Language of document : ECLI:EU:T:2021:286

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

19 de maio de 2021 (*)

«Auxílios de Estado — Países Baixos — Garantia de Estado para os empréstimos e o empréstimo subordinado do Estado a favor da KLM no âmbito da pandemia de COVID‑19 — Quadro temporário relativo a medidas de auxílio estatal — Decisão de não levantar objeções — Decisão que declara o auxílio compatível com o mercado interno — Auxílio concedido anteriormente a outra sociedade do mesmo grupo de empresas — Dever de fundamentação — Manutenção dos efeitos da decisão»

No processo T‑643/20,

Ryanair DAC, com sede em Swords (Irlanda), representada por F.‑C. Laprévote, V. Blanc, E. Vahida, S. Rating e I.‑G. Metaxas‑Maranghidis, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por L. Flynn, S. Noë e C. Georgieva, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por

República Francesa, representada por E. de Moustier e P. Dodeller, na qualidade de agentes,

por

Reino dos Países Baixos, representado por J. Langer, na qualidade de agente, assistido por I. Rooms, advogada,

e por

Koninklijke Luchtvaart Maatschappij NV, com sede em Amstelveen (Países Baixos), representada por K. Schillemans, H. Vanderveen e P. Huizing, advogados,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da Decisão C(2020) 4871 final da Comissão, de 13 de julho de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA.57116 (2020/N) — Países Baixos — COVID‑19: Garantia de Estado e empréstimo de Estado a favor da KLM,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada),

composto por: A. Kornezov (relator), presidente, E. Buttigieg, K. Kowalik‑Bańczyk, G. Hesse e M. Stancu, juízes,

secretário: I. Pollalis, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 25 de fevereiro de 2021,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 26 de junho de 2020, o Reino dos Países Baixos notificou à Comissão Europeia, em conformidade com o artigo 108.o, n.o 3, TFUE, um auxílio de Estado a favor da Koninklijke Luchtvaart Maatschappij NV (a seguir «KLM»), que consistia, por um lado, numa garantia de Estado para um empréstimo que lhe seria concedido por um consórcio de bancos e, por outro, num empréstimo de Estado (a seguir «medida de auxílio em causa»). O orçamento total do auxílio ascendia a 3,4 mil milhões de euros. O objetivo da medida de auxílio em causa era fornecer temporariamente à KLM a liquidez de que necessitava para fazer face às repercussões negativas da pandemia de COVID‑19. O Reino dos Países Baixos considerava que, tendo em conta a importância da KLM para a sua economia e para o seu serviço aéreo, a insolvência desta teria exacerbado ainda mais a perturbação grave da sua economia causada por esta pandemia.

2        A KLM faz parte do grupo Air France‑KLM. À cabeça do grupo encontra‑se a sociedade gestora de participações sociais Air France‑KLM (a seguir «sociedade holding Air France‑KLM»), na qual os Estados francês e neerlandês são os maiores acionistas, detendo 14,3 % e 14 % do capital, respetivamente. As sociedades Air France e KLM são duas filiais da sociedade holding Air France‑KLM.

3        Em 4 de maio de 2020, a Comissão declarou compatível com o mercado interno, através da Decisão C(2020) 2983 final, relativa ao auxílio de Estado SA.57082 (2020/N) — França — COVID‑19: Quadro temporário, [artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE] — Garantia e empréstimo acionista a favor da Air France (a seguir «Decisão Air France»), um auxílio individual concedido pela República Francesa à Air France, sob a forma de uma garantia de Estado e de um empréstimo acionista, no montante total de 7 mil milhões de euros. A medida de auxílio destinava‑se a financiar as necessidades imediatas de liquidez da Air France.

4        Em 13 de julho de 2020, a Comissão adotou a Decisão C(2020) 4871 final, relativa ao auxílio de Estado SA.57116 (2020/N) — Países Baixos — COVID‑19: Garantia de Estado e empréstimo de Estado a favor da KLM (JO 2020, C 355, p. 1; a seguir «decisão impugnada»), na qual considerou que a medida de auxílio em causa, por um lado, constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e, por outro, era compatível com o mercado interno com base no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE. A Comissão avaliou a medida de auxílio em causa à luz da sua Comunicação de 19 de março de 2020, intitulada «Quadro temporário relativo a medidas de auxílio estatal em apoio da economia no atual contexto do surto de COVID‑19» (JO 2020, C 91 I, p. 1), alterada em 3 de abril de 2020 (JO 2020, C 112 I, p. 1), em 13 de maio de 2020 (JO 2020, C 164, p. 3) e em 29 de junho de 2020 (JO 2020, C 218, p. 3) (a seguir «Quadro Temporário»).

 Tramitação processual e pedidos das partes

5        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 23 de outubro de 2020, a recorrente, Ryanair DAC, interpôs o presente recurso.

6        Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral no mesmo dia, a recorrente pediu ao Tribunal Geral que julgasse o presente recurso seguindo a tramitação acelerada prevista nos artigos 151.o e 152.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. Por decisão de 16 de novembro de 2020, o Tribunal Geral (Décima Secção) deferiu o pedido de tramitação acelerada.

7        A Comissão apresentou a contestação na Secretaria do Tribunal Geral, em 7 de dezembro de 2020.

8        Em aplicação do artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a recorrente apresentou, em 18 de dezembro de 2020, um pedido fundamentado de audiência de alegações.

