Language of document : ECLI:EU:T:2011:213

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

16 de Maio de 2011 (*)

«Marca comunitária – Processo de declaração de nulidade – Marca nominativa comunitária ATLAS – Marca figurativa Benelux anterior atlasair – Requisitos de forma – Apresentação das alegações com os fundamentos do recurso – Suspensão do procedimento administrativo – Artigo 59.° do Regulamento (CE) n.° 40/94 [que passou a artigo 60.° do Regulamento (CE) n.° 207/2009] – Regra 20, n.° 7, do Regulamento (CE) n.° 2868/95»

No processo T‑145/08,

Atlas Transport GmbH, com sede em Düsseldorf (Alemanha), representada por U. Hildebrandt, K. Schmidt‑Hern e B. Weichhaus, advogados,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por G. Schneider, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte na Câmara de Recurso do IHMI, interveniente no Tribunal Geral,

Atlas Air Inc., com sede em Wilmington, Delaware (Estados Unidos da América), representada inicialmente por R. Dissmann e, depois, por R. Dissmann e J. Guhn, advogados,

que tem por objecto um recurso interposto da decisão da Primeira Câmara de Recurso do IHMI, de 24 de Janeiro de 2008 (processo R 1023/2007‑1), relativa a um processo de declaração de nulidade entre a Atlas Air Inc. e a Atlas Transport GmbH,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: J. Azizi (relator), presidente, E. Cremona e S. Frimodt Nielsen, juízes,

secretário: C. Heeren, administradora,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de Abril de 2008,

vista a contestação apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de Agosto de 2008,

após a audiência de 19 de Outubro de 2010,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O artigo 59.° do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1) [que passou a artigo 60.° do Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1)], prevê:

«O recurso deve ser interposto por escrito no Instituto num prazo de dois meses a contar da data de notificação da decisão a que se refere. O recurso só se considera interposto depois do pagamento da taxa de recurso. As alegações com os fundamentos do recurso devem ser apresentadas por escrito num prazo de quatro meses a contar da data de notificação da decisão.»

2        O artigo 61.° do Regulamento n.° 40/94 (que passou a artigo 63.° do Regulamento n.° 207/2009) prevê:

«1.      Se o recurso for admissível, a Câmara de Recurso verificará se lhe pode ser dado provimento.

2.      Durante o exame do recurso, a Câmara de Recurso convidará as partes, tantas vezes quantas forem necessárias, a apresentar, num prazo que lhes fixará, as suas observações sobre as notificações que lhes enviou ou sobre as comunicações das outras partes.»

3        A regra 20, n.° 7, alínea c), do Regulamento (CE) n.° 2868/95 da Comissão, de 13 de Dezembro de 1995, relativo à execução do Regulamento (CE) n.° 40/94 (JO L 303, p. 1), prevê:

«O Instituto pode decidir suspender o processo de oposição: […] se existirem circunstâncias que justifiquem a suspensão.»

4        A regra 48, n.° 1, do Regulamento n.° 2868/95, intitulado «Conteúdo do acto de recurso», prevê:

«O acto de recurso deve incluir: […]

c)      A indicação da decisão recorrida e em que medida é requerida a alteração ou revogação da mesma.»

5        A regra 49, n.° 1, do Regulamento n.° 2868/95 dispõe:

«Se o recurso não estiver em conformidade com o disposto nos artigos 57.° a 59.° do regulamento e nos n.os 1, alínea c), e 2 da regra 48, a Câmara de Recurso rejeitá‑lo‑á por inadmissibilidade […]»

 Antecedentes do litígio

6        Em 5 de Janeiro de 2006, a recorrente, Atlas Transport GmbH, obteve o registo da marca nominativa comunitária ATLAS para, entre outros, os serviços de transporte abrangidos pela classe 39, na acepção do acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, conforme revisto e alterado.

7        Em 21 de Julho de 2006, a interveniente, Atlas Air Inc., apresentou um pedido de declaração de nulidade da marca da recorrente (a seguir «pedido de declaração de nulidade de 21 de Julho de 2006»). O referido pedido fundava‑se, por um lado, num conflito, nos termos do artigo 52.°, n.° 1, alínea c), e do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 [que passaram a artigo 53.°, n.° 1, alínea c), e artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 207/2009], conjugados com algumas disposições nacionais, com as designações comerciais ATLAS AIR e ATLAS AIR Inc., utilizadas no Benelux, na Alemanha, no Reino Unido e noutros países europeus para serviços de frete aéreo, e, por outro lado, na existência de risco de confusão, mencionado no artigo 52.°, n.° 1, alínea a), e no artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 [que passaram a artigo 53.°, n.° 1, alínea a), e artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009] com a sua marca figurativa Benelux n.° 555184, registada em 19 de Abril de 1994 para «serviços de transporte aéreo, frete aéreo» da classe 39 na acepção do Acordo de Nice, a seguir representada:

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8        Em 13 de Dezembro de 2005, a interveniente aprsentou um novo pedido de declaração de nulidade da marca comunitária ATLAS TRANSPORT, registada sob o n.° 545681 (a seguir «pedido de declaração de nulidade de 13 de Dezembro de 2005»).

9        Em 28 de Agosto de 2006, a Divisão de Anulação indeferiu o pedido de apensação dos dois processos instaurados na sequência dos pedidos de declaração de nulidade de 13 de Dezembro de 2005 e de 21 de Julho de 2006.

10      Em 29 de Junho de 2007, a Divisão de Anulação deferiu o pedido de declaração de nulidade de 21 de Julho de 2006 com o fundamento de que havia risco de confusão, nos termos do artigo 52.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94, conjugado com o artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, com a marca Benelux anterior (a seguir «decisão controvertida»). Por conseguinte, decidiu que era inútil proceder à apreciação das designações comerciais anteriores.

