ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção
Alargada)
28 de Abril de 1999 (1)
«Concorrência Regulamento (CEE) n.° 4064/89 Decisão que declara uma
operação de concentração incompatível com o mercado comum Artigo 22.° do
Regulamento n.° 4064/89 Direito de defesa Acesso ao processo Posição
dominante»
No processo T-221/95,
Endemol Entertainment Holding BV, sociedade de direito neerlandês, com sede
em Zevenend (Países-Baixos), representada por Onno W. Brouwer e Peter
Wytinck, advogados no foro de Bruxelas, e por Martijn van Empel, advogado no
foro de Amsterdão, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do
advogado Jacques Loesch, 11, rue Goethe,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Wouter Wils, membro
do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no
Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço,
Centre Wagner, Kirchberg,
que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 96/346/CE da Comissão,
de 20 de Setembro de 1995, relativa a um processo de aplicação do Regulamento
(CEE) n.° 4064/89 do Conselho (IV/M.553 RTL/Veronica/Endemol) (JO 1996,
L 134, p. 32), que declarou incompatível com o mercado comum o acordo que
criou a empresa comum Holland Media Groep,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção Alargada),
composto por: P. Lindh, presidente, R. García-Valdecasas, K. Lenaerts, J. D.
Cooke e M. Jaeger, juízes,
secretário: H. Jung,
vistos os autos e após a audiência de 15 de Julho de 1998,
profere o presente
Acórdão
Quadro jurídico
- 1.
- O artigo 2.° do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro
de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (versão
rectificada no JO 1990, L 257, p. 13, que é a versão aplicável no caso em apreço,
a seguir «Regulamento n.° 4064/89»), estipula:
«1. As operações de concentração abrangidas pelo presente regulamento serão
apreciadas de acordo com as disposições que se seguem, com vista a estabelecer
se são ou não compatíveis com o mercado comum.
Nessa apreciação, a Comissão terá em conta:
a) A necessidade de preservar e desenvolver uma concorrência efectiva no
mercado comum, atendendo, nomeadamente, à estrutura de todos os
mercados em causa e à concorrência real ou potencial de empresas situadas
no interior ou no exterior da Comunidade;
b) A posição que as empresas em causa ocupam no mercado e o seu poder
económico e financeiro, as possibilidades de escolha de fornecedores e
utilizadores, o seu acesso às fontes de abastecimento e aos mercados de
escoamento, a existência, de direito ou de facto, de barreiras à entrada no
mercado, a evolução da oferta e da procura dos produtos e serviços em
questão, os interesses dos consumidores intermédios e finais, bem como a
evolução do progresso técnico e económico, desde que tal evolução seja
vantajosa para os consumidores e não constitua um obstáculo à
concorrência.
2. Devem ser declaradas compatíveis com o mercado comum as operações de
concentração que não criem ou não reforcem uma posição dominante de que
resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou
numa parte substancial deste.
3. Devem ser declaradas incompatíveis com o mercado comum as operações de
concentração que criem ou reforcem uma posição dominante de que resultem
entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte
substancial deste.»
- 2.
- O artigo 3.°, n.° 1, dispõe:
«Realiza-se uma operação de concentração:
a) Quando duas ou mais empresas anteriormente independentes se fundem;
ou
b) Quando:
uma ou mais pessoas, que já detêm o controlo de pelo menos uma empresa,
ou
uma ou mais empresas
adquirem directa ou indirectamente, por compra de partes de capital ou de
elementos do activo, por via contratual ou por qualquer outro meio, o controlo do
conjunto ou de partes de uma ou de várias outras empresas.»
- 3.
- O artigo 3.°, n.° 3, dispõe:
«Para efeitos da aplicação do presente regulamento, o controlo decorre dos
direitos, contratos ou outros meios que conferem, isoladamente ou em conjunto,
e tendo em conta as circunstâncias de facto e de direito, a possibilidade de exercer
uma influência determinante sobre a actividade de uma empresa e, nomeadamente:
a) Direitos de propriedade ou de uso ou de fruição sobre a totalidade ou parte
dos activos de uma empresa;
b) Direitos ou contratos que conferem uma influência determinante na
composição, nas deliberações ou nas decisões dos órgãos de uma empresa.»
- 4.
- O artigo 8.°, n.° 2, prevê:
«Quando verifique que uma operação de concentração notificada, eventualmente
depois de lhe terem sido introduzidas alterações pelas empresas em causa,
corresponde ao critério definido no n.° 2 do artigo 2.°, a Comissão tomará uma
decisão declarando a compatibilidade da concentração com o mercado comum.
A Comissão pode acompanhar a sua decisão de condições e obrigações destinadas
a garantir que as empresas em causa respeitem os compromissos assumidos
perante a Comissão com vista a alterarem o projecto inicial de concentração. A
decisão que declara a concentração compatível abrange igualmente as necessárias
restrições directamente relacionadas com a realização da concentração.»
- 5.
- Nos termos do artigo 8.°, n.° 3:
«Quando verifique que uma operação de concentração corresponde ao critério
definido no n.° 3 do artigo 2.°, a Comissão tomará uma decisão declarando a
concentração incompatível com o mercado comum.»
- 6.
- O artigo 11.° estipula:
«1. No exercício das competências que lhe são atribuídas pelo presente
regulamento, a Comissão pode obter todas as informações necessárias junto dos
Governos, das autoridades competentes dos Estados-Membros, das pessoas
referidas no n.° 1, alínea b), do artigo 3.°, bem como das empresas e associações
de empresas.
2. Sempre que a Comissão formular um pedido de informações a uma pessoa,
empresa ou associação de empresas, enviará simultaneamente cópia do pedido à
autoridade competente do Estado-Membro em cujo território se situe o domicílio
da pessoa ou a sede da empresa ou da associação de empresas.
3. No seu pedido, a Comissão indicará os fundamentos jurídicos e o objecto do
pedido, bem como as sanções previstas no n.° 1, alínea c), do artigo 14.° no caso
de serem prestadas informações inexactas.
4. São obrigados a fornecer as informações solicitadas, no que diz respeito às
empresas, os seus proprietários ou os seus representantes e, no caso de pessoas
colectivas, de sociedades ou de associações sem personalidade jurídica, as pessoas
encarregadas de as representar, legal ou estatutariamente.
5. Se uma pessoa, empresa ou associação de empresas não prestar as informações
solicitadas no prazo fixado pela Comissão ou se as fornecer de modo incompleto,
a Comissão solicitá-las-á por via de decisão. A decisão especificará as informações
exigidas, fixará um prazo adequado para a prestação das informações e indicará as
sanções previstas no n.° 1, alínea c), do artigo 14.° e no n.° 1, alínea a), do artigo
15.° bem como a possibilidade de recurso da decisão para o Tribunal de Justiça.
6. A Comissão enviará simultaneamente cópia da sua decisão à autoridade
competente do Estado-Membro em cujo território se situe o domicílio da pessoa
ou a sede da empresa ou da associação de empresas.»
- 7.
- Nos termos do artigo 19.°, n.° 2:
«A Comissão conduzirá os processos referidos no presente regulamento em ligação
estreita e constante com as autoridades competentes dos Estados-Membros, que
estão habilitados a formular quaisquer observações sobre esses processos [...]».
- 8.
- O artigo 22.°, n.° 3, dispõe:
«Se se verificar, a pedido de um Estado-Membro, que uma operação de
concentração, tal como definida no artigo 3.°, mas sem dimensão comunitária na
acepção do artigo 1.°, cria ou reforça uma posição dominante, dando assim origem
a entraves significativos a uma concorrência efectiva no território do
Estado-Membro em questão, a Comissão pode, na medida em que essa
concentração afecte o comércio entre Estados-Membros, tomar as decisões
previstas nos n.° 2, segundo parágrafo, e n.os 3 e 4 do artigo 8.°»
Factos na origem do litígio
- 9.
- Através da Decisão 96/346/CE, de 20 de Setembro de 1995, relativa a um processo
de aplicação do Regulamento n.° 4064/89 (IV/M.553 RTL/Veronica/Endemol)
(JO 1996, L 134, p. 32, a seguir «decisão recorrida»), adoptada nos termos do
artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, a Comissão declarou incompatível
com o mercado comum a operação de concentração sob a forma de criação da
empresa comum Holland Media Groep (a seguir «concentração»).
- 10.
- As partes nessa concentração eram a Compagnie luxembourgeoise de télédiffusion
SA (a seguir «CLT»), a NV Verenigd Bezit VNU (a seguir «VNU»), a RTL 4 SA
(a seguir «RTL»), a Endemol Entertainment Holding BV (a seguir «Endemol»)
e a Veronica Omroep Organisatie (a seguir «Veronica»).
- 11.
- A CLT é uma sociedade de radiodifusão de direito luxemburguês que se dedica a
actividades de rádio, televisão, edição e afins em diversos mercados nacionais.
- 12.
- A VNU é uma sociedade de direito neerlandês que exerce a sua actividade no
domínio da edição de produtos de comunicação social destinados aos consumidores
e profissionais e de bases de dados. Possui partes do capital de sociedades de
radiodifusão, entre as quais uma parte minoritária indirecta de 44,4% no capital
do radiodifusor comercial belga VTM e uma parte indirecta de 38% no capital da
RTL.
- 13.
- A RTL é uma empresa de direito luxemburguês que fornece programas de
televisão e de rádio, parcialmente em língua neerlandesa. Esses programas são
transmitidos pela CLT, que possui directa e indirectamente 47,27% do capital
social da RTL. A CLT controla a RTL, que possuía 51% do capital da Holland
Media Groep (a seguir «HMG»).
- 14.
- A Veronica é uma associação de direito neerlandês que, até Setembro de 1995,
desenvolveu a sua actividade no mercado neerlandês da televisão e da rádio
enquanto organismo público de radiodifusão. A Veronica era um dos quatro
organismos públicos de radiodifusão cujos programas eram transmitidos no canal
público «Nederland 2». Em 1 de Setembro de 1995, a Veronica abandonou o
sistema público de radiodifusão para se tornar num canal de televisão comercial.
- 15.
- A Endemol é uma sociedade de direito neerlandês criada em 1994 pela fusão entre
J. E. Entertainment BV e a John de Mol Communications BV. As actividades da
Endemol estão centradas nos Países-Baixos, mas a sociedade tem outros
estabelecimentos na Europa. As actividades principais da Endemol são a produção
de programas televisivos, a exploração de estúdios de televisão, a exploração de
formatos televisivos (quer dizer, conceitos originais de programas, susceptíveis de
reprodução), a produção e exploração de programas de teatro e a organização de
manifestações culturais.
- 16.
- Apenas para efeitos da concentração, a Veronica e a Endemol criaram a Veronica
Media Groep (a seguir «VMG»), uma sociedade de direito neerlandês de que
possuem respectivamente 53% e 47% do capital social. A VMG possui 49% das
acções da HMG.
- 17.
