, pela participação da Ferriere Nord SpA numa série de infracções no mercado comunitário das redes electrossoldadas para betão e lhe aplicou uma coima de 320 000 ecus.

3        Nos termos do artigo 4.° da decisão rede electrossoldada para betão, a coima aplicada à recorrente podia ser paga no prazo de três meses a contar da notificação da referida decisão. Além disso, a mesma disposição referia que, decorrido o referido prazo, o montante da coima venceria automaticamente juros, à taxa aplicada pelo Fundo Europeu de Cooperação Monetária nas suas operações em ecus, no primeiro dia útil do mês em que a decisão rede electrossoldada para betão foi adoptada, acrescida de 3,5 pontos percentuais, isto é, à taxa de 12,5%.

4        A decisão rede electrossoldada para betão foi notificada à recorrente em 9 de Agosto de 1989. Essa notificação indicava que, decorrido o prazo de pagamento fixado na decisão, a Comissão procederia à cobrança do seu crédito, acrescido automaticamente de juros, calculados a contar da data do termo do prazo de pagamento, à taxa de 12,5%. Precisava que, caso seja interposto recurso jurisdicional de anulação da decisão, a coima não seria cobrada enquanto o processo judicial estivesse pendente, desde que, antes da data do termo do prazo de pagamento:

«–      […] o crédito ven[cesse] juros, a partir da referida data, […] à taxa […] de 10,5%;

–        […] [fosse] constituída uma garantia bancária, aceite pela Comissão, conforme o modelo junto, e que [cobrisse] a dívida principal e respectivos juros e acréscimos, o mais tardar nes[sa] data, por carta registada dirigida [… à] contabilidade da Comissão».

5        Em 18 de Outubro de 1989, a recorrente interpôs um recurso de anulação da decisão rede electrossoldada para betão no Tribunal de Primeira Instância (processo T‑143/89).

6        Em 26 de Outubro de 1989, de acordo com instruções da recorrente, o Banco di Roma emitiu a garantia n.° 1957 (a seguir «garantia bancária»), conforme o modelo junto pela Comissão à sua notificação de 9 de Agosto de 1989, obrigando‑se nos seguintes termos:

«[…] confirmamos que garantimos o pagamento da Ferriere Nord […] à Comissão […]:

–        da coima de 320 000 ecus, aplicada à Ferriere Nord […]

–        dos juros que se vencerem sobre esse montante, calculados a contar de 15 de Novembro de 1989, até à data do efectivo pagamento da coima, à taxa […] de 10,5%.

A presente garantia não pode ser revogada sem o acordo da Comissão [...]

O garante renuncia, na medida do necessário, ao benefício da excussão e da divisão.

A presente garantia é executável à primeira interpelação de V. Ex.as, mediante notificação, por carta registada, da certidão da decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias no processo Ferriere Nord […]/Comissão.

Relativamente a qualquer pagamento efectuado em moeda nacional, a conversão em ecus é feita de acordo com a taxa em vigor no dia anterior à data do pagamento.

Qualquer litígio relativo à presente garantia bancária é da exclusiva competência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, no Luxemburgo.»

7        Por acórdão de 6 de Abril de 1995, Ferriere Nord/Comissão (T‑143/89, Colect., p. II‑917), o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso acima referido no n.° 5.

8        Em 19 de Junho de 1995, a recorrente interpôs recurso do referido acórdão do Tribunal de Primeira Instância. Por acórdão de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão (C‑219/95 P, Colect., p. I‑4411), o Tribunal de Justiça negou provimento a esse recurso.

9        Por carta de 28 de Julho de 1997, a recorrente pediu à Comissão que reconsiderasse a possibilidade de baixar o montante da coima e dos juros. A recorrente alegava que, por um lado, devido à forte desvalorização da lira italiana (LIT) entre a data da decisão rede electrossoldada para betão e o acórdão de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, referido no n.° 8, supra, e, por outro, devido à duração de quase oito anos do processo judicial, não era equitativo exigir‑lhe o pagamento da totalidade do montante da coima em capital e dos juros fixados na decisão rede electrossoldada para betão.

