Language of document : ECLI:EU:C:2023:835

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

9 de novembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2000/31/CE — Serviços da sociedade de informação — Artigo 3.o, n.o 1 — Princípio do controlo no Estado de origem — Artigo 3.o, n.o 4 — Derrogação ao princípio da livre circulação dos serviços da sociedade da informação — Conceito de “medidas tomadas em relação a determinado serviço da sociedade da informação” — Artigo 3.o, n.o 5 — Possibilidade de notificação a posteriori de medidas que restringem a livre circulação de serviços da sociedade de informação em caso de urgência — Falta de notificação — Oponibilidade de tais medidas — Regulamentação de um Estado‑Membro que impõe aos fornecedores de plataformas de comunicação, estabelecidos ou não no seu território, um conjunto de obrigações em matéria de controlo e notificação de conteúdos supostamente ilícitos — Diretiva 2010/13/UE — Serviços de comunicação social audiovisual — Serviço de plataforma de partilha de vídeos»

No processo C‑376/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria), por Decisão de 24 de maio de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de junho de 2022, no processo

Google Ireland Limited,

Meta Platforms Ireland Limited,

Tik Tok Technology Limited

contra

Kommunikationsbehörde Austria (KommAustria),

sendo interveniente:

Bundesministerin für Frauen, Familie, Integration und Medien im Bundeskanzleramt,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal, presidente de secção, F. Biltgen, N. Wahl (relator), J. Passer e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de Google Ireland Limited e Tik Tok Technology Limited, por L. Feiler, Rechtsanwalt,

–        em representação de Meta Platforms Ireland Limited, por S. Denk, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo Austríaco, por A. Posch e G. Kunnert, na qualidade de agentes,

–        em representação da Irlanda, por M. Browne, A. Joyce e M. Tierney, na qualidade de agentes, assistidos por D. Fennelly, BL,

–        em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por G. Braun, S. L. Kalėda e P.‑J. Loewenthal, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 8 de junho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação, por um lado, do artigo 3.o, n.os 4 e 5, da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno (JO 2000, L 178, p. 1), e, por outro, do artigo 28.o ‑A, n.o 1, da Diretiva 2010/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de março de 2010, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros respeitantes à oferta de serviços de comunicação social audiovisual (Diretiva «Serviços de Comunicação Social Audiovisual») (JO 2010, L 95, p. 1), conforme alterada pela Diretiva (UE) 2018/1808 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018 (JO 2018, L 303, p. 69) (a seguir «Diretiva 2010/13»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Google Ireland Limited, a Meta Platforms Ireland Limited e a Tik Tok Technology Limited, sociedades com sede na Irlanda, à Kommunikationsbehörde Austria (KommAustria) (Autoridade Reguladora austríaca em matéria de comunicações), a respeito de decisões desta última declarando que essas sociedades estão sujeitas à Bundesgesetz über Maßnahmen zum Schutz der Nutzer auf Kommunikationsplattformen (Kommunikationsplattformen‑Gesetz) (Lei federal relativa às Medidas de Proteção dos Utilizadores de Plataformas de Comunicação) (BGBl. I, 151/2020, a seguir «KoPl‑G»).

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2000/31

3        Nos termos dos considerandos 5, 6, 8, 22 e 24 da Diretiva 2000/31:

«(5)      O desenvolvimento dos serviços da sociedade da informação na Comunidade é entravado por um certo número de obstáculos legais ao bom funcionamento do mercado interno, os quais, pela sua natureza, podem tornar menos atraente o exercício da liberdade de estabelecimento e a livre prestação de serviços. Esses obstáculos advêm da divergência das legislações, bem como da insegurança jurídica dos regimes nacionais aplicáveis a esses serviços. Na falta de coordenação e de ajustamento das várias legislações nos domínios em causa, há obstáculos que podem ser justificados à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Existe insegurança jurídica quanto à extensão do controlo que cada Estado‑Membro pode exercer sobre serviços provenientes de outro Estado‑Membro.

(6)      À luz dos objetivos comunitários, dos artigos 43.o e 49.o do Tratado e do direito comunitário derivado, estes obstáculos devem ser abolidos, através da coordenação de determinadas legislações nacionais e da clarificação, a nível comunitário, de certos conceitos legais, na medida do necessário ao bom funcionamento do mercado interno. A presente diretiva, ao tratar apenas de certas questões específicas que levantam problemas ao mercado interno, é plenamente coerente com a necessidade de respeitar o princípio da subsidiariedade, tal como enunciado no artigo 5.o do Tratado.

[…]

(8)      O objetivo da presente diretiva é criar um enquadramento legal destinado a assegurar a livre circulação dos serviços da sociedade da informação entre os Estados‑Membros, e não harmonizar o domínio do direito penal, enquanto tal.