- O objectivo da concentração era criar a HMG, cuja actividade consistia em
fornecer programas de televisão e rádio ou «pacotes» desses programas,
transmitidos por ela própria, pela CLT, pela Veronica ou por outras sociedades nos
Países-Baixos e no Luxemburgo. Todas as actividades de rádio e televisão das
partes destinadas aos Países-Baixos foram transferidas para a HMG. Os activos
transferidos pela RTL incluíam os canais de televisão RTL 4 e RTL 5 e outros
activos com eles relacionados, bem como o seu canal de rádio de música rock. A
RTL cedeu igualmente à HMG o direito («concessão») de beneficiar da licença
de radiodifusão da CLT, as suas actividades em matéria de fornecimento de
programas e de pacotes de programas de rádio e de televisão (principalmente em
neerlandês) para transmissão nos Países-Baixos e no Luxemburgo, bem como a sua
participação de 50% no capital da IPN SA (a seguir «IPN»), a agência de
publicidade que vende o espaço publicitário para os canais RTL 4 e RTL 5. Os
activos transferidos pela Veronica e pela Endemol incluíam o canal de televisão
Veronica e activos com ele relacionados e as actividades de rádio de Endemol (ou
seja o canal de rádio Holland FM).
- 18.
- A Endemol e a HMG celebraram igualmente um acordo de produção por um
período de dez anos, correspondente às necessidades de produção da HMG para
os seus três canais. Nos termos desse acordo, a Endemol comprometia-se a cobrir
60% das necessidades da HMG relativamente às produções em língua neerlandesa.
Em contrapartida, a HMG comprometia-se a comprar à Endemol 60%, em termos
de valor, dos programas específicos de que teria necessidade. A HMG beneficiava,
além disso, de um direito de preferência relativamente aos artistas e aos novos
formatos lançados, comprados ou descobertos pela Endemol.
- 19.
- Em 19 de Abril de 1995, o Governo neerlandês enviou uma carta à Comissão, nos
termos do artigo 22.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, solicitando-lhe que
examinasse a concentração, referida como não tendo dimensão comunitária.
- 20.
- Em 22 de Maio de 1995, a Comissão adoptou uma decisão nos termos do artigo
6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 4064/89, dando início à segunda fase do
processo previsto por este regulamento.
- 21.
- Uma vez que o início de um processo nos termos do artigo 22.° do Regulamento
n.° 4064/89 não tem o habitual efeito suspensivo previsto no artigo 7.°, n.° 1, do
referido regulamento, as partes puderam efectuar a concentração nas condições
expostas no n.° 17 supra. Assim, a partir de 1 de Setembro de 1995, os programas
da RTL 4 e da RTL 5 passaram a ser transmitidos no âmbito da autorização de
emissão concedida à CLT pelas autoridades luxemburguesas. Os programas da
Veronica passaram a ser transmitidos no âmbito de uma autorização para emitir
programas comerciais concedida pelas autoridades neerlandesas.
- 22.
- Em 20 de Setembro de 1995, a Comissão adoptou a decisão recorrida, declarando
incompatível com o mercado comum o acordo relativo à criação da empresa
comum HMG, porque a concentração levaria à criação de uma posição dominante
no mercado neerlandês da publicidade televisiva e ao reforço da posição dominante
da Endemol no mercado neerlandês da produção televisiva independente em língua
neerlandesa, posição susceptível de perturbar de modo significativo a existência de
uma concorrência efectiva nos Países-Baixos.
- 23.
- Ao mesmo tempo, a Comissão convidou as partes a proporem medidas adequadas
no prazo de três meses a contar da data da notificação da decisão recorrida, por
forma a restabelecer, nos Países-Baixos, a concorrência efectiva nos mercados da
publicidade televisiva e da produção independente neerlandesa de programas
televisivos.
Tramitação processual, acontecimentos posteriores à interposição do recurso e
pedidos das partes
- 24.
- Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 4 de
Dezembro de 1995, todas as partes na concentração interpuseram o presente
recurso.
- 25.
- Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em
7 de Maio de 1996, as recorrentes explicaram que estavam em curso negociações
com os serviços da Comissão para chegar a um acordo sobre uma concentração
alterada que a Comissão poderia aprovar como compatível com o mercado comum.
- 26.
- Pela decisão 96/649/CE da Comissão, de 17 de Julho de 1996, relativa a um
processo nos termos do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 (Processo IV/M.553
RTL/Veronica/Endemol) (JO L 294, p. 14), a operação de concentração, após a
sua alteração pelas partes, foi declarada compatível com o mercado comum, sem
prejuízo do cumprimento integral das condições e obrigações contidas nos
compromissos contraídos pelas partes. Essas condições, expostas nos décimo
primeiro e décimo segundo considerandos dessa decisão, eram os seguintes:
a) A Endemol pôs termo à sua participação no capital da HMG; por
conseguinte, a Endemol deixou de ser accionista da HMG; segundo o
acordo de concentração recentemente concluído, a RTL fica com 65% e a
Veronica com 35% do capital da HMG;
b) Em 1 de Janeiro de 1997, a HMG devia pôr termo à exploração da RTL
5 enquanto canal de carácter geral e transformá-la em canal de notícias (ou
seja, um canal de televisão basicamente limitado à emissão de notícias e de
outros programas de informação), segundo as condições previstas num
projecto de plano de actividades apresentado pela HMG à Comissão em 1
de Maio de 1996. De acordo com este plano de actividades, esse canal
deveria operar no futuro como um canal de televisão por assinatura cujas
receitas proviriam na sua maior parte das assinaturas dos telespectadores
e das empresas de distribuição por cabo. Mediante pedido das partes, a
Comissão poderia prorrogar, por três meses, o prazo para a transformação
da RTL 5 num canal de notícias, se tal se revelasse absolutamente
necessário para as partes procederem a tal transformação. Num período de
cinco anos a contar da adopção da decisão, a HMG não devia alterar as
características fundamentais deste canal de notícias nem desviar-se
sensivelmente do plano de actividades sem a aprovação prévia da Comissão.
- 27.
- Esta decisão foi notificada às partes por carta de 25 de Julho de 1996.
- 28.
- Em consequência desta decisão, a Veronica, a RTL, a CLT e a VNU desistiram
da instância no presente processo, por carta apresentada na Secretaria do Tribunal
de Primeira Instância em 11 de Setembro de 1996.
- 29.
- Por despacho do presidente da Quarta Secção Alargada, de 7 de Outubro de 1996,
a desistência foi aceite e a Veronica, a RTL, a CTL e o VNU foram condenadas
a suportar as suas despesas, bem como quatro quintos das despesas suportadas
pela recorrida até à desistência.
- 30.
- Deste modo, a Endemol é única recorrente do presente processo.
- 31.
- Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal decidiu iniciar a fase
oral do processo sem instrução. Todavia, a recorrente e a Comissão foram
convidadas, em 17 de Junho de 1998, a responder a certas perguntas escritas e a
apresentar determinados documentos. A recorrente e a Comissão responderam às
perguntas formuladas e juntaram aos autos os documentos solicitados em 6 de
Julho de 1998.
- 32.
- Em resposta a perguntas formuladas pelo Tribunal, a recorrente declarou em 6 de
Julho de 1998 que renunciava a dois argumentos apresentados no âmbito do seu
quarto fundamento, um deles relativo à posição da HMG no mercado da
radiodifusão televisiva e o outro à posição dominante da HMG no mercado da
publicidade televisiva.
- 33.
- Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas do Tribunal
na audiência de 15 de Julho de 1998.
- 34.
- A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
anular a decisão recorrida;
condenar a Comissão nas despesas.
- 35.
- A Comissão conclui que o Tribunal se digne:
negar provimento ao recurso;
condenar a recorrente nas despesas.
Quanto ao mérito
- 36.
- A recorrente invoca quatro fundamentos em apoio do seu recurso. O primeiro é
relativo à falta de competência da Comissão para adoptar a decisão recorrida, na
medida em que esta apenas estava autorizada a investigar no mercado da
publicidade televisiva e não no mercado da produção televisiva. O segundo
fundamento é relativo à violação do direito de defesa, na medida em que a
recorrente alega ter tido um acesso insuficiente ao processo. Os terceiro e quarto
fundamentos são, respectivamente, relativos à violação de formalidades essenciais
e à violação dos artigos 2.° e 3.° do Regulamento n.° 4064/89.
1. Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de competência da Comissão
Argumentos das partes
- 37.
- A recorrente alega que a Comissão apenas estava autorizada a investigar no
mercado da publicidade televisiva e não no mercado da produção televisiva. A
competência da Comissão em relação às concentrações sem dimensão comunitária
está subordinada a um pedido de um Estado-Membro, nos termos do artigo 22.°,
n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89. No caso em apreço, o Governo neerlandês
pediu à Comissão que examinasse a concentração no que diz respeito ao mercado
da publicidade televisiva. Daqui resulta que a Comissão só podia investigar esse
mercado, não podendo, por sua própria iniciativa, alargar o inquérito.
- 38.
- A limitação do pedido ao mercado da publicidade televisiva foi expressamente
invocada pelo Governo neerlandês, não apenas na sua carta de 19 de Abril de 1995
mas também na nota explicativa que acompanhou essa carta, a qual precisava que
as possíveis repercussões no mercado da publicidade televisiva tinham levado o
Governo neerlandês a pedir o exame dessa concentração face ao Regulamento
n.° 4064/89.
- 39.
- A Comissão alega que o artigo 22.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 foi adoptado
para assegurar um controlo efectivo das concentrações quando um Estado-Membro
não dispõe de uma regulamentação para esse efeito. Assim, a referida disposição
permite a um Estado-Membro solicitar à Comissão que examine um processo
quando as soluções nacionais não são suficientes para impedir o impacto
anticoncorrencial resultante de uma concentração.
- 40.
- Esta disposição, longe de permitir a um Estado-Membro submeter ao exame da
Comissão apenas um aspecto específico de uma concentração, implica, pelo
contrário, um exame global da concentração. Após esse pedido, a Comissão deve
examinar a concentração como se ela tivesse dimensão comunitária. As
competências de que goza a este respeito seriam inapropriadas se se esperasse que
o Estado-Membro em causa já tivesse identificado no seu pedido o problema de
concorrência que exige uma solução.
- 41.
- A Comissão acrescenta que, no caso em apreço, o Governo neerlandês não limitou
o seu pedido ao mercado da publicidade televisiva. Resulta claramente da carta
enviada pelo Governo neerlandês à Comissão que a esta foi pedido que examinasse
a compatibilidade da concentração, na sua globalidade, com o Regulamento
n.° 4064/89. O Governo neerlandês observou simplesmente que, em sua opinião,
a concentração não reforçava de modo significativo a posição das partes num
sector diferente do do mercado da publicidade televisiva e que o pedido que faziaà Comissão era fundamentado pelas suas preocupações a este respeito. Do mesmo
modo, nada na nota explicativa que acompanhava a carta à Comissão sugeria que
ele pedia à Comissão que apenas investigasse no mercado da publicidade televisiva.
Apreciação do Tribunal
- 42.
- O artigo 22.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 prevê, essencialmente, que a
Comissão pode, a pedido de um Estado-Membro, examinar se uma concentração
sem dimensão comunitária é compatível com o regulamento. O exame da Comissão
é limitado unicamente pelos termos do artigo 22.° Assim, a título de exemplo, o seu
n.° 5 determina que a Comissão se limitará a tomar as medidas necessárias para
preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva no território do
Estado-Membro a pedido do qual a Comissão interveio. Em contrapartida, o artigo
22.° não dá qualquer poder ao Estado-Membro para controlar o decurso do exame
da Comissão após lhe ter deferido a concentração em questão, nem delimitar o
âmbito de investigação da Comissão a este respeito.