11      Em 29 de Junho de 2007, a recorrente interpôs recurso da decisão controvertida para a Câmara de Recurso, reservando‑se o direito de apresentar posteriormente as alegações com os fundamentos de recurso.

12      Em 15 de Outubro de 2007, a recorrente dirigiu uma primeira carta à Câmara de Recurso, incluindo como anexo uma cópia, sem data, dum projecto de petição, acompanhado da respectiva tradução, em que se pedia a um tribunal do Benelux competente em matéria de marcas a anulação no registo da marca Benelux anterior da interveniente. Declarava, nessa carta:

«Com a presente, a recorrente apresenta a petição e a respectiva tradução pela qual pede ao tribunal competente do Benelux a anulação do registo anterior da recorrida. Esse registo Benelux constitui o único fundamento da decisão da divisão de anulação que se impugna no presente processo.»

13      Em 29 de Outubro de 2007, a recorrente dirigiu uma segunda carta à Câmara de Recurso, na qual declarava o seguinte:

«A recorrente remete para o seu memorando de 15 de Outubro de 2007 e expõe, pela presente, os fundamentos do seu recurso.

1. A decisão controvertida baseia‑se no registo Benelux n.° 555.184 de 4 de Maio de 1994. Se este registo for anulado, a recorrida perde todos os fundamentos da sua pretensão. A Câmara de Recurso tem conhecimento de que este fundamento é objecto de impugnação no tribunal competente do Benelux, a saber, o Tribunal de Haia.

2. Dito isto, coloca‑se também a questão da utilização do registo Benelux n.° 555.184, de forma a ser mantido o direito a essa marca. Essa utilização foi contestada no processo de declaração de nulidade [instaurado na sequência do pedido de declaração de nulidade de 13 de Dezembro de 2005] que corre seus termos no IHMI e também se contesta no presente processo. A recorrente pretende contestar a utilização, mas, ao mesmo tempo, não pretende atulhar o IHMI com documentos volumosos. A recorrente não se opõe a que a recorrida se limite a fazer referência às provas apresentadas no processo [instaurado na sequência do pedido de declaração de nulidade de 13 de Dezembro de 2005] e a que o IHMI decida que as provas se dão como apresentadas no presente processo. Compete, todavia, ao IHMI decidir esta questão.

3. Dado que o processo vai agora ser suspenso, aguardando a decisão do processo nacional, a recorrente abstém‑se de formular objecções [em relação] à decisão anexa. A recorrente limita as suas observações à declaração de que o titular dos direitos mais antigos sofreu uma injustiça que é contrária à justiça natural.»

14      Em 20 de Novembro de 2007, a recorrente apresentou no IHMI, no processo instaurado na sequência do pedido de declaração de nulidade de 13 de Dezembro de 2005, uma cópia da petição apresentada no Rechtbank van ’s‑Gravenhage (Tribunal de Haia, Países Baixos). Esta petição corresponde ao projecto de recurso anexado à carta de 15 de Outubro de 2007, no quadro do recurso instaurado na sequência do pedido de declaração de nulidade de 21 de Julho de 2006.

15      Por decisão de 24 de Janeiro de 2008, a Primeira Câmara de Recurso do IHMI julgou inadmissível o recurso interposto pela recorrente em 29 de Junho de 2007, na sequência do pedido de declaração de nulidade de 21 de Julho de 2006 (a seguir «decisão impugnada»). Fundamentou a sua decisão afirmando que, nos termos do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94 (que passou a artigo 60.° do Regulamento n.° 207/2009), as alegações com os fundamentos do recurso devem ser apresentadas por escrito num prazo de quatro meses. Estas alegações devem conter, pelo menos, a indicação sucinta dos factos e das questões de direito pertinentes e explicar por que razão a decisão controvertida está errada. Ora, nem a carta da recorrente de 15 de Outubro de 2007 nem a de 29 de Outubro de 2007 obedecem a estas condições. Pelo contrário, na carta de 29 de Outubro de 2007, a recorrente renunciou expressamente a suscitar objecções à decisão controvertida. Além disso, a Câmara de Recurso entendeu que não podia deferir o pedido de suspensão, na medida em que este se fundava apenas num projecto de acção a intentar num tribunal do Benelux competente em matéria de marcas e que não tinham sido apresentadas provas de que tivesse sido instaurada qualquer acção no referido tribunal. A Câmara de Recurso anotou ainda que o pedido de declaração de nulidade de 21 de Julho de 2006 não se fundava apenas numa marca Benelux anterior, mas também noutros direitos anteriores, na acepção do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

 Pedidos das partes

16      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o recorrido nas despesas.

17      O IHMI conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

18      A interveniente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas

 Questão de direito

 Introdução

19      No presente recurso, a recorrente apresenta dois fundamentos, consubstanciados, respectivamente, na violação do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94 e na violação do artigo 61.° do mesmo regulamento, conjugado com a regra 20, n.° 7, do Regulamento n.° 2868/95.

 Quanto à violação do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94

 Argumentos das partes

20      A recorrente afirma que a Câmara de Recurso infringiu o artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, sob duas perspectivas. Por um lado, entende que a Câmara de Recurso condicionou erradamente a exposição dos fundamentos a condições muito precisas. Por outro, entende que a Câmara de Recurso errou ao exigir uma fundamentação expressa. Na opinião da recorrente, basta uma fundamentação implícita.