[…]

(22)      O controlo dos serviços da sociedade da informação deve ser exercido na fonte da atividade, a fim de garantir uma proteção eficaz dos interesses gerais. Para isso, é necessário que a autoridade competente assegure essa proteção, não apenas aos cidadãos do seu país, mas também ao conjunto dos cidadãos da Comunidade. Para melhorar a confiança mútua entre Estados‑Membros, é indispensável precisar claramente essa responsabilidade do Estado‑Membro em que os serviços têm origem. Além disso, a fim de garantir a eficácia da livre circulação de serviços e a segurança jurídica para os prestadores e os destinatários, esses serviços devem estar sujeitos, em princípio, à legislação do Estado‑Membro em que o prestador se encontra estabelecido.

[…]

(24)      No contexto da presente diretiva, e não obstante a regra do controlo na origem dos serviços da sociedade da informação, é legítimo que, nas condições fixadas na presente diretiva, os Estados‑Membros possam adotar medidas destinadas a restringir a livre circulação dos serviços da sociedade da informação.»

4        O artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva prevê:

«A presente diretiva tem por objetivo contribuir para o correto funcionamento do mercado interno, garantindo a livre circulação dos serviços da sociedade da informação entre Estados‑Membros.»

5        O artigo 2.o da referida diretiva prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      “Serviços da sociedade da informação”: os serviços da sociedade da informação na aceção do n.o 2 do artigo 1.o da Diretiva [98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação (JO 1998, L 204, p. 37)], alterada pela Diretiva 98/48/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de julho de 1998 (JO 1998, L 217, p. 18)];

[…]

h)      “Domínio coordenado”: as exigências fixadas na legislação dos Estados‑Membros, aplicáveis aos prestadores de serviços da sociedade da informação e aos serviços da sociedade da informação, independentemente de serem de natureza geral ou especificamente concebidos para esses prestadores e serviços:

[…]»

6        O artigo 3.o desta diretiva, com a epígrafe «Mercado interno», tem a seguinte redação:

«1.      Cada Estado‑Membro assegurará que os serviços da sociedade da informação prestados por um prestador estabelecido no seu território cumpram as disposições nacionais aplicáveis nesse Estado‑Membro que se integrem no domínio coordenado.

2.      Os Estados‑Membros não podem, por razões que relevem do domínio coordenado, restringir a livre circulação dos serviços da sociedade da informação provenientes de outro Estado‑Membro.

[…]

4.      Os Estados‑Membros podem tomar medidas derrogatórias do n.o 2 em relação a determinado serviço da sociedade da informação, caso sejam preenchidas as seguintes condições:

a) As medidas devem ser:

i) Necessárias por uma das seguintes razões:

–        defesa da ordem pública, em especial prevenção, investigação, deteção e incriminação de delitos penais, incluindo a proteção de menores e a luta contra o incitamento ao ódio fundado na raça, no sexo, na religião ou na nacionalidade, e contra as violações da dignidade humana de pessoas individuais,

–        proteção da saúde pública,

–        segurança pública, incluindo a salvaguarda da segurança e da defesa nacionais,

–        defesa dos consumidores, incluindo os investidores;

ii)      Tomadas relativamente a um determinado serviço da sociedade da informação que lese os objetivos referidos na subalínea i), ou que comporte um risco sério e grave de prejudicar esses objetivos;

iii)      Proporcionais a esses objetivos;

b)      Previamente à tomada das medidas em questão, e sem prejuízo de diligências judiciais, incluindo a instrução e os atos praticados no âmbito de uma investigação criminal, o Estado‑Membro deve:

–        ter solicitado ao Estado‑Membro a que se refere o n.o 1 que tome medidas, sem que este último as tenha tomado ou se estas se tiverem revelado inadequadas,

–        ter notificado à Comissão e ao Estado‑Membro a que se refere o n.o 1 a sua intenção de tomar tais medidas.

5.      Os Estados‑Membros podem, em caso de urgência, derrogar [a]s condições previstas na alínea b) do n.o 4. Nesse caso, as medidas devem ser notificadas no mais curto prazo à Comissão e ao Estado‑Membro a que se refere o n.o 1, indicando as razões pelas quais consideram que existe uma situação de urgência.

6.      Sem prejuízo da faculdade de o Estado‑Membro prosseguir a aplicação das medidas em questão, a Comissão analisará, com a maior celeridade, a compatibilidade das medidas notificadas com o direito comunitário; se concluir que a medida é incompatível com o direito comunitário, a Comissão solicitará ao Estado‑Membro em causa que se abstenha de tomar quaisquer outras medidas previstas, ou ponha termo, com urgência, às medidas já tomadas.»

