Language of document : ECLI:EU:T:2024:333

Processo T395/22

Hypo Vorarlberg Bank AG

contra

Conselho Único de Resolução

 Acórdão do Tribunal Geral (Oitava Secção Alargada) de 29 de maio de 2024

«União Económica e Monetária — União Bancária — Mecanismo Único de Resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento (MUR) — Fundo Único de Resolução (FUR) — Decisão do CUR relativa ao cálculo das contribuições ex ante para 2022 — Determinação do nível‑alvo anual do FUR — Limite máximo previsto no artigo 70.°, n.° 2, primeiro e quarto parágrafos, do Regulamento (UE) n.° 806/2014 — Artigo 291.°, n.° 2, TFUE — Artigo 70.°, n.° 7, do Regulamento n.° 806/2014 — Regulamento de Execução (UE) 2015/81 — Competências de execução atribuídas ao Conselho — Casos específicos devidamente justificados — Alcance das competências de execução — Limitação dos efeitos do acórdão no tempo»

1.      Atos das instituições — Regulamentos — Regulamentos de base e regulamentos de execução — Atribuição de uma competência de execução ao Conselho prevista no regulamento de base — Falta de justificação no referido regulamento — Ilegalidade

(Artigos 291.°, n.° 2, e 296.° TFUE; Regulamento n.° 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 70.°, n.° 7; Regulamento n.° 2015/81 do Conselho)

(cf. n.os 27, 28, 32, 34, 37, 39‑42)

2.      Política económica e monetária — Política económica — Mecanismo Único de Resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento — Contribuições ex ante para o Fundo Único de Resolução (FUR) — Competência de execução conferida ao Conselho — Método de cálculo destas contribuições previsto num regulamento de execução do Conselho — Alteração, pelo regulamento de execução, do método de cálculo previsto no regulamento de base — Limites de competência excedidos — Ilegalidade

(Regulamento n.° 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 70.°, n.os 1 e 2, segundo parágrafo; Regulamento 2015/81 do Conselho, artigo 8.°, n.° 1; Diretiva 2014/59 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 103.°)

(cf. n.os 61, 65, 66, 69‑72, 76, 77, 79, 82, 84)

3.      Política económica e monetária — Política económica — Mecanismo Único de Resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento — Contribuições ex ante para o Fundo Único de Resolução (FUR) — Limite máximo anual do montante cumulativo das contribuições individuais para o FUR fixado em 12,5 % do nívelalvo final — Âmbito de aplicação — Aplicação durante o período inicial

(Regulamento n.° 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 70.°, n.° 2, primeiro e quarto parágrafos)

(cf. n.os 98, 106)

4.      Política económica e monetária — Política económica — Mecanismo Único de Resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento — Contribuições ex ante para o Fundo Único de Resolução (FUR) — Limite máximo anual do montante global das contribuições individuais para ao FUR fixado em 12,5 % do nívelalvo final — Alcance — Limite máximo não excedido pelo Conselho Único de Resolução (CUR) — Critérios de apreciação — Abordagem dinâmica do nívelalvo final

(Regulamento n.° 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 69.°, n.° 1, e 70.°, n.° 2, primeiro e quarto parágrafos)

(cf. n.os 109, 113‑116)

Resumo

Chamado a conhecer de um recurso de anulação da decisão do Conselho Único de Resolução (CUR) que fixa as contribuições ex ante para o Fundo Único de Resolução (FUR) para o ano de 2022 (1), que julga procedente, o Tribunal Geral julga procedente a exceção de ilegalidade do artigo 70.°, n.° 7, do Regulamento n.° 806/2014 (2), com o fundamento de que esse regulamento não expõe as razões pelas quais a atribuição da competência de execução ao Conselho da União Europeia prevista nessa disposição, no que respeita às modalidades de cálculo das referidas contribuições, constitui um caso específico devidamente justificado na aceção do artigo 291.°, n.° 2, TFUE. Além disso, clarifica o alcance da referida competência, julgando procedente a exceção de ilegalidade do artigo 8.°, n.° 1, alínea g), do Regulamento de Execução 2015/81 (3).

A Hypo Vorarlberg Bank AG, a recorrente, é uma instituição de crédito com sede na Áustria. Em 11 de abril de 2022, o CUR adotou a decisão recorrida na qual fixou (4) as contribuições ex ante para 2022 para o FUR das instituições de crédito e de certas empresas de investimento, entre as quais a recorrente. Esta última pede a anulação da decisão recorrida na parte em que lhe diz respeito.

Apreciação do Tribunal Geral

Em primeiro lugar, o Tribunal Geral salienta, antes de mais, que o Regulamento n.° 806/2014 (5) não fornece nenhuma justificação quanto às razões pelas quais o legislador da União decidiu atribuir a competência de execução relativa à aplicação do método de cálculo das contribuições ex ante ao Conselho (a seguir «competência em causa»). Com efeito, este regulamento apenas menciona a finalidade e o conteúdo dos atos de execução a adotar, bem como a decisão de atribuir ao Conselho competência para os adotar, sem qualquer indicação sobre as razões pelas quais essa competência foi atribuída ao Conselho, e não à Comissão.