21      Assim, em primeiro lugar, a recorrente entende que a obrigação de expor os fundamentos do recurso, constante do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, tem sido condicionada pelo Tribunal Geral às exigências «mais reduzidas que se possa imaginar».

22      Mais concretamente, a recorrente afirma que, no acórdão de 23 de Setembro de 2003, Henkel/IHMI – LHS (UK) (KLEENCARE) (T‑308/01, Colect., p. II‑3253), o Tribunal Geral decidiu que a obrigação de expor os fundamentos de um recurso, prevista no artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, visa apenas facilitar o bom andamento do processo de recurso, sem que, contudo, seja necessário entender que a extensão do exame que a Câmara de Recurso está obrigada a efectuar no que toca à decisão objecto de recurso é determinada ou limitada pelos fundamentos invocados pela parte que interpõe recurso. Além disso, o Tribunal Geral afirmou que a Câmara de Recurso tem o dever de efectuar um exame da decisão objecto de recurso, mesmo na falta de fundamentos específicos suscitados pelo recorrente (acórdão KLEENCARE, já referido, n.os 31 e 32).

23      A recorrente deduz do referido acórdão que a obrigação de expor os fundamentos do recurso, constante do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, é satisfeita desde que escreva «qualquer coisa sobre o litígio, que não se limite ao pedido».

24      A recorrente entende que, no caso vertente, cumpriu a referida «obrigação de fundamentar». Invoca a carta de 15 de Outubro de 2007, na qual dirigiu ao IHMI um projecto de recurso pedindo a anulação da marca da interveniente, e a carta de 29 de Outubro de 2007, na qual invocava a excepção da não utilização e remetia para o processo judicial pendente no Tribunal de Haia. Em apoio do seu argumento, a recorrente refere‑se à decisão da Quarta Câmara de Recurso do IHMI, de 31 de Janeiro de 2006 (processo R 440/2004‑4), e à opinião do relator da Câmara de Recurso, autor da decisão impugnada e de uma obra doutrinária.

25      Além disso, a recorrente entende que a simplificação do processo que resulta da exposição de fundamentos do recurso não constitui um argumento que contrarie a sua interpretação quanto ao alcance limitado da «obrigação de fundamentar» constante do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94. A simplificação do processo que resulta da exposição dos fundamentos do recurso pode ter uma importância essencial para a Câmara de Recurso e, por si só, pode justificar que a falta total de fundamentos conduza à inadmissibilidade do recurso.

26      Finalmente, a recorrente considera que o artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94 deve ser interpretado tomando em conta que não é obrigatória a representação por advogado nas Câmaras de Recurso do IHMI. Por consequência, esta disposição deve ser interpretada tendo em atenção que a mesma não se destina apenas a especialistas, mas a qualquer cidadão de União Europeia que poderá frequentemente limitar‑se a fazer observações gerais sobre «o seu caso».

27      Em segundo lugar, a recorrente entende que a Câmara de Recurso infringiu o artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, ao exigir uma exposição formal e explícita dos fundamentos do recurso.

28      A recorrente contesta que tivesse a obrigação de expor de modo expresso que a decisão controvertida não podia ser mantida. Considera que a Câmara de Recurso podia, sem dúvida alguma, se o desejasse, compreender a sua argumentação exposta na carta de 29 de Outubro de 2007, expressamente intitulada «exposição dos fundamentos do recurso», na qual alegava que a própria marca da interveniente era objecto de contestação, e, eventualmente, nula, e suscitava expressamente a excepção da não utilização. Ao proceder desta forma, é verdade que a recorrente não procedeu ao exame expresso da decisão controvertida, mas apreciou essa decisão de modo implícito e considerou implicitamente que a mesma não podia ser mantida.

29      Mais concretamente, a recorrente afirma que, em primeiro lugar, um leitor avisado só poderia entender a transmissão da petição apresentada no Tribunal de Haia no sentido de que a recorrente pretendia fazer referência à possível anulação da única marca da interveniente em que se baseava a decisão controvertida. Essa anulação teria como consequência que a decisão impugnada já não poderia ser proferida. A recorrente considera que, dessa forma, fez referência ao facto de que a decisão controvertida proferida pela Divisão de Anulação não podia ser mantida.

30      Em segundo lugar, a recorrente considera que o facto de ter invocado a excepção da não utilização devia ser entendido no sentido de que já tinha suscitado essa excepção na Divisão de Anulação. Entende que, dado que, nos termos da regra 22, n.° 1, do Regulamento n.° 2868/95, a não utilização de uma marca não podia ser suscitada pela primeira vez na Câmara de Recurso, o facto de ter invocado a excepção da não utilização na Câmara de Recurso só podia ser interpretado por esta no sentido de que a recorrente já tinha suscitado essa excepção na Divisão de Anulação.

31      A recorrente afirma também que essa exposição implícita dos fundamentos do recurso numa Câmara de Recurso satisfaz os requisitos do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, tendo em conta os elementos seguintes.

32      Em primeiro lugar, o IHMI é uma Administração multinacional, razão pela qual o legislador europeu se esforçou sempre por evitar as formalidades, tanto quanto possível, e por organizar os processos «de modo simples e acessível». Neste contexto, não se pode esperar uma fundamentação tão precisa e directa de uma pessoa que se exprime numa língua que não é a sua língua materna (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2003, Kik/IHMI, C‑361/01 P, Colect., p. I‑8283, n.os 93 e segs.).

