Language of document : ECLI:EU:T:2021:763

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

10 de novembro de 2021 (*)

«Concorrência — Abuso de posição dominante — Pesquisa geral e pesquisa especializada de produtos na Internet — Decisão que declara uma infração ao artigo 102.o TFUE e ao artigo 54.o do Acordo EEE — Abuso por efeito de alavanca — Concorrência pelo mérito ou prática anticoncorrencial — Condições de acesso dos concorrentes a um serviço de uma empresa dominante cuja utilização não pode ser efetivamente substituída — Apresentação favorecida pela empresa dominante dos resultados do seu próprio serviço de pesquisa especializada — Efeitos — Necessidade de demonstrar um cenário contrafactual — Falta — Justificações objetivas — Inexistência — Possibilidade de aplicar uma coima em face de certas circunstâncias — Orientações para o cálculo do montante das coimas — Competência de plena jurisdição»

No processo T‑612/17,

Google LLC, anteriormente Google Inc., com sede em Mountain View, Califórnia (Estados Unidos),

Alphabet, Inc., com sede em Mountain View,

representadas por T. Graf, R. Snelders, C. Thomas, K. Fountoukakos‑Kyriakakos, advogados, R. O’Donoghue, M. Pickford, QC, e D. Piccinin, barrister,

recorrentes,

apoiadas por:

Computer & Communications Industry Association, com sede em Washington, DC (Estados Unidos), representada por J. Killick e A. Komninos, advogados,

interveniente,

contra

Comissão Europeia, representada por T. Christoforou, N. Khan, A. Dawes, H. Leupold e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

República Federal da Alemanha, representada por J. Möller, S. Heimerl e S. Costanzo, na qualidade de agentes,

por

Órgão de Fiscalização da EFTA, representado por C. Zatschler e C. Simpson, na qualidade de agentes,

por

Bureau européen des unions de consommateurs (BEUC), com sede em Bruxelas (Bélgica), representado por A. Fratini, advogada,

por

Infederation Ltd, com sede em Crowthorne (Reino Unido), representada por A. Morfey, S. Gartagani, L. Hannah, A. D’heygere, K. Gwilliam, solicitors, e T. Vinje, advogado,

por

Kelkoo, com sede em Paris (França), representada por J. Koponen e B. Meyring, advogados,

por

Verband Deutscher Zeitschriftenverleger eV, com sede em Berlim (Alemanha), representado por T. Höppner, professor, P. Westerhoff e J. Weber, advogados,

por

Visual Meta GmbH, com sede em Berlim, representada por T. Höppner, professor, e P. Westerhoff, advogado,

por

BDZV — Bundesverband Digitalpublisher und Zeitungsverleger eV, anteriormente Bundesverband Deutscher Zeitungsverleger eV, com sede em Berlim, representado por T. Höppner, professor, e P. Westerhoff, advogado,

e por

Twenga, com sede em Paris, representada por L. Godfroid, S. Hautbourg e S. Pelsy, advogados,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado a obter, a título principal, a anulação da Decisão C(2017) 4444 final da Comissão, de 27 de junho de 2017, relativa a um processo nos termos do artigo 102.o TFUE e do artigo 54.o do Acordo EEE [Processo AT.39740 — Google Search (Shopping)], e, a título subsidiário, a supressão ou a redução do montante da coima aplicada às recorrentes,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada),

composto por: S. Gervasoni, presidente, L. Madise (relator), R. da Silva Passos, K. Kowalik‑Bańczyk e C. Mac Eochaidh, juízes,

secretário: E. Artemiou, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 12, 13 e 14 de fevereiro de 2020,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

A.      Contexto

1        A Google LLC, anteriormente Google Inc., é uma sociedade americana especializada em produtos e serviços ligados à utilização da Internet. É principalmente conhecida devido ao seu motor de busca, que permite aos internautas (a seguir também, consoante o contexto, «utilizadores» ou «consumidores») encontrar e chegar, com o navegador que utilizam e através de hiperligações, aos sítios Internet que respondem às suas necessidades. Desde 2 de outubro de 2015, a Google LLC é uma filial a 100 % da Alphabet, Inc., sociedade cabeça do grupo (a seguir, conjuntamente, «Google»).

2        O motor de busca da Google, acessível no endereço www.google.com, ou nos endereços semelhantes com uma extensão nacional, permite obter resultados de pesquisa apresentados em páginas que aparecem nos ecrãs dos internautas. Esses resultados são selecionados pelo referido motor segundo critérios gerais e sem que os sítios para os quais remetem remunerem a Google para aparecer (a seguir «resultados de pesquisa geral» ou «resultados genéricos», ou selecionados segundo uma lógica especializada para o tipo particular de pesquisa efetuada (a seguir «resultados de pesquisa especializada»). Os resultados de pesquisa especializada podem, sendo caso disso, aparecer sem qualquer diligência particular do internauta com os resultados de pesquisa geral numa mesma página (a seguir «página[s] geral[/is] de resultados) ou aparecer sós na sequência de um pedido do internauta efetuado a partir de uma página especializada do motor de busca da Google ou após ativação de ligações que figuram em certas zonas das suas páginas gerais de resultados. A Google desenvolveu diferentes serviços de pesquisa especializada, por exemplo, para notícias, para informações e ofertas comerciais de natureza local, para viagens de avião ou para compra de produtos. É esta última categoria que está em causa no presente processo.

