Language of document : ECLI:EU:C:2018:29

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 23 de janeiro de 2018 (1)

Processo C530/16

Comissão Europeia

contra

República da Polónia

«Incumprimento de Estado — Diretiva 2004/49/CE relativa à segurança das empresas de transporte ferroviário da Comunidade — Artigo 21.o, n.o 1 — Independência do organismo responsável pelos inquéritos na sua organização, estrutura jurídica e processo de decisão — Independência de qualquer gestor de infraestrutura, empresa ferroviária e de qualquer parte cujos interesses possam colidir com as tarefas confiadas ao organismo responsável pelos inquéritos — Independência do ministro responsável pelos Transportes»






I.      Introdução

1.        Nos termos do artigo 21.o, n.o 1, da Diretiva 2004/49/CE (a seguir «diretiva relativa à segurança ferroviária») (2), os inquéritos sobre acidentes e incidentes devem ser realizados por um organismo de investigação permanente. No exercício das suas funções, esse organismo deve ser independente dos diversos intervenientes enumerados naquela disposição, tais como qualquer gestor de infraestrutura, empresa ferroviária ou qualquer parte cujos interesses possam colidir com as tarefas confiadas ao organismo responsável pelos inquéritos.

2.        A Comissão Europeia entende que a República da Polónia não cumpriu esses requisitos. Alega que o organismo polaco responsável pelos inquéritos não é independente da empresa ferroviária e do gestor de infraestrutura e assenta esta alegação assenta na existência de laços estreitos entre aquele organismo e o ministro das Infraestruturas e Construção, que é responsável pelos Transportes (a seguir «ministro»), que controla efetivamente tanto o gestor de infraestrutura como a empresa ferroviária.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da UE

3.        O considerando 23 da diretiva relativa à segurança ferroviária refere que «os acidentes ferroviários graves são raros. Porém, podem ter consequências desastrosas e suscitar preocupações por parte do público relativamente ao desempenho do sistema ferroviário em termos de segurança. Consequentemente, todos esses acidentes deverão, numa perspetiva de segurança, ser objeto de inquérito para evitar a sua repetição, devendo os seus resultados ser tornados públicos […]».

4.        Nos termos do considerando 24, «o inquérito sobre segurança deverá manter‑se separado do inquérito judiciário sobre o mesmo incidente e ter acesso às provas e testemunhas. Deverá ser efetuado por um organismo permanente, independente dos intervenientes do setor ferroviário e que funcione de modo a evitar quaisquer conflitos de interesses e qualquer possível envolvimento nas causas das ocorrências investigadas. Em especial, a sua independência funcional não deverá ser afetada, se estiver estreitamente associado à autoridade nacional de segurança ou à entidade nacional reguladora dos caminhos de ferro para efeitos organizativos e de estrutura jurídica […]».

5.        O capítulo IV da diretiva relativa à segurança ferroviária é dedicado à autoridade responsável pela segurança. De acordo com o artigo 16.o, n.o 1, «[c]ada Estado‑Membro deve instituir uma autoridade responsável pela segurança. Essa autoridade, que pode ser o Ministério que tutela os transportes, deve ser independente na sua organização, estrutura jurídica e processo de decisão, de qualquer empresa ferroviária, gestor de infraestrutura, requerente de certificação e entidade adjudicante».

6.        O capítulo V, que compreende os artigos 19.o a 25.o, regula os inquéritos sobre acidentes e incidentes. O n.o 1 do artigo 19.o exige aos Estados‑Membros que garantam que «o organismo responsável pelos inquéritos […] proceda a um inquérito após um acidente grave ocorrido no sistema ferroviário, com o objetivo de aumentar, se possível, a segurança ferroviária e prevenir acidentes». O n.o 2 confere ao organismo responsável pelos inquéritos discricionariedade para decidir se deve ou não investigar «os acidentes e incidentes que, em circunstâncias ligeiramente diferentes, poderiam ter conduzido a acidentes graves».

7.        O artigo 21.o da diretiva relativa à segurança ferroviária fixa regras relativas ao organismo responsável pelos inquéritos:

«1.      Cada Estado‑Membro deve assegurar que os inquéritos sobre acidentes e incidentes mencionados no artigo 19.o sejam realizados por um organismo permanente, que deve integrar, pelo menos, uma pessoa capaz de desempenhar as funções de responsável pelo inquérito na eventualidade de um acidente ou incidente. Esse organismo deve ser independente, na sua organização, estrutura jurídica e processo de decisão, de qualquer gestor de infraestrutura, empresa ferroviária, organismo de tarifação, entidade responsável pela repartição da capacidade e organismo notificado, e de qualquer parte cujos interesses possam colidir com as tarefas confiadas ao organismo responsável pelos inquéritos. Deve também ser funcionalmente independente da autoridade responsável pela segurança e de qualquer entidade reguladora dos caminhos de ferro.

2.      O organismo responsável pelos inquéritos deve desempenhar as suas tarefas de modo independente das organizações mencionadas no n.o 1 e ter a capacidade de obter recursos suficientes para o efeito. Os seus membros devem possuir um estatuto que lhes confira as garantias de independência necessárias.

[…]

4.      O organismo responsável pelos inquéritos pode conciliar as tarefas que lhe são atribuídas por força da presente diretiva com inquéritos de outras ocorrências que não sejam acidentes e incidentes ferroviários, desde que tais inquéritos não comprometam a sua independência.

[…]»

8.        O artigo 23.o estabelece obrigações de comunicação. Em especial, o artigo 23.o, n.o 1, determina que «o inquérito sobre um acidente ou incidente a que se refere o artigo 19.o deve ser objeto de relatórios, cuja forma dependerá do tipo e da gravidade do acidente ou incidente e da importância das conclusões. Os relatórios indicarão os objetivos do inquérito, mencionados no n.o 1 do artigo 19.o, e incluirão, se for caso disso, recomendações em matéria de segurança».

B.      Direito polaco

9.        O artigo 28a da Ustawa o transporcie kolejowym («Lei relativa ao transporte ferroviário») de 28 de março de 2003, aplicável na época pertinente, previa a criação e o funcionamento do organismo responsável pelos inquéritos, a Państwowa Komisja Badania Wypadków Kolejowych (Comissão nacional para a investigação de acidentes ferroviários; a seguir «PKBWK»), nos seguintes termos:

«1.      Sob a responsabilidade do ministro dos Transportes, a Comissão nacional para a investigação de acidentes ferroviários [PKBWK] exercerá as suas atividades de forma independente, conduzindo inquéritos relativamente a acidentes graves, acidentes e incidentes.

2.      A PKBWK desempenhará as suas atividades em nome do ministro dos Transportes.

3.      A PKBWK será constituída por quatro membros permanentes, incluindo um diretor, um diretor adjunto e um secretário.

4.      A PKBWK pode também ser constituída por membros ad hoc escolhidos pelo seu diretor, a partir de uma lista fornecida pelo ministro dos Transportes, para participarem no procedimento.

[…]

6.      O diretor da PKBWK será nomeado e destituído pelo ministro dos Transportes.

7.      O diretor adjunto e o secretário serão nomeados e destituídos pelo ministro dos Transportes, a pedido do diretor da PKBWK.

8.      Os membros da PKBWK serão nomeados e destituídos pelo ministro dos Transportes, sob proposta do diretor da PKBWK.

9.      O ministro dos Transportes pode, na sequência de um pedido da PKBWK, aprovado por maioria absoluta, destituir membros da PKBWK.

10.      Qualquer pessoa que:

1)      tenha nacionalidade polaca e esteja no pleno gozo dos seus direitos civis;

2)      tenha plena capacidade para praticar atos jurídicos;

3)      não tenha sido condenada pela prática dolosa de um crime; e

4)      reúna os requisitos em matéria de educação e formação,

pode ser membro da PKBWK.

