Language of document : ECLI:EU:T:2009:50

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

4 de Março de 2009 (*)

«Auxílios de Estado – Regime de auxílios instituído pelas autoridades italianas a favor de certos organismos de investimento colectivo em valores mobiliários, especializados na detenção de acções de sociedades de pequena e média capitalização – Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado comum – Recurso de anulação – Afectação directa e individual – Admissibilidade – Dever de fundamentação – Carácter selectivo da medida – Obrigação de recuperação»

No processo T‑445/05,

Associazione italiana del risparmio gestito, com sede em Roma (Itália),

Fineco Asset Management SpA, com sede em Roma,

representadas por G. Escalar, G. Cipolla e V. Giordano, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por V. Di Bucci e E. Righini, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto a anulação da Decisão 2006/638/CE da Comissão, de 6 de Setembro de 2005, relativa ao regime de auxílios estatais que a Itália concedeu a certos organismos de investimento colectivo especializados em valores mobiliários de sociedades de pequena e média capitalização cotadas em mercados regulamentados (JO 2006, L 268, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente, F. Dehousse (relator) e D. Šváby, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 20 de Novembro de 2007,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

 Medida em causa

1        A medida em causa foi instituída pelo artigo 12.° do Decreto‑Lei italiano (Decreto Legge) n.° 269, de 30 de Setembro de 2003, relativo às «disposições urgentes para favorecer o desenvolvimento e a correcção do andamento das contas públicas» (a seguir «DL 269/2003»), convertido na Lei n.° 326, de 24 de Novembro de 2003. Entrou em vigor em 2 de Outubro de 2003, data da publicação do DL 269/2003 no Jornal Oficial italiano, sem ter sido notificada à Comissão.

2        O artigo 12.° do DL 269/2003 altera o tratamento fiscal de certos organismos de investimento colectivo especializados em valores mobiliários de sociedades de pequena e média capitalização cotadas num mercado regulamentado na União Europeia (a seguir «instrumentos de investimento especializados»).

3        Este artigo estabelece nomeadamente que, a partir do exercício fiscal durante o qual sejam cumpridos determinados requisitos específicos, as receitas de capital dos instrumentos de investimento especializados estão sujeitas a um imposto de substituição do imposto sobre as sociedades, a uma taxa de 5%, em vez da taxa normal de 12,5%.

4        A fim de garantir o mesmo nível de tributação efectiva entre os instrumentos de investimento italianos e estrangeiros, o artigo 12.° do DL 269/2003 prevê que seja aplicado um imposto de substituição, a uma taxa nominal reduzida a 5%, às receitas de capital dos instrumentos de investimento italianos não especializados que invistam em instrumentos de investimento italianos especializados, no que se refere à parte das receitas provenientes desses instrumentos especializados, enquanto as receitas de capital dos instrumentos de investimento italianos resultantes de instrumentos de investimento estrangeiros beneficiam de uma isenção de 60%.

5        Com vista a alargar o incentivo a outros instrumentos de investimento, o artigo 12.° do DL 269/2003 prevê que os fundos de pensão sejam também sujeitos a um imposto efectivo de 5% sobre a parte das suas receitas resultante de instrumentos de investimento especializados estrangeiros e que as receitas procedentes dos instrumentos de investimento italianos beneficiem de um crédito fiscal de 6% correspondente ao imposto de substituição de 5% aplicado às receitas de capital dos instrumentos de investimento especializados com participação desses fundos de pensão.

6        Todos os instrumentos de investimento italianos e os instrumentos de investimento regidos pela Directiva 85/611/CEE do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento colectivo em valores mobiliários (OICVM) (JO L 375, p. 3; EE 06 F3 p. 38), podem beneficiar da taxa reduzida de 5%, desde que sejam especializados no investimento em acções de sociedades de pequena e média capitalização, com cotação num mercado europeu regulamentado (a seguir «sociedades de pequena e média capitalização»). Segundo o artigo 12.° do DL 269/2003, tais sociedades são aquelas cujo capital não ultrapassa os 800 milhões de euros, determinado com base no preço médio de mercado das acções da sociedade no último dia de negociação de cada trimestre.

7        Nos termos do artigo 12.° do DL 269/2003, considera‑se que os instrumentos de investimento são especializados se possuírem acções de sociedades de pequena e média capitalização que representem, no mínimo, dois terços do valor dos seus activos no ano civil, durante pelo menos um sexto do número total de dias de funcionamento do fundo, segundo conste das demonstrações financeiras periódicas destes instrumentos. O regime só se aplica a partir do exercício fiscal no qual o instrumento de investimento invista, no mínimo, dois terços do total dos seus activos em acções de sociedades de pequena e média capitalização, ou a partir do momento em que a regulamentação do instrumento de investimento estabeleça que esta investe prioritariamente em acções de sociedades de pequena e média capitalização.

8        Para além dos instrumentos de investimento italianos, todos os restantes fundos italianos de tipo aberto e fechado (os «Fundos Históricos do Luxemburgo»), as sociedades de investimento de capital variável (a seguir «SICAV») e os instrumentos de investimento estrangeiros podem beneficiar da taxa reduzida de imposto de 5%, desde que estejam registados como instrumentos de investimento especializados, ou em relação à parte das suas receitas investidas em instrumentos de investimento especializados registados.

 Procedimento administrativo

9        Por carta de 22 de Outubro de 2003, a Comissão convidou as autoridades italianas a fornecerem‑lhe informações sobre as medidas adoptadas no DL 269/2003 e a sua entrada em vigor, a fim de apreciar o seu eventual carácter de auxílio na acepção do artigo 87.° CE, recordando simultaneamente à República Italiana o seu dever de notificação por força do artigo 88.°, n.° 3, CE.

10      Por cartas de 11 e 26 de Novembro de 2003, as autoridades italianas forneceram as informações solicitadas. Em 19 de Dezembro de 2003, a Comissão recordou novamente a estas autoridades as obrigações que lhes incumbem por força artigo 88.°, n.° 3, CE e convidou‑as a informarem os eventuais beneficiários das consequências previstas no Tratado e no artigo 14.° do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece regras de execução do artigo 93.° do Tratado CE (JO L 83, p. 1), caso se viesse a apurar que a medida em causa representa um auxílio a que tenha sido dada execução ilegalmente.

11      Por carta de 11 de Maio de 2004, a Comissão informou a República Italiana de que tinha decidido, em 7 de Maio de 2004, dar início ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, relativamente aos incentivos fiscais concedidos através do artigo 12.° do DL 269/2003.

12      Por carta de 14 de Julho de 2004, as autoridades italianas apresentaram as suas observações à Comissão.

13      A decisão da Comissão de dar início ao procedimento formal de investigação foi publicada em 9 de Setembro de 2004 no Jornal Oficial da União Europeia (JO C 225, p. 8).

14      A Associazione italiana del risparmio gestito (a seguir «Assogestioni») apresentou observações por cartas de 7 de Outubro de 2004 e de 18 de Fevereiro de 2005.

 Decisão impugnada

15      A Decisão 2006/638/CE da Comissão, de 6 de Setembro de 2005, relativa ao regime de auxílios estatais que a Itália concedeu a certos organismos de investimento colectivo especializados em valores mobiliários de sociedades de pequena e média capitalização cotadas em mercados regulamentados (JO 2006, L 268, p. 1) (a seguir «decisão impugnada»), descreve, primeiro, o procedimento anterior à sua adopção (secção I) e, a seguir, a medida em causa (secção II).

16      No que respeita a esta última, a Comissão começa por traçar o quadro geral no qual se inscreve o artigo 12.° do DL 269/2003. Neste contexto, define os instrumentos de investimento como organismos que procedem a investimentos colectivos em valores mobiliários (ou OICVM) no interesse colectivo de uma pluralidade de investidores e acrescenta que estes instrumentos podem revestir a forma quer de fundos de investimento contratual sem personalidade jurídica, geridos por uma sociedade gestora distinta do ponto de vista patrimonial (a seguir «SGE»), quer de fundos de investimento constituídos sob a forma de sociedades (por exemplo, as SICAV), quer ainda de um fundo de pensão. Precisa, depois, quais são os instrumentos de investimento especializados na acepção do artigo 12.° do DL 269/2003, antes de pormenorizar o regime fiscal aplicável aos rendimentos dos diferentes instrumentos de investimento.

17      A decisão impugnada expõe seguidamente as razões que levaram ao início do procedimento (secção III) e a opinião das autoridades italianas e dos terceiros interessados (secção IV).

18      A apreciação da Comissão (secção V) comporta sete subsecções. A Comissão indica de forma liminar que a medida em causa responde cumulativamente aos critérios previstos pelo artigo 87.°, n.° 1, CE. Demonstra a existência de uma vantagem selectiva a favor, primeiro, dos instrumentos de investimento especializados e, a seguir, das sociedades de pequena e média capitalização cujas acções sejam detidas pelos referidos instrumentos de investimento especializados.

19      Resulta da quarta subsecção da secção V da decisão impugnada, intitulada «Recursos estatais», que os benefícios concedidos são provenientes do Estado, sob a forma de uma renúncia a receitas fiscais normalmente auferidas pelo Tesouro italiano. A subsecção seguinte trata dos efeitos da medida na concorrência. A Comissão observa, a este respeito, que os instrumentos de investimento especializados estão em concorrência com outras empresas financeiras e operam num mercado aberto, caracterizado por trocas comerciais intracomunitárias significativas. Afirma ainda que algumas sociedades de pequena e média capitalização que beneficiam da medida em causa operam, por seu turno, em sectores em que existem trocas comerciais entre Estados‑Membros.

20      A Comissão salienta, numa sexta subsecção intitulada «Legitimidade da medida», que as autoridades italianas deram execução à medida sem notificação prévia, pelo que esta constitui um auxílio ilegal.

21      A sétima subsecção da apreciação da Comissão é consagrada ao exame da compatibilidade do regime com o mercado comum.

22      O dispositivo da decisão impugnada é o seguinte:

«Artigo 1.°

O regime de auxílios estatais concedidos sob a forma de incentivos fiscais a favor de instrumentos de investimento especializados, previstos no artigo 12.° do [DL] 269/2003, que a [República Italiana] executou em violação do disposto no n.° 3 do artigo 88.° [CE], é incompatível com o mercado comum.

Artigo 2.°

A [República Italiana] deve suprimir o regime de auxílios referido no artigo 1.° no prazo de dois meses após a data de notificação da presente decisão.

Artigo 3.°

1.      No prazo de dois meses a contar da data de notificação da presente decisão, a [República Italiana] informará todos os intermediários financeiros, incluindo [os instrumentos de investimento especializados] e todos os outros sujeitos abrangidos pela aplicação do regime de auxílios estatais referido no artigo 1.° da decisão da Comissão de considerar o referido regime incompatível com o mercado comum.

2.      A República Italiana tomará todas as medidas necessárias para recuperar os auxílios indicados no artigo 1.°, postos ilegalmente à disposição dos beneficiários pelos instrumentos de investimento que assumem a forma de uma sociedade ou, consoante os casos, pelas empresas que gerem os instrumentos de investimento que assumem uma forma contratual, sem prejuízo de eventuais recursos previstos no direito nacional.

No prazo de dois meses a contar da data da notificação da presente decisão, a República Italiana comunicará à Comissão a identidade dos beneficiários, o montante dos auxílios concedidos individualmente e os métodos utilizados para determinar esses montantes.

3.      A recuperação deverá ser efectuada imediatamente e segundo os procedimentos previstos no direito nacional, de modo a permitir a execução imediata e efectiva da presente decisão.

4.      Os auxílios a recuperar vencem juros, a contar da data em que foram postos à disposição dos beneficiários até à data da sua recuperação efectiva.

Os juros serão calculados em conformidade com o disposto no capítulo V do Regulamento (CE) n.° 794/2004.

