Language of document : ECLI:EU:T:2000:41

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

17 de Fevereiro de 2000 (1)

«Concorrência — Procedimento administrativo — Apreciação das denúncias — Infracção do artigo 85.° do Tratado CE (actual artigo 81° CE) — Carta da administração comunicando o arquivamento — Reabertura do processo — Fundamentação — Obrigação — Alcance — Acordo de cooperação — Cláusula de exclusividade de aprovisionamento mútuo — Cláusula de não-concorrência»

No processo T-241/97,

Stork Amsterdam BV, sociedade de direito neerlandês, com sede em Amsterdam, representada por A. J. Braakman, advogado no foro de Roterdão (Países Baixos), com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Loesch e Wolter, 11, rue Goethe,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Wouter Wils, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Hans Gilliams, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

apoiada por

Serac Group, sociedade anónima de direito francês, com sede em Paris, representada por Mary-Claude Mitchell, advogada no foro de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Guy Harles, 8-10, rue Mathias Hardt,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão contida na carta da Comissão de 20 de Junho de 1997, que rejeita a denúncia apresentada pela recorrente, destinada a obter a declaração de incompatibilidade com o artigo 85.° do Tratado CE (actual artigo 81.° CE) de um acordo de cooperação entre a recorrente e o Serac Group no domínio da comercialização de linhas completas de máquinas para a fabricação de garrafas de plástico e seu enchimento asséptico com produtos alimentares líquidos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: R. M. Moura Ramos, presidente, V. Tiili e P. Mengozzi, juízes,

secretário: A. Mair, administrador

vistos os autos e após a audiência de 22 de Abril de 1999,

profere o presente

Acórdão

Factos na origem do litígio

1.
    A Stork Amsterdam BV (a seguir «Stork») é uma sociedade de direito neerlandês que produz máquinas destinadas ao fabrico de garrafas de plástico através do método de moldação por «sopragem».

2.
    Em 14 de Agosto de 1987, a Stork celebrou com a Serac SA, que se transformou depois na Serac Group (a seguir «Serac»), uma sociedade anónima de direito francês que produz máquinas que permitem o enchimento asséptico de garrafas de plástico, um acordo de cooperação para comercialização de linhas completas de máquinas destinadas ao fabrico das referidas garrafas e ao seu enchimento asséptico com produtos alimentares líquidos (a seguir «acordo de cooperação» ou «acordo»). As duas empresas comprometiam-se a comprar-se mutuamente as máquinas que produziam e a vendê-las em linhas completas sob o nome de

«Stork-Serac» ou de «Serac-Stork». O acordo previa também a obrigação de cada uma das empresas pôr à disposição da outra os conhecimentos técnicos (Knowledge) necessários à comercialização, à instalação e à manutenção em serviço das referidas máquinas (artigo 5.° do acordo).

3.
    O artigo 6.° desse acordo continha uma cláusula de «não-concorrência» que estipulava, nomeadamente:

«6.1    As partes acordam em se abster, uma e outra, de desenvolver, produzir e vender, directa ou indirectamente por intermédio de agentes ou auxiliares de qualquer natureza, aparelhos ou parte de aparelhos que estejam em concorrência com os produzidos pela outra parte, que sejam visados pela presente cooperação ou que sejam análogos a eles.

6.2    Se um potencial cliente pedir à Stork ou à Serac aparelhos de enchimento ou de moldação por sopragem fabricados por terceiros, o vendedor é obrigado a pedir o acordo da outra parte. Esta não poderá recusar o consentimento sem fundamento. Se uma das partes vender a máquina concorrente de um terceiro sem o acordo da outra, esta fica no direito de exigir o pagamento de uma multa, a título de indemnização, equivalente a 30% (trinta por cento) da máquina substituída.

6.3    Em caso de rescisão do acordo nos termos do artigo 14.° (a saber, quando o acordo tiver vigorado durante cinco anos e na sequência de denúncia escrita com prazo de pré-aviso de doze meses) e apenas neste caso, a obrigação de não-concorrência estipulada no artigo 6.1 permanecerá em vigor relativamente à parte que rescinde durante os quatro anos seguintes à referida rescisão.»

4.
    Em 1989, a Stork tentou obter o consentimento da Serac para pôr fim ao seu acordo de cooperação, fazendo-o, nomeadamente, por carta de 13 de Julho de 1989, na qual ameaçava também apresentar queixa à Comissão pela violação do artigo 85.° do Tratado CE (actual artigo 81.° CE), se a Serac se recusasse a aceitar a rescisão do acordo.

5.
    Não tendo obtido resposta positiva da Serac, a recorrente submeteu em 20 de Setembro de 1989 uma denúncia à Comissão, pedindo que fosse declarada a incompatibilidade do seu acordo de cooperação com o artigo 85.° do Tratado. A Stork argumentava que a Serac tinha violado esta disposição ao recusar-se a pôr termo a esse acordo.

6.
    Em 24 de Janeiro de 1990, a Serac notificou o acordo de cooperação à Comissão a fim de obter uma declaração negativa ou uma isenção, declarando simultaneamente que podia satisfazer-se com uma carta administrativa de arquivamento («carta de conforto»).

