Language of document : ECLI:EU:T:2003:256

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

30 de Setembro de 2003 (1)

«Concorrência - Controlo das concentrações entre empresas - Regulamento (CEE) n.° 4064/89 - Decisão de remessa às autoridades nacionais - Conceito de mercado distinto»

Nos processos apensos T-346/02 e T-347/02,

Cableuropa, SA, com sede em Madrid (Espanha),

Región de Murcia de Cable, SA, com sede em Múrcia (Espanha),

Valencia de Cable, SA, com sede em Madrid,

Mediterránea Sur Sistemas de Cable, SA, com sede em Alicante (Espanha),

Mediterránea Norte Sistemas de Cable, SA, com sede em Castellón (Espanha),

representadas por L. Castresana Sánchez e G. Samaniego Bordiu, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrentes no processo T-346/02,

Aunacable, SA, com sede em Madrid, representada por A. Creus Carreras e N. Lacalle Mangas, advogados,

1\RFG\MYDOCU~1\WP51\_T2002\T02_0346\ARRET.SEC~Sociedad Operadora de Telecomunicaciones de Castilla y León (Retecal), SA, com sede em Boecilli (Espanha),

Euskaltel, SA, com sede em Zamudio-Bizkaia (Espanha),

Telecable de Avilés, SA, com sede em Avilés (Espanha),

Telecable de Oviedo, SA, com sede em Oviedo (Espanha),

Telecable de Gijón, SA, com sede em Gijón (Espanha),

R Cable y Telecomunicaciones Galicia, SA, com sede em La Coruña (Espanha),

Tenaria, SA, com sede em Cordovilla (Espanha),

representadas por J. Jiménez Laiglesia, advogado,

recorrentes no processo T-347/02,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por F. Castillo de la Torre, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

Reino de Espanha, representado por L. Fraguas Gadea, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

por

Sogecable, SA, com sede em Madrid, representada por S. Martínez Lage e H. Brokelmann, advogados,

por

DTS Distribuidora de Televisión Digital, SA (Vía Digital), com sede em Madrid,

e por

Telefónica de Contenidos, SAU, com sede em Madrid,

representadas por M. Merola e S. Moreno Sánchez, advogados,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão, de 14 de Agosto de 2002, que remete o exame da operação de concentração destinada à integração da DTS Distribuidora de Televisión Digital, SA (Vía Digital) e da Sogeclabe, SA, às autoridades da concorrência espanholas, nos termos do artigo 9.° do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (processo COMP/M.2845 - Sogecable/Canalsatélite Digital/Vía Digital),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, J. Azizi e M. Jaeger, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 11 de Junho de 2003,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

1.
    O Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO L 395, p. 1), rectificado (JO 1990, L 257, p. 13), e na redacção dada pelo Regulamento (CE) n.° 1310/97 do Conselho, de 30 de Junho de 1997 (JO L 180, p. 1) (a seguir «Regulamento n.° 4064/89»), prevê um sistema de controlo, pela Comissão, das operações de concentração que tenham «dimensão comunitária» na acepção do artigo 1.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 4064/89.

2.
    O artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89 permite à Comissão remeter aos Estados-Membros o exame de uma operação de concentração. Esta disposição prevê nomeadamente o seguinte:

«1. A Comissão pode, por via de decisão, de que informará sem demora as empresas envolvidas e as autoridades competentes dos restantes Estados-Membros, remeter às autoridades competentes do Estado-Membro em causa um caso de concentração notificada, nas condições que seguem.

2. No prazo de três semanas a contar da recepção da cópia da notificação, um Estado-Membro pode comunicar à Comissão, a qual informará do facto as empresas em causa, que:

a) Uma operação de concentração ameaça criar ou reforçar uma posição dominante que terá como consequência a criação de entraves significativos a uma concorrência efectiva num mercado no interior desse Estado-Membro que apresenta todas as características de um mercado distinto;

ou

b) Uma operação de concentração afecta a concorrência num mercado no interior desse Estado-Membro que apresenta todas as características de um mercado distinto e não constitui uma parte substancial do mercado comum.

3. Se considerar que, tendo em conta o mercado dos produtos ou serviços em causa e o mercado geográfico de referência na acepção do n.° 7, esse mercado distinto e esse risco existem, a Comissão:

a) Ocupar-se-á ela própria do caso tendo em vista preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva no mercado em causa;

ou

b) Remeterá o caso, na sua totalidade ou em parte, para as autoridades competentes do Estado-Membro em causa com vista à aplicação da respectiva legislação nacional sobre concorrência.

Se um Estado-Membro informar a Comissão de que uma operação de concentração afecta a concorrência num mercado distinto no seu território que não constitui uma parte substancial do mercado comum, a Comissão remeterá, na totalidade ou em parte, o caso relativo ao mercado distinto em causa, se considerar que esse mercado distinto é afectado.

Se, ao contrário, considerar que esse mercado distinto ou esse risco não existem, a Comissão tomará uma decisão nesse sentido, que dirigirá ao Estado-Membro em causa.

[...]

7. O mercado geográfico de referência é constituído por um território no qual as empresas envolvidas intervêm na oferta e procura de bens e serviços, no qual as condições de concorrência são suficientemente homogéneas e que pode distinguir-se dos territórios vizinhos especialmente devido a condições de concorrência sensivelmente diferentes das que prevalecem nesses territórios. Nessa apreciação, é conveniente tomar em conta, nomeadamente, a natureza e as características dos produtos ou serviços em causa, a existência de barreiras à entrada, as preferências dos consumidores, bem como a existência, entre o território em causa e os territórios vizinhos, de diferenças consideráveis de partes de mercado das empresas ou de diferenças de preços substanciais.

8. Para efeitos da aplicação do presente artigo, o Estado-Membro em causa só pode tomar as medidas estritamente necessárias para preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva no mercado em causa.

[...]»

Empresas envolvidas

3.
    A Cableuropa, SA (a seguir «Cableuropa»), primeira recorrente no processo T-346/02, é operadora de telecomunicações por cabo (a seguir «cabo-operadora»), exerce nomeadamente actividades nos mercados da televisão de acesso pago, em Espanha, e é accionista maioritária das outras recorrentes neste processo, a saber, a Región de Murcia de Cable, SA, a Valencia de Cable, SA, a Mediterránea Sur Sistemas de Cable, SA, e a Mediterránea Norte Sistemas de Cable, SA, igualmente cabo-operadoras activas em Espanha.

4.
    A Aunacable, SAU, (a seguir «Aunacable»), primeira recorrente no processo T-347/02, é uma sociedade que agrupa cinco cabo-operadoras activas em Espanha, a saber, a Able, em Aragão, a Canarias Telecom, nas Ilhas Canárias, a Madritel, em Madrid, a Menta, na Catalunha, e a Supercable, na maior parte da Andaluzia. As outras recorrentes neste processo são cabo-operadoras regionais (a seguir «cabo-operadoras regionais»), igualmente activas em Espanha.

5.
    A Sogecable, SA (a seguir «Sogecable»), é uma sociedade comercial anónima cujas actividades consistem essencialmente em gerir e explorar uma cadeia de televisão analógica de acesso pago (Canal+), no mercado espanhol. A Sogecable explora igualmente uma plataforma de televisão digital por satélite, a Canalsatélite Digital, que controla em 83,25%. As suas actividades compreendem também o fornecimento de serviços técnicos e a gestão do serviço de assinaturas, a produção e venda de cadeias de televisão temáticas, a produção, distribuição e projecção de filmes e a aquisição e a venda de direitos desportivos. A Sogecable é, por intermédio, da Canal+ e da Canalsatélite Digital, a maior operadora de televisão de acesso pago em Espanha.

6.
    Nos termos do acordo celebrado, em 28 de Junho de 1999, entre os accionistas da Promotora de Informaciones, SA (a seguir «Prisa») e o grupo Canal+, SA (a seguir «grupo Canal+»), convenção essa que foi prorrogada em 2202, a Sogecable é controlada conjuntamente por estas duas sociedades, que dispõem cada uma de 21,27% das acções, pertencendo o restante capital social a diversos accionistas minoritários e repartidos na Bolsa. A Prisa é um grupo espanhol que exerce a sua actividade na comunicação social e tem interesses nos sectores da imprensa, das publicações, da radio e da televisão de acesso pago. O grupo Canal+ lidera a divisão europeia de cinema e de televisão do grupo Vivendi Universal (a seguir «Vivendi»). O Vivendi exerce as suas actividades nos sectores da música, da televisão, do cinema, das telecomunicações, da internet, das publicações e do ambiente.

7.
    A DTS Distribuidora de Televisión Digital, SA (a seguir «Vía Digital»), gere e explora uma plataforma de televisão digital no mercado espanhol. Exerce igualmente actividades no domínio da produção, aquisição, venda, reprodução, distribuição e projecção de todo o tipo de obra audiovisual. É a segunda operadora de televisão multicanal de acesso pago em Espanha.

8.
    A Vía Digital é controlada pela Telefónica de Contenidos, SAU (a seguir «Telefónica de Contenidos»), sociedade cuja denominação era, até 23 de Outubro de 2002, Grupo Admira Media, SA (a seguir «Admira»). A Telefónica de Contenidos, enquanto filial a 100% da Telefónica, SA (a seguir «Telefónica»), a operadora de telecomunicações mais importante do mundo hispanófono, agrupa e gere as participações desta última nos mercados dos serviços audiovisuais espanhol e latino-americano.

Antecedentes do litígio

9.
    Em 3 de Julho de 2002, a Comissão recebeu, nos termos do Regulamento n.° 4064/89, a notificação de um acordo celebrado entre a Sogecable e a Admira, em 8 de Maio de 2002, relativo à integração da Vía Digital na Sogecable, através de permuta de acções. O acordo previa igualmente a aquisição pela Sogecable da participação indirecta da Admira na Audiovisual Sport, SL (a seguir «AVS»), empresa através da qual a Sogecable e a Telefónica controlam os direitos de transmissão dos jogos de futebol das primeira e segunda divisões da Liga Espanhola de Futebol, de outras competições, como a Liga dos Campeões da UEFA e o Campeonato do Mundo da FIFA, e de outros eventos desportivos.

10.
    Nos termos do acordo notificado à Comissão, a Sogecable continuará a ser controlada conjuntamente pela Prisa e pelo Grupo Canal+.

11.
    Em 12 de Julho de 2002, a Comissão publicou, no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, o aviso de notificação no processo COMP/M.2845 (Sogecable/Canalsatélite Digital/Vía Digital), convidando os terceiros interessados a transmitirem-lhe as suas eventuais observações sobre o projecto de concentração em causa.

12.
    Na mesma data, o Governo espanhol pediu à Comissão, nos termos do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89, que remetesse o processo às suas autoridades da concorrência, com o fundamento de que a operação ameaçava criar uma posição dominante que afectaria a concorrência em diversos mercados espanhóis.

13.
    Em 18 de Julho de 2002, a Comissão enviou, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89, um pedido de informações à ONO (v. n.° 72 infra), à Aunacable e às cabo-operadores regionais. As empresas em causa responderam a este pedido por cartas de 23 de Julho de 2002 (a ONO), de 26 de Julho de 2002 (as cabo-operadoras regionais) e de 31 de Julho de 2002 (a Aunacable).

14.
    Em 23 de Julho de 2002, o Governo espanhol completou o pedido de remessa, transmitindo à Comissão um documento revisto.

Decisão impugnada

15.
    Por decisão da Comissão de 14 de Agosto de 2002, a Comissão remeteu o processo COMP/M.2845 (Sogecable/Canalsatélite Digital/Vía Digital) às autoridades competentes do Reino de Espanha, nos termos do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89 (a seguir «decisão impugnada»).

16.
    A decisão impugnada identifica diferentes mercados de produtos e serviços afectados pela concentração. Trata-se do mercado da televisão de acesso pago e dos mercados a montante, a saber, os da transmissão de filmes, dos direitos desportivos e dos direitos com outros conteúdos, bem como dos mercados das telecomunicações.

17.
    Segundo a decisão impugnada, cada mercado de produtos pertinente tem uma dimensão nacional.

18.
    Quanto ao mercado da televisão de acesso pago, a decisão impugnada expõe o seguinte (considerando 17):

«[A] Comissão sempre sustentou que o mercado da televisão de acesso pago está delimitado por fronteiras linguísticas ou nacionais. Ainda que certos segmentos de mercado, como a cadeia desportiva Eurosport, emitam à escala europeia, a exploração televisiva tem lugar essencialmente em mercados nacionais, devido sobretudo à existência de disposições nacionais divergentes, barreiras linguísticas, factores culturais e condições de concorrência diferentes consoante os Estados (por exemplo, a estrutura do mercado da televisão por cabo). Assim, no caso particular de Espanha, a dimensão geográfica é de ordem nacional, por razões linguísticas e regulamentares. O mercado espanhol constitui, por conseguinte, o mercado de referência; apresenta todas as características de um mercado distinto, na acepção do artigo 9.°, n.os 2, alínea a), e 7 do regulamento sobre as concentrações.»

19.
    Quanto aos mercados a montante do mercado da televisão de acesso pago, a decisão impugnada começa por explicar que «os principais conteúdos que incitam os espectadores a optar pelos serviços de uma televisão de acesso pago, em Espanha, são os filmes em primeira difusão que geram maiores níveis de audiência em sala (habitualmente coincidentes com os filmes produzidos pelos estúdios de Hollywood, ou ‘Majors’ americanos) e os jogos de futebol em que participam equipas espanholas, especialmente a Liga» (considerando 21).

20.
    A dimensão nacional dos mercados dos direitos de transmissão de filmes está assim explicada:

«Os direitos de transmissão codificada de filmes são geralmente cedidos em exclusividade por períodos variáveis, numa base linguística e para uma zona de difusão determinadas. No caso de Espanha, os direitos de difusão estão circunscritos ao território espanhol; os mercados geográficos que correspondem aos direitos sobre os filmes cinematográficos são nacionais. O mercado espanhol é, portanto, o mercado de referência, apresentando todas as características de um mercado distinto, na acepção do artigo 9.°, n.os 2, alínea a), e 7, do regulamento sobre as concentrações» (decisão impugnada, considerando 26).

21.
    Quanto aos direito de transmissão de eventos desportivos, a decisão impugnada (considerandos 40 a 42) distingue, desde logo, o mercado dos direitos de transmissão de eventos futebolísticos em que participam equipas espanholas e expõe o seguinte:

«40. No tocante à venda tanto dos direitos de transmissão dos jogos da Liga e da Taça como dos direitos sobre os jogos da Liga dos Campeões e da Taça UEFA, foram cedidos a operadoras de televisão espanholas. No tocante à Liga e à Taça de Espanha, os clubes de futebol espanhóis venderam individualmente os seus direitos à Telefónica, à Sogecable, à TV3 e à AVS, até o ano de [...], com excepção da final da Taça do Rei. Relativamente à Liga dos Campeões e à Taça UEFA, foram concedidas licenças às operadoras de cada país, pelo que, por razões culturais, a procura de jogos varia consoante os países. A UEFA vendeu os direitos da Liga dos Campeões à Televisión Española (TVE) até ao ano de [...].

41. No tocante à aquisição, os mercados grossistas e retalhistas são igualmente mercados nacionais, uma vez que os direitos são explorados essencialmente em Espanha. No que respeita à Liga e à Taça espanholas, as operadoras cederam os direitos sobre os jogos à AVS, a qual concedeu posteriormente licenças de transmissão dos jogos às diversas televisões de acesso pago e às operadoras de televisão de acesso livre. A TVE, que, como foi dito, adquiriu os direitos de transmissão dos jogos da Liga dos Campeões da UEFA até [...], concedeu licenças à Vía Digital para que os direitos sejam explorados em televisão de acesso pago até [...]. Posteriormente, a Vía Digital concedeu uma licença não exclusiva de exploração destes direitos à Sogecable.