 Diretiva 2010/13

7        O artigo 1.o da Diretiva 2010/13 prevê:

«1.      Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

a‑A) “Serviço de plataforma de partilha de vídeos”, um serviço na aceção dos artigos 56.o e 57.o [TFUE], sendo a principal finalidade do serviço ou de uma parte dissociável do mesmo, ou uma funcionalidade essencial do serviço, a oferta ao público em geral de programas ou de vídeos gerados pelos utilizadores, ou de ambos, em relação aos quais o fornecedor da plataforma de partilha de vídeos não tem responsabilidade editorial, destinados a informar, distrair ou educar, através de redes de comunicações eletrónicas, na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2002/21/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro) (JO 2002, L 108, p. 33)], e cuja organização é determinada pelo fornecedor da plataforma de partilha de vídeos, nomeadamente por meios automáticos ou por algoritmos, em particular através da apresentação, da identificação e da sequenciação;

[…]»

8        O artigo 28.o ‑A, n.os 1 e 5, desta diretiva prevê:

«1.      Para efeitos da presente diretiva, os fornecedores de plataformas de partilha de vídeos estabelecidos no território de um Estado‑Membro na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva [2000/31] ficam sob a jurisdição desse Estado‑Membro.

[…]

5.      Para efeitos da presente diretiva, o artigo 3.o e os artigos 12.o a 15.o da Diretiva [2000/31] são aplicáveis aos fornecedores de plataformas de partilha de vídeos considerados como estabelecidos num Estado‑Membro nos termos do n.o 2 do presente artigo.»

 Diretiva (UE) 2015/1535

9        O artigo 1.o, n.o 1, alíneas e) a g), da Diretiva (UE) 2015/1535 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de setembro de 2015, relativa a um procedimento de informação no domínio das regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação (JO 2015, L 241, p. 1), contém as seguintes definições:

«e)      “Regra relativa aos serviços” significa um requisito de natureza geral relativo ao acesso às atividades de serviços referidas na alínea b) do presente artigo e ao seu exercício, nomeadamente as disposições relativas ao prestador de serviços, aos serviços e ao destinatário de serviços, com exclusão das regras que não visem especificamente os serviços definidos nessa mesma disposição;

[…]

f)      “Regra técnica” significa uma especificação técnica, outra exigência ou uma regra relativa aos serviços, incluindo as disposições administrativas que lhes são aplicáveis e cujo cumprimento seja obrigatório de jure ou de facto, para a comercialização, a prestação de serviços, o estabelecimento de um operador de serviços ou a utilização num Estado‑Membro ou numa parte importante desse Estado, assim como, sob reserva das disposições referidas no artigo 7.o, qualquer disposição legislativa, regulamentar ou administrativa dos Estados‑Membros que proíba o fabrico, a importação, a comercialização, ou a utilização de um produto ou a prestação ou utilização de um serviço ou o estabelecimento como prestador de serviços;

[…]

g)      “Projeto de regra técnica” significa o texto de uma especificação técnica, de outra exigência ou de uma regra relativa aos serviços, incluindo disposições administrativas, elaborado com o objetivo de a adotar ou de a fazer adotar como regra técnica, e que se encontre numa fase de preparação que permita ainda a introdução de alterações substanciais.»

10      O artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva dispõe:

«Sob reserva do disposto no artigo 7.o, os Estados‑Membros comunicam imediatamente à Comissão qualquer projeto de regra técnica, exceto se se tratar da mera transposição integral de uma norma internacional ou europeia, bastando neste caso uma simples informação relativa a essa norma. Enviam igualmente à Comissão uma notificação referindo as razões da necessidade do estabelecimento dessa regra técnica, salvo se as mesmas razões já transparecerem do projeto.»

 Direito austríaco

11      O § 1.o da KoPl‑G dispõe:

«1.      A presente lei tem por objetivo promover a gestão responsável e transparente das comunicações dos utilizadores relativas aos conteúdos abaixo referidos, em plataformas de comunicação, e o tratamento imediato das referidas comunicações.

2.      Os prestadores de serviços nacionais e estrangeiros que forneçam plataformas de comunicação (§ 2.o, ponto 4) com o objetivo de obterem um ganho económico estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente lei, exceto se:

1)      o número de utilizadores registados com direito de acesso à plataforma de comunicação na Áustria tiver sido inferior, em média, a 100 000 pessoas no ano civil anterior e

2)      o volume de negócios realizado na Áustria durante o ano civil anterior resultante da exploração da plataforma de comunicação tiver sido inferior a 500 000 euros.

[…]

4.      Os prestadores de serviços de plataformas de partilha de vídeos (§ 2.o, ponto 12) estão dispensados das obrigações previstas na presente lei no que respeita aos programas (§ 2.o, ponto 9) e aos vídeos produzidos pelos utilizadores (§ 2.o, ponto 7) fornecidos nessas plataformas.

5.      A pedido de um prestador de serviços, a autoridade de supervisão deve analisar se o mesmo está abrangido pelo âmbito de aplicação desta lei.