Artigo 4.°

No prazo de dois meses a contar da data da notificação da presente decisão, a [República Italiana] informará a Comissão das medidas tomadas e previstas para lhe dar cumprimento. Estas informações serão transmitidas através do questionário que figura no anexo da presente decisão. No mesmo prazo, a [República Italiana] apresentará todos os documentos comprovativos do lançamento do procedimento de recuperação junto dos beneficiários dos auxílios ilegais.

Artigo 5.°

A República Italiana é a destinatária da presente decisão.»

 Tramitação processual e pedidos das partes

23      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Dezembro de 2005, a Assogestioni e a Fineco Asset Management SpA (a seguir, a respeito desta última, «Fineco» e, conjuntamente, «recorrentes») interpuseram um recurso da decisão impugnada.

24      A Assogestioni é uma associação constituída para promover os interesses colectivos das sociedades de gestão de poupança e das sociedades que fornecem serviços de gestão. Entre os membros da Assogestioni figuram sociedades de gestão de poupança que gerem OICVM especializados, abrangidas pelas disposições do artigo 12.° do DL 269/2003, nomeadamente a Fineco.

25      A Fineco é uma sociedade de gestão de poupança, constituída sob a forma de uma sociedade por acções. Gere dois dos três fundos comuns especializados nas sociedades de pequena e média capitalização que beneficiaram da medida fiscal que figura no artigo 12.° do DL 269/2003 e que operam em Itália.

26      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular integralmente a decisão impugnada,

–        a título subsidiário, anular parcialmente a decisão impugnada na medida em que ordena a recuperação dos auxílios declarados incompatíveis com o mercado comum,

–        condenar a recorrida nas despesas.

27      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso,

–        condenar as recorrentes nas despesas.

 Quanto à admissibilidade

 Argumentos das partes

28      Sem deduzir uma excepção de inadmissibilidade por requerimento separado, em conformidade com o disposto no artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a Comissão, na sua contestação, dedicou longos desenvolvimentos através dos quais tentou demonstrar que o recurso interposto pelas recorrentes deve ser julgado inadmissível.

29      A Comissão considera, no essencial, que a Fineco não tem legitimidade activa, pois não demonstrou que cada um dos beneficiários do regime de auxílios examinado na decisão, entre os quais figura ela própria, tem legitimidade individual. O recurso interposto pela Assogestioni, na qualidade de associação que representa os interesses destes beneficiários, também é, segundo a Comissão, inadmissível.

30      A Comissão começa por constatar que a decisão impugnada tem por destinatário um Estado‑Membro, e não as recorrentes. Importa, pois, apreciar se a decisão impugnada lhes diz directa e individualmente respeito. Ora, segundo a Comissão, a decisão impugnada não diz individualmente respeito à Fineco nem, portanto, à Assogestioni.

31      Com efeito, tendo a decisão impugnada declarado incompatível com o mercado comum um regime de auxílios de Estado aplicável a um número indeterminado de empresas, trata‑se de um acto de alcance geral. Ora, o interesse individual de pessoas privadas relativamente a um acto de alcance geral é objecto de uma apreciação estrita na jurisprudência.

32      No caso em apreço, as empresas beneficiárias não podem invocar qualidades que lhes são próprias ou circunstâncias específicas que as caracterizam relativamente a qualquer outra empresa. Esta análise é confirmada pela jurisprudência. A Comissão remete, a este respeito, para vários acórdãos, entre os quais o acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 2006, Atzeni e o. (C‑346/03 e C‑529/03, Colect., p. I‑1875, n.os 32 a 34).

33      A Comissão examina vários acórdãos que admitem a admissibilidade de recursos de anulação, nomeadamente os invocados pelas recorrentes, e salienta as diferenças que distinguem os processos em questão do presente caso.

34      Mais especificamente, o acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2000, Itália e Sardegna Lines/Comissão (C‑15/98 e C‑105/99, Colect., p. I‑8855, a seguir «acórdão Sardegna Lines»), explica‑se pelas circunstâncias factuais do caso que se discutia, a saber, o facto de a recorrente Sardegna Lines ser a principal beneficiária do regime de auxílios em questão, de que a Comissão tinha conhecimento quando se pronunciou sobre o regime de auxílios.

35      A Comissão afirma que, em todo o caso, é necessário dissipar a impressão, que pode resultar de alguns acórdãos, de que a existência de uma ordem de recuperação assume uma importância decisiva para efeitos do exame da admissibilidade dos recursos. Com efeito, tal abordagem teria por consequência colocar os beneficiários efectivos de um regime de auxílios não notificado numa situação mais favorável, no que se refere à admissibilidade dos seus recursos, do que os beneficiários potenciais de um regime de auxílios notificado, o que incitaria os Estados‑Membros a não notificar os auxílios, comprometendo o mecanismo de fiscalização previsto pelo Tratado. Além disso, a existência efectiva de um dever de recuperação do auxílio junto das empresas só poderá ser determinada na sequência de verificações cuja natureza é susceptível de variar em função das circunstâncias. Acresce que aceitar a admissibilidade de recursos interpostos por beneficiários efectivos de auxílios concedidos no quadro de um regime não notificado exporia estas empresas ao risco de perderem posteriormente qualquer protecção jurisdicional perante o juiz nacional, em aplicação da jurisprudência do acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Março de 1994, TWD Textilwerke Deggendorf (C‑188/92, Colect., p. I‑833). A Comissão chama também a atenção do Tribunal para os efeitos práticos indesejáveis que poderia ter a admissibilidade dos referidos recursos, nomeadamente a multiplicação dos recursos, quando uma decisão verse sobre um regime fiscal favorável ou outra qualquer redução de encargos de que beneficie um grande número de empresas.

36      Além disso, no que toca à Assogestioni, a Comissão salienta que se trata de uma organização constituída para promover os interesses colectivos dos seus membros. Ora, estes, tal como a Fineco, não podem alegar que a decisão impugnada os afecta individualmente, pelo que o recurso interposto pela Assogestioni também deverá ser julgado inadmissível.

37      A Fineco considera, pelo contrário, que o recurso deve ser julgado admissível, pois a decisão impugnada diz‑lhe respeito, não apenas directa mas também individualmente. A Fineco considera‑se individualmente afectada pela decisão impugnada, enquanto beneficiária efectiva do regime de auxílios que é objecto da referida decisão. Além disso, a decisão impugnada foi‑lhe directamente notificada pela República Italiana. A Fineco considera igualmente que se distingue de outros destinatários potenciais da decisão impugnada, uma vez que, à data da adopção desta decisão, dois dos fundos comuns de investimento que geria preenchiam os requisitos impostos para beneficiar da medida fiscal em questão. Segundo a Fineco, o Tribunal de Justiça admitiu que o facto de ter beneficiado de uma medida de auxílio permite a uma empresa contestar a decisão da Comissão que declara esse auxílio incompatível com o mercado comum, apesar de a decisão ter sido dirigida ao Estado‑Membro. O mesmo vale no que respeita às decisões da Comissão que declaram ilegal um regime de auxílios, como resulta de diferentes acórdãos.

38      A Fineco alega que a jurisprudência invocada pela Comissão em apoio da inadmissibilidade do recurso não é transponível para o caso em apreço.

39      A Fineco considera ainda que a Comissão pretende sujeitar a admissibilidade destes recursos a uma condição suplementar que a jurisprudência não fixou, a saber, a existência de um acto administrativo individual das autoridades nacionais.

40      A Fineco entende que a decisão impugnada lhe diz individualmente respeito por outra razão, isto é, a existência de uma ordem de recuperação que lhe diz directamente respeito, enquanto beneficiária efectiva de incentivos fiscais.

41      A Assogestioni alega, por seu turno, que defende não apenas os seus próprios interesses mas também os da BNL Gestioni e da Fineco. Uma vez que a decisão impugnada diz directa e individualmente respeito a estas sociedades, a Assogestioni entende que tem legitimidade para agir em nome das mesmas. A Assogestioni salienta que, de resto, tomou parte no procedimento que precedeu a adopção da decisão impugnada.

 Apreciação do Tribunal

42      Nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito.

43      No caso em apreço, é pacífico que a decisão foi dirigida à República Italiana, e não às recorrentes. Importa, portanto, verificar se a decisão impugnada diz directa e individualmente respeito às recorrentes.

44      O Tribunal entende que é oportuno começar por examinar se a decisão impugnada diz individual e directamente respeito à Fineco.

45      Em conformidade com jurisprudência assente, só se pode considerar que uma decisão diz individualmente respeito a pessoas que não sejam os seus destinatários se essa decisão lhes disser respeito em razão de determinadas qualidades que lhes são particulares ou de uma situação de facto que as caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e, por esse facto, as individualiza de modo análogo ao destinatário (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect., pp. 279, 284, e Sardegna Lines, referido no n.° 34, supra, n.° 32).

46      O Tribunal de Justiça considerou, assim, que uma empresa não pode, em princípio, impugnar uma decisão da Comissão que proíbe um regime de auxílios sectorial, se essa decisão apenas lhe disser respeito em virtude de pertencer ao sector em questão e da sua qualidade de potencial beneficiário do referido regime. Com efeito, tal decisão apresenta‑se, em relação à empresa recorrente, como uma medida de alcance geral que se aplica a situações determinadas objectivamente e que comporta efeitos jurídicos em relação a uma categoria de pessoas consideradas de modo geral e abstracto (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2004, Itália/Comissão, C‑298/00 P, Colect., p. I‑4087, n.° 37 e jurisprudência referida).

47      Há que concluir que a decisão não identifica a(s) empresa(s) beneficiária(s) do auxílio em questão. O seu artigo 1.° declara incompatível com o mercado comum o regime de auxílios de Estado que a República Italiana concedeu sob a forma de incentivos fiscais a favor de instrumentos de investimento especializados. A decisão impugnada aplica‑se, pois, a situações determinadas objectivamente e comporta efeitos jurídicos em relação a uma categoria de pessoas consideradas de modo geral e abstracto, na acepção da jurisprudência antes referida.

48      Importa, porém, recordar que, nos n.os 34 e 35 do acórdão Sardegna Lines, referido no n.° 34, supra, o Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que a decisão em causa nesse processo dizia respeito à Sardegna Lines, não só enquanto empresa do sector do transporte marítimo da Sardenha, potencialmente beneficiária do regime de auxílios aos armadores sardos, mas também enquanto beneficiária efectiva de um auxílio individual concedido ao abrigo desse regime e cuja recuperação fora ordenada pela Comissão, a referida decisão lhe dizia individualmente respeito, pelo que o recurso que esta interpôs dessa decisão é admissível (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Setembro de 2007, Salvat père & fils e o./Comissão, T‑136/05, Colect., p. II‑4063, n.° 69).

49      Há, portanto, que verificar se a Fineco tem a qualidade de beneficiária efectiva de um auxílio individual concedido ao abrigo de um regime de auxílios sectorial e cuja recuperação foi ordenada pela Comissão.

50      É pacífico que a Fineco é uma sociedade de gestão da poupança e que, a este título, gere dois fundos comuns especializados nas acções de sociedades de pequena e média capitalização, a saber, a «Fineco AM Small Cap Italy» e a «Fineco Small Cap Europe», às quais se aplica o artigo 12.° do DL 269/2003. Na qualidade de gestora destes fundos, está obrigada a pagar o imposto de substituição previsto por esta disposição, pelo que beneficia da medida em causa cuja restituição é exigida. De resto, a Comissão reconheceu na audiência que a Fineco já aplicou a medida em causa e, em princípio, é visada pela ordem de recuperação.

51      A Fineco é, portanto, a beneficiária efectiva de auxílios individuais cuja restituição é reclamada. A decisão impugnada diz‑lhe, pois, individualmente respeito.

52      Quanto à afectação directa da Fineco, na medida em que o artigo 3.°, n.° 2, da decisão impugnada obriga a República Italiana a tomar as medidas necessárias para recuperar os auxílios indicados no artigo 1.° da mesma decisão, há que considerar que esta decisão diz directamente respeito à Fineco (v., neste sentido, acórdãos Sardegna Lines, referido no n.° 34, supra, n.° 36, e Salvat père & fils e o./Comissão, referido no n.° 48, supra, n.° 75).