11.      A qualidade de membro da PKBWK termina com a morte, na sequência do incumprimento dos requisitos estabelecidos no artigo 28a, n.o 10, ou apresentação de demissão ao ministro dos Transportes.

12.      A PKBWK pode ser constituída por especialistas das seguintes áreas:

1)      exploração da rede ferroviária;

2)      projeção, construção e manutenção de linhas ferroviárias, nós e estações;

3)      dispositivos de segurança e de direção para as redes e comunicações ferroviárias;

4)      veículos ferroviários;

5)      energia elétrica ferroviária;

6)      transporte ferroviário de produtos perigosos.

13.      São consideradas peritos as pessoas possuidoras de diploma de ensino superior, de qualificações adequadas e de, pelo menos, cinco anos de experiência no domínio em questão.

14.      Quando adotam deliberações […], os membros da PKBWK reger‑se‑ão pelo princípio da livre apreciação da prova e não estão vinculados a quaisquer instruções quanto ao conteúdo das deliberações aprovadas.

15.      Ao investigar um acidente grave, acidente ou incidente, a PKBWK não pode ser constituída por membros ad hoc contratados por agências cuja infraestrutura ferroviária, trabalhadores ou veículos tenham estado envolvidos no evento sob investigação.

16.      Os membros ad hoc da PKBWK têm direito a remuneração nos termos de um contrato de direito civil.

17.      Os membros da PKBWK não podem atuar enquanto perito judicial em matérias submetidas à apreciação da PKBWK.

18.      Quando adequado, os peritos e o pessoal operacional participam no trabalho da PKBWK.

19.      Os peritos que participam no trabalho da PKBWK e emitem opiniões ou pareceres têm direito a remuneração nos termos de um contrato de direito civil.»

10.      O artigo 28d da Lei relativa ao transporte ferroviário dispunha ainda o seguinte:

«1.      O ministro dos Transportes incluirá, na parte do orçamento estatal sob sua responsabilidade, o financiamento das atividades prosseguidas pela PKBWK e pelo seu pessoal, em especial a remuneração dos seus membros, peritos e pessoal operacional, e o equipamento técnico, custos de formação, custos de publicação e honorários de peritos.

2.      O funcionamento da PKBWK será assegurado pelo departamento adequado do serviço respetivo do ministro dos Transportes.

[…]

4.      O ministro dos Transportes estabelece, mediante despacho, os estatutos que regulam as atividades e a estrutura organizativa da PKBWK, tendo em conta a natureza das tarefas por esta desempenhadas.»

III. Fase précontenciosa e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

11.      Em 21 de fevereiro de 2014, a Comissão enviou à República da Polónia uma notificação para cumprir relativa à incompatibilidade de diversas disposições da Lei relativa ao transporte ferroviário com a diretiva relativa à segurança ferroviária. Em especial, suscitou questões relativas à falta de independência da autoridade responsável pela segurança (em violação do artigo 16.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária) e do organismo responsável pelos inquéritos (em violação do artigo 21.o, n.o 1).

12.      A República da Polónia respondeu por carta de 17 de abril de 2014, negando ter violado os artigos 16.o, n.o 1, e 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária. No entanto, relativamente às outras alegações feitas pela Comissão na referida notificação para cumprir (3), a República da Polónia afirmou que iria alterar a sua legislação, de forma a cumprir a diretiva relativa à segurança ferroviária.

13.      A Comissão não ficou convencida e emitiu um parecer fundamentado, em 27 de fevereiro de 2015, no qual pedia à República da Polónia que transpusesse corretamente a diretiva relativa à segurança ferroviária.

14.      A República da Polónia respondeu a esse parecer fundamentado por carta datada de 27 de abril de 2015. Informou a Comissão de que tinham sido adotados dois regulamentos com vista a dar cumprimento à diretiva relativa à segurança ferroviária e de que estava em curso a discussão sobre uma proposta de alteração da Lei relativa ao transporte ferroviário. Em 18 e 30 de outubro de 2015, a República da Polónia notificou a Comissão de que tinha sido adotado outro regulamento e também de uma alteração à Lei relativa ao transporte ferroviário, adotada em 25 de setembro de 2015. Além disso, reiterou a sua alegação de que não tinha violado os artigos 16.o, n.o 1, e 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária.

15.      Segundo a Comissão, apesar de as alterações introduzidas na legislação nacional assegurarem uma correta transposição de várias disposições da diretiva relativa à segurança ferroviária, a República da Polónia ainda continuava a violar os artigos 16.o, n.o 1, e 21.o, n.o 1, da referida diretiva. Por conseguinte, a Comissão intentou no Tribunal de Justiça uma ação relativa à falta de independência da autoridade responsável pela segurança e do organismo responsável pelos inquéritos. Nessa ação, a Comissão pediu ao Tribunal de Justiça que:

— declare que a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 16.o, n.o 1, e 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária,

–        ao não tomar as medidas necessárias para garantir a independência da autoridade responsável pela segurança perante a empresa ferroviária e o gestor de infraestrutura;

–        ao não tomar as medidas necessárias para garantir a independência do organismo responsável pelos inquéritos perante a empresa ferroviária e o gestor de infraestrutura.

— condene a República da Polónia nas despesas.

16.      Subsequentemente, a Comissão decidiu retirar a sua alegação de incumprimento do artigo 16.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária, respeitante à independência da autoridade responsável pela segurança. A Comissão salientou, nas suas alegações apresentadas na réplica, que uma lei de 16 de novembro de 2016, notificada à Comissão em 1 de dezembro de 2016, tinha modificado a Lei relativa ao transporte ferroviário e outras leis nacionais. Na sequência dessa modificação, a Comissão considera que a legislação polaca agora transpõe corretamente o artigo 16.o, n.o 1, da diretiva. No entanto, uma vez que a conformidade só se verificou após a abertura do processo por infração, a Comissão alega que a República da Polónia deve ser condenada a pagar as despesas relacionadas com esse fundamento, nos termos do artigo 141.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

17.      No que respeita ao artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária, a Comissão mantém a sua alegação de que o organismo responsável pelos inquéritos polaco não é independente do gestor de infraestrutura e da empresa ferroviária. Tanto o gestor de infraestrutura como a empresa ferroviária são detidos pelo Estado: a propriedade do Estado é formalmente atribuída ao Tesouro Público, mas o controlo é efetivamente exercido pelo ministro responsável pelos transportes, em representação do Estado. Portanto, o ministro controla o gestor de infraestrutura e a empresa ferroviária.

18.      Segundo a Comissão, a legislação polaca não garante a independência do organismo responsável pelos inquéritos perante o ministro. O organismo responsável pelos inquéritos não tem estatuto jurídico próprio. Faz parte do Ministério. Não tem independência decisória porque não atua em nome próprio mas sim em representação do ministro, que tem de assinar as suas decisões. A Comissão também alega que as condições e métodos de nomeação e destituição dos membros do organismo responsável pelos inquéritos não garantem a sua independência. Por último, a obrigação de o organismo responsável pelos inquéritos pedir sistematicamente recursos financeiros ou humanos limita consideravelmente a sua independência organizativa perante o Ministério.

19.      Em sua defesa, a República da Polónia alega que a ação da Comissão é inadmissível e, em todo o caso, carece de fundamento. A legislação polaca contém garantias de independência precisas e pormenorizadas que salvaguardam a independência organizativa, jurídica e decisória do organismo responsável pelos inquéritos. Não existe qualquer relação de subordinação entre o organismo responsável pelos inquéritos e o ministro. Na prática, o ministro nunca interferiu no trabalho operacional diário do organismo responsável pelos inquéritos. O facto de o organismo responsável pelos inquéritos ser uma estrutura integrada no Ministério e atuar em nome do ministro reforça, na verdade, a legitimidade e a autoridade do mesmo organismo.