[…]»

12      O § 2.o da KoPl‑G prevê:

«Para efeitos da presente lei, entende‑se por:

[…]

2)      “Serviço da sociedade da informação”, um serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual do destinatário de serviços […], incluindo o comércio em linha de produtos e serviços, a prestação de informações em linha, a publicidade em linha, os motores de pesquisa eletrónica e as possibilidades de recuperação de dados, bem como os serviços que permitem transmitir informação numa rede eletrónica, aceder a essa rede ou registar informações relativas a um utilizador […];

3)      “Fornecedor de serviços”, a pessoa singular ou coletiva que fornece uma plataforma de comunicação;

4)      “Plataforma de comunicação”, um serviço da sociedade da informação cuja finalidade principal ou função essencial é a troca de comunicações ou representações com um conteúdo de caráter intelectual, sob a forma oral, escrita, sonora ou figurativa, entre utilizadores e um grande círculo de outros utilizadores, através da difusão massiva;

[…]

6)      “Utilizador”, qualquer pessoa que utilize uma plataforma de comunicação, quer esteja ou não inscrita nessa plataforma;

7) “Vídeo gerado pelos utilizadores”, um conjunto de imagens em movimento, com ou sem som, que constitui um elemento autónomo, independentemente da sua duração, e é criado por um utilizador e carregado para uma plataforma de partilha de vídeos por esse utilizador ou por outros utilizadores;

[…]

9)      “Programa”, um único elemento autónomo de um serviço de comunicação social audiovisual constituído, independentemente da sua duração, por um conjunto de imagens em movimento, com ou sem som, no âmbito de uma grelha de programas ou de um catálogo elaborado por um fornecedor de serviços de comunicação social; este conceito inclui, nomeadamente, as longas‑metragens cinematográficas, os videoclipes, os acontecimentos desportivos, as comédias de costumes (sitcom), os documentários, os programas informativos, os programas artísticos e culturais, os programas infantis e as séries televisivas;

[…]

12)      “Plataforma de partilha de vídeos”, um serviço tal como definido nos artigos 56.o e 57.o [TFUE], sendo a principal finalidade do serviço ou de uma parte dissociável do mesmo, ou uma funcionalidade essencial do serviço, a oferta ao público em geral de programas (ponto 9), ou de vídeos gerados pelos utilizadores (ponto 7), ou de ambos, em relação aos quais o fornecedor da plataforma de partilha de vídeos não tem responsabilidade editorial, destinados a informar, distrair ou educar, através de redes de comunicações eletrónicas, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, da [Diretiva (UE) 2018/1972 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (JO 2018, L 321, p. 36)], e cuja organização é determinada pelo fornecedor da plataforma (nomeadamente por meios automáticos ou por algoritmos, em particular através da apresentação, da identificação e da sequenciação).»

13      O § 3.o da KoPl‑G tem a seguinte redação:

«1.      Os prestadores de serviços devem implementar um procedimento eficaz e transparente de tratamento e gestão das comunicações relativas a conteúdos alegadamente ilegais disponibilizados na plataforma de comunicação.

[…]

4.      Além disso, os prestadores de serviços asseguram que é implementado um procedimento eficaz e transparente de reapreciação das suas decisões de bloquear ou eliminar um conteúdo que tenha sido objeto de uma comunicação (n.o 3, ponto 1). […]

[…]»

14      Nos termos do § 4.o, n.o 1, da KoPl‑G:

«Os prestadores de serviços são obrigados a elaborar um relatório sobre o tratamento de comunicações sobre alegados conteúdos ilegais, anualmente ou, no caso das plataformas com mais de um milhão de utilizadores registados, semestralmente. O relatório deve ser comunicado à autoridade de supervisão o mais tardar um mês após o final do período abrangido no relatório, devendo ainda ser, simultaneamente, disponibilizado de forma permanente e facilmente detetável na própria página Web.»

15      O § 5.o da KoPl‑G enuncia:

«1.      Os prestadores de serviços designarão uma pessoa que satisfaça as condições previstas no § 9.o, n.o 4, da Verwaltungsstrafgesetz 1991 — VStG (Lei austríaca de 1991 relativa às Sanções Administrativas, BGBl., 52/1991). Esta pessoa deverá:

1)      garantir o respeito das disposições da presente lei,

2)      dispor de poder de injunção a fim de fazer respeitar as disposições da presente lei,

3)      dispor dos conhecimentos necessários da língua alemã para poder cooperar com as autoridades administrativas e judiciais,

4)      dispor dos recursos necessários para o desempenho das suas funções.

[…]

4.      O prestador de serviços designará uma pessoa singular ou coletiva como mandatário responsável pelas comunicações administrativas e judiciais. São aplicáveis o n.o 1, ponto 3, o n.o 2, primeiro período, e o n.o 3.

5.      A autoridade de supervisão deverá ser informada sem demora da identidade do mandatário responsável e do mandatário para efeitos das comunicações.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16      As recorrentes no processo principal, a Google Ireland, a Meta Platforms Ireland e a Tik Tok Technology são sociedades com sede na Irlanda que prestam serviços de plataformas de comunicação, nomeadamente na Áustria.

17      Na sequência da entrada em vigor, em 2021, da KoPl‑G, requereram à KommAustria que declarasse, ao abrigo do § 1.o, n.o 5, desta lei, que não estavam abrangidas pelo âmbito de aplicação desta última.