53      Com efeito, os dois critérios da afectação directa desenvolvidos pela jurisprudência, a saber, em primeiro lugar, o facto de o acto em causa dever produzir directamente efeitos na situação jurídica do particular e, em segundo, o facto de o referido acto não deixar nenhum poder de apreciação aos seus destinatários, aos quais compete executá‑lo, estão preenchidos no caso em apreço (acórdão Salvat père & fils e o./Comissão, referido no n.° 48, supra, n.° 76).

54      Há, pois, que julgar admissível o recurso da Fineco.

55      Segundo jurisprudência assente, uma associação encarregada de defender os interesses colectivos de empresas apenas pode ser autorizada a interpor recurso de anulação de uma decisão final da Comissão em matéria de auxílios de Estado se as empresas em causa o forem também a título individual ou se essa associação puder fazer valer um interesse próprio no prosseguimento do processo, designadamente por a sua posição de negociadora ter sido afectada pelo acto cuja anulação é pedida (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Setembro de 2000, CETM/Comissão, T‑55/99, Colect., p. II‑3207, n.° 23 e jurisprudência referida).

56      Em aplicação desta jurisprudência, uma vez que a Assogestioni está encarregada de defender os interesses colectivos dos seus membros e que pelo menos um deles, a saber, a Fineco AM, tem legitimidade para impugnar a decisão, o recurso da Assogestioni também é admissível.

 Quanto ao mérito

1.     Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação das disposições conjugadas dos artigos 253.° CE e 88.° CE em razão do carácter contraditório ou insuficiente da fundamentação da decisão impugnada

 Argumentos das partes

57      Numa primeira parte deste fundamento, as recorrentes invocam essencialmente o carácter contraditório ou insuficiente da fundamentação da decisão impugnada, no que respeita à existência de uma vantagem selectiva.

58      As recorrentes alegam, em primeiro lugar, que a fundamentação da decisão impugnada contradiz a argumentação que figura na decisão de abertura do procedimento formal de investigação (a seguir «decisão de abertura»). Com efeito, nesta última, a Comissão fazia referência a um benefício directo para os instrumentos de investimento especializados, através de uma redução de imposto. Ora, na decisão impugnada, a Comissão, após ter confirmado a sua posição inicial, introduziu um novo argumento segundo o qual a medida em causa comporta um benefício indirecto para os instrumentos de investimento especializados, consistente numa liquidez e em comissões mais elevadas.

59      Em segundo lugar, após ter afirmado, na decisão de abertura e no considerando 36 da decisão impugnada, que a medida em causa comporta um benefício indirecto para os instrumentos de investimento especializados, a Comissão contradiz‑se imediatamente no considerando 37 da decisão impugnada, uma vez que os beneficiários dos auxílios já não são os instrumentos de investimento especializados, mas sim as SICAV e as SGE. No entanto, neste caso, não é de modo nenhum pertinente determinar se as SICAV e os instrumentos de investimento que não tenham a forma de sociedades constituem empresas. Porém, de forma totalmente incoerente, no considerando 38 da decisão impugnada, a Comissão recorda de novo que mesmo os instrumentos de investimento especializados que não têm a forma de sociedades constituem empresas. No considerando 45 da decisão impugnada, a Comissão afirma também que estão em concorrência com outras empresas financeiras. Assim, a Comissão gera uma confusão entre instrumentos de investimento colectivo e sociedades de gestão de poupança.

60      Esta confusão também se encontra na contestação, em cujo n.° 149 a Comissão qualifica de empresas os instrumentos de investimento puramente contratuais, após ter sustentado, no n.° 130 da mesma contestação, que nunca qualificou de empresas os fundos desprovidos de personalidade jurídica.

61      As recorrentes alegam, em terceiro lugar, que a Comissão não fundamentou suficientemente a existência de uma vantagem económica para as sociedades de pequena e média capitalização, mesmo quando, no considerando 42 da decisão impugnada, descreve esta vantagem hipotética como consistindo num «aumento da procura das suas acções e [num] aumento da respectiva liquidez».

62      Segundo as recorrentes, estas considerações tornam a decisão impugnada contraditória e não permitem aos interessados conhecer as justificações da medida tomada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância.

63      Numa segunda parte deste fundamento, as recorrentes procuram demonstrar que a fundamentação da decisão impugnada também enferma de contradições e de insuficiência no que respeita à existência de uma distorção da concorrência susceptível de afectar as trocas comerciais intracomunitárias.

64      Segundo as recorrentes, a menção do facto de as sociedades beneficiárias poderem operar nos mercados internacionais e exercer actividades comerciais e outras actividades económicas em mercados caracterizados por uma intensa concorrência constitui uma simples aparência de fundamentação. A Comissão não explicou por que razão a vantagem económica indirecta concedida às sociedades beneficiárias pode falsear a concorrência, quando a verdade é que estão em causa montantes irrisórios que beneficiam um grande número de sociedades.

65      A Comissão contesta os argumentos das recorrentes.

 Apreciação do Tribunal

66      Cabe recordar, a título liminar, que, segundo a jurisprudência, o fundamento relativo à violação do artigo 253.° CE é um fundamento distinto do relativo ao erro manifesto de apreciação. Com efeito, enquanto o primeiro, que visa a falta ou a insuficiência de fundamentação, está compreendido na violação de formalidades essenciais, na acepção do artigo 230.° CE, e constitui um fundamento de ordem pública que deve ser apreciado oficiosamente pelo juiz comunitário, o segundo, relativo à legalidade substantiva da decisão, enquadra‑se na violação de uma norma jurídica relativa à aplicação do Tratado, na acepção do mesmo artigo 230.° CE, e só pode ser examinada pelo juiz comunitário se for invocado pelo recorrente. O dever de fundamentação constitui, pois, uma questão distinta da questão da procedência da fundamentação (acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 67, de 22 de Março de 2001, França/Comissão, C‑17/99, Colect., p. I‑2481, n.° 35, e de 29 de Abril de 2004, Países Baixos/Comissão, C‑159/01, Colect., p. I‑4461, n.° 65; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Janeiro de 2004, Thermenhotel Stoiser Franz e o./Comissão, T‑158/99, Colect., p. II‑1, n.° 97).

67      Segundo jurisprudência assente, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do acto, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto preenche os requisitos do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor literal mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa. Em particular, a Comissão não é obrigada a tomar posição sobre todos os argumentos invocados perante ela pelos interessados, mas basta‑lhe expor os factos e as considerações jurídicas que assumam uma importância essencial na economia da decisão (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 2004, Technische Glaswerke Ilmenau/Comissão, T‑198/01, Colect., p. II‑2717, n.os 59 e 60 e jurisprudência referida).

68      Além disso, no caso de um regime de auxílios, a Comissão pode limitar‑se a analisar as características gerais do regime em causa, sem ser obrigada a examinar cada caso de aplicação específico (acórdãos do Tribunal de Justiça, Sardegna Lines, referido no n.° 34, supra, n.° 51, e de 29 de Abril de 2004, Grécia/Comissão, C‑278/00, Colect., p. I‑3997, n.° 24), a fim de verificar se este regime comporta elementos de auxílio.

69      É à luz destes princípios que importa examinar se a decisão impugnada está suficientemente fundamentada a respeito dos diferentes aspectos invocados.

 Quanto à primeira parte do fundamento, relativa à fundamentação da existência de uma vantagem selectiva

70      Como resulta da apresentação da decisão impugnada nos n.os 15 a 22, supra, a Comissão indica, na descrição da medida em causa, que os instrumentos de investimento podem assumir a forma quer de fundo de investimento contratual sem personalidade jurídica, gerido por uma SGE, quer de fundo de investimento sob a forma de sociedade (por exemplo, SICAV), quer ainda de um fundo de pensão (considerando 13).

71      Quando se debruça de novo sobre as razões que levaram ao início do procedimento, a Comissão precisa, no considerando 29 da decisão impugnada, que, tendo levantado dúvidas quanto à eventual existência de um auxílio a favor dos instrumentos de investimento especializados, considerou que estes últimos constituíam «empresas» na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, dado que assumem a forma de sociedades e, por si só, constituem entidades empresariais, ou são patrimónios separados geridos por empresas que competem nos mercados dos investimentos.

72      No considerando 35 da decisão impugnada, a Comissão introduziu a sua apreciação do auxílio, declarando que a redução de imposto a favor dos investidores constitui um auxílio estatal a favor tanto dos instrumentos de investimento especializados como das sociedades de pequena e média capitalização cujas acções são detidas por esses organismos.

73      Em conformidade com esta distinção, reparte seguidamente o seu exame, consagrando os considerandos 36 a 41 da decisão impugnada à vantagem selectiva a favor dos instrumentos de investimento especializados, e os considerandos 42 e 43, à vantagem selectiva a favor das sociedades de pequena e média capitalização em questão.

74      Quanto aos instrumentos de investimento especializados, a Comissão recorda, no considerando 36 da decisão impugnada, que, em certos casos, os instrumentos de investimento são empresas na acepção do artigo 87.° CE e, portanto, podem beneficiar da redução de imposto prevista no artigo 12.° do DL 269/2003. A Comissão esclarece que, embora os instrumentos de investimento não beneficiem directamente da redução de imposto concedida aos seus subscritores, estes recebem pelo menos um benefício económico indirecto, dado que a medida em causa incita os subscritores a adquirir as quotas desses instrumentos especializados, proporcionando a estes últimos liquidez e rendimentos adicionais sob a forma de comissões de gestão e de subscrição.

75      No considerando 37 da decisão impugnada, a Comissão toma nota da observação das autoridades italianas, segundo a qual os instrumentos de investimento especializados que aplicam o imposto reduzido em conformidade com o artigo 12.° do DL 269/2003 constituem uma mera massa patrimonial, não podendo, portanto, em princípio, ser considerados empresas na acepção do artigo 87.° CE. Observa, todavia, que, em certos casos, estes instrumentos de investimento assumem a forma de sociedades e podem beneficiar individualmente de vantagens. A Comissão realça igualmente que outros instrumentos de investimento, sem personalidade jurídica, são geridos por empresas em concorrência com outros operadores que se ocupam de gestão de poupanças e que, por conseguinte, estas empresas podem beneficiar de vantagens.

76      A Comissão prossegue afirmando, no considerando 38 da decisão impugnada, que considera que os instrumentos de investimento especializados, quer assumam ou não a forma de uma sociedade, desenvolvem uma actividade económica e constituem, pois, empresas, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE. Considera que isso é confirmado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça no domínio do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»), da qual resulta que as operações das SICAV que consistem no investimento colectivo em valores mobiliários representam uma actividade económica desenvolvida por sujeitos passivos na acepção das directivas em matéria de IVA.

77      No considerando 39 da decisão impugnada, a Comissão deduz do que ficou exposto que uma vantagem fiscal concedida aos investidores que investem em instrumentos de investimento especializados favorece os próprios instrumentos enquanto empresas, sempre que estes assumam a forma de sociedades, ou as empresas que gerem esses instrumentos, sempre que estes assumam uma forma contratual.

78      No considerando 40 da decisão impugnada, a Comissão afirma que a condição da selectividade está preenchida, pois a medida em causa prevê uma redução de imposto extraordinária e limitada aos instrumentos de investimento especializados e às respectivas sociedades de gestão. Acrescenta que, segundo a jurisprudência, o facto de a vantagem ser só indirecta não exclui a existência de um auxílio de Estado.

79      Por último, a Comissão conclui, no considerando 41 da decisão impugnada, que a medida em causa confere a vantagem específica indirecta antes exposta aos instrumentos de investimento especializados e às respectivas sociedades de gestão, em detrimento de outras empresas que oferecem formas alternativas de investimento.

80      Decorre do que precede que a decisão impugnada contém uma fundamentação relativa à existência de uma vantagem indirecta selectiva concedida aos instrumentos de investimento especializados. Explica por que razão, embora segundo modalidades distintas em função da sua forma jurídica, se pode considerar que os diferentes instrumentos de investimento visados exercem uma actividade económica e, portanto, podem ser qualificados de empresas na acepção do artigo 87.° CE. A empresa beneficiária da vantagem é o próprio instrumento de investimento, quando assume a forma de uma sociedade, ou a empresa que o gere, quando o instrumento de investimento assume uma forma contratual.