O Tribunal Geral sublinha, em seguida, que o Regulamento n.° 806/2014 não contém outros elementos de fundamentação suscetíveis de revelar as razões específicas que justificam essa atribuição. Além disso, embora seja possível, em certas circunstâncias, justificá‑la pelo contexto em que se insere, o Tribunal Geral constata, por um lado, que as partes não se basearam em nenhum elemento concreto decorrente do contexto da adoção do Regulamento n.° 806/2014 que fosse suscetível de revelar essas razões. Por outro lado, não existe nenhum elemento de fundamentação que figure no Regulamento n.° 806/2014 ou noutro ato legislativo da União suscetível de justificar a atribuição dessa competência ao Conselho, devido ao papel específico que esta instituição seria chamada a assumir no domínio do cálculo das contribuições ex ante. Por último, o Tribunal Geral rejeita o argumento que apresenta «razões políticas» como fundamento dessa atribuição de competência. Tal justificação não resulta do Regulamento n.° 806/2014 e não preenche, devido ao seu caráter geral, as exigências decorrentes da jurisprudência, na medida em que não é circunstanciada nem está relacionada com a natureza ou o conteúdo do Regulamento n.° 806/2014. Por conseguinte, o Tribunal Geral conclui que o Regulamento n.° 806/2014 não contém nenhuma justificação sobre a atribuição da competência em causa ao Conselho, e não à Comissão, e julga procedente a exceção de ilegalidade, declarando o artigo 70.°, n.° 7, do Regulamento n.° 806/2014 inaplicável ao caso em apreço por força do artigo 277.° TFUE. Consequentemente, o Regulamento de Execução 2015/81, que foi adotado pelo Conselho com base nesta disposição e de que a decisão impugnada constitui uma medida de aplicação, também não é aplicável ao caso em apreço.

Em segundo lugar, quanto à exceção de ilegalidade do artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento de Execução 2015/81, o Tribunal Geral constata, primeiro, que decorre da redação do Regulamento n.° 806/2014 (6), por um lado, que o método de cálculo da contribuição anual de base das instituições em causa se baseia na proporção do passivo líquido de cada instituição em causa com o total do passivo líquido de todas as instituições autorizadas «no território de todos os Estados‑Membros participantes». Assim, os dados de todas estas instituições são tidos em conta para efeitos do cálculo da contribuição ex ante de cada instituição, pelo menos no que respeita à sua primeira componente, a saber, a contribuição anual de base. Por outro lado, o método de cálculo instituído pelo Regulamento n.° 806/2014, e designadamente a regra que determina a base de dados a ter em conta para efeitos deste método, aplica‑se na sua totalidade a cada ano do período inicial, entre os quais o período de contribuição de 2022.

Ora, o próprio objetivo da «metodologia adaptada», introduzida pelo Regulamento de Execução 2015/81 (7), é estabelecer que uma parte das contribuições ex ante seja calculada, durante quase todo o período inicial, segundo uma base de dados diferente da prevista Regulamento n.° 806/2014. Assim, em conformidade com o Regulamento de Execução 2015/81, lido em conjugação com a Diretiva 2014/59 (8), para efeitos do cálculo de uma parte das contribuições ex ante para a esse período, apenas são tidos em conta os dados comunicados pelas instituições autorizadas no território do Estado‑Membro participante em causa, com exclusão dos dados comunicados pelas instituições autorizadas no território dos outros Estados‑Membros participantes, ao passo que o método de cálculo do Regulamento n.° 806/2014 tem precisamente em conta estes últimos dados para efeitos do cálculo da contribuição anual de base. Daqui resulta que o Regulamento de Execução 2015/81 altera o próprio fundamento do método de cálculo das contribuições ex ante previsto no Regulamento n.° 806/2014, alterando a base de dados a ter em conta no âmbito desse método. A consequência disso é que os montantes das contribuições ex ante das instituições, calculados segundo a «metodologia adaptada», são necessariamente diferentes dos que teriam resultado da aplicação do método do Regulamento n.° 806/2014. A amplitude desta alteração é acentuada pelo facto de dizer respeito a sete dos oito anos do período inicial, pelo que o referido método fica privado dos seus plenos efeitos durante a quase totalidade desse período.

Segundo, o Tribunal Geral sublinha que, quando a instituição em causa adota medidas de execução com base no artigo 291.°, n.° 2, TFUE, deve limitar‑se a especificar o ato de base sem alterar o seu conteúdo normativo. Assim, mesmo que o Conselho tivesse procurado, através da introdução da «metodologia adaptada», evitar distorções entre as estruturas do setor bancário dos Estados‑Membros (9), estava obrigado a respeitar os limites que se impunham à competência de execução que lhe tinha sido concedida, limitando‑se a especificar o método de cálculo do Regulamento n.° 806/2014.