33      Em segundo lugar, as pessoas que se dirigem ao IHMI são oriundas de meios jurídicos diversos, logo, de meios culturais diversos, e têm hábitos linguísticos diferentes, nos quais a crítica directa não é uniformemente habitual e considerada polida. Em muitos casos, a formulação indirecta ou implícita é privilegiada por razões de delicadeza. No caso vertente, as alegações com os fundamentos do recurso do anterior representante da recorrente correspondiam manifestamente a esses padrões de delicadeza. Além disso, a recorrente entende que, abstraindo deste problema de cultura jurídica, continua provavelmente a ser verdade que a «comunicação entre humanos» (e, por conseguinte, nas alegações dos fundamentos de um recurso), o destinatário «só compreende aquilo que quer, de facto, compreender». A linguagem não é o reflexo exacto da realidade, dependendo sempre da «interacção entre o emissor e o receptor». A este respeito, não há diferenças fundamentais entre a fundamentação implícita e a fundamentação explícita. Por isso, não é de modo algum obrigatória a rejeição de fundamentação meramente implícita.

34      Em terceiro lugar, a recorrente considera que o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral têm interpretado o dever de fundamentação no IHMI ou nos tribunais, em função da possibilidade de o destinatário da decisão entender a fundamentação. Sublinha que o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral «interpretam de modo compreensivo» os pedidos e argumentos das partes, tomando em consideração pedidos implícitos e fundamentando os seus acórdãos «naquilo que as partes efectivamente pretendiam». Sublinha que o Tribunal Geral e o Tribunal de Justiça admitiram em vários casos que o IHMI podia fundamentar as suas decisões de modo implícito. Considera que se não se exigem requisitos mais estritos nas fundamentações do IHMI e do Tribunal Geral, se deve aplicar o mesmo à fundamentação apresentada pelos profissionais do direito.

35      Em quarto lugar, a recorrente afirma que o artigo 6.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), e o artigo 1.° do Protocolo Adicional à CEDH seriam violados se os requisitos relativos à exposição de fundamentos fossem demasiado estritos. Se as partes num processo forem capazes de entender uma argumentação, nenhum objectivo processual permite justificar outras restrições. Impor requisitos adicionais relativamente a um recurso no IHMI restringiria o acesso a outras instâncias e, logo, aos órgãos jurisdicionais da União, violando o artigo 6.° da CEDH. Além disso, no caso vertente, esses requisitos adicionais ofenderiam o direito de propriedade da recorrente.

36      O IHMI e a interveniente contestam os argumentos expostos pela recorrente.

 Apreciação do Tribunal Geral

–       Quanto ao alcance do dever de apresentar os fundamentos do recurso nas alegações apresentadas na Câmara de Recurso

37      Nos termos do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, o recurso de uma decisão deve ser interposto por escrito no IHMI, num prazo de dois meses a contar da data da notificação da decisão a que se refere. As alegações com os fundamentos do recurso devem ser apresentadas por escrito, no prazo de quatro meses a contar da data de notificação da decisão.

38      Por outro lado, a regra 48, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 2868/95 estabelece que o acto de recurso deve incluir a indicação da decisão recorrida e em que medida é requerida a alteração ou revogação da mesma.

39      Finalmente, a regra 49 do Regulamento n.° 2868/95 precisa que se o recurso não estiver em conformidade com o disposto no artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94 e nos n.os 1, alínea c), e 2 da regra 48 do Regulamento n.° 2868/95, a Câmara de Recurso rejeitá‑lo‑á por inadmissibilidade, a menos que todas as irregularidades tenham sido corrigidas antes do termo do prazo aplicável previsto no artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94.

40      A interpretação sistemática destas disposições mostra que um recorrente que pretenda interpor recurso para a Câmara de Recurso tem o dever de, sob pena de o seu recurso ser declarado inadmissível, apresentar no IHMI, no prazo previsto, as alegações com os fundamentos do recurso e que estes fundamentos são mais do que a simples indicação da decisão que se pretende impugnar e da pretensão do recorrente de obter a respectiva anulação ou reforma pela decisão da Câmara de Recurso.

41      Por outro lado, resulta da interpretação literal do termo «fundamentos», reproduzido na primeira parte da última frase do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, que o recorrente deve explicar por escrito as razões que determinam o seu recurso. Não compete à Câmara de Recurso determinar, por dedução, os fundamentos em que assenta o recurso que deve apreciar. O articulado escrito do recorrente deve, por isso, permitir compreender as razões pelas quais pede à Câmara de Recurso que anule ou reforme a decisão.

42      A recorrente considera, no entanto, que, no acórdão KLEENCARE, referido no n.° 22, supra, o Tribunal Geral estabeleceu os requisitos da exposição dos fundamentos do recurso «mais reduzidos que se possa imaginar», de modo que, «basta que o recorrente escreva qualquer coisa sobre o litígio», que ultrapasse o simples pedido, para que se cumpra «o dever de fundamentar» a que se refere o artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94.

43      Esta interpretação do alcance do acórdão KLEENCARE, referido no n.° 22, supra, não deve ser acolhida. Com efeito, esse acórdão não trata directamente a questão do dever de expor os fundamentos do recurso a que se refere o artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, mas da extensão do exame da Câmara de Recurso quando lhe é submetido um recurso. O Tribunal Geral afirma, nesse contexto, que a extensão do referido exame em relação à decisão que é objecto do recurso não é, em princípio, determinada pelos fundamentos invocados pela parte que interpôs o recurso (n.os 29 a 32). O facto de o Tribunal Geral ter afirmado, neste contexto, que as alegações previstas no artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94 facilitam o bom andamento processual do recurso e que a Câmara de Recurso não está limitada na sua apreciação pelos fundamentos invocados nas alegações não indica de modo nenhum que os requisitos de fundamentação que incumbem ao recorrente por força desta disposição são reduzidos. Ao considerar que as alegações previstas no artigo 59.° do dito regulamento «facilitam o bom andamento do processo de recurso», o Tribunal Geral confirmou a razão de ser desse dever e o seu carácter substancial. Com efeito, este dever facilita o bom andamento do processo de recurso, na medida em que permite à Câmara de Recurso e, se for caso disso, à outra parte na primeira instância administrativa conhecerem as razões do recurso do recorrente. Por consequência, a recorrente não tem razão ao deduzir da jurisprudência KLEENCARE, referida no n.° 22, supra, que o dever de expor os fundamentos de recurso constante do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94 é cumprido quando o recorrente «escreve qualquer coisa sobre o litígio» e não se limita apenas ao pedido.