18      Por três Decisões de 26 de março, 31 de março e 22 de abril de 2021, esta autoridade declarou que as recorrentes no processo principal estavam abrangidas pelo âmbito de aplicação da KoPl‑G, uma vez que cada uma delas fornecia um serviço de «plataforma de comunicação», na aceção do § 2.o, ponto 4, desta lei.

19      As recorrentes no processo principal interpuseram recursos dessas decisões no Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Áustria), que negou provimento a esses recursos.

20      Em apoio dos recursos de «Revision» que as recorrentes no processo principal interpuseram destas decisões de indeferimento no Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria), o órgão jurisdicional de reenvio, elas alegam, por um lado, que, uma vez que a República da Irlanda e a Comissão Europeia não foram informadas da adoção da KoPl‑G nos termos do artigo 3.o, n.o 4, alínea b), e do artigo 3.o, n.o 5, da Diretiva 2000/31, esta lei não lhes pode ser oposta. Por outro lado, sustentam que as obrigações impostas pela referida lei são desproporcionadas e incompatíveis com a livre circulação de serviços e com o «princípio do país de origem» previsto pela Diretiva 2000/31, bem como, no que respeita aos serviços de plataformas de partilha de vídeos, pela Diretiva 2010/13.

21      A este respeito, em primeiro lugar, este órgão jurisdicional indica que os recursos de «Revision» levantam a questão de saber se a KoPl‑G ou as obrigações que impõe aos prestadores de serviços são medidas tomadas relativamente a «determinado serviço da sociedade da informação», na aceção do artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31. Indica que tem dúvidas sobre este ponto, uma vez que as disposições da KoPl‑G são gerais e abstratas e impõem aos prestadores de serviços da sociedade de informação obrigações gerais aplicáveis sem que existam atos individuais e concretos.

22      Em segundo lugar, na hipótese de os requisitos previstos no artigo 3.o, n.o 4, alínea a), da Diretiva 2000/31 estarem preenchidos, o referido órgão jurisdicional interroga‑se sobre a interpretação do artigo 3.o, n.o 5, desta diretiva, para determinar se a KoPl‑G é oponível às recorrentes no processo principal apesar de não ter sido notificada.

23      Em terceiro lugar, ainda na hipótese de as obrigações impostas pela KoPl‑G aos prestadores de serviços de plataformas de comunicação deverem ser qualificadas de medidas tomadas em relação a «determinado serviço da sociedade da informação», na aceção do artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31, o mesmo órgão jurisdicional interroga‑se sobre se essas obrigações, sob reserva de preencherem as condições previstas no artigo 3.o, n.o 4, alínea a), desta diretiva, se aplicam, em princípio, aos serviços prestados pelas recorrentes no processo principal enquanto prestadores de serviços de plataformas de comunicação. Em caso afirmativo, seria então necessário determinar, no que respeita aos prestadores de serviços de plataformas de partilha de vídeos, na aceção do artigo 1.o, alínea a‑A), da Diretiva 2010/13, se o princípio do controlo no Estado‑Membro de origem, que se aplica igualmente no âmbito desta diretiva por força do seu artigo 28.o ‑A, n.o 1, que faz referência ao artigo 3.o da Diretiva 2000/31, obsta a que as obrigações impostas pela KoPl‑G aos prestadores de serviços estabelecidos no território de outro Estado‑Membro se apliquem aos conteúdos dessas plataformas quando não se trate de programas nem de vídeos criados pelos utilizadores.

24      Nestas condições, o Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 3.o, n.o 4, alínea a), ii), da [Diretiva 2000/31] ser interpretado no sentido de que uma medida legislativa que diz respeito a uma categoria genérica de determinados serviços da sociedade da informação (como plataformas de comunicação) também pode ser considerada uma medida relativa a “um determinado serviço da sociedade da informação”, ou a existência de uma medida na aceção desta norma exige que seja tomada uma decisão relacionada com um caso individual concreto (como por exemplo, uma plataforma de comunicação designada pelo nome)?

2)      Deve o artigo 3.o, n.o 5, da Diretiva 2000/31 ser interpretado no sentido de que a falta da notificação da medida adotada à Comissão e ao Estado‑Membro da sede «no mais curto prazo» (a posteriori) que, de acordo com esta disposição, deve ser realizada em caso de urgência, implica que, após o decurso do prazo suficiente para a notificação a posteriori, esta medida deixa de poder ser aplicada a um determinado serviço?

3)      O artigo 28.o ‑A, n.o 1, da [Diretiva 2010/13] opõe‑se à aplicação de uma medida na aceção do artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31 que não esteja relacionada com programas ou vídeos gerados pelos utilizadores, disponibilizados numa plataforma de partilha de vídeos?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

25      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31 deve ser interpretado no sentido de que medidas gerais e abstratas que visam uma categoria de determinados serviços da sociedade da informação descrita em termos gerais e que se aplicam indistintamente a qualquer prestador dessa categoria de serviços estão abrangidas pelo conceito de «medidas tomadas em relação a determinado serviço da sociedade da informação», na aceção desta disposição.