3        Os serviços de pesquisa especializada para a compra de produtos (a seguir «serviços de comparação de produtos» ou «comparadores de produtos») não vendem produtos por si próprios, mas comparam e selecionam ofertas de vendedores na Internet que propõem o produto procurado. Esses vendedores podem ser vendedores diretos ou plataformas de venda que reúnem as ofertas de inúmeros vendedores e às quais é possível encomendar imediatamente o produto procurado (eBay, Amazon, PriceMinister ou Fnac estão entre as mais conhecidas).

4        Como os resultados de pesquisa geral, os resultados de pesquisa especializada podem ser resultados, por vezes qualificados de «naturais», independentes de pagamentos dos sítios Internet para os quais remetem, mesmo que sejam sítios comerciais. A ordem de apresentação desses resultados naturais nas páginas de resultados é igualmente independente de pagamentos.

5        Nas páginas de resultados da Google, como nas páginas de outros motores de busca, aparecem também resultados que estão, pelo contrário, ligados a pagamentos dos sítios Internet para os quais remetem. Estes resultados, correntemente designados «anúncios» («ads» abreviadamente em inglês), estão igualmente relacionados com a pesquisa efetuada pelo internauta e distinguem‑se dos resultados naturais de pesquisa geral ou de pesquisa especializada, por exemplo, com as palavras «anúncio» ou «patrocinado». Aparecem em espaços particulares das páginas de resultados ou entre os outros resultados. Podem constituir resultados de pesquisa especializada e, de facto, alguns dos serviços de pesquisa especializada da Google baseiam‑se num sistema de inclusão paga. A sua visualização está ligada a compromissos de pagamento dos anunciantes assumidos no âmbito de leilões. Se for o caso, intervêm critérios complementares de seleção. Os anunciantes remuneram a Google quando um internauta, ao clicar, ativa a hiperligação constante do seu anúncio, que remete para o seu próprio sítio Internet.

6        As páginas gerais de resultados da Google podem comportar ou comportaram todos os tipos de resultados acima referidos nos n.os 2 a 5. Conforme acima exposto igualmente no n.o 2, os resultados de pesquisa especializada, quer sejam naturais quer sejam anúncios, podem também aparecer sós numa página de resultados especializada na sequência de um pedido do internauta efetuado a partir de uma página de pesquisa especializada do motor de busca da Google ou após ativação de ligações que figuram em determinadas zonas das suas páginas gerais de resultados.

7        Outros motores de busca que não o da Google oferecem ou ofereceram serviços de pesquisa geral e serviços de pesquisa especializada, como o Alta Vista, o Yahoo, o Bing ou o Qwant. Existem, por outro lado, motores de busca específicos para a comparação de produtos como o Bestlist, o Nextag, o IdealPrice, o Twenga, o Kelkoo ou o Prix.net.

8        De acordo com as explicações não impugnadas fornecidas pela Google, esta começou a fornecer aos internautas um serviço de comparação de produtos em 2002, após ou paralelamente a outros motores de busca como o Alta Vista, o Yahoo, o AskJeeves ou o America On Line (AOL). Essas iniciativas responderam à constatação de que os procedimentos até então utilizados pelos motores de busca não davam necessariamente os resultados mais pertinentes para responder a pesquisas particulares, como as relativas a notícias ou produtos para compra, tendo, assim, a Google fornecido resultados de comparação de produtos (a seguir «resultados para produtos») a partir do final de 2002 nos Estados Unidos e, depois, cerca de dois anos mais tarde, gradualmente em determinados países na Europa. Estes resultados não eram os dos seus algoritmos habituais de pesquisa geral aplicados às informações presentes nos sítios Internet, extraídas primeiro pelo processo denominado «crawling», que consiste numa atividade de exploração dos conteúdos da Internet realizada pela Google para efeitos de indexação, selecionadas depois para serem postas no «índice web» da Google e, por último, objeto de triagem em função da sua pertinência para aparecerem em resposta ao pedido do internauta, mas sim os resultados de algoritmos específicos aplicados às informações constantes de uma base de dados alimentada pelos próprios vendedores, denominada «índice produtos». Estes resultados foram, inicialmente, fornecidos através de uma página de pesquisa especializada, denominada Froogle, distinta da página de pesquisa geral do motor de busca e, posteriormente, a partir de 2003 nos Estados Unidos e de 2005 em determinados países na Europa, também através da página de pesquisa geral do motor de busca. Neste último caso, os resultados para produtos apareciam agrupados nas páginas gerais de resultados no que era denominado Product OneBox (a seguir «Product OneBox»), abaixo ou ao lado das publicidades que constavam na parte superior ou lateral da página e acima dos resultados de pesquisa geral, como mostra a seguinte ilustração com legenda acrescentada, fornecida pela Google:

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9        Com efeito, se o internauta utilizasse a página de pesquisa geral para fazer a sua consulta relativa a um produto, as respostas fornecidas pelo motor de busca incluíam simultaneamente as resultantes da pesquisa especializada e as resultantes da pesquisa geral. Quando o internauta clicasse na ligação de um resultado da Product OneBox, era diretamente reencaminhado para a página adequada do sítio Internet do vendedor do produto procurado, que permitia a respetiva compra. Por outro lado, uma ligação especial que figurava na Product OneBox permitia ser reencaminhado para uma página de resultados do Froogle que apresentava uma seleção alargada de resultados especializados para produtos. A Google expõe que, em contrapartida, os resultados do Froogle nunca figuravam nos resultados de pesquisa geral, ao passo que os resultados de outros motores de busca especializada de comparação de produtos podiam neles figurar.