9        Sob proposta da Décima Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

10      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 14 de dezembro de 2020, 6 e 15 de janeiro de 2021, o Reino dos Países Baixos, a República Francesa e a KLM pediram autorização para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão.

11      Por decisões, respetivamente, de 12 e 19 de janeiro de 2021, o presidente da Décima Secção do Tribunal Geral admitiu as intervenções do Reino dos Países Baixos e da República Francesa.

12      Por despacho de 27 de janeiro de 2021, o presidente da Décima Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção da KLM.

13      Através de medidas de organização do processo notificadas, respetivamente, em 14, 19 e 28 de janeiro de 2021, o Reino dos Países Baixos, a República Francesa e a KLM foram autorizadas, nos termos do artigo 154.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, a apresentar um articulado de intervenção. Em 22 de janeiro e 3 de fevereiro de 2021, respetivamente, o Reino dos Países Baixos e a República Francesa apresentaram na Secretaria do Tribunal Geral os seus articulados de intervenção. A KLM não apresentou nenhum articulado de intervenção.

14      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 25 de fevereiro de 2021. Durante essa audiência, a recorrente pediu ao Tribunal que adotasse uma medida de organização do processo, convidando a Comissão a apresentar os contratos mencionados, respetivamente, na Decisão Air France e na decisão impugnada, com base nos quais foram concedidas as medidas de auxílio em causa nessas duas decisões. A fase oral do processo foi encerrada por decisão de 26 de fevereiro de 2021.

15      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

16      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

17      A República Francesa conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne declarar o recurso inadmissível na parte em que se destina a contestar o mérito da decisão impugnada e negar‑lhe provimento quanto ao restante. A título subsidiário, conclui pedindo que o Tribunal se digne negar provimento ao recurso na sua totalidade.

18      À semelhança da Comissão, o Reino dos Países Baixos e a KLM concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne negar provimento ao recurso.

 Questão de direito

19      A recorrente invoca cinco fundamentos de recurso, relativos, respetivamente, o primeiro, ao facto de que a Comissão excluiu erradamente o auxílio concedido pela República Francesa à Air France do âmbito de aplicação da decisão impugnada, o segundo, à violação dos princípios da não discriminação, da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento, o terceiro, a uma aplicação errada do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, o quarto, ao facto de que a Comissão deveria ter dado início ao procedimento formal de exame e, o quinto, à violação do dever de fundamentação na aceção do artigo 296.o TFUE.

 Quanto à admissibilidade

20      A recorrente alega, nos n.os 39 a 45 da petição, que tem legitimidade ativa enquanto «interessada» na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE e «parte interessada» na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9), o que lhe permite interpor um recurso de anulação, com vista à salvaguarda dos seus direitos processuais, contra a decisão impugnada, adotada sem abertura do procedimento formal de exame.

21      Enquanto concorrente da KLM, os interesses da recorrente são afetados pela concessão da medida de auxílio em causa porque esta permite à KLM obter empréstimos em condições favoráveis e continuar a operar no mercado como concorrente subvencionada da recorrente, apesar das consequências negativas da pandemia de COVID‑19. Em contrapartida, a recorrente, que é a terceira maior companhia aérea nos Países Baixos, não beneficia desse apoio.

22      A Comissão não contesta a admissibilidade do recurso.

23      A República Francesa considera que a recorrente não tem legitimidade ativa para contestar o mérito da decisão impugnada e que, consequentemente, o primeiro, segundo e terceiro fundamentos do recurso são inadmissíveis. Em contrapartida, a República Francesa não contesta a admissibilidade do quarto fundamento do recurso, uma vez que, em seu entender, a recorrente é parte interessada na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

24      Há que constatar que a admissibilidade do presente recurso não suscita dúvidas na medida em que, através dele, a recorrente pretende sustentar que a Comissão deveria ter dado início ao procedimento formal de exame previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

25      Com efeito, no âmbito do procedimento de controlo previsto no artigo 108.o TFUE, devem distinguir‑se duas fases. Por um lado, a fase preliminar de exame instituída pelo artigo 108.o, n.o 3, TFUE, que permite à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade do auxílio em causa. Por outro lado, o procedimento formal de exame previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, que permite à Comissão ter uma informação completa sobre os dados do processo. É apenas no âmbito deste procedimento que o Tratado FUE prevê a obrigação de a Comissão notificar os interessados para apresentarem as suas observações (Acórdãos de 19 de maio de 1993, Cook/Comissão, C‑198/91, EU:C:1993:197, n.o 22; de 15 de junho de 1993, Matra/Comissão, C‑225/91, EU:C:1993:239, n.o 16; e de 15 de outubro de 2018, Vereniging Gelijkberechtiging Grondbezitters e o./Comissão, T‑79/16, não publicado, EU:T:2018:680, n.o 46).

26      Quando não é dado início ao procedimento formal de exame, as partes interessadas, que poderiam ter apresentado observações durante essa segunda fase, ficam privadas dessa possibilidade. Para remediar tal situação, é‑lhes reconhecido o direito de impugnar, perante o juiz da União Europeia, a decisão tomada pela Comissão de não dar início ao procedimento formal de exame. Assim, é admissível um recurso de anulação de uma decisão baseada no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, interposto por uma parte interessada na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, quando o recorrente pretenda salvaguardar os direitos processuais que lhe confere esta última disposição (v. Acórdão de 18 de novembro de 2010, NDSHT/Comissão, C‑322/09 P, EU:C:2010:701, n.o 56 e jurisprudência referida).