20.      Por conseguinte, segundo a República da Polónia, não existiu qualquer violação do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária. A República da Polónia propõe, assim, que a ação intentada pela Comissão seja julgada totalmente improcedente e que a Comissão seja condenada nas despesas.

21.      Foram apresentadas observações escritas pela República da Polónia e pela Comissão. Ambas as partes apresentaram também alegações orais na audiência realizada em 26 de outubro de 2017.

IV.    Apreciação

22.      As presentes conclusões estão estruturadas do seguinte modo: começarei por expor a estrutura do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária (A). Seguidamente, analisarei aprofundadamente o segundo período do artigo 21.o, n.o 1, isto é, a disposição relevante no presente processo, primeiro no tocante à natureza exata da independência imposta por essa disposição (B), e depois especificamente quanto às entidades relativamente às quais deve ser garantida essa independência (C). Depois de expostos esses requisitos, debruçar‑me‑ei sobre a sua aplicação ao presente processo (D).

A.      Estrutura do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária

23.      O artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária compreende três períodos. O primeiro período impõe a obrigação de criar um organismo permanente responsável pelos inquéritos. É seguido por outras duas especificações relativas ao nível de independência que esse organismo deve ter. A natureza e o âmbito de cada um desses períodos diferem.

24.      Por um lado, o segundo período do artigo 21.o, n.o 1, exige a independência do organismo responsável pelos inquéritos «na sua organização, estrutura jurídica e processo de decisão, de qualquer gestor de infraestrutura, empresa ferroviária, organismo de tarifação, entidade responsável pela repartição da capacidade e organismo notificado, e de qualquer parte cujos interesses possam colidir com as tarefas confiadas ao organismo responsável pelos inquéritos».

25.      Por outro lado, o terceiro período do artigo 21.o, n.o 1, visa um tipo de independência diferente (talvez mais restrito) por parte do organismo responsável pelos inquéritos: o referido organismo deve ser funcionalmente independente da autoridade responsável pela segurança e de qualquer entidade reguladora dos caminhos de ferro.

26.      O artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária distingue, assim, entre dois tipos — e, reconhecidamente, dois níveis — de independência aplicáveis ao mesmo organismo responsável pelos inquéritos. O primeiro tipo é a «mera» independência funcional perante a autoridade responsável pela segurança e a entidade reguladora dos caminhos de ferro enquanto o segundo é a independência «reforçada» na organização, estrutura jurídica e processo de decisão, perante qualquer gestor de infraestrutura, empresa ferroviária, organismo de tarifação, entidade responsável pela repartição da capacidade e organismo notificado, e perante qualquer parte cujos interesses possam colidir com as tarefas confiadas ao organismo responsável pelos inquéritos.

27.      Poder‑se‑ia considerar que a diferença de redação foi inspirada pelo facto de as entidades referidas no terceiro período serem, por força das respetivas funções, serem menos suscetíveis de interferir nas tarefas dos organismos responsáveis pelos inquéritos. Em contrapartida, presume‑se que as entidades referidas no segundo período defendem interesses que têm maior probabilidade de colidir com os do organismo responsável pelos inquéritos.

28.      O terceiro período do artigo 21.o, n.o 1, não é aplicável ao presente processo, apesar de certamente poder ter alguma utilidade indireta e interpretativa. Esse período ajuda a esclarecer quais poderão ser os contornos do tipo de independência previsto no segundo período em comparação com o do terceiro período. No entanto, é absolutamente claro que a independência do organismo responsável pelos inquéritos perante a autoridade responsável pela segurança ou a entidade reguladora dos caminhos de ferro não é questionada na presente ação.

29.      Portanto, é o segundo período que constitui o critério aplicável ao presente processo. Apesar de o referido período já estabelecer algumas indicações relativamente à independência visada, existem duas variáveis que carecem de maior desenvolvimento: que tipo de independência (B) e relativamente a quem, exatamente. É sobre estas duas questões que agora me debruço.

B.      Independência relativamente a quê?

30.      O artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária exige que o organismo responsável pelos inquéritos seja independente de determinadas entidades em três vertentes: organização, estrutura jurídica e processo de decisão. A diretiva não apresenta outras definições destes termos.

31.      Numa perspetiva geral, o Tribunal de Justiça já declarou que «[e]m matéria de organismos públicos, a expressão “independência” designa, normalmente, um estatuto que assegura ao órgão em causa a possibilidade de agir com toda a liberdade, ao abrigo de qualquer instrução ou pressão» (4). Portanto, a independência implica, no essencial, que o organismo em causa esteja isolado de outras entidades cuja ação pode ser motivada por outro tipo de interesses diferentes dos prosseguidos por aquele organismo. Para esse efeito, o organismo em causa deve beneficiar de determinadas garantias concretas de independência que o protejam contra interferências indevidas suscetíveis de impedi‑lo de exercer as suas tarefas e cumprir a sua missão (5).

32.      No entanto, a independência dificilmente pode ser entendida como um conceito unitário, uma espécie de modelo único «pronto a usar», que estabelece um conjunto de garantias universalmente aplicáveis a todos os organismos independentes exatamente do mesmo modo. A independência assemelha‑se mais a uma escada que se pode subir ou descer, parando num nível específico, consoante a distância necessária relativamente a determinado(s) interveniente(s) para completarmos as nossas tarefas de forma independente. Deste modo, as garantias exatas que são necessárias serão definidas por referência às funções que o organismo em causa deve exercer de forma independente.

33.      O núcleo da independência, e seu primeiro patamar na escada, é a «independência no processo de decisão»: estar em condições de tomar uma decisão imparcial em cada caso específico, sem receber instruções prévias, nem temer quaisquer repercussões após a decisão. Para lá desse núcleo, uma autoridade administrativa pode situar‑se em níveis muito mais elevados da escada, onde há uma necessidade de maior imparcialidade: da personalidade jurídica independente até às garantias contra a destituição dos seus membros individuais, ao orçamento próprio e/ou autonomia administrativa total, ou a outros elementos. No topo da escada, uma autoridade administrativa altamente independente e, por conseguinte, imparcial, começará a aproximar‑se das garantias que são exigidas e estão reservadas à função jurisdicional.

34.      A conclusão é a de que a distância ou nível da escada «correto» em que a autoridade em causa deve posicionar‑se é aquele que neutraliza qualquer potencial conflito de interesses e assegura que as tarefas específicas da autoridade administrativa independente podem ser desempenhadas de forma imparcial e eficaz.

35.      É, todavia, certo que a garantia mínima aplicável a qualquer autoridade administrativa independente digna desse nome é a independência no processo de decisão, no sentido da capacidade para adotar decisões imparciais em casos concretos, ao abrigo da interferência de quaisquer outras entidades que tenham objetivos ou interesses potencialmente conflituantes. Os membros da referida autoridade não podem estar vinculados por nenhuma instrução no exercício da sua função (6). Ao mesmo tempo, no entanto, esses requisitos mínimos de independência que visam a imparcialidade do processo de decisão em casos concretos não impedem per se a existência de relações estruturais e organizacionais globais entre as entidades em causa, desde que existam garantias claras e sólidas de que não pode haver qualquer interferência na adoção de decisões individuais.

36.      Passando agora especificamente aos organismos que investigam os acidentes ferroviários, o artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária exige a independência do organismo responsável pelos inquéritos na organização, estrutura jurídica e processo de decisão perante um determinado número de agentes do sistema ferroviário. A redação, o contexto e a finalidade do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária ajudam a esclarecer o possível significado destes requisitos.

37.      Em primeiro lugar, no seu significado natural, a independência no tocante à organização deve implicar a possibilidade de o organismo responsável pelos inquéritos decidir sobre a sua estrutura interna e ter os seus próprios órgãos e regulamento interno. Além disso, as regras relativas à nomeação e destituição dos membros do organismo responsável pelos inquéritos destinadas a impedir qualquer influência no seu processo de decisão também estão abrangidas por esta categoria. Apesar de tal organismo independente dever ter os seus próprios órgãos e dever dispor de recursos suficientes para desempenhar eficazmente as suas tarefas (7), afigura‑se que um orçamento separado enquanto tal talvez não seja necessário (8).