10      Por ofício de 11 de Setembro de 1997, notificado em 18 de Setembro seguinte, a Comissão indeferiu o pedido da recorrente.

11      Por carta registada de 2 de Dezembro de 1997, recebida em 10 de Dezembro seguinte, a recorrente pediu à Comissão que analisasse novamente o seu pedido, nomeadamente, devido ao facto de a saída da lira italiana do sistema monetário europeu, na origem da desvalorização desta, não ser previsível à data da constituição da garantia bancária.

12      Na mesma carta, a recorrente mencionava ter procedido, por outro lado, ao pagamento do montante de 483 840 000 LIT, correspondente ao montante da coima, ou seja, 320 000 ecus, de acordo com a taxa de câmbio em vigor em 1989. Esse montante foi creditado em 15 de Dezembro de 1997, na conta da Comissão, com o valor de 249 918 ecus.

13      A Comissão não respondeu à carta de 2 de Dezembro de 1997.

14      Por ofício de 5 de Fevereiro de 2004 (a seguir «ofício de 5 de Fevereiro de 2004»), a Comissão informou a recorrente de que o montante remanescente que devia em 27 de Fevereiro de 2004 ascendia a 564 402,26 euros (ou seja, o montante do capital da coima, de 320 000 ecus, subtraído de 249 918 ecus pagos em 15 de Dezembro de 1997 e acrescido dos juros correspondentes ao período de 17 de Novembro de 1989 a 27 de Fevereiro de 2004). A Comissão interpelou a recorrente para regularizar o seu débito sem demora e referiu que, efectuado o pagamento, aceitaria a liberação da garantia bancária.

15      Por carta de 25 de Fevereiro de 2004, a recorrente respondeu à Comissão que os pedidos constantes do ofício de 5 de Fevereiro de 2004 não tinham fundamento e eram extemporâneos. A recorrente alegava, nomeadamente, que o prazo de prescrição de cinco anos quanto à execução de sanções, previsto no artigo 4.° do Regulamento n.° 2988/74, tinha expirado em 18 de Setembro de 2002 e que, nessas condições, a Comissão já não podia invocar o seu crédito sobre ela nem contra o banco garante.

16      Por fax de 13 de Abril de 2004 (a seguir «fax de 13 de Abril de 2004»), a Comissão respondeu à recorrente que, quanto à prescrição prevista no artigo 4.° do Regulamento n.° 2988/74, essa disposição não era aplicável no caso concreto devido à existência da garantia bancária, que é invocável a todo o tempo e que tem o efeito de um pagamento provisório, de modo que não era necessária a execução forçada. A Comissão admitia igualmente não ter recordado à recorrente que regularizasse o seu débito depois de ter sido proferido o acórdão do Tribunal de Justiça que confirmou a decisão rede electrossoldada para betão e, a esse título, aceitava não cobrar os juros vencidos a partir do quinto mês seguinte à prolação do referido acórdão, ou seja, a partir de 17 de Dezembro de 1997. Daí decorre que a Comissão só já reclamava da recorrente o pagamento do montante de 341 932,32 euros, em vez dos 564 402,26 euros solicitados no ofício de 5 de Fevereiro de 2004. Por último, a Comissão referia que, não sendo efectuado o pagamento até 30 de Abril de 2004, procederia à execução da garantia bancária.

 Tramitação do processo e pedidos das partes

17      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 23 de Abril de 2004, a recorrente interpôs o presente recurso.

18      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção) decidiu dar início à fase oral. Na audiência de 7 de Fevereiro de 2006, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas orais do Tribunal.

19      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular as decisões contidas no ofício de 5 de Fevereiro de 2004 e no fax de 13 de Abril de 2004 (a seguir «actos impugnados»);

–        condenar a Comissão nas despesas.

20      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de digne:

–        a título principal, julgar o recurso inadmissível na medida em que se baseia no artigo 230.° CE;

–        a título subsidiário, negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Argumentos das partes

 Quanto à admissibilidade

21      A Comissão alega, a título principal, a inadmissibilidade do presente recurso, pelo facto de os actos impugnados não serem decisões na acepção do artigo 249.° CE, através das quais a recorrente seja lesada. Por conseguinte, os actos impugnados não são impugnáveis.