44      Por outro lado, deve observar‑se que, mesmo antes de poder questionar a extensão do exame da Câmara de Recurso, é necessário que lhe tenha sido submetido um recurso admissível, o que implica que o mesmo contenha, entre outros elementos, uma exposição dos fundamentos, na acepção do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94. Com efeito, a exposição, pelo recorrente, dos fundamentos do recurso da decisão impugnada constitui uma condição prévia essencial para que a Câmara de Recurso exerça a sua competência de fiscalização da mesma decisão. Assim, a pertinência das passagens do acórdão KLEENCARE, referido no n.° 22, supra, citadas pela recorrente no caso vertente, é também posta em causa, uma vez que a apreciação contida nessas passagens pressupõe que tenha sido interposto um recurso na Câmara de Recurso, devidamente fundamentado.

45      Finalmente, quanto ao argumento que a recorrente deduz da inexistência de obrigação de se fazer representar por advogado na Câmara de Recurso, não pode deixar de se reconhecer que esta inexistência de obrigação é aplicável tanto a uma parte recorrente como a outras partes. Por isso, deve observar‑se que, embora o recurso do recorrente não tenha de conter fundamentos que indiquem com precisão todas as disposições jurídicas aplicáveis, o recorrente deve, porém, indicar os elementos de facto e/ou de direito que, no seu entender, justificam a anulação ou a reforma da decisão que contesta, e os fundamentos de recurso devem ser suficientemente claros, para que, se necessário, uma outra eventual parte no processo não representada por advogado possa apreciar a oportunidade de apresentar observações e responder aos argumentos do recorrente.

46      Por conseguinte, tendo em conta tudo o que precede, deve concluir‑se que, quando o artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94 impõe ao recorrente o dever de apresentar alegações com os fundamentos do recurso, o recorrente deve expor, por escrito e de modo suficientemente claro, quais os elementos de facto e/ou de direito que justificam o seu pedido à Câmara de Recurso para anular ou reformar a decisão impugnada.

47      Esta interpretação sobre o alcance do dever de expor os fundamentos do recurso, previsto pelo artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, não pode ser posta em causa pelas apreciações da Câmara de Recurso noutros processos ou pelas do relator da Câmara de Recurso no caso vertente. Com efeito, essas apreciações não vinculam o Tribunal Geral.

48      Por outro lado, a natureza multinacional da administração do IHMI não permite interpretar o artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94 num sentido contrário à sua própria redacção. Com efeito, a apresentação dos fundamentos de recurso na Câmara de Recurso é uma condição de admissibilidade a que a recorrente não se pode eximir. Por outro lado, no que respeita aos singulares argumentos que a recorrente deduz das diferenças jurídico‑culturais das pessoas que se dirigem ao IHMI, basta afirmar que estas diferenças impõem uma fundamentação expressa do recurso, e não o contrário.

49      Finalmente, a analogia com o dever de fundamentação da Câmara de Recurso, invocada pela recorrente, não é pertinente para interpretar o dever de um recorrente de expor os fundamentos de recurso na Câmara de Recurso, dado que os referidos deveres incumbem, respectivamente, a uma pessoa e a uma administração. Do mesmo modo, a interpretação dos argumentos das partes pelo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal Geral no decurso de um processo judicial não é pertinente para apreender o dever de exposição dos fundamentos do recurso da recorrente, tendo em conta a diferente natureza do processo na Câmara de Recurso e dos processos nos órgãos jurisdicionais da União.

–       Quanto ao cumprimento do dever de exposição dos fundamentos no caso vertente

50      A recorrente apresentou duas cartas no IHMI, a saber, uma primeira carta, em 15 de Outubro de 2007, cujo teor foi reproduzido no n.° 12, supra, e uma segunda carta, em 29 de Outubro de 2007, cujo teor foi reproduzido no n.° 13, supra.

51      O artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94 prevê a apresentação de um único articulado e não de dois, como parece à primeira vista ter sido feito no caso vertente.

52      Todavia, a carta de 15 de Outubro de 2007 não contém uma exposição dos fundamentos pelos quais a recorrente pede a anulação da decisão controvertida. Com efeito, a referida carta limita‑se a informar o IHMI da acção de declaração de nulidade da marca Benelux da interveniente no tribunal competente e a precisar que essa marca Benelux constitui o único fundamento da decisão controvertida que contesta. Por conseguinte, a referida carta não pode constituir o articulado de alegações a que se refere o artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94. Esta conclusão não basta, porém, para implicar a inadmissibilidade do recurso da recorrente. Com efeito, nos termos da regra 49, n.° 1, do Regulamento n.° 2868/95, pode sanar‑se uma irregularidade no prazo de quatro meses previsto pelo artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94. Ora, não é contestado que, nos termos das disposições que regem a contagem dos prazos, previstas no Regulamento n.° 2868/95, a carta de 29 de Outubro de 2007 foi apresentada no referido prazo.