38.      No que respeita à estrutura jurídica, o organismo responsável pelos inquéritos deve ter uma personalidade jurídica distinta (9). Não pode ser um mero departamento (dependente) de uma estrutura mais ampla que inclui uma parte com potenciais interesses conflituantes.

39.      Relativamente ao processo de decisão, a independência neste domínio implica que o organismo possa adotar decisões de forma livre, sem qualquer interferência externa. Pressupõe garantias de imparcialidade no processo de decisão.

40.      Em segundo lugar, o contexto e o objetivo global destes três aspetos da independência mostram a necessidade de os organismos responsáveis pelos inquéritos estarem em condições de conduzir os seus inquéritos e de elaborar recomendações de segurança ao abrigo de qualquer interferência de qualquer entidade que pode ter interesse em que as causas reais dos acidentes não sejam reveladas.

41.      Assim, é bastante claro que, se for interpretado à luz das funções do referido organismo, o inquérito previsto pela diretiva é um inquérito técnico e administrativo. Não determina a responsabilidade. Conforme previsto no considerando 24, essa tarefa compete ao inquérito judiciário. Este facto não deve, porém, ofuscar a importância que o referido inquérito aparentemente «técnico» é suscetível de revestir na realidade. Devido precisamente a esses conhecimentos técnicos, um parecer elaborado e explícito sobre as causas de acidentes ou incidentes ferroviários terá peso considerável. Se se juntar a isso, a sua tarefa de elaborar recomendações de segurança para o futuro, com vista a prevenir a repetição desses acidentes, afigura‑se que o organismo responsável pelos inquéritos deve gozar de um sólido nível de independência perante todas as entidades que têm interesses suscetíveis de colidir com essas tarefas de investigação.

42.      Em terceiro lugar, há que ter em conta o contexto mais amplo (ou o argumento sistemático). A interpretação do segundo período do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária pode ser efetuada à luz de outros instrumentos de direito derivado da União que instituem organismos semelhantes com funções semelhantes.

43.      As partes no presente processo, bem como, na verdade, a parte precedente das presentes conclusões, remetem para diversos regimes de regulação paralelos. No entanto, importa reconhecer que, para lá da interpretação de conceitos gerais, as analogias mais profundas com esses regimes no contexto do presente processo têm uma utilização limitada, por uma simples razão: os regimes de regulação e as funções concretas da autoridade em causa diferem, por vezes consideravelmente.

44.      No mesmo domínio, as garantias de independência são necessariamente diferentes. Tomando como exemplo outra entidade administrativa competente no setor ferroviário distinta dos organismos responsáveis pelos inquéritos, o organismo regulador nacional deve ser funcionalmente independente de qualquer autoridade competente envolvida na adjudicação de um contrato de serviço público. Deve ser uma autoridade autónoma, juridicamente distinta e independente de qualquer outra entidade pública ou privada no plano organizativo, funcional, hierárquico e decisório. Deve ser também, em termos menos imperativos, independente, na sua organização, nas suas decisões de financiamento, na sua estrutura jurídica e nas suas tomadas de decisão, perante qualquer gestor de infraestrutura, organismo de tarifação, organismo de repartição ou candidato (10).

45.      Quando se observa para lá do setor ferroviário, talvez a analogia mais estreita que pode ser efetuada seja com outras autoridades administrativas que investigam acidentes de transporte. Apesar de respeitarem a diferentes meios de transporte, pode dizer‑se que essas autoridades partilham os mesmos objetivos e função. Assim, a sua regulamentação e os requisitos quanto à sua independência deveriam talvez ser redigidos em termos semelhantes e ter o mesmo âmbito.

46.      Não parece, no entanto, ser esse o caso. No que respeita às autoridades de investigação da aviação civil, o Regulamento (UE) n.o 996/2010 (11) parece estar estruturado de forma diferente. Por um lado, essas autoridades «[devem poder] realizar as suas investigações com total independência» (12) e «dispor de um orçamento que lhe[s] permita exercer as suas atribuições» (13). Por outro lado, o artigo 4.o, n.o 2, do mesmo regulamento apenas exige independência funcional perante um determinado número de entidades. Depois, no que respeita aos órgãos que investigam acidentes no setor do transporte marítimo, decorre do segundo parágrafo do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2009/18/CE (14) que devem ser «independente[s], no que respeita à sua organização, à sua estrutura legal e ao seu processo de tomada de decisões, de qualquer outro interessado cujos interesses possam colidir com as funções que lhe[s] são confiadas».

47.      Apesar de, a um determinado nível de abstração, aflorarem certamente alguns temas comuns, a diferença textual e sistémica entre os regimes individuais não permite genuinamente a formulação de quaisquer padrões comuns.

48.      Finalmente, no outro extremo do espectro sistemático está a jurisprudência que tem sido mais frequentemente invocada no contexto do presente processo, sobre a independência das autoridades de proteção de dados. Isso é compreensível de um ponto de vista prático, uma vez que o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de abordar essas questões no contexto da Diretiva 95/46/CE (15). Relativamente às garantias atuais e ao seu nível exato, esse instrumento e a jurisprudência que o interpreta podem, quando muito, ser utilizados para estabelecer um contraste (por exemplo, salientando os aspetos que o legislador da União aparentemente não pretendeu tratar) mais do que uma analogia com a diretiva relativa à segurança ferroviária.

49.      Ao contrário da diretiva relativa à segurança ferroviária, o Regulamento Geral da Proteção de Dados (16), que em breve substituirá a Diretiva 95/46, prevê a «total independência» das autoridades de supervisão (17). De acordo com o regulamento, isso implica que essas autoridades disponham «do seu próprio pessoal […] sob a direção exclusiva dos membros da autoridade de controlo interessada» (18) e de «orçamentos anuais separados e públicos» (19). Além disso, o artigo 53.o estabelece expressamente condições para a nomeação e o termo do mandato dos membros das autoridades de supervisão, com vista a assegurar a sua independência. É, assim, claro que este regulamento contém requisitos mais detalhados e padrões mais elevados de independência, indo claramente além dos previstos pela diretiva relativa à segurança ferroviária.

50.      Tendo em conta o que precede, verifica‑se que o segundo período do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária exige que o organismo responsável pelos inquéritos seja independente em três vertentes: em termos de organização, de estrutura jurídica e do processo de decisão. Além disso, estas três dimensões de independência devem ser vistas contextualmente, à luz da finalidade que a postulada independência de um organismo responsável pelos inquéritos deve garantir: a possibilidade de os organismos responsáveis pelos inquéritos conduzirem os seus inquéritos e elaborarem as suas recomendações de segurança livres de qualquer interferência de uma entidade cujo interesse possa ser não revelar as causas reais desses acidentes.

51.      Tendo exposto o tipo ou o nível de independência exigido nos termos do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária, passo agora à segunda variável contida no segundo período do artigo 21.o, n.o 1: independência relativamente a quem precisamente?

C.      Independência relativamente a quem?

52.      O artigo 21.o, n.o 1, segundo período, da diretiva relativa à segurança ferroviária enumera várias entidades perante as quais o organismo responsável pelos inquéritos deve ser independente na sua organização, estrutura jurídica e processo de decisão. Estas entidades são o gestor de infraestrutura, a empresa ferroviária, o organismo de tarifação, a entidade responsável pela repartição da capacidade e o organismo notificado, bem como qualquer parte cujos interesses possam colidir com as tarefas confiadas ao organismo responsável pelos inquéritos.