81      Contudo, as recorrentes alegam a existência de várias contradições na fundamentação da decisão impugnada.

82      A este respeito, deve recordar‑se que uma contradição na fundamentação de uma decisão constitui uma violação da obrigação que decorre do artigo 253.° CE, susceptível de afectar a validade do acto em causa, quando se conclua que, devido a essa contradição, o destinatário do acto não está em condições de conhecer os motivos reais da decisão, no todo ou em parte, e que, por isso, o dispositivo do acto é, no todo ou em parte, desprovido de fundamento jurídico (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Março de 2000, Kish Glass/Comissão, T‑65/96, Colect., p. II‑1885, n.° 85).

83      No que toca, em primeiro lugar, à pretensa contradição entre a fundamentação da decisão impugnada e a da decisão de abertura, é forçoso concluir que, a existir uma divergência entre estas duas decisões, não significa que as recorrentes não estão em condições de conhecer os fundamentos da decisão impugnada, os quais resultam desta.

84      A isto acresce que, em aplicação do artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999, a decisão de abertura recapitula os elementos pertinentes de facto e de direito, inclui uma apreciação preliminar da Comissão e expõe as razões que a incitam a duvidar da compatibilidade da medida com o mercado comum. O procedimento formal de investigação permite, por seu turno, aprofundar e esclarecer as questões suscitadas na decisão de abertura. Resulta do artigo 7.° do Regulamento n.° 659/1999 que, no termo deste procedimento, a análise da Comissão pode ter evoluído, uma vez que esta pode vir a decidir que a medida não constitui um auxílio ou que as dúvidas sobre a sua incompatibilidade se dissiparam. De onde se conclui que a decisão final pode apresentar certas divergências com a decisão de abertura, sem que, porém, estas viciem a decisão final.

85      Em todo o caso, não se descortina, no caso em apreço, nenhuma contradição entre a decisão da abertura e a decisão impugnada, nem no que respeita à referida vantagem nem no tocante aos instrumentos em questão.

86      Com efeito, no que respeita à vantagem indirecta que a medida em causa concede aos instrumentos de investimento especializados, a Comissão tinha, logo na decisão de abertura, considerado que tal vantagem podia residir no facto de, aumentando as suas receitas após imposto, incitar a procura pelos investidores de quotas nestes instrumentos. Ora, esta apreciação não pode ser considerada contraditória com a que figura no considerando 36 da decisão impugnada, segundo a qual os instrumentos de investimento especializados retiram uma vantagem indirecta da medida em causa, «já que a redução fiscal sobre os investimentos em instrumentos especializados incita os subscritores a adquirir as quotas desses instrumentos especializados, proporcionando a estes últimos liquidez e rendimentos adicionais sob a forma de comissões de gestão e de subscrição». O facto de a Comissão não ter retomado na decisão impugnada a alegação relativa à concessão de uma vantagem directa aos instrumentos de investimento especializados, constituída pela redução de imposto, não pode ser considerada uma contradição.

87      Relativamente aos instrumentos de investimento visados, é também erradamente que as recorrentes alegam que os beneficiários visados já não são os instrumentos de investimento especializados, mas sim os organismos de investimento com a forma de sociedades e, quando estes organismos assumem a forma de fundos comuns, as sociedades que os gerem.

88      Com efeito, por um lado, os instrumentos de investimento especializados continuam a ser considerados, nos termos da decisão impugnada, os beneficiários da medida em causa, mesmo tendo esta precisado que eles próprios o são enquanto empresas, quando revistam a forma de uma sociedade, ou através das sociedades que os gerem, quando assumam forma contratual (considerando 39).

89      Por outro lado, na decisão de abertura, a Comissão já tinha salientado que as reduções de imposto aplicadas aos instrumentos de investimento especializados também podiam favorecer as sociedades que gerem estes fundos, as quais também são empresas na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

90      Em segundo lugar, as recorrentes alegam várias imprecisões e contradições na própria fundamentação da decisão impugnada.

91      Primeiro, no que toca aos beneficiários da medida em causa e à sua qualidade de empresas na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, resulta claramente do considerando 35 da decisão impugnada que a Comissão considerou que a medida em causa constitui um auxílio de Estado a favor dos instrumentos de investimento especializados e das sociedades de pequena e média capitalização cujas acções são detidas por estes organismos.

92      No que se refere aos instrumentos de investimento especializados, resulta dos considerandos 13 e 37 que estes assumem várias formas, a saber, essencialmente, na parte que nos interessa, a forma de um fundo de investimento contratual sem personalidade jurídica gerido por uma SGE ou a de um fundo de investimento constituído em sociedade, como, por exemplo, as SICAV.

93      É, pois, com lógica que a Comissão afirma, no considerando 39 da decisão impugnada, que a medida em causa favorece os próprios instrumentos de investimento enquanto empresas, quando assumam a forma de uma sociedade, ou as empresas que gerem estes instrumentos, quando estes assumam a forma contratual. De modo coerente, no considerando 41 da decisão impugnada, conclui a sua análise dos instrumentos de investimento sob as suas diferentes formas, repetindo que a vantagem em causa é oferecida tanto aos instrumentos de investimento como às suas sociedades de gestão.

94      As recorrentes, na sua qualidade de sociedade de gestão de dois fundos visados pela medida em causa, no caso da primeira, e de associação que representa estas sociedades de gestão, no caso da segunda, estavam, pois, em condições de conhecer os fundamentos da decisão impugnada e de compreender por que razão eram por esta visadas.

95      Esta conclusão não é posta em causa pela pretensa contradição constante do considerando 38 da decisão impugnada.

96      Com efeito, através da sua remissão para a jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de tratamento fiscal das SICAV, este considerando inscreve‑se manifestamente na demonstração da qualidade de empresas destas últimas. Ora, mesmo que esta demonstração pudesse afigurar‑se, em determinados aspectos, contestável ou equívoca, por um lado, não respeita às recorrentes, uma vez que visa as SICAV, e, por outro e sobretudo, este considerando deve ser visto no seu contexto e lido à luz do conjunto da decisão impugnada e do seu dispositivo, do qual não constitui, por si só, um suporte essencial. Não se pode concluir, portanto, que este considerando põe em causa a compreensão que as recorrentes podiam retirar a seu respeito dos fundamentos da decisão impugnada, como resultam nomeadamente dos seus considerandos 13, 29, 36, 37, 39 e 41.

97      Segundo, no que toca à falta de fundamentação da vantagem selectiva concedida às sociedades de pequena ou média capitalização cujas acções são detidas pelos instrumentos de investimento especializados, há que reconhecer que a Comissão lhe consagrou os considerandos 42 e 43 da decisão impugnada.

98      No considerando 42 da decisão impugnada, a Comissão declarou que a vantagem para estas sociedades resulta do aumento da procura das suas acções e de um aumento da respectiva liquidez. A Comissão rejeitou o argumento segundo o qual não há nenhuma vantagem para tais sociedades, uma vez que os fundos e os investidores procuram, antes de mais, maximizar os seus lucros. Com efeito, a Comissão entende que um tratamento fiscal mais favorável torna o investimento mais aliciante, conferindo deste modo uma maior liquidez às referidas sociedades, mesmo que estas sociedades nada façam para beneficiar dessas vantagens.

99      No considerando 43 da decisão impugnada, a Comissão refuta seguidamente o argumento segundo o qual a medida em causa constitui uma medida de política fiscal geral, destinada a favorecer a capitalização das sociedades de pequena e média capitalização, e exorbita do âmbito de aplicação da regulamentação relativa aos auxílios estatais.

100    Assim, a Comissão fundamentou claramente, na decisão impugnada, a existência de uma vantagem selectiva a favor das sociedades de pequena e média capitalização cujas acções são detidas por instrumentos de investimento especializados. De resto, as recorrentes contestam sobretudo a procedência da fundamentação fornecida, a qual não pode ser invocada no quadro do presente fundamento relativo à falta de fundamentação, em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 66, supra.

101    A primeira parte do primeiro fundamento deve, portanto, ser rejeitada.

 Quanto à segunda parte do presente fundamento, relativa à falta de fundamentação da existência de uma distorção da concorrência susceptível de afectar as trocas intracomunitárias

102    Importa recordar que, embora a Comissão seja obrigada a referir, na fundamentação da sua decisão, pelo menos, as circunstâncias em que um auxílio foi concedido, quando estas permitem demonstrar que o auxílio é susceptível de afectar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, não é obrigada a fazer a demonstração do efeito real de auxílios já concedidos. Com efeito, se tal fosse o caso, esta exigência levaria a favorecer os Estados‑Membros que pagam auxílios ilegais em detrimento daqueles que notificam os auxílios na fase de projecto (acórdão Technische Glaswerke Ilmenau/Comissão, n.° 67, supra, n.° 215).

103    Tendo em conta esta jurisprudência, não se pode concluir que a Comissão não tenha, no caso em apreço, cumprido o dever que lhe incumbe de fundamentar de forma bastante a decisão impugnada.

104    Efectivamente, a Comissão consagrou três considerandos da decisão impugnada à apreciação do efeito da medida em causa na concorrência, por um lado, explicando por que razão, em seu entender, tal medida falseia a concorrência e afecta as trocas comerciais intracomunitárias e, por outro, respondendo a algumas críticas formuladas durante o procedimento que conduziu à adopção da decisão impugnada.

105    Assim, no considerando 45 da decisão impugnada, a Comissão expõe que a medida em causa pode falsear a concorrência entre as empresas e afectar as trocas comerciais entre Estados‑Membros, porquanto «as sociedades beneficiárias podem operar em mercados internacionais e desenvolver actividades económicas em mercados caracterizados por uma forte concorrência». Acrescenta que os instrumentos de investimento especializados «estão em concorrência com outras empresas financeiras e operam num mercado aberto caracterizado por trocas comerciais intracomunitárias significativas» e que algumas sociedades de pequena e média capitalização operam em sectores em que existem trocas comerciais entre os Estados‑Membros.

106    No considerando 46, a Comissão rejeita o argumento relativo ao custo fiscal limitado da medida em causa e ao número restrito de instrumentos especializados operacionais em 2004, ano ao qual se refere o procedimento aberto pela Comissão a respeito da medida em causa. Para este efeito, recorda, em primeiro lugar, a jurisprudência constante segundo a qual mesmo um auxílio de reduzida importância afecta a concorrência. Salienta, em segundo lugar, que a República Italiana não exclui que a medida em causa possa ter futuramente um impacto muito mais significativo. Acrescenta que o impacto limitado da medida em causa também pode ser explicado pela influência da sua rápida acção na matéria a respeito do comportamento dos operadores. Por último, a Comissão salienta que os dados apresentados pela República Italiana não permitem concluir que as vantagens obtidas pelos beneficiários individuais da medida em causa possam ser abrangidos pelo limite dos auxílios de minimis.

107    A Comissão conclui, no considerando 47 da decisão impugnada, que a medida em causa «determina uma alteração (através do tratamento fiscal dos investidores) da posição concorrencial de certas empresas que desenvolvem actividades comerciais e falseia a concorrência, na medida em que estas operam em mercados abertos à concorrência internacional».

108    A fundamentação da decisão impugnada permite, portanto, às recorrentes e ao juiz comunitário conhecer as razões pelas quais a Comissão considerou que as condições de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE, relativas à incidência nas trocas comerciais entre Estados‑Membros e à distorção da concorrência, estavam preenchidas no caso em apreço.