7.
    A Comissão respondeu à denúncia da Stork e à notificação da Serac através de uma carta de 20 de Março de 1991, assinada por J. Dubois, director em exercício na Direcção-Geral da concorrência (DG IV), e que continha uma proposta de solução amigável do litígio, que era apresentada na sequência da denúncia e da notificação, «bem como na sequência das informações complementares fornecidas pelas duas sociedades». Analisando o acordo de cooperação, J. Dubois afirmava que este, embora não reunindo as condições para a isenção, estava muito próximo dos referidos pelo Regulamento (CEE) n.° 417/85 da Comissão, de 19 de Dezembro de 1984, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado a certas categorias de acordos de especialização (JO 1985, L 53, p. 1; EE 08 F2 p. 162, a seguir «Regulamento n.° 417/85»), distinguindo-se o acordo essencialmente pelos n.os 2 e 3 do seu artigo 6.° O autor da carta precisava que, com base em todas as informações de que dispunha, considerava que estas cláusulas limitavam a concorrência e não eram indispensáveis à realização dos objectivos do acordo. Propunha, por conseguinte, uma modificação das referidas cláusulas par adaptar o acordo ao espírito do Regulamento n.° 417/85.

8.
    A proposta adaptação do n.° 2 do artigo 6.° (relativo à exclusividade mútua de aprovisionamento) destinava-se a torná-lo conforme com o artigo 2.°, alínea b), do referido regulamento, ao prever a possibilidade de cada uma das partes se abastecer — sem qualquer penalidade — junto de terceiros quando estes oferecessem condições de aprovisionamento mais favoráveis. Na mesma perspectiva da adaptação do acordo ao Regulamento n.° 417/85, J. Dubois precisava ainda que o n.° 3 do artigo 6.° (relativo à obrigação de não-concorrência durante quatro anos após o termo do acordo) «deveria ser suprimido».

9.
    Acrescentava ainda que, dada a importância económica limitada do negócio no plano comunitário, não lhe parecia «oportuno, nesta fase, propor à Comissão a abertura de um processo». No caso de as partes não chegarem a acordo para modificar as cláusulas no sentido proposto, convidava-as a levarem a questão às instâncias judiciais ou às autoridades administrativas nacionais competentes, dando conhecimento da carta da Comissão.

10.
    A carta destinada à Stork continha um parágrafo suplementar redigido desta forma:

«Na ausência de resposta da vossa parte nas quatro semanas seguintes à recepção desta carta, encerrarei o processo; o mesmo poderá, todavia, ser reaberto em qualquer momento, se qualquer alteração nas circunstâncias de facto ou de direito exigirem nova apreciação da situação.»

11.
    Por carta de 19 de Julho de 1991, a Serac informou a Comissão de que as partes encaravam a possibilidade de compor o seu litígio de forma amigável. Todavia, as discussões entre as duas partes não deram resultado e o acordo expirou em 14 de Agosto de 1992 sem ter sido modificado.

12.
    Em 21 de Dezembro de 1992, a Serac enviou uma outra carta a J. Dubois, convidando a Comissão a reconsiderar a sua apreciação do processo. A Serac argumentava, nomeadamente, que a proposta feita pela Comissão na sua carta de 20 de Março de 1991, que visava a modificação ou a supressão de um certo número de cláusulas do acordo, reflectia um desconhecimento do mercado em questão e uma apreciação errada das repercussões do acordo de cooperação sobre a concorrência. Nesta carta, a Serac acrescentava que confirmava o seu acordo em não invocar o n.° 3 do artigo 6.° do acordo de cooperação, apenas com a reserva de que não fossem utilizados «os conhecimentos secretos comunicados durante a sua vigência».

13.
    Por carta de 25 de Fevereiro de 1993, F. Giuffrida, chefe de unidade na DG IV, respondeu que os argumentos apresentados pela Serac não eram de molde a pôr de novo em questão a posição da Comissão expressa na sua carta de 20 de Março de 1991, segundo a qual os n.os 2 e 3 do artigo 6.° do acordo eram demasiado restritivos da concorrência e não indispensáveis para atingir os objectivos do acordo. Concluiu a sua carta da forma seguinte: «Parece-me, por conseguinte, que este processo deve ser considerado encerrado.» A Comissão enviou uma cópia desta carta à Stork.

14.
    Em 15 de Maio de 1993, a Serac interpôs recurso de anulação da decisão contida na carta da Comissão de 25 de Fevereiro de 1993 para o Tribunal de Primeira Instância (processo T-31/93).

15.
    Em 16 de Julho de 1993, a Comissão suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade, argumentando que a carta de F. Giuffrida não era um acto impugnável, mas uma simples tomada de posição provisória na medida em que não se destinava a produzir efeitos jurídicos e não continha a decisão definitiva quanto à denúncia ou à notificação. No articulado em que suscitava a questão prévia de inadmissibilidade, a Comissão informava também que iria prosseguir a análise do processo. Neste contexto, a Serac desistiu do recurso e o processo foi cancelado no registo por despacho do Presidente do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Dezembro de 1993.

16.
    Em 5 de Outubro de 1994, a Comissão, ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 8 F1 p. 22, a seguir «Regulamento n.° 17»), dirigiu a cada uma das partes pedidos de informação idênticos relativos «aos dados mais recentes sobre a repartição do mercado segundo os tipos de apresentação (embalagem rectangular, garrafa de plástico ou de vidro, cartão...) para cada um dos segmentos do mercado do leite», tendo estes pedidos por objecto «permitir à Comissão apreciar a compatibilidade do (acordo) à luz das regras da concorrência da CEE e nomeadamente do artigo 85.° do Tratado (...), em pleno conhecimento dos factos e no seu verdadeiro contextoeconómico».

17.
    As duas partes transmitiram as informações pedidas e o processo foi em seguida apreciado pela Comissão em conexão com o advogado da Stork em 14 de Novembro de 1994, e depois com o advogado da Serac em 13 de Dezembro de 1994.