53      Quanto ao teor da carta de 29 de Outubro de 2007, deve observar‑se que a recorrente afirma, nos dois primeiros pontos da referida carta, que a decisão controvertida se baseava numa marca Benelux objecto de contestação e que entendia contestar a utilização da marca Benelux na Câmara de Recurso. Todavia, a recorrente afirma, no terceiro ponto da referida carta, que se abstém de contestar a decisão controvertida. Com esta frase, a recorrente contradiz‑se com o que expôs anteriormente, de modo que não se pode considerar que os dois primeiros pontos da carta exponham os fundamentos do recurso na Câmara de Recurso.

54      A conclusão de que na carta de 29 de Outubro de 2007 não foram expostos os fundamentos que suportassem o recurso na Câmara de Recurso não é posta em causa pelo facto de, após ter afirmado que se abstinha de contestar a decisão controvertida, a recorrente afirmar que «limita as suas observações à declaração de que o titular dos direitos mais antigos sofreu uma injustiça que é contrária à justiça natural». Com efeito, esta frase não permite compreender as razões que levam a recorrente a interpor recurso da decisão controvertida para a Câmara de Recurso. Nem a identidade do titular de direitos anteriores, nem a razão da sua detenção de direitos anteriores, nem a razão pela qual sofreu um prejuízo podem ser compreendidas. Mesmo admitindo que a recorrente era titular de direitos anteriores, como admitiu na audiência, não resulta da referida carta de que direitos se trata. O único direito anterior a que se faz referência na carta de 29 de Outubro de 2007 é a marca Benelux invocada no primeiro e no segundo ponto da referida carta. Todavia, em relação à marca da recorrente, aquela marca Benelux ou é anterior ou é nula. O direito anterior que a recorrente alega possuir não é, por isso, nem a sua marca nem a marca Benelux. Por conseguinte, a última frase da carta de 29 de Outubro de 2007 não pode ser considerada como uma fundamentação suficiente do recurso que a recorrente interpôs para a Câmara de Recurso.

55      Vista a inexistência de fundamentos claros e compreensíveis nas cartas de 15 e 29 de Outubro de 2007 e dado que a exposição dos fundamentos na Câmara de Recurso deve, nomeadamente, permitir a uma potencial parte interveniente, sem a assistência de um advogado, apreciar a oportunidade de responder aos argumentos contidos no recurso da recorrente, deve considerar‑se que o recurso da recorrente para a Câmara de Recurso não cumpre os requisitos do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94. Nem na petição de recurso nem em nenhum outro documento posterior apresentado na Câmara de Recurso no prazo estabelecido, a recorrente expôs os fundamentos do recurso de modo suficientemente claro para poderem constituir uma exposição de fundamentos do recurso na acepção do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94.

56      Nenhum dos outros argumentos expendidos pela recorrente quanto ao referido dever de fundamentar pode pôr em causa esta apreciação. Com efeito, a recorrente continua a não demonstrar em que medida a exigência de fundamentação mencionada no n.° 46, supra, e a sua aplicação no caso vertente constituem uma violação do artigo 6.° da CEDH. Além disso, a referida exigência é proporcionada ao objectivo de facilitar o andamento do processo e, dado o teor das cartas de 15 e 29 de Outubro de 2007, não se pode considerar que estas tenham facilitado o andamento do processo na Câmara de Recurso. Por outro lado, os argumentos deduzidos da psicologia das partes, da delicadeza e da teoria da linguagem são infundados, dado o alcance do dever de fundamentar na Câmara de Recurso, definido no n.° 46, supra, e o teor das cartas de 15 e 29 de Outubro de 2007. Esta apreciação é confirmada pela circunstância de que, no caso vertente, a recorrente era representada por um advogado no decurso do processo na Câmara de Recurso, como resulta da assinatura das cartas de 15 e de 29 de Outubro de 2007. Ora, a representação dos clientes por um advogado implica que este esteja em condições de expor claramente as razões pelas quais o seu cliente pede a anulação da decisão controvertida.

57      No entanto, há ainda que examinar se o argumento da recorrente fundado no seu pedido de suspensão é susceptível de influenciar as consequências da violação do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, neste caso concreto.

 Quanto à violação do artigo 61.° do Regulamento n.° 40/94, conjugado com a regra 20, n.° 7, do Regulamento n.° 2868/95

 Argumentos das partes

58      A recorrente entende que o processo na Câmara de Recurso devia ter sido suspenso na sequência da carta de 15 de Outubro de 2007, na qual explicava que a marca Benelux da interveniente era objecto de recurso para um tribunal competente nessa matéria e seria provavelmente anulada. Segundo a recorrente, esta circunstância excluía a manutenção da decisão controvertida pela Câmara de Recurso. Além disso, como a marca Benelux constituía o único fundamento da decisão controvertida, o processo devia necessariamente ser suspenso até que fosse proferida decisão sobre a validade dessa marca. A decisão de não suspender o processo neste caso constitui, por isso, um desvio de poder.

59      A recorrente afirma também que, se o processo tivesse sido suspenso em 15 de Outubro de 2007, esta suspensão teria impedido que expirasse o prazo para apresentação das alegações com os fundamentos do recurso. Por consequência, o referido prazo não teria ainda expirado, de modo que o recurso na Câmara de Recurso não poderia ser julgado inadmissível por «falta de fundamentação».