- 43.
- Além disso, resulta claramente dos autos que o Governo neerlandês não procurou
restringir o exame da concentração em causa pela Comissão, contrariamente ao
que sustenta a recorrente.
- 44.
- Assim, a carta de 19 de Abril de 1995 que o Governo neerlandês enviou à
Comissão refere que ele esperava que a Comissão examinasse a concentração na
sua globalidade, e não apenas um aspecto desta. O primeiro parágrafo da carta
tem a seguinte redacção:
«Fazendo referência ao artigo 22.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, solicito a
V. Exas., em nome do Governo neerlandês, que examinem se a 'joint venture
entre a RTL, a CLT, a VNU, a Veronica e a Endemol é compatível com o
regulamento relativo ao controlo das concentrações.»
- 45.
- Resulta igualmente do terceiro parágrafo dessa carta que, embora o Governo
neerlandês quisesse chamar a atenção da Comissão em especial para o mercado
da publicidade televisiva, todavia não procurou delimitar o alcance da investigação
da Comissão. Esse parágrafo tem a seguinte redacção:
«O Governo neerlandês crê que a associação assumirá a forma de uma
concentração (...) O Governo neerlandês considera que é desejável examinar
melhor a questão de saber se a concentração pode levar à criação ou ao reforço
de uma posição dominante que tenha a consequência de a concorrência efectiva
ser perturbada de modo significativo no mercado da publicidade televisiva no
território neerlandês.»
- 46.
- Esta conclusão é reforçada pelo facto de, no seu parecer de 5 de Setembro de 1995
relativo ao anteprojecto da decisão recorrida, exigido pelo artigo 19.° do
Regulamento n.° 4064/89, o Comité Consultivo ter sustentado a opinião da
Comissão segundo a qual o seu exame devia ser relativo à concentração na sua
globalidade e não apenas a aspectos específicos desta. O parecer do Comité foi
unânime quanto a este aspecto, tendo o representante neerlandês dado a sua
concordância.
- 47.
- Decorre das considerações precedentes que o primeiro fundamento deve ser
rejeitado por improcedente.
2. Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do direito de defesa
Argumentos das partes
- 48.
- A recorrente alega que a Comissão, tendo em conta o modo como tratou o seu
direito de acesso ao processo, violou o seu direito de defesa.
- 49.
- O direito de defesa compreende o direito de as empresas interessadas terem acesso
aos documentos invocados pela Comissão, a fim de estarem em condições de
apresentar as suas observações quanto à sua veracidade e à sua pertinência. A
Comissão tem a obrigação de tornar acessível às empresas implicadas num
processo para aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado o conjunto dos
documentos contra e a favor que recolheu no decurso das diligências de instrução,
com a ressalva dos segredos comerciais de outras empresas, documentos internos
da Comissão e outras informações confidenciais (acórdão do Tribunal de Primeira
Instância de 18 de Dezembro de 1992, Cimenteries CBR e o./Comissão, T-10/92,
T-11/92, T-12/92 e T-15/92, Colect., p. II-2667, n.° 41).
- 50.
- Embora essa jurisprudência tenha sido elaborada nos processos relativos aos
procedimentos destinados à aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado, a
recorrente sustenta que o princípio da protecção do direito de defesa, aplicado aos
procedimentos iniciados nos termos do Regulamento (CE) n.° 4064/89, não pode
traduzir-se por um direito de acesso aos documentos do processo da Comissão que
seja de menor importância. Com efeito, o artigo 18.° do Regulamento n.° 4064/89,
da mesma forma que o artigo 13.° do Regulamento (CE) n.° 3384/94 da Comissão,
de 21 de Dezembro de 1994, relativo às notificações, prazos e audições previstos
no Regulamento (CEE) n.° 4064/89 (JO L 377, p. 1, a seguir «Regulamento
n.° 3384/94», regulamento de execução em vigor na altura dos factos), contém
disposições relativas ao direito de ser ouvido que são idênticas às do artigo 19.°,
n.° 1, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro
Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204;
EE 08 F1 p. 22) e às do artigo 4.° do Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de
25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.° do
Regulamento n.° 17 (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62, a seguir
«Regulamento n.° 99/63»). Assim, é claro que a jurisprudência citada é plenamente
aplicável aos procedimentos previstos pelo Regulamento n.° 4064/89.
- 51.
- A recorrente alega que o processo a que as partes na concentração tiveram acesso
era manifestamente incompleto, principalmente porque a Comissão tinha
substituído numerosos documentos apresentados pelas partes interessadas no
mercado por resumos não confidenciais que não indicavam a identidade das
referidas partes. A Comissão recusou mesmo divulgar a identidade das empresas
que não solicitaram a confidencialidade, porque isso permitiria às partes concluir
quais eram as outras sociedades. A recorrente admite que esta posição poderia ser
defensável em relação ao primeiro questionário aos produtores independentes da
Comissão, que foi enviado a cinco produtores independentes de programas
televisivos, mas que é dificilmente compreensível quanto ao segundo questionário
geral, enviado a todos os outros produtores independentes que figuravam no
Nederlands Omroep Handboek 1994/1995 (manual do serviço da radiodifusão e
televisão neerlandesa, a seguir «Handboek»).
- 52.
- Esses resumos não confidenciais apresentavam, por não conterem indicação da
identidade das sociedades que responderam, uma visão enganadora das condições
do mercado, e a recorrente não estava em condições de responder às alegações
sem conhecer a identidade dessas sociedades.
- 53.
- A recorrente queixa-se também do facto de o índice apresentado com os
documentos a que as partes na concentração tiveram acesso não indicar a sua
natureza nem o seu conteúdo. Considera que as indicações que nele figuravam
deveriam fornecer informações suficientemente precisas para lhes permitir
determinar se os documentos descritos podiam ser importantes para a sua defesa.
- 54.
- Alega que não tiveram acesso às respostas de um produtor independente, a IDTV,
à qual foi enviado um questionário específico pela Comissão. Além disso, não foi
enviado nenhum questionário à D & D Productions International BV, a filial
neerlandesa da sociedade de produção belga D & D, nem à Sleeswijk
Entertainment BV, que foi adquirida pela D & D.
- 55.
- A recorrente alega que a Comissão recolheu novos documentos depois de as partes
na concentração terem tido acesso ao processo e que estas nunca disso foram
informadas nem nunca tiveram oportunidade de ver esses documentos. Com efeito,
a conclusão da Comissão, segundo a qual a produção interna dos radiodifusores
públicos era essencialmente destinada ao seu uso próprio, só pode explicar-se pela
circunstância de ela ter recolhido informações depois da audição. A admitir que
essa conclusão tenha sido fundamentada em informações prestadas pelas partes na
concentração, o que é menos provável, ela estaria então viciada por um manifesto
erro material.
- 56.
- A recorrente queixa-se, além disso, do facto de as respostas terem sido recolhidas
pela Comissão pelo telefone, sem nunca terem sido apresentadas às partes na
concentração. Deste modo, a recorrente nunca esteve em condições de dar a sua
opinião sobre essas informações. Por outro lado, uma vez que essas informações
são de qualquer modo inverificáveis, não deveriam ter sido utilizadas pela
Comissão. A recolha das informações pelo telefone vai contra os princípios
fundamentais do direito de defesa nos processos de concorrência. Não só essas
informações podem ter sido mal compreendidas, como nenhum texto jurídico
obriga a pessoa interrogada a dar números exactos, contrariamente a um pedido
de informações que contenha um aviso claro quanto às sanções em que se incorre
no caso de informações não exactas. Além disso, é manifestamente contrária ao
texto comunitário e à vontade do legislador e constitui, de facto, uma recusa, por
parte da Comissão, de aplicar o direito comunitário. As dificuldades práticas
encontradas pela Comissão não a podem liberar da sua obrigação de aplicar o
Regulamento n.° 4064/89.
- 57.
- A Comissão admite que os princípios que regem o acesso ao processo no âmbito
dos procedimentos levados a cabo nos termos dos artigos 85.° e 86.° do Tratado
devem igualmente ser aplicados no âmbito dos procedimentos levados a cabo nos
termos do Regulamento n.° 4064/89. Todavia, recorda que, estando as decisões
relativas a operações de concentração sujeitas a um calendário muito estrito
destinado a proteger os interesses das partes implicadas nessas operações, a sua
aplicação concreta deve conciliar a protecção do direito de defesa das partes com
o interesse público, mais lato, de que as concentrações sejam sujeitas a um efectivo
exame.
- 58.
- O acesso aos resumos das respostas aos questionários enviados aos produtores
independentes foi suficiente para permitir à recorrente contestar os elementos de
prova recolhidos, uma vez que revelavam claramente a opinião de terceiros sobre
as consequências prováveis da concentração. A credibilidade dessas opiniões não
é afectada pela identidade das pessoas que as emitiram. O importante é que elas
ilustram as preocupações dos operadores presentes no mercado da produção e a
força da argumentação desenvolvida em apoio das suas opiniões. Assim, a própria
recorrente estava em condições de responder a qualquer alegação feita por um
terceiro com que não estivesse de acordo.
- 59.
- A Comissão explica que, a fim de cumprir a sua missão de interesse público que
consiste em controlar as concentrações, deve estar em condições de obter opiniões
francas e exaustivas por parte de terceiros potencialmente afectados. Deve
igualmente poder garantir que será reservado um tratamento confidencial aos seus
comentários (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Abril de 1993,
BPB Industries e British Gypsum/Comissão, T-65/89, Colect., p. II-389, n.° 33,
confirmado pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Abril de 1995, BPB
Industries e British Gypsum/Comissão, C-310/93 P, Colect., p. I-865, n.os 26 e 27).
- 60.
- A circunstância de não terem sido recebidas todas as respostas aos questionários
enviados no momento em que a recorrente teve acesso ao processo não diminui
o valor das provas em que a Comissão se apoiou. A maior parte dos mais
importantes produtores independentes que figuram no Handboek responderam ao
questionário que lhes foi enviado, de modo que as respostas que a Comissão
dispunha no momento em que procedeu à comunicação das acusações
representavam as opiniões dos operadores mais importantes no mercado da
produção televisiva em língua neerlandesa.
- 61.
- A Comissão sublinha que o índice dava às partes informações gerais sobre a
natureza das informações que tinham sido recolhidas.
- 62.
- Além disso, explica que as partes tiveram efectivamente acesso às respostas da
IDTV e da D & D, através de resumos não confidenciais.
- 63.
- A Comissão confirma que não foi por ela obtida qualquer prova documental depois
de 26 de Julho de 1995, data em que as partes consultaram o processo. No entanto,
é verdade que os produtores independentes que não tinham respondido aos
questionários foram contactados pelo telefone depois dessa data. Esse facto foi
comunicado às partes aquando das audições, mas elas não solicitaram o acesso às
informações complementares assim recolhidas. Essas informações eram apenas
respeitantes ao número de horas de programas de televisão produzidas pela
empresa questionada e ao valor em florins desses programas. Dado que as
informações eram de tal ordem que apenas as empresas interrogadas podiam
conhecê-las com precisão, revelá-las às partes não lhes permitiria contestá-las. Por
conseguinte, mesmo que tivesse sido cometido um erro processual, o que é
contestado pela Comissão, esse erro não teria prejudicado a recorrente.