18.
    Nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 do Conselho (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62, a seguir «Regulamento n.° 99/63»), G. Rocca, em nome de Alexander Schaub, Director-Geral da DG IV, por carta de 23 de Janeiro de 1996, esclareceu a recorrente das razões que justificavam a rejeição da sua denúncia. Após ter exposto a sua análise do processo à luz do artigo 85.° do Tratado, G. Rocca concluiu que não era realista sustentar que «o acordo permitia às empresas em questão eliminar a concorrência numa parte substancial dos produtos em questão, tanto mais que, pela sua carta de 21 de Dezembro de 1992, a Serac havia renunciado aos direitos conferidos pelo artigo 6.°, n.° 3, do acordo» (direitos de exclusividade após o termo do acordo). A carta da Comissão terminava por um aviso, que informava que a instituição não adoptaria qualquer decisão definitiva antes de ter tomado conhecimento dos comentários ou de informações novas da recorrente, ficando a cargo desta fazê-las chegar por escrito e num prazo de quatro semanas.

19.
    Em 22 de Março de 1996, a Stork respondeu à Comissão, refutando os argumentos desta e pondo de novo em questão a possibilidade de a recorrida proceder a uma nova análise do processo após as suas cartas de 20 de Março de 1991 e de 25 de Fevereiro de 1993.

20.
    Por carta de 20 de Junho de 1997, a Comissão informou a Stork da decisão de rejeição da sua denúncia de 20 de Setembro de 1989 (Decisão IV/F — 1/33.302 Stork, a seguir «decisão impugnada»). Retomando, no essencial, a análise do acordo contida na sua carta de 23 de Janeiro de 1996, a Comissão concluiu que, mesmo que as cláusulas restritivas da concorrência constantes no acordo estivessem abrangidas pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, estavam reunidas as condições de aplicação do n.° 3 do mesmo artigo.

Tramitação processual e pedidos das partes

21.
    Por petição registada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 21 de Agosto de 1997, a recorrente interpôs o presente recurso de anulação da decisão da Comissão contida na carta de 20 de Junho de 1997.

22.
    Por despacho do presidente da Primeira Secção do Tribunal, de 20 de Abril de 1998, a Serac foi admitida a intervir em apoio das conclusões da Comissão.

23.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Quarta Secção) decidiu dar início à fase oral. No quadro de medidas de organização do processo,

as partes foram convidadas a responder por escrito a determinadas questões antes da audiência.

24.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as respostas que deram às questões postas pelo Tribunal de Primeira Instância na audiência realizada em 22 de Abril de 1999.

25.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    anular a decisão impugnada;

—    condenar a Comissão nas despesas.

26.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    julgar o recurso improcedente;

—    condenar a recorrente nas despesas.

27.
    A interveniente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    julgar o recurso da Stork improcedente;

—    condenar a Stork na totalidade das despesas da instância, incluindo as causadas pela sua intervenção.

Questão de direito

28.
    Em apoio do seu pedido, a recorrente invoca três fundamentos baseados, primeiramente, na incompetência ou desvio de poder da Comissão para adoptar a decisão impugnada, quando as suas cartas de Março de 1991 e de Fevereiro de 1993 já continham uma decisão definitiva, e o processo, pelo menos após a carta de 25 de Fevereiro de 1993, devia ser considerado encerrado; em segundo lugar, num erro de facto e de direito que viciava a referida decisão e, em terceiro lugar, na falta ou insuficiência de fundamentação da decisão impugnada.

29.
    A Comissão contesta os fundamentos da recorrente e conclui pela improcedência do recurso.

Quanto ao primeiro fundamento, baseado na incompetência ou desvio do poder da Comissão para adoptar a decisão impugnada

30.
    O primeiro fundamento da recorrente visa, essencialmente, contestar o direito de a Comissão reabrir o processo respeitante à denúncia e à notificação e de adoptar a decisão impugnada e articula-se em duas partes. Na primeira parte, a recorrente sustenta que as cartas de 20 de Março de 1991 e de 25 de Fevereiro de 1993 já

continham uma decisão susceptível de recurso e que o processo, em todo o caso após a última carta, devia ser considerado encerrado, na medida em que nenhum elemento novo justificava uma reapreciação do processo. Na segunda parte do fundamento, a recorrente alega que a Comissão violou a sua obrigação de tomar uma decisão num prazo razoável quanto à sua denúncia de 20 de Setembro de 1989, reabrindo o processo administrativo em 5 de Outubro de 1994 e adoptando a decisão final em 20 de Junho de 1997.

31.
    Na réplica, e no âmbito do seu segundo fundamento de anulação, a recorrente invoca também o facto de a decisão de reabrir o processo ter sido adoptada com violação do artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE).

32.
    Para apreciar a justeza do primeiro fundamento, o Tribunal considera que se deve apreciar a primeira parte deste juntamente com o fundamento relativo à falta de fundamentação da decisão de reabertura do processo.

Argumentos das partes

33.
    A recorrente argumenta que, nas cartas de 20 de Março de 1991 e de 25 de Fevereiro de 1993, consideradas isoladamente ou de forma combinada, a Comissão adoptou uma decisão susceptível de recurso, através da qual se pronunciou, com vista criar efeitos jurídicos, sobre a aplicação do artigo 85.° do Tratado ao acordo de cooperação.