42. O mercado espanhol é, por conseguinte, o mercado geográfico de referência, apresentando todas as características de um mercado distinto, na acepção do artigo 9.°, n.os 2, alínea a), e 7, do regulamento sobre as concentrações.»

22.
    Quanto aos direitos de transmissão de outros eventos desportivos e de outros espectáculos que dão lugar a direitos exclusivos, a Comissão sublinha o carácter nacional do mercado por razões linguísticas e culturais (decisão impugnada, considerando 57).

23.
    No que respeita ao último mercado a montante do mercado da televisão de acesso pago, a saber, o mercado dos direitos de transmissão com outros conteúdos, a decisão impugnada explica (considerando 63):

«Em decisões anteriores, a Comissão precisou que as cadeias de televisão temáticas constituem um mercado distinto de produtos, com dimensão nacional. Em geral, as cadeias de televisão temáticas são objecto de comercialização. A dimensão geográfica nacional destas cadeias está confirmada no caso de Espanha, visto a distribuição se efectuar ao nível do território espanhol. O mercado espanhol é, por conseguinte, o mercado geográfico de referência, apresentando todas as características de um mercado distinto, na acepção do artigo 9.°, n.os 2, alínea a), e 7, do regulamento sobre as concentrações.»

24.
    Quanto à dimensão geográfica dos mercados das telecomunicações, é explicado na decisão impugnada (considerandos 80 e 82):

«a) Mercados de acesso à internet

80. [...] a Comissão considerou, em decisões anteriores, [...] que o fornecimento a retalho de serviços de acesso à internet aos consumidores finais, quer seja em banda larga ou em banda estreita, corresponde a um mercado de dimensão essencialmente nacional, por motivos tecnológicos (por exemplo, a necessidade de acesso a um lacete local e a números de telefone locais/gratuitos para o ponto de presença do POP mais próximo) e regulamentares (a existência de quadros regulamentares nacionais diferentes). O mercado espanhol é, por conseguinte, o mercado geográfico de referência, apresentando todas as características de um mercado distinto, na acepção do artigo 9.°, n.os 2, alínea a), e 7, do regulamento sobre as concentrações.

b) Mercados de telefonia fixa e outros mercados de telecomunicações

[...]

82. A prática corrente da Comissão em decisões anteriores confirma que os mercados de telecomunicações enumerados na secção precedente são essencialmente nacionais (carácter nacional das infraestruturas, ofertas de serviços exclusivamente nacionais, condições de autorização das operadoras, disponibilidade de frequências de telefonia móvel, tarifas itinerantes, etc.). O mercado espanhol é, por conseguinte, o mercado geográfico de referência, apresentando todas as características de um mercado distinto, na acepção do artigo 9.°, n.os 2, alínea a), e 7, do regulamento sobre as concentrações.»

25.
    A Comissão conclui que, em cada um dos mercados, a operação ameaça criar ou reforçar uma posição dominante, tendo como consequência o entrave significativo da concorrência efectiva no mercado espanhol (decisão impugnada, considerandos 20, 29, 51, 55, 61, 68 e 109).

26.
    A Comissão formula em seguida as conclusões gerais seguintes na decisão impugnada (considerandos 118 a 121):

«Conclusões

118. Uma vez que o Reino de Espanha constitui uma parte substancial do mercado comum, a Comissão dispõe, nos termos, do artigo 9.°, n.° 3, do regulamento sobre as concentrações, de um largo poder de apreciação para decidir se remete o caso de concentração às autoridades espanholas, com vista à aplicação da legislação nacional.

119. A operação ameaça criar ou reforçar uma posição dominante apenas em mercados de dimensão nacional, no interior do Reino de Espanha.

120. As autoridades espanholas dispõem de meios suficientes e estão numa situação que lhes permite proceder a uma investigação aprofundada da operação, atendendo, em especial, ao carácter nacional dos mercados onde a operação ameaça criar ou reforçar uma posição dominante.

121. A Comissão verificou que as condições fixadas no artigo 9.° do regulamento sobre as concentrações para a remessa às autoridades nacionais estão reunidas no caso concreto e considera, portanto, usando o poder discricionário que lhe atribui o regulamento, que é apropriado responder favoravelmente ao pedido das autoridades espanholas e remeter-lhes o caso, com vista à aplicação da legislação espanhola em matéria de concorrência.»

27.
    Em 18 de Setembro de 2002, a Comissão comunicou a decisão impugnada às recorrentes no processo T-347/02. No dia seguinte, a referida decisão foi comunicada à ONO.

28.
    Por duas decisões do Consejo de Ministros (Conselho de Ministros) de 29 de Novembro de 2002, o Governo espanhol autorizou a concentração em causa, subordinando-a a diversas condições.

Tramitação processual

29.
    Por petições que deram entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 22 de Novembro de 2002, as recorrente interpuseram os presentes recursos, registados sob os números T-346/02 e T-347/02.

30.
    Em ambos os processos, as recorrentes apresentaram, por requerimentos separados entregues na mesma data, um pedido de tramitação acelerada, nos termos do artigo 76.°-A do Regulamento de Processo do Tribunal. Em 16 de Dezembro de 2002, a Terceira Secção do Tribunal, à qual foram atribuídos os dois processos, decidiu deferir esse pedido.

31.
    A Comissão apresentou a contestação, nos dois processos, em 22 de Janeiro de 2003.

32.
    Por requerimentos separados que deram entrada na Secretaria do Tribunal, respectivamente, em 19 de Fevereiro e 4 de Março de 2003, o Reino de Espanha, por um lado, e a Sogecable, a Vía Digital e a Telefónica de Contenidos, por outro, pediram, nos dois processos, para intervir em apoio da Comissão. Por despachos do presidente da Terceira Secção do Tribunal de 19 de Março de 2003 e de 10 de Abril de 2003, os pedidos de intervenção foram deferidos. Os intervenientes foram convidados a expor os seus argumentos na audiência.

33.
    Com base no relatório-preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Terceira Secção) decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, convidou as partes a responderem a questões escritas e solicitou-lhes que apresentassem certos documentos. As partes satisfizeram estes pedidos nos prazos fixados para o efeito.

34.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal, na audiência de 11 de Junho de 2003. Na audiência, foi junto um documento aos autos do processo T-346/02, a pedido das recorrentes.

35.
    Tendo as partes sido ouvidas sobre este ponto, o Tribunal (Terceira Secção) decidiu apensar os dois processos para efeitos do acórdão.

Pedidos das partes

36.
    No processo T-346/02, as recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    condenar cada uma das partes a suportar as suas próprias despesas.

37.
    No processo T-347/02, as recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    declarar o recurso admissível e dar-lhe provimento;

-    anular a decisão impugnada;

-    condenar a Comissão nas despesas.

38.
    Nos dois processos, a Comissão, apoiada pelos intervenientes, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    declarar os recursos inadmissíveis;

-    subsidiariamente, negar-lhes provimento;

-    condenar as recorrentes nas despesas.

Quanto à admissibilidade

Argumentação das partes

39.
    A Comissão, apoiada pelos intervenientes, sublinha que a decisão impugnada tem como único destinatário o Reino de Espanha, pelo que, não sendo destinatárias da referida decisão, as recorrentes devem demonstrar que a mesma lhes diz directa e individualmente respeito, nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE. Ora, as recorrentes não são nem directa nem individualmente afectadas pela decisão impugnada.

40.
    Em primeiro lugar, uma decisão do teor da decisão impugnada em nada prejudica a decisão final que as autoridades nacionais adoptarão a respeito da concentração. A existência de uma decisão autónoma posterior do Estado obsta, portanto, a que se possa considerar que as recorrentes são directamente afectadas pela decisão impugnada. A Comissão refere, a este respeito, os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Março de 1994, Air France/Comissão (T-3/93, Colect., p. II-121), e de 27 de Abril de 1995, CCE de la Société générale des grandes sources e o./Comissão (T-96/92, Colect., p. II-1213, n.° 40), bem como a jurisprudência relativa à faculdade de contestação, para os particulares, de decisões em matéria de auxílios de Estado (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Dezembro de 2002, Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum/Comissão, (T-114/00, Colect., p. II-5121, n.° 73) e de directivas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Junho de 2000, Salamander e o./Parlamento e Conselho, T-172/98, T-175/98 a T-177/98, Colect., p. II-2487, n.° 70).

41.
    Neste contexto, a Comissão sublinha que, no processo que deu lugar ao acórdão Air France/Comissão, já referido no n.° 40 supra, a decisão impugnada não garantia a existência de uma decisão quanto ao fundo da operação de concentração, à luz do direito nacional da concorrência. Pelo contrário, nesse processo, a decisão impugnada autorizou a realização imediata da operação proposta e privou os terceiros dos seus direitos processuais. No caso vertente, a decisão impugnada não autoriza, de modo algum, a operação de concentração. A decisão impugnada limita-se a operar uma transferência de competência, sem prejudicar as garantias processuais de terceiros interessados. Evocando os acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão (C-198/91, Colect., p. I-2487), de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão (C-225/91, Colect., p. I-3203), e de 17 de Novembro de 1998, Kruidvat/Comissão (C-70/97 P, Colect., p. I-7183), a Comissão acrescenta que, para efeitos da admissibilidade do recurso, é o respeito do direito a ser ouvido, e não o respeito de normas processuais específicas, que importa reter. A menos que se presuma que os Estados-Membros, em especial o Reino de Espanha, não respeitam esta garantia fundamental, impõe-se concluir que as recorrentes não são directamente afectadas pela decisão impugnada. Em qualquer dos casos, não existe uma qualidade para agir «de geometria variável», em função das garantias processuais do Estado para o qual é transferida a competência para examinar uma concentração (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, C-50/00 P, Colect., p. I-6677, n.° 43). Se as recorrentes consideram que o seu direito a ser ouvidas não está suficientemente garantido perante as autoridades da concorrência espanholas, podem fazer valer os seus argumentos num recurso contra a decisão final adoptada por estas autoridades. Quanto ao argumento das recorrentes segundo o qual os terceiros interessados não têm direito a um debate oral contraditório perante as autoridades espanholas, a Comissão salienta que, nos termos do artigo 16.° do Regulamento (CE) n.° 447/98 da Comissão, de 1 de Março de 1998, relativo às notificações, prazos e audições previstos no Regulamento n.° 4064/89 (JO L 61, p. 1), os terceiros também não dispõem desse direito no âmbito do processo administrativo perante a Comissão. Efectivamente, os terceiros só têm oportunidade de se pronunciarem oralmente se a Comissão assim o entender.

42.
    Os presentes processos são também muito diferentes daquele que deu lugar ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Março de 1999, Assicurazioni Generali e Unicredito/Comissão (T-87/96, Colect., p. II-203). Neste último processo, a Comissão considerou, na decisão impugnada, que a criação de uma empresa comum não constituía uma concentração na acepção do Regulamento n.° 4064/89. As recorrentes no processo Assicurazioni Generali e Unicredito/Comissão, já referido, eram partes na operação e, por este motivo, destinatárias da decisão impugnada. A Comissão acrescenta que, embora as partes tenham um direito subjectivo a que uma operação de constituição de uma empresa comum seja apreciada à luz do Regulamento n.° 4064/89, quando as condições de aplicação deste regulamento se encontram preenchidas, não existe, inversamente, qualquer direito subjectivo a que a operação seja tratada por esta ou aquela autoridade, quando as condições de remessa a um Estado-Membro se encontram preenchidas.

43.
    No processo T-347/02, a Comissão recorda ainda que, nos termos do artigo 9.°, n.° 8, do Regulamento n.° 4064/89, o Estado-Membro de remessa só pode tomar as medidas estritamente necessárias para preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva no mercado em causa. Acrescenta que, se a decisão final das autoridades nacionais não respeitar esta disposição, as recorrentes podem invocar essa violação num recurso contra a referida decisão.

44.
    Em segundo lugar, a Comissão sustenta que as recorrentes também não são individualmente afectadas pela decisão impugnada. O simples facto de uma pessoa intervir de uma ou outra forma no processo prévio a uma decisão não é suficiente para a individualizar na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, salvo se a sua participação teve lugar no quadro do exercício de garantias processuais previstas pelo próprio direito comunitário (despachos do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Junho de 1997, Merck e o./Comissão, T-60/96, Colect., p. II-849, n.° 73, e de 15 de Setembro de 1998, Molkerei Großbraunshain e Bene Nahrungsmittel/Comissão, T-109/97, Colect., p. II-3533, n.° 68). Ora, os particulares não desempenham formalmente qualquer papel no processo do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89, uma vez o mesmo é totalmente bilateral entre a Comissão e o Estado-Membro requerente. O facto de as recorrentes terem apresentado observações a respeito do pedido de remessa, no processo administrativo, não permite individualizá-las na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

45.
    No processo T-346/02, a Comissão acrescenta ainda que os documentos comunicados pela ONO não permitem conhecer a natureza da ligação existente entre esta última e as recorrentes. Também não é possível saber em que medida as observações apresentadas pela ONO, relativas ao impacto que para ela resultaria da operação, reflectem o impacto desta operação nas recorrentes.

46.
    As recorrentes nos dois processos sustentam que a decisão impugnada lhes diz directa e individualmente respeito.

Apreciação do Tribunal

47.
    Importa recordar que, nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE «[q]ualquer pessoa pode interpor [...] recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito».

48.
    As recorrentes não são as destinatárias da decisão impugnada, uma vez que a Comissão a dirigiu ao Estado-Membro que apresentou o pedido de remessa, nos termos do artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, isto é, o Reino de Espanha. Nestas condições, importa determinar se as recorrentes são directa e individualmente afectadas pela decisão impugnada.

Quanto à questão de saber se as recorrentes são directamente afectadas pela decisão impugnada

49.
    Segundo jurisprudência assente, para que um acto diga directamente respeito a uma pessoa singular ou colectiva deve produzir efeitos directos na situação jurídica do interessado e a sua aplicação deve revestir um carácter puramente automático e decorrer apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras regras intermediárias (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, Dreyfus/Comissão, C-386/96 P, Colect., p. I-2309, n.° 43; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Novembro de 2001, Mitteldeutsche Erdöl-Raffinerie/Comissão, T-9/98, Colect., p. II-3367, n.° 47).

50.
    É esse, nomeadamente, o caso quando a possibilidade de os destinatários não implementarem o acto comunitário é puramente teórica, não existindo quaisquer dúvidas de que pretendem retirar consequências conformes ao referido acto (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1985, Piraiki-Patraiki e o./Comissão, 11/82, Recueil, p. 207, n.os 8 a 10, e Dreyfus/Comissão, já referido no n.° 49 supra, n.° 44; acórdão Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum/Comissão, já referido no n.° 40 supra, n.° 73).

51.
    No caso vertente, importa, por conseguinte, verificar se a decisão impugnada é susceptível de produzir efeitos jurídicos directos e automáticos para as recorrentes ou se, pelo contrário, tais efeitos resultam da decisão adoptada, após remessa, pelas autoridades da concorrência espanholas.