- 64.
- Por último, a Comissão explica que o recurso ao procedimento do artigo 11.°, n.° 5,
do Regulamento n.° 4064/89 seria desproporcionado num processo como o ora
vertente, em que a maior parte das empresas em causa são muito pequenas. Assim,
foi de modo apropriado que a Comissão completou com inquéritos telefónicos as
respostas escritas que tinha recebido.
Apreciação do Tribunal
Quanto ao acesso aos resumos não confidenciais
- 65.
- Decorre da jurisprudência que a possibilidade de acesso ao processo nos processos
de concorrência tem como objectivo permitir aos destinatários de uma
comunicação de acusações tomar conhecimento dos elementos de prova que
constam do processo da Comissão, a fim de poderem pronunciar-se eficazmente
sobre as conclusões a que a Comissão chegou, na sua comunicação de acusações,
com base nesses elementos. O direito de acesso ao processo justifica-se pela
necessidade de garantir às empresas em causa a possibilidade de se defenderem
eficazmente das acusações contra elas formuladas na comunicação de acusações
(acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, já referido, n.° 38).
- 66.
- Todavia, resulta igualmente da jurisprudência que o acesso a certos documentos
pode ser recusado, o que sucede nomeadamente com os documentos, ou parte
deles, que contenham segredos comerciais de outras empresas, os documentos
internos da Comissão, as informações que permitam identificar os denunciantes que
desejam que a sua identidade não seja revelada, assim como as informações
comunicadas à Comissão sob reserva do respeito do seu carácter confidencial
(acórdão de 1 de Abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, já
referido, n.° 29, confirmado pelo acórdão de 6 de Abril de 1995, BPB Industries e
British Gypsum/Comissão, já referido, n.os 26 e 27).
- 67.
- O Tribunal já declarou que, embora as empresas tenham direito à protecção dos
seus segredos de negócios, este direito deve ser equilibrado com a garantia dos
direitos da defesa (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de
1995, ICI/Comissão, T-36/91, Colect., p. II-1847, n.° 98). Assim, a Comissão pode
ser obrigada a conciliar interesses opostos através da preparação de versões não
confidenciais de documentos que contenham segredos de negócios ou outros dados
sensíveis (acórdão ICI/Comissão, já referido, n.° 103).
- 68.
- O Tribunal considera que os mesmos princípios são aplicáveis ao acesso aos
dossiers nos processos de concentração examinados no âmbito do Regulamento
n.° 4064/89, mesmo que a aplicação destes princípios possa razoavelmente ser
condicionada pelo imperativo de celeridade que caracteriza a economia geral do
referido regulamento (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de
Novembro de 1997, Kaysersberg/Comissão, T-290/94, Colect., p. II-2137, n.° 113).
- 69.
- No caso em apreço, é um facto que determinados produtores independentes
responderam aos questionários da Comissão na condição desta não revelar a
identidade deles às partes na concentração. Daqui se conclui que não se pode
censurar a Comissão por ter ocultado a identidade dessas empresas e só ter
fornecido às partes um resumo não confidencial das suas respostas.
- 70.
- Além disso, era necessário, para respeitar essa condição, que a Comissão não
revelasse a identidade dos outros produtores independentes que não solicitaram a
confidencialidade antes de responderem aos questionários da Comissão. Como
salienta a Comissão, as respostas aos questionários dão informações sobre o
segmento de mercado em que opera o autor de uma determinada resposta. Nestas
circunstâncias, a Comissão não podia excluir a possibilidade de as partes deduzirem
a identidade dos produtores que tinham solicitado um tratamento confidencial da
sua resposta se ela divulgasse a identidade dos produtores que não o tinham feito.
- 71.
- Por outro lado, como salienta a Comissão, as respostas aos questionários só
continham, no caso em apreço, opiniões de terceiros sobre as consequências
prováveis da concentração. Os resumos não confidenciais indicavam claramente o
âmbito dessas opiniões. Assim, não era necessário conhecer a identidade dos
terceiros em questão para se estar em situação de contestar as opiniões expressas.
- 72.
- Conclui-se que o facto de a recorrente apenas ter tido acesso aos resumos não
confidenciais das respostas aos questionários enviados aos produtores
independentes não constitui uma violação do seu direito de defesa.
Quanto à apresentação do índice
- 73.
- O Tribunal considera que a apresentação do índice feita pela Comissão
corresponde à que já foi aprovada por este Tribunal no acórdão de 1 de Abril de
1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, já referido, n.os 29 a 33, e
confirmado pelo Tribunal de Justiça na decisão do recurso desse acórdão (acórdão
de 6 de Abril de 1995, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, já referido).
- 74.
- Assim, no caso em apreço, é ponto assente que os documentos do dossier a que as
partes tiveram acesso em 26 de Julho de 1995 foram apresentados segundo uma
ordem cronológica e que a Comissão tinha preparado uma lista recapitulativa da
totalidade dos 279 documentos de que se compunha o referido dossier. Essa lista,
apresentada como anexo 16 da petição inicial, continha duas séries de informações.
Por um lado, discriminava os documentos segundo a sua natureza. Para esse efeito,
foi notificada às sociedades em causa uma classificação em treze rubricas
(relatórios anuais, notas internas, pedidos de informação, etc.). A lista continha, em
relação a cada documento ou grupo de documentos, a identificação do ou, sendo
caso disso, dos números chaves que correspondiam à rubrica a que o documento
ou grupo de documentos pertencia. Por outro lado, a lista precisava, relativamente
a cada documento ou grupo de documentos, se este era acessível às sociedades em
causa, parcialmente acessível a essas sociedades, confidencial ou sem relevância.
- 75.
- Foi recusado às partes o acesso a cinco categorias de documentos. Trata-se, em
primeiro lugar, de documentos de carácter puramente interno da Comissão, em
segundo lugar de certas trocas de correspondência com os Estados-Membros, em
terceiro lugar de certas respostas aos pedidos de informação formulados ao abrigo
do artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89, em quarto lugar de certas trocas de
correspondência com terceiros e, por último, em quinto lugar, de um ou de vários
estudos.
- 76.
- A recorrente não pode validamente queixar-se do facto de a Comissão lhe ter
recusado o acesso a documentos de carácter puramente interno, em relação aos
quais o Tribunal já decidiu que não tinham de ser comunicados (v. supra n.° 66).
Uma solução idêntica deve ser dada em relação à troca de correspondência com
os Estados-Membros e com certas partes terceiras, relativamente à qual a
Comissão pôde legitimamente recusar o acesso baseando-se no seu carácter
confidencial. No que diz respeito às respostas ou aos pedidos de informação
dirigidos pela Comissão a terceiros, o Tribunal já declarou que, no caso em apreço,
a Comissão não infringiu o direito de defesa ao fornecer apenas resumos não
confidenciais de algumas dessas respostas (v. supra n.os 69 a 72).
- 77.
- No que diz respeito ao estudo ou aos estudos mencionados na lista recapitulativa
a que a recorrente faz referência na sua réplica, que não foi ou não foram
fornecidos à recorrente, há que declarar que a Comissão só se refere a dois estudos
na decisão recorrida e na comunicação das acusações enviada nos termos do artigo
18.° do Regulamento n.° 4064/89. Esses estudos eram, respectivamente, um estudo
econométrico preparado pelo KPMG Management Consulting para efeitos da
instrução do dossier e um estudo intitulado Media in Europe, Europe Media Cost
Comparison 1993, preparado pela Young & Rubicam. Uma cópia do primeiro
estudo foi enviado às partes e uma cópia do segundo figurava no dossier a que as
partes tiveram acesso em 26 de Julho de 1995. A Comissão não faz referência a
qualquer outro estudo na decisão recorrida ou na comunicação das acusações e a
recorrente não forneceu qualquer indicação concreta de que estes documentos
tivessem sido ser baseados em informações recolhidas num tal estudo.
- 78.
- Conclui-se que a apresentação do índice do dossier efectuada pela Comissão no
caso em apreço não está viciada por qualquer violação do direito de defesa.
Quanto às respostas da IDTV e da Sleeswijk-D & D
- 79.
- Deve-se referir que a recorrente não contesta a alegação da Comissão segundo a
qual a recorrente teve acesso aos resumos não confidenciais das respostas da IDTV
e da Sleeswijk-D & D. Assim, a acusação deve ser rejeitada.
Quanto à pretensa existência de documentos obtidos depois da consulta do dossier
pela recorrente
- 80.
- O Tribunal considera que a recorrente não fundamentou a sua alegação de que a
Comissão recolheu novos documentos relativos ao mercado da produção televisiva
neerlandesa depois de ela ter tido acesso ao dossier e de que não lhos comunicou.
Na sua petição, a recorrente fez referência, em especial, às primeiras frases do
ponto 89 da decisão recorrida, que tem a seguinte redacção:
«A produção interna dos organismos públicos de radiodifusão destina-se
essencialmente a utilização própria. Embora estas produções sejam por vezes
oferecidas no mercado internacional, não são normalmente oferecidas a outros
radiodifusores no mercado televisivo neerlandês. Por conseguinte, não existe
qualquer concorrência directa entre a produção interna e os programas produzidos
por produtores independentes que são oferecidos no mercado.»
- 81.
- Na audiência, a Comissão demonstrou, todavia, que as duas primeiras frases são
retiradas da comunicação das acusações e da resposta das partes a essa
comunicação, respectivamente. A comunicação das acusações data de 18 de Julho
de 1995 e precede, assim, a consulta do dossier pelas partes, em 26 de Julho. A
terceira frase limita-se a tirar a conclusão lógica das duas primeiras e não contém
qualquer informação nova.
- 82.
- Quanto à carta de 25 de Agosto de 1995 da Nederlandse Vereniging van Erkende
Reclame Adviesbureaus (associação neerlandesa das agências de publicidade, a
seguir «VEA») à Comissão, não é necessário examinar se o tratamento que a
Comissão lhe deu infringiu o direito de defesa, uma vez que a recorrente retirou
o argumento relativo à análise pela Comissão da posição da HMG no mercado da
publicidade televisiva (v. supra n.° 32).
Quanto à recolha de informações pelo telefone
- 83.
- É ponto assente que a Comissão enviou uma carta, ao abrigo do artigo 11.° do
Regulamento n.° 4064/89, com um questionário em anexo, a todos os produtores
independentes que figuram no Handboek, e que, seguidamente, contactou por
telefone os produtores que não responderam, a fim de obter o número de horas
de programas de televisão que tinham produzido durante 1994 e o valor em florins
desses programas. Estes dados numéricos eram necessários para avaliar a dimensão
do mercado da produção televisiva independente e a parte desse mercado detida
pela Endemol.
- 84.