109    As recorrentes não podem acusar a Comissão de não ter examinado de forma mais precisa os efeitos concretos do auxílio controvertido nas trocas comerciais entre Estados‑Membros e na concorrência. Com efeito, não competia à Comissão proceder a uma análise económica da situação real do mercado em causa, da parte de mercado das empresas beneficiárias dos auxílios, da posição das empresas concorrentes e dos fluxos de trocas comerciais dos serviços em causa entre os Estados‑Membros, uma vez que tinha exposto de que forma os auxílios controvertidos falseavam a concorrência e afectavam as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Tratando‑se de um auxílio que não foi notificado, a Comissão não estava obrigada a demonstrar o seu efeito real (v., neste sentido, acórdão CETM/Comissão, referido no n.° 55, supra, n.os 102 e 103).

110    Por conseguinte, a segunda parte do primeiro fundamento, relativa à falta de fundamentação da decisão impugnada no que toca à incidência da medida em causa na concorrência e nas trocas intracomunitárias, é improcedente.

111    Consequentemente, há que rejeitar o primeiro fundamento na totalidade.

2.     Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 87.°, n.° 1, CE, por a medida em causa não constituir um auxílio de Estado

 Argumentos das partes

112    Através da primeira parte do segundo fundamento, as recorrentes sustentam que a medida em causa não constitui um auxílio de Estado, mas uma medida fiscal de carácter geral, dado que beneficia todos os subscritores de quotas nos instrumentos de investimento.

113    As recorrentes alegam, em primeiro lugar, que a redução de imposto que resulta da medida em causa beneficia directamente os detentores de quotas nos instrumentos de investimento. Com efeito, no caso dos instrumentos de investimento estrangeiros, esta medida consiste numa redução directa, de 12,5% a 5%, da taxa da retenção na fonte sobre os rendimentos dos subscritores de quotas nestes instrumentos de investimento, ao passo que, no caso dos instrumentos de investimento italianos, a mesma medida, comportando uma redução da taxa de substituição aplicável à carga fiscal dos referidos instrumentos de investimento, se traduz de modo imediato e directo num aumento das quantias que os subscritores podem obter das distribuições periódicas de rendimentos ou do reembolso ou da retoma das quotas. Além disso, o aumento de capital dos instrumentos de investimento só beneficia os seus subscritores, e não as sociedades de gestão. No caso das SICAV, as recorrentes indicam que não pode haver um aumento das comissões de gestão recebidas, dado que as SICAV encarregam outras empresas da gestão do seu património. No que toca aos instrumentos de investimento especializados com sede fora de Itália, as recorrentes consideram que as comissões de gestão são proporcionais ao resultado de exploração bruto, sem dedução do imposto de substituição, não estando estes instrumentos de investimento sujeitos ao imposto de substituição sobre o resultado de exploração.

114    As recorrentes observam, em segundo lugar, que os subscritores em questão são, de um modo geral, particulares, e não empresas, pelo que foi erradamente que a decisão admitiu que a medida em causa comporta um auxílio de Estado.

115    Com a segunda parte do seu segundo fundamento, as recorrentes sustentam que da redução do imposto introduzida pela medida em causa para as SICAV e as SGE não resulta nenhuma vantagem económica selectiva.

116    As recorrentes alegam, em primeiro lugar, que a redução do imposto em questão não pode garantir, enquanto tal, às empresas que gerem os instrumentos de investimento especializados, a obtenção de comissões suplementares. Mesmo supondo que a medida em causa possa encorajar a subscrição de quotas nos instrumentos de investimento especializados, as sociedades que os gerem não beneficiarão necessariamente disso. A subscrição de quotas nos instrumentos de investimento especializados pode, com efeito, conduzir à cessão de quotas nos instrumentos de investimento não especializados. Quando instrumentos de investimento são geridos pela mesma SGE, o aumento das comissões recebidas pela gestão dos instrumentos de investimento especializados é compensado pela diminuição das recebidas pela gestão dos instrumentos de investimento não especializados. A existência de uma vantagem económica indirecta para as sociedades em causa nunca chegou a ser demonstrada.

117    As recorrentes alegam também que, na prática da Comissão, medidas favoráveis aos organismos de investimento e aos fundos não se traduzem em auxílios de Estado às empresas que os gerem. Além disso, as recorrentes salientam que as comissões de gestão constituem um custo para as SICAV – e não um benefício.

118    As recorrentes invocam, em segundo lugar, a falta de selectividade da hipotética vantagem concedida às SICAV e às SGE. Com efeito, a vantagem descrita pela Comissão na decisão impugnada está ao alcance de todas as SGE, uma vez que estas podem constituir instrumentos de investimento que satisfaçam as condições impostas pela medida em causa. De igual modo, os fundos ou SICAV existentes podem actuar como instrumentos de investimento especializados. Em todo o caso, a selectividade da vantagem em questão não pode resultar da impossibilidade de as empresas que recorrem a outros tipos de investimento para a recolha de capitais beneficiarem da medida em causa. Esta perspectiva confere, segundo as recorrentes, um alcance inaceitável ao conceito de selectividade e amplia o conceito de auxílio de Estado às taxas de tributação reduzidas que são aplicáveis unicamente aos rendimentos de certos tipos de instrumentos de investimento.

119    Através da terceira parte do segundo fundamento, as recorrentes contestam que os instrumentos de investimento possam ser qualificados de empresas.

120    Alegam que os fundos comuns de investimento constituem unicamente massas patrimoniais desprovidas de personalidade jurídica autónoma. Além disso, tendo admitido na decisão de abertura que os fundos comuns não produzem bens e não fornecem nenhum serviço, a Comissão não podia considerar estes fundos como empresas. Acresce que a Directiva 2003/48/CE do Conselho, de 3 de Junho de 2003, relativa à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros (JO L 157, p. 38), considera que são juros, e não benefícios da empresa, os rendimentos provenientes de pagamentos distribuídos pelos instrumentos de investimento.

121    Através da quarta parte do segundo fundamento, as recorrentes contestam que a medida em causa tenha conduzido à concessão de uma vantagem económica selectiva às sociedades de pequena e média capitalização cujas acções são detidas pelos instrumentos de investimento especializados.

122    É difícil conceber que uma medida de um montante irrisório, da ordem dos 600 000 euros, que beneficia um grande número de sociedades, avaliado pelas recorrentes em 6 900, possa conduzir a um aumento dos investimentos e a um correlativo aumento da liquidez das sociedades em questão. A Comissão de modo nenhum demonstrou o efeito alegado na decisão impugnada.

123    Em todo o caso, o objectivo da medida em causa não era aumentar a liquidez das sociedades de pequena capitalização, mas incitar os investidores a diversificar as suas carteiras de investimentos. A Assogestioni contesta expressamente as afirmações que a Comissão lhe atribui no considerando 32 da decisão impugnada, segundo as quais a medida em causa visava promover a capitalização das referidas sociedades. Por último, as recorrentes salientam que a medida em causa não tem por efeito a redução das despesas ligadas a um investimento nas sociedades em questão, pelo que daí não se pode concluir por um auxílio ao investimento a favor das SGE.

124    Mesmo admitindo que a medida em causa comporta uma vantagem económica indirecta para as sociedades de pequena e média capitalização, as recorrentes contestam a selectividade de tal vantagem, na medida em que a situação destas sociedades não pode ser comparada à das outras sociedades cotadas. A hipotética vantagem concedida às sociedades cotadas de pequena e média capitalização está, assim, justificada pelo objectivo prosseguido pela medida em causa.

125    A Comissão contesta os argumentos das recorrentes.

 Apreciação do Tribunal

126    No seu segundo fundamento, as recorrentes criticam a substância da decisão impugnada no que respeita à identificação dos beneficiários da medida em causa (primeira parte), à concessão de uma vantagem selectiva às várias categorias dos alegados beneficiários (segunda e quarta partes) e à qualificação de empresas dos diferentes instrumentos de investimento (terceira parte). Há que apreciar conjuntamente a primeira e terceira partes deste fundamento.

 Quanto à identificação dos beneficiários da medida em causa e à sua qualificação de empresas

127    A este respeito, deve recordar‑se que o artigo 87.° CE proíbe os auxílios concedidos pelo Estado ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, sem estabelecer distinção consoante as vantagens relativas aos auxílios sejam concedidas de forma directa ou indirecta. Assim, a jurisprudência admitiu que uma vantagem directamente concedida a certas pessoas singulares ou colectivas que não são necessariamente empresas pode constituir uma vantagem indirecta e, portanto, um auxílio de Estado para outras pessoas singulares ou colectivas que são empresas (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑156/98, Colect., p. I‑6857, n.os 22 a 35, e de 13 de Junho de 2002, Países Baixos/Comissão, C‑382/99, Colect., p. I‑5163, n.os 38 e 60 a 66).

128    Nos termos do considerando 35 da decisão impugnada, «a redução de imposto a favor dos investidores constitui um auxílio estatal a favor dos organismos especializados nos investimentos em acções de sociedades de pequena e média capitalização». No considerando 36 da decisão impugnada, a Comissão afirma que, «embora os instrumentos de investimento especializados não beneficiem directamente da redução de imposto concedida aos seus subscritores, estes recebem pelo menos um benefício económico indirecto». Repete, no considerando 39 da decisão impugnada, que considera que uma vantagem fiscal concedida aos investidores que investem nos instrumentos de investimento especializados favorece os próprios instrumentos.

129    Por outro lado, resulta do considerando 42 da decisão impugnada que a Comissão entende que a medida em causa confere uma vantagem selectiva indirecta às sociedades de pequena ou média capitalização cujas acções são detidas por instrumentos de investimento especializados, sob a forma de um aumento da procura das suas acções e de um aumento da respectiva liquidez.

130    Resulta, pois, da decisão impugnada que, sem contestar que os subscritores sejam os beneficiários directos da medida em causa, a Comissão qualifica esta de auxílio de Estado relativamente aos seus beneficiários indirectos que são, em seu entender, os instrumentos de investimento especializados e as sociedades de pequena e média capitalização.

131    Ora, em aplicação da jurisprudência referida no n.° 127, supra, o facto de, como afirmam as recorrentes, a medida em causa não poder constituir um auxílio de Estado a favor dos subscritores dos instrumentos de investimento especializados não impede tal qualificação relativamente a empresas que dela apenas são os beneficiários indirectos. Não é necessário, para poder concluir pela existência de uma intervenção mediante recursos do Estado a favor de uma empresa, que esta seja o seu beneficiário directo (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Janeiro de 2005, Confédération nationale du Crédit mutuel/Comissão, T‑93/02, Colect., p. II‑143, n.° 95).

132    A Comissão não cometeu, portanto, um erro de direito na apreciação da medida em causa, relativamente aos seus beneficiários indirectos.

133    Donde se conclui que a argumentação das recorrentes destinada a demonstrar a inexistência de um auxílio de Estado ao nível dos beneficiários directos da medida em causa é inoperante. Com efeito, não é ao nível destes últimos que as condições do artigo 87.°, n.° 1, CE devem estar preenchidas, mas sim ao nível dos beneficiários indirectos.

134    Neste quadro, antes de examinar a existência de uma vantagem em seu benefício, importa verificar, como nos convidam a fazer as recorrentes na terceira parte deste fundamento, se foi correctamente que a Comissão qualificou de empresas os vários beneficiários indirectos em questão.

135    A este respeito, é forçoso concluir que a decisão impugnada distingue dois tipos de casos (v. considerandos 13, 29, 37 e 39 e n.os 75, 77, 92 e 93, supra). Em certos casos, esses instrumentos de investimento revestem a forma de uma sociedade e podem beneficiar eles próprios, enquanto empresas, da vantagem em causa. Noutros casos, os referidos instrumentos não têm personalidade jurídica, mas são geridos por empresas que são favorecidas na acepção do artigo 87.° CE. Por conseguinte, mesmo quando os instrumentos de investimento especializados visados pelo artigo 12.° do DL 269/2003 constituam, como afirmam as recorrentes, simples massas patrimoniais sem personalidade jurídica, são, nos termos da decisão impugnada, as empresas que os gerem que beneficiam indirectamente da vantagem em causa. Ora, não se contesta a existência nem a qualificação de empresas destas sociedades que gerem estes fundos de investimento contratuais desprovidos de personalidade jurídica. Donde resulta que a medida em causa favorece realmente empresas, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

136    Seja como for, importa recordar a este respeito que, tratando‑se aqui de um regime de auxílios, a Comissão se podia limitar a analisar as características gerais do regime em causa, sem ser obrigada a examinar cada caso de aplicação específico (v. jurisprudência referida no n.° 68, supra). O Tribunal de Justiça considerou suficiente, para efeitos da aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE a um regime de auxílios, que este favoreça certas empresas, sem que esta constatação seja posta em causa pela circunstância de também favorecer outros beneficiários que não são empresas (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2005, Itália/Comissão, C‑66/02, Colect., p. I‑10901, n.os 91 e 92). A Comissão podia, portanto, limitar‑se a demonstrar que, em certos casos, os instrumentos de investimento são empresas (considerando 36 da decisão impugnada).