22      Os actos impugnados constituem, com efeito, um simples convite à regularização do saldo não apurado da dívida resultante da decisão rede electrossoldada para betão e do ofício de 11 de Setembro de 1997, e não produzem nenhum efeito jurídico acrescido em relação ao montante da coima devido por força desses actos anteriores, de que são uma mera confirmação, salvo no que diz respeito à redução, não contestada pela recorrente, do montante dos juros, resultante do fax de 13 de Abril de 2004 (n.° 16, supra).

23      A recorrente alega, no essencial, que, nos termos do artigo 4, n.° 1, do Regulamento n.° 2988/74, o poder da Comissão para executar a decisão rede electrossoldada para betão prescreveu antes da adopção dos actos impugnados (v. n.os 24 a 27, infra). Consequentemente, ao notificar os actos impugnados à recorrente, interpelando‑a para apurar o saldo da sua dívida e invocando a execução da garantia bancária no caso de o pagamento não ser efectuado, a Comissão dirigiu‑lhe um pedido de pagamento sem título, que constitui um elemento novo em relação à decisão rede electrossoldada para betão e ao ofício de 11 de Setembro de 1997. Por conseguinte, os actos impugnados não são actos confirmativos dessa decisão e desse ofício.

 Quanto ao mérito

24      A recorrente invoca um único fundamento de recurso, relativo à violação do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2988/74, na medida em que o poder da Comissão para executar a decisão rede electrossoldada para betão estava prescrito quando os actos impugnados foram adoptados.

25      Com efeito, a decisão rede electrossoldada para betão tornou‑se definitiva no dia em que foi proferido o acórdão Ferriere Nord/Comissão, referido no n.° 8, supra, ou seja, em 17 de Julho de 1997. Foi, portanto, na data em que esse acórdão foi notificado que começou inicialmente a correr, nos termos do artigo 4.° do Regulamento n.° 2988/74, o prazo de prescrição de cinco anos. Todavia, nos termos do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do mesmo regulamento, o prazo de prescrição foi interrompido pelo ofício de 11 de Setembro de 1997 da Comissão, notificado em 18 de Setembro seguinte, de modo que a contagem do referido prazo recomeçou nesse dia. Não havendo nenhum outro acto que tivesse interrompido ou suspendido o prazo de prescrição, o poder da Comissão para executar a decisão rede electrossoldada para betão prescreveu cinco anos mais tarde, ou seja, em 18 de Setembro de 2002.

26      Daí decorre que, à data da adopção dos actos impugnados, o direito de a Comissão proceder à execução da decisão rede electrossoldada para betão estava prescrito não só em relação à recorrente mas também em relação ao Banco di Roma.

27      A este respeito, a recorrente contesta, considerando‑a artificial e destituída de fundamento jurídico, a argumentação esgrimida pela Comissão, segundo a qual o artigo 4.° do Regulamento n.° 2988/74 não é aplicável no caso em apreço. Alega, nomeadamente, que, de acordo com a jurisprudência, a obrigação do garante tem carácter acessório, no sentido de que o garante só pode ser chamado pelo credor a cumprir se a dívida garantida for exigível (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 2003, Préservatrice foncière TIARD, C‑266/01, Colect., p. I‑4867, n.° 29).

28      A Comissão alega que o argumento da recorrente relativo à prescrição, na acepção do artigo 4.° do Regulamento n.° 2988/74, do seu poder para executar a decisão rede electrossoldada para betão não tem fundamento e que o referido regulamento não deve ser aplicado no presente processo devido à existência da garantia bancária.

29      A este respeito, a Comissão considera, em primeiro lugar, que o processo de execução da garantia bancária contra o Banco di Roma não pode equiparar‑se ao processo de execução da decisão rede electrossoldada para betão. A obrigação do banco garante tem, com efeito, natureza contratual, o que justifica que qualquer litígio relativo à garantia bancária seja da competência do Tribunal de Justiça, com base no artigo 238.° CE, ao passo que a obrigação da recorrente resulta do artigo 256.° CE.