26      A esse respeito, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para interpretar uma disposição do direito da União cujos termos não se referem expressamente ao direito nacional, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (Acórdão de 15 de setembro de 2022, Federação das Empresas de Beleza, C‑4/21, EU:C:2022:681, n.o 47 e jurisprudência referida).

27      Em primeiro lugar, quanto à redação do artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31, importa constatar que esta disposição se refere a um «determinado serviço da sociedade da informação». A utilização do singular e do adjetivo «determinado» parece indicar que o serviço assim visado deve ser entendido como um serviço individualizado, prestado por um ou mais prestadores de serviços e que, por conseguinte, os Estados‑Membros não podem adotar, ao abrigo deste artigo 3.o, n.o 4, medidas gerais e abstratas que visem uma determinada categoria de serviços da sociedade da informação descrita em termos gerais e que se apliquem indistintamente a qualquer prestador dessa categoria de serviços.

28      A circunstância de o conceito de «medidas» poder incluir um amplo leque de medidas adotadas pelos Estados‑Membros não põe em causa esta apreciação.

29      Com efeito, recorrendo a esse conceito amplo e geral, o legislador da União Europeia deixou à discrição dos Estados‑Membros a natureza e forma das medidas que podem adotar em virtude do artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31. Em contrapartida, o recurso a esse conceito em nada afeta a essência e o conteúdo material de tais medidas.

30      Em segundo lugar, o contexto em que se inscreve este artigo e, de modo especial, as condições processuais previstas nesse artigo 3.o, n.o 4, alínea b), corroboram essa interpretação.

31      A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 3.o, n.o 4, desta diretiva, os Estados‑Membros podem tomar, em relação a um determinado serviço da sociedade da informação abrangido pelo domínio coordenado, medidas derrogatórias do princípio da livre circulação dos serviços da sociedade da informação, em duas condições cumulativas (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Airbnb Ireland, C‑390/18, EU:C:2019:1112, n.o 83).

32      Por um lado, nos termos do artigo 3.o, n.o 4, alínea a), da Diretiva 2000/31, a medida restritiva em causa deve ser necessária para garantir a defesa da ordem pública, a proteção da saúde pública, a segurança pública ou a defesa dos consumidores, ser tomada relativamente a um determinado serviço da sociedade da informação que lese efetivamente esses objetivos ou que comporte um risco sério e grave de os prejudicar e, por fim, ser proporcional aos referidos objetivos.

33      Por outro lado, o artigo 3.o, n.o 4, alínea b), desta diretiva prevê que o Estado‑Membro em causa deve ter previamente à tomada das medidas em questão, e sem prejuízo de diligências judiciais, incluindo a instrução e os atos praticados no âmbito de uma investigação criminal, não só solicitado ao Estado‑Membro, em cujo território está estabelecido o prestador do serviço em causa, que tome medidas e este último não as tenha tomado ou estas não tenham sido suficientes, mas também notificado à Comissão e a esse Estado‑Membro a sua intenção de tomar as medidas restritivas em causa.

34      A condição enunciada no número anterior tende a confirmar que os Estados‑Membros não podem restringir a livre circulação dos serviços da sociedade da informação provenientes de outros Estados‑Membros adotando medidas de caráter geral e abstrato que visem uma determinada categoria de serviços da sociedade da informação descrita em termos gerais.

35      Com efeito, ao obrigar os Estados‑Membros em que é prestado um serviço da sociedade da informação que, enquanto Estados‑Membros de destino desse serviço, desejam adotar medidas com fundamento no artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31, a pedir ao Estado‑Membro de origem do referido serviço, ou seja, ao Estado‑Membro em cujo território o prestador do mesmo serviço está estabelecido, que tome medidas, esta disposição pressupõe que os prestadores e, por conseguinte, os Estados‑Membros em causa possam ser identificados.

36      Ora, se os Estados‑Membros estivessem autorizados a restringir a livre circulação dos serviços da sociedade da informação através de medidas de caráter geral e abstrato aplicáveis indistintamente a qualquer prestador de uma categoria desses serviços, tal identificação seria, se não impossível, pelo menos excessivamente difícil, de modo que os Estados‑Membros não estariam em condições de respeitar essa condição processual.

37      Além disso, como sublinhou o advogado‑geral no n.o 68 das suas conclusões, se o artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31 devesse ser interpretado no sentido de que inclui medidas de caráter geral e abstrato indistintamente aplicáveis a qualquer prestador de uma categoria de serviços da sociedade da informação, tal levaria a que a notificação prévia prevista no artigo 3.o, n.o 4, alínea b), segundo travessão, dessa diretiva seria suscetível de duplicar a exigida pela Diretiva 2015/1535.

38      Com efeito, esta última diretiva exige, no essencial, que os Estados‑Membros notifiquem à Comissão qualquer projeto de regra técnica cujas regras relativas aos serviços incluam exigências de natureza geral relativas ao acesso às atividades de serviços da sociedade da informação e ao seu exercício.