- Há que sublinhar que o objectivo do artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89 é o
de permitir à Comissão recolher todas as informações necessárias a fim de cumprir
as funções que lhe são atribuídas por esse regulamento. Quando dirige um pedido
de informações a uma pessoa, a Comissão é obrigada a indicar os fundamentos
jurídicos e o objecto do pedido, bem como as sanções previstas no caso de serem
prestadas informações inexactas. No entanto, o artigo 11.° não exige que as
empresas desta forma contactadas respondam por escrito. No caso em apreço, a
maior parte das empresas mais importantes apresentaram efectivamente respostas
escritas. Tendo em conta o imperativo de celeridade que caracteriza a economia
geral do Regulamento n.° 4064/89 (acórdão Kayserberg/Comissão, já referido,
n.° 113), a Comissão optou por obter pelo telefone as respostas das empresas às
quais tinha enviado uma carta ao abrigo do artigo 11.° e que ainda não tinham
respondido. Dado que a maioria das empresas assim contactadas também
forneceram as respostas necessárias à análise da Comissão, cumprindo, deste modo,
as obrigações para elas resultantes do artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89, teria
sido excessivo utilizar o procedimento formal referido no artigo 11.°, n.° 5, do
mesmo regulamento.
- 85.
- Conclui-se daqui que a Comissão não violou as disposições do artigo 11.° do
Regulamento n.° 4064/89 ao contactar pelo telefone as empresas às quais já tinha
enviado uma carta ao abrigo dessa disposição e que não tinham respondido, a fim
de completar as suas investigações.
- 86.
- Não obstante a não violação das disposições do Regulamento n.° 4064/89 e na
medida em que as partes estão de acordo no sentido de que as informações
recolhidas pelo telefone não foram comunicadas enquanto tais à recorrente, há
ainda que determinar se, assim procedendo, a Comissão violou o direito de defesa
na acepção da jurisprudência supra referida (n.° 65).
- 87.
- Segundo essa jurisprudência, para se verificar uma violação dos direitos da defesa,
basta que se prove que a falta de divulgação dos documentos em questão tenha
podido influenciar, em detrimento da recorrente, o decurso do processo e o
conteúdo da decisão (acórdão ICI/Comissão, já referido, n.° 78).
- 88.
- A este respeito, há que recordar que uma violação dos direitos da defesa deve ser
examinada em função das circunstâncias específicas de cada caso concreto (acórdão
ICI/Comissão, já referido n.° 70).
- 89.
- Assim, o Tribunal observa, em primeiro lugar, que as informações recolhidas pelo
telefone foram utilizadas pela Comissão a fim de calcular a parte de mercado da
Endemol no mercado da produção televisiva independente em língua neerlandesa,
que avaliou em «nitidamente mais de 50%». Este número global foi comunicado
à recorrente aquando da audição de 8 de Agosto de 1995. A Comissão calculou
igualmente a parte de mercado dos dez outros produtores mais importantes no
mercado, a partir dessas informações. A Comissão tinha já comunicado à Endemol,
na comunicação que lhe dirigira, nos termos do artigo 18.° do Regulamento
n.° 4064/89, em 18 de Julho de 1995, e aquando da consulta do dossier pelas partes,
em 26 de Julho de 1995, que considerava que ela detinha uma parte de mercado
de aproximadamente 60%. Ao mesmo tempo, comunicara-lhe também uma
primeira estimativa das partes de mercado dos cinco outros produtores mais
importantes. Assim, a Endemol teve oportunidade de comentar essas estimativas
por escrito no documento de defesa das partes, apresentado em 4 de Agosto de
1995, e de discutir os números revistos da Comissão aquando da própria audição.
- 90.
- Em segundo lugar, é um facto que as informações em questão, tais como foram
fornecidas pelas empresas individuais, diziam apenas respeito ao número de horas
de programas de televisão produzidas por elas, enquanto produtores
independentes, em 1994, bem como ao valor desses programas. Assim, apenas as
empresas interrogadas podiam conhecê-las com precisão. Conclui-se que, mesmo
que a Comissão tivesse revelado essas informações, que tinham, aliás, carácter
confidencial, a Endemol não estaria em condições de as contestar.
- 91.
- Decorre das considerações precedentes que, ao não comunicar essas informações
na forma em que elas foram prestadas pelos produtores individuais, a Comissão
não violou o direito de defesa da recorrente.
3. Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação de formalidades essenciais
Argumentos das partes
- 92.
- A recorrente alega que, no decurso da audição de 8 de Agosto de 1995, foram
revelados numerosos elementos de facto e de direito, novos e importantes. Daí
decorre que o Comité Consultivo e o colégio dos membros da Comissão não
puderam ter pleno conhecimento dos factos essenciais do processo, uma vez que
não receberam o relatório contendo a acta da audição. O facto de a audição ter
sido registada em banda magnética de modo nenhum suprime essa violação de
formalidades essenciais, que deve conduzir à anulação da decisão recorrida.
- 93.
- A Comissão responde, essencialmente, que não é obrigada a elaborar actas oficiais
das audições dos processos relativos ao Regulamento n.° 4064/89 e que, além disso,
o facto de não fornecer essa acta ao Comité Consultivo ou aos membros da
Comissão não poderia, no caso em apreço, ter influência na solução do
procedimento.
Apreciação do Tribunal
- 94.
- Resulta claramente dos termos do artigo 15.°, n.° 5, do Regulamento n.° 3384/94
que a Comissão é simplesmente obrigada a registar as declarações de cada pessoa
ouvida durante uma audição formal. Em contrapartida, a Comissão não é obrigada
a elaborar a acta duma tal audição, diferentemente do procedimento previsto no
artigo 9.°, n.° 4, do Regulamento n.° 99/63, que prevê que o conteúdo essencial das
declarações de cada pessoa ouvida «será consignado em acta por ela aprovada
depois de lida».
- 95.
- Daqui decorre também que a recorrente não pode sustentar que essa acta deveria
ter sido comunicada aos membros da Comissão ou aos membros do Comité
Consultivo antes da adopção da decisão recorrida.
- 96.
- Assim, há que rejeitar este fundamento, por não procedente.
4. Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação dos artigos 2.° e 3.°, n.os 1 e 3,
do Regulamento n.° 4064/89
- 97.
- Através do seu quarto fundamento, a recorrente contesta o mérito da conclusão
a que chegou a Comissão, segundo a qual a sua parte no capital da HMG
reforçava a sua posição dominante no mercado neerlandês da produção televisiva
independente em língua neerlandesa. Formula, a este respeito, duas acusações
principais. Em primeiro lugar, não ocupava uma posição dominante no mercado
em causa. Em segundo lugar, a sua participação na concentração não reforçava a
sua posição no referido mercado.
Quanto à posição dominante da recorrente
- 98.
- A recorrente alega, por um lado, que a Comissão definiu erradamente o mercado
pertinente da produção televisiva independente em língua neerlandesa e, por outro,
que, admitindo que se possa aceitar a definição estrita do mercado pertinente
adoptada pela Comissão, não pode considerar-se que a recorrente ocupe uma
posição dominante no referido mercado.
Quanto à errada definição do mercado pertinente
Argumentos das partes
- 99.
- A recorrente alega que a Comissão definiu erradamente o mercado pertinente na
medida em que considerou que o mercado da produção independente de
programas de televisão em língua neerlandesa era distinto do mercado das
produções internas dos radiodifusores públicos. São errados os três fundamentos
invocados pela Comissão para justificar esta conclusão, isto é, que os radiodifusores
públicos produzem tipos de programas diferentes dos da Endemol, que a produção
dos radiodifusores públicos é principalmente destinada à sua própria utilização e
que os radiodifusores públicos não têm a possibilidade de escolher livremente entre
produzirem eles próprios um programa e encomendarem-no a um produtor
independente.
- 100.
- Em primeiro lugar, a Comissão considerou erradamente que os radiodifusores
públicos produzem programas diferentes dos seus. Eles produzem programas
recreativos comparáveis aos seus e ela própria produz emissões de jogos, «talk
shows» e de «infotainment». Em 1994, as grandes emissões recreativas
representaram apenas 35% da sua produção em termos de valor e 16,7% em
termos de horas produzidas.
- 101.
- Em segundo lugar, a produção dos radiodifusores públicos não é principalmente
destinada à sua própria utilização, sublinhando a recorrente, a este respeito, que
estes últimos colocaram 345 programas no mercado internacional por intermédio
das agências de venda da Nederlandse Omroepprogramma Stichting (NOS,
super-estrutura que fornece serviços administrativos aos organismos de radiodifusão
públicos), enquanto o seu catálogo para esse mercado se limita a uma oferta de 80
programas.
- 102.
- Em terceiro lugar, é inexacto pretender que o radiodifusor público não tem a
possibilidade de escolher livremente entre produzir ele próprio um programa e
encomendá-lo a um produtor independente. Certos radiodifusores têm
departamentos de produção interna muito importantes, outros parecem dispor de
recursos muito mais modestos. O argumento da Comissão segundo o qual, devido
aos seus investimentos consideráveis, os radiodifusores públicos são obrigados a
produzir os seus próprios programas não está, assim, em conformidade com a
descrição factual do mercado que a Comissão expôs. Além disso, se um
radiodifusor tem pessoal e material suficiente para um número significativo de
produções, isso facilita a sua escolha entre produção interna e produção externa.
- 103.
- A Comissão alega, em primeiro lugar, que os canais públicos têm claramente
tendência para comprar no exterior programas recreativos de alto preço,
produzindo ao mesmo tempo eles próprios os programas inerentes à sua função
de radiodifusores públicos e os programas complementares de baixo preço. A
recorrente é muito mais forte no domínio das grandes emissões recreativas. Ainda
que só produza 13,3% da duração total das emissões transmitidas nos
Países-Baixos, a sua produção representa, em valor, 17,8% da produção. Por
conseguinte, a sua produção custa mais 42% por hora do que a produção no resto
do mercado, o que demonstra claramente que a sua «production mix» é muito
diferente.
- 104.
- Em segundo lugar, a Comissão observa que as produções internas não são
comercializadas, pelo menos nos Países-Baixos. Mesmo que a NOS proponha 345
programas produzidos pelos radiodifusores públicos no mercado internacional,
essas vendas internacionais não têm incidência sobre o mercado neerlandês.
- 105.
- Em terceiro lugar, a Comissão alega que a possibilidade de uma decisão «make or
buy» é em larga medida ilusória. Se um radiodifusor público efectuar investimentosconsideráveis nas instalações de produção interna, essas instalações representarão
um custo significativo que em grande parte ficará imobilizado. Assim, a única
escolha a curto prazo será a de utilizar essas instalações o mais possível. Dado que
os radiodifusores públicos que não dispõem de instalações de produção interna não
são confrontados com tal decisão, dificilmente se poderá considerar que exercem
influência sobre o mercado da produção independente.
Apreciação do Tribunal
- 106.
- Antes de examinar a definição feita pela Comissão do mercado em causa, há que
salientar que as regras materiais do Regulamento n.° 4064/89, e em especial o seu
artigo 2.°, conferem à Comissão um poder discricionário, designadamente no que
respeita às apreciações de ordem económica. Consequentemente, o controlo, pelo
órgão jurisdicional comunitário, do exercício desse poder, que é essencial na
definição das regras em matéria de concentrações, deve ser efectuado tendo em
conta a margem de apreciação subjacente às normas de carácter económico que
fazem parte do regime das concentrações (acórdão do Tribunal de Justiça de 31
de Março de 1998, França e o./Comissão, C-68/94 e C-30/95, Colect., p. I-1375,
n.os 223 e 224).
