Language of document : ECLI:EU:T:2023:651

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção Alargada)

18 de outubro de 2023 (*)

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado do modafinilo — Decisão que declara uma infração ao artigo 101.o TFUE — Transação em litígios em matéria de patentes — Restrição da concorrência pelo objetivo — Qualificação — Restrição da concorrência pelo efeito — Condições de isenção do artigo 101.o, n.o 3, TFUE — Coimas»

No processo T‑74/21,

Teva Pharmaceutical Industries Ltd, com sede em Petah Tikva (Israel),

Cephalon Inc., com sede em West Chester, Pensilvânia (Estados Unidos),

representadas por D. Tayar, S. Ortoli e A. Richard, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por G. Conte, T. Franchoo e C. Sjödin, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção Alargada),

composto por: F. Schalin (relator), presidente, M. Jaeger, P. Škvařilová‑Pelzl, I. Nõmm e D. Kukovec, juízes,

secretário: M. Zwozdziak‑Carbonne, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 14 de dezembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, as recorrentes, Teva Pharmaceutical Industries Ltd (a seguir «Teva») e Cephalon Inc., pedem a anulação da Decisão C (2020) 8153 final da Comissão Europeia, de 26 de novembro de 2020, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE (Processo AT.39686‑CEPHALON) (a seguir «decisão recorrida») e, a título subsidiário, a supressão ou a redução do montante das coimas.

I.      Antecedentes do litígio

2        A Cephalon é uma empresa biofarmacêutica, com sede nos Estados Unidos, que fornece simultaneamente medicamentos originais e genéricos em todo o mundo. As atividades principais da Cephalon englobam a investigação e o desenvolvimento, bem como a colocação de medicamentos no mercado, com especial ênfase nas perturbações do sistema nervoso central, incluindo as perturbações do sono, a dor, a oncologia, as doenças inflamatórias e a medicina regenerativa.

3        A Teva é uma multinacional farmacêutica com atividade no desenvolvimento, produção e comercialização de medicamentos genéricos, bem como de produtos farmacêuticos inovadores e especializados, de ingredientes farmacêuticos ativos e de produtos de venda livre.

4        Em outubro de 2011, depois de a Comissão ter aprovado a concentração notificada, através da Decisão C (2011) 7435 final (processo COMP/M. 6258 Teva/Cephalon), de 13 de outubro de 2011, com base no artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas («Regulamento das concentrações comunitárias») (JO 2004, L 24, p. 1), a Cephalon foi adquirida pela Teva.

A.      Produto em causa e patentes relativas a este

5        O produto em causa no presente processo corresponde aos medicamentos que contêm o princípio farmacêutico ativo (a seguir «IPA») denominado modafinilo. O modafinilo é um agente estimulante de longa duração de aquecimento utilizado para o tratamento de certas perturbações do sono.

6        O modafinilo foi descoberto pelo laboratório Lafon, uma empresa farmacêutica francesa, em 1976. A Lafon começou por registar o seu produto modafinilo sob a marca Modiodal, em 24 de junho de 1992 em França, depois sob as marcas Provigil, Vigil ou Modasomil noutros países.

7        Em 1993, a Cephalon obteve os direitos exclusivos sobre o modafinilo junto da Lafon e, em 2001, adquiriu finalmente na íntegra a sociedade Lafon. Em 1997, a Cephalon começou a vender modafinilo com a marca Provigil no Reino Unido. Em 2005, vendia modafinilo em vários países do Espaço Económico Europeu (EEE).

8        No que diz respeito ao EEE, as diferentes patentes nacionais de molécula de Cephalon para o IPA do modafinilo expiraram, o mais tardar, em 2003, ao passo que a proteção dos dados relativos a este IPA expirou, o mais tardar, em 2005.

9        Embora as patentes sobre a molécula do modafinilo tenham caducado, a Cephalon detinha ainda patentes secundárias sobre a dimensão das partículas e outras patentes relacionadas com o modafinilo que expiravam em 2015 no EEE.

10      O medicamento Provigil era o produto mais importante da carteira da Cephalon em termos de vendas. Tendo em conta a chegada ao mercado dos produtos genéricos num futuro próximo e para proteger as suas atividades no domínio em causa, a Cephalon trabalhou num produto de segunda geração, denominado Nuvigil, baseado no IPA do modafinilo, que tencionava colocar no mercado para substituir progressivamente o Provigil a partir de 2006, primeiro nos Estados Unidos e depois no EEE. A Cephalon tinha ainda previsto o lançamento de outro medicamento à base de modafinilo, denominado Sparlon. Finalmente, a Cephalon não lançou o Nuvigil nem o Sparlon no EEE. Por outro lado, este último não obteve autorização nos Estados Unidos.

11      No final de 2002, quando quatro sociedades do setor dos genéricos, entre as quais a Teva, pediram uma autorização regulamentar para comercializarem os seus produtos genéricos do modafinilo nos Estados Unidos, a Cephalon intentou uma ação por contrafação de patente nos Estados Unidos.

12      Em junho de 2005, a Teva lançou o seu produto genérico do modafinilo no Reino Unido.

13      Em 6 de julho de 2005, no seguimento de uma troca de cartas, a Cephalon propôs uma ação judicial em matéria de patentes contra a Teva na High Court of Justice (England & Wales) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Reino Unido] e requereu uma injunção provisória para impedir a Teva de vender o seu produto genérico do modafinilo no Reino Unido. Seguidamente, a Teva deduziu um pedido reconvencional de declaração de nulidade.

14      Antes da audiência sobre o pedido de injunção provisória prevista para 11 de julho de 2005, a Teva aceitou deixar de vender produtos genéricos do modafinilo no Reino Unido. Em contrapartida, a Cephalon aceitou prestar uma garantia de 2,1 milhões de libras esterlinas (GBP) (cerca de 3,07 milhões de euros) para o caso de a Teva ter ganho de causa no processo judicial e ter o direito de reclamar uma indemnização pelos lucros cessantes.

15      As negociações para uma transação tiveram início no final de novembro de 2005.

B.      Transação controvertida

16      Em 8 de dezembro de 2005, a Cephalon e a Teva lavraram um termo de transação (a seguir «Acordo de Transação»). O Acordo de Transação foi igualmente celebrado pelos seus membros e entrou em vigor em 4 de dezembro de 2005.

17      Nos termos do Acordo de Transação, estipula‑se, nomeadamente, que, por força da cláusula 2.a, a Teva se obriga a não entrar de forma independente nem concorrer com a Cephalon no mercado do modafinilo (a seguir «cláusula de não concorrência») e a não contestar as patentes do modafinilo da Cephalon (a seguir «cláusula de não contestação») (a seguir, conjuntamente, «cláusulas restritivas»).

As cláusulas 2.2. a 2.6. do Acordo de Transação incluem um conjunto de transações que incidiam sobre:

–        uma licença da Teva à Cephalon relativa aos direitos de propriedade intelectual da Teva;

–        uma licença da Cephalon à Teva para utilizar os dados, ditos CEP1347, co‑desenvolvidos pela Cephalon no âmbito de estudos sobre o tratamento da doença de Parkinson;

–        o fornecimento do IPA do modafinilo pela Teva à Cephalon;

–        os pagamentos pela Cephalon à Teva pelas despesas judiciais evitadas;

–        a distribuição dos produtos da Cephalon no Reino Unido pela Teva.

18      Do mesmo modo, o Acordo de Transação prevê, na sua cláusula 3.a, direitos genéricos a favor da Teva. Nos termos desta cláusula, a Cephalon concede à Teva uma licença não exclusiva para o lançamento do seu produto genérico do modafinilo, incluindo no EEE, a partir de 2012 (ou antes, no caso de qualquer entidade introduzir no mercado um produto genérico do modafinilo).

19      Nos termos da cláusula 4.a do Acordo de Transação, a Teva e a Cephalon obrigaram‑se a pôr imediatamente termo ao seu contencioso sobre o modafinilo nos Estados Unidos e no Reino Unido.

20      O Acordo de Transação inclui igualmente os montantes ou taxas envolvidos nas diferentes transações acima referidas nos n.os 17 e 18.

C.      Decisão recorrida

21      Em 26 de novembro de 2020, a Comissão adotou a decisão recorrida.

22      A Comissão considerou que as recorrentes tinham violado o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo EEE ao participarem no Acordo de Transação no setor farmacêutico, contra pagamento compensatório. A infração dizia respeito à Alemanha, à Áustria, à Bélgica, à Bulgária, a Chipre, à Dinamarca, a Espanha, à Finlândia, a França, à Grécia, à Hungria, à Irlanda, à Islândia, a Itália, à Letónia, ao Liechtenstein, à Lituânia, ao Luxemburgo, à Noruega, aos Países Baixos, à Polónia, a Portugal, à Roménia, ao Reino Unido, à Eslováquia e à Suécia e durou de 4 de dezembro de 2005 a 12 de outubro de 2011, exceto no que respeita à Bulgária e à Roménia, onde a infração teve início em 1 de janeiro de 2007, bem como à Hungria, onde a infração tinha cessado em 14 de junho de 2011 (artigo 1.o da decisão recorrida).

23      Pela infração acima referida, a Comissão aplicou à Cephalon e à Teva coimas que ascendiam, respetivamente, a 30 480 000 EUR e a 30 000 000 EUR (artigo 2.o da decisão recorrida).

II.    Pedidos das partes

24      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular integralmente a decisão recorrida;

–        a título subsidiário, suprimir as coimas que lhes foram aplicadas,

–        a título ainda mais subsidiário, no que respeita à Teva, reduzir substancialmente a coima que lhe foi aplicada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

25      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

III. Questão de direito

A.      Quanto ao pedido de anulação ou de anulação parcial da decisão recorrida

26      As recorrentes invocam quatro fundamentos. O primeiro fundamento é relativo a um erro de direito e de facto por parte da Comissão, uma vez que qualificou o Acordo de Transação de restrição de concorrência por objetivo. O segundo fundamento é relativo a um erro de direito e de facto, visto que a Comissão qualificou o Acordo de Transação de restrição da concorrência por efeito. O terceiro fundamento, invocado a título subsidiário, é relativo a uma aplicação errada do artigo 101.o, n.o 3, TFUE. Por último, com o quarto fundamento, igualmente invocado a título subsidiário, as recorrentes procuram obter a anulação das coimas que lhes foram aplicadas ou, pelo menos, a anulação parcial substancial da coima aplicada à Teva.

1.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erro de direito e de facto, uma vez que a Comissão qualificou o Acordo de Transação de restrição da concorrência por objetivo

27      Com o seu primeiro fundamento, as recorrentes acusam a Comissão de ter cometido um erro de direito e de facto ao qualificar o Acordo de Transação de restrição da concorrência por objetivo.

28      As recorrentes alegam que a Comissão desvirtuou os dois critérios cumulativos especificados no Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52). Resulta do referido acórdão que uma transação que preveja transferências de valores só pode ser qualificada de restrição por objetivo se, por um lado, as transferências de valores «se explica[re]m apenas pelo interesse comercial, tanto do titular da patente como do alegado contrafator, em não concorrer com base no mérito» e, por outro, o acordo não gerar «efeitos pró‑concorrenciais comprovados que suscitem dúvidas razoáveis quanto ao seu caráter suficientemente nocivo para a concorrência».

29      Este fundamento articula‑se em quatro partes. No âmbito da primeira parte, as recorrentes alegam que o primeiro critério acima mencionado no n.o 28, deve ser entendido no sentido de que remete para o facto de «cada transação comercial ter uma explicação plausível que não a partilha do mercado». Ora, as recorrentes acusam a Comissão de ter substituído este critério por um critério contrafactual que consiste em determinar se as recorrentes teriam celebrado as mesmas transações nas mesmas condições na hipótese de o Acordo de Transação não ter sido celebrado. No âmbito da segunda parte, as recorrentes acusam a Comissão de não ter cumprido este critério pelo facto de não ter refutado as provas que elas tinham apresentado no procedimento administrativo, demonstrando que cada transação se explicava por fatores diferentes do interesse das partes em não concorrerem pelo mérito. Além disso, no âmbito da terceira parte, que visa o segundo critério acima mencionado no n.o 28, as recorrentes alegam que o Acordo de Transação teve «efeitos pró‑concorrenciais comprovados» ao prever a entrada antecipada da Teva no mercado. Por último, no âmbito da quarta parte, as recorrentes acusam a Comissão de ter cometido erros na apreciação do contexto e dos termos do Acordo de Transação.

a)      Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa à não aplicação do critério jurídico adequado

30      Segundo as recorrentes, a Comissão desvirtuou o critério estabelecido no Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52), confirmado pelo Acórdão de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão (C‑591/16 P, EU:C:2021:243), a duplo título, a saber, em primeiro lugar, ao afastar‑se da doutrina expressa do Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52), no sentido de que uma remuneração razoável paga pelo fabricante dos medicamentos originais ao fabricante dos medicamentos genéricos, pelos serviços ou pelos produtos fornecidos, excluía a verificação de uma infração por objetivo e, em segundo lugar, ao adotar e aplicar um critério contrafactual pertencente à análise por efeito.

31      Segundo as recorrentes, referindo‑se assim à sua argumentação invocada no âmbito da segunda parte do presente fundamento, cada transação comercial visada pelo Acordo de Transação era justificada independentemente das cláusulas restritivas e teria uma explicação «plausível» que não era a «única» contrapartida à entrada atrasada da Teva no mercado do modafinilo.

32      Além disso, a aplicação de uma análise contrafactual na avaliação de uma alegada restrição da concorrência por objetivo não é conforme com a jurisprudência. Entendem que o cenário contrafactual é uma tarefa complexa, que deve ter em conta não só o contexto jurídico e económico de um acordo no momento da sua celebração mas também qualquer avaliação posterior. Afirmam ainda que a análise contrafactual faz parte da apreciação dos acordos enquanto restrições da concorrência por efeito. Entendem que o Tribunal de Justiça não aplicou nenhum critério contrafactual no Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52), tendo sim aplicado um critério factual simples que pedia uma explicação plausível para os acordos comerciais que tinham efetivamente existido.

33      A Comissão cometeu também um erro ao avaliar as transações comerciais que figuram no Acordo de Transação como um «conjunto», «independentemente da quantificação exata e da contribuição real de cada transação para a transferência de valor global». Entendem que, por este facto, a Comissão inobserva o contributo do Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52), segundo o qual cada transferência de valor alegada deve ser avaliada para encontrar uma explicação plausível diferente unicamente da contrapartida das cláusulas restritivas.

34      Na réplica, as recorrentes acusam a Comissão de ter cometido um erro de direito ao basear a decisão recorrida exclusivamente em elementos de prova subjetivos, quando resultava da jurisprudência que uma infração por objetivo só podia ser declarada com base em fatores objetivos. A Comissão ignorou o caráter objetivamente razoável da remuneração, o objetivo comercial e o contexto de negociação dos acordos comerciais.

35      Por último, a Comissão cometeu um erro de direito quanto ao ónus da prova, ao exigir que as partes fizessem a prova subjetiva de que teriam efetuado as transações em causa no cenário contrafactual da falta do Acordo de Transação e da prossecução da ação judicial. Ora, o ónus da prova incumbe à Comissão. Além disso, as provas contemporâneas dos factos e os relatórios de peritos apresentados à Comissão fornecem uma explicação plausível aos acordos comerciais que a Comissão não pode rejeitar na falta de uma experiência significativa em contrário.

36      A Comissão contesta a argumentação das recorrentes.

37      Resulta da jurisprudência que o conceito de «restrição de concorrência por objetivo» só pode ser aplicado a certos tipos de coordenação entre empresas que revelem, pela sua própria natureza, um grau suficiente de nocividade para o bom funcionamento do jogo normal da concorrência para se poder considerar que o exame dos seus efeitos não é necessário [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 67 e jurisprudência referida].

38      A respeito de transações semelhantes à presente transação, em litígios relativos a uma patente de processo de fabrico de um IPA que caiu no domínio público, celebradas entre um fabricante de medicamentos originais e vários fabricantes de medicamentos genéricos e que tinham tido por efeito adiar a entrada no mercado de medicamentos genéricos em contrapartida de transferências de valores de caráter monetário ou não monetário do primeiro a favor dos segundos, o Tribunal de Justiça decidiu que tais acordos não podem ser considerados, em todos os casos, «restrições por objetivo» na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 84 e 85].

39      Contudo, a qualificação de «restrição por objetivo» deve ser aplicada quando resultar do exame desse Acordo de Transação que as transferências de valores por ela previstas se explicam unicamente pelo interesse comercial tanto do titular da patente em causa como do alegado contrafator em não competir com base no mérito, visto que acordos mediante os quais os concorrentes substituam conscientemente os riscos da concorrência por uma cooperação prática entre eles são manifestamente abrangidos pela qualificação de «restrição por objetivo» [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 83 e 87].

40      Para efeitos deste exame, há que verificar, em cada caso, se o saldo positivo líquido das transferências de valores do fabricante de medicamentos originais a favor do fabricante de medicamentos genéricos era suficientemente significativo para o incentivar efetivamente a renunciar a entrar no mercado em causa e, portanto, a não competir, pelo mérito, com o fabricante de medicamentos originais, sem que seja necessário que esse saldo positivo líquido seja necessariamente superior aos lucros que esse fabricante de medicamentos genéricos teria realizado se tivesse obtido ganho de causa no processo em matéria de patentes [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 93 e 94].

41      Daí resulta que a qualificação de «restrição por objetivo» de acordos como este Acordo de Transação pressupõe a apreciação das suas características próprias, das quais deve ser deduzida a eventual nocividade particular para a concorrência, se necessário na sequência de uma análise detalhada dos referidos acordos, dos seus objetivos e do contexto económico e jurídico, no âmbito da qual o montante das transferências de valores reveste particular importância [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 89].