53.      Existe uma diferença clara no tipo de entidades enumeradas. Em primeiro lugar, existem entidades específicas: gestor de infraestrutura, empresa ferroviária, organismo de tarifação, entidade responsável pela repartição da capacidade e organismo notificado. Em segundo lugar, existe a categoria residual de qualquer parte cujos interesses possam colidir com as tarefas confiadas ao organismo responsável pelos inquéritos.

54.      Logicamente, poder‑se‑ia assumir que, no que respeita às entidades concretamente enumeradas, o legislador presumiu efetivamente que surgiria um conflito de interesses devido à natureza inerentemente distinta e oposta dessas entidades, por força das suas funções. Assim, quando o organismo responsável pelos inquéritos não é independente (ou é diretamente dependente) de qualquer das entidades enumeradas relativamente aos três aspetos de independência previstos, existe uma violação do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária.

55.      Pelo contrário, a categoria residual é concebida de forma diferente. Por um lado, é uma categoria aberta — a saber, refere‑se a qualquer parte cujos interesses possam ser conflituantes. Por outro lado, esses conflitos de interesses devem ser claramente determinados no caso concreto, uma vez mais por referência aos três aspetos da independência previstos no segundo período do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária.

56.      A categoria residual de qualquer parte com um conflito de interesses também abrange, em meu entender, as situações de dependência indireta ou influência mediata. Inclui as situações em que o organismo responsável pelos inquéritos não é, formalmente falando, diretamente dependente de nenhuma das entidades enumeradas, mas em que uma ou mais dessas entidades enumeradas (ou outras) são, elas próprias, bem como o organismo responsável pelos inquéritos, efetivamente dependentes de outra parte. Essa outra parte torna‑se uma parte cujos interesses não só podem colidir, como, na verdade, podem ser inconciliáveis, de forma intrínseca e estrutural, com as tarefas confiadas ao organismo responsável pelos inquéritos.

57.      Considerando que a investigação de acidentes ou incidentes ferroviários respeita muito provavelmente a gestores de infraestruturas ou empresas ferroviárias, é fundamental que o organismo responsável pelos inquéritos seja independente desses intervenientes em especial, para que não exista interferência nas tarefas por si desempenhadas. Tal como referido no considerando 24, «[o] inquérito sobre segurança […] deverá ser efetuado por um organismo permanente, independente dos intervenientes do setor ferroviário e que funcione de modo a evitar quaisquer conflitos de interesses e qualquer possível envolvimento nas causas das ocorrências investigadas». Consequentemente, e tendo também em consideração a importância das suas funções e da sua responsabilidade para com o público (20), o organismo responsável pelos inquéritos deve estar em condições de desempenhar as suas tarefas de forma independente, sem qualquer risco de pressão direta ou indiretamente proveniente de quaisquer outros intervenientes ferroviários.

58.      A última questão geral pendente consiste em saber se uma autoridade pública como, por exemplo, um ministro, pode ser classificada como «qualquer parte cujos interesses possam colidir com as tarefas confiadas ao organismo responsável pelos inquéritos».

59.      Evidentemente, resulta com clareza da redação, dos trabalhos preparatórios e do contexto mais amplo do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária que não é exigido, em geral e de forma abstrata, que o organismo responsável pelos inquéritos deva ser independente das autoridades públicas enquanto tais.

60.      A enumeração do artigo 21.o, n.o 1, claramente não menciona nenhuma dessas autoridades públicas (21). Uma vez mais, pelo contrário, os outros instrumentos de direito derivado da União previram expressamente a necessidade de estabelecer essa separação clara e estrutural nos respetivos contextos (22): por exemplo, a Diretiva 95/46 exige «total independência» das autoridades de supervisão (23). Esse conceito tem sido interpretado pelo Tribunal de Justiça no sentido de exigir que essas autoridades estejam «ao abrigo de qualquer influência externa, incluindo a influência, direta ou indireta, do Estado ou dos Landër, e não apenas da influência dos organismos controlados» (24). No entanto, uma vez mais, a diretiva relativa à segurança ferroviária parece operar num contexto diferente (25).

61.      Daqui decorre que o artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária não pode ser interpretado no sentido de que exige diretamente que o organismo responsável pelos inquéritos seja independente do poder executivo ou de qualquer outra autoridade pública enquanto tal.

62.      No entanto, esta autoridade pode, seguramente, estar abrangida pela categoria de «parte cujos interesses possam colidir com as tarefas confiadas ao organismo responsável pelos inquéritos», dependendo das circunstâncias factuais de cada processo. Esse conflito de interesses estará inerentemente presente quando uma autoridade pública efetivamente controle uma ou mais das entidades que estão expressamente mencionadas no segundo período do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária, tais como gestores de infraestruturas e empresas ferroviárias.

63.      Cabe acrescentar que o acórdão do Tribunal de Justiça no processo Comissão/Itália (26), invocado pela República da Polónia no presente processo, não altera essa conclusão.

64.      Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que a Comissão não tinha demonstrado que o artigo 30.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14, que exige que a entidade reguladora seja independente de vários intervenientes ferroviários (27), também incluía a independência indireta da entidade reguladora perante a empresa ferroviária, intermediada através do ministro, uma vez que a empresa ferroviária italiana era detida pelo Estado (28).

65.      Esta conclusão parece ter uma relevância mais limitada no presente processo e na interpretação dos requisitos do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária. Sem entrar na discussão sobre as diferenças sistémicas e funcionais entre uma entidade reguladora e um organismo responsável pelos inquéritos, que é mais acentuado pelo facto de cada um deles ser proveniente de um instrumento legislativo diferente (e operar num contexto legislativo diferente), é suficiente sublinhar duas diferenças textuais significativas. Em primeiro lugar, ao contrário do artigo 30.o da Diretiva 2001/14, o artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária não prevê expressamente a possibilidade de o organismo em questão ser o próprio ministro. Em segundo lugar, esta última inclui uma categoria residual exemplificativa, relativa a uma «parte cujos interesses possam colidir com as tarefas confiadas ao organismo responsável pelos inquéritos», o que não acontece na Diretiva 2001/14.

66.      Em suma, apesar de não estar expressamente enumerada no segundo período do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária, uma autoridade pública, como um ministro, pode ser qualificada, dependendo do contexto factual, como uma parte cujos interesses possam colidir com as tarefas confiadas ao organismo responsável pelos inquéritos. Se for esse, efetivamente, o caso, então deve ser assegurado que o organismo responsável pelos inquéritos seja independente dessa autoridade pública na sua organização, estrutura jurídica e processo de decisão.

D.      Aplicação ao presente processo

67.      Ao aplicar o quadro de análise exposto aos factos do presente processo, afigura‑se que a República da Polónia não cumpriu os requisitos decorrentes do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária. O organismo responsável pelos inquéritos polaco, a PKBWK, não é independente do ministro responsável pelos Transportes na sua estrutura jurídica, organização e processo de decisão.

1.      Dependência direta ou indireta?

68.      Conforme decorre das observações escritas e foi também confirmado na audiência, o Estado polaco detém tanto o gestor de infraestrutura como a empresa ferroviária. A Comissão alegou que o Tesouro Público, representado pelo Ministério dos Transportes, detém 100% da holding PKP S.A., que engloba várias empresas, incluindo a empresa ferroviária. O Estado também detém 85,90% das ações do gestor de infraestrutura (PKP PLK SA). Nenhuma destas afirmações foi refutada pela República da Polónia. Portanto, o ministro controla tanto o gestor de infraestrutura como a empresa ferroviária.

69.      A Comissão observou, também acertadamente, que essa situação cria as condições para um conflito de interesses com o Ministério. O ministro tem necessariamente um interesse intrínseco na operação e nos resultados empresariais do gestor de infraestrutura e, no contexto dos inquéritos a acidentes, da empresa ferroviária.