27      No presente caso, o procedimento formal de exame não foi iniciado pela Comissão, e a recorrente invoca, no âmbito do quarto fundamento, uma violação dos seus direitos processuais. À luz do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589, uma empresa concorrente do beneficiário de uma medida de auxílio figura incontestavelmente entre as «partes interessadas», na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE (Acórdãos de 18 de novembro de 2010, NDSHT/Comissão, C‑322/09 P, EU:C:2010:701, n.o 59, e de 3 de setembro de 2020, Vereniging tot Behoud van Natuurmonumenten in Nederland e o./Comissão, C‑817/18 P, EU:C:2020:637, n.o 50).

28      No caso em apreço, é incontestável que existe uma relação de concorrência entre a recorrente e o beneficiário do auxílio. Com efeito, a recorrente alegou, sem ser contestada, que participava no serviço aéreo dos Países Baixos há mais de vinte anos, que, em 2019, transportara 3 milhões de passageiros de e para os Países Baixos e que tinha uma quota de mercado de aproximadamente 5 % do mercado neerlandês, o que fazia dela a terceira maior companhia aérea nos Países Baixos. A recorrente salientou igualmente que o seu programa de voos para o verão de 2020, estabelecido antes do surto da pandemia de COVID‑19, incluía 43 destinos a partir de 3 aeroportos neerlandeses. A recorrente é, portanto, uma parte interessada com interesse em garantir a salvaguarda dos direitos processuais que lhe são conferidos pelo artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

29      Por conseguinte, há que declarar o recurso admissível na parte em que a recorrente invoca a violação dos seus direitos processuais.

30      Neste contexto, impõe‑se constatar que o quarto fundamento, que visa expressamente obter o respeito dos direitos processuais da recorrente, é admissível, tendo em conta a sua qualidade de parte interessada, como foi estabelecido no n.o 29, supra. Com efeito, a recorrente pode invocar, com vista à preservação dos direitos processuais de que beneficia no âmbito do procedimento formal de exame, fundamentos que demonstrem que a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispunha ou podia dispor, aquando da fase preliminar de exame da medida notificada, deveria ter suscitado dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de dezembro de 2008, Régie Networks, C‑333/07, EU:C:2008:764, n.o 81; de 9 de julho de 2009, 3F/Comissão, C‑319/07 P, EU:C:2009:435, n.o 35; de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 59; e de 6 de maio de 2019, Scor/Comissão, T‑135/17, não publicado, EU:T:2019:287, n.o 73).

31      Importa recordar, além disso, que, para fazer prova da violação dos seus direitos processuais devido às dúvidas que a medida controvertida deveria ter suscitado quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, a recorrente tem o direito de invocar argumentos destinados a demonstrar que a constatação da compatibilidade dessa medida com o mercado interno a que a Comissão chegou estava errada, o que, a fortiori, é suscetível de demonstrar que a Comissão deveria ter tido dúvidas aquando da apreciação da compatibilidade dessa medida com o mercado interno. Por conseguinte, o Tribunal Geral está habilitado a examinar os argumentos de mérito apresentados pela recorrente, a fim de verificar se são suscetíveis de confirmar o fundamento por ela expressamente invocado em relação à existência de dúvidas que justificavam o início do procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de junho de 2013, Ryanair/Comissão, C‑287/12 P, não publicado, EU:C:2013:395, n.os 57 a 60, e de 6 de maio de 2019, Scor/Comissão, T‑135/17, não publicado, EU:T:2019:287, n.o 77).

32      Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação, importa salientar que a inobservância deste dever constitui uma violação de formalidades essenciais e um fundamento de ordem pública que deve ser conhecido ex officio pelo juiz da União e não diz respeito à legalidade em sede de mérito da decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.os 67 a 72).

 Quanto ao mérito

33      Importa começar por examinar o quinto fundamento.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

34      Com o seu quinto fundamento, a recorrente sustenta, em substância, que a decisão impugnada peca por falta ou insuficiência de fundamentação em vários aspetos.

35      Em especial, na primeira parte do quinto fundamento, a recorrente sustenta, em substância, que a Comissão não expôs as razões pelas quais não teve em conta o impacto do auxílio anteriormente concedido à Air France, apesar de esta última fazer parte, à semelhança da KLM, do grupo Air France‑KLM.

36      Segundo a recorrente, o auxílio anteriormente concedido à Air France era suscetível de beneficiar todo o grupo Air France‑KLM. Nestas circunstâncias, a Comissão não podia excluir a priori tal possibilidade, mas estava obrigada, segundo a jurisprudência, a ter em conta todos os elementos pertinentes a este respeito, bem como o contexto em que se inseria a medida de auxílio em causa. Ora, no n.o 19 da decisão impugnada, a Comissão limitou‑se a indicar, sem qualquer prova ou outra explicação, que «a filial Air France do grupo Air France‑KLM não é o beneficiário da medida de auxílio [em causa]». No entanto, não verificou nem fundamentou a questão de saber se o auxílio anteriormente concedido ao resto do grupo, nomeadamente à Air France, podia igualmente beneficiar a KLM, cujas contas são consolidadas com as da Air France. A este respeito, a recorrente acusa a Comissão de se ter limitado a indicar que as autoridades neerlandesas «confirmaram» que a filial Air France da sociedade holding Air France‑KLM não era o beneficiário da medida de auxílio em causa, sem, no entanto, precisar de que forma essa garantia seria aplicada na prática. Ora, é essencial examinar estes aspetos da medida de auxílio em causa para verificar a proporcionalidade do auxílio e, por exemplo, se as condições de cúmulo e os limiares estabelecidos no n.o 25, alínea d), e no n.o 27, alínea d), do Quadro Temporário foram respeitados. Segundo a recorrente, a sociedade holding Air France‑KLM e as suas duas filiais fazem parte de uma única unidade económica, que beneficia, ao abrigo da decisão impugnada, tomada conjuntamente com a Decisão Air France, de um montante total de 10,4 mil milhões de euros de auxílio.