42      No caso, resulta da secção 5 da decisão recorrida, e mais especificamente dos considerandos 544 a 580, que a Comissão explicou com base na jurisprudência existente, incluindo a jurisprudência acima referida nos n.os 37 e seguintes, qual a análise que devia efetuar. Na secção 6 da decisão recorrida, a Comissão, de acordo com a jurisprudência e com os princípios enunciados na secção 5, examinou se as transações previstas no âmbito do Acordo de Transação e as transferências de valores associados eram um incentivo para a Teva aceitar as cláusulas restritivas.

43      Assim, resulta da jurisprudência acima referida nos n.os 37 e seguintes que se deve proceder a uma apreciação global que inclua os interesses e os incentivos das partes em causa, para verificar se as transações comerciais que figuram num Acordo de Transação, como as acima mencionadas no n.o 17, podiam ter outras explicações além do interesse comercial, tanto do titular da patente como do alegado contrafator, em não concorrer pelo mérito.

44      Refira‑se, a este respeito, o que, de resto, não é impugnado pelas recorrentes, que uma transferência de valor para o fabricante de medicamentos genéricos pode assumir diferentes formas, como um pagamento direto ou um pagamento indireto, que estejam integradas em transações comerciais entre o fabricante de medicamentos originais e o fabricante de medicamentos genéricos. Tal transação comercial pode, portanto, proporcionar ao fabricante de medicamentos genéricos vantagens que não obteria em circunstâncias normais de mercado, quer porque tal transação não teria sido realizada em condições normais de mercado, quer porque essa transação teria sido realizada em condições mais favoráveis do que as condições normais de mercado. Refira‑se ainda que, em condições normais de mercado, não é habitual que a contrapartida de uma transação seja constituída por um compromisso de não concorrência e de não contestação.

45      Por conseguinte, a Comissão estava obrigada a verificar se, sem as cláusulas restritivas, as transações comerciais objeto do Acordo de Transação também poderiam ter sido celebradas em condições tão favoráveis. Com efeito, se a Comissão puder apurar que as transações em questão não teriam sido celebradas ou, pelo menos, em condições tão favoráveis na falta das referidas cláusulas, pode‑se concluir que as referidas transações não podem ter outra explicação que não o interesse comercial do titular da patente em causa e do alegado contrafator em não concorrerem pelo mérito.

46      Para determinar se cada uma das transações comerciais tinha como única explicação plausível o objetivo de incentivar a Teva a aceitar as cláusulas restritivas e, assim, a renunciar a concorrer com a Cephalon pelo mérito ou se estas transações teriam, em todo o caso, sido celebradas em condições normais de mercado, a Comissão devia comparar o que realmente se passou com o que se teria verificado sem as cláusulas restritivas. Daqui resulta que deve ser julgado improcedente o argumento de que a Comissão aplicou uma análise contrafactual falsa.

47      Do mesmo modo, contrariamente ao que as recorrentes alegam, o critério jurídico aplicado pela Comissão não equivale a uma análise contrafactual que se enquadra na apreciação dos acordos enquanto restrição por efeito.

48      A Comissão só examinou se as transações comerciais em causa teriam sido celebradas sem as cláusulas restritivas, para verificar se constituíam um incentivo para a Teva renunciar a competir com a Cephalon pelo mérito.

49      Conforme resulta da jurisprudência acima referida nos n.os 37 e seguintes, a análise a que se deve proceder para determinar se um acordo se integra ou não na qualificação de «restrição por objetivo» não tem por finalidade identificar ou quantificar os efeitos anticoncorrenciais de uma prática, mas unicamente determinar a sua gravidade objetiva, podendo precisamente justificar que os seus efeitos não tenham que ser analisados (v., neste sentido, Acórdão de 25 de março de 2021, Arrow Group e Arrow Generics/Comissão, C‑601/16 P, não publicado, EU:C:2021:244, n.o 86).

50      O facto de esta apreciação dever ser efetuada, se necessário, na sequência de uma análise detalhada do acordo em causa e particularmente do efeito de incentivo das transferências de valores nele previstos, mas também dos seus objetivos, bem como do contexto económico e jurídico em que se inscreve, também não implica uma apreciação dos efeitos anticoncorrenciais deste acordo no mercado. Pressupõe unicamente que se proceda a uma apreciação global e minuciosa dos próprios acordos complexos, a fim não só de afastar a qualificação de «restrição por objetivo» quando surja uma dúvida quanto à sua suficiente nocividade para a concorrência mas também de evitar que acordos possam escapar a esta mesma qualificação devido apenas à sua complexidade e mesmo que a análise minuciosa destes revele que apresentam objetivamente um grau suficiente de nocividade para a concorrência (Acórdão de 25 de março de 2021, Arrow Group e Arrow Generics/Comissão, C‑601/16 P, não publicado, EU:C:2021:244, n.o 87).

51      Quanto ao argumento das recorrentes de que o critério da restrição por objetivo aplicado pela Comissão na decisão recorrida é contrário ao Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52), pelo facto de cada transação acessória ter uma remuneração razoável paga pelo fabricante de medicamentos originais ao fabricante de medicamentos genéricos pelos serviços ou pelos produtos fornecidos, há que lembrar que, efetivamente, neste acórdão, o Tribunal de Justiça não excluiu a possibilidade de, em certos casos, um Acordo de Transação acompanhado de transferências de valores de caráter monetário ou não monetário não estar sujeita à qualificação de «restrição por objetivo». Seria este o caso se essas transferências de valores se pudessem revelar justificadas, ou seja, adequadas e estritamente necessárias à luz dos objetivos legítimos das partes no acordo. Contudo, não se pode deixar de observar que esta questão deve ser examinada no âmbito da segunda parte do presente fundamento, em que as recorrentes alegam que as transações celebradas à margem do Acordo de Transação tinham uma explicação plausível diferente da explicação de servir unicamente de contrapartida às cláusulas restritivas.

52      Quanto à alegação de que a Comissão se baseou, na sua apreciação na decisão recorrida, unicamente na intenção subjetiva das partes, há que recordar que, para apreciar se um acordo contém uma restrição «por objetivo», há que atender ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa atingir, bem como ao contexto económico e jurídico em que se insere. Resulta também da jurisprudência que, embora a intenção das partes não constitua um elemento necessário para determinar o caráter restritivo de um acordo, nada proíbe que as autoridades da concorrência ou os tribunais nacionais e da União Europeia a tomem em consideração (Acórdão de 2 de abril de 2020, CB/Comissão, C‑228/18, EU:C:2020:265, n.o 53 e jurisprudência referida). A questão de saber se, na sua apreciação, a Comissão se baseou unicamente em fatores subjetivos será examinada no âmbito da segunda parte do presente fundamento.

53      Quanto ao ónus da prova, cabe à Comissão demonstrar que, no contexto relevante, as cláusulas de não concorrência e de não contestação celebradas no âmbito do Acordo de Transação em causa deram origem a um acordo restritivo da concorrência por objetivo e, portanto, demonstrar que resulta da análise desse acordo que as transferências de valores nele previstas se explicam unicamente pelo interesse comercial tanto do titular da patente em causa como do alegado contrafator em não concorrerem pelo mérito (v. jurisprudência acima referida no n.o 39).

54      Contudo, contrariamente ao que alegam as recorrentes, a Comissão só se pode basear em elementos jurídicos e económicos por elas tidos em conta na sua negociação conducente à transação, incluindo as transações comerciais. Os elementos posteriores à celebração do Acordo de Transação não podem fazer parte do quadro relevante, uma vez que as partes não os podiam ter tido em conta quando decidiram celebrar este acordo.

55      Dado que as recorrentes alegam que existe falta de experiência no direito da União, no momento da adoção da decisão recorrida, para qualificar o acordo em causa de «restrição por objetivo», basta referir os Acórdãos de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52), e de 25 de março de 2021 Lundbeck/Comissão (C‑591/16 P, EU:C:2021:243). Com efeito, no primeiro acórdão, o Tribunal de Justiça indicou em que condições uma transação deve ser qualificada de «restrição por objetivo». No segundo acórdão, o Tribunal de Justiça precisou, no n.o 130, que de modo nenhum era necessário que o mesmo tipo de acordos já tivesse sido condenado pela Comissão para poderem ser considerados restritivos da concorrência por objetivo, mesmo que ocorressem num contexto específico como o dos direitos de propriedade intelectual. Portanto, este argumento não colhe.

56      Quanto ao argumento de que a Comissão avaliou as transações comerciais «como um conjunto», basta, nesta fase, em primeiro lugar, referir que as transações comerciais que figuram no Acordo de Transação foram celebradas como parte de um conjunto. O facto de o Acordo de Transação e as transações que este inclui serem celebrados ao mesmo tempo ou de entre eles existir uma relação contratual é revelador do facto de estes acordos se integrarem num mesmo conjunto contratual. Nesse caso, existe o risco de a associação de um acordo comercial e de um Acordo de Transação que inclui cláusulas de não comercialização e de não contestação, as quais têm, em si mesmas, um caráter restritivo da concorrência, visar, na realidade, a coberto de uma transação comercial, eventualmente na forma de uma montagem contratual complexa, incentivar a sociedade que fabrica medicamentos genéricos a sujeitar‑se, através de uma transferência de valor prevista pelo acordo acessório, a estas cláusulas. Neste contexto, como já acima se indicou no n.o 45, a questão de saber se tal transação também teria sido celebrada em condições normais de mercado faz parte da avaliação que a Comissão deve efetuar. Refira‑se, em segundo lugar, que, após esta avaliação, que o que importa é o saldo positivo líquido das transferências de valores efetuadas no âmbito do conjunto das transações, tal como resulta da jurisprudência acima referida no n.o 40.

57      Resulta do exposto que, sem prejuízo de certos argumentos a examinar no âmbito da segunda parte do presente fundamento, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

b)      Quanto à segunda parte do primeiro fundamento

58      No âmbito da segunda parte do primeiro fundamento, as recorrentes alegam que as transações celebradas à margem do Acordo de Transação tinham uma explicação plausível diferente da de servir unicamente de contrapartida às cláusulas restritivas.

59      A origem de cada uma das transações não está na evolução das negociações sobre a entrada do modafinilo da Teva no mercado dos medicamentos genéricos, mas antes nas necessidades comerciais legítimas, bem documentadas e preexistentes, de ambas as partes. Para cada transação, a Teva ou a Cephalon teriam sido ou a única parte com a qual teria sido possível fazer negócio (como no caso dos direitos de propriedade intelectual da Teva relativos ao modafinilo e dos dados clínicos da Cephalon) ou um parceiro potencial com uma experiência única e adequada (como no caso da capacidade de produção dos IPA do modafinilo da Teva ou da plataforma de distribuição da Teva no Reino Unido).

60      A Comissão contesta os argumentos das recorrentes.

61      Tendo em conta as alegações formuladas pelas recorrentes, há que verificar, antes de mais, se, para cada uma das transações comerciais previstas no Acordo de Transação, a Comissão cometeu um erro de apreciação ao concluir que estas transações tinham por objeto servir de transferência de valor da Cephalon para a Teva em contrapartida do compromisso da Teva de não entrar de forma independente nos mercados dos medicamentos genéricos e de não concorrer com a Cephalon no modafinilo.

1)      Quanto à licença sobre os direitos de propriedade intelectual da Teva relativos ao modafinilo

62      Nos termos da cláusula 2.2. do Acordo de Transação, a Cephalon aceitou comprar à Teva uma licença (não exclusiva) sobre os seus direitos de propriedade intelectual (a seguir «DPI») por um montante total de 125 milhões de dólares dos Estados Unidos (USD), ou seja, cerca de 92,9 milhões de euros.

63      No considerando 864 da decisão recorrida, a Comissão concluiu que a Teva tinha obtido um valor significativo ao conceder uma licença sobre os seus DPI à Cephalon. Quanto à Cephalon, a Comissão precisou que esta não estava interessada na aquisição dos DPI da Teva, não tinha nenhuma necessidade real de os adquirir antes do Acordo de Transação e não tinha interesse em pagar montantes consideráveis por uma licença de DPI que para ela não tinha valor ou tinha apenas um valor limitado. Portanto, segundo a Comissão, os factos sugerem fortemente que a Cephalon de forma nenhuma teria concluído essa transação ou, em qualquer caso, que não o teria feito nas mesmas condições sem o Acordo de Transação e que a operação tinha por objeto servir de transferência de valor da Cephalon para a Teva em contrapartida de esta última se obrigar a não entrar de forma independente no mercado do modafinilo e a não concorrer com a Cephalon pelo mérito. A Comissão considerou também que outras explicações da transação apresentadas pelas partes não eram plausíveis. Entendeu, assim, que a licença sobre os DPI da Teva implicava uma transferência de valor injustificado para a Teva, que esta não poderia ter obtido sem o Acordo de Transação.

64      As recorrentes contestam o entendimento da Comissão na decisão recorrida de que, à época em que o Acordo de Transação foi celebrado, a Cephalon não considerava os DPI da Teva uma ameaça séria e nunca tinha antes mostrado o menor interesse pela sua aquisição.

65      Segundo as recorrentes, as provas científicas mostram que os produtos modafinilo da Cephalon podiam ser considerados contrários ao pedido de patente americana da Teva para o modafinilo «da forma III» (uma forma cristalina de modafinilo, apresentada em 2000 e publicada em 2002).

66      Com efeito, o vice‑presidente da Cephalon, M., encarregado também da investigação e do desenvolvimento químico ao nível mundial, interessou‑se imediatamente pelos pedidos da Teva relativos aos polimorfos do modafinilo depois de ter tomado conhecimento dos referidos pedidos. Seguidamente, a Cephalon encomendou um estudo, concluído em março de 2003, à Crystallics BV, recebeu resultados de um estudo realizado pelo Professor C. da Universidade de Rouen (França) em 2004 e recebeu resultados preliminares de um estudo efetuado pela Solid State Chemical Information, Inc. (SSCI) em janeiro de 2006.

67      Com os referidos estudos, a Cephalon quis saber se os seus próprios processos criavam os polimorfos reivindicados pela Teva e conhecer a probabilidade de poderem subsistir quantidades de forma III durante o processo de fabrico comercial.

68      Segundo as recorrentes, as provas científicas recolhidas pela Cephalon entre 1995 e 2005 trouxeram ensinamentos progressivos que revelaram um risco de contrafação.

69      Além disso, as recorrentes referem que a Cephalon também recorreu à peritagem do professor M., do Massachusetts Institute of Technology (MIT), que tinha concluído que a Cephalon corria o risco de a forma III, objeto dos pedidos de patente da Teva, ser detetada no seu produto final. As recorrentes alegam, especialmente, o seguinte:

–        a Teva tinha fortes hipóteses de ganhar qualquer processo judicial ou «de interferência» no United States Patent and Trademark Office (Instituto de Patentes e Marcas dos Estados Unidos), que pusesse em causa os seus direitos de patente sobre a forma III, pelo que a Comissão não deveria ter posto em causa a apreciação comercial da Cephalon para evitar esse risco;

–        o facto de a Cephalon ter lançado o Provigil nos Estados Unidos antes da data de prioridade do pedido de patente da Teva não atenuou o risco corrido pela Cephalon, como erradamente alega a Comissão;

–        a afirmação da Comissão de que não existia nenhum risco de contrafação porque a Cephalon não tinha efetivamente detetado a forma III no seu produto final em dezembro de 2005 não tem em conta o estado da ciência;

–        no que diz respeito à falta de documentos, é comum nos Estados Unidos não documentar as preocupações em matéria de contrafação, por receio de que estes documentos sejam utilizados no processo para demonstrar não só a contrafação mas, além disso, uma contrafação voluntária suscetível de triplicar a indemnização;

–        as taxas devidas pela Cephalon ao abrigo do acordo de licença sobre os DPI da Teva foram razoáveis e a Comissão não demonstrou o contrário.

70      A Comissão refuta os argumentos das recorrentes.

71      Resulta da decisão recorrida que a Comissão, em apoio da sua conclusão de que a licença sobre os DPI da Teva tinha implicado uma transferência de valor injustificado para esta última (v. n.o 63, supra), se baseou, nomeadamente, por um lado, em provas da época em que o Acordo de Transação tinha sido celebrado, que demonstram que a Cephalon não se sentia verdadeiramente ameaçada pelos DPI da Teva e nunca antes tinha revelado nenhum interesse na sua aquisição e, por outro, a inexistência de diligência razoável da Cephalon.

72      Conforme resulta dos autos, a Cephalon sabia desde 2002 que a Teva tinha apresentado um pedido de patente para a forma III, que certas quantidades residuais das formas podiam eventualmente ser detetadas no produto final da Cephalon, que a forma III se poderia fundir entre dois cristais de forma I (trata‑se então de «geminação» das formas I e III do modafinilo) e que a forma III era um objeto patenteável. Não é menos verdade que não existe nenhuma indicação séria de que a Cephalon estivesse realmente preocupada, à data dos factos, com as eventuais consequências do pedido de patente da Teva para a forma III.

73      Com efeito, a Cephalon tinha conhecimento desde 1999 de que o modafinilo de forma III era criado no processo de fabrico, mas que se transformava em modafinilo de forma I durante este processo (segundo os estudos da Lafon).

74      É verdade que a Cephalon, após ter tido conhecimento do pedido de patente da Teva para o modafinilo de forma III e antes da celebração do Acordo de Transação, encomendou pesquisas.