10      A Google alega que, a partir de 2007, alterou a maneira de elaborar os resultados para produtos.

11      Por ocasião dessas alterações, a Google abandonou o nome de Froogle para o de Product Search para as suas páginas de pesquisa e de resultados especializadas de comparação de produtos.

12      No que respeita aos resultados para produtos visualizados a partir da página de pesquisa geral nas páginas gerais de resultados, por um lado, a Google enriqueceu o conteúdo da Product OneBox acrescentando‑lhe fotografias. A Google fornece, a este respeito, a seguinte ilustração do primeiro tipo de adição de fotografias:

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13      A Google diversificou também as saídas possíveis da ação de clicar na ligação de resultado que aparecia: consoante o caso, o internauta era como antes diretamente reencaminhado para a página adequada do sítio Internet do vendedor do produto procurado, que permitia a respetiva compra, ou era reencaminhado para a página de resultados especializada Product Search para descobrir mais ofertas do mesmo produto. A Product Onebox foi gradualmente renomeada, nos diferentes países, de Product Universal (a seguir «Product Universal») (por exemplo, em 2008 no Reino Unido e na Alemanha), ao mesmo tempo que se tornou mais atrativa. A Google fornece a seguinte ilustração, com legendas acrescentadas, das duas variantes da Product Universal:

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14      Por outro lado, a Google criou um mecanismo, designado Universal Search, que permitia, em caso de identificação de uma pesquisa para compra de um produto, hierarquizar, na página geral de resultados, os produtos pertencentes à Product Onebox, e depois à Product Universal, em relação aos resultados de pesquisa geral.

15      No que respeita aos resultados para produtos ligados a pagamentos que apareciam nas suas páginas de resultados, a Google introduziu na Europa, a partir de setembro de 2010, um formato enriquecido em relação aos anúncios compostos apenas por texto (text ads em inglês, a seguir «anúncios textuais») que apareciam até então. Por opção do anunciante, ao clicar no texto, o internauta podia ver, num formato ampliado em relação ao anúncio textual inicial, fotografias dos produtos procurados e os respetivos preços, tais como propostos pelo anunciante. A Google fornece uma ilustração, com legenda acrescentada, de um anúncio textual assim desenvolvido:

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16      A partir de novembro de 2011, na Europa, a Google completou esse dispositivo de ampliação dos anúncios textuais com a apresentação direta, nas suas páginas gerais de resultados, de grupos de anúncios de vários anunciantes, com fotografias e preços, que denominou «listas de anúncios para produtos» ou «anúncios para produtos» (a seguir «anúncios para produtos»), e que figuravam quer à direita quer no topo da página de resultados. Ao clicar num anúncio constante do grupo, o internauta era reencaminhado para o sítio Internet do anunciante. A Google fornece a seguinte ilustração de um anúncio para produtos:

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17      Posteriormente, a Google deixou de apresentar simultaneamente, nas suas páginas gerais de resultados, resultados naturais para produtos de pesquisa especializada agrupados (Product Universal), anúncios agrupados para produtos (product ads), anúncios textuais (text ads), eventualmente desenvolvidos, e resultados de pesquisa geral, tendo considerado que não era desejável manter esta situação. Assim, a Google pôs termo na Europa à Product Universal e aos anúncios textuais desenvolvidos nas suas páginas gerais de resultados em 2013. Passaram, portanto, a constar apenas anúncios agrupados para produtos, rebatizados «Shopping Commercial Units» ou «Shopping Units» (a seguir «Shopping Units»), anúncios textuais e resultados de pesquisa geral. A Google fornece a seguinte ilustração, com legenda acrescentada, de uma Shopping Unit, que precedia anúncios textuais e um resultado de pesquisa geral:

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18      Por conseguinte, o internauta que clicasse num anúncio constante de uma Shopping Unit era sempre reencaminhado para o sítio Internet de venda do anunciante. Só acedia da página geral de resultados à página de pesquisa e de resultados especializada de comparação de produtos da Google que fornecia mais anúncios se clicasse numa ligação específica que figurava no topo da Shopping Unit ou numa ligação acessível a partir do menu de navegação geral (separador «Shopping»).

19      A Google precisa que a seleção dos anúncios para a Shopping Unit fazia intervir não só o mecanismo de leilão acima referido no n.o 5, mas também critérios da mesma ordem dos aplicados para fornecer os seus resultados naturais para produtos, acima referidos no n.o 8. Expõe, sem impugnação, que a seleção podia, sendo caso disso, levar a privilegiar, na ordem de apresentação na página geral de resultados, anúncios textuais em relação à Shopping Unit, ou o inverso, ou mesmo excluir qualquer apresentação desta última se o número de anúncios de qualidade fosse insuficiente.