30      A Comissão alega, em segundo lugar, que a garantia bancária é uma obrigação distinta e autónoma da obrigação de a recorrente pagar a coima. A este respeito, refere que a garantia bancária é executável à primeira interpelação da Comissão, que o Banco di Roma se obrigou, na medida do necessário, a renunciar ao benefício da excussão e da divisão e que a garantia não pode ser revogada sem o seu consentimento escrito. A Comissão conclui que o vínculo que a liga ao Banco di Roma é independente do que a liga à recorrente.

31      A Comissão alega, em terceiro lugar, que o princípio da segurança jurídica não exige a aplicação por analogia, às relações contratuais, da prescrição prevista no Regulamento n.° 2988/74. A relação contratual cumpre, por si só, a exigência de segurança jurídica em matéria de prescrição. Se o direito italiano fosse aplicável à garantia bancária em causa, o prazo de prescrição seria de dez anos. Por conseguinte, a Comissão não necessitaria de proceder à execução forçada da decisão rede electrossoldada para betão, uma vez que poderia invocar o seu crédito junto do Banco di Roma com fundamento na garantia bancária.

32      Por último, a Comissão alega que a garantia bancária não pode ser considerada puramente acessória da relação inicial entre ela e a recorrente. A este respeito, o acórdão Préservatrice foncière TIARD, invocado pela recorrente no n.° 27, supra, não é pertinente no caso em apreço, na medida em que se refere a um sistema de garantia com o qual a garantia bancária em causa não está relacionado, devido ao carácter específico das suas cláusulas. Alega, além disso, que não teria tido interesse em aceitar uma tal garantia acessória em vez do pagamento provisório da coima.

33      Subsidiariamente, a Comissão alega que mesmo que (o que não se concede) a prescrição do Regulamento n.° 2988/74 fosse aplicável à garantia bancária, haveria que considerar que a aceitação da referida garantia era uma facilidade de pagamento, na acepção do artigo 6.°, alínea a), do referido regulamento, que tem por efeito suspender a prescrição. Com efeito, essa aceitação constituiria uma facilidade de pagamento a vários títulos: dispensaria a empresa de proceder imediatamente ao pagamento da coima e permitir‑lhe‑ia adiar esse pagamento até que a Comissão o reclamasse, sem ter de pedir ao tribunal comunitário que suspendesse o efeito executório da decisão de confirmação da aplicação da coima. Além disso, não reconhecer que a garantia bancária constitui uma facilidade de pagamento equivaleria a incentivar as empresas a não pagarem as coimas que lhes foram aplicadas, quando estas se tornassem definitivas.

34      Por outro lado, a Comissão considera que a execução da garantia bancária não constitui o exercício de um poder público, impugnável com base no artigo 230.° CE, mas o exercício de um direito contratual cuja fiscalização judicial foi atribuída, devido à cláusula compromissória contida na garantia bancária, ao tribunal comunitário. Ora, os actos adoptados pela Comissão no âmbito de uma relação contratual, da competência do tribunal comunitário, nos termos do artigo 238.° CE, não podem, em princípio, ser simultaneamente objecto de um recurso de anulação com base no artigo 230.° CE.

35      A este respeito, «a bem da justiça e da economia processual», a Comissão solicita ao Tribunal de Primeira Instância que requalifique o presente recurso interposto por um particular como acção proposta ao abrigo do artigo 238.° CE, relativo à aplicação da garantia contratual.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

36      Sendo o argumento relativo à prescrição, na acepção do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2988/74, do poder da Comissão para executar a decisão rede electrossoldada para betão utilizado pela recorrente tanto no plano da admissibilidade, para contestar a questão prévia de inadmissibilidade arguida pela Comissão (n.° 23, supra), como no que diz respeito ao mérito (n.° 24, supra), há que determinar, antes de mais, se essa prescrição ocorreu.

 Quanto à prescrição

37      Em primeiro lugar, há que analisar a questão de saber se, como alega a recorrente, o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2988/74 é aplicável no caso em apreço.

38      Para esse efeito, importa desde logo determinar se os actos impugnados têm natureza administrativa ou, como defende a Comissão, natureza contratual.