70.      Neste sentido, o ministro torna‑se uma «parte cujos interesses possam colidir com as tarefas confiadas ao organismo responsável pelos inquéritos», na aceção do segundo período do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária. Consequentemente, de forma a cumprir os requisitos dessa disposição, o organismo responsável pelos inquéritos deve ser independente do ministro na sua organização, estrutura jurídica e processo de decisão.

71.      Por razões de exaustividade e clareza, deve acrescentar‑se que a articulação exata do argumento avançado pela Comissão é ligeiramente diferente. A Comissão alega que o organismo responsável pelos inquéritos não é — indiretamente, através do ministro — independente do gestor de infraestrutura. Por conseguinte, a Comissão identifica uma relação de dependência indireta entre o organismo responsável pelos inquéritos e uma das entidades mencionadas na referida disposição, o gestor de infraestrutura, mas sem identificar o ministro como uma parte cujos interesses possam colidir com as tarefas confiadas ao organismo responsável pelos inquéritos.

72.      Essa abordagem é possível. Afigura‑se, porém, algo complexa do ponto de vista da interpretação lógica do segundo período do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária (29). Não é totalmente claro para mim o motivo pelo qual seria necessário fazer esse desvio argumentativo, invocando ligações indiretas entre o organismo responsável pelos inquéritos e o gestor de infraestrutura, quando é possível ir diretamente ao cerne do problema, considerando as relações diretas contempladas — e também expressamente proibidas — nessa disposição entre o organismo responsável pelos inquéritos e qualquer parte com um conflito de interesses.

73.      Seja como for, é pacífico que a Comissão imputa à República da Polónia o incumprimento do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária devido à configuração jurídica e factual da legislação polaca e ao papel desempenhado pelo ministro responsável pelos Transportes. De que modo qualificar exatamente essa situação nas categorias da disposição (pertinentemente invocada) do direito da União é uma questão jurídica cuja apreciação incumbe ao Tribunal de Justiça.

2.      Elementos da (in)dependência

a)      Estrutura jurídica

74.      Não se questionou o facto de a PKBWK constituir parte integrante do Ministério. Não tem personalidade jurídica. Conforme afirmado pela República da Polónia na audiência, os seus poderes são‑lhe formalmente atribuídos pelo ministro. Logo, é claro que a PKBWK, na qualidade de mero departamento do Ministério, não é independente do ministro na sua estrutura jurídica.

b)      Organização

75.      A Comissão alega que, também em termos da sua organização, a PKBWK não é independente, por três motivos principais: em primeiro lugar, as regras relativas à nomeação e à destituição dos seus membros concedem demasiada discricionariedade ao ministro; em segundo lugar, a PKBWK não pode decidir sobre as suas regras internas; e, em terceiro lugar, depende do ministro no que respeita aos recursos humanos e financeiros.

76.      Em primeiro lugar, a Comissão alega que as condições de nomeação e destituição dos membros da PKBWK não garantem suficientemente a sua independência relativamente ao ministro. Argumenta que a legislação polaca não estabelece critérios substantivos para a nomeação do diretor, dos membros permanentes ou dos membros ad hoc. Segundo a Comissão, os membros permanentes podem até ser representantes do gestor de infraestrutura ou da empresa ferroviária. Além disso, o ministro tem poderes ilimitados de destituição do diretor da PKBWK.

77.      No decurso do presente processo, a República da Polónia não conseguiu refutar estas alegações.

78.      O artigo 28a, n.o 6, da Lei relativa ao transporte ferroviário estipula que o diretor da PKBWK deve ser nomeado e destituído pelo ministro. Nos termos do artigo 28a, n.os 7 e 8, o diretor adjunto, o secretário e os membros da PKBWK são nomeados e destituídos pelo ministro, a pedido do diretor ou com base numa proposta deste. Além disso, conforme decorre do artigo 28a, n.o 4, os membros ad hoc da PKBWK são escolhidos pelo diretor, mas a partir de uma lista elaborada pelo ministro.

79.      Consequentemente, decorre dessas disposições nacionais que o ministro desempenha um papel fundamental na nomeação e na destituição dos membros da PKBWK. Nomeia todos os membros permanentes e apresenta uma lista a partir da qual são escolhidos os membros ad hoc. É irrelevante que, conforme alegado pela República da Polónia, a lista dos membros ad hoc seja, na prática, efetivamente elaborada pelo diretor da PKBWK. Apesar de essa poder ser a prática, o artigo 28a, n.o 4, da Lei relativa ao transporte ferroviário enuncia claramente que a lista é fornecida pelo ministro. O facto de o diretor adjunto, o secretário e os membros «ordinários» da PKBWK deverem ser nomeados pelo ministro a pedido do diretor ou com base numa proposta deste não reduz significativamente o poder discricionário do ministro, tendo em conta que o próprio diretor é nomeado e pode ser destituído pelo ministro.

80.      Essa discricionariedade parece ser ainda mais ampla tendo em conta a inexistência de quaisquer condições precisas aplicáveis à nomeação em termos de qualificações. Além das condições gerais estabelecidas no artigo 28a, n.o 10, da Lei relativa ao transporte ferroviário (30), a legislação nacional não prevê outros critérios relativamente à aptidão dos membros. Adicionalmente, a disposição nacional relevante (31) que proíbe a nomeação de pessoas contratadas por agências cuja infraestrutura ferroviária, trabalhadores ou veículos tenham estado envolvidos num acidente ou incidente aplica‑se formalmente apenas aos membros ad hoc, e não aos membros permanentes.

81.      No que respeita ao termo do mandato dos membros da PKBWK, o artigo 28a, n.o 11, prevê três eventos que determinam a cessação da qualidade de membro da PKBWK: morte, renúncia ou incumprimento das condições estabelecidas no artigo 28a, n.o 10. No entanto, não é claro se o artigo 28a, n.o 11, é exaustivo, uma vez que o artigo 28a, n.os 6 a 9, prevê a destituição dos membros da PKBWK pelo ministro. Evidentemente, apenas o diretor pode ser diretamente destituído pelo ministro. Os outros membros podem ser destituídos pelo ministro a pedido do diretor ou com base numa proposta deste ou da PKBWK.

82.      Resulta pouco claro da redação destas disposições se o ministro pode, na prática, destituir livremente os membros da PKBWK ou se está vinculado aos pedidos ou propostas efetuadas para este efeito pelo diretor. No entanto, em termos de garantias de independência da PKBWK e dos seus membros, trata‑se de uma falsa questão: se o ministro tem o poder de destituir o diretor, a qualquer momento e com discricionariedade, como pode essa pessoa prestar garantias sistémicas (não apresentando a proposta ou recusando o seu consentimento) contra a destituição (ou não destituição) de outros membros da PKBWK?

83.      Em segundo lugar, no que respeita às regras internas, a Comissão alegou que o ministro configura de forma determinante a organização da PKBWK através da adoção dessas regras. Apesar de a República da Polónia ter alegado na audiência que tais regras são elaboradas pelo próprio organismo responsável pelos inquéritos, é também certo que compete mais uma vez ao ministro determinar, nos termos do artigo 28d, n.o 4, da Lei relativa ao transporte ferroviário, mediante despacho, os estatutos que regem as atividades e a estrutura organizativa da PKBWK.

84.      Em terceiro lugar, pode igualmente questionar‑se a independência organizativa da PKBWK atendendo aos mecanismos em matéria de recursos financeiros e humanos. A Comissão salienta que a falta de recursos próprios não permite à PKBWK desempenhar as suas funções. A obrigação da PKBWK de solicitar sistematicamente recursos financeiros e humanos limita consideravelmente a sua independência organizativa perante o ministro.