20      Ao mesmo tempo que a Google suprimiu a Product Universal da sua página geral de resultados, renunciou igualmente a apresentar resultados naturais para produtos na sua página de resultados especializada Product Search, que evoluiu numa página que contém apenas anúncios, denominada Google Shopping. A Google fornece a seguinte ilustração de uma página Google Shopping:

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B.      Procedimento administrativo

21      O presente processo tem origem em várias denúncias apresentadas à Comissão Europeia, a partir de novembro de 2009, por empresas, associações de empresas e associações de consumidores, bem como em processos remetidos à Comissão por autoridades nacionais da concorrência (em especial, o Bundeskartellamt, Autoridade Federal da Concorrência, Alemanha).

22      Em 30 de novembro de 2010, a Comissão deu início a um procedimento contra a Google com base no artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2004, L 123, p. 18).

23      Em 13 de março de 2013, a Comissão adotou uma apreciação preliminar com base no artigo 9.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), com vista à eventual aceitação de compromissos da Google que respondessem às suas objeções. Na sua apreciação preliminar, a Comissão considerou, nomeadamente, que o tratamento favorável, nas páginas gerais de resultados da Google, de ligações que remetem para os seus próprios serviços de pesquisa especializada em relação às ligações que remetem para serviços de pesquisa especializada concorrentes era de natureza a violar o artigo 102.o TFUE e o artigo 54.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE).

24      Embora indicasse que não partilhava da análise jurídica constante da apreciação preliminar e contestasse a afirmação de que as práticas descritas pela Comissão violavam o artigo 102.o TFUE, a Google apresentou três séries de compromissos, a primeira, em 3 de abril de 2013, a segunda, em 21 de outubro de 2013, e a terceira, em 31 de janeiro de 2014.

25      Entre 27 de maio e 11 de agosto de 2014, a Comissão enviou, nos termos do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004, cartas aos denunciantes que tinham apresentado uma denúncia antes de 27 de maio de 2014, indicando‑lhes que tencionava rejeitar as suas denúncias. As cartas apresentavam a apreciação provisória da Comissão segundo a qual a terceira série de compromissos apresentada pela Google podia responder às objeções de concorrência expressas na apreciação preliminar.

26      Em resposta a estas cartas, 19 denunciantes apresentaram observações. Após a análise destas observações, a Comissão informou a Google, em 4 de setembro de 2014, de que, no final, não estava em condições de adotar uma decisão de aceitação de compromissos nos termos do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003.

27      Em 15 de abril de 2015, a Comissão retomou o procedimento de verificação da existência de uma infração previsto no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 e adotou uma comunicação de acusações dirigida à Google, na qual chegou à conclusão provisória de que as práticas em causa constituíam um abuso de posição dominante e, portanto, violavam o artigo 102.o TFUE.

28      Em 27 de abril de 2015, a Comissão facultou à Google o acesso ao processo.

29      Entre junho e setembro de 2015, a Comissão enviou uma versão não confidencial da comunicação de acusações a 24 denunciantes e a 10 partes interessadas. Um total de 20 denunciantes e 7 partes interessadas apresentaram observações.

30      Em 27 de agosto de 2015, a Google apresentou a sua resposta à comunicação de acusações.

31      Entre outubro e novembro de 2015, a Comissão enviou uma versão não confidencial da resposta à comunicação de acusações a 23 denunciantes e 9 partes interessadas. Foram apresentadas observações por 14 denunciantes e 7 partes interessadas.

32      Em 14 de julho de 2016, a Comissão adotou uma comunicação de acusações adicional.

33      Em 27 de julho de 2016, a Comissão facultou à Google um novo acesso ao processo.

34      Entre setembro e outubro de 2016, a Comissão enviou uma versão não confidencial da comunicação de acusações adicional a 20 denunciantes e a 6 partes interessadas. Foram apresentadas observações sobre a comunicação de acusações adicional por 9 denunciantes e 3 partes interessadas.

35      Em 3 de novembro de 2016, a Google apresentou a sua resposta à comunicação de acusações adicional.

36      Em 28 de fevereiro de 2017, a Comissão enviou à Google uma «carta de factos» que chamava a sua atenção para provas que não eram expressamente invocadas na comunicação de acusações e na comunicação de acusações adicional, mas que, após análise do processo, podiam ser potencialmente pertinentes para sustentar a conclusão preliminar retirada desses atos.

37      Em 1 de março de 2017, a Comissão facultou à Google novo acesso ao processo.

38      Em 18 de abril de 2017, a Google respondeu à «carta de factos».

39      Em 27 de junho de 2017, a Comissão adotou a Decisão C(2017) 4444 final, relativa a um processo nos termos do artigo 102.o [TFUE] e do artigo 54.o do Acordo EEE [Processo AT.39740 — Google Search (Shopping)] (a seguir «decisão recorrida»).

C.      Decisão recorrida

40      Na decisão recorrida, após ter apresentado as fases do procedimento que conduziu à sua adoção e refutado as críticas da Google sobre a tramitação desse procedimento, a Comissão definiu, em primeiro lugar, os mercados pertinentes, na aceção das normas da concorrência.