37      A Comissão, apoiada pelo Reino dos Países Baixos, pela República Francesa e pela KLM, contesta esta argumentação. Alega que, uma vez que a KLM não era um dos beneficiários do auxílio concedido à Air France, não estava obrigada a fornecer explicações sobre este ponto. Recorda, a este respeito, que o beneficiário da medida de auxílio em causa é a KLM, e não o grupo Air France‑KLM nem a própria Air France. Do mesmo modo, foi a Air France que beneficiou do apoio autorizado pela Decisão Air France, e não o grupo Air France‑KLM ou a própria KLM. Além disso, as autoridades neerlandesas e francesas confirmaram que a KLM e a Air France eram os respetivos beneficiários dos auxílios em questão. Por outro lado, as características destas empresas excluem o risco de o auxílio concedido à Air France abranger a KLM, e vice‑versa.

38      Cumpre começar por recordar que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição, autora do ato, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida adotada e à jurisdição competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do referido artigo 296.o deve ser apreciada tendo em conta não só o seu teor mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regulam a matéria em causa em causa (v. Acórdão de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos, C‑279/08 P, EU:C:2011:551, n.o 125 e jurisprudência referida).

39      Embora as instituições não sejam obrigadas, na fundamentação das decisões que adotam, a tomar posição sobre todos os argumentos invocados pelos interessados perante elas durante um procedimento administrativo, não é menos verdade que devem expor os factos e as considerações jurídicas que se revistam de uma importância essencial na economia das suas decisões (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 169 e jurisprudência referida, e de 18 de setembro de 2018, Duferco Long Products/Comissão, T‑93/17, não publicado, EU:T:2018:558, n.o 67).

40      Neste contexto, a decisão de não dar início ao procedimento formal de exame previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE deve apenas conter as razões pelas quais a Comissão considera não estar perante dificuldades sérias de apreciação da compatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno, e mesmo uma fundamentação sucinta dessa decisão deve ser considerada suficiente face à exigência de fundamentação prevista no artigo 296.o TFUE se revelar de forma clara e inequívoca as razões pelas quais a Comissão entendeu não estar em presença de tais dificuldades, sendo a questão do mérito dessa fundamentação alheia a essa exigência (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de dezembro de 2008, Régie Networks, C‑333/07, EU:C:2008:764, n.os 65, 70 e 71; de 27 de outubro de 2011, Áustria/Scheucher‑Fleisch e o., C‑47/10 P, EU:C:2011:698, n.o 111; e de 12 de maio de 2016, Hamr — Sport/Comissão, T‑693/14, não publicado, EU:T:2016:292, n.o 54).

41      No caso em apreço, cabe salientar que a Comissão concluiu, nos n.os 18 e 19 da decisão impugnada, por um lado, que a KLM era o beneficiário da medida de auxílio em causa e, por outro, que as autoridades neerlandesas tinham confirmado que a Air France, filial da sociedade holding Air France‑KLM, não era o beneficiário da medida de auxílio em causa.

42      Importa igualmente observar que, na Decisão Air France, que diz respeito a um auxílio de Estado concedido cerca de dois meses antes à Air France, sociedade que faz parte, juntamente com a KLM, do mesmo grupo de empresas, pelo que essa decisão constitui um elemento contextual que deve ser tomado em consideração para efeitos de examinar se a fundamentação da decisão impugnada preenchia os requisitos do artigo 296.o TFUE, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 40, supra, a Comissão indicou, no n.o 21, nomeadamente, que o beneficiário da medida de auxílio objeto dessa decisão era «a sociedade Air France através da sociedade Air France‑KLM, holding do grupo» e que as autoridades francesas tinham confirmado que a filial KLM da sociedade holding Air France‑KLM não beneficiaria dos financiamentos em questão.

43      A decisão impugnada não contém outros elementos de análise quanto à questão de saber se o auxílio anteriormente concedido à «sociedade Air France através da sociedade Air France‑KLM, holding do grupo» podia igualmente ser utilizado, ainda que parcialmente, para as necessidades de liquidez da KLM, eventualmente por intermédio da sociedade holding Air France‑KLM, da qual tanto a Air France como a KLM são filiais.

44      Por conseguinte, importa examinar se a fundamentação da decisão impugnada revela de forma clara e inequívoca, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida adotada e ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização, as razões pelas quais a Comissão considerou que a KLM não podia beneficiar do auxílio anteriormente concedido à Air France através da sociedade holding Air France‑KLM, quando essas sociedades fazem parte do mesmo grupo.