75      Em primeiro lugar, tratava‑se de um pedido à Crystallics relativo a um estudo destinado a compreender melhor a influência das condições dos diferentes polimorfos e o controlo do processo. O resultado deste estudo, concluído em 2003, evidenciava que, na grande maioria das condições de cristalização, o modafinilo obtido era uma mistura das formas I e III.

76      Em segundo lugar, a Cephalon recebeu, em 2004, os resultados de um estudo realizado pelo Professor C., da Universidade de Rouen, que, no entanto, não tinha sido pedido pela Cephalon. Resultava deste estudo que a forma I e a forma III do modafinilo eram muito semelhantes e que as duas formas polimorfas tinham uma propensão para crescer como cristais gémeos.

77      Todavia, resulta dos autos que estes estudos ou os seus resultados não suscitaram particular preocupação na Cephalon.

78      Com efeito, resulta de uma apresentação interna de 2003, que dá conta dos pedidos da Teva relativos às formas cristalinas do modafinilo, que a Cephalon pressupunha que haveria provavelmente um «procedimento de interferência» entre ela e a Teva, mas que dispunha de direitos anteriores, pelo que não tinha que se preocupar.

79      Do mesmo modo, numa mensagem de correio eletrónico interna de agosto de 2005, o Dr. H, conselheiro de patente principal da Cephalon, declarou que conhecia bem e há muito tempo o «panorama das patentes» nos Estados Unidos e na Europa relativo ao modafinilo e que não havia nenhuma razão para se preocuparem com «problemas de contrafação potenciais».

80      Em terceiro lugar, quanto ao estudo efetuado pela SSCI, pedido pela Cephalon antes da celebração do Acordo de Transação, há que observar que os resultados preliminares só foram recebidos pela Cephalon após a celebração do referido acordo, ou seja, em 6 de janeiro de 2006. Consequentemente, os referidos resultados não puderam ter sido tomados em consideração pela Cephalon para avaliar um risco de contrafação na celebração do Acordo de Transação e não permitem determinar se a Cephalon tinha interesse nos DPI da Teva.

81      Em quarto lugar, impõe‑se a mesma conclusão no que respeita ao relatório M. (ou seja, um parecer do professor M. do MIT) pedido pelas recorrentes no procedimento administrativo, datado de 2018.

82      O argumento das recorrentes de que se trata de uma «aprendizagem progressiva» não é convincente, tal como não é convincente o argumento de que a Cephalon estava muito preocupada «no final de 2005». A este respeito, há que observar que a Cephalon não levou a cabo nenhuma diligência em relação à Teva entre 2003 e 2005, quando não lhe faltavam os conhecimentos necessários para o fazer. Por este motivo, a decisão sobre a patenteabilidade tomada pelo Instituto de Patentes e Marcas dos Estados Unidos em setembro de 2005 não explica a alegada súbita preocupação, sabendo‑se que a própria Cephalon procurava, em 2003, patentear o modafinilo de forma III, o que confirma que pelo menos em 2003 (v. n.o 72, supra) sabia ser um objeto patenteável. Por outro lado, no momento do Acordo de Transação, a Cephalon não tinha detetado nenhum vestígio de modafinilo polimorfo da forma III, quer no seu IPA do modafinilo quer no produto final Provigil.

83      Além disso, não existe nenhuma prova documental de uma eventual preocupação por parte da Cephalon. O argumento das recorrentes de que a falta de prova contemporânea dos factos se explica pelo direito processual americano deve ser rejeitado.

84      A este respeito, em primeiro lugar, na medida em que um documento estivesse abrangido pela regra do «legal privilege», teria sido protegido e não poderia ter sido divulgado nos tribunais americanos.

85      Em segundo lugar, pelo contrário, resulta dos autos que certas provas contemporâneas dos factos corroboram o facto de que a Cephalon considerava que os seus produtos não violavam os DPI da Teva. Além disso, à semelhança da Comissão, há que considerar que, se a Cephalon tivesse realmente percebido um risco de violação dos DPI da Teva, teria agido para corrigir este risco, o que não fez. Além disso, mesmo quando a Teva contactou a Cephalon, em julho de 2005, para debater uma licença sobre os seus DPI, a Cephalon não manifestou interesse nesta licença fora do âmbito do Acordo de Transação.

86      Por último, a falta de diligências razoáveis da Cephalon a esse respeito tem explicação caso se considere que a concessão de uma licença sobre os DPI da Teva à Cephalon se destinava essencialmente a incentivar a Teva a aceitar as cláusulas restritivas. Em particular, resulta do exposto que a Cephalon não tinha manifestado nenhum interesse real, fora do âmbito do Acordo de Transação, na obtenção de uma licença. Além disso, a afirmação da Cephalon de que estava bem consciente do que existia em matéria de patentes relativamente ao modafinilo não é convincente. Com efeito, não permite explicar por que razão a Cephalon aceitou adquirir a licença sobre os DPI da Teva sem proceder a uma avaliação do montante das taxas a pagar e por que razão a Cephalon pagou imediatamente uma parte substancial destas taxas, de forma incondicional, sem ter a certeza de que o pedido de patente da Teva seria efetivamente concedido. Refira‑se, por último, que nem sequer foram estipuladas no acordo de licença disposições normalizadas que protegessem os interesses da Cephalon.

87      Por conseguinte, há que considerar que a Comissão concluiu acertadamente na decisão recorrida que o nível da transferência de valor efetuada pela licença sobre os DPI da Teva apenas se podia explicar pelo facto de constituir uma contrapartida à aceitação das cláusulas restritivas pela Teva.

2)      Quanto ao acordo de aprovisionamento em IPA modafinilo

88      Nos termos da cláusula 2.4. do Acordo de Transação, a Teva e a Cephalon obrigaram‑se a celebrar um acordo de aprovisionamento, nos termos do qual, em primeiro lugar, a Teva forneceria à Cephalon um volume mínimo de 10 000 kg de IPA modafinilo por ano entre 2007 e 2011 (ou seja, pelo menos 50 000 kg no total) e, em segundo lugar, a Cephalon pagaria à Teva um preço mínimo fixo, expressamente concebido para refletir os custos de fabrico aproximados da Teva, acrescidos de 30 %, num montante total de 28 milhões de USD entre 2007 e 2011. Consequentemente, em 7 de novembro de 2006, a Teva, por intermédio da sua filial Plantex, e a Cephalon celebraram um contrato que aplicava as condições enunciadas na cláusula 2.4. do Acordo de Transação (a seguir «acordo de aprovisionamento de IPA modafinilo»).

89      No considerando 781 da decisão recorrida, a Comissão concluiu que, para a Teva, os termos do acordo de aprovisionamento de IPA modafinilo representavam um fluxo de receitas estável garantido durante cinco anos, que não poderia ter obtido sem aceitar os compromissos de não concorrência e de não contestação que figuravam no Acordo de Transação. Quanto à Cephalon, a Comissão concluiu, na decisão recorrida, que não teria aceitado celebrar o acordo de aprovisionamento de IPA modafinilo sem esses compromissos, uma vez que tal não teria sido racional do ponto de vista económico, tendo em conta a sua situação em matéria de aprovisionamento e de procura à época e dos termos desse acordo.

90      As recorrentes contestam a conclusão da Comissão no que respeita à Cephalon. Afirmam que esta enfrentava um risco de aprovisionamento insuficiente em IPA modafinilo, o que resulta também dos documentos contemporâneos dos factos, como o correio eletrónico de 29 de dezembro de 2005. Além disso, as recorrentes acusam a Comissão de ter baseado a sua decisão num exame seletivo e desequilibrado do processo relativo à capacidade de fornecimento da Cephalon e às condições de preço acordadas com a Teva.

91      Neste contexto, as recorrentes explicam que, no final do mês de novembro de 2005, depois de a Food and Drug Administration (FDA, Agência dos Alimentos e Medicamentos, Estados Unidos) ter anunciado que o Sparlon poderia ser aprovado, a Cephalon aumentou as suas estimativas internas das necessidades em IPA do modafinilo para a produção dos seus medicamentos Provigil, Nuvigil e Sparlon, tendo o lançamento destes dois últimos medicamentos sido previsto num futuro próximo, passando de uma quantidade de 96 000 kg para uma quantidade de 138 500 kg ou 148 000 kg, ao passo que a capacidade de aprovisionamento deixava pouca margem para fazer face a um aumento da procura ou a uma redução inesperada da produção. A este respeito, as recorrentes observam que, quanto às duas fábricas de Cephalon situadas em Mitry‑Mory (França), uma (ou seja, a fábrica C‑1) era antiga e a outra (ou seja, a fábrica C‑2), embora nova, necessitava ainda de uma autorização administrativa e que era igualmente duvidoso que o seu fornecedor externo, a Helsinn, estivesse em condições de aumentar a sua produção.

92      A via mais prudente e segura para cobrir o risco de aprovisionamento insuficiente era, portanto, celebrar um contrato com a Teva. Segundo a Cephalon, a Teva era um parceiro lógico, uma vez que dispunha de uma forte capacidade de produção de modafinilo graças aos seus próprios esforços para lançar produtos à base de modafinilo. Além disso, o montante total a pagar ao abrigo desse acordo apenas representava uma pequena fração das perdas que a Cephalon teria sofrido se o seu aprovisionamento em IPA tivesse sido insuficiente.

93      A Comissão refuta os argumentos das recorrentes.

94      Em primeiro lugar, há que observar que as recorrentes não põem em causa o interesse da Teva e que a sua crítica apenas diz respeito ao interesse que a Cephalon teria tido em celebrar o acordo de fornecimento.

95      Em segundo lugar, a afirmação de que a Comissão pôs em causa a apreciação comercial da Cephalon ou efetuou um exame seletivo e desequilibrado do processo não colhe. A este respeito, há que observar que, na decisão recorrida, a Comissão baseou a sua conclusão em documentos contemporâneos dos factos, que provinham, na sua maioria, da própria Cephalon. Seguidamente, a Comissão limitou‑se a verificar a plausibilidade das afirmações das recorrentes à luz dos factos que resultavam das provas.

96      Ora, resulta efetivamente destas provas que a capacidade de aprovisionamento estimada da Cephalon a partir de 2007 era suficiente para satisfazer a procura prevista por esta.

97      Verifica‑se, a este respeito (v. n.o 91, supra), que a cadeia de aprovisionamento da Cephalon era composta pelas suas fábricas em Mitry‑Mory, a saber, a fábrica existente C‑1 e a nova fábrica C‑2, bem como por um fornecedor externo, a Helsinn.

98      Resulta dos documentos da Cephalon, contemporâneos dos factos, que esta última, no final de 2005, estimou a sua procura de IPA modafinilo:

–        para 2006, entre 115 000 e 148 000 kg, quando podia ter acesso a cerca de 146 000 kg no total (a saber, 37 000 kg da fábrica C‑1,29400 kg da fábrica C‑2 e 80 000 kg do seu fornecedor Helsinn);

–        para 2007, entre 117 000 e 146 000 kg, quando podia ter acesso a cerca de 230 000 kg no total (a saber, 37 000 kg da fábrica C‑1,74000 kg da fábrica C‑2 e 120 000 kg de Helsinn);

–        para 2008, entre 137 000 e 160 000 kg, quando podia ter acesso a cerca de 230 000 kg no total (a saber, 37 000 kg da fábrica C‑1,74000 kg da fábrica C‑2 e 120 000 kg de Helsinn).

99      A partir destes números, pode‑se inferir, no que respeita aos anos de 2007 e 2008, que a capacidade de aprovisionamento previsível da Cephalon ultrapassava a procura previsível e que, portanto, não se colocava uma questão de aprovisionamento insuficiente a longo prazo. Por conseguinte, a Comissão teve razão ao concluir que as preocupações relativas a um aprovisionamento insuficiente não eram uma explicação plausível para a celebração do acordo pela Cephalon.

100    Além disso, não há nenhum vestígio nos autos de uma preocupação da Cephalon relativamente a uma eventual subcapacidade de aprovisionamento em IPA modafinilo a longo prazo.

101    É certo que resulta de uma mensagem de correio eletrónico de 29 de dezembro de 2005, invocada pelas recorrentes, que existiam preocupações em matéria de aprovisionamento. Contudo, estas preocupações diziam apenas respeito ao início de 2006, e não ao período seguinte. Por este motivo, o acordo de aprovisionamento de IPA modafinilo celebrado com a Teva não podia solucioná‑lo em 2006, uma vez que visava o fornecimento relativo ao período compreendido entre 2007 e 2011. Além disso, resulta dessa mensagem de correio eletrónico que estava disponível uma solução interna para resolver o problema assinalado relativamente ao primeiro semestre de 2006, a saber, abrandar ou parar a produção do R‑modafinilo (ou seja, o IPA do Nuvigil) durante dois a três meses, para constituir uma certa reserva de modafinilo para fazer face a um eventual aumento da procura de Provigil e a um eventual aumento das previsões de vendas de Sparlon após o seu lançamento.

102    De resto, a mensagem de correio eletrónico de 29 de dezembro de 2005 é posterior à assinatura do Acordo de Transação. Se tivesse existido uma preocupação real relativa a um possível problema de aprovisionamento a longo prazo, teria sido mencionada na referida mensagem de correio eletrónico, tal como a escolha da Teva como nova fonte de aprovisionamento.

103    Quanto à crítica das recorrentes relativa à análise da fixação de preços sobre a qual a Cephalon e a Teva chegaram a acordo (considerandos 404 a 407, 749, 750 e 765 da decisão recorrida), basta observar que resulta do exposto que a celebração do acordo de aprovisionamento de IPA modafinilo pela Cephalon não tinha sido motivada por verdadeiras preocupações quanto à insuficiência de aprovisionamento de IPA modafinilo a longo prazo. Os argumentos relativos à fixação de preços, dado assentarem na premissa de que a Cephalon teria, com razão, procurado uma fonte de aprovisionamento suplementar para se proteger do risco de escassez, podem ser julgados inoperantes.

104    De qualquer forma, resulta da análise feita pela Comissão na decisão recorrida, baseada nas provas dos autos, que os preços do IPA do modafinilo estipulados no acordo de aprovisionamento de IPA modafinilo eram 100 a 300 % superiores aos preços pagos à Helsinn ou aos preços internos que a Cephalon teria pago utilizando as suas próprias instalações de produção de Mitry‑Mory. Do mesmo modo, os preços da Teva eram ainda mais altos do que os preços oferecidos pela Helsinn nas suas propostas alternativas para um eventual novo acordo de aprovisionamento de IPA modafinilo ou por outros fornecedores alternativos. Além disso, o acordo de aprovisionamento em IPA modafinilo, tal como tinha sido celebrado, representava para a Cephalon um compromisso «take or pay» não flexível, pelo qual se obrigava a comprar volumes fixos de IPA modafinilo num momento em que a procura futura dos seus medicamentos candidatos à base de modafinilo (ou seja, o Nuvigil e o Sparlon) era incerta, uma vez que ainda não dispunha das aprovações regulamentares.

105    Resulta do exposto que a Comissão não cometeu nenhum erro ao considerar que os motivos invocados pela Cephalon para justificar a celebração do acordo de aprovisionamento de IPA modafinilo não correspondiam à via mais prudente nem à via mais segura para cobrir um risco de aprovisionamento insuficiente.

106    Resulta igualmente do exposto que a Comissão teve razão ao concluir que o acordo de aprovisionamento de IPA modafinilo tinha contribuído para incentivar a Teva a aceitar as cláusulas restritivas.

3)      Quanto ao acordo CEP1347

107    Em conformidade com a cláusula 2.3. do Acordo de Transação, a Cephalon concedeu à Teva uma licença sobre dados clínicos e de segurança co‑desenvolvidos pela Cephalon no âmbito de estudos sobre o tratamento da doença de Parkinson (a seguir «dados relativos ao CEP‑1347»), de que a Teva necessitava para o lançamento comercial do seu medicamento Azilect (que não tinha ligação com o modafinilo), em troca de 1 milhão de USD.

108    No considerando 810 da decisão recorrida, a Comissão constatou que o acesso aos dados relativos ao CEP‑1347 da Cephalon era muito precioso para a Teva, uma vez que podia acelerar o lançamento comercial do seu medicamento Azilect, do qual podia esperar obter grandes vendas e lucros adicionais. Quanto à Cephalon, a Comissão verificou que esta não tinha avaliado nem negociado de forma independente o preço de fornecimento do acesso aos dados relativos ao CEP‑1347 e que tinha utilizado estes dados como apoio nas negociações sobre o Acordo de Transação, recusando conceder uma licença até que o referido acordo fosse finalizado. Por conseguinte, a Comissão concluiu, no considerando 811 da decisão recorrida, que não era plausível que a Cephalon tivesse facultado o acesso aos dados relativos ao CEP‑1347 em dezembro de 2005 sem os compromissos de não concorrência e de não contestação constantes do Acordo de Transação ou, em todo o caso, nas mesmas condições. Por conseguinte, a Comissão concluiu que o acordo CEP‑1347 era uma transferência de valor injustificada, que tinha contribuído para incentivar a Teva a celebrar estes compromissos no contexto mais amplo do Acordo de Transação.

109    As recorrentes alegam que o acordo CEP‑1347 não contribuiu para uma transferência de valor injustificada, ou nem mesmo serviu de pagamento compensatório ilegal, dado que a Cephalon transferiu os dados relativos ao CEP‑1347 para o preço de mercado.

110    As recorrentes contestam também o cálculo efetuado pela Comissão, no considerando 789 da decisão recorrida, segundo o qual um atraso de um ano no lançamento comercial do medicamento Azilect teria provocado uma perda de rendimentos da ordem dos 200 milhões de USD para a Teva. A este respeito, na réplica, as recorrentes alegam que essa estimativa é sobreavaliada, uma vez que a Comissão se baseia numa interpretação errada do processo regulamentar nos Estados Unidos. Entendem que a Comissão, erradamente, partiu do princípio de que um atraso na aprovação da Azilect pela FDA teria privado a Teva de um ano de exclusividade sobre o Azilect e que, portanto, isso teria provocado uma perda de um ano de receitas.