41      A Comissão recordou que, no contexto da identificação de uma eventual posição dominante de uma empresa num mercado, deve ter em conta não só as características dos produtos ou dos serviços em causa, mas também a estrutura da oferta e da procura, para determinar o ou os mercados pertinentes. Sublinhou que a questão de saber se, neste contexto, os produtos ou serviços são distintos deve ser apreciada do ponto de vista da procura do consumidor.

42      A Comissão considerou que os mercados de produtos em causa são, por um lado, o mercado dos serviços de pesquisa geral na Internet e, por outro, o mercado dos serviços de comparação de produtos na Internet.

43      Em primeiro lugar, no que respeita ao mercado dos serviços de pesquisa geral na Internet, a Comissão indicou que a atividade de propor esse serviço é uma atividade económica, uma vez que, embora utilizem esse serviço gratuitamente, os internautas aceitam que o gestor do motor de busca recolha dados que lhes digam respeito, que pode em seguida valorizar, nomeadamente junto dos anunciantes que pretendam a visualização de publicidade nas páginas de resultados. De um modo geral, nas plataformas «bifaces», uma face gratuita para um dos tipos de utilizadores (neste caso, o internauta) permite, se funcionar bem, reforçar a procura da outra face, por seu lado onerosa para o seu tipo de utilizador (neste caso, o anunciante que pretende atingir o maior número possível de internautas). Nesta medida, os diferentes serviços de pesquisa geral na Internet estão em concorrência para atrair, pela qualidade do seu motor de busca, tanto os internautas como os anunciantes.

44      Em seguida, a Comissão considerou que, do ponto de vista da procura dos internautas, há pouca substituibilidade entre os serviços de pesquisa geral e outros serviços propostos na Internet.

45      Em especial, os serviços de pesquisa geral são pouco substituíveis pelos serviços de pesquisa especializada, uma vez que apenas abrangem o domínio especializado de cada um. Além disso, remetem na maioria das vezes apenas para ofertas comerciais, ao passo que os serviços de pesquisa geral remetem para qualquer tipo de serviço na Internet. A maneira como estes diferentes serviços de pesquisa fornecem as respostas é também diferente, quanto mais não seja no que respeita à constituição das suas bases de dados. Os seus modelos financeiros diferem também, uma vez que os serviços de pesquisa geral são financiados apenas pelo pagamento da visualização de publicidade nas páginas de resultados e os serviços de pesquisa especializada são financiados, além disso, pelos pagamentos das empresas cujos sítios são mencionados nos resultados de pesquisa quando os internautas dão seguimento a essa menção (pagamentos por clique ou pela transação subsequente). Os exemplos concretos, nomeadamente o da Google, confirmam estas distinções. Assim, numerosas empresas que propõem serviços de pesquisa especializada, como a Shopzilla (comparador de produtos) ou a Kayak (comparador de tarifas de viagens), não propõem um serviço de pesquisa geral. A própria Google distingue efetivamente os dois tipos de serviços de pesquisa e tem sistematicamente páginas de pesquisa e páginas de resultados específicos para os seus serviços de pesquisa especializada. Os analistas do setor distinguem igualmente os dois tipos de serviços. A Comissão sublinha ainda outras distinções, relativas às funcionalidades ou ao uso dos dois tipos de serviços, embora estes últimos possam por vezes cada um deles fornecer respostas a um mesmo pedido.

46      No que respeita à substituibilidade do lado da oferta, a Comissão indicou também que há pouca substituibilidade entre os serviços de pesquisa geral e outros serviços propostos na Internet. A este respeito, baseou‑se na existência de barreiras à entrada no que respeita aos serviços de pesquisa geral para os operadores de outros serviços na Internet para mostrar que dificilmente podem, a curto prazo e sem incorrer em custos ou riscos substanciais, exercer uma concorrência para com os atuais prestadores de serviços de pesquisa geral.

47      Em substância, segundo a Comissão, um fornecedor de serviços na Internet que queira propor um novo serviço de pesquisa geral deve fazer face a investimentos muito avultados. Várias grandes empresas da Internet salientaram a existência, a este respeito, de sérias barreiras à entrada. Para que um serviço de pesquisa geral funcione bem e de modo viável, tem de receber um volume significativo de pedidos de pesquisa. Como a qualidade das respostas aos pedidos dos internautas evoluiu bastante, deixa de ser verosímil hoje em dia que as posições de mercado sejam postas em causa, como se viu no passado quando a Google ultrapassou os antigos motores de busca líderes Alta Vista e Lycos. O desenvolvimento da publicidade nas páginas gerais de resultados favorece também o líder que atrai mais os anunciantes atendendo ao número de utilizadores que recorrem ao seu serviço de pesquisa geral. O que torna ainda mais difícil o surgimento de novos operadores, tendo sido, pelo contrário, observado, desde 2007, retiradas da atividade ou a circunscrição de determinados operadores a um mercado nacional ou a uma zona linguística. Só a Microsoft pôde desempenhar essa atividade de forma significativa com o seu motor de busca Bing, que não ultrapassa, no entanto, em nenhum país do EEE, 10 % de quotas de mercado.