52.
    Na decisão impugnada, a Comissão não se pronunciou acerca da compatibilidade da concentração com o mercado comum, tendo remetido o exame da concentração às autoridades da concorrência espanholas, na sequência do seu pedido de 12 de Julho de 2002. Nos termos do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89, estas autoridades estão encarregadas de examinar os efeitos da concentração à luz do direito nacional da concorrência. As únicas obrigações impostas a este respeito pelo Regulamento n.° 4064/89 às autoridades da concorrência espanholas são, por um lado, nos termos do artigo 9.°, n.° 6, a de decidirem no prazo máximo de quatro meses após remessa pela Comissão e, por outro, nos termos do artigo 9.°, n.° 8, a de apenas tomarem «as medidas estritamente necessárias para preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva no mercado em causa». Uma vez que estas obrigações não são, porém, susceptíveis de determinar de forma precisa e segura o resultado do exame de fundo efectuado pelas autoridades da concorrência espanholas, há que reconhecer que a decisão impugnada não é susceptível de afectar directamente a posição concorrencial das recorrentes, apenas podendo ter esse efeito a decisão final adoptada por aquelas autoridades.

53.
    Contudo, estas considerações não demonstram que a decisão impugnada não diz directamente respeito às recorrentes. Com efeito, a questão de saber se um terceiro é directamente afectado por um acto comunitário do qual não constitui o destinatário deve ser apreciada à luz do objecto do referido acto. Ora, a decisão impugnada não tem por objecto pronunciar-se sobre os efeitos da concentração nos mercados em causa, mas transferir a responsabilidade desse exame para as autoridades nacionais que solicitaram a remessa, a fim de que estas decidam em aplicação do seu direito nacional da concorrência. Atendendo a este objecto, é irrelevante, no caso vertente, que a decisão impugnada não afecte directamente a posição concorrencial das recorrentes nos mercados em causa, em Espanha (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Abril de 2003, Royal Philips Electronics/Comissão, T-119/02, Colect., p. II-0000, n.° 276).

54.
    Para apreciar se as recorrentes são directamente afectadas pela decisão impugnada, importa unicamente verificar se esta decisão produz efeitos jurídicos directos e automáticos relativamente a elas.

55.
    A este respeito, deve recordar-se que, nos termos dos artigos 1.°, n.° 1, e 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, este regulamento é, em princípio, apenas aplicável às concentrações de dimensão comunitária, tal como estão definidas no artigo 1.°, n.os 2 e 3, do mesmo regulamento. Assim, nos termos do artigo 21.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89, as concentrações de dimensão comunitária estão, em princípio, subtraídas à aplicação das legislações dos Estados-Membros sobre concorrência.

56.
    Ora, no caso vertente, ao remeter o exame da concentração em causa às autoridades da concorrência espanholas, a Comissão pôs termo ao processo de aplicação do Regulamento n.° 4064/89, encetado pela notificação do acordo que prevê a integração da Vía Digital na Sogecable. Efectivamente, nos termos do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89, as autoridades competentes do Estado-Membro em causa aplicam, após remessa, o seu direito nacional da concorrência.

57.
    Daqui resulta que a decisão impugnada objecto do presente recurso tem como consequência submeter esta concentração ao controlo exclusivo das autoridades da concorrência espanholas, que decidem com base no seu direito nacional da concorrência.

58.
    Impõe-se concluir que, ao fazê-lo, a decisão impugnada afecta a situação jurídica das recorrentes (v., neste sentido, acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.os 281 a 287).

59.
    Com efeito, ao estabelecer, pela remissão para o direito nacional da concorrência, os critérios de apreciação da regularidade da operação de concentração em causa bem como o processo e as eventuais sanções aplicáveis, a decisão impugnada modifica a situação jurídica das recorrentes, privando-as da possibilidade de ver a regularidade daquela operação ser examinada pela Comissão, à luz do Regulamento n.° 4064/89 (v., por analogia, acórdão Assicurazioni Generali e Unicredito/Comissão, já referido no n.° 42 supra, n.os 37 a 44).

60.
    Ora, o controlo de uma operação de concentração operado com base numa legislação nacional não pode ser equiparado, no seu alcance e nos seus efeitos, ao que é exercido pela Comissão à luz do Regulamento n.° 4064/89 (acórdão Air France/Comissão, já referido no n.° 40 supra, n.° 69).

61.
    Contrariamente ao que sustenta a Comissão, todas as decisões que provocam uma modificação do regime jurídico aplicável ao exame de uma operação de concentração é susceptível de afectar não apenas a situação jurídica das partes na operação em causa, como acontecia no processo que deu lugar ao acórdão Assicurazioni Generali e Unicredito/Comissão, já referido no n.° 42 supra, mas também a situação de terceiros relativamente a essa operação.

62.
    Com efeito, importa referir que, independentemente da questão de saber se o direito espanhol da concorrência confere aos terceiros direitos processuais análogos aos que são garantidos pelo Regulamento n.° 4064/89, a decisão impugnada, ao pôr termo ao processo previsto por este último regulamento, tem como efeito privar os terceiros dos direitos processuais que para eles decorrem do artigo 18.°, n.° 4, do mesmo regulamento.

63.
    Por último, com a decisão impugnada, a Comissão impede os terceiros de recorrer à tutela jurisdicional que lhes é conferida pelo Tratado. Efectivamente, ao remeter o exame da concentração às autoridades da concorrência espanholas, que decidem com base no seu direito nacional, a Comissão priva os terceiros da possibilidade de contestarem posteriormente, perante o Tribunal, ao abrigo do artigo 230.° CE, as apreciações que serão efectuadas pelas autoridades nacionais acerca da matéria, ao passo que, não se verificando a remessa, as apreciações efectuadas pela Comissão podem ser objecto de uma contestação desta natureza.

64.
    Consequentemente, uma vez que tem como efeito privar as recorrentes do controlo da operação de concentração pela Comissão, com base no Regulamento n.° 4064/89, e dos direitos processuais previstos neste regulamento a favor dos terceiros, bem como da tutela jurisdicional prevista pelo Tratado, deve considerar-se que a decisão impugnada é susceptível de afectar a situação jurídica das recorrentes.

65.
    Ora, há que considerar que estes efeitos são directos, visto que a decisão impugnada não exige qualquer medida de execução suplementar para que a remessa se torne efectiva. De facto, desde que a decisão impugnada é adoptada pela Comissão, a remessa ao Estado-Membro interessado é imediata, tornando-o, por si só, competente para apreciar a concentração objecto da remessa à luz do seu direito nacional da concorrência.

66.
    Além disso, importa recordar que, nos termos do artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, foram as autoridades espanholas que solicitaram à Comissão a remessa do exame dos efeitos da concentração nos mercados em causa, em Espanha. Nestas circunstâncias, fica excluída a hipótese de as autoridades espanholas não darem seguimento à decisão impugnada, o que, de resto, está confirmado no caso vertente pelo facto de as autoridades da concorrência espanholas terem adoptado, em 29 de Novembro de 2002, uma decisão sobre a concentração em causa.

67.
    Consequentemente, deve reconhecer-se que a decisão impugnada diz directamente respeito às recorrentes.

68.
    Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo facto, sublinhado pela Comissão, de as recorrentes poderem impugnar a decisão da autoridade nacional através das vias de recurso internas e, sendo caso disso, solicitar uma decisão a título prejudicial, nos termos do artigo 234.° CE. Com efeito, a eventual existência de vias de recurso internas perante o órgão jurisdicional nacional não pode excluir a possibilidade de impugnar directamente, perante o órgão jurisdicional comunitário, a legalidade de uma decisão adoptada por uma instituição comunitária, com base no artigo 230.° CE (acórdãos Air France/Comissão, já referido no n.° 40 supra, n.° 69, e Royal Philips Electronics/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 290).

Quanto à questão de saber se as recorrentes são individualmente afectadas pela decisão impugnada

69.
    Importa recordar que os particulares que não sejam destinatários de uma decisão só podem afirmar que esta lhes diz individualmente respeito se os afectar devido a certas qualidades que lhes são próprias ou a uma situação de facto que os caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e, nesta medida, os individualiza de maneira análoga à do destinatário (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962-1964, p. 279, e Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, já referido no n.° 41 supra, n.° 36).

70.
    No caso vertente, a Comissão não contesta que a posição concorrencial das recorrentes seja afectada pela operação de concentração cujo exame foi remetido às autoridades espanholas. Está efectivamente provado que as recorrentes são as actuais principais concorrentes das partes na concentração, na maioria dos mercados em causa. Assim, no considerando 84, a decisão impugnada menciona que «[o]s efeitos anticoncorrenciais que poderiam resultar da operação notificada [...] ameaçam particularmente afectar as cabo-operadoras em Espanha, que representam a fonte principal (e quase única, tendo em conta a situação da televisão numérica terrestre em Espanha) de concorrência face à plataforma de televisão por satélite resultante da fusão» e que «[a]s cabo-operadoras [...] constituem igualmente a principal alternativa concorrencial (efectiva em certos casos, potencial noutros) à Telefónica em diferentes mercados das telecomunicações onde a operadora histórica espanhola é já dominante».

71.
    Por outro lado, deve referir-se que as recorrentes participaram no processo administrativo que conduziu à adopção da decisão impugnada.

72.
    Com efeito, no que toca às recorrentes no processo T-346/02, importa salientar que, em 27 de Junho de 2002, a ONO contactou a Comissão, que, por sua vez, lhe enviou, em 18 de Julho de 2002, um pedido de informações nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89, ao qual a ONO respondeu por carta de 23 de Julho de 2002. A participação da ONO no processo administrativo pode ser considerada equivalente à das recorrentes no processo T-346/02. Efectivamente, estas últimas explicaram, na sequência de uma questão colocada pelo Tribunal, que, como fora indicado na correspondência mencionada de 23 de Julho de 2002, a ONO é a denominação sob a qual todas elas exercem as suas actividades no mercado espanhol. Nessa correspondência e nas suas respostas ao Tribunal, as recorrentes explicaram, sem que a Comissão as tenha contestado, que a ONO era o nome sob o qual opera o grupo das cabo-operadoras constituído pela sociedade «Grupo ONO», a qual é titular de 100% das acções da Cableuropa, ela própria accionista maioritária das outras cabo-operadoras que são recorrentes no processo T-346/02.

73.
    Do mesmo modo, a Aunacable, por um lado, e as outras recorrentes no processo T-347/02 , por outro, enviaram à Comissão cartas datadas, respectivamente, de 9 e 22 de Julho de 2002, em que indicaram que as condições do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89 não estavam preenchidas. Em 18 de Julho de 2002, a Comissão enviou às recorrentes um pedido de informações nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89, ao qual estas últimas responderam em 26 de Julho de 2002 (à excepção da Aunacable) e 31 de Julho de 2002 (Aunacable).

74.
    Neste contexto, deve concluir-se, em primeiro lugar, que as recorrentes teriam disposto do direito a ser ouvidas pela Comissão se esta tivesse decidido não remeter o processo à autoridades espanholas e tivesse, pelo contrário, dado início ao processo denominado «fase II» do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 4064/89.

75.
    Efectivamente, nos termos do artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento n.° 4064/89, os terceiros têm o direito a ser ouvidos pela Comissão, antes da adopção de uma decisão no termo da fase II, na condição de lhe haverem feito esse pedido e provado terem interesse bastante para esse efeito (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Novembro de 1997, Kaysersberg/Comissão, T-290/94, Colect., p. II-2137, n.° 105). Considerando que a posição concorrencial das recorrentes é afectada pela operação de concentração cujo exame foi remetido às autoridades espanholas, as recorrentes dispunham portanto de um interesse bastante em serem ouvidas (v. acórdão Kaysersberg/Comissão, já referido, n.° 109).

76.
    Ora, as recorrentes, beneficiárias de garantias processuais ao abrigo do artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento n.° 4064/89, só podem obter o respeito dessas garantias processuais se puderem contestar a decisão impugnada perante o órgão jurisdicional comunitário (v., neste sentido, acórdão Cook/Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.° 23).

77.
    Em segundo lugar, deve sublinhar-se que, se não tivesse havido remessa, as recorrentes, enquanto empresas concorrentes, também teriam sido individualmente afectadas por uma decisão de aprovação final tomada pela Comissão com base no artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89.

78.
    Deve, por conseguinte, reconhecer-se que, caso não tivesse havido remessa, as recorrentes poderiam ter contestado, no quadro de um recurso de anulação com fundamento no artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, as apreciações efectuadas pela Comissão a respeito dos efeitos da concentração nos mercados em causa em Espanha (v., neste sentido, acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 295).

79.
    Uma vez que a decisão impugnada teve como efeito privar as recorrentes da possibilidade de contestar perante o Tribunal de Primeira Instância apreciações que poderiam ter contestado caso não tivesse havido remessa, há que reconhecer que a decisão impugnada afecta individualmente as recorrentes, da mesma forma que, neste último caso, estas teriam sido afectadas pela decisão de aprovação (v., neste sentido, acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 297).

80.
    Consequentemente, deve considerar-se que as recorrentes são individualmente afectadas pela decisão impugnada.

81.
    Resulta das considerações precedentes que as recorrentes são directa e individualmente afectadas pela decisão impugnada.

82.
    Os recursos são, portanto, admissíveis.

Quanto ao mérito

83.
    As recorrentes invocam três fundamentos comuns de recurso. O primeiro baseia-se numa violação do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89, na medida em que a operação de concentração produz efeitos que ultrapassam o território espanhol. O segundo fundamento baseia-se igualmente numa violação do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89 e do princípio da boa administração, na medida em que, quando os mercados afectados por uma concentração constituem uma parte substancial do mercado comum, só excepcionalmente é que a Comissão tem o direito de remeter a operação de concentração às autoridades nacionais. O terceiro fundamento baseia-se numa violação do artigo 253.° CE. As recorrentes no processo T-346/02 invocam ainda um quarto fundamento, baseado numa violação do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89, na medida em que a decisão impugnada contém uma remessa «em branco» às autoridades espanholas. Os primeiro, segundo e quarto fundamentos devem ser examinados antes do terceiro fundamento.

Quanto ao primeiro fundamento, baseado numa violação do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89, na medida em que a operação de concentração produz efeitos que ultrapassam o território nacional

Argumentação das partes

84.
    As recorrentes nos dois processos alegam que, no caso vertente, o artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89 não permitia à Comissão remeter às autoridades nacionais o exame da operação de concentração em causa.

85.
    No processo T-346/02, as recorrentes sustentam que resulta do artigo 9.°, n.° 2, do referido regulamento que a Comissão não tem o direito de remeter o exame de uma operação de concentração às autoridades nacionais quando os mercados em causa ultrapassem os limites de um Estado-Membro. Uma vez que a concentração tem uma dimensão manifestamente internacional ou, em qualquer dos casos, que essa dimensão internacional não pode ser afastada oficiosamente pela Comissão, esta violou o artigo 9.°, n.° 2, do regulamento.

86.
    Para demonstrar a dimensão internacional da operação de concentração em causa, as recorrentes no processo T-346/02 explicam, em primeiro lugar, que os grupos Telefónica, Canal+, Vivendi e Prisa possuem uma forte implantação europeia tanto no que respeita às actividades de telecomunicações como à televisão de acesso pago. Em segundo lugar, os mercados das telecomunicações ultrapassam as fronteiras nacionais, as redes da internet não são nacionais e um grande número de serviços, por exemplo os sinais transmitidos por satélite, atravessam fronteiras. Em terceiro lugar, o mercado dos direitos audiovisuais tem igualmente uma dimensão transfronteiriça. A própria Comissão reconheceu, na decisão de 21 de Março de 2002, B Sky B/Kirch Pay TV (COMP/JV.37), que, no mercado dos direitos audiovisuais, a aquisição dos direitos e a sua exploração são europeus, se não mesmo mundiais.