45      A este respeito, há que recordar que, em conformidade com o ponto 11 da Comunicação da Comissão sobre a noção de auxílio estatal nos termos do artigo 107.o, n.o 1, [TFUE] (JO 2016, C 262, p. 1), se pode considerar que várias entidades jurídicas distintas formam uma única unidade económica para efeitos da aplicação das regras em matéria de auxílios estatais. Para o efeito, deve‑se tomar em consideração a existência de participações de controlo de uma das entidades na outra, bem como a existência de outras relações funcionais, económicas e orgânicas entre elas.

46      A jurisprudência reconheceu igualmente que, quando pessoas singulares ou coletivas juridicamente distintas constituem uma unidade económica, devem ser tratadas como uma única empresa no que respeita à aplicação das regras de concorrência da União. No domínio dos auxílios de Estado, a questão de saber se existe uma unidade económica coloca‑se, designadamente, quando há que identificar o beneficiário de um auxílio (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de novembro de 1984, Intermills/Comissão, 323/82, EU:C:1984:345, n.os 11 e 12, e de 8 de setembro de 2009, AceaElectrabel/Comissão, T‑303/05, não publicado, EU:T:2009:312, n.o 101).

47      Entre os elementos tidos em conta pela jurisprudência para determinar a existência ou a inexistência de uma unidade económica em matéria de auxílios de Estado figuram, nomeadamente, a participação da empresa em causa num grupo de sociedades cujo controlo é exercido direta ou indiretamente por uma delas, a prossecução de atividades económicas idênticas ou paralelas e a falta de autonomia económica das sociedades em causa (v., neste sentido, Acórdão de 14 de outubro de 2004, Pollmeier Malchow/Comissão, T‑137/02, EU:T:2004:304, n.os 68 a 70); a formação de um grupo único controlado por uma entidade, apesar da constituição de novas sociedades que possuem cada uma personalidade jurídica distinta (v., neste sentido, Acórdão de 14 de novembro de 1984, Intermills/Comissão, 323/82, EU:C:1984:345, n.o 11); a possibilidade de uma entidade que detém participações de controlo noutra sociedade exercer, além de um simples investimento de capitais por um investidor, funções de controlo, de impulso e de apoio financeiro em relação a essa sociedade, bem como a existência de relações orgânicas e funcionais entre elas (Acórdãos de 16 de dezembro de 2010, AceaElectrabel Produzione/Comissão, C‑480/09 P, EU:C:2010:787, n.o 51; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 10 de janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o., C‑222/04, EU:C:2006:8, n.os 116, 117); assim como a existência de cláusulas contratuais pertinentes (v., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2010, AceaElectrabel Produzione/Comissão, C‑480/09 P, EU:C:2010:787, n.o 57).

48      Além disso, incumbe à Comissão examinar com especial atenção as relações entre as sociedades que pertencem ao mesmo grupo, quando haja razões para recear os efeitos de um cúmulo de auxílios de Estado dentro do mesmo grupo na concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2009, AceaElectrabel/Comissão, T‑303/05, não publicado, EU:T:2009:312, n.o 116).

49      A Comissão é também obrigada, no interesse de uma boa administração das regras fundamentais do Tratado FUE relativas aos auxílios de Estado, a conduzir o procedimento de exame das medidas de auxílio em causa, de forma diligente e imparcial, de modo a dispor, quando da adoção da decisão final, de elementos o mais completos e fiáveis possível para esse efeito (v. Acórdão de 2 de setembro de 2010, Comissão/Scott, C‑290/07 P, EU:C:2010:480, n.o 90; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 62).

50      No caso em apreço, em primeiro lugar, importa salientar que a Air France e a KLM são duas sociedades que fazem parte do mesmo grupo, à cabeça do qual se encontra a sociedade holding Air France‑KLM.

51      Embora a decisão impugnada descreva a composição da estrutura acionista da sociedade holding Air France‑KLM (n.o 18 da decisão impugnada; v. n.o 2, supra), não contém, em contrapartida, nenhum elemento relativo à composição da estrutura acionista das suas duas filiais, a Air France e a KLM.

52      Interrogados sobre este ponto na audiência, o Reino dos Países Baixos e a KLM indicaram que, no que respeita à composição da estrutura acionista da KLM, 49 % do capital desta sociedade era detido pela sociedade holding Air France‑KLM, 5,9 % pelo Reino dos Países Baixos, 44,8 % por «duas fundações neerlandesas», sendo o restante detido por outros acionistas. O Reino dos Países Baixos e a KLM declararam a este respeito que a sociedade holding Air France‑KLM detinha a denominada «propriedade económica» da KLM.

53      Quanto à composição da estrutura acionista da Air France, a República Francesa indicou, na audiência, em resposta a uma questão que lhe foi colocada pelo Tribunal Geral, que a sociedade holding Air France‑KLM era o único acionista da sociedade Air France.

54      Parece resultar destas informações, obtidas unicamente na audiência, e ainda que o Tribunal Geral não esteja em condições de verificar a sua exatidão e exaustividade e de apreender plenamente a estrutura de capital do grupo Air France‑KLM, que, por um lado, 100 % do capital da Air France é detido pela sociedade holding Air France‑KLM e, por outro, a «propriedade económica» da KLM pertence à sociedade holding Air France‑KLM, que é, além disso, o seu maior acionista.

55      Em segundo lugar, cabe referir que a decisão impugnada não contém nenhuma informação quanto às relações funcionais, económicas e orgânicas entre a sociedade holding Air France‑KLM e as suas filiais Air France e KLM.