111    A Comissão refuta os argumentos das recorrentes.

112    Está assente que a Teva contactou a Cephalon para obter o direito de utilizar os dados relativos ao CEP‑1347. A este respeito, não se impugna o facto de a Teva ter necessidade dos referidos dados para obter as aprovações regulamentares nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália para o seu medicamento inovador Rasagiline, um equivalente do Azilect, em 2006. Com efeito, em 2005, estava em curso o procedimento de aprovação final para comercializar o Azilect, instaurado pela Teva na FDA. No contexto deste processo de aprovação, a FDA colocou questões relativas ao perfil de efeitos secundários do Azilect e pediu a realização de outros testes dermatológicos. Foi prevista uma reunião a este respeito entre a FDA e a Teva para 7 de dezembro de 2005. Uma vez que a Teva não estava em condições de realizar os referidos testes antes desta data e tinha tido conhecimento de que a Cephalon dispunha de dados que podiam ser importantes para ela, contactou a Cephalon por diversas vezes.

113    Resulta ainda das provas que a Cephalon estava informada das necessidades da Teva e que a Teva tinha considerado que os dados relativos ao CEP‑1347 da Cephalon eram «muito úteis» e «cruciais» tanto para a reunião prevista com a FDA como para a aprovação do Azilect na Austrália.

114    Está igualmente assente que a Cephalon recusou fornecer estes dados à Teva, devido aos processos em curso sobre patentes em que estavam envolvidas.

115    A este respeito, a Teva indicou que «a Cephalon tinha decidido de forma aparentemente irrevogável não [lhe] fornecer quaisquer dados com vista à sua reunião com a FDA enquanto [ela] e a Cephalon não tivessem resolvido de forma integral e definitiva todos os litígios pendentes, bem como outras questões relativas ao modafinilo».

116    Como acertadamente observa a Comissão na decisão recorrida, isso indica que a Cephalon tinha subordinado a comunicação à Teva dos dados relativos ao CEP‑1347 à resolução do litígio em curso a respeito de patentes, para o qual os compromissos de não concorrência e de não contestação eram essenciais.

117    No que respeita ao cálculo efetuado pela Comissão no considerando 789 da decisão recorrida, há que observar que se baseia num documento interno da Teva contemporâneo dos factos e que contém as previsões de vendas do Azilect efetuadas por esta última para os anos de 2006 a 2009. Com base nestas estimativas, o cálculo de lucros cessantes em caso de atraso no lançamento do Azilect no mercado pode ser facilmente efetuado, como resulta da decisão recorrida e das explicações complementares fornecidas pela Comissão nos seus articulados. Daí resulta que tal atraso teria provocado uma perda de rendimentos da ordem dos 200 milhões de USD e que mesmo um atraso de uma semana teria tido consequências não negligenciáveis. Isso indica que era importante para a Teva ter acesso o mais rapidamente possível aos dados relativos ao CEP‑1347.

118    Quanto ao argumento, invocado pela primeira vez na réplica, de que a Comissão compreendeu mal o quadro regulamentar americano, há que julgá‑lo improcedente, sem que seja necessário conhecer da sua admissibilidade à luz do artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

119    Com efeito, além de nada indicar que a Comissão não tenha compreendido o quadro regulamentar americano, resulta claramente deste quadro que uma patente tem um período de validade limitado e que uma restauração só pode ser concedida uma única vez. No caso, é a perceção da Teva à época dos factos que deve ser tida em conta. Uma vez que já tinha pedido uma patente para o Rasagiline (IPA do Azilect) em 1994, estava ciente de que a exclusividade era temporária e de que a duração dos procedimentos necessários à aprovação do medicamento Azilect podia reduzir a duração desta proteção. Para ela, era, portanto, crucial dispor dos dados necessários o mais rapidamente possível para obter a autorização da FDA.

120    Resulta do exposto que a Comissão teve razão ao concluir que a transação CEP‑1347 contribuiu para incentivar a Teva a aceitar as cláusulas restritivas.

4)      Quanto ao acordo de distribuição no Reino Unido

121    Segundo a cláusula 2.6. do Acordo de Transação, a Cephalon obrigou‑se, em primeiro lugar, a designar a filial do Reino Unido da Teva como distribuidor exclusivo de todos os seus produtos à base de modafinilo no Reino Unido durante cinco anos, com uma margem de distribuição de 20 %, e, em segundo lugar, a efetuar um pagamento único de 2,5 milhões de euros à Teva quando esta procedesse ao lançamento comercial dos produtos à base de modafinilo da Cephalon.

122    No considerando 946 da decisão recorrida, a Comissão concluiu que o acordo de distribuição era precioso para a Teva pelo facto de esta esperar receber, no âmbito do referido acordo, um benefício de um montante mínimo de 10,5 milhões de euros a título da sua designação como distribuidor exclusivo no Reino Unido (a saber, um pagamento único de 2,5 milhões de euros e 8 milhões de euros de lucro enquanto distribuidor), benefício que não teria podido obter em condições normais de mercado, pelo menos no montante total, sem o Acordo de Transação. Segundo a Comissão, os factos indicam também claramente que, do ponto de vista da Cephalon, a operação não tem outra explicação plausível senão incentivar a Teva a concluir o Acordo de Transação. Entende que, enquanto tal, a operação contribuiu, portanto, para a transferência de valor injustificada, que constituía uma contrapartida para a Teva concluir os compromissos no contexto mais amplo do Acordo de Transação.

123    As recorrentes contestam as conclusões da Comissão que figuram a este respeito na decisão recorrida.

124    Após ter recordado que a Cephalon e a Novartis tinham decidido, no final de 2005, não renovar o seu acordo de distribuição, o que tinha como consequência que a Cephalon tivesse necessidade de um novo parceiro de distribuição para os seus produtos à base de modafinilo no Reino Unido, as recorrentes alegam que a Teva, que já tinha começado a distribuir o seu produto genérico do modafinilo no Reino Unido, era uma escolha evidente. As recorrentes contestam a objeção da Comissão segundo a qual se tratava de uma concorrente, com a qual o acordo de distribuição foi celebrado, porque, uma vez que as partes tinham decidido lavrar um termo de transação, já não eram concorrentes.

125    Quanto às condições comerciais do acordo de distribuição no Reino Unido, as recorrentes alegam que estas eram razoáveis. A este respeito, acusam a Comissão de se ter concentrado no montante de 2,5 milhões de euros como comissão de partida e de ter insistido no facto de as partes não terem podido, dez anos mais tarde, fornecer informações contabilísticas detalhadas. Além disso, alegam que a afirmação da Comissão de que a Cephalon não recebeu nenhum valor em troca do pagamento único é falsa. Com efeito, se a Cephalon tivesse, por exemplo, aceitado integrar os 2,5 milhões de euros na comissão corrente, passando assim a comissão da Teva de 20 % para 25 %, nada nos autos permitiria à Comissão afirmar que a compensação teria sido irracional. Segundo as recorrentes, a Cephalon aceitou o pagamento inicial, tal como resulta do Acordo de Transação, «em reconhecimento dos custos e das despesas ligados a esse lançamento preparado pela Teva».

126    A Comissão refuta os argumentos das recorrentes.

127    Na análise da primeira parte do presente fundamento (v. n.o 45, supra), o Tribunal Geral referiu que, para determinar se uma das transações celebradas entre as partes no âmbito do Acordo de Transação era, de facto, a contrapartida da aceitação pela Teva das cláusulas restritivas, ou se o referido Acordo de Transação se podia explicar de outra forma, a Comissão era levada a interrogar‑se sobre a questão de saber se as partes teriam celebrado esta transação, ou a teriam celebrado nas mesmas condições, sem essas cláusulas.

128    No caso, como acertadamente alega a Comissão na decisão recorrida, à época dos factos, a Teva já tinha lançado o seu produto genérico do modafinilo no mercado no Reino Unido e era, portanto, uma concorrente direta da Cephalon nesse mercado, o que teria permanecido sem o Acordo de Transação e o acordo de distribuição no Reino Unido que nele figurava. Isto não foi posto em causa pelas recorrentes.

129    Nestas circunstâncias, a Comissão concluiu bem, no considerando 930 da decisão recorrida, que «a externalização da distribuição dos produtos do modafinilo [da Cephalon] à maior rival no mercado cria[va] um conflito de interesses» e que, «[s]em cláusulas de não concorrência e de não contestação da Teva que pusessem efetivamente termo às atividades independentes da Teva em matéria de modafinilo em todo o mundo (incluindo no Reino Unido), não [teria] sido economicamente racional a Cephalon conceder a distribuição dos [seus] produtos […] modafinilo à Teva, a concorrente e rival mais próxima no mercado do modafinilo no Reino Unido».

130    A este respeito, o argumento das recorrentes de que já não eram concorrentes uma vez que tinham decidido celebrar o Acordo de Transação e, portanto, que os seus interesses estavam alinhados não colhe. Com efeito, o acordo de distribuição faz parte do Acordo de Transação e foi celebrado no seu contexto. Ora, seguir o raciocínio das recorrentes equivaleria a considerar que a Comissão não poderia examinar se uma transação comercial, como um acordo de distribuição, constitui a contrapartida, pelo menos parcial, da aceitação de compromissos de não concorrência que figuram num Acordo de Transação, se a referida transação fizesse parte do referido acordo. Este raciocínio vai igualmente contra o Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou, nos n.os 90 e 91, que deviam ser tidas em consideração todas as transferências de valores, de caráter monetário ou não, efetuadas entre as partes, o que podia implicar ter em conta transferências indiretas decorrentes, por exemplo, dos benefícios a retirar pelo fabricante de medicamentos genéricos de um contrato de distribuição celebrado com o fabricante de medicamentos originais e que permitisse a esse primeiro fabricante vender uma quantidade eventualmente contingentada de medicamentos genéricos fabricados pelo fabricante de medicamentos originais.

131    Por conseguinte, como acertadamente alega a Comissão, esta era obrigada a examinar se as partes teriam celebrado o acordo de distribuição no Reino Unido se não existissem os compromissos de não concorrência e de não contestação.

132    Tendo em conta que as recorrentes não contestam a conclusão de que, na falta de tais compromissos, a Teva teria permanecido a concorrente mais próxima da Cephalon no mercado do modafinilo no Reino Unido, há que observar, como faz a Comissão, que é altamente improvável que, sem o Acordo de Transação, a Cephalon tivesse escolhido a sua concorrente mais próxima, a Teva, como o seu distribuidor exclusivo no Reino Unido.

133    Por outras palavras, se a Teva pôde celebrar com a Cephalon o acordo de distribuição em causa, que lhe devia render pelo menos 8 milhões de euros de comissão por ano, foi apenas pelo facto de ter aceitado as cláusulas restritivas.

134    Por conseguinte, não incorreu em nenhum erro a Comissão ao considerar que o acordo de distribuição tinha contribuído para aumentar o nível da transferência de valor globalmente efetuada pelo Acordo de Transação, para fornecer à Teva uma contrapartida suficiente para a incentivar a subscrever as cláusulas restritivas.

135    Esta conclusão é também confirmada por documentos internos da Cephalon relativos ao Acordo de Transação, referidos no considerando 944 da decisão recorrida, onde se indica que «a contrapartida no Reino Unido inclui um acordo de distribuição e de aprovisionamento […]» (documento interno de 8 de dezembro de 2005) e que, o «Reino Unido, a Teva distribuirá o Provigil e, […] em troca, não lançará modafinilo genérico antes de 2012» (documento interno da mi‑2006).

136    Seguidamente, no que respeita ao pagamento único no montante de 2,5 milhões de euros a título do contrato de distribuição, há que observar que, segundo a cláusula 2.6., alínea a), subalínea i), do Acordo de Transação, este pagamento estava previsto em reconhecimento das despesas e dos custos ligados à preparação da Teva para o lançamento comercial por esta do produto à base de modafinilo da Cephalon no Reino Unido, bem como em reconhecimento da licença sobre os DPI.

137    A este respeito, há que observar que a Comissão, na decisão recorrida, não põe em causa a comissão à taxa de 20 % do preço de venda dos produtos à base de modafinilo no Reino Unido para a Teva, mas sim o pagamento único. Segundo a Comissão, a Cephalon não recebeu nenhum valor ou vantagem comercial em troca do pagamento único.

138    Em primeiro lugar, refira‑se que está assente que o pagamento único apenas visa os alegados custos e despesas da Teva. No procedimento administrativo, as recorrentes admitiram que o pagamento não tinha sido efetuado em contrapartida de uma licença sobre os DPI, embora a cláusula 2.6., alínea a), subalínea i), do Acordo de Transação a indique como uma das razões do pagamento único.

139    Em segundo lugar, há que observar que nada nos elementos de prova contemporâneos dos factos indica como é que as partes determinaram «os custos e despesas da Teva ligados à preparação/lançamento do produto modafinilo da Cephalon» que deveriam ter sido compensados pela Cephalon, bem como o montante exato destes custos, ou que serviços a Cephalon podia esperar da Teva.

140    Com efeito, resulta da decisão recorrida que, no procedimento administrativo, a Comissão pediu várias vezes às recorrentes que explicassem a razão de ser do pagamento único. Ora, as recorrentes nunca conseguiram identificar os serviços que a Cephalon recebeu em contrapartida do pagamento único, nem explicar como foi calculado o montante deste pagamento, nem sequer demonstrar que a Cephalon tinha pedido esclarecimentos sobre os custos suportados pela Teva durante as negociações do Acordo de Transação.

141    Conforme alega a Comissão, o modelo de distribuição da Teva no Reino Unido confirma que esta não prestou serviços à Cephalon ligados ao lançamento dos produtos à base de modafinilo desta última e que também não suportou os custos deste lançamento. Com efeito, as tarefas da Teva, enquanto distribuidor ao abrigo do acordo de distribuição, limitavam‑se à aceitação de encomendas dos clientes, à realização de encomendas à Cephalon, à receção dos produtos desta última, ao armazenamento e ao armazenamento dos produtos e à garantia do seu transporte para os clientes. Todas as outras tarefas, como o transporte dos produtos para o armazém da Teva, a embalagem dos produtos, as atividades de marketing, publicidade e promoção, foram executadas pela Cephalon.

142    Por conseguinte, a Comissão teve razão ao concluir que o acordo em causa tinha contribuído para a transferência de valor injustificado.

5)      Quanto aos pagamentos destinados a evitar despesas de contencioso

143    A cláusula 2.5. do Acordo de Transação prevê a obrigação de a Cephalon efetuar dois pagamentos à Teva em reconhecimento das economias realizadas pela Cephalon (evitando os custos, as perdas de tempo e de recursos, etc.) na sequência da cessação dos litígios em curso no Reino Unido e da prevenção de eventuais litígios relativos ao modafinilo entre as duas partes noutros mercados, a saber:

–        um pagamento de 2,1 milhões de GBP (cerca de 3,07 milhões de euros) para pôr termo ao litígio em curso no Reino Unido [cláusula 2, n.o 5, alínea b), do Acordo de Transação];

–        um pagamento de 2,5 milhões de euros para prevenir eventuais litígios futuros em matéria de patentes ou outros nos mercados europeus e noutros mercados fora dos Estados Unidos ou do Reino Unido [artigo 2.o, n.o 5, alínea c), do Acordo de Transação].

144    Nos termos do artigo 2.o, n.o 5, alínea b), do Acordo de Transação, a liberação da obrigação em causa tinha em conta a necessidade de evitar os custos futuros que a Cephalon teria suportado, estando assim em condições de economizar, a saber, «os custos, as despesas de tempo e de recursos, as perturbações e os encargos decorrentes da prossecução de tais litígios no Reino Unido».

145    Em conformidade com a cláusula 4.2. do Acordo de Transação, a Cephalon e a Teva suportaram as suas próprias despesas no que respeita à resolução do litígio no Reino Unido.

146    Por este motivo, a Comissão concluiu, na decisão recorrida, que o Acordo de Transação não previa uma indemnização da Teva pelas despesas judiciais realmente efetuadas. Os pagamentos, no montante de 5,57 milhões de euros, serviram para pôr termo a um litígio no Reino Unido e para se evitar qualquer litígio futuro entre as partes noutros mercados fora do Reino Unido e dos Estados Unidos. A Comissão considerou, portanto, nos considerandos 898 e 899 da decisão recorrida, que esses dois pagamentos contribuíam para a transferência injustificada de valor a favor da Teva.

147    As recorrentes alegam que, em lado nenhum do Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52), o Tribunal de Justiça afirma que não são autorizados verdadeiros pagamentos destinados a evitar despesas de contencioso.

148    Além disso, fazem referência aos tribunais do Reino Unido e dos Estados Unidos, que aceitaram despesas de contencioso evitadas.

149    A Comissão contesta a argumentação das recorrentes.

150    No n.o 86 do Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52), o Tribunal de Justiça considerou que, no âmbito de uma transação, podia ser justificada uma transferência de quantias quando correspondesse efetivamente à compensação das despesas ou dos inconvenientes associados ao litígio que opunha as partes. Todavia, o Tribunal de Justiça não declarou, nesse mesmo acórdão, que esta justificação também se podia aplicar a todos os custos associados a eventuais processos judiciais futuros.

151    No caso, é pacífico que a Teva obteve da Cephalon o pagamento de uma quantia no montante de 5,57 milhões de euros sem nenhuma contrapartida.