85.      Não considero que a questão da independência orçamental careça de ser abordada no presente processo (32). A Comissão não alegou na sua petição ao Tribunal de Justiça que a República da Polónia tinha violado o artigo 21.o, n.o 2, da diretiva relativa à segurança ferroviária, que prevê que o organismo responsável pelos inquéritos deve ter a capacidade de obter recursos suficientes para desempenhar as suas tarefas de forma independente. Apesar de se poder sugerir que esse requisito também pode ser abrangido pela independência organizativa na aceção do artigo 21.o, n.o 1, afigura‑se‑me que as duas questões prévias discutidas nesta secção já são suficientes para demonstrar que a PKBWK não é independente do ministro na sua organização.

c)      Processo de decisão

86.      Finalmente, a Comissão alega que a PKBWK não tem independência do ministro no processo de decisão porque não atua em nome próprio, mas em nome do ministro. Consequentemente, verifica‑se que não pode tomar as suas próprias decisões. Segundo a Comissão, todas as medidas tomadas pela PKBWK têm a aprovação e assinatura do ministro, o que constitui um risco para a independência do organismo responsável pelos inquéritos relativamente ao ministro.

87.      Apesar de não subscrever necessariamente todas as críticas formuladas pela Comissão, existem claramente elementos problemáticos no quadro legislativo nacional atual que se traduzem em falta de independência no processo de decisão.

88.      Como decorre do artigo 28a, n.o 2, da Lei relativa ao transporte ferroviário, a PKBWK exerce as suas atividades em nome do ministro. Essa afirmação pode muito bem ser interpretada no sentido de que o próprio ministro adota as deliberações. A prática corrente poderia ser, conforme alegado pela República da Polónia, a de que o ministro não influencia efetivamente o processo de decisão nem nele participa, e de que apenas os membros da PKBWK adotam deliberações. No entanto, a redação do artigo 28a, n.o 2, sugere outra coisa.

89.      Talvez mais importante, conforme demonstrado na audiência, seja o facto de a publicação das deliberações da PKBWK no jornal oficial do Ministério só poder ocorrer após a assinatura desse documento pelo ministro. Portanto, este está claramente envolvido no processo de decisão, talvez não em sentido estrito mas certamente no tocante a tornar pública a deliberação. A discussão subsequente, também suscitada na audiência, que consiste em determinar em que medida uma assinatura é uma «mera formalidade» e se, hipoteticamente, o ministro pode recusar assinar e assim impedir a publicação, não pode ofuscar a relevância deste facto: tal como já foi mencionado diversas vezes, a transparência e a publicidade da informação, incluindo a livre comunicação de potenciais conclusões ao público em questão, constituem um elemento forte da independência da investigação expressamente prevista pela diretiva relativa à segurança ferroviária (33). Dito de outro modo, quem controla a divulgação da informação é quem possui a informação.

90.      Por último, o facto de, como alegou a República da Polónia, o artigo 28a, n.o 1, da Lei relativa ao transporte ferroviário prever que a PKBWK deve desempenhar as suas atividades de forma independente, e o artigo 28a, n.o 14, determinar que «os membros da PKBWK […] não estarão vinculados a quaisquer instruções quanto ao conteúdo das deliberações aprovadas» assume, certamente, oportunidade e pertinência. No entanto, visto no contexto e em face de todos os outros elementos problemáticos do enquadramento jurídico nacional discutidos na presente secção, que claramente ficam aquém dos requisitos previstos no artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária, esse facto não é certamente suficiente para sanar essas outras irregularidades no que respeita à independência na organização, estrutura jurídica e processo de decisão.

3.      Conclusão

91.      À luz do que precede, a conjugação de todos os fatores individuais evocados leva à conclusão de que a PKBWK efetivamente funciona como um mero departamento do Ministério dos Transportes e não como um organismo independente na aceção do segundo período do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária. Por conseguinte, a PKBWK não dispõe dos necessários elementos de independência exigidos na referida disposição.

92.      Proponho, por conseguinte, ao Tribunal de Justiça que declare que, ao não adotar as medidas necessárias para garantir a independência do organismo responsável pelos inquéritos perante o ministro responsável pelos Transportes, que controla o gestor de infraestrutura e a empresa ferroviária, e constitui, assim, uma parte cujos interesses podem colidir com as tarefas confiadas ao organismo responsável pelos inquéritos, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária.

93.      São necessárias duas observações conclusivas.

94.      Em primeiro lugar, tal como foi claramente salientado nos números anteriores das presentes conclusões, as circunstâncias específicas do presente processo são caracterizadas por uma situação em que o organismo responsável pelos inquéritos faz parte de um Ministério que, ao mesmo tempo, também controla o gestor de infraestrutura e a empresa ferroviária. Portanto, dessa singular «trindade funcional» integrada num único organismo público só podem ser retiradas consequências muito limitadas, se as houver, para as situações em que não existem esses vínculos estreitos entre o ministro e o gestor de infraestrutura (e a empresa ferroviária). Desde logo, se não existissem u vínculos semelhantes ou qualquer conexão, o ministro dificilmente poderia ser qualificado per se como uma «parte cujos interesses possam colidir com as tarefas confiadas ao organismo responsável pelos inquéritos» na aceção do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária.

95.      Em segundo lugar, um tema comum que funciona como o proverbial fio condutorneste processo, e em especial nas defesas apresentadas pela República da Polónia em resposta à falta de garantias de independência da PKBWK, pode, com algum nível de simplificação, ser parafraseado como «sim, na verdade, a legislação nacional aplicável em questão assim o dita, mas, na prática, é efetivamente feito de forma diferente, cumprindo‑se de facto os requisitos da Diretiva» (34).

96.      A resposta a este argumento tem duas vertentes: a específica e a geral. No que respeita ao processo por infração nos termos do artigo 258.o TFUE — e mais especificamente às ações intentadas no Tribunal de Justiça por incumprimento de obrigações previstas nos Tratados em matéria de garantias institucionais de independência das autoridades administrativas — já foi claramente declarado que a transposição dessas garantias através da mera prática administrativa não é suficiente (35). Sem negar a importância dessa prática, é necessário que existam, a montante, também disposições legislativas ou regulamentares claras e visíveis, que expressamente estabeleçam compromissos específicos para assegurar que o tipo e o nível de independência exigidos pelo direito da União serão alcançados.

97.      A resposta específica está, num nível mais sistémico, totalmente em linha com o entendimento geral das garantias institucionais de independência. Essas garantias não podem, por definição, depender da boa vontade e do bom comportamento dos intervenientes individuais e da prática administrativa diária. Essas garantias devem estar clara e expressamente integradas na estrutura legislativa e funcionar independentemente da identidade e das intenções dos intervenientes específicos em questão.

98.      Sem, de forma alguma, subestimar a aplicação concreta do direito na prática institucional e a importância fundamental da consciencialização dos respetivos intervenientes quanto à importância da independência, a correta transposição dessas garantias de independência não pode, certamente, limitar‑se à possibilidade de determinadas coisas (positivas) poderem ocorrer na prática. Uma correta transposição deve garantir que, por força do quadro institucional e das garantias existentes, determinadas coisas (menos positivas) simplesmente não podem ocorrer.

V.      Despesas

99.      No que respeita ao pedido relativo ao incumprimento do artigo 21.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária, nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Uma vez que a Comissão requereu a condenação da República da Polónia nas despesas e esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

100. No que respeita ao pedido relativo ao incumprimento do artigo 16.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária, o artigo 141.o, n.os 1 e 2, do Regulamento de Processo prevê que a parte que desistir é condenada nas despesas se a outra parte o tiver requerido nas suas observações sobre a desistência. Todavia, a pedido da parte que desiste, as despesas são suportadas pela outra parte, se tal se justificar tendo em conta a atitude desta última.

101. Sem tomar qualquer posição, ainda que indireta, sobre a questão de saber se a República da Polónia cumpriu, ou não, o disposto no artigo 16.o, n.o 1, da diretiva relativa à segurança ferroviária, o facto é que a República da Polónia só alterou a sua legislação e notificou a Comissão depois de esta ter intentado uma ação por incumprimento no Tribunal de Justiça. Portanto, através da sua (in)ação, a República da Polónia obrigou a Comissão a invocar também este último fundamento. Considerando que, na réplica em que anunciou a desistência desta alegação, a Comissão também pediu a condenação da República da Polónia nas despesas correspondentes, afigura‑se, de facto, justificado que a República da Polónia também suporte as despesas relativas a este fundamento.