137    Por consequência, a primeira e terceira partes deste segundo fundamento não procedem.

 Quanto à existência de uma vantagem selectiva a favor dos instrumentos de investimento especializados ou das empresas que os gerem

138    Importa recordar que são, designadamente, consideradas auxílios as intervenções que, sob diversas formas, reduzem os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa, pelo que, não sendo subsídios na acepção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos (v., designadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 1999, Bélgica/Comissão, C‑75/97, Colect., p. I‑3671, n.° 23, e de 15 de Março de 1994, Banco Exterior de España, C‑387/92, Colect., p. I‑877, n.° 13).

139    Resulta do considerando 36 da decisão impugnada que os instrumentos de investimento especializados beneficiam de uma vantagem indirecta, dado que a redução de imposto sobre os investimentos nos instrumentos especializados incita os subscritores a adquirir as quotas deste, proporcionando a estes últimos uma liquidez e rendimentos adicionais sob a forma de comissões de gestão e de subscrição. No considerando 39 da decisão impugnada, a Comissão repete que o aumento da procura de quotas dos instrumentos de investimento especializados conduz a um aumento das comissões de gestão e de subscrição recebidas por estes instrumentos ou pelas empresas que os gerem.

140    Todavia, as recorrentes contestam a própria existência de tal vantagem a favor dos instrumentos de investimento especializados e das empresas que os gerem.

141    No que toca ao argumento segundo o qual só a habilidade das empresas que gerem os instrumentos de investimento especializados lhes permite obter comissões adicionais, basta concluir que, como confessam as próprias recorrentes, a medida em causa tende a incitar os investidores a subscrever as quotas deste tipo de instrumentos de investimento. Ora, como não é contestado que sejam pagas comissões, proporcionalmente aos volumes em causa, no momento da subscrição das quotas e/ou para a gestão dos fundos, mesmo que as modalidades possam variar, o aumento das quotas subscritas origina necessariamente um aumento das comissões de gestão e de subscrição recebidas por estes instrumentos ou pelas empresas que os gerem, como afirma a Comissão no considerando 39 da decisão impugnada. Por conseguinte, o argumento das recorrentes não procede.

142    No que respeita ao argumento relativo a uma compensação entre o eventual aumento das comissões recebidas pela gestão dos instrumentos de investimento especializados e a redução das comissões recebidas pela gestão dos instrumentos de investimento não especializados, importa observar, por um lado, que a Comissão invocou, no considerando 36 da decisão impugnada, tanto as comissões de gestão como as comissões de subscrição. Ora, o argumento das recorrentes respeita unicamente às comissões de gestão. Por outro lado, embora seja possível que, em certos casos, a compensação alegada pelas recorrentes ao nível das comissões de gestão se opere, nada indica que possa revestir um carácter automático, susceptível de fazer desaparecer em todos os casos a vantagem concedida pela medida em causa.

143    Seja como for, o facto de a vantagem concedida pela medida em causa poder por vezes ser neutralizada não é, por si só, susceptível de fazer com que perca a qualificação de vantagem, à luz do artigo 87.°, n.° 1, CE. Basta que a medida em causa conduza ao aumento da procura de quotas dos instrumentos de investimento especializados e, portanto, das comissões de gestão e de subscrição recebidas por estes instrumentos ou pelas empresas que os gerem, para que estas empresas sejam favorecidas, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, abstraindo da condição de selectividade. A este respeito, não importa saber se o valor global da totalidade das comissões que estas empresas recebiam antes da adopção da medida em causa, no conjunto de todos os instrumentos e de todas as operações, aumentou ou não, ou é ou não susceptível de aumentar.

144    Cabe, além disso, salientar que, quando as recorrentes observam que as comissões de gestão constituem um custo para as SICAV, pois são pagas às sociedades encarregadas da sua gestão, confirmam a tese avançada pela Comissão, segundo a qual, quando o instrumento de investimento especializado é gerido por uma sociedade de gestão, é esta última que recolhe o benefício da medida em causa, sob a forma de um aumento das comissões de gestão e de subscrição (v. considerando 39 da decisão impugnada).

145    Por último, a argumentação das recorrentes baseada na prática decisória da Comissão também não é convincente. Com efeito, cabe recordar que o conceito de auxílio de Estado corresponde a uma situação objectiva apreciada na data em que a Comissão adopta a sua decisão (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, Colect., p. I‑5479, n.° 137) e que é função da mera questão de saber se uma medida estatal confere ou não um benefício a uma ou a certas empresas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Março de 2003, Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, T‑228/99 e T‑233/99, Colect., p. II‑435, n.° 180). A prática decisória da Comissão na matéria, sobre a qual, de resto, as partes não estão de acordo, não pode, portanto, ser decisiva.

146    Por conseguinte, não procede nenhum dos argumentos avançados pelas recorrentes para contestar a existência de uma vantagem a favor dos instrumentos de investimento especializados ou das empresas que os gerem.

147    Todavia, as recorrentes também contestam a selectividade da medida em causa relativamente aos referidos instrumentos ou empresas.

148    Como decorre do teor do artigo 87.°, n.° 1, CE, uma vantagem económica concedida por um Estado‑Membro só reveste o carácter de auxílio se, apresentando uma certa selectividade, for susceptível de favorecer «certas empresas ou certas produções». Para efeitos de aplicação desta disposição, há unicamente que determinar se, no quadro de um dado regime jurídico, uma medida estatal é susceptível de favorecer «certas empresas ou certas produções», na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, relativamente a outras empresas que se encontrem numa situação factual e jurídica comparável, à luz do objectivo prosseguido pela medida em causa (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 2001, Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke, C‑143/99, Colect., p. I‑8365, n.os 34 e 41 e jurisprudência referida).

149    Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, não preenche esta condição de selectividade uma medida que, ainda que constitutiva de uma vantagem para o seu beneficiário, se justifique pela natureza ou pela economia geral do sistema em que se inscreve (acórdão Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke, referido no n.° 148, supra, n.° 42).

150    No que respeita, antes de mais, aos instrumentos de investimento especializados que constituem sociedades e podem beneficiar eles próprios, enquanto empresas, da vantagem em causa (v. n.° 135, supra), como resulta da descrição que figura nos considerandos 11 a 19 da decisão impugnada e da explicação fornecida no considerando 40 da mesma, a medida em causa prevê uma redução de imposto «limitada aos instrumentos de investimento especializados […] e às respectivas sociedades de gestão». Destinando‑se de forma limitativa a instrumentos de investimento bem definidos e que preenchem as condições específicas «em detrimento de outras empresas que oferecem formas alternativas de investimento» (considerando 41 da decisão impugnada), favorece certos instrumentos de investimento relativamente a outros que se encontram numa situação jurídica e factual comparável na acepção da jurisprudência referida no n.° 148, supra. A medida em causa tem, portanto, carácter selectivo, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

151    A este respeito, o argumento das recorrentes segundo o qual a vantagem resultante da medida em causa é acessível a qualquer instrumento de investimento que preencha as condições previstas, pelo que constitui uma medida geral, não é convincente.

152    Com efeito, o simples facto de a vantagem poder beneficiar qualquer instrumento de investimento que preencha as condições previstas não prova, por si só, o carácter geral da medida em causa e não impede que a medida em causa revista carácter selectivo (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Março de 2002, Diputación Foral de Álava e o./Comissão, T‑92/00 e T‑103/00, Colect., p. II‑1385, n.° 58).

153    Donde resulta que a medida em causa confere uma vantagem selectiva a certos instrumentos de investimento especializados e se enquadra no âmbito de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE. Esta constatação não pode ser posta em causa pela circunstância de o presente regime de auxílios também favorecer certos beneficiários que não são empresas (v. n.° 136, supra). Assim, estas considerações bastam para fundamentar a rejeição da segunda parte do segundo fundamento.

154    A título subsidiário, no que respeita mais especificamente aos instrumentos de investimento especializados sem personalidade jurídica, há que observar que a Comissão considera que a medida em causa favorece as sociedades de gestão que os gerem, cuja qualidade de empresa não foi contestada (v., designadamente, considerandos 37 e 39 da decisão impugnada). Ora, há que concluir que a condição de selectividade também está preenchida a respeito de tais instrumentos, em conformidade com a jurisprudência já referida no n.° 148, supra.

155    Com efeito, importa realçar que um auxílio pode ser selectivo à luz do artigo 87.°, n.° 1, CE, mesmo quando respeite a todo um sector económico (acórdão Itália/Comissão, referido no n.° 136, supra, n.° 95).

156    No caso em apreço, a medida em causa aplica‑se ao sector financeiro. No âmbito deste, favorece unicamente as empresas que realizam as operações visadas. Não se aplicando a todos os operadores económicos, não pode ser considerada uma medida geral de política fiscal ou económica. Derroga, na realidade, o regime fiscal de direito comum. As sociedades de gestão beneficiárias colhem indirectamente vantagens não previstas no quadro da aplicação normal deste regime e das quais não podem beneficiar as empresas do sector financeiro que não realizem operações de gestão de instrumentos de investimento especializados (v., neste sentido, acórdão Itália/Comissão, referido no n.° 136, supra, n.os 96, 97, 99 e 100). Assim, a medida em causa também é selectiva relativamente a sociedades de gestão de instrumentos de investimento especializados.

157    Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de ser possível que certas SGE beneficiem da vantagem oferecida pela medida em causa relativamente a algumas das suas actividades, e não a outras. Com efeito, não deixa de ser verdade que a medida em causa lhes concede uma vantagem relativamente a certas actividades específicas, ao passo que outras SGE não especializadas não beneficiam dela.

158    Resulta das considerações precedentes que a segunda parte deste fundamento deve ser rejeitada.

 Quanto à existência de uma vantagem selectiva indirecta a favor das sociedades cotadas de pequena e média capitalização cujas acções são detidas por instrumentos de investimento especializados

159    Resulta do considerando 42 da decisão impugnada que a Comissão considera que a medida em causa confere uma vantagem selectiva indirecta às sociedades de pequena e média capitalização cujas acções são detidas por instrumentos de investimento especializados, sob a forma de um aumento da procura das suas acções e de um aumento da respectiva liquidez relacionados com o facto de este investimento se ter tornado mais aliciante.

160    As recorrentes contestam que a medida em causa possa conduzir a tais aumentos. Esta afirmação, além de não ser credível, devido ao montante irrisório consagrado pela República Italiana à medida em causa, relativamente ao número importante das sociedades em questão, também não está demonstrada na decisão impugnada.

161    Por seu turno, o nexo que as recorrentes tentam estabelecer entre o montante consagrado à medida em causa pelas autoridades italianas e o número de sociedades de pequena e média capitalização não é susceptível de refutar o nexo assinalado na decisão impugnada (considerando 42) entre o reforço do carácter aliciante do investimento nestas sociedades e o respectivo aumento de liquidez.