152    Além disso, os pagamentos deste montante não estão relacionados com nenhum custo suportado pela Teva.

153    A este respeito, é pacífico que as recorrentes acordaram que cada uma delas suportaria as suas próprias despesas (v. n.o 145, supra).

154    Do mesmo modo, se a Cephalon e a Teva tivessem prosseguido o processo em curso no Reino Unido, ou se tivessem intentado um novo processo noutros tribunais, teriam ambas tido despesas processuais adicionais.

155    No entanto, além disso, foi acordado que a Cephalon pagaria montantes adicionais à Teva (v. n.o 143, supra).

156    Como alega a Comissão nos seus articulados e como indicou na decisão recorrida, não havia nenhuma lógica para que a Teva, além de evitar futuras despesas de contencioso, tal como a Cephalon, também obtivesse dois pagamentos em numerário correspondentes alegadamente às despesas de contencioso evitadas pela Cephalon.

157    Por conseguinte, os referidos pagamentos em numerário não podem corresponder «efetivamente à compensação de despesas ou de inconvenientes associados ao litígio», como exige a jurisprudência acima referida no n.o 150.

158    Refira‑se ainda, como faz a Comissão, que as recorrentes não impugnam o facto de os autos não conterem nenhum elemento que demonstre que os montantes dessas quantias foram acordados com base numa estimativa das despesas evitadas pela Cephalon feita pelas partes. Com efeito, resulta dos autos que os pagamentos estavam dissociados de qualquer litígio real ou potencial. Em particular, as recorrentes não impugnam o facto de o pagamento relativo às despesas de contencioso evitadas corresponder a um montante calculado com base nas previsões de vendas do modafinilo no Reino Unido, tal como estabelecido pela Teva no decurso do processo judicial (v. n.o 143, primeiro travessão, supra), e que este montante não estava ligado a eventuais despesas de contencioso evitadas. Também não impugnam o facto de, quando o montante a pagar pelas despesas de contencioso evitadas noutros tribunais (v. n.o 143, segundo travessão, supra) foi aumentado, o pagamento único pelo acordo de distribuição no Reino Unido foi reduzido ao montante devido, o que levou à reafectação destas quantias em dois pagamentos aparentemente independentes.

159    Quanto ao argumento de que, noutros tribunais, como os dos Estados Unidos, os pagamentos correspondentes a despesas economizadas são aceites, importa recordar que, segundo a jurisprudência acima referida no n.o 150, em princípio, só as compensações concedidas pelo fabricante de medicamentos originais para litígios reais ou outras despesas suportadas por um fabricante de medicamentos genéricos podem ser consideradas justificadas e, enquanto tais, não constituem pagamentos compensatórios.

160    Ora, mesmo admitindo que os pagamentos destinados a evitar despesas de contencioso futuras pudessem ser considerados justificados em certos casos, não é menos verdade que as partes não apresentaram elementos relativos ao cálculo ou à estimativa das despesas evitadas suscetíveis de servir de justificação.

161    Foi, portanto, com razão que a Comissão concluiu que os pagamentos obtidos pela Teva para as despesas de contencioso evitadas pela Cephalon não tinham outra explicação plausível senão aumentar o nível da transferência de valor globalmente efetuada a favor da Teva pelo Acordo de Transação, para lhe fornecer uma contrapartida suficiente para a incentivar a subscrever as cláusulas restritivas.

162    Resulta destas apreciações que, na decisão recorrida, a Comissão aplicou o critério jurídico adequado quando determinou que cada uma das transações comerciais previstas no Acordo de Transação não tinha outro objetivo senão aumentar o nível da transferência de valor globalmente efetuada a favor da Teva pelo Acordo de Transação para a incentivar a aceitar as cláusulas restritivas. A este respeito, a Comissão examinou, em relação a cada transação comercial, nomeadamente, a razão de ser das explicações alternativas apresentadas pelas recorrentes e o interesse, tanto da Cephalon como da Teva, em realizar a transferência de valor associado. Além disso, foi com razão que considerou que o conjunto das transações era suficiente para incentivar a Teva a aceitar os compromissos de não concorrência e de não contestação.

163    Não se impugna que as referidas transações tenham sido negociadas ao mesmo tempo e de forma interdependente. Há também que observar que o Acordo de Transação foi celebrado como acordo único, juridicamente vinculativo, constituindo a base de todos os atos celebrados pelas recorrentes. Além disso, resulta do desenrolar das negociações, conforme analisado pela Comissão na decisão recorrida com base nas provas, que tanto a Cephalon como a Teva tentaram encontrar uma combinação de transações que representassem um certo valor global suficientemente benéfico para esta última para que aceitasse as cláusulas restritivas.

164    Neste contexto, há que lembrar que, como resulta da jurisprudência acima referida no n.o 40, o que conta para efeitos de examinar se a qualificação de «restrição por objetivo» pode ser feita no que respeita a um Acordo de Transação entre fabricantes de medicamentos originais e fabricantes de medicamentos genéricos, é o saldo positivo líquido das transferências de valores efetuadas no âmbito de todas as transações ocorridas entre estes.

165    Por conseguinte, improcede o argumento através do qual as recorrentes acusam a Comissão de ter avaliado os acordos comerciais que figuram no Acordo de Transação como um «conjunto», «independentemente da quantificação exata e [da] contribuição real de cada transação para a transferência de valor global».

166    Resulta do exposto que tanto a primeira parte como a segunda parte devem ser julgadas integralmente improcedentes.

c)      Quanto à terceira parte do primeiro fundamento

167    A terceira parte do primeiro fundamento diz respeito ao segundo critério estabelecido no Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52), segundo o qual a existência de efeitos pró‑concorrenciais verificados, relevantes, específicos do acordo em causa e suficientemente importantes, de modo que permitissem duvidar razoavelmente do caráter bastante nocivo deste acordo para a concorrência se opõe a uma declaração de restrição da concorrência por objetivo na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 107 e 111].

168    Na secção 6.9 da decisão recorrida, que corresponde aos considerandos 974 a 1012 desta decisão, a Comissão examinou o segundo critério do Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52), para chegar à conclusão de que o Acordo de Transação não podia produzir efeitos pró‑concorrenciais que fossem verificados, relevantes, suficientemente importantes e não incertos, que tivessem sido suscetíveis de lançar uma dúvida razoável sobre o objetivo anticoncorrencial deste acordo.

169    Mais especificamente, na decisão recorrida, a Comissão rejeitou os alegados efeitos pró‑concorrenciais dos direitos genéricos concedidos à Teva pela Cephalon, com o fundamento de que se tratava de uma entrada atrasada e controlada nos mercados do modafinilo (considerandos 977 a 981 da decisão recorrida), que estes direitos tinham tornado menos provável a entrada nos referidos mercados de outros fabricantes de medicamentos genéricos (considerandos 982 a 992 da decisão recorrida), que a estratégia da Cephalon relativamente ao Nuvigil tinha comprometido os eventuais efeitos pró‑concorrenciais alegados (considerandos 993 a 995 da decisão recorrida) e que os direitos genéricos concedidos à Teva não eram o objeto principal do Acordo de Transação (considerandos 996 a 1001 da decisão recorrida).

170    As recorrentes alegam que o Acordo de Transação teve efeitos pró‑concorrenciais, excluindo que constituísse uma restrição da concorrência por objetivo. Os referidos efeitos decorrem dos direitos genéricos concedidos à Teva, o que lhe permitiu uma entrada independente e precoce nos mercados do modafinilo, pelo menos três anos antes de expirarem as patentes sobre a dimensão das partículas da Cephalon (face a uma situação em que a Teva não tivesse ganhado o processo judicial contra a Cephalon). Os efeitos pró‑concorrenciais decorrentes desta entrada precoce nos mercados do modafinilo são relevantes, certos e suficientemente significativos, como resulta também da decisão que autoriza a concentração entre a Teva e a Cephalon (v. n.o 4, supra). A este respeito, as recorrentes salientam que a referida decisão declara que, a partir de outubro de 2012, «a Teva [tinha] liberdade para lançar o modafinilo no EEE, sem ser objeto de processos judiciais por parte da Cephalon» (considerando 95 dessa decisão) e que, devido aos seus direitos genéricos, «a Teva […] era a única concorrente que tinha o direito garantido de entrar nos mercados do EEE entre outubro de 2012 e outubro de 2015» (considerando 126 dessa decisão), o que, segundo a Comissão, tornaria a Teva a «condicionante concorrencial mais provável exercida sobre a Cephalon, pelo menos durante o período de outubro de 2012 a outubro de 2015». Entendem que daí resulta igualmente que os efeitos pró‑concorrenciais são específicos do Acordo de Transação.

171    Segundo as recorrentes, a posição da Comissão, tal como exposta na decisão recorrida e segundo a qual as suas conclusões na decisão que autoriza a concentração não têm interesse no caso, não é credível. Com efeito, a decisão que autoriza a concentração analisou claramente os efeitos pró‑concorrenciais associados à certeza de uma entrada precoce da Teva nos mercados do modafinilo como resultado direto do Acordo de Transação, uma vez que examinou a possibilidade de esta entrar nos mercados do modafinilo final sem ser objeto de uma ação judicial, ao passo que outros fabricantes de medicamentos genéricos sempre enfrentaram a ameaça de tal ação.

172    Além disso, segundo as recorrentes, se o Acordo de Transação não tivesse tido tal potencial pró‑concorrencial, a Comissão não teria exigido à Teva que cedesse os seus direitos ligados ao modafinilo a um terceiro como condição da sua aquisição da Cephalon.

173    As recorrentes contestam também as outras constatações da Comissão segundo as quais os direitos genéricos da Teva conduziram a uma entrada atrasada e controlada, tornaram menos provável a entrada no mercado de outros fabricantes de medicamentos genéricos, foram comprometidos pela estratégia da Cephalon relativamente ao Nuvigil e não constituem o objeto principal do acordo.

174    A Comissão refuta os argumentos das recorrentes.

175    Tal como acima resulta do n.o 18, os direitos genéricos da Teva fazem parte do Acordo de Transação. Nos termos do artigo 3.o do Acordo de Transação, a Cephalon obrigou‑se a conceder à Teva um direito não exclusivo ao abrigo das «patentes listadas» para fabricar, utilizar, comercializar e vender o seu produto genérico modafinilo nos Estados Unidos, bem como noutros mercados (incluindo o do EEE) e fazer o mesmo no que dizia respeito ao fornecimento do IPA do modafinilo no respeitante aos produtos farmacêuticos acabados que tinham o modafinilo como IPA, a partir de 2011, nos Estados Unidos e, a partir de 2012, noutros mercados, incluindo o do EEE. A cláusula 3.1.1. do Acordo de Transação estipula que os direitos genéricos da Teva se aplicam, no que respeita a outros mercados, incluindo o do EEE, no mínimo em 6 de outubro de 2012 ou na data correspondente a três anos civis antes da data do expirar das patentes de exclusividade. Segundo esta mesma disposição, a Teva deve pagar à Cephalon uma taxa igual a 10 % de todos os lucros líquidos resultantes das vendas de produtos genéricos do modafinilo pela Teva ou pelas suas filiais nos Estados Unidos e noutros mercados à data efetiva desses direitos genéricos.

176    As cláusulas 3.1.2. e 3.1.3. do Acordo de Transação dizem respeito, nomeadamente, aos mecanismos desencadeados pela eventual entrada antecipada de terceiros nos mercados do modafinilo. Estas disposições permitiram à Teva lançar a sua própria versão genérica do modafinilo a partir da entrada no mercado de qualquer outra empresa que fabricasse medicamentos genéricos, independentemente de a Cephalon ter ou não autorizado esta entrada. Se a Teva, em conformidade com as disposições acima referidas, colocasse o seu produto genérico nos mercados do modafinilo antes da data efetiva de produção de efeitos desses direitos, seria obrigada a pagar taxas acrescidas de 15 % (se a entrada fosse autorizada pela Cephalon) ou de 20 % (se se tratasse de uma entrada de risco, sem autorização da Cephalon) durante o período relevante. Os cenários previstos na disposição incluem a Cephalon, que requer uma medida de proibição temporária ou outras medidas corretivas. Nestes casos, os direitos genéricos da Teva seriam suspensos [cláusula 3.a, n.o 1.,3.3, alínea a), do Acordo de Transação] e a Cephalon compraria as existências à Teva a preços acordados [cláusula 3.a, n.o 1.,3.3, alínea b), do Acordo de Transação].

177    Primeiro, à semelhança da Comissão, há que rejeitar a afirmação das recorrentes de que o Acordo de Transação acelerou a entrada independente da Teva no mercado relativamente à hipótese na qual esta não teria ganhado o processo judicial contra a Cephalon. Resulta da jurisprudência que, para determinar se os efeitos pró‑concorrenciais se opõem à declaração de uma restrição por objetivo, não é necessário examinar outros cenários, como os de uma ou outra parte ter ganho de causa num litígio em matéria de patentes. Basta que a Comissão, para qualificar o acordo de restrição por objetivo, demonstre que este apresenta um grau de nocividade suficiente para a concorrência atendendo ao teor das suas estipulações, aos seus objetivos e ao contexto económico e jurídico em que se insere (v., neste sentido, Acórdão de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão, C‑591/16 P, EU:C:2021:243, n.os 140 e 141).

178    Segundo, é facto assente que, antes da celebração do Acordo de Transação, a Teva era de entre as concorrentes da Cephalon a que potencialmente estava mais avançada no mercado do modafinilo. A Teva tinha possibilidades concretas de entrar neste mercado muito antes de 2012 (mais precisamente, em 2005) enquanto novo operador independente. O Acordo de Transação eliminou esta possibilidade.

179    É certo que o Acordo de Transação e os direitos genéricos da Teva com este relacionados só preveem a entrada da Teva no mercado do modafinilo em 2012. Esta entrada não se realiza devido ao jogo da livre concorrência, mas sim devido a uma concertação entre as partes. Por conseguinte, não se trata de uma entrada precoce com um efeito pró‑concorrencial, como alegam as recorrentes. Trata‑se apenas de uma entrada prevista contratualmente, que o Acordo de Transação atrasou sete anos e que deu à Cephalon a garantia de que não sofreria nenhuma concorrência por parte da Teva durante este período.

180    Por outro lado, esta entrada da Teva no mercado do modafinilo, a partir de 2012, não pode ser equiparada à entrada no referido mercado de um agente independente que se envolve em concorrência direta com a Cephalon. Por um lado, a entrada prevista da Teva no mercado do modafinilo baseava‑se numa licença concedida pela Cephalon e, por outro, estava sujeita a taxas consideráveis, que representavam 10 a 20 % dos lucros líquidos provenientes da venda de todos os produtos genéricos do modafinilo da Teva. Por conseguinte, era pouco provável que existisse uma forte concorrência através dos preços entre a Teva e a Cephalon.

181    Terceiro, os argumentos das recorrentes, relativos à decisão que autoriza a concentração entre a Teva e a Cephalon, devem ser rejeitados.

182    Em primeiro lugar, não se pode deixar de observar que o quadro de referência da decisão que autoriza a concentração é diferente daquele em que se baseia a análise do Acordo de Transação à luz do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Enquanto, na decisão recorrida, a Comissão avaliou a restrição da concorrência causada pelo Acordo de Transação e comparou a sua incidência a um cenário contrafactual em que o Acordo de Transação não tivesse sido celebrado, a decisão relativa à concentração entre a Teva e a Cephalon dá o Acordo de Transação por adquirido e avalia o impacto provável da concentração das partes na concorrência num futuro previsível à luz das normas regras da União em matéria de controlo das concentrações, a partir de 2011.

183    Em segundo lugar, neste contexto, não é surpreendente que a Comissão tenha tido em conta a existência do Acordo de Transação e dos direitos genéricos da Teva e tenha concluído que esta última tinha algumas «vantagens», decorrentes do Acordo de Transação, como a que consiste em lançar os produtos genéricos do modafinilo no EEE sem serem objeto de um processo judicial por parte da Cephalon, ao passo que os outros fabricantes de medicamentos genéricos não tinham estes benefícios e enfrentavam ações judiciais pendentes em matéria de patentes que implicavam igualmente injunções. Isto explica que, no considerando 98 da decisão que autoriza a concentração, a Comissão tenha posto em causa o facto de os fabricantes de medicamentos genéricos diferentes da Teva, entre outubro de 2012 e outubro de 2015, terem podido exercer uma pressão concorrencial significativa sobre o produto genérico do modafinilo final da Cephalon. Por conseguinte, o facto de a Comissão ter considerado, na decisão que autoriza a concentração, que após e apesar da celebração do Acordo de Transação, a Teva continuava a ser a pressão concorrencial mais provável exercida sobre a Cephalon não significa que tivesse considerado que os direitos genéricos da Teva tinham um efeito pró‑concorrencial.

184    De igual modo, o facto de a Comissão ter aceitado compromissos da Teva no âmbito do procedimento de controlo das concentrações também não significa que a Comissão teria concluído pelos efeitos pró‑concorrenciais do Acordo de Transação e dos direitos genéricos da Teva que lhe dizem respeito. Pelo contrário, estes compromissos visam, como acertadamente alegou a Comissão, restabelecer a pressão concorrencial sobre a Cephalon, que a concentração tinha feito desaparecer, no mercado do modafinilo.

185    Dado que as recorrentes acusam a Comissão de não ter tido em conta, na decisão recorrida, o Acórdão de 12 de dezembro de 2018, Krka/Comissão (T‑684/14, não publicado, pendente de recurso, EU:T:2018:918), uma vez que considerou que uma entrada sob licença equivalia a uma entrada controlada, esta crítica não colhe. Com efeito, o processo que deu origem ao referido acórdão difere do caso presente. Enquanto, neste processo, o fabricante de medicamentos genéricos foi autorizado a entrar imediatamente nos mercados em causa, no caso presente, a nocividade para a concorrência decorre do facto de o Acordo de Transação prever atrasar a entrada da Teva em cerca de sete anos.