VI.    Conclusão

102. Pelos fundamentos expostos, proponho ao Tribunal de Justiça que:

1)      declare que, ao não adotar as medidas necessárias para garantir a independência do organismo responsável pelos inquéritos do ministro responsável pelos Transportes, que controla o gestor de infraestrutura e a empresa ferroviária, e é, assim, uma parte cujos interesses podem colidir com as tarefas confiadas ao organismo responsável pelos inquéritos, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem opor força do artigo 21.o, n.o 1, da Diretiva 2004/49/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa à segurança dos caminhos de ferro da Comunidade, e que altera a Diretiva 95/18/CE do Conselho relativa às licenças das empresas de transporte ferroviário e a Diretiva 2001/14/CE relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária, à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária e à certificação da segurança.

2)      condene a República da Polónia na totalidade das despesas do presente processo.


1      Língua original: inglês.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa à segurança dos caminhos de ferro da Comunidade, e que altera a Diretiva 95/18/CE do Conselho relativa às licenças das empresas de transporte ferroviário e a Diretiva 2001/14/CE relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária, à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária e à certificação da segurança (diretiva relativa à segurança ferroviária) (JO 2004, L 104, p. 44).


3      Respeitantes a alegadas violações do artigo 9.o, n.o 1, do artigo 10.o, n.o 3, do artigo 17.o, n.o 1, do artigo 19.o, n.o 1, do artigo 21.o, n.o 3, do artigo 24.o, n.o 2, e do artigo 25.o, n.o 2, da diretiva relativa à segurança ferroviária.


4      Acórdão de 9 de março de 2010, Comissão/Alemanha (C‑518/07, EU:C:2010:125, n.o 18).


5      V., ainda, no que respeita às autoridades administrativas independentes em geral, por exemplo, Conseil d’État, Rapport public 2001 — Les autorités administratives indépendantes, Études et documents n.o 52, La Documentation française, Paris, 2001, pp. 251‑386; Chevallier, J., «Le statut des autorités administratives indépendantes: harmonisation ou diversification?», RFDA 2010, p. 896.


6      Acórdão de 16 de outubro de 2012, Comissão/Áustria (C‑614/10, EU:C:2012:631, n.o 42).


7      V., por analogia, acórdão de 18 de abril de 2013, Comissão/França (C‑625/10, EU:C:2013:243, n.o 51), relativo à independência na organização, na estrutura jurídica e no processo de decisão da entidade responsável pela repartição da capacidade perante as empresas ferroviárias, nos termos da Diretiva 2001/14.


8      V., por exemplo, acórdão de 16 de outubro de 2012, Comissão/Áustria (C‑614/10, EU:C:2012:631, n.o 58). A este respeito, deve salientar‑se que, quando assim deseja, o legislador da UE prevê expressamente disposições para rubricas orçamentais específicas se assim se pretender. V., por exemplo, no que respeita à Autoridade Europeia para a proteção de dados, artigo 43.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 45/2001, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2000, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos comunitários e à livre circulação desses dados (JO 2001, L 8, p. 1).


9      V., para esse efeito, acórdãos de 28 de fevereiro de 2013, Comissão/Áustria (C‑555/10, EU:C:2013:115, n.o 55), e de 18 de abril de 2013, Comissão/França (C‑625/10, EU:C:2013:243, n.o 51).


10      Artigo 55.o, n.o 1, da Diretiva 2012/34/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, que estabelece um espaço ferroviário europeu único (reformulação) (JO 2012, L 343, p. 32).


11      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, relativo à investigação e prevenção de acidentes e incidentes na aviação civil e que revoga a Diretiva 94/56/CE (JO 2010, L 295, p. 35).


12      Considerando 15.


13      Artigo 4.o, n.o 6, alínea d), do Regulamento n.o 996/2010.


14      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, que estabelece os princípios fundamentais que regem a investigação de acidentes no setor do transporte marítimo e que altera as Diretivas 1999/35/CE do Conselho e 2002/59/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2009, L 131, p. 114).


15      Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO 1995, L 281, p. 31).V. acórdãos de 9 de março de 2010, Comissão/Alemanha (C‑518/07, EU:C:2010:125, n.os 18 a 30), e de 16 de outubro de 2012, Comissão/Áustria (C‑614/10, EU:C:2012:631, n.os 41 a 66).


16      Regulamento (UE) n.o 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO 2016, L 119, p. 1).


17      Artigo 52.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2016/679.


18      Artigo 52.o, n.o 5, do Regulamento n.o 2016/679.


19      Artigo 52.o, n.o 6, do Regulamento n.o 2016/679.


20      Considerando 23, reproduzido no n.o 3 supra.


21      O mesmo parece suceder com a proposta inicial da Comissão (COM (2002) 21 final).


22      V., por exemplo, o segundo período do artigo 55.o, n.o 1, da Diretiva 2012/34 relativa à entidade reguladora do setor ferroviário.


23      Artigo 28.o, n.o 1, da Diretiva 95/46.


24      V. acórdão de 9 de março de 2010, Comissão/Alemanha (C‑518/07, EU:C:2010:125, n.o 25). O sublinhado é meu. Afigura‑se que este requisito tenha sido agora codificado in extenso no artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento Geral da Proteção de Dados.


25      Conforme salientado nos n.os 48 a 49, supra.


26      Acórdão de 3 de outubro de 2013 (C‑369/11, EU:C:2013:636).


27      Nos termos do artigo 30.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14, «sem prejuízo do disposto no n.o 6 do artigo 21.o, os Estados‑Membros devem instituir uma entidade reguladora. Esta entidade, que pode ser o Ministério dos Transportes ou outra instância, será independente, a nível de organização, de financiamento das decisões e a nível jurídico e decisório, de qualquer gestor da infraestrutura, organismo de tarificação, organismo de repartição ou candidato. Será também funcionalmente independente de qualquer autoridade competente envolvida na adjudicação de um contrato de serviço público. A referida entidade deve exercer as suas funções segundo os princípios enunciados no presente artigo, nos termos do qual as funções de recurso e de regulamentação podem ser atribuídas a instâncias distintas». O sublinhado é meu.


28      Acórdão de 3 de outubro de 2013, Comissão/Itália (C‑369/11, EU:C:2013:636, n.o 61 e segs.).


29      Conforme salientado nos n.os 52 a 66, supra.


30      Reproduzido no n.o 9, supra, das presentes conclusões.


31      Artigo 28a, n.o 15, da Lei relativa ao transporte ferroviário.


32      Tal como referido supra, em termos gerais (n.o 37), os organismos responsáveis pelos inquéritos devem dispor de recursos suficientes. Sem recursos, é naturalmente difícil investigar. Saber se, e em que medida, isso implica um orçamento separado e de que forma exatamente esse orçamento deve ser elaborado e aprovado é uma questão distinta.


33      V., supra, considerando 23 (referido no n.o 3) e artigo 23.o, n.o 2, da diretiva relativa à segurança ferroviária.


34      V., supra, em especial, n.os 19, 20, 79, 83 e 88.


35      V. acórdãos de 10 de maio de 2007, Comissão/Áustria (C‑508/04, EU:C:2007:274, n.o 80 e jurisprudência referida), e de 15 de março de 2012, Comissão/Polónia (C‑46/11, não publicado, EU:C:2012:146, n.o 28): «não se pode considerar que simples práticas administrativas, por natureza modificáveis ao critério da Administração e desprovidas de publicidade adequada, constituem a execução das obrigações que incumbem aos Estados‑Membros no quadro da transposição de uma diretiva».