48      Em seguida, a Comissão considerou que os serviços de pesquisa geral na Internet não devem ser distinguidos consoante os internautas recorrem a eles a partir de computadores ou a partir de outros terminais como os tablets ou os smartphones. Concluiu, assim, pela existência de um mercado de produtos dos serviços de pesquisa geral na Internet.

49      Em segundo lugar, no que respeita ao mercado dos serviços de comparação de produtos na Internet, a Comissão fundamentou a sua existência da seguinte forma. Os serviços de comparação de produtos distinguem‑se dos outros serviços de pesquisa especializada na Internet. Do ponto de vista da procura, cada serviço de pesquisa especializado responde a pesquisas focalizadas num determinado tipo de assunto e só fornece resposta a este propósito, pelo que os diferentes serviços de pesquisa especializada não são substituíveis uns pelos outros. Do ponto de vista da oferta, os critérios de seleção das respostas, o conteúdo das bases de dados, a natureza e o perímetro dos operadores que animam sítios Internet para os quais um serviço de pesquisa especializada pode remeter e as relações contratuais com estes são tão diferentes consoante o tipo de pesquisa especializada que é difícil para o prestador de um serviço de pesquisa especializada propor, a curto prazo e sem incorrer em custos adicionais substanciais, um serviço de pesquisa especializada de outro tipo e, portanto, exercer uma concorrência a esse respeito. Por conseguinte, a substituibilidade do lado da oferta também não existe entre os diferentes tipos de serviços de pesquisa especializada.

50      Os serviços de comparação de produtos são igualmente, por diferentes razões, pouco substituíveis pelos serviços de visualização de publicidade geral nas páginas gerais de resultados (online search advertising platforms na decisão recorrida). A este respeito, a Comissão avançou essencialmente razões atinentes às modalidades de elaboração e de funcionamento dos dois tipos de serviços, nomeadamente ao facto de o internauta não procurar especialmente a publicidade, quando solicita propositadamente um comparador de produtos para obter resultados.

51      Os serviços de comparação de produtos também são pouco substituíveis pelos serviços dos vendedores diretos na Internet. A este respeito, a Comissão sublinhou, em substância, que os vendedores diretos estão concentrados nos produtos ou nos serviços que eles próprios têm de vender e que o facto de o internauta poder efetuar uma compra a esses vendedores sem passar pela etapa de uma pesquisa através de um serviço de comparação de produtos não significa que exista uma substituibilidade entre os dois tipos de serviços, que são muito diferentes.

52      Os serviços de comparação de produtos são, eles próprios, pouco substituíveis pelos serviços das plataformas de venda na Internet, ditas «plataformas comerciais». A Comissão apresentou a este respeito, designadamente em resposta a diversos argumentos em sentido contrário da Google, uma análise aprofundada do que considerou representar diferenças entre os dois tipos de serviços, em particular ligadas ao facto de esses dois tipos de serviços responderem, em seu entender, a necessidades diferentes dos internautas e dos vendedores na Internet, incluindo na medida em que, contrariamente a essas plataformas, os serviços de comparação de produtos não vendem produtos e, portanto, não assumem diversas prestações ou obrigações ligadas à venda.

53      No que respeita ao âmbito geográfico dos mercados em causa, a Comissão concluiu que tanto os mercados da pesquisa geral como os mercados da pesquisa especializada para a comparação de produtos eram de dimensão nacional. Apesar da possibilidade de consultar um sítio Internet a partir de qualquer lugar, fatores ligados à compartimentação nacional, nomeadamente de natureza linguística, e a existência de motores de busca «nacionais» conduziram a esta conclusão, aliás não contestada pela Google.

54      Em seguida, a Comissão expôs que a Google detém desde 2008 uma posição dominante no mercado da pesquisa geral em cada país do EEE, exceto na República Checa, onde essa posição só é detida desde 2011. A Comissão apoiou‑se a este respeito em diversos fatores. Salientou as quotas de mercado em volume muito grandes e estáveis da Google, observadas em diferentes estudos, quase sempre superiores a 80 % desde 2008, salvo na República Checa, onde, no entanto, a Google se tornou a líder incontestada desde janeiro de 2011 com uma quota de mercado que ultrapassava então os 70 %. A Comissão sublinhou as reduzidas quotas de mercado dos concorrentes da Google, como a Bing ou a Yahoo. Reiterou considerações sobre as barreiras à entrada do mercado tal como já foram expostas na sua análise sobre a definição do mercado e sublinhou igualmente que poucos internautas utilizam vários motores de pesquisa geral, que a Google beneficia de uma forte reputação e que os internautas, independentes uns dos outros, não constituem um contrapoder de comprador. Rejeitou os argumentos da Google segundo os quais a gratuitidade do serviço para os internautas altera a situação e indicou que a posição dominante da Google existe tanto para as pesquisas efetuadas a partir de computadores fixos como para as pesquisas feitas a partir de dispositivos móveis.