39      A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância observa, em primeiro lugar, que os actos impugnados se referem expressamente, na rubrica «Objecto», ao processo que levou à adopção da decisão rede electrossoldada para betão. A interpelação para pagar, acompanhada do aviso de execução da garantia bancária neles contidos, constitui, portanto, uma forma de execução da decisão rede electrossoldada para betão. Assim, os actos impugnados, adoptados com base numa decisão da Comissão na acepção do artigo 249.° CE, têm natureza administrativa.

40      Por outro lado, se é certo que a relação contratual entre o Banco di Roma e a Comissão, concretamente, a garantia bancária, tem origem na obrigação da recorrente perante a Comissão e que a referida garantia bancária contém uma cláusula compromissória, na acepção do artigo 238.° CE, há todavia que recordar que o fax de 13 de Abril de 2004 se limitou a evocar a execução da garantia bancária no caso de não serem pagos os montantes reclamados à recorrente e que o ofício de 5 de Fevereiro de 2004 nada diz sobre a garantia bancária.

41      Daí resulta, por um lado, que, contrariamente ao que alega a Comissão, o presente processo não é um litígio de natureza contratual, baseado na garantia bancária e susceptível de afastar a aplicação do Regulamento n.° 2988/74 no caso em apreço.

42      Por outro lado, o recurso de anulação interposto nos termos do artigo 230.° CE é o meio processual idóneo para fiscalizar a legalidade dos actos impugnados (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Junho de 2005, Helm Düngemittel/Comissão, T‑265/03, Colect., p. II‑2009, n.° 38 e jurisprudência aí referida). Assim, a requalificação do presente recurso como acção proposta com base no artigo 238.° CE, sugerida pela Comissão, para além de ser incompatível com o objecto do recurso tal como fixado pela recorrente na petição e expressamente confirmado na réplica, seria, portanto, juridicamente errada.

43      Por conseguinte, está demonstrada a natureza administrativa dos actos impugnados, adoptados no âmbito da execução da decisão rede electrossoldada para betão.

44      Quanto aos argumentos invocados pela Comissão, referidos nos n.os 28 a 31, supra, basta, para os afastar, salientar mais uma vez (v. n.os 40 e 41, supra) que o objecto do presente recurso não se prende com a execução da garantia bancária.

45      No que diz respeito ao argumento da Comissão segundo o qual a simples existência da garantia bancária afasta a aplicação, relativamente à obrigação principal que vincula a recorrente e a Comissão, do Regulamento n.° 2988/74 (v. n.° 28, in fine), há que referir que a existência dessa relação contratual entre o Banco di Roma e a Comissão não impede a eventual prescrição do poder da Comissão para executar a decisão rede electrossoldada para betão ocorrida no termo do prazo previsto no artigo 4.° do referido regulamento. Com efeito, o Regulamento n.° 2988/74 instituiu uma regulamentação completa que disciplina pormenorizadamente os prazos dentro dos quais a Comissão pode, sem violar a exigência fundamental da segurança jurídica, executar as decisões que aplicam coimas às empresas objecto de processos de aplicação das normas comunitárias da concorrência (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Março de 2003, CMA CGM e o./Comissão, T‑213/00, Colect., p. II‑913, n.° 324).

46      A este respeito, pouco importa que a garantia bancária possa ser qualificada, como alega a recorrente, de acessória relativamente à obrigação principal que garante, ou, pelo contrário, de autónoma, devido à cláusula de pagamento à primeira interpelação que contém (n.os 27 e 32, supra).

47      Consequentemente, há que analisar a questão de saber se o poder da Comissão para executar a decisão rede electrossoldada para betão já estava prescrito, na acepção do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2988/74, quando os actos impugnados foram adoptados.

48      A este respeito, é facto assente que, com excepção do ofício da Comissão de 11 de Setembro de 1997, referido no n.° 10, supra, nenhum outro acto foi adoptado, susceptível de interromper o prazo de prescrição na acepção do artigo 5.° do Regulamento n.° 2988/74, depois do acórdão de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, referido no n.° 8, supra.