39      Em terceiro lugar, interpretar o conceito de «medidas tomadas em relação a determinado serviço da sociedade da informação», na aceção do artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31, no sentido de que os Estados‑Membros podem adotar medidas de caráter geral e abstrato indistintamente aplicáveis a qualquer prestador de uma categoria de serviços da sociedade da informação poria em causa o princípio do controlo no Estado‑Membro de origem em que assenta esta diretiva e o objetivo do bom funcionamento do mercado interno por ela prosseguido.

40      A este respeito, importa recordar que o artigo 3.o da Diretiva 2000/31 é uma disposição central na economia e no sistema instituído por esta diretiva, visto que consagra este princípio, o qual é igualmente referido no considerando 22 desta diretiva, que enuncia que «o controlo dos serviços da sociedade da informação deve ser exercido na fonte da atividade».

41      Com efeito, em virtude deste artigo 3.o, n.o 1, cada Estado‑Membro assegurará que os serviços da sociedade da informação prestados por um prestador estabelecido no seu território cumpram as disposições nacionais aplicáveis nesse Estado‑Membro que se integrem no domínio coordenado. O artigo 3.o, n.o 2, desta diretiva precisa que os Estados‑Membros não podem, por razões que relevem do domínio coordenado, restringir a livre circulação dos serviços da sociedade da informação provenientes de outro Estado‑Membro.

42      A Diretiva 2000/31 assenta assim na aplicação dos princípios do controlo no Estado‑Membro de origem e do reconhecimento mútuo, de modo que, no âmbito do domínio coordenado definido no artigo 2.o, alínea h), desta diretiva, os serviços da sociedade de informação são regulados no único Estado‑Membro em cujo território estão estabelecidos os prestadores de tais serviços (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2011, eDate Advertising e o., C‑509/09 e C‑161/10, EU:C:2011:685, n.os 56 a 59).

43      Por conseguinte, por um lado, incumbe a cada Estado‑Membro, enquanto Estado‑Membro de origem dos serviços da sociedade da informação, regular esses serviços e, a esse título, proteger os objetivos de interesse geral mencionados no artigo 3.o, n.o 4, alínea a), i), da Diretiva 2000/31.

44      Por outro lado, em conformidade com o princípio do reconhecimento mútuo, cabe a cada Estado‑Membro, enquanto Estado‑Membro de destino dos serviços da sociedade da informação, não restringir a livre circulação desses serviços exigindo o cumprimento de obrigações suplementares, abrangidas pelo domínio coordenado, que tenha adotado.

45      Dito isto, como resulta do considerando 24 da Diretiva 2000/31, o legislador da União considerou legítimo, apesar da «regra do controlo na origem dos serviços da sociedade da informação», outra expressão do princípio do controlo no Estado‑Membro de origem previsto no artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva, que os Estados‑Membros possam, nas condições previstas na referida diretiva, adotar medidas destinadas a restringir a livre circulação dos serviços da sociedade da informação.

46      O artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31 permite assim, em determinadas condições, a um Estado‑Membro em que é prestado um serviço da sociedade da informação, derrogar o princípio da livre circulação dos serviços da sociedade da informação.

47      Todavia, interpretar esta disposição no sentido de que autoriza os Estados‑Membros a adotar medidas de caráter geral e abstrato indistintamente aplicáveis a qualquer prestador de uma categoria de serviços da sociedade da informação poria em causa o princípio do controlo no Estado‑Membro de origem enunciado nesse artigo 3.o, n.o 1.

48      Com efeito, o princípio do controlo no Estado‑Membro de origem cria uma repartição da competência regulamentar entre o Estado‑Membro de origem de um prestador de serviços da sociedade da informação e o Estado‑Membro em que o serviço em causa é prestado, ou seja, o Estado‑Membro de destino.

49      Ora, autorizar o segundo Estado‑Membro a adotar, ao abrigo do artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31, medidas de caráter geral e abstrato indistintamente aplicáveis a qualquer prestador de uma categoria desses serviços, quer esteja ou não estabelecido neste último Estado‑Membro, interferiria na competência regulamentar do primeiro Estado‑Membro e teria por efeito sujeitar esses prestadores tanto à legislação do Estado‑Membro de origem como à do ou dos Estados‑Membros de destino.

50      No entanto, resulta do considerando 22 da Diretiva 2000/31 que, como foi recordado no n.o 40 do presente acórdão, no sistema instituído por esta diretiva, o legislador da União previu que o controlo dos serviços da sociedade da informação seja exercido na fonte da atividade, ou seja, pelo Estado‑Membro de estabelecimento do prestador de serviços, com o triplo objetivo de garantir uma proteção eficaz dos interesses gerais, melhorar a confiança mútua entre os Estados‑Membros e garantir a eficácia da livre circulação de serviços e a segurança jurídica para os prestadores e os seus destinatários.