55      Em seguida, a Comissão considerou que a Google tinha, a partir de diferentes momentos, que remontam até janeiro de 2008, abusado da sua posição dominante existente em treze mercados nacionais da pesquisa geral no EEE ao diminuir o tráfego proveniente das suas páginas gerais de resultados para os comparadores de produtos concorrentes e ao aumentar esse tráfego para o seu próprio comparador de produtos, o que era suscetível de ter, ou verosimilmente teve, efeitos anticoncorrenciais nos treze mercados nacionais correspondentes da pesquisa especializada para a comparação de produtos, mas também nos referidos mercados de pesquisa geral. Os países em causa são a Bélgica, a República Checa, a Dinamarca, a Alemanha, Espanha, França, a Itália, os Países Baixos, a Áustria, a Polónia, a Suécia, o Reino Unido e a Noruega.

56      A Comissão descreveu, assim, o abuso imputado à Google. No que respeita aos princípios, a Comissão expôs que as proibições constantes do artigo 102.o TFUE e do artigo 54.o do Acordo EEE podem respeitar não só à conduta de uma empresa que pretende reforçar a sua posição no mercado em que já é dominante, mas também a conduta de uma empresa em posição dominante num determinado mercado que tende a alargar a sua posição num mercado vizinho falseando a concorrência. A Comissão recordou que o abuso de posição dominante é proibido quaisquer que sejam os meios ou procedimentos utilizados para o efeito e independentemente de qualquer culpa e que, contudo, a empresa em causa pode fornecer uma justificação demonstrando que a sua conduta é objetivamente necessária ou que o efeito de exclusão gerado pode ser contrabalançado por vantagens em termos de ganhos de eficiência de que beneficiam igualmente os consumidores.

57      A Comissão indicou, na secção 7.2 da decisão recorrida, que o abuso identificado no caso vertente consiste no posicionamento e na apresentação mais favoráveis, nas páginas gerais de resultados da Google, do seu próprio comparador de produtos, em relação aos comparadores de produtos concorrentes.

58      Em primeiro lugar, para demonstrar por que razão essas práticas são abusivas e se afastam da concorrência pelo mérito, a Comissão descreveu, na secção 7.2.1 da decisão recorrida, de que forma a Google posiciona e apresenta mais favoravelmente o seu próprio comparador de produtos do que os comparadores de produtos concorrentes. A Comissão examinou, antes de mais, como são posicionados e apresentados os comparadores de produtos concorrentes, de entre os resultados genéricos da Google, antes de examinar, em seguida, como é, por sua vez, posicionado e apresentado o comparador de produtos da Google nas suas páginas gerais de resultados.

59      No que respeita, por um lado, ao posicionamento dos comparadores de produtos concorrentes, a Comissão observou que estes últimos aparecem nos resultados genéricos, sob a forma de ligações que remetem para as respetivas páginas de resultados suscetíveis de responder à consulta, ao mesmo tempo que se sujeitam a descer de posição na classificação dos resultados genéricos pelos algoritmos ditos de «ajustamento» desses resultados, em especial pelo denominado Panda, devido, designadamente, às características dos comparadores de produtos e, em particular, à sua falta de conteúdo original. A Comissão indicou, nomeadamente, que, desde o seu lançamento, os algoritmos em questão tinham sido aplicados à grande maioria dos 361 comparadores de produtos identificados pela Google na sua resposta à comunicação de acusações (a seguir «361 comparadores de produtos concorrentes identificados pela Google») e que, no Reino Unido, na Alemanha, em França, em Itália e em Espanha, entre 2 de agosto de 2010 e 2 de dezembro de 2016, a visibilidade dos comparadores de produtos concorrentes nas páginas gerais de resultados da Google, que estava no auge no final de 2010 e no início de 2011, tinha sofrido uma queda abrupta após o lançamento do algoritmo Panda, sem que ocorresse nenhuma recuperação posterior.

60      No que respeita, por outro lado, à apresentação dos comparadores de produtos concorrentes, a Comissão salientou que os referidos comparadores apenas podem aparecer como resultados genéricos nas páginas gerais de resultados da Google, ou seja, sob a forma de simples ligações azuis e que não podem, portanto, ser visualizados num formato enriquecido com imagens e informações adicionais sobre os produtos, os preços e o vendedor, quando tais informações aumentam a taxa de cliques (taxa de ativação da ligação). A Comissão mencionou um determinado número de elementos em apoio desta afirmação, nomeadamente estudos e experiências.

61      Em seguida, a Comissão examinou como é posicionado e apresentado o comparador de produtos da Google nas páginas gerais de resultados. No que diz respeito ao seu posicionamento, a Comissão identificou duas diferenças com o posicionamento dos comparadores de produtos concorrentes, a saber, por um lado, que o comparador de produtos da Google não está sujeito aos mesmos mecanismos de classificação e, designadamente, aos algoritmos de ajustamento como o Panda e, por outro, que, quando o comparador de produtos da Google é visualizado numa «box», aparece num lugar altamente visível. No que respeita à aplicação dos mecanismos de ajustamento, a Comissão notou que os referidos algoritmos não se aplicam ao comparador de produtos da Google, apesar de este revestir inúmeras características comuns com os comparadores de produtos concorrentes, características que o teriam tornado propenso às mesmas descidas na classificação nos resultados genéricos. No que se refere à visibilidade do comparador de produtos da Google nas páginas gerais de resultados, a Comissão indicou mais especificamente que, desde o lançamento da Product Universal, o Google tem, na maioria dos casos, posicionado os resultados do seu próprio comparador de produtos quer acima de todos os resultados genéricos quer ao nível dos primeiros resultados genéricos, sendo o objetivo, de acordo com uma mensagem de correio eletrónico interna da Google, «aumentar fortemente o tráfego». Após ter descrito a evolução da Product Universal entre 2007 e 2012, a Comissão examinou o posicionamento da Shopping Unit e indicou que esta última é sempre posicionada acima dos primeiros resultados genéricos da Google. A este respeito, a Comissão sublinhou, ao responder ao argumento da Google de que a taxa de ativação (taxa de aparição) da Shopping Unit é baixa, que a taxa de ativação desta última excede, na maioria dos casos, a taxa de ativação dos 361 comparadores de produtos concorrentes identificados pela Google, tanto entre os quatro primeiros resultados genéricos como no primeiro resultado genérico. A Comissão forneceu números, como elementos em apoio desta afirmação, para os treze mercados geográficos em causa.