49      Resta analisar a questão de saber se, como afirma a Comissão, o prazo de prescrição estava suspenso pelo facto de, no essencial, o prazo suplementar concedido pela Comissão à recorrente para pagar a coima, em contrapartida da constituição da garantia bancária pela recorrente, constituir uma facilidade de pagamento na acepção do artigo 6.°, alínea a), do Regulamento n.° 2988/74 (n.° 1, supra).

50      Ora, não se pode deixar de observar, a este respeito, que a resolução dessa questão não é determinante para efeitos do presente litígio.

51      Com efeito, esse prazo suplementar expirou no termo do período para o qual tinha sido concedido, concretamente, nos termos do ofício da Comissão de 9 de Agosto de 1989 (v. n.° 4, supra), «enquanto o processo judicial estivesse pendente». No caso em apreço, o prazo suplementar concedido terminou no dia da prolação do acórdão do Tribunal de Justiça, ou seja, em 17 de Julho de 1997 (v. n.° 8, supra), data em que a prescrição começou a correr, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2988/74.

52      Consequentemente, há que concluir que não houve suspensão do prazo de prescrição, no caso vertente, depois do acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1997.

53      Daí decorre que, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2988/74, o poder de execução da Comissão prescreveu, na acepção da referida disposição, na data correctamente determinada pela recorrente (v. n.° 28, supra), ou seja, em 18 de Setembro de 2002. Por conseguinte, os actos impugnados de 5 de Fevereiro e 13 de Abril de 2004 foram adoptados e notificados à recorrente quando o poder da Comissão para executar a decisão rede electrossoldada para betão estava prescrito.

 Quanto à admissibilidade

54      Há que recordar que, na acepção do artigo 249.° CE, constitui uma decisão qualquer acto que modifique de modo caracterizado e definitivo a situação jurídica do seu destinatário (acórdãos do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1971, Comissão/Conselho, 22/70, Colect., p. 69, n.os 33 a 43, e de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2268).

55      Resulta dos desenvolvimentos relativos à prescrição (n.os 37 a 51, supra) que, devido à prescrição do poder da Comissão para executar a decisão rede electrossoldada para betão, o direito de esta exigir à recorrente o pagamento do saldo estava prescrito e a recorrente podia legitimamente, a partir de 18 de Setembro de 2002, considerar‑se ao abrigo de qualquer pretensão da Comissão relativa à execução da referida decisão.

56      Ora, através dos actos impugnados, a Comissão interpelou a recorrente para pagar o saldo em atraso e ameaçou‑a de proceder à execução da garantia bancária. Os actos impugnados, que beneficiam, a priori, de uma presunção de legalidade, modificam, portanto, de modo caracterizado e definitivo a sua situação jurídica e constituem, a esse título, uma decisão na acepção do artigo 249.° CE, por definição, não confirmativa de actos anteriores.

57      Consequentemente, a questão prévia de inadmissibilidade deve ser julgada improcedente.

 Quanto ao mérito

58      Resulta dos desenvolvimentos relativos à prescrição (n.os 37 a 53, supra) que, quando os actos impugnados foram adoptados, o poder da Comissão para executar a decisão rede electrossoldada para betão estava prescrito, na acepção do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2988/74.

59      Daí decorre que o fundamento relativo à violação do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2988/74 é procedente e que, consequentemente, os actos impugnados devem ser anulados.

 Quanto às despesas

60      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

decide:

1)      As decisões da Comissão notificadas em 5 de Fevereiro de 2004, por via postal e, em 13 de Abril de 2004, por fax, relativas ao saldo não apurado da coima aplicada à recorrente pela Decisão 89/515/CEE da Comissão, de 2 de Agosto de 1989, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (processo IV/31.553: rede electrossoldada para betão), são anuladas.

2)      A Comissão é condenada, para além das suas próprias despesas, nas despesas da recorrente.

García‑Valdecasas

Cooke

Trstenjak

Proferido no Luxemburgo, em 27 de Setembro de 2006.

O secretário

 

       O presidente

E. Coulon

 

      R. García‑Valdecasas


* Língua do processo: italiano.