162    Cabe salientar que a República Italiana alegou que a medida em causa visa promover a capitalização de mercado das sociedades de pequena e média capitalização relativamente à das outras sociedades com cotação nos mercados europeus (considerando 32 da decisão impugnada). A Comissão reproduziu mesmo, na sua tréplica no presente processo, um excerto da petição das autoridades italianas no processo T‑424/05, do qual resulta que a concessão de reduções fiscais aos investidores institucionais com interesses nas sociedades de pequena e média capitalização tem por efeito atenuar os efeitos negativos da reduzida capitalização nas perspectivas de crescimento das empresas, dado que uma forte capitalização favorece o aumento da dimensão das sociedades. Na verdade, as recorrentes afirmam que o objectivo da medida em causa não era aumentar a liquidez destas sociedades de pequena e média capitalização. Todavia, alegam que a medida em causa visava incentivar os investidores a diversificar as suas carteiras de títulos, adquirindo participações nos instrumentos de investimento especializados, bem como, correlativamente, incitar as SGE a ampliar a sua oferta de produtos. Ora, mesmo que a medida em causa não tivesse o objectivo alegado pelo seu autor, mas o avançado pelas recorrentes, a verdade é que tal medida reforçava, aos olhos dos investidores, o carácter aliciante dos investimentos nas referidas sociedades e que, através do aumento da procura das suas acções, proporcionava a estas últimas uma vantagem.

163    De resto, o Tribunal de Justiça já declarou que uma medida que permita às empresas interessadas aumentar os seus fundos próprios em condições mais favoráveis pode constituir um auxílio de Estado (v., neste sentido, acórdão Alemanha/Comissão, referido no n.° 127, supra, n.° 34). Assim, o simples aumento da liquidez pode, contrariamente ao que alegam as recorrentes, constituir uma vantagem na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

164    Por outro lado, o argumento das recorrentes segundo o qual as SICAV ou as SGE operam de acordo com a lógica do máximo lucro, e não em função de eventuais reduções de imposto, não é convincente. Com efeito, por um lado, essas duas motivações não estão em oposição, pois, em princípio, as eventuais reduções de imposto aumentam o lucro. Por outro lado, se a medida em causa atinge o objectivo, assinalado pelas recorrentes, de incitar as SGE a ampliar a sua oferta de produtos, é porque, manifestamente, exerce uma influência na sua política, provocando assim um aumento da procura das acções das sociedades de pequena e média capitalização.

165    Por conseguinte, foi acertadamente que a Comissão concluiu, no considerando 42 da decisão impugnada, que, favorecendo a procura, pelos investidores, de acções das sociedades de pequena e média capitalização, a medida em causa confere uma vantagem indirecta a estas sociedades.

166    Porém, decorre da jurisprudência referida nos n.os 148 e 149, supra, por um lado, que a verificação da selectividade da medida implica comparar a situação das empresas beneficiárias com a de outras empresas que se encontrem numa situação factual e jurídica comparável à luz do objectivo prosseguido pela medida em causa e, por outro, que uma medida que constitui uma vantagem não preenche a condição de selectividade quando se justifique pela natureza da economia geral do sistema no qual se inscreve.

167    Ora, as recorrentes alegam, por um lado, que a situação das sociedades cotadas de pequena e média capitalização não é comparável com a das sociedades mais importantes e, por outro, que a limitação da medida às primeiras não constitui um critério selectivo, uma vez que tal limitação se justifica pelo objectivo prosseguido.

168    No que toca ao primeiro argumento, é forçoso concluir que as recorrentes não forneceram nenhum elemento susceptível de demonstrar a impossibilidade de comparar a situação dos investimentos colectivos nas sociedades de pequena e média capitalização com a dos investimentos colectivos noutras sociedades, ou mesmo com a dos investimentos individuais. Mais especificamente, o facto de as sociedades de forte capitalização disporem, precisamente, de uma capitalização importante e estarem já amplamente presentes nos mercados e nas carteiras de títulos dos instrumentos de investimento não obsta a que, apenas por estas razões, possam ser comparadas com as sociedades de pequena e média capitalização. De resto, quando as recorrentes alegam que a medida em causa se destina a incentivar os investidores a diversificar a sua carteira de investimentos e a incitar as SGE a alargar a sua oferta de produtos, admitem implicitamente que as quotas de sociedades de pequena e média capitalização e as de outras sociedades, por exemplo, de forte capitalização, constituem investimentos e produtos que podem fazer parte de uma mesma carteira de títulos. Se a medida em causa é susceptível de incitar os investidores a reequilibrar a sua carteira de títulos, é realmente porque, aos olhos destes, os investimentos nas sociedades de pequena e média capitalização são comparáveis aos dos investimentos noutras sociedades e podem, portanto, ser aliciantes desde que daí retirem uma vantagem, como a que a medida em causa lhes pode proporcionar.

169    Quanto ao segundo argumento, a Comissão examinou‑o no considerando 43 da decisão impugnada, tendo considerado que a vantagem fiscal concedida não compensa as disparidades de tratamento fiscal importantes entre os investimentos colectivos nas sociedades de pequena e média capitalização, por um lado, e os investimentos colectivos noutras sociedades ou ainda os investimentos individuais em sociedades não cotadas, por outro. A medida em causa também não pode ser justificada pelo seu objectivo específico, dado que se limita a prever uma redução de imposto no caso de investimentos colectivos especializados em acções de sociedades de pequena e média capitalização e que, enquanto tal, não é selectiva nem proporcionada relativamente ao objectivo de favorecer a capitalização destas sociedades, estando antes subordinada à condição de os investimentos serem realizados por intermédio dos instrumentos de investimento especializados.

170    Ora, as recorrentes não apresentaram nenhum elemento susceptível de alicerçar a sua afirmação segundo a qual a medida em causa se justifica relativamente ao objectivo que prossegue, a saber, em seu entender, garantir que os investidores diversifiquem as suas carteiras de investimento, subscrevendo quotas nos instrumentos de investimento especializados, e, segundo as autoridades italianas, favorecer a capitalização destas sociedades. Cabe recordar, a este respeito, que, caso se considerasse que a prossecução de um objectivo de política económica ou industrial, como o incentivo ao investimento, é susceptível de eximir uma medida selectiva da aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE, esta disposição perderia qualquer efeito útil. Em conformidade com jurisprudência assente, há portanto que concluir que o objectivo prosseguido pela medida em causa não lhe permite escapar à qualificação de auxílio de Estado, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE (acórdão Diputación Foral de Álava e o./Comissão, referido no n.° 152, supra, n.° 51).

171    Finalmente, cabe observar que a presente parte do segundo fundamento, mesmo que fosse procedente, não bastaria, por si só, para determinar a anulação da decisão impugnada, na medida em que esta também visa os instrumentos de investimento especializados ou as suas sociedades de gestão.

172    Portanto, a quarta parte do segundo fundamento também não procede, pelo que o segundo fundamento deve ser rejeitado na totalidade.

3.     Quanto ao terceiro fundamento, relativo, a título subsidiário, à violação do artigo 87.°, n.° 2, alínea a), CE e do artigo 88.° CE, na medida em que a Comissão concluiu que a medida em causa é incompatível com o mercado comum

 Argumentos das partes

173    As recorrentes invocam o terceiro fundamento a título subsidiário, na hipótese de o Tribunal considerar que a medida em causa constitui um auxílio de Estado. Entendem que a medida em causa satisfaz as duas condições visadas no artigo 87.°, n.° 2, alínea a), CE. Em primeiro lugar, afirmam tratar‑se de uma medida de carácter social a favor dos investidores. Em segundo lugar, não introduz nenhuma discriminação entre os produtos financeiros nacionais e comunitários. O carácter social da medida examinada resulta do facto de ter como finalidade a criação de um instrumento que permita aos pequenos aforradores adquirir acções de sociedades, às quais de outro modo dificilmente teriam acesso.

174    Em todo o caso, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Dezembro de 2005, Regione autonoma della Sardegna/Comissão (T‑200/04, não publicado na Colectânea), invocado pela Comissão, não é pertinente, uma vez que, na passagem citada, o Tribunal de Primeira Instância respondeu a um fundamento relativo a uma instrução incompleta.

175    A Comissão contesta os argumentos das recorrentes.

 Apreciação do Tribunal

176    Quanto à questão de determinar, por um lado, se o beneficiário de um auxílio pode invocar factos e documentos que não foram levados ao conhecimento da Comissão antes de esta adoptar a sua decisão e, por outro, se são admissíveis fundamentos assentes nesses factos e documentos, recorde‑se que, segundo jurisprudência assente, no âmbito de um recurso de anulação nos termos do artigo 230.° CE, a legalidade de um acto comunitário deve ser apreciada em função dos elementos de informação existentes na data em que o acto foi adoptado. Em particular, as apreciações complexas efectuadas pela Comissão devem ser examinadas apenas em função dos elementos de que esta dispunha no momento em que as efectuou. A este respeito, a Comissão não pode ser acusada de não ter tido em conta eventuais elementos de informação que lhe podiam ter sido apresentados durante o procedimento administrativo, mas que não o foram, uma vez que a Comissão não é obrigada a examinar oficiosamente e com base em suposições quais os elementos que lhe poderiam ter sido fornecidos (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Novembro de 2006, Ter Lembeek/Comissão, T‑217/02, Colect., p. II‑4483, n.os 82 e 83 e jurisprudência referida).

177    O Tribunal de Primeira Instância deduziu que um recorrente, quando participou no procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, não pode invocar elementos factuais não conhecidos da Comissão e que não lhe tenha comunicado ao longo do procedimento formal de investigação. Em contrapartida, nada impede o interessado de invocar contra a decisão final um fundamento jurídico não suscitado na fase do procedimento administrativo (acórdão Ter Lembeek/Comissão, referido no n.° 176, supra, n.° 84).

178    Assim, é verdade que as recorrentes não podem invocar nesta fase elementos factuais desconhecidos da Comissão no momento da adopção da sua decisão e que não assinalaram a esta no decurso do procedimento de investigação. Todavia, nada as impede de invocar, no quadro do presente recurso, a violação do artigo 87.°, n.° 2, alínea a), CE, mesmo não tendo expressamente contestado a apreciação da Comissão na decisão de abertura do procedimento formal de investigação, a respeito da não aplicação das derrogações previstas no artigo 87.°, n.os 2 e 3, CE.

179    No âmbito do exame da procedência deste fundamento, importa recordar a título liminar que, tratando-se de uma derrogação ao princípio geral da incompatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado comum, enunciado no artigo 87.°, n.° 1, CE, o artigo 87.°, n.° 2, alínea a), CE deve ser objecto de interpretação estrita (v., neste sentido, acórdão Alemanha/Comissão, referido no n.° 127, supra, n.° 49).

180    A decisão impugnada exclui expressamente, no considerando 52, a aplicação da derrogação invocada pelas recorrentes.

181    Decorre dos termos do artigo 87.°, n.° 2, alínea a), CE que a aplicação desta derrogação está subordinada ao carácter social do auxílio, à sua concessão aos consumidores individuais e à ausência, neste quadro, de discriminação relacionada com a origem dos produtos.

182    Ora, embora não tenha sido contestado que o auxílio é concedido sem discriminação relacionada com a origem dos instrumentos de investimento em causa, a verdade é que se trata de um auxílio que se destina aos investidores, seja qual for a sua categoria, aos quais reduz os impostos ou os encargos. A medida em causa não tem, pois, carácter social. Por conseguinte, foi com razão que a Comissão excluiu a aplicação da derrogação prevista no artigo 87.°, n.° 2, alínea a), CE.

183    Consequentemente, o terceiro fundamento deve ser rejeitado.

4.     Quanto ao quarto fundamento, relativo, a título ainda mais subsidiário, à violação do artigo 88.° CE e do artigo 14.° do Regulamento n.° 659/1999, na medida em que a Comissão ordenou a recuperação dos auxílios visados junto dos instrumentos de investimento sob a forma de sociedades e das empresas que gerem os instrumentos de investimento sob forma contratual

 Argumentos das partes

184    Com este fundamento, invocado a título ainda mais subsidiário, na hipótese de o Tribunal não anular a decisão impugnada na sua totalidade, as recorrentes solicitam a anulação da injunção de recuperação, na medida em que respeita aos instrumentos de investimento sob a forma de sociedades e às empresas que gerem os instrumentos de investimento sob forma contratual.