Terceiro, o Tribunal Geral recorda que o cálculo das contribuições ex ante que alimentam o FUR é regulado pelo artigo 70.° do Regulamento n.° 806/2014, e não pelo artigo 103.° da Diretiva 2014/59, que tem por objeto as contribuições ex ante que alimentam os mecanismos nacionais de financiamento da resolução. É verdade que, em conformidade com o referido regulamento, o ajustamento adaptado ao risco das contribuições ex ante deve ser feito com base nos critérios estabelecidos pela Diretiva 2014/59. Além disso, segundo este regulamento, o Conselho adota os atos de execução «no âmbito dos atos delegados» adotados pela Comissão, ao abrigo da Diretiva 2014/59, para especificar o conceito de ajustamento das contribuições em proporção ao perfil de risco das instituições. No entanto, o Regulamento n.° 806/2014 apenas faz referência ao conceito de ajustamento das contribuições ex ante em proporção do perfil de risco previsto na Diretiva 2014/59. Neste contexto, mesmo que o Conselho devesse ter em conta este conceito de ajustamento das contribuições em proporção do perfil de risco e dos atos delegados adotados pela Comissão para precisar esse conceito, não resulta do Regulamento n.° 806/2014, nem da Diretiva 2014/59, nem dos referidos atos delegados que estava habilitado a introduzir um método de cálculo adaptado, no âmbito do qual uma parte das contribuições anuais de base fosse calculada com base nacional (10), a saber, a definida pela Diretiva 2014/59.

Quarto, o Tribunal Geral observa que nenhuma disposição do Regulamento n.° 806/2014, nem da Diretiva 2014/59, prevê nem habilita o Conselho a instituir um método de cálculo das contribuições ex ante baseado numa supressão gradual do método de cálculo com fundamento na base nacional, bem como a sua substituição progressiva pelo método com base na união (11). Embora o Conselho pudesse assim prosseguir o objetivo legítimo de evitar distorções entre as estruturas do setor bancário dos Estados‑Membros e embora não se exclua que a metodologia adaptada seja necessária para esse efeito, não é menos verdade que cabia ao legislador da União prever a substituição progressiva do método com fundamento na base nacional pelo método com base na união e, nesse caso, habilitar o Conselho a precisar as respetivas modalidades de aplicação num ato de execução. O Conselho não podia, portanto, prever tal transição sem exceder os limites que se impunham à sua competência de execução.

Por conseguinte, o Tribunal Geral declara que o Regulamento de Execução 2015/81 altera o conteúdo normativo do Regulamento n.° 806/2014 no que respeita ao método de cálculo das contribuições ex ante e considera que, ao adotar o artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento de Execução 2015/81, o Conselho excedeu as competências de execução atribuídas pelo Regulamento n.° 806/2014, lido em conjugação com o artigo 291.°, n.° 2, TFUE.

Tendo em conta os fundamentos de ilegalidade que viciam a decisão impugnada, o Tribunal Geral anula a decisão impugnada, na parte em que diz respeito à recorrente. No entanto, nas circunstâncias do caso em apreço, decide manter os efeitos da referida decisão até à entrada em vigor, num prazo razoável, que não pode exceder doze meses a contar do dia em que o presente acórdão se torna definitivo, das medidas necessárias à execução do acórdão.


1      Decisão SRB/ES/2022/18 do Conselho Único de Resolução, de 11 de abril de 2022, relativa ao cálculo das contribuições ex ante para 2022 para o Fundo Único de Resolução (a seguir «decisão impugnada»).


2      Regulamento (UE) n.° 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução bancária e que altera o Regulamento (UE) n.° 1093/2010 (JO 2014, L 225, p. 1).


3      Regulamento de Execução (UE) 2015/81 do Conselho, de 19 de dezembro de 2014, que especifica condições de aplicação uniformes do Regulamento (UE) n.° 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho no que se refere às contribuições ex ante para o Fundo Único de Resolução (JO 2015, L 15, p. 1).


4      Em conformidade com o artigo 70.°, n.° 2, do Regulamento n.° 806/2014.


5      V. considerando 114.


6      V. artigo 70.°, n.° 1, e n.° 2, segundo parágrafo, alínea a).


7      V. artigo 8.°, n.° 1.


8      Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento (JO 2014, L 173, p. 190) e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.° 1093/2010 e (UE) n.° 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2014, L 173, p. 190).


9      V. artigo 70.°, n.° 2, segundo parágrafo, alínea b), do Regulamento n.° 806/2014.


10      Trata‑se da base de dados comunicados pelas instituições autorizadas no território do Estado‑Membro participante em causa.


11      Trata‑se da base de dados comunicados por todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros participantes.