- 107.
- O Tribunal considera que, no caso em apreço, a definição do mercado a que
procedeu a Comissão é correcta, na medida em que concluiu que a produção
independente de programas de televisão em língua neerlandesa constituía um
mercado diferente do das produções internas dos radiodifusores públicos.
- 108.
- Em primeiro lugar, os programas produzidos pelos produtores independentes só
parcialmente podem substituir os programas produzidos pelos radiodifusores
públicos. Assim, os radiodifusores públicos produzem eles próprios, na maior parte,
os programas inerentes à sua função de radiodifusores públicos e os programas
complementares de baixo preço. Em contrapartida, não é contestado que a
recorrente, que é de longe o produtor independente mais importante dos
Países-Baixos, é muito mais forte no domínio das grandes emissões recreativos do
que os radiodifusores públicos, representando este género de emissões 35% da sua
produção. Segundo os dados quantificados fornecidos pela Comissão, que não
foram contestados pela recorrente, o custo horário na área da sua produção é
superior em 42% ao da produção no resto do mercado, o que demonstra
claramente que os seus programas têm um perfil diferente.
- 109.
- Em segundo lugar, embora certos programas produzidos pelos radiodifusores
públicos sejam vendidos no mercado internacional, essas vendas não têm relevância
no mercado neerlandês. A recorrente reconhece que, no que diz respeito a este
último mercado, a produção interna dos radiodifusores públicos é essencialmente
destinada à sua própria utilização. Deste modo, não existe concorrência directa
entre a produção interna dos radiodifusores públicos, cujos programas não são, em
princípio, propostos a outros radiodifusores no mercado neerlandês, e os programas
produzidos pelos produtores independentes, que são propostos nesse mercado.
- 110.
- Em terceiro lugar, o Tribunal considera que a Comissão concluiu razoavelmente
que um radiodifusor público não tinha geralmente a possibilidade de escolher entre
produzir ele próprio um programa e encomendá-lo a um produtor independente.
- 111.
- Por um lado, a recorrente não refutou o argumento da Comissão de que os
radiodifusores públicos que têm importantes actividades de produção interna
fizeram para esse efeito investimentos consideráveis e que, em especial,
contrataram o pessoal de produção necessário, o que representa um elemento
importante do preço de custo de um programa. Nessas circunstâncias, era razoável
que a Comissão concluísse que, se os radiodifusores públicos decidissem aumentar
sensivelmente o número de encomendas a produtores independentes, em
detrimento da sua produção interna, teriam, apesar disso, de suportar o custo da
sua capacidade de produção interna, sem rentabilizar em termos de programas
produzidos os investimentos realizados. Essa política não seria possível do ponto
de vista comercial, pelo menos a longo prazo.
- 112.
- Por outro lado, o argumento da Comissão segundo o qual, devido aos seus
investimentos consideráveis, os radiodifusores públicos são obrigados a produzir
eles próprios os seus programas não é infirmado pelo facto de certos radiodifusores
apenas possuírem departamentos de produção muito modestos, porque é evidente
que esses radiodifusores são, deste modo, obrigados a encomendar programas a
produtores independentes, por não terem os seus próprios meios de produção.
Quanto à inexistência de posição dominante da Endemol no mercado pertinente
Argumentos das partes
- 113.
- A recorrente alega que, mesmo que se aceite a definição estrita do mercado
adoptada pela Comissão, não pode considerar-se que ela ocupa uma posição
dominante nesse mercado. Com efeito, estão presentes no mercado dos
Países-Baixos 97 produtores. Apenas 29 produtores responderam por escrito aos
questionários da Comissão e as informações comunicadas pelos outros por telefone
não são fiáveis. Assim, a Comissão teria calculado a sua parte de mercado com
base em elementos de prova incompletos.
- 114.
- A Comissão deduziu do facto de a recorrente não conhecer os produtores que não
figuram no Handboek, o qual cita os nomes de 85 produtores independentes, entre
os quais o da própria recorrente, que eles eram tão pequenos que não tinham
qualquer importância para efeitos da sua análise do mercado.
- 115.
- Recorda que partes de mercado muito elevadas são consideradas extremamente
importantes na determinação da posição dominante ocupada por uma empresa.
Com efeito, uma empresa que detém de modo estável durante um longo período
uma parte de mercado importante é susceptível de se tornar um parceiro
obrigatório, de modo que se pode deduzir, nessas circunstâncias, apenas a partir
da parte de mercado, que há posição dominante. No caso em apreço, a recorrente
tinha uma parte de mercado superior a 50% e era, de longe, o operador mais
importante do mercado.
- 116.
- A recorrente sustenta também que os outros elementos utilizados pela Comissão
para concluir pela sua posição dominante no mercado em causa são errados.
- 117.
- Em primeiro lugar, não é exacto que ela goze de um acesso privilegiado aos
formatos estrangeiros, que são depois adaptados ao público neerlandês. Produziu
apenas 38 programas baseados em formatos estrangeiros no decurso dos três
últimos anos e não, como a Comissão sustentou, mais de 60. Parece que a
Comissão se fundamentou em certas respostas subjectivas dos seus concorrentes,
que não têm qualquer fiabilidade uma vez que estes não sabiam precisamente
quais os formatos que lhe pertenciam.
- 118.
- Por outro lado, 45 dos 143 programas que produziu em 1994 não eram baseados
num formato. Além disso, vários dos formatos populares que utiliza pertencem a
radiodifusores. Não é exacto que ela possua os formatos neerlandeses mais
populares.
- 119.
- A Comissão considera ter demonstrado suficientemente que a recorrente possuía
um grande número dos mais populares formatos neerlandeses e um acesso
privilegiado aos formatos estrangeiros. Ao declarar que a recorrente beneficiava
de um acesso privilegiado a esses formatos apenas consignou a opinião, de grande
número dos seus concorrentes, de que ela estava numa posição de força, em
especial porque dispunha de um poder financeiro que lhe permitia adquirir
programas celebrando «output deals» (contratos com radiodifusores para um
determinado volume de programas). A recorrente produziu, no decurso da
temporada 1993-1994, metade dos mais populares programas recreativos não
desportivos.
- 120.
- Em segundo lugar, a recorrente alega que não é exacto que tenha celebrado
contratos com um grande número dos mais populares apresentadores ou artistas
da televisão neerlandesa.
- 121.
- Além disso, a sua presença no domínio do teatro não constitui um elemento
importante para as personalidades da televisão, uma vez que praticamente
nenhuma delas aproveita essa oportunidade. É igualmente irrelevante que tenha
a sua própria agência de artistas. Apenas possui uma agência que se ocupa dos
calendários dos espectáculos e não tem qualquer poder para celebrar contratos em
representação desses artistas.
- 122.
- A Comissão responde que concluiu, com base nas preocupações expressas por
outros operadores presentes no mercado da produção, que a recorrente tinha
celebrado contratos, frequentemente exclusivos, com um grande número dos mais
populares apresentadores ou artistas da televisão neerlandesa. A circunstância
destes terem poucas possibilidades de actuar fora da televisão não tem nenhuma
importância, uma vez que a existência dessas poucas possibilidades pode levá-los
a escolher trabalhar com a recorrente em vez de trabalharem com outra sociedade,
reforçando assim a sua posição. De qualquer modo, nunca considerou que se
tratava de um elemento particularmente importante na determinação da posição
dominante da recorrente.
- 123.
- Em terceiro lugar, a recorrente alega que a Comissão partiu injustificadamente do
princípio de que as receitas realizadas noutros países são susceptíveis de reforçar
a sua posição nos Países-Baixos. Essas receitas são prioritariamente utilizadas para
desenvolver as filiais dos diferentes países em causa.
- 124.
- A Comissão sustenta que as actividades de grande envergadura desenvolvidas pela
recorrente fora dos Países-Baixos reforçam a sua posição dominante no mercado
neerlandês. As suas filiais dão-lhe um acesso privilegiado ao mercado internacional
e aumentam as receitas do grupono seu conjunto, ao financiarem grandes
produções ou ao determinarem quais os investimentos futuros que podem
revelar-se mais lucrativos. Isso resulta, em especial, do facto de ela ser o maior
fornecedor da RTL Alemanha, que é o primeiro canal de televisão comercial na
Alemanha.
- 125.
- Em quarto lugar, a recorrente alega que certos elementos de facto por ela
invocados, mas negligenciados pela Comissão, provam que ela não ocupa uma
posição dominante. Antes de tudo, não está em condições de excluir os
concorrentes actuais ou de impedir a entrada de novos concorrentes, tendo várias
sociedades entrado no mercado neerlandês da produção durante os últimos anos.
Em segundo lugar, os seus clientes não estão em situação de dependência em
relação a ela, o que é comprovado pelo boicote de que foi objecto, desde a criação
da HMG, por parte dos radiodifusores públicos, os quais renunciaram a três
programas muito populares. Em terceiro lugar, a Comissão não teve
suficientemente em conta o crescimento futuro do mercado da produção televisiva
e o facto de esse crescimento não beneficiar a recorrente. Assim, o novo canal
privado, SBS, não celebrou qualquer acordo de produção com ela, a Kindernet, o
segundo novo canal, deverá fazer directamente concorrência à RTL 4, e a Euro 7,
um terceiro canal, não lhe encomendou produções relativamente ao ano de 1995.
- 126.
- A Comissão sublinha que as empresas que conseguiram implantar-se no mercado
neerlandês nestes últimos anos tiveram necessidade de um parceiro estabelecido
no local. A D & D associou-se à Sleeswijk, que já era um grande produtor
neerlandês. A Grundy implantou-se no mercado neerlandês por intermédio de uma
empresa comum com a recorrente. É assim claro que mesmo grandes grupos
internacionais não podem penetrar no mercado neerlandês sem o apoio de
operadores já implantados nesse mercado.
- 127.
- Acrescenta que, embora a evolução no mercado neerlandês da televisão se traduza
por uma procura acrescida de todos os canais, o crescimento mais importante da
procura, em termos de valor, provirá provavelmente da programação suplementar
para a Veronica. Sendo a recorrente o principal fornecedor da Veronica ebeneficiando actualmente de um acordo de produção e de uma relação estrutural
pelo controlo que conjuntamente exerce com a RTL sobre a HMG, era muito
difícil acreditar que a maioria da programação suplementar da Veronica não fosse
fornecida por ela. Além disso, a procura da Veronica, o radiodifusor
financeiramente mais poderoso, envolverá com toda a probabilidade maior número
de caros programas recreativos e de ficção, de que ela se tornou especialista. Em
contrapartida, os três outros novos canais privados têm orçamentos mais modestos
e as suas necessidades de produção são, assim, relativamente insignificantes.
- 128.