186    Por último, há que rejeitar a argumentação das recorrentes em que contestam as conclusões que figuram na decisão recorrida segundo as quais, antes de mais, os direitos genéricos da Teva tornaram menos provável a entrada no mercado do modafinilo de outros fabricantes de medicamentos genéricos, seguidamente, a estratégia da Cephalon relativa ao Nuvigil comprometeu os eventuais efeitos pró‑concorrenciais alegados destes direitos genéricos da Teva e, por último, os referidos direitos não foram o objeto principal do Acordo de Transação.

187    Refira‑se, a este respeito, que, ao contrário do que alegam as recorrentes, a Comissão não exigiu que a Teva prosseguisse as ações judiciais. A Comissão também não alegou que o facto de a Teva ter ganho de causa no litígio relativo às patentes teria permitido aos outros fabricantes de medicamentos genéricos entrarem imediatamente no mercado do modafinilo. Não deixa de ser verdade que a declaração de invalidade das patentes da Cephalon teria eliminado uma barreira à entrada no referido mercado, que constituía um obstáculo tanto para a Teva como para os outros fabricantes e que, no caso de a Teva ter tido ganho de causa, os outros fabricantes poderiam igualmente dela beneficiar.

188    De igual modo, as recorrentes não podem negar que os direitos genéricos da Teva lhe permitiram ser a primeira a entrar no mercado dos medicamentos genéricos do modafinilo, antes de expirarem as patentes da Cephalon e sem correr o risco de ser levada a juízo. Esta posição de primeiro operador no mercado dos medicamentos genéricos do modafinilo era suscetível de dar à Teva a possibilidade de reforçar a sua posição, o que, em seguida, lhe teria permitido dificultar a entrada a qualquer concorrente neste mercado, por exemplo, através de uma estratégia agressiva de preços, além do facto de um novo operador poder fazer face a ações judiciais por parte da Cephalon, ou mesmo encontrar outros obstáculos.

189    Quanto à estratégia da Cephalon destinada a reorientar os pacientes que utilizam o Provigil à base de modafinilo para o seu produto de segunda geração, o Nuvigil, baseado no armodafinil (estratégia destinada a atenuar o fim das patentes que implica a concorrência dos medicamentos genéricos), foi com razão que a Comissão a teve em conta, sabendo que, de um ponto de vista ex ante, os direitos genéricos da Teva lhe teriam, quando muito, permitido entrar sob licença sobre o que ainda restava no mercado dos pacientes do modafinilo até 2012. Assim, a Comissão podia supor que, mesmo que os direitos genéricos concedidos à Teva tivessem efeitos pró‑concorrenciais, estes efeitos eram muito limitados e insuficientes para pôr em causa a qualificação do Acordo de Transação como restrição da concorrência por objetivo.

190    A Comissão rejeitou igualmente com razão, nos considerandos 996 a 1001 da decisão recorrida, a alegação das recorrentes de que os direitos genéricos da Teva constituíam o objetivo principal do Acordo de Transação e eram pró‑concorrenciais, ao passo que as cláusulas restritivas eram apenas acessórias ao referido acordo. A este respeito, o argumento do caráter principalmente pró‑concorrencial do Acordo de Transação deve ser rejeitado à luz destas apreciações, uma vez que a entrada da Teva nos mercados do modafinilo deve ser qualificada de entrada atrasada, controlada e limitada nos referidos mercados, em vez de entrada precoce, como alegam as recorrentes (v. n.os 178 a 180, supra). O mesmo se diga do argumento baseado no caráter alegadamente acessório das cláusulas restritivas, uma vez que resulta da jurisprudência que a conclusão de que um acordo deve ser qualificado de «restrição por objetivo» não pode ser rejeitada pelo facto de as empresas que celebraram este acordo invocarem o facto de as restrições dele decorrentes apenas apresentarem um caráter acessório [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 96].

191    Por conseguinte, há que julgar improcedente a terceira parte do primeiro fundamento.

d)      Quanto à quarta parte do primeiro fundamento

192    No âmbito da quarta parte, que contém duas alegações, as recorrentes consideram que a Comissão cometeu um erro de facto e de direito na sua apreciação do contexto económico e jurídico do Acordo de Transação, por um lado, ao distorcer a perceção do litígio pelas partes e, por outro, ao considerar que as cláusulas restritivas contidas no Acordo de Transação estavam «excluídas do âmbito».

193    Quanto à primeira alegação, as recorrentes acusam, em substância, a Comissão de ter formulado um número demasiado alto de suposições na decisão recorrida e com base em poucas provas, relativas ao facto de a Teva estar convencida de que as patentes da Cephalon sobre a dimensão das partículas não eram válidas e de o seu produto não as violar e, por conseguinte, de ter chegado à conclusão de que a Teva não aceitou cláusulas restritivas tendo em conta a sua perceção da solidez da patente da Cephalon ou, mais genericamente, das suas possibilidades de sucesso, mas sim devido ao valor que as transações comerciais transferiram a seu favor.

194    Quanto à segunda alegação, as recorrentes afirmam que a conclusão exposta nos considerandos 667 a 678 da decisão recorrida, segundo a qual o alcance do compromisso de não concorrência da Teva ultrapassa o alcance das patentes da Cephalon, é errada e ilógica. A este respeito, as recorrentes salientam que, como resulta dos estudos, para obter uma semelhança essencial com o Provigil, era necessário utilizar as partículas de modafinilo pertencentes à gama de dimensões reivindicada nas patentes da Cephalon. Por isso, os acordos de não concorrência não foram além do alcance potencial das patentes.

195    A Comissão contesta a argumentação das recorrentes.

196    Quanto à primeira alegação, resulta da decisão recorrida que a Comissão se baseou em vários elementos para concluir que a Teva tinha dúvidas quanto à posição da Cephalon em matéria de patentes.

197    A este respeito, a decisão recorrida menciona, nomeadamente, que:

–        A Teva começou a desenvolver a sua versão genérica do modafinilo que lançou com risco no Reino Unido em 2005 (considerandos 152, 158 e 610 da decisão recorrida);

–        A Teva declarou, por diversas vezes, que as patentes da Cephalon sobre a dimensão das partículas não eram válidas ou que o seu produto genérico do modafinilo não violava as referidas patentes (considerandos 153 a 155 da decisão recorrida);

–        o perito científico da Teva declarou, em abril de 2003, que «a Teva [tinha conseguido] demonstrar a bioequivalência [com o modafinilo final da Cephalon] formulando um material que não [era] abrangido pelo âmbito de aplicação da patente da Cephalon» (considerandos 157 e 611 da decisão recorrida);

–        os ensaios efetuados por um laboratório nos Estados Unidos, escolhido pela Cephalon, com as amostras de modafinilo da Teva durante o processo relativo às patentes no Reino Unido mostram que o modafinilo final da Teva não violava as patentes sobre a dimensão das partículas da Cephalon (considerandos 159 e 611 da decisão recorrida).

198    Por conseguinte, improcede a alegação das recorrentes de que a Comissão não fundamentou as suas afirmações, na decisão recorrida, em provas relativas à posição interna da Teva. Além disso, a perceção da Teva no que diz respeito à posição da Cephalon em matéria de patentes constitui igualmente um indício de que não foi a solidez das patentes da Cephalon nem a incerteza quanto ao desfecho do litígio, mas sim os incentivos financeiros que desempenharam um papel na celebração do Acordo de Transação.

199    Quanto à segunda alegação, há que lembrar que, segundo as disposições da cláusula de não concorrência, a Teva se obrigou a não produzir, comercializar nem importar medicamentos acabados que contivessem modafinilo como IPA.

200    A obrigação de não entrar em concorrência garantia que a Teva cessaria qualquer fabrico e comercialização de produtos à base de modafinilo, independentemente de o processo de fabrico e de comercialização se basear ou não numa tecnologia que violasse as patentes existentes da Cephalon.

201    As recorrentes não negam que a obrigação de não concorrência abrange a totalidade dos produtos à base de modafinilo.

202    Uma vez que se trata de uma obrigação relativa a «qualquer medicamento acabado», e não a qualquer produto acabado suscetível de violar as patentes sobre o modafinilo detidas pela Cephalon, a Comissão teve razão ao concluir que a obrigação da Teva era um acordo relativo ao seu comportamento no mercado e não simplesmente uma obrigação de não violar as patentes da Cephalon, tanto mais que é possível desenvolver um produto genérico do modafinilo não pertencente ao âmbito de aplicação das patentes da Cephalon. Como acertadamente alegou a Comissão, a Cephalon nunca teria podido legalmente obter compromissos de não concorrência tão amplos, aplicando com sucesso as patentes sobre a dimensão das partículas. Por conseguinte, a Comissão não cometeu nenhum erro ao considerar que essa obrigação estava excluída do âmbito de aplicação das patentes.

203    Além disso, contrariamente ao que alegam as recorrentes, a Comissão não tinha que provar que a Teva podia ter desenvolvido, ou tinha desenvolvido, uma versão não contrafeita. Com efeito, bastava demonstrar que a Teva dispunha de possibilidades reais e concretas de penetrar nos mercados do modafinilo e era, portanto, uma potencial concorrente. De resto, como já acima foi indicado no n.o 197, a Teva considerou que tinha conseguido «demonstrar a bioequivalência [com o modafinilo da Cephalon] formulando um material que não [era] abrangido pelo âmbito de aplicação da patente da Cephalon». Além disso, os testes realizados na amostra da Teva, que datam de 2005, não demonstraram a contrafação das patentes da Cephalon.

204    Por último, mesmo que o Acordo de Transação não contivesse obrigações que se alegasse estarem abrangidas «pelo âmbito de aplicação» das patentes da Cephalon sobre o modafinilo, isso não exclui a declaração de uma restrição por objetivo. No caso, o objetivo do Acordo de Transação era manter a Teva fora dos mercados do modafinilo através de transferências de valores de um nível global que fosse suficientemente alto para a incentivar a adiar os seus esforços independentes para entrar nestes mercados. Ora, este acordo, que determina o comportamento futuro de concorrentes potenciais no mercado, tem por objetivo restringir a concorrência, independentemente da questão de saber se a Cephalon teria ou não, ao abrigo do direito das patentes, podido obter a mesma exclusão por decisão judicial (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2016, Lundbeck/Comissão, T‑472/13, EU:T:2016:449, n.os 491 à 499).

205    Resulta do exposto que a quarta parte do primeiro fundamento deve igualmente ser julgada improcedente e, com ela, todo o primeiro fundamento.

2.      Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro de direito e de facto na medida em que a Comissão qualificou o Acordo de Transação de restrição por efeito

206    Com o seu segundo fundamento, que se divide em duas partes, as recorrentes afirmam que a Comissão concluiu erradamente que o Acordo de Transação constituía uma restrição da concorrência por efeito na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Embora a improcedência do primeiro fundamento das recorrentes, através do qual contestavam a qualificação do acordo de regulamento como uma restrição da concorrência por objetivo, tenha, a priori, levado à inutilidade do exame do seu segundo fundamento (v., neste sentido, Acórdão de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o., C‑8/08, EU:C:2009:343, n.os 28 a 30 e jurisprudência referida), o Tribunal Geral considera oportuno, nas circunstâncias do caso, prosseguir a sua análise.

207    Na primeira parte, as recorrentes alegam que, ao referir‑se ao Acórdão de 12 de dezembro de 2018, Krka/Comissão (T‑684/14, não publicado, pendente de recurso, EU:T:2018:918), a Comissão aplicou um critério jurídico errado ao basear‑se nos efeitos potenciais do Acordo de Transação sem procurar demonstrar os seus efeitos reais.

208    Mais especificamente, as recorrentes contestam o critério seguido pela Comissão, no considerando 1030 da decisão recorrida, segundo o qual, «para determinar a existência de efeitos restritivos na concorrência, basta determinar os efeitos potenciais do acordo sobre a concorrência». A este respeito, as recorrentes alegam que a apreciação de acordos que não foram aplicados deve efetivamente tomar em consideração os efeitos potenciais que estes acordos são «suscetíveis» de ter, ao passo que a apreciação dos acordos que já foram aplicados deve tomar em consideração os efeitos que esses acordos tiveram «efetivamente» sobre a concorrência. Tendo já sido aplicado o Acordo de Transação, a Comissão deveria ter analisado, como resulta da jurisprudência acima referida no n.o 207, os efeitos reais que o Acordo de Transação teve na concorrência.

209    Na segunda parte, as recorrentes sustentam que a Comissão não demonstrou efeitos suficientemente sensíveis sobre os parâmetros da concorrência nos mercados em causa. Em primeiro lugar, contestam, mais especificamente, o cenário contrafactual aplicado pela Comissão. Em segundo lugar, expõem que, na decisão recorrida, a Comissão não demonstra nenhum efeito negativo do Acordo de Transação.

210    Quanto ao cenário contrafactual, apesar de a Comissão utilizar, no considerando 1215 da decisão recorrida, como cenário contrafactual a manutenção da ação judicial no Reino Unido que opunha a Teva e a Cephalon, não determinou que parte teria ganho de causa ou em que momento o litígio teria terminado. Também não constatou que teria sido celebrada uma transação menos restritiva.

211    Do mesmo modo, a Comissão é obrigada a demonstrar uma diferença entre os preços, a produção, a inovação, a variedade ou a qualidade do modafinilo no mercado, consoante as partes tivessem mantido a sua ação judicial ou tivesse sido celebrada uma transação. Ora, a Comissão não demonstrou que, no momento da entrada de produtos genéricos do modafinilo no mercado, existisse uma diferença em matéria de preços. Também não demonstrou diferenças no que respeita aos outros parâmetros de concorrência entre os cenários com ou sem Acordo de Transação.

212    Quanto aos efeitos negativos, as recorrentes alegam que a Comissão não identificou um único efeito negativo sobre os parâmetros da concorrência na sequência do Acordo de Transação em relação ao cenário contrafactual da prossecução do litígio entre as partes.

213    Neste contexto, as recorrentes alegam, em substância, que a Comissão identificou as datas em que a Teva recebeu autorizações de colocação no mercado para o modafinilo em cinco países, mas que não apurou que a Teva tivesse efetivamente penetrado nestes países antes de ser autorizada pelo Acordo de Transação. Do mesmo modo, a Comissão não apresentou provas de que outro fornecedor de medicamentos genéricos se lançou «com um grau razoável de probabilidade» na venda do modafinilo nem demonstrou que outra sociedade que fabricasse medicamentos genéricos tivesse sido afetada pelo Acordo de Transação. Quanto ao estado do mercado durante a «prossecução do litígio», ou seja, na situação correspondente ao cenário contrafactual da Comissão, as recorrentes observam que a Teva simplesmente não teria podido entrar nesse mercado porque tinha aceitado, no âmbito do litígio no Reino Unido, a injunção preliminar de não vender modafinilo neste país enquanto aguardava o processo no tribunal de patentes do Reino Unido, como reconhece a Comissão. O Acordo de Transação não teve, portanto, enquanto tal, nenhum efeito sobre os parâmetros de concorrência nos mercados do modafinilo. Ora, sem a entrada efetiva de produtos genéricos nos mercados, os preços do modafinilo e todos os outros parâmetros concorrenciais teriam permanecido, segundo a própria análise da Comissão, os mesmos nos dois cenários do Acordo de Transação e da prossecução do litígio entre as partes.

214    A Comissão alega que as duas partes do presente fundamento não têm fundamento e devem ser julgadas improcedentes.

215    Com o seu segundo fundamento, cujas duas partes devem ser examinadas conjuntamente, as recorrentes contestam a conclusão da Comissão, na decisão recorrida, de que o Acordo de Transação constituía igualmente uma restrição da concorrência por efeito.

216    Refira‑se, a título preliminar, que, na secção 7 da decisão recorrida, a Comissão recordou os princípios gerais que regem a análise a efetuar para determinar se um acordo, mais especificamente uma transação em matéria de patentes, constitui uma restrição da concorrência por efeito na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE e que, na secção 8 dessa mesma decisão, os aplicou ao caso. Nesta última secção, começou por definir o mercado de produtos, bem como a sua dimensão geográfica (secção 8.1 da referida decisão) e identificou a estrutura do mercado e a posição da Cephalon, da Teva e de outros concorrentes potenciais neste mercado. Daí resulta que a Cephalon dispunha de poder de mercado enquanto único produtor do modafinilo e que a Teva era a concorrente mais avançada (secção 8.2 da referida decisão). Seguidamente, a Comissão apresentou a análise das cláusulas restritivas de não concorrência e de não contestação, bem como a forma como estas apareceram e influenciaram o comportamento da Teva no mercado. Daí resulta que as referidas cláusulas restringiram a independência da Teva, impedindo‑a assim de entrar no mercado do modafinilo com produtos genéricos e restringindo a sua capacidade de continuar a contestar as patentes da Cephalon (secção 8.3 da referida decisão). Na secção 8.4 desta mesma decisão, a Comissão refere a situação concorrencial que teria existido sem o Acordo de Transação, para chegar, na secção 8.5 desta mesma decisão, à conclusão de que o Acordo de Transação restringiu a concorrência por efeito.

217    As recorrentes não contestam a definição do mercado, a estrutura do mercado ou a posição da Teva ou da Cephalon no referido mercado.