56      Interrogada a este respeito na audiência, a KLM explicou que a sociedade holding Air France‑KLM se ocupava, nomeadamente, das funções destinadas a obter um financiamento nos mercados globais, através de empréstimo ou da emissão de obrigações, a gerir as vendas e as receitas comuns geradas, por exemplo, pela venda de bilhetes de avião e a garantir o fornecimento de certos serviços utilizados conjuntamente, bem como das relações com os investidores. Afigura‑se, assim, que a sociedade holding exerce atividades de uma certa importância em benefício do grupo Air France‑KLM.

57      Todavia, dada a falta de informações a este respeito na decisão impugnada, o Tribunal Geral não dispõe de nenhuma base verificável e completa que lhe permita apreender quais são as funções respetivas das sociedades acima referidas do grupo, as relações estatutárias que as unem e, nomeadamente, se a sociedade holding Air France‑KLM exerce funções de direção, de controlo, de impulso e de apoio financeiro relativamente às suas filiais Air France e KLM.

58      Em terceiro lugar, o Tribunal Geral constata que a decisão impugnada revela que a sociedade holding Air France‑KLM esteve implicada na concessão e administração dos auxílios objeto da decisão impugnada.

59      Com efeito, resulta do n.o 12 da decisão impugnada que o Governo neerlandês e «as diferentes partes interessadas» deviam celebrar vários contratos para efeitos da concessão da medida de auxílio em causa. Em especial, o Estado neerlandês, a KLM e a sociedade holding Air France‑KLM deviam celebrar um acordo‑quadro (framework agreement), que regularia as condições gerais da concessão do auxílio à KLM. A decisão impugnada não contém nenhum outro elemento sobre o teor desse acordo. Pode, no entanto, deduzir‑se que, enquanto parte signatária do referido acordo, a sociedade holding Air France‑KLM assumiu certos direitos e obrigações contratuais relacionados com a medida de auxílio em causa.

60      Do mesmo modo, vários elementos que constam da Decisão Air France revelam que a sociedade holding Air France‑KLM assumia obrigações e direitos contratuais relacionados com a medida de auxílio objeto da referida decisão. Assim, a título de exemplo, segundo o n.o 15 dessa decisão, a República Francesa, «o grupo Air France‑KLM» e o grupo dos bancos em causa deviam celebrar uma convenção relativa à garantia de Estado, antes da sua concessão inicial, que precisaria as condições específicas de execução da referida garantia. Segundo o n.o 16 dessa decisão, o empréstimo acionista devia igualmente ser objeto de um contrato de mútuo celebrado entre «o grupo Air France‑KLM» e a agence des participations de l’État (Agência das Participações do Estado, França), que gere as participações financeiras do Estado acionista. Assim, os financiamentos em causa «serão contratualizados com a Air France‑KLM», ao passo que o produto desses financiamentos será, segundo o n.o 21 da Decisão Air France, «posto à disposição da sociedade Air France através de contas correntes espelho estabelecidas entre a sociedade holding Air France‑KLM e a sua filial Air France». Verifica‑se, assim, que os contratos relativos aos financiamentos em causa serão celebrados com a sociedade holding Air France‑KLM, e não com a sociedade Air France. Além disso, é evidente que esses financiamentos serão, em primeiro lugar, transferidos para as contas da sociedade holding Air France‑KLM, antes de serem transferidos para a filial Air France, «através de contas correntes espelho» cuja natureza e funcionamento não estão, no entanto, especificados. Além disso, resulta dos n.os 26 e 31 da Decisão Air France que a duração do empréstimo garantido pelo Estado, bem como a da garantia do Estado, podem ser prorrogadas «por opção do grupo Air France‑KLM». Quanto ao empréstimo acionista, este será concedido, segundo o n.o 44 da mesma decisão, sob condição dos compromissos «que serão subscritos pelo grupo Air France‑KLM».

61      Decorre dos elementos descritos nos n.os 59 e 60, supra, que a sociedade holding Air France‑KLM esteve implicada na concessão tanto da medida de auxílio em causa como da que foi objeto da Decisão Air France.

62      Todavia, na falta de outros elementos concretos a este respeito na decisão impugnada, é impossível ao Tribunal Geral apreender os respetivos papéis, direitos e obrigações, na concessão das medidas de auxílio em questão, da sociedade holding Air France‑KLM e das suas filiais, ou seja, a KLM, por um lado, e a Air France, por outro.

63      Na audiência, a Comissão explicou que o auxílio anteriormente concedido à Air France não podia beneficiar a KLM devido à «estrutura contratual da transação». Além disso, indicou que determinados contratos de entre os mencionados no n.o 60, supra, continham cláusulas específicas que preveem que o financiamento em causa beneficia apenas a sociedade Air France e que excluem que esse financiamento possa ser utilizado para as necessidades de liquidez da KLM.

64      Em contrapartida, questionada a este respeito na audiência, a República Francesa indicou que os contratos mencionados na Decisão Air France não continham cláusulas específicas destinadas a excluir que os financiamentos em causa pudessem também contribuir para as necessidades do grupo.

65      Estas interações são, assim, testemunho da insuficiência e do caráter fragmentário das informações de que o Tribunal Geral dispõe. Com efeito, a decisão impugnada não expõe, de forma alguma, o teor das obrigações e dos direitos contratuais que incumbem, respetivamente, à sociedade holding Air France‑KLM, à KLM e à Air France, e muito menos a eventual existência de um qualquer mecanismo, de natureza contratual ou outra, que impeça que o auxílio concedido à Air France através da sociedade holding Air France‑KLM beneficie, precisamente por intermédio da sociedade holding, a KLM, e vice‑versa.