- Por último, sublinha ter demonstrado que as receitas dos radiodifusores públicos
diminuirão no futuro, o que torna improvável um aumento das compras de
programas caros. É um erro pretender que a capacidade de produção interna dos
radiodifusores públicos pode ter um impacto concorrencial significativo no mercado
da produção independente.
Apreciação do Tribunal
- 129.
- Para começar, há que examinar o método de cálculo da parte de mercado da
recorrente no mercado neerlandês da produção televisiva independente em língua
neerlandesa utilizado pela Comissão.
- 130.
- Em primeiro lugar, o Tribunal considera que a Comissão teve razão em calcular
as partes de mercado dos diferentes produtores tomando por referência o valor dos
programas e não o volume horário da produção. Com efeito, a recorrente não
desmentiu os resultados do inquérito realizado pela Comissão que demonstraram
que o valor horário das produções televisivas variava entre 30 000 HFL e
300 000 HFL. Nestas condições, o modo de cálculo das partes de mercado só é
válido se se basear no valor e não no volume.
- 131.
- Em segundo lugar, o Tribunal considera que o cálculo feito pela Comissão da parte
de mercado da Endemol é razoável. Resulta das respostas escritas dadas pela
Comissão ao Tribunal que ela enviou questionários a 84 produtores independentes,
e não apenas a 75 como foi referido nas peças processuais. Esses 84 produtores
representavam todos os produtores mencionados no Handboek, salvo a própria
recorrente. Segundo as notas preparadas durante a instrução do dossier, a Comissão
recebeu informações escritas de 29 produtores que diziam respeito, inter alia, ao
número de horas de programas de televisão produzidas durante 1994 e ao valor em
florins desses programas. Também obteve informações telefónicas de 37 outros
produtores relativamente a essas duas questões. Assim, recebeu respostas de 78%
dos 84 produtores. Seguidamente, calculou o valor aproximativo das horas
produzidas pelos 18 outros produtores sobre os quais não dispunha de qualquer
informação, com base em informações prestadas por outros produtores que tinham
um número similar de empregados. Por último, tomou em consideração os dados
fornecidos pela própria recorrente a fim de calcular a dimensão do mercado total
e a parte de mercado que esta detinha.
- 132.
- Assim, há que considerar que a Comissão não cometeu um erro ao indicar, na
decisão recorrida, que a parte de mercado da Endemol era de «nitidamente mais
de 50%».
- 133.
- Por outro lado, a Comissão demonstrou, na resposta a uma das perguntas escritas
do Tribunal, que, mesmo que tivesse incluído o cálculo do valor dos programas
produzidos por um dos 29 produtores que responderam por escrito mas que não
forneceram o número necessário, isso não teria alterado o seu cálculo da parte de
mercado da Endemol, que seria sempre nitidamente superior a 50%.
- 134.
- Seguidamente, há que examinar se a Comissão tinha razão para concluir que, no
caso em apreço, a Endemol ocupava uma posição dominante no mercado em
causa. A este respeito, o Tribunal declara que, segundo jurisprudência constante,
uma parte de mercado especialmente elevada pode, em si mesma, constituir a
prova da existência de uma posição dominante, sobretudo quando, como no caso
em apreço, os outros operadores no mercado possuem partes muito menos
importantes (v. os acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979,
Hoffmann-La Roche/Comissão, 85/76, Colect., p. 217, n.° 41, e de 3 de Julho de
1991, Akzo/Comissão, C-62/86, Colect., p. I-3359, n.° 60, e o acórdão do Tribunal
de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1991, Hilti/Comissão, T-30/89, Colect.,
p. II-1439, n.os 91 e 92).
- 135.
- Há que salientar que a Comissão declarou, com base nas suas investigações, que
o segundo produtor mais importante possuía uma parte de mercado que se situava
entre 5 e 10%, que quatro outros produtores possuíam cada um uma parte de
mercado que se situava entre 2 e 5%, e que os outros cinco maiores produtores
possuíam cada um uma parte de mercado que se situava entre 1 e 2%, possuindo
cada um de todos os outros produtores uma parte de mercado de menos de 1%.
Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que a conclusão da Comissão segundo
a qual a recorrente ocupava uma posição dominante no mercado em causa não
está viciada por erro manifesto de apreciação.
- 136.
- Além disso, a Comissão referiu-se a outros trunfos possuídos pela Endemol, que
lhe conferiam uma posição efectivamente superior à dos seus concorrentes. O
Tribunal examinará sucessivamente esses outros elementos.
- 137.
- Em primeiro lugar, no que diz respeito ao acesso privilegiado da recorrente aos
formatos estrangeiros, o Tribunal considera que ela não desmentiu a tese da
Comissão de que, devido ao seu poder financeiro, estava numa posição de força
que lhe permitia adquirir programas celebrando «output deals». Como a Comissão
explicou na audiência, torna-se mais fácil para um produtor obter os formatos
necessários quando já assinou um contrato com um radiodifusor para um
determinado volume de programas. Esta explicação não é invalidada pelo facto de
o contrato não precisar, em princípio, o conteúdo dos programas, contrariamente
ao que sustenta a recorrente. O essencial é que o produtor já seja titular de um
contrato com um radiodifusor que lhe garanta a possibilidade de produzir um certo
número de horas de programas.
- 138.
- No que diz respeito aos formatos em geral, a recorrente não contestou que
produziu no decurso da temporada 1993/1994 metade dos mais populares
programas recreativos não desportivos e que 24 desses 28 programas assentavam
num formato. Nestas circunstâncias, as conclusões da Comissão não são infirmadas
pelo facto de um terço dos programas produzidos pela recorrente em 1994 não ser
baseado num formato, nem pelo facto de, em sua opinião, outros formatos
populares pertencerem a radiodifusores e não à recorrente.
- 139.
- A Comissão teve igualmente razão quando sustentou que a recorrente produzira
mais de 60 programas baseados em formatos estrangeiros no decurso dos três anos
anteriores à concentração, como era demonstrado pela lista que a própria
recorrente apresentou à Comissão em anexo à sua resposta, de 14 de Julho de
1995, ao pedido de informações da Comissão de 7 de Junho de 1995, e que figura
no anexo 11 da petição inicial. Resulta desta lista que o número de 38 programas
mencionado pela recorrente se refere, efectivamente, ao número de formatos
estrangeiros utilizados durante esse período e não ao número de programas
produzidos baseados nesses formatos.
- 140.
- O Tribunal considera, por outro lado, que a Comissão não podia ignorar a opinião
dos outros produtores, dos radiodifusores e dos outros canais privados, que tinham
considerado que a recorrente possuía um grande número dos mais populares
formatos neerlandeses e um acesso preferencial aos formatos estrangeiros.
- 141.
- Em segundo lugar, a declaração da recorrente de que um número importante de
personalidades da televisão está quer vinculado por contrato a radiodifusores quer
disponível relativamente a qualquer interessado não basta para refutar a apreciação
da Comissão segundo a qual a recorrente tinha celebrado contratos com um grande
número dos mais populares apresentadores ou artistas da televisão neerlandesa. No
que diz respeito às possibilidades de essas personalidades actuarem fora da
televisão, e ao facto de a recorrente possuir a sua própria agência de artistas, não
se pode excluir que estes elementos, embora, como admite a Comissão, não sejam
importantes para a determinação da posição dominante da recorrente, possam
reforçar em certa medida a sua posição no mercado.
- 142.
- Em terceiro lugar, no que diz respeito às actividades fora dos Países-Baixos, o
Tribunal considera que a recorrente não desmentiu a tese da Comissão segundo
a qual as actividades de grande envergadura por ela desenvolvidas fora dos
Países-Baixos podem reforçar a sua posição no mercado neerlandês, dado que as
suas filiais lhe dão um acesso privilegiado ao mercado internacional e contribuem
para as receitas do grupo, na sua globalidade.
- 143.
- Em quarto lugar, o Tribunal considera que os outros elementos de facto invocados
pela recorrente não apoiam a sua tese. Com efeito, embora seja exacto que outras
sociedades entraram no mercado neerlandês da produção durante os anos que
precederam a concentração, a recorrente não desmentiu que esses novos
operadores tiveram necessidade, pelo menos numa primeira fase, de um parceiro
já instalado. No que diz respeito ao alegado boicote da recorrente por certos
radiodifusores públicos após o anúncio da criação da HMG, há que salientar que,
como refere a própria recorrente, ela forneceu 88,2% da sua produção, em 1994,
aos canais Veronica, RTL 4 e RTL 5, e, assim, não era desrazoável que a
Comissão concluísse que esse boicote tinha tido uma importância menor.
- 144.
- Além disso, a recorrente não demonstrou em que medida a Comissão considerou
injustificadamente que a Kindernet e a Euro 7 eram canais com orçamentos muito
modestos, sendo a Kindernet essencialmente dirigida às crianças, durante o dia, e
sendo a Euro 7 um canal de informação e de documentários, e que as suas
necessidades de produção eram, deste modo, relativamente insignificantes em
termos de valor. Além disso, os programas produzidos pela recorrente não
apresentavam qualquer interesse para a Euro 7. A recorrente, por outro lado, não
contestou que só o orçamento consagrado aos programas da Veronica era o triplo
do da SBS.
- 145.
- Além disso, a recorrente não demonstrou que a Comissão tenha injustificadamente
considerado que a maior parte da procura suplementar de produções em língua
neerlandesa provinha da Veronica, que teria, assim, necessidade de programas para
quatro dias e meio suplementares de transmissão, quando os radiodifusores
públicos apenas têm de preencher dois dias e meio suplementares de transmissão,
após a saída da Veronica como radiodifusor público. Dado que a recorrente já era
o principal fornecedor da Veronica, era igualmente razoável que a Comissão
concluísse que a maioria da programação suplementar da Veronica era por ela
fornecida.
- 146.
- Perante todas as considerações precedentes, o Tribunal considera que a Comissão
definiu correctamente o mercado em questão, bem como a parte da recorrente
nesse mercado, e que concluiu justamente pela existência de uma posição
dominante da recorrente nesse mercado.
- 147.
- Assim, há que rejeitar este argumento, por infundado.
Quanto ao reforço da posição dominante da recorrente
- 148.
- A recorrente alega que a Comissão concluiu erradamente, por um lado, que a
VMG exercia com a RTL um controlo conjunto sobre a HMG e, por outro, que
a sua participação na concentração reforçava a sua posição no mercado neerlandês
da produção televisiva independente em língua neerlandesa.
Quanto à ausência de controlo conjunto da VMG e da RTL sobre a HMG
Argumentos das partes
- 149.
- A recorrente alega que a HMG é composta por quatro órgãos, que são a
assembleia geral dos accionistas, o comité dos accionistas, o conselho de
administração e os directores dos programas. O conselho de administração deve
obter o acordo prévio da assembleia geral dos accionistas quanto à maior parte das
decisões comerciais importantes, relativas à estratégia da HMG, ao plano deactividade trienal e ao orçamento anual, e aos investimentos importantes de capital,
bem como às obrigações e aos empréstimos. O «conceito de programação de
conjunto» faz igualmente parte dessa lista, bem como a nomeação e o
despedimento dos directores dos programas e do director/secretário-geral.
- 150.