218    As recorrentes não contestam, portanto, que a Teva era uma concorrente potencial da Cephalon.

219    Por isso, o segundo fundamento limita‑se à questão de saber se, por um lado, a demonstração dos efeitos potenciais do Acordo de Transação sobre a concorrência nos mercados do modafinilo bastava para a Comissão declarar, na decisão recorrida, a existência de uma restrição da concorrência por efeito (primeira parte) e se, por outro, o cenário contrafactual aplicado nessa mesma decisão pela Comissão era adequado e lhe tinha permitido demonstrar efeitos negativos para a concorrência nos mercados do modafinilo que resultavam do Acordo de Transação (segunda parte).

220    Há que lembrar que o artigo 101.o TFUE proíbe acordos e práticas concertadas que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno.

221    Como lembra a Comissão no considerando 1020 da decisão recorrida, segundo jurisprudência constante, para apreciar se um acordo deve ser considerado proibido por alterações do jogo da concorrência que sejam o seu efeito, há que analisar o jogo da concorrência no quadro real em que se produziria sem esse acordo (v. Acórdão de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 161 e jurisprudência referida).

222    Para o efeito, há que tomar em consideração o quadro concreto em que a referida prática se insere, nomeadamente o contexto económico e jurídico em que operam as empresas em causa, a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em questão (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 165 e jurisprudência referida).

223    O cenário previsto a partir da hipótese de inexistência do acordo em causa deve ser realista. Nessa ótica, sendo caso disso, é possível ter em conta os desenvolvimentos prováveis que se produziriam no mercado sem esse acordo (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 166).

224    Segundo jurisprudência constante, os efeitos restritivos da concorrência podem ser tanto reais como potenciais, mas, em qualquer caso, devem ser suficientemente sensíveis [v. Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 117 e jurisprudência referida].

225    No caso, as recorrentes acusam a Comissão de ter aplicado um critério jurídico errado, na decisão recorrida, uma vez que se baseou unicamente nos efeitos potenciais do Acordo de Transação.

226    À luz da jurisprudência acima referida no n.o 224, este argumento não colhe.

227    Com efeito, decorre dessa jurisprudência que é possível tomar como base a concorrência potencial representada por um novo operador potencial, eliminado pelo acordo em questão, e a estrutura do mercado em causa.

228    Conforme acima referido no n.o 218, as recorrentes não contestam que, no momento da celebração do Acordo de Transação, a Teva era uma concorrente potencial da Cephalon nos mercados do modafinilo. Por conseguinte, como observa a Comissão nos considerandos 1027 a 1032 e 1244 a 1257 da decisão recorrida, a execução do Acordo de Transação teve por efeito eliminar a concorrência potencial que existia entre a Teva e a Cephalon.

229    A este respeito, resulta da jurisprudência que o artigo 101.o TFUE não visa unicamente proteger a concorrência atual mas também a concorrência potencial (Acórdão de 14 de abril de 2011, Visa Europe e Visa International Service/Comissão, T‑461/07, EU:T:2011:181, n.o 68).

230    Além disso, resulta da decisão recorrida que a Comissão teve em conta a forma como o Acordo de Transação tinha sido efetivamente executado e a forma como o mercado tinha posteriormente evoluído (v. n.o 247, supra).

231    Seguidamente, o argumento das recorrentes de que a Comissão não determinou, no seu cenário contrafactual, que parte teria tido ganho de causa no litígio que opunha a Teva e a Cephalon no Reino Unido ou em que momento este litígio teria terminado deve também ser julgado improcedente. O mesmo se diga no que respeita à sua alegação de que a Comissão não apurou que as partes poderiam ter celebrado uma transação menos restritiva da concorrência do que o Acordo de Transação.

232    Com efeito, na decisão recorrida, tendo em conta o contexto económico e jurídico em que as recorrentes operavam e, especialmente, o seu ponto de vista à época dos factos sobre a respetiva situação em matéria de patentes, bem como as condições reais de funcionamento e a estrutura dos mercados do modafinilo, incluindo a posição da Teva enquanto ameaça concorrencial mais avançada para a Cephalon, a Comissão considerou que o cenário contrafactual provável, sem o Acordo de Transação, era a continuação do contencioso em matéria de patentes que opunham as recorrentes.

233    Por conseguinte, a Comissão partiu do postulado da preservação da concorrência potencial entre a Teva e a Cephalon e das possibilidades reais e concretas da entrada da Teva nos mercados do modafinilo. Por conseguinte, comparou a situação concorrencial decorrente do Acordo de Transação com o cenário concorrencial que teria provavelmente ocorrido sem este acordo.

234    A este respeito, resulta da jurisprudência que, numa situação como a do caso presente, a fixação do cenário contrafactual não pressupõe nenhuma constatação definitiva relativa às possibilidades de sucesso do fabricante de medicamentos genéricos no processo relativo à patente ou à probabilidade da celebração de um acordo menos restritivo [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 119].

235    O cenário contrafactual tem apenas como finalidade determinar as possibilidades realistas de comportamento desse fabricante sem o acordo em causa. Assim, embora este cenário não possa ser indiferente às possibilidades de sucesso do referido fabricante no âmbito do processo relativo à patente ou à probabilidade da celebração de um acordo menos restritivo da concorrência do que o acordo efetivamente celebrado entre esse fabricante e o fabricante dos medicamentos originais, estes elementos apenas constituem elementos a ter em conta entre outros para determinar o jogo provável do mercado e a sua estrutura sem a celebração do referido acordo [Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 120].

236    Por conseguinte, para demonstrar que os acordos de transação, como o que está aqui em causa, produzem efeitos sensíveis potenciais ou reais na concorrência, a Comissão não tem que apurar que o fabricante de medicamentos genéricos parte nos referidos acordos teria provavelmente tido ganho de causa no processo judicial relativo à patente ou que as partes nos referidos acordos teriam provavelmente celebrado uma transação menos restritiva [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 121].

237    Por último, improcede a afirmação das recorrentes de que a Comissão não identificou, na decisão recorrida, efeitos do Acordo de Transação que tivessem sido negativos para a concorrência nos mercados do modafinilo.

238    Como já acima foi referido nos n.os 223 e 235, a Comissão tinha que demonstrar de forma realista qual teria sido a situação concorrencial possível nos mercados do modafinilo sem o Acordo de Transação.

239    A este respeito, como acertadamente alega a Comissão, a eliminação de uma fonte importante de concorrência potencial, devido ao Acordo de Transação, e o atraso da entrada no mercado daí resultante podem, por si só, dar origem a efeitos negativos nos parâmetros da concorrência, especialmente nos preços.

240    A ilustração dos efeitos negativos do Acordo de Transação sobre a concorrência nos mercados do modafinilo figura nos considerandos 1213 a 1253 da decisão recorrida.

241    A este respeito, na decisão recorrida, a Comissão refere o facto de a Teva ser a potencial concorrente mais avançada da Cephalon nos mercados do modafinilo e ter possibilidades reais e concretas de entrar nestes mercados (secções 8.2.2 e 8.4 e, mais especificamente, considerandos 1216 e seguintes da decisão recorrida). Como resulta dos autos, à época do Acordo de Transação, a Teva, que tinha previsto entrar nos mercados do modafinilo em diferentes países (como a Alemanha, Espanha, França, os Países Baixos e a Suécia), tinha, para esse efeito, pedido nesses países autorizações de introdução do seu produto genérico do modafinilo no mercado, autorizações que tinha obtido entre 2005 e 2009, e tinha já lançado, correndo riscos, o referido produto no Reino Unido, logo que recebera, em 6 de junho de 2005, a autorização de colocação no mercado neste país.

242    No entanto, importa recordar que as cláusulas restritivas puseram termo a essa entrada da Teva nos mercados do modafinilo. A cláusula de não concorrência impediu‑a de exercer qualquer atividade comercial relativa ao modafinilo genérico, ao passo que a cláusula de não contestação a eliminou como ameaça concorrencial (considerandos 1200 a 1212 da decisão recorrida).

243    Além disso, estas obrigações foram assumidas numa situação em que a Teva considerava que o seu produto genérico não violava as patentes da Cephalon e que estas patentes eram inválidas, o que implica que as cláusulas restritivas no Acordo de Transação não eram o resultado de uma verdadeira apreciação baseada na perceção da força da patente, antes sendo induzidas pela transferência de valor significativo inscrito nas transações visadas na cláusula 2.a do referido acordo (considerandos 691 a 694, 1208 e 1209 da decisão recorrida).

244    A este respeito, há que lembrar que a contestação da validade e do alcance de uma patente faz parte da concorrência normal no setor farmacêutico [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 81].

245    Por conseguinte, a Comissão considerou acertadamente, no considerando 1226 da decisão recorrida, que, sem o Acordo de Transação, a Teva teria provavelmente continuado a defender a sua posição no litígio em matéria de patentes que opunha as duas partes no Reino Unido e prosseguido os seus esforços para entrar nos mercados do modafinilo, o que teria igualmente tido incidência na probabilidade de outros fornecedores potenciais de produtos genéricos do modafinilo entrarem nos referidos mercados.

246    A este respeito, como acertadamente alega a Comissão no considerando 1245 da decisão recorrida, ao suprimir a principal pressão concorrencial da Cephalon, o Acordo de Transação teve provavelmente por efeito protegê‑la da concorrência pelos preços dos fabricantes de medicamentos genéricos concorrentes. Ora, se a Teva tivesse entrado no mercado, teria sido suscetível, em conformidade com o modelo comercial habitual dos novos operadores que fabricam produtos genéricos, de concorrer pelos preços com os fabricantes de medicamentos originais, como a Cephalon.

247    Na secção 8.4.3 da decisão recorrida (considerandos 1244 a 1253 da referida decisão), a Comissão ilustra essa concorrência através dos preços, mencionando diferenças de preços antes e depois da entrada dos fabricantes de medicamentos genéricos nos mercados dos medicamentos nos países em causa.

248    A este respeito, a Comissão declarou, na decisão recorrida, que a Teva era não só uma potencial concorrente da Cephalon nos mercados do modafinilo mas também a ameaça concorrencial mais avançada para esta última nestes mesmos mercados. Concluiu, portanto, com razão, que o Acordo de Transação tinha eliminado o risco de concorrência e de entrada da Teva nos mercados do modafinilo, o que teve um efeito negativo sobre a concorrência nestes últimos. Esta entrada teria provavelmente tido por efeito diminuir os preços do modafinilo final. A análise da evolução dos mercados do modafinilo após a entrada de outros fabricantes de medicamentos genéricos, alguns anos mais tarde, confirma o acerto desta análise.

249    Os quadros que figuram na decisão recorrida, em especial o quadro n.o 21, ilustram efetivamente que, no final do período de execução do acordo, quando entraram os fabricantes de medicamentos genéricos no mercado, os preços médios do modafinilo caíram muito. Por conseguinte, é altamente provável que o mesmo efeito se tivesse verificado se a Teva não tivesse assinado o Acordo de Transação e tivesse entrado mais cedo nos mercados do modafinilo com o seu produto genérico.

250    Como alega a Comissão, os efeitos sobre os preços só podem observar‑se após uma entrada efetiva, quando a concorrência se exerce efetivamente, sabendo que a concorrência potencial não faz baixar os preços.

251    Por conseguinte, a Comissão não podia observar os efeitos reais do Acordo de Transação sobre a concorrência nos mercados do modafinilo comparando a situação de concorrência potencial que existia nos referidos mercados antes da celebração deste acordo com a de inexistência de concorrência potencial que prevalecia nesse mesmo mercado após a referida conclusão.

252    Neste contexto, o argumento das recorrentes de que a Teva não podia, em todo o caso, entrar no mercado do modafinilo pelo facto de ter aceitado submeter‑se a uma injunção preliminar no âmbito do litígio em matéria de patentes que estava então pendente no Reino Unido não colhe. Refira‑se, como faz a Comissão, que a aceitação pela Teva desta injunção visava unicamente a duração do litígio em questão e que o cenário contrafactual considerado pela Comissão não assentava no facto de o litígio prosseguir indefinidamente, mas sim no facto de, sem o Acordo de Transação, a concorrência potencial existente entre a Teva e a Cephalon ter sido preservada pela prossecução da ação judicial e pela possibilidade real e concreta da entrada da Teva no mercado do modafinilo.

253    Do mesmo modo, é irrelevante o argumento das recorrentes de que, na decisão recorrida, a Comissão não demonstrou que a Teva tinha efetivamente penetrado nos mercados dos países nos quais tinha recebido autorizações de colocação no mercado. O facto de a Teva ter obtido estas autorizações é uma ilustração de que era uma concorrente potencial da Cephalon nos mercados do modafinilo e um indício de que teria entrado nestes mercados se não tivesse celebrado o Acordo de Transação com esta última.

254    Quanto aos argumentos das recorrentes relativos a outros fabricantes de produtos genéricos do modafinilo, é verdade, como resulta da análise efetuada pela Comissão na decisão recorrida, que estes ainda não estavam prontos para entrar no mercado do modafinilo no momento em que o Acordo de Transação foi celebrado. Contudo, não é contestado que estavam a desenvolver os seus próprios produtos genéricos do modafinilo de modo que pudessem entrar, a prazo, nesse mercado. Além disso, o principal efeito do Acordo de Transação era a eliminação da concorrência potencial existente entre a Cephalon e a Teva, que representava a principal ameaça concorrencial para a Cephalon nos mercados do modafinilo na altura em que o referido acordo foi celebrado.

255    Resulta do exposto que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

3.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma aplicação errada do artigo 101.o, n.o 3, TFUE

256    No âmbito do terceiro fundamento, invocado a título subsidiário, as recorrentes alegam que a decisão recorrida, uma vez que contém uma apreciação no sentido de que o Acordo de Transação não preenchia as condições de isenção previstas no artigo 101.o, n.o 3, TFUE, está ferida de erro de apreciação.

257    Primeiro, segundo as recorrentes, o Acordo de Transação contribuiu para melhorar a produção ou a distribuição de medicamentos genéricos. Em primeiro lugar, afirmam que o referido acordo, de um ponto de vista ex ante, foi concebido para acelerar a entrada precoce da Teva no mercado dos medicamentos genéricos na hipótese realista de as patentes sobre a dimensão das partículas da Cephalon serem confirmadas. Em segundo lugar, o Acordo de Transação permitiu transações comerciais com valor acrescentado.

258    Segundo, entendem que o Acordo de Transação e as transações comerciais eram benéficos para os consumidores e para a sociedade no seu conjunto. A este respeito, o Acordo de Transação aumentou a concorrência dos medicamentos genéricos mais cedo. Além disso, as transações comerciais permitiram um acesso mais rápido ao Azilect em benefício dos pacientes que sofrem da doença de Parkinson, bem como a disponibilização de um maior número de produtos à base de modafinilo graças ao fornecimento de capacidades suplementares em IPA, o que evitou um risco de contrafação para os três medicamentos à base de modafinilo de grande valor.

259    Terceiro, o Acordo de Transação não impôs nenhuma restrição que não fosse indispensável para obter os ganhos de eficiência e os benefícios acima referidos.

260    Quarto, o Acordo de Transação não deu a possibilidade de uma parte substancial dos produtos em causa eliminar a concorrência. Pelo contrário, o referido acordo destinava‑se a permitir a entrada da Teva no mercado. Além disso, este acordo não teve nenhum impacto nos esforços desenvolvidos pelos outros fabricantes de medicamentos genéricos para rivalizarem no mercado.

261    A Comissão contesta os argumentos das recorrentes.

262    O artigo 101.o, n.o 3, TFUE prevê uma exceção às disposições do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, nos termos da qual os acordos referidos no n.o 1 que preencham os requisitos do n.o 3 não são proibidos.

263    A aplicação do artigo 101.o, n.o 3, TFUE implica que estejam preenchidos quatro requisitos cumulativos. Primeiro, é necessário que o acordo em causa contribua para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos em causa ou para promover o progresso técnico ou económico; segundo, que uma parte equitativa do lucro daí resultante seja reservada aos utilizadores; terceiro, que não imponha nenhuma restrição não indispensável às empresas participantes e, quarto, que não lhes dê a possibilidade de eliminarem a concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa.

264    De acordo com o artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), «incumbe à empresa ou associação de empresas que invoca o benefício do disposto no n.o 3 [do artigo 101.o, TFUE] o ónus da prova do preenchimento das condições nele previstas».

265    O ónus da prova incumbe, portanto, à empresa que pede o benefício da isenção ao abrigo do artigo 101.o, n.o 3, TFUE. Todavia, os elementos factuais invocados pela referida empresa podem obrigar a outra parte a fornecer uma explicação ou uma justificação, sem a qual se pode concluir que o ónus da prova foi satisfeito (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2009, GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o., C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, EU:C:2009:610, n.o 83 e jurisprudência referida).

266    No caso, como resulta dos considerandos 1269 e seguintes da decisão recorrida, a Comissão examinou a eventual aplicação do artigo 101.o, n.o 3, TFUE ao caso.

267    A Comissão considerou acertadamente que os argumentos e as provas apresentados pelas recorrentes não permitiam demonstrar que o Acordo de Transação, incluindo as transações comerciais que o acompanhavam, implicava ganhos de eficiência suficientes.

268    Quanto ao argumento das recorrentes relativo à primeira condição acima mencionada no n.o 263, segundo o qual o Acordo de Transação avançou em três anos a entrada da Teva no mercado e permitiu transações comerciais valorizantes, deve ser julgado improcedente.

269    Como foi se observou no exame do primeiro fundamento, o Acordo de Transação e os direitos genéricos concedidos pela Cephalon à Teva no âmbito do referido acordo não avançaram, antes pelo contrário atrasaram a entrada desta última nos mercados do modafinilo e, por conseguinte, a concorrência dos fabricantes de medicamentos genéricos nestes mercados.