87.
    As mesmas recorrentes salientaram, na audiência, que as próprias partes na operação de concentração haviam reconhecido, na notificação da sua operação, que certos mercados em causa ultrapassavam as fronteiras espanholas, em especial o mercado dos serviços por satélite, o mercado dos serviços técnicos, os mercados audiovisuais (como a produção de filmes, que é um mercado mundial), bem como os mercados dos direitos de transmissão de eventos desportivos, onde as operadoras de televisão concorrem com cadeias que operam a nível europeu. As recorrentes observam que as barreiras linguísticas estão a desaparecer gradualmente e que a transmissão de filmes e programas desportivos através da internet torna estes conteúdos acessíveis a partir de outros países que não Espanha e permite ao utilizador escolher a sua língua de preferência. Na decisão impugnada, a Comissão limitou-se a afirmar que certos mercados mencionados pelas autoridades nacionais, no seu pedido de remessa, não deviam ser examinados pois não colocavam problemas no plano da concorrência, sem ter, contudo, analisado se os mercados constituíam mercados nacionais.

88.
    Como fundamento dos seus argumentos, as mesmas recorrentes apresentaram, na audiência, uma cópia da versão não confidencial da notificação da operação de concentração em causa.

89.
    Na audiência, as mesmas recorrentes observaram ainda que a Comissão só podia remeter o processo às autoridades nacionais se, no seu pedido de remessa, estas últimas tivessem qualificado os mercados em causa de mercados nacionais. Ora, a versão revista desse pedido de remessa não foi comunicada às recorrentes no processo administrativo perante a Comissão, nem nos processos perante as autoridades espanholas. Uma vez que, na sequência de um pedido do Tribunal, o documento em questão foi junto aos autos, cabe ao Tribunal verificar se o pedido de remessa preenche as condições previstas pelo artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89.

90.
    No processo T-347/02, as recorrentes alegam que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao indicar, no considerando 119 da decisão impugnada que «[a] operação ameaça[va] criar ou reforçar uma posição dominante apenas em mercados de dimensão nacional, no interior do Reino de Espanha», sem analisar os eventuais efeitos transfronteiriços da operação notificada. Ora, se tais efeitos existiam, a remessa do processo à autoridades espanholas ficava excluída por não estarem respeitadas as condições enunciadas no artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89.

91.
    As recorrentes neste processo afirmam que a operação era susceptível de ter efeitos transfronteiriços. Sublinham, em primeiro lugar, que as empresas potencialmente afectadas pela operação de concentração não são apenas as concorrentes que operam no mercado da televisão multicanal de acesso pago, em Espanha, mas igualmente outras operadoras nos mercados conexos (essencialmente o dos conteúdos), que não estão necessariamente estabelecidas no mercado espanhol. Assim, tendo em conta que o Canal+ constitui uma das sociedades que participa no controlo conjunto da plataforma resultante da operação de concentração e que esta sociedade é uma operadora com interesses no mercado da televisão a nível europeu, é possível que a operação tenha por efeito reforçar a posição desta operadora nos mercados internacionais de conteúdos, situados a montante do mercado da televisão de acesso pago. Tal como as outras recorrentes, as recorrentes no processo T-347/02 sublinham que a própria Comissão reconheceu, na sua decisão B Sky B/Kirch Pay TV, já referida, que, no mercado dos direitos audiovisuais, a aquisição de direitos e a sua exploração são actividades que afectam mais de um Estado-Membro. Por último, as recorrentes sustentam que, no quadro do dossier relativo à operação de concentração notificada, a Comissão deveria ter analisado os acordos denominados «output deals», celebrados pelas sociedades que operam no mercado da televisão de acesso pago com os grandes estúdios americanos.

92.
    Na audiência, as recorrentes no processo T-347/02 observaram que, para demonstrar a existência de um ou de vários «mercados distintos» na acepção do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89, não basta que os mercados geográficos pertinentes sejam nacionais. Efectivamente, um Estado-Membro só pode ser considerado um «mercado distinto» se a estrutura da concorrência nesse Estado for diferente da que existe noutros Estados-Membros.

93.
    Neste contexto, as recorrentes sublinham, em primeiro lugar, que o critério linguístico não é suficiente para qualificar um mercado de «distinto», tanto mais que o mesmo conteúdo pode ser oferecido em diversas línguas, como é o caso, por exemplo, dos filmes em disco vídeo digital (DVD). Em segundo lugar, a regulamentação audiovisual nacional não cria barreiras à entrada específica em Espanha, atendendo ao nível de harmonização comunitária das regras pertinentes, como confirma o acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 2002, Canal Satélite Digital (C-390/99, Colect., p. I-607). Em terceiro lugar, o facto de os direitos sobre os conteúdos serem distribuídos numa base territorial não faz do mercado espanhol um «mercado distinto», uma vez que o mesmo conteúdo é distribuído noutros países com os mesmos formatos de exploração e com base num sistema de taxas.

94.
    Segundo as recorrentes, vários elementos advogam contra a qualificação do mercado espanhol de «mercado distinto». Desde logo, a pertença da Sogecable ao grupo Canal+ reflecte um processo de consolidação em curso em todos os mercados europeus, dadas as dificuldades financeiras no sector audiovisual. Seguidamente, há que admitir que, em todos mercados europeus, o carácter dos produtos e serviços oferecidos é semelhante. Por último, as barreiras à entrada são idênticas e prendem-se, nomeadamente, com o acesso ao conteúdo e o acesso à plataforma de distribuição dominante.

95.
    As recorrentes contestam ter deduzido fundamentos novos na audiência. Explicam que adaptaram a sua argumentação na sequência da prolação do acórdão no processo Royal Philips Electronics/Comissão, já referido no n.° 53 supra, que teve lugar após a apresentação das suas petições. As recorrentes limitaram-se a desenvolver os argumentos que já haviam deduzido nas suas petições. As recorrentes no processo T-347/02 acrescentam que o argumento segundo o qual a dimensão nacional do mercado não é suficiente para o tornar «distinto», na acepção do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89, já havia sido invocado na sua carta de 22 de Julho de 2002, dirigida à Comissão.

96.
    A Comissão, apoiada pelos intervenientes, contrapõe que o critério decisivo para determinar os casos em que dispõe da faculdade de remeter um processo às autoridades nacionais reside na existência de riscos de efeitos anticoncorrenciais, em mercados no interior do Estado-Membro que apresentem as características de mercados distintos. Ora, nos termos do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do referido regulamento, a decisão impugnada procedeu à identificação dos mercados geográficos de referência e analisou os efeitos da operação na concorrência nesses mercados, para concluir que a operação ameaçava criar ou reforçar uma posição dominante apenas em mercados de dimensão nacional, no interior do Reino de Espanha.

97.
    A implantação europeia dos grupos Telefónica, Canal+ e Vivendi bem como a actividade internacional dos grupos em causa não podem determinar, enquanto tais, a dimensão geográfica dos diferentes mercados de produtos onde essas operadoras exercem a sua actividade. De igual modo, os efeitos transfronteiriços de uma concentração não são determinantes para decidir se há lugar ou não a remessa de um projecto de concentração às autoridades nacionais.

98.
    A Comissão sublinha ainda que as recorrentes deduziram, pela primeira vez, na audiência, fundamentos que não figuravam na petição. Assim, é novo o fundamento baseado na existência de «outros mercados», mencionados quer pelas partes na concentração, na sua notificação, quer pelas autoridades espanholas, no seu pedido de remessa, e que a Comissão não examinou na decisão impugnada. Além disso, da petição não consta a argumentação baseada na distinção que deve ser feita entre o conceito de «mercado distinto» na acepção do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89 e o conceito de mercado geográfico pertinente. O Tribunal deveria, portanto, declarar estes fundamentos inadmissíveis, nos termos do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo. As recorrentes não podiam invocar a prolação, que teve lugar entre a apresentação da petição e a audiência, do acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, já referido no n.° 53 supra, uma vez que é jurisprudência assente que um acórdão proferido após a apresentação da petição não constitui um elemento novo na acepção do artigo 48.°, n.° 1, do Regulamento de Processo. Na medida em que as recorrentes afirmam que certos argumentos figuravam já nos documentos anexos à sua petição, a Comissão recorda que não compete ao Tribunal identificar, nos anexos, fundamentos que não foram deduzidos enquanto tais na petição.

99.
    Em qualquer dos casos, a argumentação das recorrentes é infundada.

Apreciação do Tribunal

100.
    Importa recordar que as autoridades espanholas solicitaram a remessa da concentração com fundamento no artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89. Nos termos da decisão impugnada, a Comissão concluiu que «[a] operação ameaça[va] criar ou reforçar uma posição dominante apenas em mercados de dimensão nacional, no interior do Reino de Espanha» (considerando 119). Nos termos do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89, decidiu remeter o processo às autoridades da concorrência espanholas, a quem cabia decidir com base no direito nacional da concorrência.

101.
    Resulta do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89 que, para que uma concentração possa ser objecto de uma remessa com fundamento no artigo 9.° deste regulamento, duas condições devem estar preenchidas cumulativamente. Em primeiro lugar, a concentração deve ameaçar criar ou reforçar uma posição dominante que tenha como consequência a criação de entraves significativos a uma concorrência efectiva num mercado no interior do Estado-Membro em causa. Em segundo lugar, este mercado deve apresentar todas as características de um mercado distinto.

102.
    No que toca ao respeito das condições enunciadas pelo artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89, há que referir que as condições de remessa previstas por esta disposição têm carácter jurídico e devem ser interpretadas com base em elementos objectivos. Por este motivo, tendo em conta os elementos concretos do litígio que lhe foi submetido e o carácter técnico ou complexo das apreciações fornecidas pela Comissão, o juiz comunitário deve exercer uma fiscalização integral relativamente à questão de saber se uma concentração está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), daquele regulamento (acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 326).

103.
    Quanto à primeira condição, impõe-se concluir que as recorrentes não contestam que a concentração ameaça criar ou reforçar uma posição dominante, em Espanha, nos diferentes mercados de produtos identificados na decisão impugnada.

104.
    As recorrentes alegam, porém, que, no caso vertente, a segunda condição não está preenchida. Segundo as recorrentes, os mercados de produtos identificados na decisão impugnada não constituem mercados no interior de um Estado-Membro que apresentem as características de um mercado distinto.

105.
    A este respeito, importa referir, a título liminar, que, nos termos do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89, a existência de um mercado distinto é determinada pela Comissão «tendo em conta o mercado dos produtos ou serviços em causa e o mercado geográfico de referência na acepção do n.° 7».

106.
    Resulta, deste modo, de uma leitura conjugada do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, e do artigo 9.°, n.° 7, do Regulamento n.° 4064/89 que, para determinar se um Estado-Membro constitui um mercado distinto na acepção do artigo 9.°, n.° 2, do referido regulamento, a Comissão deve ter em conta os critérios enunciados no artigo 9.°, n.° 7, do mesmo regulamento, os quais respeitam, nomeadamente, à natureza e às características dos produtos ou dos serviços em causa, à existência de barreiras à entrada, às preferências dos consumidores, bem como à existência de diferenças significativas de quotas de mercado ou de preços entre territórios (acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 333).

107.
    Na audiência, as recorrentes no processo T-347/02 sustentaram que, para que um mercado nacional possa ser considerado um «mercado distinto» na acepção do artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, é necessário que se distinga de outros mercados, não apenas por constituir um mercado geográfico separado, mas também por se caracterizar por uma estrutura da concorrência diferente da de outros Estados-Membros.

108.
    Convém examinar, em primeiro lugar, a admissibilidade deste argumento, suscitado pela primeira vez na audiência.

109.
    O Tribunal recorda, a este respeito, que, embora o artigo 76.°-A, n.° 3, do Regulamento de Processo preveja que, no quadro de uma tramitação acelerada, as partes podem completar a sua argumentação e oferecer as respectivas provas na fase oral, devendo justificar o atraso na apresentação das provas, resulta da letra da mesma disposição que esta se aplica sem prejuízo do artigo 48.° do Regulamento de Processo, que prevê, no seu n.° 2, que é proibido deduzir fundamentos novos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.

110.
    O acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, já referido no n.° 53 supra, proferido após interposição dos presentes recursos, evocado pelas recorrentes para justificar o desenvolvimento do argumento reproduzido no n.° 107 supra, não poder ser considerado um elemento que permita a dedução de um fundamento novo. Efectivamente, este acórdão limita-se a confirmar uma situação de direito que as recorrentes conheciam quando interpuseram os seus recursos (acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Abril de 1982, Dürbeck/Comissão, 11/81, Recueil, p. 1251, n.° 17; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Dezembro de 1996, Atlanta e o./Conselho e Comissão, T-521/93, Colect., p. II-1707, n.° 39).

111.
    Todavia, deve ser julgado admissível um fundamento que constitua a ampliação de um fundamento anteriormente deduzido, directa ou indirectamente, na petição inicial e que apresente um nexo estreito com este (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Setembro de 2000, Dürbeck/Comissão, T-252/97, Colect., p. II-3031, n.° 39).

112.
    Ora, no caso vertente, deve concluir-se que o argumento reproduzido no n.° 107 supra não ultrapassa o quadro do litígio, tal como está definido na petição.

113.
    A este respeito, importa recordar que as recorrentes no processo T-347/02 alegam na sua petição que a Comissão cometeu um erro de apreciação ao remeter às autoridades espanholas uma operação de concentração a despeito da não observância das condições enunciadas no artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89. Sem que seja necessário identificar se, na fase da petição, as recorrentes invocaram a existência de uma distinção entre o conceito de mercado distinto, por um lado, e o de mercado geográfico de referência, por outro, resulta da petição que as recorrentes denunciavam a ilegalidade da decisão impugnada baseando-se na errada aplicação que a Comissão teria feito das condições enunciadas no artigo 9.° do referido regulamento, nomeadamente da condição ligada à existência de mercados distintos. Neste contexto, deve concluir-se que os argumentos baseados na distinção que deve ser feita entre os conceitos de mercado distinto e de mercado geográfico de referência não são mais do que o desenvolvimento da argumentação das recorrentes, contida na petição, segundo a qual a Comissão violou as disposições do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89 ao considerar que os mercados de produtos pertinentes constituíam mercados no interior de um Estado-Membro, que tinham todas as características de um mercado distinto. O argumento reproduzido no n.° 107 supra apresenta um nexo estreito com o primeiro fundamento invocado na petição e deve, por conseguinte, ser considerado admissível.

114.
    No que toca ao mérito deste argumento, deve referir-se que o artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89 não se presta à interpretação preconizada pelas recorrentes. Com efeito, resulta da própria letra do artigo 9.°, n.° 3, que a Comissão é obrigada a determinar o carácter distinto de um mercado com base numa definição do mercado dos produtos ou dos serviços em causa, numa primeira fase, e numa definição do mercado geográfico de referência, na acepção do seu n.° 7, numa segunda fase.

115.
    Tal como decorre quer do artigo 9.°, n.° 7, do Regulamento n.° 4064/89 quer do ponto 8 da Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5), o mercado geográfico a ter em consideração é constituído por um território no qual as empresas envolvidas intervêm na oferta e procura de bens e serviços, no qual as condições de concorrência são suficientemente homogéneas e que pode distinguir-se dos territórios vizinhos especialmente devido a condições de concorrência sensivelmente diferentes das que prevalecem nesses territórios. Como foi mencionado no n.° 106 supra, nesta apreciação, importa nomeadamente ter em conta a natureza e as características dos produtos ou dos serviços em causa, a existência de barreiras à entrada, as preferências dos consumidores, bem como a existência, entre o território em causa e os territórios vizinhos, diferenças significativas entre as quotas de mercado das empresas ou diferenças substanciais de preços.