- Na assembleia geral dos accionistas, a VMG e a RTL têm um número igual de
representantes. Todavia, a Endemol, associada à Veronica na VMG, dispõe de uma
parte minoritária, uma vez que a VMG tem apenas 49% do capital da HMG e que
a VMG e a RTL votam, segundo o direito luxemburguês ao qual a HMG está
sujeita, não em função do número de representantes mas das respectivas partes.
- 151.
- Nos termos do artigo 3.°, n.° 4, do acordo de concentração, a assembleia geral tenta
resolver os problemas adoptando uma posição comum. Se não for atingido
qualquer consenso, a questão é inscrita na ordem do dia da assembleia geral
seguinte, no decurso da qual «a proposta em causa é susceptível de ser adoptada
por maioria simples dos votos dessa assembleia». Isso significa que a RTL dispõe,
na prática, nessa segunda assembleia, de uma maioria, com 51% dos direitos de
voto.
- 152.
- Referindo-se ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Maio de 1994,
Air France/Comissão (T-2/93, Colect., p. II-323), no qual a circunstância de as
decisões importantes do conselho de administração deverem ser adoptadas por,
pelo menos, um dos representantes da TAT SA e da British Airways permitiu
concluir que existia efectivamente um controlo conjunto, a recorrente considera
que, devido à impossibilidade de os outros accionistas, para além da RTL,
bloquearem as decisões importantes, é a RTL que exerce o controlo exclusivo.
- 153.
- O comité dos accionistas da HMG, que dispõe igualmente de um número idêntico
de representantes da RTL e da VMG, decide por unanimidade mas só é
competente para as questões referidas no artigo 3.°, n.° 3, do acordo de
concentração, isto é, as que dizem respeito aos direitos relativos à protecção
normal dos accionistas minoritários, os quais nada têm a ver com a programação
da HMG.
- 154.
- A recorrente conclui daqui que a Comissão não apresentou qualquer argumento
convincente ou elemento de prova em apoio da sua conclusão de que a recorrente,
em razão da ligação estrutural que a une à HMG, está em condições de influenciar
a programação geral e a política de aquisição de programas da HMG por forma
a reforçar a sua posição no mercado da produção independente em causa
(centésimo considerando da decisão recorrida).
- 155.
- Acrescenta que, na medida em que apenas tem uma parte minoritária no capital
da HMG, não preenche as condições em que uma participação no capital de uma
empresa concorrente pode ser abrangida pela proibição resultante do artigo 85.°
do Tratado, impostas pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 17 de Novembro
de 1987, BAT e Reynolds/Comissão (142/84 e 156/84, Colect., p. 4487, a seguir o
acórdão «Philip Morris»), de modo que a concentração não coloca qualquer
problema de concorrência.
- 156.
- A Comissão recorda que concluiu que a HMG era controlada conjuntamente pela
RTL e pela VMG porque as decisões estratégicas mais importantes adoptadas pelo
conselho de administração deviam ser previamente aprovadas pela assembleia geral
dos accionistas. Embora a RTL possa teoricamente acabar por impor a sua
vontade, não é concebível que ela o faça, tendo em conta o prazo previsto no
procedimento descrito no artigo 3.°, n.° 4, do acordo de concentração e o facto de
a HMG e a RTL deverem manter boas relações com a recorrente, uma vez que,
nos termos do acordo de produção, ela é o principal fornecedor de programas da
HMG. Daqui decorre que a VMG exerce uma influência decisiva sobre a HMG
pelo facto de, na prática, a RTL e a VMG deverem tomar conjuntamente as
decisões mais importantes que lhe dizem respeito. A este respeito, alega que a
recorrente se equivoca sobre o sentido do acórdão Air France/Comissão, já
referido.
- 157.
- Acrescenta que o comité dos accionistas existe para resolver os problemas que
exigem o consentimento de todos os accionistas. Qualquer decisão tem de ser
tomada por unanimidade para modificar de modo essencial o perfil, o
posicionamento ou o formato da programação de um dos três canais. É exigido um
procedimento similar para modificar as condições gerais dos contratos dos
membros do pessoal dos canais. A condição de essas alterações só poderem ser
autorizadas por unanimidade vai além do que é necessário para proteger os
interesses de um accionista minoritário e contribui, assim, para confirmar a
conclusão da Comissão de que a HMG é controlada conjuntamente.
- 158.
- A Comissão considera, por outro lado, que o acórdão Philip Morris, já referido,
não é importante para o presente processo.
Apreciação do Tribunal
- 159.
- Nos termos do artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, o controlo decorre dos
direitos, contratos ou outros meios que conferem, isoladamente ou em conjunto,
e tendo em conta as circunstâncias de facto e de direito, a possibilidade de exercer
uma influência determinante sobre a actividade de uma empresa.
- 160.
- Vistas as circunstâncias de facto e de direito do caso em apreço, o Tribunal
considera que a Comissão concluiu justamente pela existência de um controlo
conjunto exercido pela VMG (Veronica e Endemol) e pela RTL sobre a HMG.
- 161.
- Com efeito, resulta do acordo de concentração que as decisões estratégicas mais
importantes devem ser aprovadas pela assembleia geral dos accionistas antes de
serem apresentadas ao conselho de administração. Essas decisões incluem,
nomeadamente, a estratégia da HMG, o plano de actividade trienal e o orçamento
anual, bem como os investimentos importantes, o «conceito de programação de
conjunto» e a nomeação e o despedimento dos directores dos programas e do
director/secretário-geral.
- 162.
- Nos termos do artigo 3.°, n.° 4, do acordo de concentração, as questões
apresentadas à assembleia geral devem ser resolvidas por consenso. Deste modo,
deve-se procurar obter o acordo da RTL e da VMG para todas essas decisões e,
se não pode ser obtido um consenso, está previsto um prazo de quinze dias durante
o qual os representantes da RTL e da VMG devem desenvolver todos os esforços
para chegar a um tal consenso. É apenas no fim destas duas fases que pode ser
adoptada uma decisão final por um voto por maioria simples, dispondo então a
RTL de uma maioria, com 51% dos direitos de voto.
- 163.
- Além disso, o comité dos accionistas, que vota por unanimidade, deve aprovar
previamente certas decisões do conselho de administração que ultrapassem o que
é necessário para proteger os interesses de um accionista minoritário. Assim, uma
decisão que altere de modo essencial o perfil, o posicionamento ou o formato de
programação de um dos três canais só pode ser tomada por unanimidade. O
mesmo se passaria relativamente a uma decisão relativa à criação de um novo
canal que concorresse directamente com um dos três canais existentes. Conclui-se
que estes aspectos da estratégia da HMG e do seu «conceito de programação de
conjunto» são necessariamente objecto de um acordo unânime entre a RTL e a
VMG.
- 164.
- Daqui resulta que a Comissão concluiu acertadamente, face às disposições do
acordo de concentração, pela existência de um controlo conjunto da RTL e da
VMG sobre a HMG. Assim, não é necessário examinar os argumentos que a
recorrente extrai do pretenso controlo exclusivo da RTL ou do acórdão Philip
Morris, já referido.
Quanto à ausência de reforço da posição da recorrente no mercado em causa
Argumentos das partes
- 165.
- A recorrente alega que a sua parte no capital da HMG não lhe permite exercer
qualquer influência sobre a programação geral ou sobre a aquisição dos programas
da HMG. A sua pretensa capacidade para proibir o acesso de outros produtores
à HMG assenta no pretenso controlo conjunto, quando, no que diz respeito à RTL
4, à RTL 5 e à Veronica, ela já era o principal fornecedor da RTL e da Veronica
há cinco anos e os seus programas contribuíram, em larga medida, para formar a
imagem da RTL e da Veronica durante esse período. Assim, a sua posição não foi
reforçada, nem a concorrência perturbada, pela criação da HMG.
- 166.
- A Comissão considera que as sociedades-mãe só podiam assegurar a gestão da
HMG se estivessem de acordo quanto às decisões estratégicas mais importantes.
É inconcebível que a participação da recorrente consista apenas num investimento
financeiro que não lhe dê o benefício de uma influência decisiva sobre as
actividades da HMG. Assim, a preocupação essencial da Comissão foi a de evitar
que as ligações estruturais entre a recorrente e a HMG fechassem o mercado em
questão a outros produtores e reforçassem a posição dela nesse mercado.
Apreciação do Tribunal
- 167.
- O Tribunal considera que a Comissão não cometeu qualquer erro de apreciação
ao concluir que, graças à ligação estrutural criada entre as partes na concentração
e ao controlo conjunto que a recorrente devia deste modo exercer, com a RTL,
sobre a HMG, a recorrente asseguraria doravante um vasto mercado à sua
produção. Sem essa relação estrutural, seria realista encarar a possibilidade de
outros produtores fornecerem uma parte muito mais importante das necessidades
de programas suplementares da HMG. Nenhum outro produtor nos Países-Baixos
tinha a mesma possibilidade de dispor de um mercado garantido para as suas
produções e de exercer influência sobre um radiodifusor para a compra dos seus
programas. Esta conclusão só podia ser reforçada pelos termos do acordo de
produção (v. o n.° 18 supra).
- 168.
- Por outro lado, as próprias partes tinham declarado que a relação de fornecimento
que unia a Endemol à RTL e à Veronica constituía um elemento essencial para
criar a imagem da RTL 4, da RTL 5 e da Veronica e que seria igualmente decisiva
para o êxito da HMG. Do mesmo modo, tinham admitido que a concentração tinha
em parte por objectivo permitir à recorrente reduzir o risco a que se expunha ao
produzir novos formatos de programas, pelo facto de ela zelar por optimizar as
receitas que lhe davam os formatos de sucesso. Assim, era razoável que a Comissão
concluísse que a recorrente forneceria os seus programas mais prometedores, ou
que tinham feito prova do seu atractivo, à HMG, em detrimento dos outros
radiodifusores.
- 169.
- Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que a recorrente não provou que a
Comissão tenha ultrapassado os limites do seu poder de apreciação ou que tenha
cometido um erro manifesto quando concluiu que a concentração teria por efeito
reforçar a sua posição dominante no mercado neerlandês da produção televisiva
independente em língua neerlandesa e que a concorrência efectiva no mercado
seria, assim, entravada de modo significativo.
- 170.
- Conclui-se daqui que este argumento deve ser rejeitado e, portanto, que deve ser
negado provimento ao recurso na sua totalidade.
Quanto às despesas
- 171.
- Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve
ser condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a
recorrente sido vencida há que, tendo em conta o pedido da recorrida e o
despacho do presidente da Quarta Secção Alargada de 7 de Outubro de 1996,
condená-la a suportar, além das suas despesas, um quinto das despesas suportadas
pela recorrida antes da desistência da Veronica, da RTL, da CLT e da VNU e a
totalidade das despesas por ela efectuadas depois da referida desistência.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
(Quarta Secção Alargada),
decide:
1) É negado provimento ao recurso.
2) A recorrente suportará, além das suas despesas, um quinto das despesas
efectuadas pela recorrida até à desistência das outras partes, em 7 deOutubro de 1996, e a totalidade das despesas seguidamente efectuadas.
LindhGarcía-Valdecasas
Lenaerts
Cooke Jaeger
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Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de Abril de 1999.
O secretário
O presidente
H. Jung
P. Lindh