270    Ao aceitar o Acordo de Transação, a Teva renunciou às suas tentativas de entrada no mercado do modafinilo enquanto operador independente, mesmo apesar de já ter desenvolvido um produto genérico do modafinilo que, em seu entender, não violava as patentes da Cephalon, que ela própria tinha lançado e que tinha igualmente apresentado pedidos de autorização de introdução deste produto no mercado em vários países. O facto de o resultado do processo judicial em matéria de patentes que a opunha à Cephalon no Reino Unido não ser certo em nada altera esta conclusão. Com efeito, como acima se refere no n.o 244, no setor farmacêutico, a concorrência caracteriza‑se também pela contestação da validade das patentes sobre os medicamentos e os respetivos IPA.

271    Quanto às transações comerciais que figuram no Acordo de Transação, a Comissão explicou, nos considerandos 1293 a 1298 da decisão recorrida, a razão pela qual estas não tinham contribuído para a melhoria da produção ou da distribuição dos produtos genéricos do modafinilo. As recorrentes não apresentam nenhum argumento que explique em que medida a razão exposta pela Comissão estava errada.

272    Em todo o caso, mesmo que as diferentes transações que figuram no Acordo de Transação tivessem um valor ou uma certa lógica comerciais para as recorrentes, não implicavam necessariamente ganhos de eficiência suscetíveis de justificar a isenção desse acordo para efeitos do artigo 101.o, n.o 3, TFUE. A este respeito, como resulta do ponto 49 das Orientações relativas à aplicação do n.o 3 [do artigo 101.o, TFUE] (JO 2004, C 101, p. 97), «os benefícios não são avaliados segundo o ponto de vista subjetivo das partes», só podendo ser tidos em conta os benefícios objetivos.

273    Resulta do exposto que a Comissão considerou acertadamente que a primeira condição de isenção ao abrigo do artigo 101.o, n.o 3, TFUE não estava preenchida no caso. Uma vez que os quatro requisitos previstos no artigo 101.o, n.o 3, TFUE são cumulativos, os argumentos das recorrentes relativos aos três outros requisitos devem ser julgados inoperantes.

274    Por conseguinte, improcede a terceira parte.

4.      Quanto ao quarto fundamento, relativo às coimas aplicadas às recorrentes

275    No âmbito do quarto fundamento, invocado a título subsidiário, as recorrentes afirmam que, na decisão recorrida, a Comissão violou os princípios da segurança jurídica, da irretroatividade e da proteção da confiança legítima, bem como o princípio nullum crimen sine lege e nulla poena sine lege, ao aplicar‑lhes coimas substanciais. Na primeira parte, pedem a anulação integral das referidas coimas. Na segunda parte, a Teva pede uma anulação parcial substancial do montante da coima que lhe foi aplicada.

a)      Quanto à primeira parte do quarto fundamento

276    As recorrentes alegam que os princípios acima mencionados no n.o 275 impõem à Comissão que se abstenha de aplicar uma coima quando as empresas em causa não pudessem razoavelmente prever, no momento em que a presumível infração foi cometida, que o comportamento em causa violaria o direito da concorrência da União.

277    Ora, segundo as recorrentes, era o que acontecia no caso. Com efeito, no momento da celebração do Acordo de Transação, agiram num ambiente jurídico em que o artigo 101.o TFUE nunca tinha sido aplicado a este tipo de acordos. Além disso, na falta de precedentes no direito da concorrência da União e de indicações da Comissão sobre a legalidade dos acordos de transação em matéria de patentes à luz deste direito, a Teva podia legitimamente basear‑se nas orientações disponíveis nos Estados Unidos.

278    As recorrentes alegam também que o Acordo de Transação não era um acordo que implicasse um pagamento em numerário do fabricante de medicamentos originais ao fabricante de medicamentos genéricos. Cada uma das transações que figurava no referido acordo baseou‑se em justificações comerciais próprias e independentes, pelo que este acordo não assentava num objetivo único e global de repartição de mercados. Por último, as apreciações da Comissão na decisão recorrida estavam em contradição com as suas próprias conclusões que figuravam no sétimo relatório sobre o acompanhamento e fiscalização dos acordos de transação em matéria de patentes, elaborado no âmbito do inquérito sobre o setor farmacêutico levado a cabo com base nas disposições do artigo 17.o do Regulamento n.o 1/2003, com o objetivo de identificar, por um lado, as causas da diminuição da inovação no referido setor, medida pelo número de produtos novos que entram nos mercados dos medicamentos e, por outro, as razões da entrada tardia de certos medicamentos genéricos nestes mercados. Entendem que, com efeito, a Comissão tinha referido, nesse relatório, que a avaliação do ponto de vista do direito da concorrência dos acordos de transação celebrados entre os fabricantes de medicamentos originais e os fabricantes de medicamentos genéricos era complexa.

279    A Comissão contesta os argumentos das recorrentes.

280    Resulta da jurisprudência que uma empresa pode ser punida por um comportamento que se integre no âmbito de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE quando não pudesse ignorar o caráter anticoncorrencial do seu comportamento, independentemente de ter tido ou não consciência de infringir as normas da concorrência do Tratado. Basta, pois, que essa empresa tenha tido a possibilidade de determinar que o seu comportamento apresentava caráter anticoncorrencial à luz do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. v., neste sentido, Acórdão de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão, C‑591/16 P, EU:C:2021:243, n.os 156 a 158).

281    Resulta igualmente da jurisprudência que, embora os princípios da segurança jurídica e da legalidade das penas prevejam que a legislação da União deve ser clara e precisa, para que as pessoas em causa possam conhecer sem ambiguidade os direitos e obrigações que dela decorrem e agir em conformidade, não podem ser interpretados no sentido de que proíbem a clarificação gradual das regras da responsabilidade penal através de interpretações jurisprudenciais, desde que estas sejam razoavelmente previsíveis (Acórdão de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão, C‑591/16 P, EU:C:2021:243, n.o 166).

282    No exame do primeiro fundamento, observou‑se que o Acordo de Transação visava excluir, pelo menos temporariamente, a Teva dos mercados do modafinilo enquanto concorrente da Cephalon. Ora, os acordos de exclusão do mercado constituem uma forma extrema de repartição de mercado e de limitação da produção, que são expressamente proibidas pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

283    Por conseguinte, as recorrentes não podiam ignorar que celebrar o Acordo de Transação, visto que este continha cláusulas de não concorrência e de não contestação, era problemático à luz do direito da concorrência da União.

284    Os outros argumentos invocados pelas recorrentes não põem isso em causa.

285    Em particular, é irrelevante o argumento das recorrentes de que, à data da celebração do Acordo de Transação, a posição jurídica de uma maioria dos tribunais americanos era a de que os acordos de transação em matéria de patentes não violavam as normas do direito antitrust. Com efeito, só o direito da concorrência da União importava para o caso, no respeitante à aplicação do artigo 101.o TFUE, pelo que as decisões dos órgãos jurisdicionais americanos não tinham de ser tomadas em consideração. Além disso, como acertadamente refere a Comissão no considerando 1364 da decisão recorrida, no momento em que o Acordo de Transação foi celebrado, a jurisprudência americana não era unânime e a Federal Trade Comissão (Agência Federal da Concorrência, Estados Unidos) contestava, à luz do direito anti‑trust americano, os acordos de transação contra pagamento compensatório, pelo que as recorrentes não podiam, em todo o caso, invocar orientações claras que emanassem do direito anti‑trust americano.

286    Do mesmo modo, o argumento das recorrentes de que a decisão recorrida estava em contradição com as conclusões do relatório sobre o acompanhamento e controlo dos acordos em matéria de patentes não colhe. O facto de a Comissão ter considerado, neste relatório, que a apreciação dos acordos de transação celebrados entre os fabricantes de medicamentos originais e os fabricantes de medicamentos genéricos era complexa à luz do direito da concorrência não significava que estes acordos escapavam a este direito ou que eram necessariamente conformes. Resulta ainda claramente desse relatório que a Comissão entendia que se devia considerar que, na realidade, os acordos de transação que previam, a priori, a entrada antecipada de um medicamento genérico no mercado eram limitativos desta entrada quando esta última não fosse imediata e quando as condições que a enquadram anulassem, na prática, todos os seus efeitos positivos na concorrência. Ora, este era precisamente o caso do Acordo de Transação.

287    Além disso, é irrelevante o facto de, na época em que o Acordo de Transação foi celebrado, a Comissão ainda não ter aplicado coimas por infrações semelhantes. Com efeito, já se decidiu no sentido de que a aplicação de coimas que iam além de um valor simbólico não violava o princípio da segurança jurídica, não obstante o caráter inédito e complexo das questões suscitadas pelos acordos de transação e a falta de precedentes (v., neste sentido, Acórdão de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão, C‑591/16 P, EU:C:2021:243, n.o 165).

288    Quanto à violação do princípio da proteção da confiança legítima alegada pelas recorrentes, há que lembrar que, segundo jurisprudência assente, o direito de invocar o princípio da proteção da confiança legítima é extensivo a qualquer particular que se encontre numa situação da qual resulte que a administração da União lhe criou expectativas fundadas, esclarecendo‑se que ninguém pode invocar uma violação deste princípio na falta de garantias precisas, incondicionais e concordantes, emanadas de fontes autorizadas e fiáveis, que lhe tenham sido fornecidas pela Administração (v. Acórdão de 8 de setembro de 2010, Deltafina/Comissão, T‑29/05, EU:T:2010:355, n.o 427 e jurisprudência referida).

289    No caso, basta observar que as recorrentes não afirmam nem, a fortiori, demonstram que a Comissão lhes tenha fornecido tais garantias.

290    Quanto ao argumento das recorrentes de que o princípio da irretroatividade foi violado, basta observar que não tem nenhum fundamento.

291    Por último, é irrelevante o argumento das recorrentes de que o Acordo de Transação não implicava pagamentos em numerário da Cephalon à Teva. No exame do primeiro fundamento, verificou‑se que os pagamentos previstos em execução das transações comerciais que figuravam no Acordo de Transação tinham como única explicação plausível incitar a Teva a aceitar as cláusulas restritivas do referido acordo e, assim, a renunciar a concorrer com a Cephalon pelo mérito nos mercados do modafinilo.

292    Improcede, portanto, a primeira parte do quarto fundamento.

b)      Quanto à segunda parte do quarto fundamento

293    Na segunda parte, a Teva acusa a Comissão de lhe ter aplicado uma coima totalmente arbitrária e injustificada, pelo facto de a transferência de valor pecuniário não ter atingido um nível suficientemente elevado, violando assim os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima.

294    A Comissão contesta a argumentação da Teva.

295    A título preliminar, há que lembrar que as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2, alínea a), do artigo 23.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «orientações para o cálculo das coimas») assentam na consideração do valor das vendas dos produtos ou dos serviços em causa no que respeita à infração punida pela fixação do montante de base das coimas a aplicar. Estas orientações preveem, nos seus pontos 6 e 13, que o valor dessas vendas, conjugado com a duração da infração, visa «refletir a importância económica da infração, bem como o peso relativo de cada empresa que participa [nesta] infração».

296    Contudo, este método pode, por vezes, revelar‑se inadaptado às circunstâncias específicas de um processo. É o que acontece, nomeadamente, quando uma empresa declarada responsável por uma infração ao artigo 101.o TFUE não realiza nenhum volume de negócios nos mercados em causa. Numa situação deste tipo, a Comissão tinha razão ao recorrer a um método de cálculo diferente do descrito nas orientações para o cálculo das coimas e, de acordo com o ponto 37 dessas orientações, determinar num valor fixo o montante de base da coima aplicada à empresa em causa (v., neste sentido, Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.os 65 a 67).

297    No caso, é pacífico que, devido ao próprio objeto do Acordo de Transação, que é um acordo de exclusão do mercado em causa, a Teva não estava presente neste mercado durante o período da infração e, portanto, não tinha realizado vendas neste mercado.

298    Por conseguinte, a Comissão estava impossibilitada de considerar o valor das vendas realizadas pela Teva no mercado em causa no decurso da infração, uma vez que esta circunstância específica lhe permitia, com base no ponto 37 das orientações para o cálculo das coimas, afastar‑se da metodologia exposta nas referidas orientações.

299    É certo que, noutros processos relativos a acordos de transação em matéria de patentes que violavam o artigo 101.o TFUE e nos quais as empresas do setor dos medicamentos genéricos não tinham realizado nenhuma venda nos mercados dos referidos medicamentos, a Comissão tinha estabelecido as coimas tendo em conta o valor que tinha sido transferido para o fabricante dos medicamentos genéricos pelo fabricante dos medicamentos originais, enquanto incentivo para permanecer fora dos mercados em causa, sem estimar o volume de negócios do fabricante dos medicamentos genéricos.

300    Contudo, a Comissão não estava vinculada pela sua prática decisória anterior, uma vez que, de qualquer forma, esta não constitui um quadro jurídico para o cálculo do montante das coimas (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, T‑38/02, EU:T:2005:367, n.o 153 e jurisprudência referida).

301    Além disso, nos considerandos 1386 a 1391 da decisão recorrida, a Comissão explicou a razão pela qual a coima da Teva não podia basear‑se na transferência de valor que tinha recebido ao abrigo do Acordo de Transação e das transações comerciais que nele figuravam. Com efeito, a transferência de valor estava integrada nestas transações. Além de ser difícil estimar com precisão o valor transferido para a Teva por quatro das cinco transações referidas na cláusula 2.a do Acordo de Transação, isso revelou‑se impossível no que respeitava à comunicação dos dados CEP‑1347. À data dos factos, esta comunicação dos dados tinha constituído um incentivo importante para a Teva aceitar as cláusulas restritivas, o que não podia ser ignorado pela Comissão, na fase da determinação do nível da coima aplicada à Teva, sob pena de prejudicar o efeito dissuasor desta coima.

302    Tendo em conta a especificidade de a transferência de valor para a Teva não poder ser calculada com suficiente precisão e para atingir um nível dissuasivo satisfatório, a Comissão optou por um montante fixo da coima aplicada à Teva.

303    Contudo, as recorrentes não podem alegar que se trata por isso de um montante arbitrário.

304    Com efeito, a Comissão tomou, de forma adequada, como ponto de referência para a fixação do montante da coima aplicada à Teva o montante da coima aplicada à Cephalon antes da aplicação do limite de 10 % do seu volume de negócios. A este respeito, como resulta dos considerandos 1393 a 1395 da decisão recorrida, a Comissão considerou que:

–        a gravidade e a duração da infração eram idênticas nos casos da Teva e da Cephalon;

–        a coima aplicada à Teva não deveria ser superior à aplicada à Cephalon, uma vez que os seus lucros cessantes seriam provavelmente inferiores aos lucros reais da Cephalon;

–        deviam igualmente ser tidos em conta outros fatores, como o facto de a Teva ser uma empresa maior (em 2010, o último ano completo da infração e ano anterior à aquisição efetiva da Cephalon pela Teva, o seu volume de negócios mundial era de 12,16 mil milhões de euros, ao passo que a Cephalon tinha um volume de negócios mundial de cerca de 2,12 mil milhões de euros) e estava em posição de força para negociar.

305    Na medida em que as recorrentes acusam a Comissão de ter violado o princípio da segurança jurídica, o seu argumento deve ser rejeitado. Com efeito, tal como resulta da jurisprudência acima referida no n.o 300, a Comissão não está vinculada pela sua prática anterior. No que respeita à violação do princípio da proteção da confiança legítima alegada pelas recorrentes, basta observar que nem sequer alegam, de acordo com a jurisprudência acima referida no n.o 288, que a Comissão lhes deu, seja de que maneira for, garantias precisas, incondicionais e concordantes relativas ao método de cálculo que iria utilizar para fixar o montante da coima aplicada à Teva.

306    Resulta do exposto que a segunda parte do quarto fundamento e, por conseguinte, o quarto fundamento, na medida em que visa a anulação das coimas aplicadas às recorrentes, devem ser julgados improcedentes.

307    À luz de todas estas considerações, o pedido das recorrentes de anulação da decisão recorrida deve, portanto, ser julgado improcedente.

B.      Quanto aos pedidos de alteração das coimas aplicadas às recorrentes

308    Nos termos dos seus segundo e terceiro pedidos, as recorrentes pedem que o Tribunal Geral se digne suprimir ou reduzir o montante da coima.

309    A este respeito, há que lembrar que, no que respeita à fiscalização jurisdicional das decisões da Comissão que aplicam uma coima por violação das normas da concorrência, a fiscalização da legalidade é completada pela competência de plena jurisdição que é reconhecida ao juiz da União pelo artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003, em conformidade com o artigo 261.o TFUE. Esta competência habilita o juiz, além da simples fiscalização da legalidade da sanção, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria e, consequentemente, a suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada

310    Contudo, o Tribunal Geral considera, no âmbito da sua competência de plena jurisdição, que nenhum dos elementos que as recorrentes invocaram no âmbito do presente processo nem nenhum fundamento de ordem pública justificam que faça uso, ao abrigo do artigo 261.o TFUE e do artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003, da sua competência de plena jurisdição para reduzir o montante das coimas fixado pela Comissão.

311    Os pedidos de supressão ou de redução do montante das coimas aplicadas às recorrentes devem, portanto, ser julgados improcedentes e, por conseguinte, há que negar integralmente provimento ao recurso.

IV.    Quanto às despesas

312    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las a suportar as despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção Alargada)

decide:

1)      Negase provimento ao recurso.

2)      A Teva Pharmaceutical Industries Ltd e a Cephalon Inc. são condenadas nas despesas.

Schalin

Jaeger

Škvařilová‑Pelzl

Nõmm

 

      Kukovec

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de outubro de 2023.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.