60      O IHMI e a interveniente contestam os argumentos da recorrente.

 Apreciação do Tribunal Geral

61      No caso vertente, a Câmara de Recurso indeferiu o pedido de suspensão formulado pela recorrente, pelos fundamentos seguintes:

«A suspensão, que é geralmente concedida ao abrigo da regra 20, n.° 7, do [Regulamento n.° 2868/95], aplicado por analogia aos processos de anulação (v. decisão da Câmara de Recurso de 24 de Janeiro de 2008, no processo [R 285/2007‑1] – Le Meridien), não é um direito automático. Trata‑se de uma decisão que só é tomada se a suspensão for julgada apropriada após o exame dos interesses das diferentes partes. No caso vertente, o pedido de suspensão não estava devidamente fundamentado e apoiava‑se apenas numa cópia de uma petição judicial desprovida de data. Não foi produzida prova de que tivesse sido intentada uma acção contra a marca Benelux anterior no tribunal competente. Mesmo tomando em consideração o documento apresentado no quadro do processo de anulação paralelo, a Câmara observa que a parte pertinente não foi traduzida. Em terceiro lugar, o pedido de anulação não se fundava exclusivamente na marca Benelux, mas também em três outros direitos anteriores, conferidos nos termos do artigo 8.°, n.° 4, do [Regulamento n.° 40/94]. A validade da marca Benelux anterior só era determinante para a solução do presente processo, no caso de o pedido de declaração de nulidade ter de ser julgado improcedente no que respeita aos direitos conferidos ao abrigo do artigo 8.°, n.° 4, do [Regulamento n.° 40/94].» (n.° 16 da decisão impugnada)

62      A este propósito, deve sublinhar‑se que a suspensão do processo na Câmara de Recurso não produz efeitos no prazo de quatro meses para apresentação das alegações com os fundamentos do recurso para a Câmara de Recurso, previsto no artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94. Mais concretamente, o referido prazo tem as mesmas características que o prazo de recurso na Câmara de Recurso, no sentido de que não está na disponibilidade das partes nem na da Câmara de Recurso. Com efeito, diferentemente de outras disposições, como a regra 49, n.° 2, e a regra 71, n.° 1, do Regulamento n.° 2868/95, o artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94 fixa este prazo, sem conferir ao IHMI a competência para o fazer. Além disso, o artigo 78.°‑A, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94 (que passou a artigo 82.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009) exclui que a parte que tenha interposto um recurso possa conseguir que o IHMI dê seguimento ao processo quando ela não respeita um dos prazos previstos pelo artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94. Finalmente, a regra 49, n.° 1, do Regulamento n.° 2868/95 prevê que a Câmara de Recurso declare inadmissível um recurso para ela interposto, se o mesmo não cumprir as condições previstas no artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, a não ser que as irregularidades em causa tenham sido sanadas antes do termo do prazo correspondente fixado no artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94.

63      Por conseguinte, mesmo considerando que, neste caso, a Câmara de Recurso deveria ter suspendido o processo que nela estava pendente, esta circunstância não poderia implicar a prorrogação do prazo de quatro meses para apresentação das alegações com os fundamentos do recurso da recorrente. Assim, no caso vertente, na sequência da análise da exposição de fundamentos alegada pela recorrente, deve concluir‑se que esta não fundamentou devidamente o seu recurso para a Câmara de Recurso, no prazo legalmente fixado. Ora, essa omissão do dever, previsto no artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, de expor os fundamentos do recurso deve ser sancionada pela inadmissibilidade do recurso. Por consequência, a Câmara de Recurso não podia tomar outra decisão que não fosse declarar o recurso manifestamente inadmissível.

64      Resulta do exposto que o fundamento pelo qual a recorrente critica a Câmara de Recurso por não ter suspendido o recurso para ela interposto, aguardando a decisão do Tribunal de Haia, no qual a recorrente tinha intentado uma acção de declaração de nulidade da marca Benelux anterior, deve ser julgado improcedente.

65      Mesmo supondo que o referido fundamento não fosse improcedente, devem fazer‑se as seguintes observações quanto à justeza da argumentação da recorrente em apoio desse fundamento.

66      Deve notar‑se liminarmente que as disposições do quadro regulamentar aplicáveis não conferiram à Câmara de Recurso o poder de suspender um processo de declaração de nulidade. Todavia, o artigo 79.° do Regulamento n.° 40/94 (que passou a artigo 83.° do Regulamento n.° 207/2009) prevê que, na falta de uma disposição processual no referido regulamento, no regulamento de execução, no Regulamento (CE) n.° 2869/95 da Comissão, de 13 de Dezembro de 1995, relativo às taxas a pagar ao IHMI (JO L 303, p. 33), ou no Regulamento (CE) n.° 216/96 da Comissão, de 5 de Fevereiro de 1996, que estabelece o regulamento processual das Câmaras de Recurso do IHMI (JO L 28, p. 11), o IHMI tomará em consideração os princípios geralmente aceites nos Estados‑Membros sobre a matéria. Ora, a possibilidade de uma instância jurisdicional suspender um processo nela pendente, quando as circunstâncias do caso o justifiquem, deve ser considerada um princípio geralmente aceite nos Estados‑Membros. A regra 20, n.° 7, do Regulamento n.° 2868/95 e o artigo 8.° do Regulamento n.° 216/96, que prevêem a possibilidade de suspender o processo na Câmara de Recurso, respectivamente, num processo de oposição e na sequência de um parecer do secretário da Câmara de Recurso sobre a admissibilidade de um recurso interposto para a referida Câmara, constituem a expressão do princípio geral acima referido.

67      Por outro lado, a aplicação, por analogia, da regra 20, n.° 7, alínea c), do Regulamento n.° 2868/95 num processo de declaração de nulidade justifica‑se quando o processo de oposição fundado no artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e o processo por nulidade relativa fundado no artigo 52.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94 têm por objecto apreciar o risco de confusão entre duas marcas e a possibilidade de suspender a instância contribui para a eficácia dos referidos processos.