51      Por conseguinte, ao pôr em causa o princípio do controlo no Estado‑Membro de origem previsto no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31, a interpretação deste artigo 3.o, n.o 4, enunciada no n.o 47 do presente acórdão compromete o sistema e os objetivos desta diretiva.

52      Como a Comissão sublinhou, a possibilidade de derrogar o princípio da livre circulação dos serviços da sociedade da informação, prevista no artigo 3.o, n.o 4, da referida diretiva, não foi concebida para permitir aos Estados‑Membros a adoção de medidas gerais e abstratas destinadas a regular globalmente uma categoria de prestadores de serviços da sociedade da informação, mesmo que tais medidas lutem contra conteúdos que prejudiquem gravemente os objetivos enunciados no artigo 3.o, n.o 4, alínea a), i), desta mesma diretiva.

53      Por outro lado, permitir ao Estado‑Membro de destino adotar medidas gerais e abstratas destinadas a regular a prestação de serviços da sociedade da informação por prestadores não estabelecidos no seu território comprometeria a confiança mútua entre os Estados‑Membros e estaria em contradição com o princípio do reconhecimento mútuo, no qual, como foi recordado no n.o 42 do presente acórdão, se baseia a Diretiva 2000/31.

54      Além disso, ainda no que respeita a uma interpretação teleológica do artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31 e do conceito de «medidas tomadas em relação a determinado serviço da sociedade da informação», decorre do artigo 1.o, n.o 1, e do artigo 3.o, n.o 2, desta diretiva, lidos à luz do seu considerando 8, que o objetivo da referida diretiva é contribuir para o bom funcionamento do mercado interno, garantindo a livre circulação dos serviços da sociedade da informação entre os Estados‑Membros.

55      Nesta perspetiva, como resulta dos considerandos 5 e 6 da mesma diretiva, esta visa abolir os obstáculos jurídicos ao bom funcionamento do mercado interno, a saber, os obstáculos que advêm da divergência das legislações, bem como da insegurança jurídica dos regimes nacionais aplicáveis a estes serviços.

56      Ora, permitir aos Estados‑Membros adotar, ao abrigo do artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31, medidas de caráter geral e abstrato que visem uma categoria de determinados serviços da sociedade da informação descrita em termos gerais e que se apliquem indistintamente a qualquer prestador dessa categoria de serviços equivaleria, in fine, a submeter os prestadores de serviços em causa a legislações diferentes e, portanto, a reintroduzir os obstáculos jurídicos à livre prestação que esta diretiva visa suprimir.

57      Por último, importa recordar que o objetivo da Diretiva 2000/31, de assegurar a livre circulação dos serviços da sociedade da informação entre os Estados‑Membros, é prosseguido através de um mecanismo de controlo das medidas que o possam contrariar, permitindo simultaneamente à Comissão e ao Estado‑Membro em cujo território está estabelecido o prestador do serviço da sociedade da informação em causa velar para que essas medidas sejam necessárias para satisfazer razões imperiosas de interesse geral (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Airbnb Ireland, C‑390/18, EU:C:2019:1112, n.o 91).

58      Todavia, considerar que as medidas de caráter geral e abstrato que visam uma determinada categoria de serviços da sociedade da informação descrita em termos gerais não estão abrangidas pelo conceito de «medidas tomadas em relação a determinado serviço da sociedade da informação», na aceção do artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31, não tem por efeito subtrair tais medidas a esse mecanismo de controlo.

59      Pelo contrário, uma interpretação nesse sentido tem como consequência que os Estados‑Membros não estão, em princípio, autorizados a adotar tais medidas, de modo que nem sequer é exigida a verificação de que as referidas medidas são necessárias para satisfazer razões imperiosas de interesse geral.

60      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31 deve ser interpretado no sentido de que medidas gerais e abstratas que visam uma categoria de determinados serviços da sociedade da informação descrita em termos gerais e que se aplicam indistintamente a qualquer prestador dessa categoria de serviços não estão abrangidas pelo conceito de «medidas tomadas em relação a determinado serviço da sociedade da informação», na aceção desta disposição.

 Quanto às segunda e terceira questões

61      Resulta da decisão de reenvio, conforme resumida nos n.os 22 e 23 do presente acórdão, que o órgão jurisdicional de reenvio só submete as segunda e terceira questões para o caso de o Tribunal de Justiça considerar que deve responder pela afirmativa à primeira questão.

62      Ora, como se concluiu no n.o 60 do presente acórdão, deve ser dada uma resposta negativa a esta primeira questão.

63      Daqui resulta que, tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder às segunda e terceira questões.

 Quanto às despesas

64      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno,

deve ser interpretado no sentido de que:

medidas gerais e abstratas que visam uma categoria de determinados serviços da sociedade da informação descrita em termos gerais e que se aplicam indistintamente a qualquer prestador dessa categoria de serviços não estão abrangidas pelo conceito de «medidas tomadas em relação a determinado serviço da sociedade da informação», na aceção desta disposição.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.