34.
    Tendo em conta o seu conteúdo, a carta da Comissão de 25 de Fevereiro de 1993 devia ser considerada como um acto impugnável, porque se destinava a produzir efeitos jurídicos. Esta carta continha, na opinião da recorrente, uma apreciação do acordo em questão e correspondia a uma tomada de posição da Comissão quer quanto à incompatibilidade com o mercado comum de duas cláusulas do acordo de 14 de Agosto de 1987, à luz do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, quer quanto ao facto de as referidas cláusulas não estarem abrangidas pelas disposições do n.° 3 do mesmo artigo. Através dessa carta, a Comissão encerrou formalmente o processo, e a apreciação jurídica feita sobre o acordo tornou-se definitiva.

35.
    A recorrente conclui que a recorrida não tinha poderes para reabrir o processo administrativo depois de ter proferido uma decisão e sem que nenhum elemento novo justificasse tal reabertura. Ao fazê-lo, a Comissão incorreu em desvio de poder.

36.
    Na réplica, a recorrente alega, da mesma forma, uma fundamentação deficiente da decisão impugnada, que não expõe as razões que explicam, por um lado, a mudança da opinião da recorrida quanto à importância económica do acordo e, por outro lado, a sua opção de proceder a uma reapreciação aprofundada do processo, em vez de propor, como fizera anteriormente, que o mesmo fosse submetido às autoridades nacionais na falta de aceitação das modificações

propostas, quando não ocorreu nenhum elemento novo que justificasse tal reapreciação.

37.
    A recorrida contesta a tese da recorrente. Informa que foi confrontada, a partir de Setembro de 1989, com um conflito entre a Stork e a Serac relativo à aplicação e validade do acordo mútuo de cooperação e lembra as regras aplicáveis à sua intervenção em tais circunstâncias. Invoca os n.os 45 a 47 do acórdão de 10 de Julho de 1990, Automec/Comissão (T-64/89, Colect., p. II-367, a seguir «acórdão Automec I»), no qual o Tribunal concluiu, por outro lado, pela existência de três fases sucessivas na tramitação do processo regulado pelo artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e pelo artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63 e, por outro lado, considerou que as observações preliminares feitas pelos serviços da Comissão no âmbito dos contactos informais na primeira fase não poderiam ser qualificados como acto impugnado.

38.
    Neste contexto, as cartas de 20 de Março de 1991 e 25 de Fevereiro de 1993 constituíam manifestamente observações preliminares feitas pelos serviços da Comissão de modo informal, com base numa primeira análise dos argumentos e dos factos expostos pelas duas partes. Nestas cartas, a Comissão não emitiu um parecer definitivo, que produzisse efeitos jurídicos, quanto à aplicação do artigo 85.° do Tratado.

39.
    A carta de Março de 1991 continha uma proposta pragmática destinada a pôr fim ao conflito entre as duas partes e não uma interpretação definitiva do artigo 85.° do Tratado. A passagem mais importante dessa carta foi aquela em que J. Dubois afirmou que, dada a importância económica relativa deste processo, não lhe parecia oportuno, nesta fase, propor à Comissão a abertura de um processo. Esta conclusão explicava a sugestão feita às partes para comporem o litígio no sentido proposto e, na hipótese de persistência de desacordo, levarem a questão às instâncias judiciais nacionais.

40.
    A carta de Fevereiro de 1993 confirmava apenas que a Comissão, mesmo depois de ter tomado conhecimento dos argumentos e dos elementos de informação complementares apresentados pela Serac, não julgava oportuno abrir um processo e que, por consequência, «este assunto (devia) ser considerado encerrado».

41.
    A Comissão acrescenta que as duas cartas já referidas não podem ser consideradas como uma decisão definitiva que produza efeitos jurídicos e que conclua pela incompatibilidade do acordo com o artigo 85.° do Tratado, porque uma decisão dessa natureza só pode ser tomada no respeito de um procedimento previsto pelo Regulamento n.° 17, que impõe, nomeadamente, a comunicação das acusações. A Comissão considera que, neste caso concreto, não está provado que tenha sido feita tal comunicação e que a ausência de assinatura das referidas cartas, pelo membro da Comissão responsável pela concorrência ou em seu nome, confirma que estas últimas apenas exprimem um primeiro parecer provisório.

42.
    Além disso, a recorrida admite que, após a desistência da Serac no processo T-31/93, decidiu, tendo nomeadamente em conta argumentos e dados fornecidos pela Serac na sua petição, reapreciar — de forma aprofundada desta vez — as repercussões do acordo de cooperação sobre a concorrência. Deste modo, ao «reactivar o processo» alterou a sua posição inicial, segundo a qual o processo não apresentava uma importância económica suficiente para justificar uma análise aprofundada.

43.
    A Comissão considera que a carta de 20 de Março de 1991 já deixava entrever a possibilidade de abertura posterior do processo, quando o seu autor precisava que não lhe parecia «oportuno, nesta fase, propor à Comissão a abertura de um processo».

44.
    Apoiando-se no n.° 77 do acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância em 18 de Setembro de 1992, Automec/Comissão (T-24/90, Colect., p. II-2223, a seguir «acórdão Automec II»), a Comissão sustenta que a decisão de submeter umcaso, considerado como de importância menor numa primeira análise, a um exame aprofundado subsequente constituiu uma medida que releva da livre apreciação de qualquer administração que tenha uma missão de supervisão e de controlo. Da mesma forma, a competência exigida para estabelecer prioridades implica também a de rever estas prioridades, o que é tanto mais verdadeiro no presente processo quanto a reabertura do processo não lesou os interesses da nenhuma das partes. Nem a recorrente nem a Serac emitiram quaisquer objecções contra a nova prioridade conferida pela Comissão à apreciação do seu litígio.