66      Em todo o caso, importa recordar que o respeito do dever de fundamentação deve ser apreciado em função dos elementos de informação de que a recorrente dispõe no momento da interposição do seu recurso. Em contrapartida, é jurisprudência constante que a fundamentação não pode ser explicitada pela primeira vez e a posteriori perante o juiz, salvo circunstâncias excecionais (v. Acórdão de 20 de março de 2014, Rousse Industry/Comissão C‑271/13 P, não publicado, EU:C:2014:175, n.o 67 e jurisprudência referida; v., igualmente, Acórdão de 20 de setembro de 2011, Evropaïki Dynamiki/BEI, T‑461/08, EU:T:2011:494, n.o 109). Por conseguinte, as explicações apresentadas pela Comissão na audiência não podem completar, no decurso da instância, a fundamentação da decisão impugnada e são, portanto, inadmissíveis.

67      Resulta de todas as considerações anteriores que a Comissão não podia concluir que o auxílio anteriormente concedido à Air France, através da sociedade holding Air France‑KLM, não podia, em caso algum, ser utilizado para as necessidades de liquidez da KLM, eventualmente por intermédio da sociedade holding Air France‑KLM, sem expor de forma clara e inequívoca a sua apreciação em função de todos os elementos recordados nos n.os 52 a 60, supra.

68      A este respeito, a Comissão não pode retirar nenhum argumento do Acórdão de 25 de junho de 1998, British Airways e o./Comissão (T‑371/94 e T‑394/94, EU:T:1998:140). Com efeito, no processo que deu origem a esse acórdão, a Comissão tinha imposto condições de autorização do auxílio em questão com vista a excluir que uma parte do auxílio concedido à Air France seja transferida, direta ou indiretamente, para outra sociedade do mesmo grupo. O Tribunal Geral considerou, nos n.os 313 e 314 desse acórdão, que as referidas condições de autorização constituíam um meio suficiente e adequado para garantir que a Air France era o único beneficiário do auxílio. Em contrapartida, no presente processo, essas condições de autorização parecem não existir e a decisão impugnada não contém nenhuma informação a este respeito.

69      É certo que foi declarado que a Comissão dispunha de um amplo poder de apreciação para determinar se as sociedades que fazem parte de um grupo deviam ser consideradas como uma unidade económica ou então como jurídica e financeiramente autónomas para efeitos de aplicação do regime dos auxílios de Estado. Este poder de apreciação da Comissão implica a tomada em consideração e a apreciação de factos e circunstâncias económicas complexos. Uma vez que o juiz da União não pode substituir a apreciação dos factos, em particular de ordem económica, do autor da decisão pela sua própria apreciação, a fiscalização do Tribunal Geral deve, a este respeito, limitar‑se à verificação do cumprimento das regras processuais e de fundamentação, da exatidão material dos factos, bem como da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (v. Acórdão de 8 de setembro de 2009, AceaElectrabel/Comissão, T‑303/05, não publicado, EU:T:2009:312, n.os 101 e 102 e jurisprudência referida).

70      Para este efeito, o juiz da União deve, designadamente, não só verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de sustentar as conclusões que deles se retiram (Acórdão de 20 de setembro de 2018, Espanha/Comissão, C‑114/17 P, EU:C:2018:753, n.o 104).

71      Ora, resulta dos n.os 43 a 65, supra, que a decisão impugnada não expõe com suficiente clareza e precisão todos os elementos de facto e de direito relevantes a esse respeito. Esta obrigação é ainda mais válida num caso como o presente, caracterizado pela concessão paralela de dois auxílios de Estado a duas filiais de uma mesma sociedade holding, a qual está, além disso, implicada na concessão e administração dos referidos auxílios e assumiu direitos e obrigações contratuais relacionados com os mesmos.

72      Por conseguinte, ao limitar‑se a declarar, por um lado, que a KLM era o beneficiário da medida de auxílio objeto da decisão impugnada e, por outro, que as autoridades neerlandesas «confirmaram» que o financiamento concedido à KLM não seria utilizado pela Air France, quando estas duas sociedades faziam parte do mesmo grupo e determinados elementos que constam da decisão impugnada e da Decisão Air France demonstravam que a sociedade holding Air France‑KLM desempenhava um certo papel na concessão e administração desses auxílios (n.os 58 a 65, supra), a Comissão não fundamentou de forma suficiente a decisão impugnada.

73      Tendo em conta as considerações anteriores, há que julgar procedente a primeira parte do quinto fundamento, sem que seja necessário examinar as outras partes deste fundamento.

74      Importa igualmente recordar que o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE exige não só que o Estado‑Membro em causa se depare efetivamente com uma perturbação grave da sua economia, mas também que as medidas de auxílio adotadas para sanar essa perturbação sejam, por um lado, necessárias para esse fim e, por outro, apropriadas e proporcionadas para alcançar esse objetivo. Esta mesma exigência resulta igualmente do n.o 19 do Quadro Temporário.