185    Segundo as recorrentes, a ilegalidade da injunção de recuperação resulta, em primeiro lugar, da inexistência de identidade entre os beneficiários efectivos da medida em causa e as pessoas visadas pela injunção de recuperação em questão, a saber, as SICAV italianas especializadas e as SGE italianas que gerem fundos comuns especializados. Com efeito, resulta do artigo 88.° CE e do artigo 14.° do Regulamento n.° 659/1999 que a injunção de recuperação só pode respeitar aos beneficiários directos e efectivos dos auxílios. Ora, a Comissão terá reconhecido, segundo as recorrentes, nomeadamente no considerando 42 da decisão impugnada, que os investidores são os únicos beneficiários efectivos da medida examinada e que os instrumentos de investimento especializados só indirectamente beneficiam deles.

186    As recorrentes consideram que é desproporcionado impor às SICAV e às SGE em questão o pagamento do montante da redução do imposto de substituição aplicado ao resultado de exploração, quando a vantagem de que beneficiaram consistiu num aumento das comissões recebidas. A Comissão não pode impor a restituição de um montante que não corresponde ao da vantagem de que as empresas efectivamente beneficiaram. Ao impor a restituição de um montante desproporcionado, a Comissão infringe o artigo 14.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999, nos termos do qual «a Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se tal for contrário a um princípio geral de direito comunitário». A este respeito, as recorrentes realçam que não alegam que a própria injunção de recuperação é que é desproporcionada.

187    As recorrentes sustentam, em segundo lugar, que a execução da injunção de recuperação colocaria as SICAV especializadas italianas e as SGE italianas que gerem fundos comuns especializados numa situação mais desfavorável do que aquela em que se encontrariam na falta da medida em causa, pois o pagamento do equivalente da redução fiscal constitui um encargo que de outro modo não teriam de suportar. Além disso, afirmam que não lhes é possível recuperar este encargo junto dos investidores. A imposição de tal encargo suplementar é, pois, contrária à jurisprudência que impõe o regresso ao statu quo ante através da recuperação dos auxílios ilegalmente pagos.

188    Em terceiro lugar, as recorrentes observam que as autoridades italianas não estão em condições de efectuar a recuperação ordenada relativamente aos instrumentos de investimento especializados cuja sede se situe noutro Estado‑Membro, quer se trate de SICAV quer de SGE que gerem fundos comuns, pelo que a injunção de recuperação em questão é não apenas ilegal mas também inaplicável, o que constitui uma fonte de discriminação em função do local da sede dos instrumentos de investimento especializados.

189    A Comissão contesta os argumentos das recorrentes.

 Apreciação do Tribunal

190    O artigo 14.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999 prevê que, em caso de decisão negativa a respeito de um auxílio ilegal, a Comissão decidirá que o Estado‑Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio junto do beneficiário. A Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio, se tal for contrário a um princípio geral de direito comunitário.

191    Importa recordar que a supressão de um auxílio ilegal mediante recuperação é a consequência lógica da declaração da sua ilegalidade e destina‑se a restabelecer a situação anterior (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2004, Alemanha/Comissão, C‑277/00, Colect., p. I‑3925, n.° 74, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Outubro de 2005, Freistaat Thüringen/Comissão, T‑318/00, Colect., p. II‑4179, n.° 308).

192    O principal objectivo visado pelo reembolso de um auxílio de Estado pago ilegalmente é eliminar a distorção da concorrência provocada pela vantagem concorrencial proporcionada pelo auxílio ilegal (acórdão de 29 de Abril de 2004, Alemanha/Comissão, referido no n.° 191, supra, n.° 76; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Maio de 2005, Saxonia Edelmetalle e o./Comissão, T‑111/01 e T‑133/01, Colect., p. II‑1579, n.° 114, e Freistaat Thüringen/Comissão, referido no n.° 191, supra, n.° 310).

193    A recuperação com vista ao restabelecimento da situação anterior não pode, em princípio, ser considerada uma medida desproporcionada relativamente aos objectivos das disposições do Tratado em matéria de auxílios de Estado. Através da restituição do auxílio, o beneficiário perde a vantagem de que tinha usufruído no mercado relativamente aos seus concorrentes, e a situação anterior ao pagamento do auxílio é reposta (acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2004, Itália/Comissão, C‑372/97, Colect., p. I‑3679, n.os 103 e 104, e de 15 de Dezembro de 2005, Unicredito Italiano, C‑148/04, Colect., p. I‑11137, n.° 113).

194    Tratando‑se de auxílios de carácter fiscal, o Tribunal de Justiça declarou que o restabelecimento da situação anterior significa o retorno, na medida do possível, à situação que se teria verificado se as operações em causa tivessem sido realizadas sem a concessão da redução do imposto. Este restabelecimento não acarreta uma reconstituição diferente do passado em função de elementos hipotéticos como as opções, frequentemente múltiplas, que poderiam ter sido feitas pelos operadores interessados, tanto mais que as escolhas efectivamente feitas com o benefício do auxílio podem revelar‑se irreversíveis (acórdão Unicredito Italiano, referido no n.° 193, supra, n.os 117 e 118).

195    É à luz destes princípios que cabe examinar o quarto fundamento.

196    O artigo 3.°, n.° 2, da decisão impugnada, na versão italiana, que é a que faz fé, impõe à República Italiana que tome todas as medidas necessárias para recuperar os auxílios postos ilegalmente à disposição dos beneficiários pelos instrumentos de investimento que assumem a forma de uma sociedade ou, consoante os casos, pelas empresas que gerem os instrumentos de investimento que assumem uma forma contratual, sem prejuízo de eventuais recursos previstos no direito nacional.

197    O considerando 60 da decisão impugnada esclarece que a República Italiana deve recuperar os auxílios junto dos instrumentos de investimento ou das empresas que gerem os instrumentos de investimento, que são simultaneamente os primeiros beneficiários do auxílio e os sujeitos passivos obrigados a pagar ao Estado o imposto de substituição sobre os resultados de exploração. Os auxílios a recuperar correspondem à diferença entre o imposto de substituição normal e o imposto reduzido resultante dos incentivos fiscais em causa. Nos termos do considerando 60, a Comissão não exclui a possibilidade de os instrumentos de investimento ou as empresas que os gerem exigirem um montante correspondente aos seus subscritores, se tal possibilidade estiver prevista no direito nacional. A Comissão salienta igualmente que é possível que a totalidade ou parte dos auxílios concedidos a beneficiários individuais se enquadrem no âmbito das disposições aplicáveis aos auxílios de minimis.

198    Há que concluir, em primeiro lugar, que os instrumentos de investimento especializados ou as SGE que os gerem são realmente os beneficiários da medida em causa, como resulta dos n.os 127 a 132 e 138 a 146, supra, pelo que é errado as recorrentes invocarem uma violação do artigo 88.° CE e do artigo 14.° do Regulamento n.° 659/1999, alegando que a decisão impugnada impõe à República Italiana a recuperação dos auxílios junto de pessoas diferentes das que deles são beneficiárias segundo a decisão impugnada. Cabe salientar, a este respeito, que nem o Tratado nem o Regulamento n.° 659/1999 operam, para efeitos da recuperação a efectuar pelo Estado‑Membro em causa, uma distinção em função da qualidade de beneficiário directo ou indirecto do auxílio ilegal em questão.

199    Porém, as recorrentes alegam que a decisão impugnada impõe aos instrumentos de investimento especializados ou às SGE que os gerem a restituição de uma vantagem completamente diferente daquela de que terão beneficiado segundo a Comissão. Com efeito, devem reembolsar o montante de uma redução fiscal de que não são beneficiárias directas, quando a sua vantagem consiste, segundo a Comissão, num aumento das suas comissões de subscrição e de gestão. Consideram, portanto, que foi violado o princípio da proporcionalidade.

200    A este respeito, resulta do considerando 60 da decisão impugnada que a recuperação se deve fazer junto dos instrumentos de investimento especializados ou das SGE que os gerem, simultaneamente enquanto beneficiários indirectos do auxílio e enquanto sujeitos passivos obrigados ao pagamento do imposto de substituição.

201    Ora, na sua qualidade de contribuintes, os instrumentos de investimento especializados ou as SGE que os gerem são os únicos interlocutores possíveis da República Italiana para proceder à recuperação do auxílio ilegal. O restabelecimento da situação anterior, que se verificaria se as operações em causa tivessem sido realizadas sem a concessão da redução do imposto, exige, pois, que a diferença entre o imposto normal e o imposto reduzido resultante da medida em causa seja recuperado junto destes instrumentos ou sociedades, sem prejuízo de estes poderem eventualmente exercer junto dos seus subscritores, ou mesmo do Estado, um direito de regresso de acordo com as disposições do direito nacional.

202    Por seu lado, tendo em conta a sua qualidade de beneficiários do auxílio ilegal em causa, a recuperação deste último junto dos instrumentos de investimento especializados ou das SGE que os gerem não pode ser considerada desproporcionada em aplicação da jurisprudência referida nos n.os 192 a 194, supra. Com efeito, era a redução fiscal em causa, cuja recuperação é reclamada, que provocava uma distorção da concorrência a favor dos instrumentos de investimento especializados ou das empresas que os gerem relativamente aos outros instrumentos de investimento.

203    O argumento segundo o qual, na sequência da recuperação ordenada, os instrumentos de investimento especializados e as SGE que os gerem ficam numa situação mais desfavorável do que aquela em que se encontrariam se não tivessem beneficiado da medida em causa deve igualmente ser rejeitado. Com efeito, os montantes a restituir não podem ser determinados tendo em conta operações diferentes que poderiam ter sido realizadas pelas empresas se não tivessem optado pela operação beneficiada pelo auxílio (acórdão Unicredito Italiano, referido no n.° 193, supra, n.° 114).

204    Em segundo lugar, em todo o caso, cabe observar que as dificuldades práticas invocadas pelas recorrentes, mesmo admitindo que se verifiquem, não são suficientes para pôr em causa a validade da injunção de recuperação, a qual respeita, sem discriminação, a todos os instrumentos de investimento especializados ou sociedades que os gerem.

205    Por conseguinte, este fundamento não pode ser acolhido, pelo que há que negar provimento ao recurso na totalidade.

 Quanto às despesas

206    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las nas despesas, em conformidade com os pedidos da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      As recorrentes são condenadas nas despesas.

Vilaras

Dehousse

Šváby

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 4 de Março de 2009.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio

Medida em causa

Procedimento administrativo

Decisão impugnada

Tramitação processual e pedidos das partes

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao mérito

1.  Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação das disposições conjugadas dos artigos 253.° CE e 88.° CE em razão do carácter contraditório ou insuficiente da fundamentação da decisão impugnada

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto à primeira parte do fundamento, relativa à fundamentação da existência de uma vantagem selectiva

Quanto à segunda parte do presente fundamento, relativa à falta de fundamentação da existência de uma distorção da concorrência susceptível de afectar as trocas intracomunitárias

2.  Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 87.°, n.° 1, CE, por a medida em causa não constituir um auxílio de Estado

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto à identificação dos beneficiários da medida em causa e à sua qualificação de empresas

Quanto à existência de uma vantagem selectiva a favor dos instrumentos de investimento especializados ou das empresas que os gerem

Quanto à existência de uma vantagem selectiva indirecta a favor das sociedades cotadas de pequena e média capitalização cujas acções são detidas por instrumentos de investimento especializados

3.  Quanto ao terceiro fundamento, relativo, a título subsidiário, à violação do artigo 87.°, n.° 2, alínea a), CE e do artigo 88.° CE, na medida em que a Comissão concluiu que a medida em causa é incompatível com o mercado comum

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

4.  Quanto ao quarto fundamento, relativo, a título ainda mais subsidiário, à violação do artigo 88.° CE e do artigo 14.° do Regulamento n.° 659/1999, na medida em que a Comissão ordenou a recuperação dos auxílios visados junto dos instrumentos de investimento sob a forma de sociedades e das empresas que gerem os instrumentos de investimento sob forma contratual

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas


* Língua do processo: italiano.