45.
    A recorrida contesta a admissibilidade do fundamento apresentado pela recorrente na réplica, baseado na fundamentação deficiente da decisão impugnada (v. supra, n.° 36). Sustenta, a título subsidiário, que não tinha a obrigação de indicar nessa decisão as razões pelas quais tinha aberto um inquérito em Outubro de 1994, tanto mais que essa questão não tinha sido invocada pela Stork ou pela Serac que, além disso, tinham colaborado sem reserva no referido inquérito.

46.
    A interveniente contesta, da mesma forma, que as cartas da Comissão de 1991 e 1993 devam ser consideradas como uma decisão definitiva, não susceptível de ser posta de novo em causa.

47.
    Recorda que a Comissão, em várias ocasiões, esclareceu que as cartas de 1991 e 1993 não eram decisões definitivas. Argumenta também que, ao aceitar sem reservas responder ao pedido de informações que lhe foi dirigido pela Comissão em Outubro de 1994, a recorrente aceitou o facto de o processo instaurado em 1989 não estar definitivamente encerrado.

48.
    Conclui que só a carta de 1997 constitui uma tomada de posição definitiva da Comissão sobre o processo, e que as duas cartas de 1991 e 1993 não têm qualquer conteúdo decisório e não produziram efeitos jurídicos.

Apreciação do Tribunal

Quanto à qualificação jurídica das cartas da Comissão de Março de 1991 e de Fevereiro de 1993

49.
    Segundo jurisprudência constante, constituem actos ou decisões susceptíveis de recurso de anulação, na acepção do artigo 173.° do Tratado CE (actual artigo 230° CE), as medidas que produzem efeitos jurídicos vinculativos que afectem os interesses do recorrente, modificando de forma caracterizada a sua situação jurídica. Mais precisamente, quando se trata de actos ou decisões cuja elaboração se efectua em várias fases, designadamente no termo de um processo interno, só constituem, em princípio, actos impugnáveis as medidas que fixam definitivamente a posição da instituição no termo do processo, excluindo-se as medidas interlocutórias cujo objectivo é preparar a decisão final. Além disso, a forma sob a qual os actos ou decisões são adoptados é, em princípio, indiferente no que respeita à possibilidade de os impugnar por meio de recurso de anulação (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 9, e Automec I, n.° 42).

50.
    Para apreciar, à luz dos princípios jurisprudenciais que acabam de recordar-se, a natureza jurídica das cartas em questão, é conveniente examiná-las no âmbito do processo de instrução dos pedidos apresentados nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

51.
    O processo para a análise de uma queixa articula-se à volta de três fases sucessivas. Durante a primeira fase, que se segue à apresentação da queixa, a Comissão recolhe os elementos que lhe permitirão apreciar o seguimento a dar à queixa. Esta fase pode compreender uma troca informal de pontos de vista entre a Comissão e a parte queixosa, com vista a precisar os elementos de facto e de direito que são objecto da queixa e dar-lhe oportunidade de expor as suas alegações, sendo caso disso, à luz de uma primeira reacção dos serviços da Comissão. Na segunda fase, a Comissão indica à parte queixosa os fundamentos pelos quais não lhe parece justificado dar seguimento favorável à queixa e dá-lhe oportunidade de apresentar, num prazo que fixa para esse efeito, as suas eventuais observações. Na terceira fase do processo, a Comissão toma conhecimento das observações apresentadas pela parte queixosa. Embora o artigo 6.° do Regulamento n.° 99 não preveja expressamente essa possibilidade, esta fase pode conclui-se com a adopção duma decisão definitiva (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância Automec I, já referido, n.os 45 a 47, e de 18 de Maio de 1994, BEUC e NCC/Comissão, T-37/92, Colect. p. II-285, n.° 29).

52.
    Assim, nem as observações preliminares eventualmente emitidas no âmbito da primeira fase do processo de análise das queixas nem as comunicações nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63 se podem qualificar como actos recorríveis (acórdão Automec I, n.os 45 e 46). ).

53.
    Em contrapartida, as cartas que comunicam o arquivamento e contêm a decisão definitiva de recusar a queixa e de encerrar o processo são susceptíveis de recurso, porque têm o conteúdo e produzem os efeitos de uma decisão, na medida em que põem termo ao inquérito instaurado, implicam a apreciação dos acordos controvertidos e impedem as requerentes de exigir a reabertura do inquérito, a menos que estas forneçam elementos novos (acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Outubro de 1983, Demo-Studio Schmidt/Comissão, 210/81, Recueil, p. 3045, n.os 14 e 15; de 28 de Março de 1985, CICCE/Comissão, 298/83, Recueil, p. 1105, n.° 18, e de 17 de Novembro de 1987, BAT e Reynolds/Comissão, 142/84 e 156/84, Colect., p. 4487, n.° 12).

54.
    Neste caso concreto, é conveniente determinar se, como sustenta a Comissão, as cartas de 1991 e 1993 relevam da primeira fase do procedimento de análise das denúncias ou se, como afirma a recorrente, devem ser consideradas como dando conta de uma decisão de arquivamento, que produza efeitos jurídicos e que releve, portanto, da última fase do referido procedimento.

55.
    Referindo-se aos n.os 2 e 3 do artigo 6.° do acordo, o autor da carta da Comissão de 20 de Março de 1991 afirmava em primeiro lugar:

«Tendo em conta todas as informações de que actualmente disponho, estas cláusulas parecem-me efectivamente demasiado restritivas da concorrência e não indispensáveis para atingir os objectivos do (acordo).»