116.
    Quando a apreciação de todos estes elementos conduza à conclusão de que as condições de concorrência nos mercados de produtos e de serviços em causa num Estado-Membro são sensivelmente diferentes e constituem, portanto, mercados geográficos diferentes, estes devem ser considerados mercados distintos na acepção do artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89 (v., neste sentido, acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.os 335 a 337).

117.
    Contrariamente ao que alegam as recorrentes, no que respeita a esta questão, não é pertinente saber se certos elementos estruturais dos mercados em causa estão igualmente presentes noutros mercados geográficos. Desde que esteja demonstrado que as condições de concorrência não são suficientemente homogéneas e que, nomeadamente, as preferências dos consumidores bem como certas barreiras à entrada limitam um determinado mercado, no território nacional de um Estado-Membro, não é suficiente, para contestar o carácter distintivo do referido mercado, que existam, noutros territórios, produtos ou serviços comparáveis ou métodos de venda análogos. Quanto à presença de barreiras à entrada semelhantes, ela não é, de modo algum, susceptível de infirmar o carácter distintivo dos mercados geográficos em causa. Pelo contrário, corrobora-o.

118.
    Importa, nesta fase, examinar os argumentos das recorrentes segundo os quais a Comissão não tinha o direito de concluir pela existência de mercados geográficos distintos na acepção do artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89.

119.
    A este respeito, deve recordar-se que a fiscalização jurisdicional das apreciações da Comissão em matéria de definição dos mercados de referência é a do erro manifesto (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Junho de 2002, Airtours/Comissão, T-342/99, Colect., p. II-2585, n.os 26 e 32).

120.
    Resulta da decisão impugnada que a Comissão se baseia nos elementos que a seguir se enunciam para concluir que, relativamente a cada mercado de produtos, o mercado espanhol é o mercado geográfico de referência.

121.
    No que respeita ao mercado da televisão de acesso pago, a decisão impugnada explica que, «mesmo que certos segmentos de mercado, como a cadeia desportiva Eurosport, emitam à escala europeia, a exploração televisiva tem lugar essencialmente em mercados nacionais, devido sobretudo à existência de disposições nacionais divergentes, barreiras linguísticas, factores culturais e condições de concorrência diferentes consoante os Estados (por exemplo, a estrutura do mercado da televisão por cabo)» e que, «no caso particular de Espanha, a dimensão geográfica é de ordem nacional, por razões linguísticas e regulamentares» (considerando 17).

122.
    No que respeita aos mercados a montante do mercado da televisão de acesso pago, a Comissão explica, em primeiro lugar, no tocante aos direitos de transmissão de filmes, que estes direitos «são geralmente cedidos em exclusividade por períodos variáveis, numa base linguística e para uma zona de difusão determinadas» e que, «[n]o caso de Espanha, os direitos de difusão estão circunscritos ao território espanhol; os mercados geográficos que correspondem aos direitos sobre os filmes cinematográficos são nacionais» (decisão impugnada, considerando 26). No que respeita ao mercado dos direitos de transmissão de eventos futebolísticos em que participam equipas espanholas, tal mercado é também espanhol. Segundo a Comissão, os direitos de transmissão de jogos de futebol foram concedidos a operadoras espanholas de televisão (decisão impugnada, considerando 40) e «são explorados essencialmente em Espanha» (decisão impugnada, considerando 41). No que respeita aos direitos de transmissão de outros eventos desportivos e de outros espectáculos que dêem lugar a direitos exclusivos, a Comissão sublinha que as preferências dos espectadores variam de país para país e que, por conseguinte, as condições de concorrência para a aquisição desses direitos variam também (considerando 57). O mercado dos direitos de transmissão desses eventos tem, no caso de Espanha, uma dimensão nacional por razões linguísticas e culturais (considerando 57). Por último, no que respeita às cadeias temáticas, a dimensão geográfica nacional do mercado é confirmada «no caso espanhol, visto a distribuição se efectuar ao nível do território espanhol» (decisão impugnada, considerando 63).

123.
    No que respeita à dimensão geográfica dos mercados das telecomunicações, é explicado na decisão impugnada que o fornecimento a retalho de serviços de acesso à internet aos consumidores finais, quer seja em banda larga ou em banda estreita, corresponde a um mercado de dimensão essencialmente nacional, por motivos tecnológicos (por exemplo, a necessidade de acesso a um lacete local e a números de telefone locais/gratuitos para o ponto de presença do «POP» mais próximo) e regulamentares (a existência de quadros regulamentares nacionais diferentes) (considerando 80). Os mercados de telefonia fixa e os outros mercados de telecomunicações são nacionais pelas razões seguintes: «carácter nacional das infraestruturas, ofertas de serviços exclusivamente nacionais, condições de autorização das operadoras, disponibilidade de frequências de telefonia móvel, tarifas itinerantes, etc.» (considerando 82).

124.
    Em apoio da sua tese segundo a qual os mercados em causa são de dimensão espanhola, a Comissão refere igualmente a sua prática decisória anterior à decisão impugnada (considerandos 17, 63, 80 e 82).

125.
    Impõe-se concluir que os elementos fornecidos pelas recorrentes nos dois processos não permitem demonstrar que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação na sua definição dos mercados geográficos em causa.

126.
    Em primeiro lugar, na medida em que as recorrentes se referem à implantação europeia das partes na operação de concentração e das suas sociedades-mães, basta referir que o facto de uma empresa ter actividades em diferentes Estados-Membros não implica automaticamente que os mercados onde essa empresa opera tenham uma dimensão que ultrapassa o território dos Estados-Membros em causa. Com efeito, uma empresa pode operar em diversos mercados distintos de dimensão nacional.

127.
    Além disso, importa referir que as empresas partes nas operações de concentração visadas pelo Regulamento n.° 4064/89 têm geralmente dimensão internacional, uma vez que o sistema de limiares do artigo 1.° do Regulamento n.° 4064/89 exige que essas empresas realizem um determinado volume de negócios mínimo em diferentes Estados-Membros, garantindo, deste modo, que as operações estão abrangidas pelo referido regulamento, ou seja, que as operações susceptíveis de constituir objecto de uma remessa às autoridades nacionais nos termos do seu artigo 9.° têm todas «dimensão comunitária».

128.
    Em segundo lugar, no que respeita à dimensão geográfica dos mercados dos direitos audiovisuais, tal como está definida na decisão B Sky B/Kirch Pay TV da Comissão, de 21 de Março de 2002 (referida no n.° 86 supra), impõe-se concluir que não existe qualquer contradição entre a definição do mercado geográfico consagrada nesta última decisão e a que foi consagrada na decisão impugnada.

129.
    Efectivamente, na decisão B Sky B/Kirch Pay TV, a Comissão expõe o seguinte (considerando 45): «No que respeita ao mercado geográfico da aquisição dos direitos de difusão, embora esta aquisição possa ser feita à escala mundial e certos operadores a façam para mais de um território, em simultâneo, deve igualmente referir-se que a referida aquisição é feita essencialmente numa base nacional ou, quando muito, linguística. Assim, a Comissão constatou que os direitos de difusão relativos a filmes são geralmente concedidos para uma versão linguística e para uma zona de difusão determinadas.» Por conseguinte, nesta última decisão, tal como na decisão impugnada, a Comissão apoiou-se no facto de a aquisição dos direitos de televisão ser geralmente feita numa base linguística e para um território determinado, nomeadamente, nacional.

130.
    Se é verdade que, no considerando 46 da decisão B Sky B/Kirch Pay TV, reconhece que, relativamente a certos eventos desportivos, como os Jogos Olímpicos, existe um interesse europeu por parte do consumidor, a Comissão não resolveu, naquela decisão, a questão de saber se se tratava de um mercado geográfico distinto. Ao invés, sublinhou que os direitos de televisão sobre esses eventos desportivos, embora fossem adquiridos em regime de exclusividade para o conjunto do território europeu, eram posteriormente revendidos país por país.

131.
    Por conseguinte, as considerações emitidas pela Comissão na decisão B Sky B/Kirch Pay TV não são de natureza a demonstrar que a Comissão cometeu um erro de apreciação ao considerar, na decisão impugnada, que, no tocante aos direitos de transmissão dos diferentes conteúdos, o mercado espanhol constitui um mercado distinto.

132.
    No que respeita, em terceiro lugar, à afirmação da recorrente no processo T-347/02 segundo a qual a cadeia Canal+, sociedade que participa no controlo conjunto da plataforma resultante da operação de concentração, tem interesses no mercado da televisão a nível europeu, pelo que a operação de concentração é susceptível de reforçar a sua posição nos mercados internacionais de conteúdos, importa sublinhar que nem o carácter internacional das actividades desta sociedade nem o seu poder nos mercados dos conteúdos são de natureza a infirmar a conclusão da Comissão, corroborada na audiência pela Sogecable, segundo a qual os direitos de transmissão são adquiridos numa base nacional ou linguística.

133.
    A conclusão da Comissão no que respeita à dimensão nacional dos mercados em causa também não é contrariada pela afirmação das recorrentes segundo a qual as operadoras de televisão estão, relativamente a certos eventos desportivos, em concorrência com cadeias que operam a nível europeu. Efectivamente, a presença, num determinado mercado, de operadoras cujas actividades são internacionais nem por isso significa que a dimensão geográfica do referido mercado ultrapassa o mercado nacional. Por outro lado, a Comissão referiu, no considerando 17 da decisão impugnada, que o facto de certas operadoras, como a cadeia desportiva Eurosport, emitirem à escala europeia não impede que a exploração televisiva tenha lugar essencialmente em mercados nacionais, devido sobretudo à existência de disposições nacionais divergentes, barreiras linguísticas, factores culturais e condições de concorrência diferentes consoante os Estados. As recorrentes não podem, portanto, sustentar que a Comissão não teve devidamente em conta a presença, nos mercados espanhóis de eventos desportivos, de uma cadeia que opera a nível europeu.

134.
    No que respeita, em quarto lugar, aos argumentos baseados na importância limitada das barreiras linguísticas e no facto de certos conteúdos serem oferecidos em várias línguas, importa observar que as recorrentes invocaram a possibilidade crescente dos consumidores de escolherem a versão linguística da sua preferência em DVD e em músicas, filmes ou programas desportivos distribuídos pela internet. Contudo, impõe-se concluir que as recorrentes não carrearam o menor elemento de prova susceptível de refutar as conclusões da Comissão segundo as quais a língua constitui um factor pertinente na apreciação do alcance geográfico dos mercados da televisão de acesso pago, da transmissão dos direitos audiovisuais e das telecomunicações. Além disso, a operação de concentração em causa não diz respeito nem aos mercados dos filmes em suporte DVD nem aos mercados de transmissão de obras musicais. Quanto à distribuição pela internet de filmes e programas desportivos, foram as próprias recorrentes no processo T-346/02 a afirmar, na audiência, que se tratava de mercados emergentes.

135.
    De igual modo, no que respeita à possibilidade, evocada pelas recorrentes, de certos conteúdos serem acessíveis através da internet ou do sistema de telefonia móvel da terceira geração (UMTS), a partir de outros países que não Espanha, importa referir que as recorrentes não demonstram em que medida essa possibilidade é susceptível de contrariar a definição, que consta da decisão impugnada, dos mercados de aquisição de conteúdos e da televisão de acesso pago. Com efeito, o facto de ser possível aceder, a partir do exterior, aos produtos e serviços oferecidos no mercado espanhol nem por isso retira a este mercado o seu carácter distinto, tal como a Comissão o identificou na decisão impugnada.

136.
    Em quinto lugar, as recorrentes no processo T-347/02 sustentam que, no quadro do dossier relativo à operação de concentração notificada, a Comissão devia ter analisado também os «output deals» celebrados entre as sociedades que operam no mercado da televisão de acesso pago e os grandes estúdios americanos.

137.
    A este respeito, importa observar que resulta dos considerandos 27 a 29 da decisão impugnada que a Comissão teve de facto em conta os referidos contratos aquando da apreciação da concorrência no mercado espanhol da aquisição de direitos sobre os filmes com maiores níveis de audiência em sala, transmitidos em primeira e segunda difusões.

138.
    Ora, as recorrentes não explicam em que medida um exame mais aprofundado dos referidos «output deals» podia ter posto em causa a definição geográfica dos mercados pertinentes. A existência de contratos semelhantes noutros Estados-Membros não conduz automaticamente à conclusão de que existe um mercado europeu, uma vez que esta conclusão depende de uma análise de todas as condições de concorrência existentes nos territórios em causa. Ainda acerca deste ponto, a argumentação das recorrentes não demonstra, portanto, que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação, na decisão impugnada, ao concluir que os mercados dos direitos audiovisuais afectados pela concentração constituem mercados distintos de dimensão espanhola.

139.
    Em sexto lugar, as recorrentes no processo T-346/02 alegam que os mercados das telecomunicações ultrapassam as fronteiras nacionais, que as redes da internet não são nacionais e que grande número de serviços, como a transmissão de sinais via satélite, atravessam fronteiras.

140.
    Quanto aos mercados das telecomunicações, incluindo o mercado de acesso à internet, impõe-se concluir que as recorrentes não apresentam qualquer argumento que ponha em causa as conclusões expostas nos considerandos 80 e 82 da decisão impugnada (v. n.° 123 supra), relativas à delimitação geográfica dos mercados das telecomunicações.

141.
    Quanto à transmissão de sinais via satélite, importa referir que este mercado, tal como os mercados dos serviços técnicos e da produção de filmes, mencionados na audiência pelas recorrentes no processo T-346/02, não figuram entre os mercados identificados pela Comissão como mercados onde a operação de concentração ameaça criar ou reforçar uma posição dominante.

142.
    A este respeito, as recorrentes precisaram, na audiência, que a Comissão não tinha o direito de remeter a operação de concentração em causa às autoridades nacionais sem examinar, enquanto mercados afectados pela concentração, todos os mercados mencionados pelas partes na concentração, na notificação da operação, e pelas autoridades espanholas, no pedido de remessa.

143.
    Quanto à admissibilidade desta argumentação, deve observar-se que as recorrentes sustentam essencialmente não estar excluído que outros mercados, identificados quer pelas partes na concentração quer pelas autoridades espanholas, tenham uma dimensão que ultrapassa o quadro nacional de Espanha. Ora, esta argumentação deve ser considerada o desenvolvimento do primeiro fundamento deduzido pelas recorrentes na petição, segundo o qual a Comissão não estava habilitada para remeter às autoridades nacionais uma operação de concentração, quando os mercados em causa afectam o comércio intracomunitário e mais de um Estado-Membro. Uma vez que esta argumentação apresenta um nexo estreito com o primeiro fundamento invocado na petição, deve ser considerada admissível.

144.
    Impõe-se concluir, porém, que as recorrentes não podem invocar o facto de a Comissão não ter examinado certos mercados identificados na notificação ou no pedido de remessa.

145.
    Em primeiro lugar, importa sublinhar que, no exame de uma operação de concentração que lhe foi notificada, a Comissão identifica os mercados afectados por essa concentração com base na sua própria análise e não pode estar vinculada à apreciação que as partes na operação de concentração ou o Estado que solicita a remessa fazem dos referidos mercados. Por conseguinte, a Comissão não pode, de modo algum, ser acusada de não ter seguido as conclusões das partes na concentração relativamente à identificação dos mercados afectados e da sua dimensão geográfica.