68      Por conseguinte, a Câmara de Recurso tem o poder de suspender a instância num processo de declaração de nulidade quando as circunstâncias o justifiquem.

69      Em seguida, deve observar‑se que o poder de apreciação da Câmara de Recurso para suspender ou não a instância é amplo. A regra 20, n.° 7, alínea c), do Regulamento n.° 2868/95 é um exemplo deste amplo poder de apreciação, indicando que a Câmara de Recurso pode suspender o processo se houver circunstâncias que justifiquem a suspensão. A suspensão é uma faculdade da Câmara de Recurso, que apenas a exerce quando a considera justificada [v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 16 de Setembro de 2004, Metro‑Goldwyn‑Mayer Lion/IHMI – Moser Grupo Media (Moser Grupo Media), T‑342/02, Colect., p. II‑3191, n.° 46]. O processo na Câmara de Recurso não é, por conseguinte, automaticamente suspenso na sequência de um pedido nesse sentido formulado por uma parte no processo.

70      A circunstância de a Câmara de Recurso dispor de um amplo poder de apreciação para suspender um processo nela pendente não subtrai o exercício desse poder à fiscalização jurisdicional. Esta circunstância, no entanto, restringe a referida fiscalização quanto ao mérito ao exame da inexistência de erro manifesto de apreciação ou de desvio de poder.

71      No caso vertente, a recorrente considera que a decisão da Câmara de Recurso de não suspender a instância constitui um desvio de poder.

72      A este propósito, deve recordar‑se que uma decisão só está viciada por desvio de poder quando se verifique, com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, que foi tomada para alcançar fins diversos dos invocados [acórdãos do Tribunal Geral de 24 de Abril de 1996, Industrias Pesqueras Campos e o./Comissão, T‑551/93, T‑231/94 a T‑233/94 e T‑234/94, Colect., p. II‑247, n.° 168; de 19 de Setembro de 2001, Henkel/IHMI (Imagem de um detergente), T‑30/00, Colect., p. II‑2663, n.° 70; e de 12 de Dezembro de 2002, eCopy/IHMI (ECOPY), T‑247/01, Colect., p. II‑5301, n.° 22]. A recorrente, porém, não apresenta elementos que demonstrem que, ao recusar a suspensão da instância, a Câmara de Recurso exerceu os seus poderes para alcançar fins diversos daqueles para os quais os poderes lhe foram conferidos, ou que a recusa de suspensão da instância resulta de desvio de poder.

73      Por conseguinte, a recorrente não tem razão quando alega que a decisão impugnada está ferida de desvio de poder em virtude de ter sido indeferido o pedido que apresentou à Câmara de Recurso para suspensão da instância que levou à decisão impugnada.

74      Além disso, a recorrente entende, em substância, que a decisão da Câmara de Recurso que recusou a suspensão da instância no caso vertente está ferida por erro manifesto de apreciação.

75      A este propósito, deve recordar‑se que, na decisão impugnada, a Câmara de Recurso justificou a recusa de suspensão da instância pela falta de prova suficiente de que estivesse pendente no tribunal competente uma acção de declaração de nulidade da marca Benelux anterior (v. n.° 61, supra). Ora, o simples projecto de petição anexado à carta de 15 de Outubro de 2007, no qual se contesta a validade da marca Benelux, não constitui uma prova da pendência efectiva de uma acção no tribunal competente para declaração da nulidade da marca Benelux anterior. Por consequência, a Câmara de Recurso podia fundamentar o indeferimento do pedido de suspensão nessa falta de prova, sem cometer um erro manifesto de apreciação.

76      Acresce que, mesmo supondo que fosse demonstrado que num tribunal nacional estava pendente uma acção contestando a validade da marca anterior na qual se fundava a decisão impugnada, essa demonstração não basta, por si só, para qualificar como erro manifesto de apreciação a recusa da Câmara de Recurso de suspender a instância. Com efeito, no exercício do seu poder de apreciação quanto à suspensão da instância, a Câmara de Recurso deve respeitar os princípios gerais que regem um processo equitativo numa comunidade de direito. Assim, no referido exercício, deve ter em conta não apenas o interesse da parte cuja marca comunitária é contestada mas também o das outras partes. A decisão de suspender ou de não suspender a instância deve ser o resultado de uma ponderação dos interesses em causa. Ora, no caso vertente, a interveniente tinha um interesse legítimo em obter sem demora uma decisão sobre a alegada nulidade da marca da recorrente. Por outro lado, a recorrente não demonstra que a Câmara de Recurso tenha decidido a questão da suspensão por considerações diversas da ponderação dos diferentes interesses em causa. Visto o que fica exposto, a recorrente não demonstrou que a Câmara de Recurso cometeu um erro ao recusar a suspensão da instância.

77      Aliás, se a recorrente entendia realmente que o processo de declaração de nulidade em que contestava a validade da marca Benelux anterior constituía, necessariamente, uma condição prévia para o litígio no IHMI, competia‑lhe intentar essa outra acção e esperar que chegasse ao seu termo, antes de apresentar ao IHMI o seu pedido de registo.

78      Tendo em conta o conjunto dos argumentos que precedem, todos os fundamentos da recorrente devem ser julgados improcedentes e, consequentemente, o recurso improcede na sua totalidade.

 Quanto às despesas

79      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

80      Tendo a recorrente sido vencida, deve ser condenada nas despesas, conforme os pedidos do IHMI e da interveniente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Atlas Transport GmbH é condenada a suportar as suas próprias despesas, as do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) e as da Atlas Air Inc.

Azizi

Cremona

Frimodt Nielsen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de Maio de 2011.

Assinaturas


** Língua do processo: alemão.