Também se propunha a supressão do n.° 3 do artigo 6.° do acordo e a adaptação do n.° 2 dessa disposição ao espírito do Regulamento n.° 417/85, que, enquanto tal, não era aplicável ao acordo.

56.
    Em segundo lugar, o autor dessa carta precisava:

«Tendo em conta a importância económica limitada da questão no plano comunitário, não me parece oportuno, nesta fase, propor à Comissão a abertura de um processo. No caso de não chegarem a acordo para modificar as cláusulas no sentido acima indicado, convido V. Ex.as, por consequência, a levarem esta questão às instâncias judiciais ou às autoridades administrativas nacionais competentes, dando conhecimento da presente carta.»

57.
    O exemplar da carta destinada à Stork continha ainda um parágrafo suplementar assim redigido:

«Na ausência de resposta da vossa parte nas quatro semanas seguintes à recepção desta carta, encerrarei o processo; o mesmo poderá, todavia, ser reaberto em qualquer momento, se qualquer alteração nas circunstâncias de facto ou de direito exigirem nova apreciação da situação.»

58.
    Em resposta à carta da Serac de 21 de Dezembro de 1992, que convidava a Comissão a reconsiderar a sua análise, F. Giuffrida, chefe de unidade na DG IV, declarava na sua carta de 25 de Fevereiro de 1993 (da qual foi enviada uma cópia à Stork):

«A sua carta de 21 de Dezembro de 1992 mereceu-me toda a atenção. Depois de analisados, não me parece que os argumentos sejam de molde a pôr de novo em questão o teor da carta [...] de 20 de Março de 1991, segundo a qual as cláusulas 6.2 e 6.3 do vosso acordo [...] com a Stork eram demasiado restritivas da concorrência e não indispensáveis para atingir os objectivos do (acordo). Parece-me, por conseguinte, que este processo deve ser considerado encerrado.»

59.
    Resulta claramente das cartas de 20 de Março e 25 de Fevereiro de 1993 que a Comissão decidiu, após análise do acordo, arquivar o processo, tendo em conta a sua importância económica limitada no plano comunitário. A Comissão, aliás, propôs às partes uma solução amigável do litígio, sugerindo certas modificações do acordo e convidou-as, na ausência de aplicação das referidas modificações e no caso de persistência do conflito, a levarem a questão às autoridades ou aos órgãos judiciais nacionais competentes.

60.
    Em particular, a carta de 20 de Março de 1991 contém todas as características de uma comunicação nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, na medida em que indica os fundamentos pelos quais não parece que se justifique dar seguimento favorável à denúncia, refere-se expressamente ao encerramento do processo e concede à denunciante um prazo para apresentar eventuais observações (acórdão BEUC e NCC/Comissão, já referido, n.° 34).

61.
    Neste contexto, a carta de 25 de Fevereiro de 1993 confirma que, em consequência da falta de reacção à carta de 20 de Março de 1991, o processo tinha sido arquivado, dada a importância económica limitada do acordo no plano comunitário.

62.
    Nestas circunstâncias, o argumento da recorrida, segundo o qual as cartas de 20 de Março de 1991 e 25 de Fevereiro de 1993 constituíam manifestamente «observações preliminares feitas pelos serviços da Comissão de modo informal», no quadro da primeira das três fases do procedimento de inquérito, não pode ser aceite. Pelo contrário, tendo em atenção o seu conteúdo e o contexto em que foram elaboradas, devem ser consideradas como dando conta de uma decisão de arquivamento da denúncia apresentada pela Stork, que releva, portanto, da última fase do procedimento de exame de uma denúncia.

63.
    Não se pode, por conseguinte, sustentar que estas cartas contêm apenas observações preliminares ou medidas preparatórias. Contêm, pelo contrário, uma apreciação clara do acordo, designadamente da sua importância económica, feita com base em todas as informações que a Comissão entendeu dever recolher. Tudo indica que a decisão de arquivamento a que se referiam essas cartas devia

constituir a última fase do procedimento administrativo, que fixaria definitivamente a posição da instituição. Não seria, por isso, seguida de qualquer outro acto susceptível de originar um recurso de anulação (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 1994, SFEI e o./Comissão, C-39/93 P, Colect., p. I-2681, n.os 27 e 28).

64.
    A natureza definitiva desta decisão não é posta em causa pela declaração de J. Dubois, na carta de 20 de Março de 1991, segundo a qual não lhe parecia «oportuno, nesta fase, propor à Comissão a abertura de um processo», propósito que deixava entrever a possibilidade de abertura posterior de um processo com uma análise aprofundada da questão. Com efeito, esta declaração deve ser vista como referindo-se aos dois outros factos mencionados na carta, a saber, que a análise efectuada e a decisão tomada se baseavam nas informações disponíveis e que o processo podia ser reaberto se elementos de facto ou de direito novos o justificassem.

65.
    Além disso, o argumento da recorrente, segundo o qual a inexistência de assinatura do membro da Comissão responsável pela concorrência ou em seu nome confirma que apenas emitiram um primeiro parecer provisório, deve também ser recusado. Deve recordar-se que, segundo uma jurisprudência assente, a forma que revestem os actos e decisões, é, em princípio, irrelevante quanto à possibilidade de os impugnar através de recurso de anulação, e que é a sua substância que se deve terem conta para determinar se constituem actos impugnáveis nos termos do artigo 173.° do Tratado (acórdão IBM/Comissão, já referido, n.° 9).