75      Além disso, e mais especificamente, como alega a recorrente, em conformidade com o n.o 25, alínea d), i), do Quadro Temporário, os auxílios estatais sob a forma de novas garantias públicas sobre os empréstimos são considerados compatíveis com o mercado interno com base no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, desde que, para os empréstimos com vencimento depois de 31 de dezembro de 2020, o montante global dos empréstimos por beneficiário não exceda o dobro da massa salarial anual do beneficiário para 2019 ou para o último ano disponível. É aplicável o mesmo limiar aos auxílios de Estado sob a forma de subvenções aos empréstimos públicos, em conformidade com o n.o 27, alínea d), i), do referido regime.

76      Assim, o exame da necessidade e da proporcionalidade do auxílio, em geral, e do respeito dos referidos limiares, em especial, pressupõe que sejam previamente estabelecidos o montante do auxílio, o seu beneficiário e a inexistência de um risco de financiamento cruzado, com base nos auxílios em questão, entre a sociedade holding Air France‑KLM, a KLM e a Air France. Ora, a insuficiência de fundamentação de que enferma a decisão impugnada a este respeito impede o Tribunal Geral de fiscalizar se a Comissão teve razão em considerar que não estava perante dificuldades sérias de apreciação da compatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno.

77      A insuficiência de fundamentação de que enferma a decisão impugnada implica, portanto, a sua anulação.

78      Por conseguinte, há que anular a decisão impugnada, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos invocados pela recorrente e sem que seja necessário apreciar o pedido de medida de organização do processo referido no n.o 14, supra.

 Quanto à manutenção dos efeitos da disposição anulada

79      Segundo jurisprudência constante, sempre que considerações imperiosas de segurança jurídica o justifiquem, o juiz da União dispõe, nos termos do artigo 264.o, segundo parágrafo, TFUE, de um poder de apreciação para determinar, em cada caso concreto, quais os efeitos do ato em causa que devem ser considerados definitivos (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Régie Networks, C‑333/07, EU:C:2008:764, n.o 121 e jurisprudência referida).

80      Decorre, portanto, dessa disposição que, se considerar necessário, o juiz da União pode, mesmo oficiosamente, limitar o efeito da anulação no seu acórdão (v., neste sentido, Acórdão de 1 de abril de 2008, Parlamento e Dinamarca/Comissão, C‑14/06 e C‑295/06, EU:C:2008:176, n.o 85).

81      De acordo com essa jurisprudência, o juiz da União fez uso da possibilidade de limitar no tempo os efeitos da declaração de invalidade de uma regulamentação da União sempre que considerações imperiosas de segurança jurídica respeitantes ao conjunto dos interesses, públicos e privados, em jogo nos processos em causa impeçam que se ponha em causa o recebimento ou o pagamento de quantias de dinheiro efetuados com base nessa regulamentação no período anterior à data do acórdão (Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Régie Networks, C‑333/07, EU:C:2008:764, n.o 122).

82      No caso em apreço, o Tribunal Geral considera que existem considerações imperiosas de segurança jurídica que justificam a limitação no tempo dos efeitos da anulação da decisão impugnada. Com efeito, por um lado, pôr em causa, no imediato, o recebimento dos montantes pecuniários previstos pela medida de auxílio em causa teria consequências particularmente prejudiciais para a economia e o serviço aéreo nos Países Baixos num contexto económico e social já marcado pela perturbação grave da economia deste Estado‑Membro em razão dos efeitos nefastos da pandemia de COVID‑19. Por outro lado, importa ter em conta o facto de que a anulação da decisão impugnada resulta da sua insuficiência de fundamentação.

83      Ora, por força do artigo 266.o TFUE, a Comissão, de que emana o ato anulado, deve tomar as medidas necessárias à execução do presente acórdão do Tribunal Geral.

84      Por estes motivos, há que suspender os efeitos da anulação da decisão impugnada até à adoção de uma nova decisão pela Comissão. Tendo em conta a celeridade com que a Comissão agiu desde a pré‑notificação e a notificação da medida em causa, os referidos efeitos manter‑se‑ão em suspenso durante um período que não pode exceder dois meses a contar da data da prolação do presente acórdão, caso a Comissão decida adotar essa nova decisão no âmbito do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, e durante um período suplementar razoável, caso a Comissão decida dar início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Régie Networks, C‑333/07, EU:C:2008:764, n.o 126).

 Quanto às despesas

85      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas e as despesas da recorrente, em conformidade com os pedidos desta última.

86      Por outro lado, nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Nos termos do artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal pode decidir que um interveniente, diferente dos mencionados nos n.os 1 e 2, suporte as suas próprias despesas.

87      Por conseguinte, deve decidir‑se que o Reino dos Países Baixos, a República Francesa e a KLM suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

decide:

1)      A Decisão C(2020) 4871 final da Comissão, de 13 de julho de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA.57116 (2020/N) — Países Baixos — COVID19: Garantia de Estado e empréstimo estatal a favor da KLM, é anulada.

2)      Há que suspender os efeitos da anulação da referida decisão até à adoção de uma nova decisão pela Comissão Europeia, ao abrigo do artigo 108.o TFUE. Os referidos efeitos mantêm‑se em suspenso durante um período que não pode exceder dois meses a contar da data da prolação do presente acórdão, caso a Comissão decida adotar essa nova decisão no âmbito do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, e durante um período suplementar razoável, caso a Comissão decida dar início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

3)      A Comissão é condenada a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pela Ryanair DAC.

4)      O Reino dos Países Baixos, a República Francesa e a Koninklijke Luchtvaart Maatschappij NV suportarão as suas próprias despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 19 de maio de 2021.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.