Language of document : ECLI:EU:T:2018:517

Processo T664/16

PJ

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia

«Marca da União Europeia — Representação por um advogado que não tem a qualidade de terceiro independente face à recorrente — Substituição de uma parte no litígio — Transferência dos direitos da requerente de uma marca da União Europeia — Representação por um advogado que não tem a qualidade de terceiro independente face à requerente da substituição — Inadmissibilidade»

Sumário — Despacho do Tribunal Geral (Quarta Secção) de 30 de maio de 2018

1.      Processo judicial — Fundamentos de inadmissibilidade de ordem pública — Representação do recorrente

(Regulamento de Processo do Tribunal Geral, artigo 129.°)

2.      Processo judicial — Petição inicial — Requisitos formais — Requisitos relativos ao signatário — Qualidade de terceiro em relação às partes — Parte representada por um advogado empregado por uma entidade ligada à parte — Desrespeito da exigência de independência

(Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, artigos 19.°, terceiro e quarto parágrafos, 21.°, primeiro parágrafo, e 53.°, primeiro parágrafo; Regulamento de Processo do Tribunal Geral, artigo 73.°, n.° 1)

3.      Processo judicial — Petição inicial — Requisitos formais — Requisitos relativos ao signatário — Qualidade de terceiro em relação às partes — Interpretação autónoma

(Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, artigo 19.°, terceiro parágrafo)

4.      Direito da União Europeia — Princípios gerais de direito — Segurança jurídica

5.      Processo judicial — Petição inicial — Requisitos formais — Requisitos relativos ao signatário — Qualidade de terceiro em relação às partes — Segurança jurídica

(Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, artigo 19.°, terceiro parágrafo)

1.      A questão da representação do recorrente é de ordem pública e pode, a esse título, e nos termos do artigo 129.o do Regulamento de Processo, ser examinada oficiosamente pelo Tribunal a todo o tempo.

(cf. n.° 47)

2.      Por força do artigo 19.o, terceiro e quarto parágrafos, e do artigo 21.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicáveis ao processo no Tribunal Geral por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto, e do artigo 73.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do mesmo Tribunal, as partes que não sejam os Estados‑Membros e as instituições da União Europeia, o Órgão de Fiscalização da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) ou os Estados partes no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), devem ser representadas por um advogado autorizado a exercer nos órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro ou de outro Estado parte no Acordo sobre o EEE. Além disso, a petição ou requerimento deve conter a indicação do nome e do domicílio do demandante ou do recorrente e a qualidade do signatário. Por último, o original de qualquer ato processual deve ser assinado pelo agente ou pelo advogado da parte.

Segundo jurisprudência constante, resulta das referidas disposições, e em particular da utilização do termo «representadas» constante do artigo 19.o, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que, para efeitos de interposição de um recurso no Tribunal Geral, uma «parte» na aceção desse artigo, seja qual for a sua qualidade, não é autorizada a agir ela própria, devendo recorrer aos serviços de um terceiro que deve estar autorizado a exercer nos órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro ou de outro Estado parte no Acordo sobre o EEE.

A este respeito, há que lembrar que a conceção do papel do advogado na ordem jurídica da União, que emana das tradições jurídicas comuns aos Estados‑Membros e sobre a qual o artigo 19.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia se baseia, é a de um colaborador da justiça chamado a fornecer, com toda a independência e no interesse superior da mesma, a assistência legal de que o cliente precisa. Esta assistência é a fornecida por um advogado que é, estrutural, hierárquica e funcionalmente, um terceiro relativamente à empresa que beneficia dessa assistência. Esta interpretação da exigência de independência do advogado é pertinente no âmbito da representação nos órgãos jurisdicionais da União.

Assim, já foi declarado que a exigência de independência do advogado implica a ausência de qualquer relação de trabalho entre este último e o seu cliente. Com efeito, o conceito de independência do advogado é definido não apenas de forma positiva, ou seja, mediante referência aos deveres deontológicos, mas também de forma negativa, isto é, pela falta de uma relação de trabalho.

Este raciocínio aplica‑se da mesma forma numa situação em que um advogado é empregado por uma entidade ligada à parte que representa.

Também já foi decidido que o advogado de uma parte na aceção do artigo 19.o, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia não devia ter uma ligação pessoal ao processo em causa ou de dependência em relação ao seu cliente suscetível de o fazer correr o risco de não ter condições para cumprir o seu papel essencial de auxiliar da justiça da forma mais adequada. Em particular, o Tribunal Geral considerou que as relações económicas ou estruturais que o representante tinha com o seu cliente não deviam ser suscetíveis de criar uma confusão entre os interesses próprios do cliente e os interesses pessoais do seu representante.

Assim, a exigência imposta pelo direito da União às partes não privilegiadas de serem representadas perante o Tribunal Geral por um terceiro independente não pode ser entendida como tendo por único objetivo excluir a representação por assalariados do mandante ou por pessoas economicamente dependentes deste último.

(cf. n.os 51‑57)

3.      Embora a conceção do papel do advogado na ordem jurídica da União emane das tradições jurídicas comuns aos Estados‑Membros é objeto, no quadro dos litígios submetidos aos órgãos jurisdicionais da União, de uma aplicação objetiva, que é necessariamente independente das ordens jurídicas nacionais. Assim, as disposições relativas à representação das partes não privilegiadas nos órgãos jurisdicionais da União devem ser interpretadas, na medida do possível, de maneira autónoma, sem referência ao direito nacional. Ora, o conceito de independência do advogado é, no direito da União Europeia, definido não apenas de forma positiva, com base na pertença a uma Ordem dos Advogados ou na sujeição às regras de disciplina e deveres deontológicos, mas também de forma negativa.

(cf. n.° 67)

4.      O princípio geral da segurança jurídica exige, é certo, que uma regulamentação seja clara e precisa, a fim de que os particulares possam conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade. Todavia, a fim de determinar se as exigências resultantes desse princípio são satisfeitas importa ter em conta todos os elementos pertinentes que resultam dos termos, da finalidade ou da economia dessa regulamentação, se necessário com o auxílio da interpretação que deles é feita pelos tribunais.

(cf. n.° 70)

5.      A expressão «[a]s outras partes devem ser representadas por um advogado», constante do artigo 19.o, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, exclui assim que uma parte e o seu representante possam ser uma só e a mesma pessoa. Em seguida, a conceção do papel do advogado na ordem jurídica da União, e nomeadamente da exigência de independência, cujo respeito deve ser examinado caso a caso, emana das tradições jurídicas comuns aos Estados‑Membros. Por fim, resulta de jurisprudência constante dos órgãos jurisdicionais da União que a assistência legal fornecida «com toda a independência» é a fornecida por um advogado que é, estrutural, hierárquica e funcionalmente, um terceiro relativamente à pessoa que beneficia dessa assistência. Por conseguinte, o facto de a exigência de independência não ser prevista de maneira explícita pelo Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia ou no Regulamento de Processo não pode violar o princípio da segurança jurídica.

(cf. n.° 71)