66.
    No caso vertente, uma vez que as duas cartas em questão contêm uma apreciação da denúncia apresentada à Comissão, a sua natureza jurídica não pode ser posta em causa apenas pela circunstância de tal apreciação provir apenas dos serviços da Comissão, sob pena de se retirar qualquer efeito útil ao disposto no artigo 3.° do Regulamento n.° 17 (acórdão BEUC e NCC/Comissão, já referido, n.° 38).

67.
    No que respeita ao argumento segundo o qual a recorrente aceitou o facto de as cartas de Março de 1991 e Fevereiro de 1993 constituírem observações preliminares, ao responder ao pedido de esclarecimentos que lhe dirigiu a Comissão em Outubro de 1994, deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, medidas puramente preparatórias não podem, como tais, ser objecto de recurso de anulação, mas as eventuais ilegalidades de que estejam viciadas podem ser invocadas em apoio do recurso do acto definitivo de que constituíram uma fase de elaboração (acórdão IBM/Comissão, já referido, n.° 12). Assim, para contestar a justeza da decisão de reabertura do processo, a recorrente devia esperar, tal como fez, a decisão adoptada no termo da instrução iniciada pelo pedido de esclarecimentos que a Comissão lhe dirigiu em Outubro de 1994. Só no fim desse processo é que a recorrente estava em condições de apreciar a justeza da decisão e, mais precisamente, a necessidade de uma reapreciação do processo, tendo em conta, nomeadamente, os novos elementos de facto e de direito eventualmente recolhidos e tomados em conta pela Comissão.

68.
    Deve, pois, considerar-se que as cartas da Comissão de 20 de Março de 1991 e 25 de Fevereiro de 1993 têm um conteúdo decisório e produzem efeitos jurídicos, na media em que dão conta de uma decisão de arquivamento da denúncia apresentada pela Stork, que se baseia numa análise do acordo, considerado como de importância económica limitada no plano comunitário.

69.
    Ficando, assim, esclarecida a natureza jurídica destas cartas, devem apreciar-se as consequências jurídicas das mesmas, a fim de verificar se, neste caso, a Comissão podia reabrir o processo administrativo e se podia, dessa forma, adoptar a decisão impugnada.

Quanto à decisão de reabertura do procedimento administrativo

70.
    Convém observar, a título liminar que, enquanto responsável da aplicação da política comunitária da concorrência, e nos limites das regras aplicáveis, a Comissão goza de um certo poder de apreciação quanto ao tratamento a dar às denúncias apresentadas nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17. Pode, nomeadamente, conferir graus de prioridade diferentes às denúncias que lhe são apresentadas e arquivar um processo, sem iniciar procedimentos destinados a provar eventuais violações do direito comunitário, após ter considerado que o referido processo não apresentava um interesse comunitário suficiente para proceder à instrução da denúncia (acórdão Automec II, já referido, n.os 73 a 77 e 83 a 85).

71.
    Entre as regras que delimitam este poder de apreciação da Comissão figuram os direitos processuais previstos pelos Regulamentos n.° 17 e n.° 99/63 a favor das pessoas que tenham apresentado uma denúncia à Comissão.

72.
    Por um lado, em conformidade com o artigo 3.° do Regulamento n.° 17 e com o artigo 6.° do Regulamento n.° 99/93, a Comissão deve examinar atentamente os elementos de facto e de direito levados ao seu conhecimento pela parte denunciante, a fim de apreciar se os referidos elementos mostram um comportamento susceptível de falsear o mecanismo da concorrência no interior do mercado comum e afectar o comércio entre Estados-Membros. Por outro lado, as pessoas que tenham apresentado uma denúncia à Comissão têm o direito de ser informadas dos fundamentos pelos quais a Comissão entende recusar a sua denúncia (v. acórdão Automec II, já referido, n.os 72 e 79).

73.
    Segundo uma jurisprudência constante, o alcance do dever de fundamentação depende da natureza do acto em causa e do contexto em que foi adoptado. A fundamentação deve evidenciar de forma clara e inequívoca o raciocínio seguido pela instituição, de forma a, por um lado, fornecer aos interessados uma indicação suficiente para saberem se o acto tem fundamento ou se está, eventualmente, afectado por um vício que permita contestar a sua validade e, por outro lado, permitir ao tribunal comunitário exercer o seu controlo da legalidade (acórdão do

Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão, T-213/95 e T-18/96, Colect. p. II-1739, n.° 226).

74.
    Convém também observar que a exigência de fundamentação suficientemente precisa dos actos, consagrada pelo artigo 190.° do Tratado, constitui um dos princípios fundamentais do direito comunitário cujo respeito compete ao juiz assegurar, se necessário suscitando oficiosamente a questão da violação dessa obrigação (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Julho de 1992, Dansk Pelsdyravlerforening/Comissão, T-61/89, Colect., p. II-1931, n.° 129).

75.
    Neste caso, a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela recorrida relativamente à acusação da recorrente baseada na deficiente fundamentação da decisão impugnada, na medida em que a mesma deveria ter exposto as razões da mudança de opinião relativamente à importância económica do acordo e à sua opção de proceder a uma reanálise aprofundada do processo, deve, por conseguinte, ser rejeitada.

76.
    No que toca ao mérito, deve recordar-se que, pelas cartas de 20 de Março de 1991 e de 25 de Fevereiro de 1993, a Comissão comunicou à recorrente a sua decisão de arquivar o processo em virtude da sua importância económica limitada no plano comunitário (v., supra, n.os 59 a 61). Ora, ao «reactivar o processo», através da decisão comunicada às partes na carta de 5 de Outubro de 1994, a Comissão recuou na sua posição anterior no que toca à importância económica do acordo no plano comunitário (v., supra, n.° 42).