146.
    Quanto à delimitação geográfica que as partes na concentração atribuíram aos mercados identificados na notificação, deve referir-se, além disso, que, enquanto o artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89, lido em conjugação com o n.° 2, alínea a), do mesmo artigo, exige à Comissão que examine os mercados onde a operação de concentração ameaça criar ou reforçar uma posição dominante, tendo como consequência a criação de entraves significativos a uma concorrência efectiva num mercado no interior desse Estado-Membro que apresente todas as características de um mercado distinto, resulta, por outro lado, das disposições tomadas pela Comissão a respeito da notificação de uma operação de concentração abrangida pelo referido regulamento, nomeadamente da secção 6 do formulário CO relativo à notificação de uma concentração nos termos do Regulamento n.° 4064/89 e anexo ao Regulamento n.° 447/98, que as partes numa operação de concentração devem indicar na sua notificação não apenas os «mercados afectados» por essa operação, incluindo todos os mercados de produtos onde existe uma certa sobreposição das actividades das partes, quer no mesmo mercado de produtos, quer em mercados a montante ou a juzante de um mercado de produtos onde qualquer outra parte exerça uma actividade, mas também os «mercados relacionados com os mercados afectados» onde uma ou mais partes exerçam actividades e não sejam mercados afectados, bem como, na inexistência de mercados afectados, os «mercados não afectados» onde a operação notificada tem impacto.

147.
    Como sublinham os intervenientes, o simples facto de certos mercados terem sido identificados, na notificação, pelas partes na concentração nem por isso significa que se trata de mercados afectados pela operação de concentração. Assim, a Sogecable referiu na audiência, sem ter sido contestada pelas recorrentes, que as partes na concentração não operam nem no mercado de serviços por satélite nem no mercado dos serviços portadores de sinais, ao passo que a Telefónica, que opera no segundo mercado e detém uma participação minoritária numa sociedade que opera no primeiro mercado, não é parte na operação de concentração.

148.
    Quanto à delimitação geográfica atribuída pelas autoridades nacionais aos mercados identificados no seu pedido de remessa, deve referir-se que, antes de remeter o processo às autoridades nacionais, compete à Comissão verificar se as condições do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89, nomeadamente a condição ligada à existência de mercados distintos, estavam preenchidas. Ora, o Tribunal deve apenas examinar a legalidade da decisão de remessa. Consequentemente, não é pertinente saber, no âmbito do exame da legalidade da decisão impugnada, se, no seu pedido de remessa, as autoridades espanholas qualificaram certos mercados de mercados que ultrapassam o quadro nacional de Espanha.

149.
    Em qualquer dos casos, não pode deixar-se de constatar que as recorrentes, que ao longo de todo o processo no Tribunal, dispuseram de uma versão não confidencial do pedido de remessa revisto em 23 de Julho 2002, não invocaram concretamente este documento de forma a pôr em causa as apreciações da Comissão relativas aos mercados afectados pela concentração.

150.
    Importa ainda observar que a Comissão afirma, no considerando 14 da decisão impugnada, que, na sequência da sua análise do mercado, pôde concluir o seguinte: «No que toca a certos mercados identificados pelas autoridades nacionais como mercados relativamente aos quais era necessário examinar em que medida a concentração podia criar entraves a uma concorrência efectiva mediante a criação ou o reforço de uma posição dominante, tal ameaça podia ser afastada. Seguidamente, são mencionados os mercados onde a concentração ameaça criar ou reforçar uma posição dominante.» Resulta desta passagem da decisão impugnada que, embora a Comissão não tenha examinado certos mercados identificados no pedido de remessa das autoridades nacionais, tal é explicado pelo facto de que entendia que, nesses mercados, a concentração em causa não ameaçava criar ou reforçar uma posição dominante.

151.
    Ora, deve referir-se que as recorrentes não apresentaram qualquer argumento susceptível de infirmar a conclusão da Comissão segundo a qual não existia ameaça de criação ou de reforço de uma posição dominante noutros mercados que não os examinados na decisão impugnada. As recorrentes limitam-se unicamente a sublinhar o carácter internacional de outros mercados não examinados na decisão impugnada.

152.
    Daqui decorre que as recorrentes não demonstraram que a Comissão devia ter examinado outros mercados identificados, na notificação, pelas partes na concentração ou, no pedido de remessa, pelas autoridades espanholas.

153.
    Assim, as recorrentes não demonstraram que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao concluir que os mercados afectados pela concentração constituem mercados distintos de dimensão espanhola.

154.
    Importa referir, por último, que, ao longo de toda a sua argumentação formulada no quadro do primeiro fundamento, as recorrentes se limitam a criticar a definição geográfica dos mercados pertinentes, sem precisar a dimensão geográfica que, segundo elas, a Comissão deveria ter estabelecido na decisão impugnada.

155.
    De igual modo, a Comissão pôde acertadamente considerar que os mercados de produtos pertinentes constituíam mercados distintos de dimensão espanhola.

156.
    Resulta de tudo o que precede que a Comissão concluiu correctamente que a segunda condição do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89, para poder proceder a uma remessa às autoridades espanholas, estava preenchida.

157.
    O primeiro fundamento deve, por conseguinte, ser julgado improcedente.

Quanto ao segundo fundamento, baseado numa violação do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89 e do princípio da boa administração, na medida em que, quando os mercados afectados por uma concentração constituem uma parte substancial do mercado comum, só excepcionalmente é que a Comissão tem o direito de remeter a operação de concentração às autoridades nacionais

Argumentação das partes

158.
    As recorrentes nos dois processos alegam que, mesmo pressupondo que a operação notificada afecta apenas mercados nacionais, quando os mercados afectados por uma concentração constituem uma parte substancial do mercado comum, só excepcionalmente é que a Comissão tem o direito de remeter a operação de concentração às autoridades nacionais. Efectivamente, na hipótese em que os mercados distintos afectados pela operação de concentração constituem uma parte substancial do mercado comum, a aplicação do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89 fica circunscrita aos casos em que os interesses, em termos de concorrência, do Estado-Membro em causa não podem ser protegidos eficazmente de outra forma.

159.
    A este respeito, as recorrentes no processo T-346/02 referem as notas explicativas relativas ao Regulamento n.° 4064/89 (Boletim das Comunidades Europeias - Suplemento n.° 2/90), bem como a prática decisória da Comissão. Sublinham que, no passado, a Comissão tratou 180 dossiers de concentração no domínio das telecomunicações e das actividades de rádio e televisão. Citam, em especial, os processos MSG Media Service (processo IV/M.469), B Sky B/Kirch Pay TV (já referido no n.° 86 supra), Bertelsmann/Kirch/Premiere (processo IV/M.993) e Newscorp/Telepiù (processo COMP/M.2876), que não foram remetidos às autoridades nacionais.

160.
    As recorrentes no processo T-347/02 referem o considerando 27 do Regulamento n.° 4064/89, as notas explicativas relativas a este regulamento, os considerandos 10 e 11 do Regulamento n.° 1310/97, bem como a prática decisória da Comissão que consiste em proceder a essa remessa, no que respeita às concentrações que afectam todo o território nacional de um Estado-Membro, apenas em casos excepcionais [decisões da Comissão de 12 de Dezembro 1992 (processo IV/M.180 - Steetley/Tarmac IP/92/104), de 29 de Outubro de 1993 (processo IV/M.330 - McCormick/CPC/ Rabobank/Ostmann), de 22 de Março de 1996 (processo IV/M.716 - GEHE/Lloyds Chemist IP/96/254), de 24 de Abril de 1997 (processo IV/M.894 - Rheinmetall/British Aerospace/STN Atlas), de 10 de Novembro de 1997 (processos IV/M.1001 - Preussag/Hapag-Lloyd e IV/M.1019 - Preussag/TUI), de 19 de Junho de 1998 (processo IV/M.1153 - Krauss-Maffei/Wegmann) e de 22 de Agosto de 2000 (processo IV/M.2044 - Interbrew/Bass)]. Sublinham que, no que toca ao mercado da televisão de acesso pago, a Comissão indeferiu, no passado, os pedidos de remessa formulados pelas autoridades nacionais da concorrência. Referem, a este respeito, em especial, a decisão da Comissão de 27 de Maio de 1998 (processo IV/M.993) Bertelsmann/Kirch/Premiere.

161.
    As mesmas recorrentes alegam que, uma vez que, no caso vertente, a operação de concentração respeita todo o mercado nacional e que o território de um Estado-Membro, considerado na sua globalidade, constitui uma parte substancial do mercado comum, a Comissão violou o espírito do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89 e sua prática decisória ao adoptar a decisão impugnada. Ora, a Comissão proibiu sistematicamente tais concentrações de dimensão comunitária quando tinham por efeito excluir a concorrência do mercado, situação esta que pode verificar-se no caso vertente. A este respeito, as recorrentes referem os processos MSG Media Service (IV/M.469, JO 1994, L 364, p. 1), Nordic Satellite Distribution (processo IV/M.490, JO 1996, L 53, p. 20), RTL/Verónica/Endemol (processo IV/M.553, JO 1996, L 134, p. 32), e Telefónica/Sogecable/Cablevisión (processo IV/M.709). Neste último processo, não foi adoptada qualquer decisão de proibição. As partes na operação resolveram renunciar à mesma após ter conhecimento da intenção da Comissão de adoptar uma decisão de proibição.

162.
    À semelhança dos processos mencionados no número anterior, o exame, pela Comissão, da presente operação de concentração foi necessária a fim de garantir que o mercado da televisão de acesso pago, em Espanha, continua aberto à concorrência. A Comissão pôde desta forma garantir que concentrações semelhantes recebem igual tratamento em todos os Estados-Membros. Além disso, as recorrentes recordam que a Comissão pretende liberalizar o sector das comunicações. A Comissão está na melhor posição para garantir que as operações de concentração não colocam em perigo a realização dos objectivos definidos pela política comunitária das telecomunicações, numa parte substancial do mercado comum, como Espanha.

163.
    As recorrentes referem ainda a fusão das plataformas numéricas de televisão de acesso pago, em Itália, notificada à Comissão em 16 de Outubro de 2002 (processo COMP/M.2876 - Newscorp/Telepiù), mas que já havia sido submetida à Comissão, aquando da adopção da decisão impugnada, na fase da «pré-notificação», como resulta da cronologia da numeração dos processos de concentração notificados à Comissão. Trata-se de uma nova tentativa de fusão das plataformas Telepiù e Stream, consecutiva a um primeiro projecto de fusão tratado pelas autoridades da concorrência italianas [provvedimento de l'Autorità Garante de la Concorrenza e del Mercato de 13 de Maio de 2002 (C5109 - Grupo Canal+/Stream)]. Apesar da autorização condicional destas autoridades italianas, as partes acabaram por renunciar à operação. Não obstante a sua experiência neste domínio, as referidas autoridades não formularam, após a notificação da operação Newscorp/Telepiù à Comissão, qualquer pedido de remessa. Nestas circunstâncias, a Comissão deveria ter examinado igualmente a presente operação de concentração e aproveitar, deste modo, a existência concomitante de dois processos semelhantes para definir a sua política na matéria.

164.
    Na audiência, após ter tomado conhecimento da versão pública da decisão da Comissão de 2 de Abril de 2003, que aprovou a concentração Newscorp/Telepiù, as recorrentes sublinharam as diferenças existentes entre as condições de acesso das cabo-operadoras aos direitos de exclusividade, decorrentes da decisão das autoridades espanholas que aprovou a concentração que lhes foi remetida pela decisão impugnada, por um lado, e as condições de acesso mais vantajosas impostas pela Comissão para o mercado italiano, na decisão Newscorp/Telepiù, por outro.

165.
    As recorrentes acrescentam que o único problema colocado pela presente operação de concentração, e que as autoridades espanholas invocaram como fundamento do seu pedido de remessa, residia no facto de que um acordo dado pela Comissão à referida operação teria implicado uma obrigação de modificação legislativa em Espanha. Essa razão é, porém, insuficiente para justificar a remessa do processo.

166.
    Seguidamente, as recorrentes nos dois processos recordam que a Sogecable e a Telefónica controlam, através da empresa AVS, os direitos de transmissão dos jogos de futebol das primeira e segunda divisões da Liga Espanhola de Futebol, bem como os direitos de transmissão de outras competições, como a Liga dos Campeões da UEFA ou o Campeonato do Mundo da FIFA, e outros eventos desportivos. Para aceder aos direitos de transmissão destes encontros de futebol, as cabo-operadoras tiveram de celebrar com a Canalsatélite Digital e a AVS, respectivamente, nua-proprietária e usufrutuária, contratos para a obtenção destes direitos. Em 30 de Setembro de 1999, foi notificada à Comissão uma nova versão destes contratos (os contratos «AVS II»), com vista a obter uma isenção ao abrigo do artigo 81.°, n.° 3, CE. Uma vez que investigava um processo estreitamente ligado à operação de concentração e respeitante às mesmas partes, as recorrentes entendem que a Comissão estava em melhor posição do que as autoridades espanholas para apreciar a compatibilidade da operação de concentração em causa com o mercado comum.

167.
    Na audiência, as recorrentes no processo T-346/02 referiram igualmente o exame, por parte da Comissão, dos «output deals», que estava a decorrer.

168.
    As recorrentes no processo T-347/02 sustentam que, nestas circunstâncias, ao adoptar a decisão impugnada, a Comissão violou também o princípio da boa administração. Invocam uma série de outros elementos destinados a demonstrar que a Comissão estava na melhor posição para examinar a concentração. A operação coloca importantes questões de interesse comunitário, como as relações entre os órgãos da comunicação social e a indústria das telecomunicações e a sua consolidação em curso. A Comissão havia mantido contactos anteriores com as partes e os terceiros afectados pela operação, o que lhe permitiu avançar na investigação relativa à operação. Recebera queixas das outras operadoras presentes no mercado espanhol em causa e estava perfeitamente a par dos problemas do sector. Além disso, já tivera conhecimento da operação de concentração relativa às plataformas de televisão italianas Telepiù e Stream.

169.
    Inversamente, as autoridades espanholas possuíam uma experiência limitada na análise de operações nos mercados da televisão de acesso pago e das telecomunicações. Além disso, a regulamentação espanhola [artigos 14.° a 18.° da Ley 16/89 de defensa de la competencia (lei relativa à defesa da concorrência)] permite às autoridades espanholas aprovar concentrações com base em critérios estranhos ao artigo 2.° do regulamento, em especial, critérios ligados à política industrial e social. A aplicação do direito nacional apresentava, assim, um risco para a uniformidade da política implementada, até à data, pela Comissão, nos mercados em causa.

170.
    Nos dois processos, as recorrentes afirmaram, na audiência, que o facto de a Comissão ter considerado necessário indicar, na decisão impugnada, que as condições para a aplicação da teoria denominada da «empresa insolvente» não estavam preenchidas confirma que a própria Comissão receia que a aplicação pelas autoridades espanholas da sua legislação nacional possa pôr em causa a política de concorrência da Comissão.

171.
    A Comissão, apoiada pelos intervenientes, conclui pedindo que o fundamento seja julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal

172.
    Com este segundo fundamento, as recorrentes sustentam que a Comissão violou o artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89 bem como o princípio da boa administração, no exercício do poder de apreciação de que a mesma dispõe quando estão preenchidas as duas condições do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89.

173.
    Cabe recordar, a este respeito, que resulta do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89 que, se os mercados distintos afectados pela operação de concentração constituírem uma parte substancial do mercado comum, a Comissão não é obrigada a remeter o exame da concentração às autoridades competentes do Estado-Membro em causa. Efectivamente, a Comissão dispõe da faculdade de optar entre tratar ela própria do caso ou remeter o exame da concentração às autoridades nacionais.