77.
    Há que concluir que a fundamentação desta mudança de opinião não foi explicitada pela Comissão, nem resulta do contexto da decisão. Além disso, nos articulados e nas respostas verbais às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância quanto às razões da reabertura do processo, a Comissão declarou ter aberto o inquérito em 1994 na sequência do recurso da Serac e para evitar um processo contencioso. Não fez referência à razão fornecida nas suas cartas de 1991 e 1993 para arquivar o processo, a saber, a fraca importância económica do acordo.

78.
    Esta falta de fundamentação é tanto mais caracterizada quanto a obrigação de fundamentação, que deve ser apreciada em função das circunstâncias de cada caso concreto, é particularmente extensa no presente caso.

79.
    Com efeito, a Comissão já havia tomado uma decisão respeitante ao mesmo acordo, que tinha expirado em Agosto de 1992, muito antes da segunda carta da Comissão de 25 de Fevereiro de 1993 que confirmava o arquivamento do processo. Além disso, resulta dos autos que a decisão de arquivamento de que dão conta as cartas de 1991 e 1993 tinha sido tomada na sequência de diversos contactos entre a Comissão e as duas partes no acordo, no decurso dos quais a recorrida tinha podido apreender perfeitamente o ponto de vista de cada uma das partes.

80.
    Por conseguinte, é evidente que a decisão de reabertura do processo administrativo, que levou à adopção da decisão impugnada, não se baseia na existência ou conhecimento de elementos de facto ou de direito novos que justificassem uma reabertura do processo (neste sentido, v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 1998, Langnese-Iglo/Comissão, C-279/95 P, Colect., p. I-5609, n.° 30, e do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Junho de 1995, Langnese-Iglo/Comissão, T-7/93, Colect., p. II-1533, n.° 40).

81.
    Nestas circunstâncias, deve considerar-se que a recorrente não estava em condições de conhecer os fundamentos da decisão impugnada, que implicava que a Comissão, ao considerar que o processo tinha uma importância económica suficiente para justificar uma análise aprofundada dos serviços, tinha recuado na sua posição original.

82.
    Decorre do exposto que o primeiro fundamento da recorrente, na medida em que contesta a possibilidade de a Comissão tomar uma nova decisão sobre uma denúncia relativa a um processo que tinha sido arquivado anteriormente em razão da sua importância económica limitada no plano comunitário, sem que a reabertura do processo administrativo que conduziu a essa decisão tivesse sido devidamente fundamentada, nomeadamente com base em novos elementos, é procedente.

83.
    Nestas condições e sem que seja necessário analisar os outros fundamentos da recorrente, deve considerar-se que a decisão impugnada deve ser anulada.

84.
    Além disso, convém recordar que, segundo jurisprudência assente, uma vez que as cartas da administração comunicando o arquivamento, tais como as duas cartas da Comissão de 1991 e 1993, reflectem uma apreciação desta e concluem um procedimento de análise efectuado pelos seus serviços, as mesmas não têm por efeito impedir os órgãos jurisdicionais nacionais, em que se invoque a incompatibilidade dum acordo em causa com o artigo 85.°, de efectuarem, em função dos elementos de que dispõem, uma apreciação diferente do acordo em causa. Apesar de não vincular os órgãos jurisdicionais nacionais, a opinião comunicada nessas cartas constitui, no entanto, um elemento de facto que os órgãos jurisdicionais nacionais podem ter em conta na sua análise da conformidade do acordo ou comportamento em causa com o disposto no artigo 85.° do Tratado (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Dezembro de 1980, L'Oréal, 31/80, Recueil p. 3775, n.os 11 e 12).

85.
    Neste caso, os órgãos jurisdicionais nacionais perante os quais viesse a ser invocada a incompatibilidade do acordo com o artigo 85.° do Tratado teriam toda a discricionaridade, no âmbito da análise do acordo, para tomarem em conta, como elemento de facto, todo o processo que se desenrolou na Comissão.

Quanto às despesas

86.
    Por força do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida e tendo-o pedido a recorrente, há que condenar a Comissão nas suas próprias despesas, bem como nas suportadas pela recorrente, com excepção das causadas pela intervenção da Serac. Não tendo a recorrente pedido a condenação da Serac nas despesas causadas pela sua intervenção, a Serac suportará apenas as suas próprias despesas. A recorrente pagará as despesas em que incorreu no quadro da intervenção da Serac.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção),

decide:

1)    A decisão da Comissão contida na sua carta de 20 de Junho de 1997, que rejeita a denúncia apresentada pela recorrente, destinada a obter a declaração de incompatibilidade com o artigo 85.° do Tratado CE (actual artigo 81.° CE) de um acordo de cooperação entre a Stork Amsterdam BV e a Serac Group no domínio da comercialização de linhas completas de máquinas para a fabricação de garrafas de plástico e seu enchimento asséptico com produtos alimentares líquidos, é anulada.

2)    A Comissão suportará as suas próprias despesas, bem como as despesas suportadas pela recorrente, com excepção das causadas pela intervenção da Serac. A parte interveniente Serac suportará as suas próprias despesas. A recorrente suportará as despesas em que incorreu no quadro da intervenção da Serac.

Moura Ramos
Tiili
Mengozzi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Fevereiro de 2000.

O secretário

O presidente

H. Jung

V. Tiili


1: Língua do processo: neerlandês.