174.
    É verdade que decorre dos termos do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89 que a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação quanto ao exercício desta faculdade. Contudo, tal poder de apreciação não é ilimitado. De facto, importa referir que o artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, alínea a), precisa que a Comissão pode decidir ocupar-se ela própria do caso «tendo em vista preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva no mercado em causa». Por outro lado, o artigo 9.°, n.° 8, prevê que o Estado-Membro em causa «só pode tomar as medidas estritamente necessárias para preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva no mercado em causa».

175.
    Resulta destas disposições que, embora o artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89 lhe confira um amplo poder de apreciação quanto à decisão de remeter ou não uma concentração, a Comissão não pode decidir efectuar a remessa se, no momento do exame do pedido de remessa comunicado pelo Estado-Membro interessado, se revelar, com base num conjunto de indícios precisos e concordantes, que a referida remessa não permite preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva nos mercados em causa (acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.os 342 e 343).

176.
    Por conseguinte, a fiscalização levada a cabo pelo juiz comunitário quanto à questão de saber se, ao decidir remeter ou não uma concentração, a Comissão efectuou uma justa aplicação do seu poder de apreciação é uma fiscalização restrita, que, à luz dos termos do artigo 9.°, n.os 3 e 8, do Regulamento n.° 4064/89, se deve limitar a verificar se a Comissão pôde, sem cometer um erro manifesto de apreciação, entender que a remessa às autoridades nacionais da concorrência permitia preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva nos mercados em causa, pelo que não era necessário ser ela própria a tratar do caso (acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.os 344).

177.
    Ora, no caso vertente, importa referir que o Estado-Membro em causa dispõe de uma legislação específica relativa ao controlo das concentrações bem como de órgãos especializados com vista a garantir a sua aplicação, sob a fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais.

178.
    Como alega a Comissão, há que reconhecer que as autoridades nacionais da concorrência estão, em princípio, pelo menos tão bem preparadas quanto a Comissão para examinar as concentrações com uma dimensão exclusivamente nacional, dado o seu conhecimento directo não só dos mercados em causa, das operadoras partes na concentração e dos terceiros como da regulamentação nacional aplicável.

179.
    Uma vez que, no seu pedido de remessa, as autoridades espanholas identificaram com precisão os problemas de concorrência suscitados pela concentração, nos mercados em causa, e que a Comissão se certificou de que as condições do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89 estavam preenchidas, esta última podia acertadamente considerar, na decisão impugnada, que «[a]s autoridades espanholas disp[unham] de meios suficientes e est[avam] numa situação que lhes permit[ia] proceder a uma investigação aprofundada da operação, atendendo, em especial, ao carácter nacional dos mercados onde a operação ameaça[va] criar ou reforçar uma posição dominante» (considerando 120).

180.
    Nestas circunstâncias, a Comissão pôde razoavelmente considerar que as autoridades da concorrência espanholas adoptariam, na sua decisão proferida após remessa, medidas que permitiriam preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva nos mercados em causa.

181.
    Quanto à afirmação das recorrentes segundo a qual as autoridades espanholas invocaram a necessidade de uma modificação da legislação nacional a fim de justificar a remessa, o que foi contestado pelo Reino de Espanha, na audiência, basta constatar que a decisão impugnada não invocou essa justificação.

182.
    No que respeita, seguidamente, ao carácter excepcional das remessas às autoridades nacionais de operações de concentração de dimensão comunitária, é verdade que, como alegam as recorrentes, o legislador comunitário pretendeu, aquando da adopção do Regulamento n.° 4064/89, que tais remessas tenham, em princípio, carácter excepcional, se os mercados de referência cobrirem uma parte substancial do mercado comum. A intenção do legislador resulta, nomeadamente, de uma declaração comum do Conselho e da Comissão a propósito do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89 (Boletim das Comunidades Europeias - Suplemento n.° 2/90):

«[Q]uando um mercado distinto constitui uma parte substancial do mercado comum, o processo de remissão previsto no artigo 9.° deve ser aplicado apenas em casos excepcionais. Dever-se-á, com efeito, partir do princípio de que uma concentração que cria ou reforça uma posição dominante numa parte substancial do mercado comum deverá ser declarada incompatível com o mercado comum. O Conselho e a Comissão consideram que tal aplicação do artigo 9.° deverá ser circunscrita aos casos em que os interesses de concorrência do Estado-Membro interessado não possam ser satisfatoriamente protegidos de outro modo.»

183.
    Como o Tribunal referiu nos n.os 351 a 353 do acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, já referido no n.° 53 supra, esta declaração continua a ser pertinente desde que o Regulamento n.° 1310/97 modificou o Regulamento n.° 4064/89. Com efeito, as modificações introduzidas pelo Regulamento n.° 1310/97 não respeitam, no essencial, às condições de remessa previstas no artigo 9.°, n.° 2, alínea a), as quais se mantiveram, na sua substância, inalteradas desde a adopção do Regulamento n.° 4064/89, mas, sim, às condições de remessa previstas pelo artigo 9.°, n.° 2, alínea b), que não está em causa no caso vertente. Assim, no «Livro Verde» que precedeu a adopção do Regulamento n.° 1310/97 [«Livro Verde» da Comissão relativo à revisão do regulamento sobre as concentrações, COM(96) 19 final, de 31 de Janeiro de 1996], a Comissão recordou o objectivo prosseguido pelo processo de remessa, nos seguintes termos (ponto 94):

«[A Comissão] considera que, mais particularmente na hipótese de os limiares não serem reduzidos, qualquer modificação do artigo 9.° deveria ser limitada de forma a não comprometer o frágil equilíbrio estabelecido pelas actuais disposições em matéria de remessa e anular as vantagens do princípio do balcão único. Uma utilização excessiva do artigo 9.° criaria o risco de reduzir a segurança jurídica oferecida às empresas e não poderia ser concebida sem uma harmonização das principais características dos sistemas nacionais de controlo das concentrações.»

184.
    De igual modo, no considerando 10 do Regulamento n.° 1310/97, o Conselho indica que «[as regras que regulam a remessa] protegem de forma adequada os interesses dos Estados-Membros quanto à concorrência e tomam em devida consideração a necessidade de segurança jurídica e o princípio do ‘balcão único’».

185.
    Entretanto, resulta das declarações precedentes que o carácter excepcional da remessa está em grande parte ligado ao princípio do «balcão único», no qual se baseia o Regulamento n.° 4064/89 (v., neste sentido, acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 350) e que garante que os operadores económicos possam legitimamente esperar que uma operação de concentração de dimensão comunitária seja, em princípio, examinada por uma única autoridade da concorrência.

186.
    Ora, deve referir-se que este princípio não é afectado numa situação como a do caso vertente, em que todos os mercados em causa têm dimensão nacional e em que, na sequência da remessa do processo às autoridades de um Estado-Membro, apenas estas últimas são chamadas a examinar a concentração na perspectiva do direito nacional da concorrência.

187.
    As recorrentes alegam ainda que, ao remeter a operação de concentração às autoridades espanholas, a Comissão violou a sua prática decisória. Com efeito, a Comissão recusa normalmente os pedidos de remessa formulados pelas autoridades nacionais, nomeadamente no sector da televisão de acesso pago. As recorrentes referem a este respeito a decisão de 27 de Maio de 1998 (processo IV/M.993 - Bertelsmann/Kirch/Premiere) e outras decisões já referidas no n.° 161 supra.

188.
    Impõe-se referir, porém, que a circunstância de, na decisão impugnada, a Comissão não ter seguido a sua prática anterior na matéria é irrelevante, uma vez que a abordagem seguida na decisão impugnada respeita o quadro legal definido pelo artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89, em particular os seus n.os 2, alíneas a) e b); e 3, primeiro parágrafo (acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 357).

189.
    Além disso, as recorrentes não conseguem demonstrar em que medida, ao adoptar a decisão impugnada, a Comissão agiu em contradição com as decisões invocadas pelas recorrentes, as quais respeitam tanto a casos em que a Comissão recusou remeter o processo às autoridades nacionais como a casos em que procedeu a uma remessa parcial ou integral a estas autoridades. Efectivamente, o simples facto de, no passado, a Comissão ter recusado remeter um ou outro processo às autoridades nacionais não pode impedi-la de proceder a essa remessa relativamente a um processo que lhe tenha sido notificado posteriormente, noutras situações de mercado ou de concorrência.

190.
    Seguidamente, as recorrentes invocam toda uma série de elementos que demonstram, em sua opinião, que a Comissão estava obrigada a examinar ela própria a operação de concentração cuja remessa as autoridades espanholas haviam solicitado. Referem, a este respeito, a prática decisória da Comissão no sector audiovisual e o perigo de ameaça contra a uniformidade da política da Comissão em matéria de concentrações que constitui uma decisão nacional divergente, bem como certos elementos próprios do caso vertente, como o exame concomitante, pela Comissão, do processo Newscorp/Telepiù, dos contratos AVS II e dos «output deals», e os contactos da Comissão com várias operadoras no mercado em causa.

191.
    A este respeito, importa observar, em primeiro lugar, que o facto de, num determinado sector, a Comissão ter decidido examinar ela própria a operação e, no passado, ter proibido certas operações de concentração não pode, de modo algum, prejudicar a remessa e/ou o exame de uma operação de concentração posterior, uma vez que a Comissão é obrigada a proceder a uma análise individualizada de cada operação notificada, em função das circunstâncias próprias de cada processo, sem estar vinculada por decisões anteriores respeitantes a outros operadores económicos, outros mercados de produtos e de serviços e outros mercados geográficos, em momentos diferentes. Pela mesma ordem de razões, as decisões anteriores da Comissão respeitantes a operações de concentração num sector preciso não podem prejudicar a decisão da Comissão acerca de um pedido de remessa, às autoridades nacionais, de uma operação de concentração prevista para o mesmo sector.

192.
    Quanto ao facto de, através da decisão impugnada, a Comissão ter remetido o exame de uma concentração às autoridades espanholas, ao passo que decidiu ser ela própria a tratar da concentração que teve lugar no mesmo sector, no mercado italiano, o que conduziu à adopção da decisão Newscorp/Telepiù de 2 de Abril de 2003, basta referir que, no caso vertente, as autoridades espanholas solicitaram, nos termos do artigo 9.°, n.° 2, do regulamento, a remessa do exame da concentração enquanto, no processo Newscorp/Telepiù, as autoridades italianas não efectuaram esse pedido.

193.
    No que toca à alegada contradição existente entre os compromissos aceites pela Comissão na decisão Newscorp/Telepiù, por um lado, e as condições impostas, após remessa, pelas autoridades espanholas, na sua decisão de aprovação da concentração em causa no caso vertente, por outro, cabe observar que a questão de saber se a decisão de aprovação tomada a nível nacional é compatível com o direito comunitário, inclusive as decisões anteriores da Comissão, ultrapassa o âmbito do presente recurso, que visa contestar a legalidade da decisão de remessa da Comissão. Na medida em que as recorrentes invocam esta alegada contradição para demonstrar a ilegalidade da decisão impugnada, basta referir que tanto a decisão Newscorp/Telepiù como a decisão das autoridades espanholas são posteriores à decisão impugnada e não puderam, por conseguinte, afectar a sua validade (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 1983, IAZ e o./Comissão, 96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, Recueil, p. 3369, n.os 15 e 16; acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 346).

194.
    Na medida em que as recorrentes sustentam que a Comissão deixava de ter o direito de remeter o processo às autoridades espanholas a partir do momento em que sabia que uma concentração lhe ia ser notificada no mesmo sector, relativamente a Itália, impõe-se referir que, no momento da adopção da decisão impugnada, em 14 de Agosto de 2002, a Comissão ainda não havia recebido qualquer notificação, na acepção do Regulamento n.° 4064/89, relativa ao processo italiano em causa, notificação esta que apenas veio a ser efectuada em 16 de Outubro de 2002.

195.
    Embora seja verdade que, como admitiu na audiência, a Comissão já tinha conhecimento do projecto de concentração relativo às plataformas de televisão de acesso pago italianas, aquando da adopção da decisão impugnada, deve, porém, observar-se que, neste momento, a Comissão não podia prever se, no processo Newscorp/Telepiù, lhe ia ser submetido um pedido de remessa por parte das autoridades italianas. Em qualquer dos casos, a mera possibilidade de, num futuro próximo, outro acordo de concentração poder vir a ser concluído num sector, mesmo semelhante, mas noutro mercado geográfico, e de esse acordo poder ser notificado à Comissão não afecta o poder de apreciação desta última, quando chamada a pronunciar-se, no quadro de uma operação notificada, sobre um pedido de remessa formulado por autoridades nacionais, nos termos do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89.

196.
    As recorrentes também não podem sustentar que a decisão impugnada está ferida de ilegalidade na medida em que, ao remeter o processo às autoridades espanholas, a Comissão violou a uniformidade da sua política de concorrência nos mercados em causa, nomeadamente pelo facto de a legislação espanhola permitir aprovar uma concentração com base em critérios estranhos aos do Regulamento n.° 4064/89.

197.
    Efectivamente, o risco de as autoridades espanholas tomarem, após remessa, uma decisão relativa a uma concentração, num determinado sector, que não será totalmente consentânea com as soluções que a própria Comissão adoptou na sua prática decisória é inerente ao mecanismo de remessa instituído pelo artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89. Como resulta dos artigos 9.°, n.° 3, 21.°, n.° 2, e 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, as operações de concentração de dimensão comunitária remetidas às autoridades nacionais são apreciadas num quadro jurídico diferente do regime jurídico aplicável às outras operações abrangidas pelo referido regulamento, uma vez que a Comissão é obrigada a examinar as concentrações apenas com base no Regulamento n.° 4064/89, ao passo que as concentrações remetidas às autoridades nacionais são examinadas na perspectiva do direito nacional da concorrência.

198.
    Além disso, na hipótese de se verificar um incumprimento, por parte das autoridades nacionais, das obrigações que lhes incumbem por força do artigo 10.° CE e do artigo 9.°, n.os 6 e 8, do Regulamento n.° 4064/89 (v. n.° 52 supra), a Comissão pode, sendo caso disso, decidir instaurar a acção prevista no artigo 226.° CE contra o Estado-Membro em causa. Quanto aos particulares, dispõem da possibilidade de contestar a decisão proferida, após remessa, pelas autoridades nacionais, nos termos das vias de recurso internas previstas pelo direito nacional (acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 383).

199.
    Seguidamente, o exame do dossier AVS pela Comissão não demonstra que esta cometeu um erro manifesto de apreciação, ao decidir remeter às autoridades espanholas o exame da operação de concentração relativa à integração da Vía Digital na Sogecable. Com efeito, está assente entre as partes que o exame do dossier AVS diz respeito à aplicabilidade do artigo 81.° CE aos contratos AVS II, nomeadamente ao exercício dos direitos de transmissão de que dispõe a sociedade AVS. Mesmo sendo verdade que, após a operação de concentração, a AVS será controlada pela Sogecable, quando anteriormente era controlada conjuntamente pela Telefónica/Admira e a Sogecable, tal não exclui que esta modificação estrutural seja examinada por uma autoridade diferente da que examina a legalidade, à luz do artigo 81.° CE, da exploração dos direitos de transmissão pela sociedade AVS. Por outro lado, o facto de, no que respeita ao tratamento de uma operação de concentração, o artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89 prever a possibilidade de uma remessa parcial implica, a fortiori, que diferentes autoridades devam poder tratar um dossier relativo à aplicação do artigo 81.° CE e um dossier relativo à aplicação do Regulamento n.° 4064/89, mesmo que esses dossiers respeitem em parte às mesmas empresas.

200.
    Idênticas razões levam a que o facto de certos «output deals» serem objecto de uma investigação pela Comissão não impedia esta última de remeter às autoridades espanholas um processo de concentração que afecta, entre outros, os mercados dos direitos de transmissão de filmes.

201.
    Por último, o simples facto de a Comissão ter mantido contactos com determinadas operadoras activas nos mercados afectados pela operação de concentração e de terceiros terem apresentado queixa à Comissão não pode influir na competência desta para remeter um processo às autoridades nacionais.

202.
    Efectivamente, ainda que a Comissão possua conhecimentos especializados nos sectores em causa, após ter ela própria tratado de numerosos processos de concentração, bem como de outros processos em matéria de concorrência respeitantes aos mercados afectados pela operação de concentração, e mantido, para este efeito, contactos com as operadoras envolvidos, cabe observar que as suas decisões nesses dossiers podem sempre servir de orientação às autoridades nacionais, no exercício das suas próprias competências. A existência de tais conhecimentos por parte da Comissão não demonstra, de modo algum, que, ao remeter o processo às autoridades espanholas, cometeu um erro manifesto de apreciação ou violou o princípio da boa administração.

203.
    Resulta das considerações precedentes que a Comissão pôde razoavelmente considerar que a remessa do processo às autoridades da concorrência espanholas permitiria preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva nos mercados em causa, pelo que não era necessário ser ela própria a tratar do processo.

204.
    O segundo fundamento deve, por conseguinte, ser julgado improcedente.

Quanto ao quarto fundamento, baseado numa violação do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89, na medida em que a decisão impugnada contém uma remessa «em branco» às autoridade espanholas

205.
    As recorrentes no processo T-346/02 recordam que o dispositivo da decisão impugnada está redigido de uma forma que implica uma remessa «em branco» às autoridades espanholas, em violação do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89.

206.
    Segundo as recorrentes, a Comissão deveria ter enumerado, no artigo 1.° do dispositivo da decisão impugnada, os mercados afectados pela operação de concentração relativamente aos quais existe uma ameaça de que a concentração crie ou reforce uma posição dominante, tendo como consequência o entrave significativo da concorrência efectiva num mercado no interior de Espanha. Além disso, no entender das recorrentes, o artigo 1.° da decisão impugnada deveria ter igualmente ordenado às autoridades espanholas que tomassem as medidas necessárias para preservar a concorrência nesses mercados.

207.
    As recorrentes acrescentam que, no caso vertente, as autoridades espanholas agiram efectivamente como se dispusessem de uma delegação de competência «em branco». De facto, trataram o dossier como se se tratasse de uma concentração a examinar ab initio, ignorando a decisão impugnada bem como o acervo comunitário em matéria de concorrência.

208.
    A Comissão, apoiada pelos intervenientes, conclui pedindo que este fundamento seja julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal

209.
    Importa observar que a decisão impugnada prevê, no artigo 1.° do seu dispositivo, que, «[p]ela presente, a operação notificada destinada à integração da DTS Distribuidora de Televisión Digital, SA (Vía Digital) e da Sogecable, SA, é remetida às autoridades espanholas competentes, nos termos do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89 relativo às operações de concentração de empresas».

210.
    Daqui resulta que a Comissão se limitou a remeter às autoridades espanholas competentes a operação de concentração, tal como esta lhe foi notificada, sem indicar, no dispositivo da decisão impugnada, os mercados relativamente aos quais considerava que a operação de concentração ameaçava criar ou reforçar uma posição dominante, tendo como consequência a criação de entraves significativos a uma concorrência efectiva num mercado no interior de Espanha, o qual apresenta todas as características de um mercado distinto.

211.
    Contudo, deve recordar-se que o dispositivo de um acto é indissociável da sua fundamentação, pelo que deve ser interpretado, se necessário, tendo em conta os motivos que levaram à sua adopção (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1997, TWD/Comissão, C-355/95 P, Colect., p. I-2549, n.° 21; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Junho de 2000, EPAC/Comissão, T-204/97 e T-270/97, Colect., p. II-2267, n.° 39).

212.
    Ora, a decisão impugnada procede, nos motivos que precedem o dispositivo, à definição de cada um dos mercados dos produtos em causa (decisão impugnada, considerandos 15, 16, 21 a 25, 30 a 38, 56, 62 a 64 e 71 a 79), à identificação dos mercados geográficos de referência (decisão impugnada, considerandos 17, 26, 39 a 42, 57, 62 a 64 e 80 a 82) e à análise dos efeitos da operação sobre a concorrência nesses mercados (decisão impugnada, considerandos 18 a 20, 27 a 29, 43 a 55, 58 a 61, 65 a 68 e 83 a 109). A referida decisão conclui que, em cada um dos mercados de produtos identificados, a saber, o mercado da televisão de acesso pago e os mercados a montante (os mercados dos direitos de transmissão de filmes, dos direitos desportivos e dos direitos com outros conteúdos) bem como os mercados das telecomunicações, a operação ameaça criar ou reforçar uma posição dominante, tendo como consequência o entrave significativo da concorrência efectiva no mercado espanhol (decisão impugnada, considerandos 20, 29, 51, 55, 61, 68 e 109).

213.
    Face à jurisprudência citada no n.° 211 supra, a Comissão não estava, de modo algum, obrigada a repetir, no dispositivo, quais eram os mercados afectados pela operação de concentração relativamente aos quais existia uma ameaça de que a concentração criasse ou reforçasse uma posição dominante.

214.
    Por outro lado, deve sublinhar-se que, no presente processo, a remessa é uma remessa total. Não se trata, portanto, de uma remessa parcial que pudesse ter exigido que, no dispositivo, houvesse uma especificação dos mercados precisos cuja análise havia sido remetida às autoridades nacionais.

215.
    Quanto à alegada falta de instruções às autoridades espanholas no sentido de adoptarem as medidas necessárias para preservar a concorrência nos mercados em causa, deve referir-se que o artigo 1.° do dispositivo remete para o artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89, o qual dispõe, no seu n.° 8, que o Estado-Membro em causa só pode tomar as medidas estritamente necessárias para preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva no mercado em causa. Era supérfluo repetir textualmente, no dispositivo da decisão, uma obrigação que resulta directamente do quadro legislativo que o próprio dispositivo evoca.

216.
    No que respeita ao exame efectuado pelas autoridades espanholas após adopção da decisão impugnada, importa recordar que a legalidade de um acto deve ser apreciada no momento da sua adopção (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Outubro de 2002, França/Comissão, C-394/01, Colect., p. I-8245, n.° 34, e jurisprudência aí citada). O comportamento das autoridades espanholas não podem, por conseguinte, afectar a legalidade da decisão impugnada.

217.
    Por último, importa recordar que, no quadro do exame das condições de remessa previstas no artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89, a Comissão não pode, sob pena de privar da sua substância o artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, alínea b), do referido regulamento, proceder a um exame da compatibilidade da concentração que vincule as autoridades nacionais competentes quanto ao fundo desse exame, devendo limitar-se a verificar, mediante uma análise prima facie, se, com base nos elementos de que dispõe aquando da apreciação do mérito do pedido de remessa, a concentração objecto deste pedido ameaça criar ou reforçar uma posição dominante nos mercados em causa (acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 377). Desde que respeitem as obrigações decorrentes quer do artigo 9.°, n.os 6 e 8, do Regulamento n.° 4064/89 quer do artigo 10.° CE, as autoridades nacionais da concorrência são livres de decidir do fundo da concentração que lhes foi remetida, com base no seu próprio exame, efectuado em aplicação do direito nacional (acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.os 369 a 371). Portanto, não se pode considerar que as autoridades espanholas competentes estão vinculadas pelas apreciações provisórias da situação de concorrência nos mercados em causa, tal como foram realizadas, mediante uma análise prima facie, pela Comissão, na sua decisão de remessa e para efeitos exclusivos desta decisão.

218.
    Daqui decorre que o quarto fundamento deve também ser julgado improcedente.

Quanto ao terceiro fundamento, baseado numa violação do artigo 253.° CE

219.
    As recorrentes sustentam que a Comissão violou o artigo 253.° CE na medida em que não expôs as razões que a conduziram a deferir o pedido de remessa formulado pelas autoridades espanholas.

220.
    As recorrentes no processo T-346/02 afirmam que a Comissão deveria ter fundamentado, na decisão impugnada, não apenas as razões pelas quais aceitou, de forma excepcional, a remessa no caso vertente, mas também as razões que justificam ter rompido com uma prática decisória constante.

221.
    Segundo as mesmas recorrentes, a Comissão deveria ter igualmente respondido aos argumentos formulados pela ONO, durante o processo administrativo, relativos à dimensão europeia da operação de concentração e à impossibilidade da remessa do exame de uma operação dessa natureza às autoridades nacionais.

222.
    As recorrentes no processo T-347/02 alegam que a decisão impugnada é paradoxal. Efectivamente, a referida decisão descreve de forma detalhada os problemas de concorrência que a operação de concentração causaria nos mercados em causa, ao mesmo tempo que se limita a consagrar dois parágrafos à exposição dos motivos que conduziram a Comissão a deferir o pedido de remessa das autoridades espanholas.

223.
    Os motivos apresentados na decisão impugnada para justificar a remessa são os seguintes: a operação de concentração ameaça criar ou reforçar uma posição dominante em certos mercados de dimensão nacional; a Comissão dispõe de um poder discricionário para decidir de uma remessa e as autoridades nacionais espanholas estão numa situação que lhes permite proceder a uma investigação aprofundada da operação de concentração. Estes motivos não são suficientes, num caso excepcional como o caso vertente, em que a operação de concentração afecta uma parte substancial do mercado comum. A Comissão nem sequer analisou, na decisão impugnada, as consequências transfronteiriças que podiam resultar da operação de concentração. Por último, o facto de a Comissão dispor de um certo poder de apreciação não significa que está isenta do seu dever de fundamentar.

224.
    Apoiada pelos intervenientes, a Comissão alega que a decisão impugnada está suficientemente fundamentada uma vez que analisa de forma aprofundada se as condições, previstas no artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89, de remessa às autoridades nacionais se encontram reunidas.

Apreciação do Tribunal

225.
    Importa observar que o dever que incumbe às instituições comunitárias, por força do artigo 253.° CE, de fundamentarem as respectivas decisões tem em vista permitir ao órgão jurisdicional comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade e aos interessados conhecer as justificações da medida adoptada, a fim de poderem defender os seus direitos e verificar se a decisão é ou não bem fundada (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, BFM e EFIM/Comissão, T-126/96 e T-127/96, Colect., p. II-3437, n.° 57).

226.
    A este respeito, importa recordar que a decisão impugnada foi adoptada com fundamento no artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89. Já foi referido, no quadro do exame do primeiro fundamento, que, para que uma concentração possa ser objecto de uma remessa com base nesta disposição, as duas condições do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), devem estar preenchidas. Em primeiro lugar, a concentração deve ameaçar criar ou reforçar uma posição dominante, tendo como consequência o entrave significativo da concorrência efectiva num mercado interno do Estado-Membro em causa. Em segundo lugar, este mercado deve apresentar todas as características de um mercado distinto.

227.
    Deve, por conseguinte, considerar-se que, para respeitar o dever de fundamentar previsto pelo artigo 253.° CE, uma decisão de remessa adoptada com fundamento no artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89 deve conter uma indicação suficiente e pertinente dos elementos tidos em consideração para determinar a existência, por um lado, de uma ameaça de criação ou de reforço de uma posição dominante que tenha como consequência o entrave significativo da concorrência efectiva num mercado interno do Estado-Membro em causa e, por outro, de um mercado distinto (acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 395).

228.
    Quanto à primeira condição, importa referir que a decisão impugnada expõe claramente os motivos pelos quais a Comissão entende que a operação em causa ameaça criar uma posição dominante, tendo como consequência o entrave significativo da concorrência efectiva nos mercados de produtos pertinentes em Espanha. Estes motivos prendem-se, nomeadamente, com as quotas de mercado detidas pelas partes nos mercados em causa, em Espanha, com as consequências que a concentração da operadora dominante e da segunda operadora acarreta para o mercado da televisão de acesso pago, caracterizado por fortes barreiras à entrada, e com os direitos exclusivos detidos pelas partes na concentração (decisão impugnada, considerandos 18 a 20, 27 a 29, 43 a 55, 58 a 61, 65 a 68 e 83 a 109).

229.
    Quanto à segunda condição, importa referir igualmente que a decisão impugnada expõe claramente os motivos pelos quais a Comissão entende que os mercados em causa, em Espanha, são mercados nacionais distintos (decisão impugnada, considerandos 17, 26, 39 a 42, 57, 62 a 64 e 80 a 82).

230.
    Quanto ao poder de apreciação de que dispõe, quando os mercados distintos constituem uma parte substancial do mercado comum, a Comissão explica na decisão impugnada que «[a] operação ameaça criar ou reforçar uma posição dominante apenas em mercados de dimensão nacional, no interior do Reino de Espanha» e que «[a]s autoridades espanholas dispõem de meios suficientes e estão numa situação que lhes permite proceder a uma investigação aprofundada da operação, atendendo, em especial, ao carácter nacional dos mercados onde a operação ameaça criar ou reforçar uma posição dominante». Indica que, tendo verificado que as condições previstas pelo artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89 estão reunidas, considera, fazendo uso do poder discricionário que lhe é atribuído pelo Regulamento n.° 4064/89, que «é apropriado responder favoravelmente ao pedido das autoridades espanholas e remeter-lhes o caso, com vista à aplicação da legislação espanhola em matéria de concorrência» (considerandos 119 a 121 da decisão impugnada).

231.
    Esta explicação é suficiente uma vez que dela resulta que a Comissão considerava que as autoridades espanholas estavam em condições de preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva nos mercados em causa (v. n.os 176 e 177 supra).

232.
    Quanto aos argumentos invocados pela ONO durante o processo administrativo, deve recordar-se que, embora a Comissão seja obrigada a fundamentar as suas decisões, mencionando os elementos de facto e de direito de que depende a justificação legal da medida e as considerações que a levaram a tomar a sua decisão, não se exige que ela discuta todos os pontos de facto e de direito que tenham sido suscitados por cada um dos interessados no decurso do processo administrativo (acórdão Kaysersberg/Comissão, já referido no n.° 75 supra, n.° 150). Ora, ao qualificar os mercados dos produtos em causa de mercados distintos de dimensão nacional e ao expor os motivos em que assenta esta qualificação, a Comissão tomou posição acerca dos argumentos da ONO relativos à alegada dimensão europeia da operação de concentração.

233.
    Nestas condições, deve concluir-se que a decisão impugnada está suficientemente fundamentada.

234.
    Resulta do conjunto das considerações precedentes que deve ser negado provimento aos recursos, na sua íntegra.

Quanto às despesas

235.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se tiver sido requerido nesse sentido. Tendo as recorrentes sido vencidas, deve decidir-se que, além das suas próprias despesas, suportarão solidariamente as despesas da Comissão, da Sogecable, da Vía Digital e da Telefónica de Contenidos, referentes aos seus recursos, tal como foi requerido por estas últimas.

236.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, os Estados-Membros que intervenham no litígio devem suportar as respectivas despesas. Por conseguinte, o Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1.
    Os processos T-346/02 e T-347/02 são apensos para efeitos do acórdão.

2.
    É negado provimento aos recursos.

3.
    As recorrentes suportarão as suas próprias despesas bem como, solidariamente, as despesas da Comissão, da Sogecable, da Vía Digital e da Telefónica de Contenidos, referentes aos seus recursos.

4.
    O Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.

Lenaerts
Azizi
Jaeger

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de Setembro de 2003.

O secretário

O presidente

H. Jung

K. Lenaerts


1: Língua do processo: espanhol.