62      No que diz respeito à apresentação do comparador de produtos da Google, a Comissão constatou que a diferença principal de apresentação com os comparadores de produtos concorrentes reside no facto de o comparador de produtos da Google ser apresentado com características gráficas mais ricas, incluindo imagens e informações dinâmicas. Ora, estas características gráficas enriquecidas levam, segundo a Comissão, a uma taxa de cliques mais elevada para a Google e, portanto, a um aumento das suas receitas. A Comissão enumerou vários elementos neste sentido, resultantes das explicações da própria Google e da contribuição de outra empresa para o procedimento administrativo.

63      Em seguida, a Comissão respondeu aos argumentos da Google para impugnar o comportamento de favorecimento que lhe é imputado. Em especial, expôs diferentes razões por que a visualização e a utilização das Product Universals e das Shopping Units beneficiam o comparador de produtos da Google. Considerou igualmente que não é pertinente o argumento de que a Google aplica os mesmos critérios de pertinência, por um lado, à Product Universal e aos resultados genéricos e, por outro, à Shopping Unit e aos outros anúncios relativos a produtos.

64      Em segundo lugar, para demonstrar o caráter abusivo das práticas em causa, a Comissão examinou, na secção 7.2.2 da decisão recorrida, o valor do volume do tráfego para os serviços de comparação de produtos. A este título, a Comissão notou que o volume do tráfego é importante, em muitos aspetos, para a capacidade de um comparador de produtos fazer concorrência. Após ter citado, neste ponto, o proprietário de vários comparadores de produtos, segundo o qual o tráfego é um trunfo essencial de um motor de busca especializado, porque, por várias razões, quanto maior for esse tráfego, mais aumenta a pertinência dos serviços de pesquisa, a Comissão confirmou, nomeadamente, apoiando‑se em inúmeras declarações, que a pertinência de um serviço de pesquisa especializado está ligada à extensão e ao caráter recente das informações fornecidas. Ora, um tráfego elevado permite aos comparadores de produtos convencer os vendedores a fornecerem‑lhes mais dados sobre os seus produtos e, assim, aumentar a sua oferta de comparação de produtos na Internet e, consequentemente, as suas receitas. A Comissão observou igualmente, citando, a este respeito, inúmeras declarações, que o tráfego conduz a efeitos de aprendizagem que permitem aumentar a pertinência dos resultados de pesquisa e, portanto, a utilidade do serviço de comparação de produtos oferecido aos internautas. Por último, a Comissão explicou que o tráfego permite aos comparadores de produtos praticarem experiências para melhorar os seus serviços de pesquisa e sugerir pesquisas adicionais aos internautas que os consultem.

65      Em terceiro lugar, para demonstrar o caráter abusivo das práticas em causa, a Comissão expôs, na secção 7.2.3 da decisão recorrida, que essas práticas diminuem o tráfego das páginas gerais de resultados da Google para os comparadores de produtos concorrentes e aumentam o tráfego dessas páginas para o comparador de produtos da Google. A Comissão sustentou esta conclusão com três elementos. Desde logo, com base numa análise do comportamento dos internautas, a Comissão concluiu que os resultados genéricos geram um tráfego elevado para um sítio Internet quando estão classificados nos três a cinco primeiros resultados da primeira página geral de resultados, uma vez que os internautas não prestam ou prestam pouca atenção aos resultados seguintes, que não aparecem com frequência diretamente no ecrã. A Comissão acrescentou que os dez primeiros resultados recebem aproximadamente 95 % dos cliques dos internautas. Com base em estudos realizados pela Microsoft, a Comissão precisou que a posição de uma determinada ligação nos resultados genéricos tem um grande impacto na taxa de cliques nesta ligação, independentemente da pertinência da página Internet para a qual remete, e que uma alteração na classificação de um resultado de pesquisa nas páginas gerais de resultados da Google tem um grande impacto no tráfego oriundo da pesquisa geral. Em seguida, a Comissão indicou que as práticas em causa tinham conduzido a uma diminuição do tráfego das páginas gerais de resultados da Google para quase todos os comparadores de produtos concorrentes, num período significativo, em cada um dos treze países do EEE onde tinham sido implementadas. Por último, a Comissão constatou que as práticas em causa tinham conduzido a um aumento do tráfego da Google para o seu próprio comparador de produtos. A Comissão invocou diferentes elementos em apoio destas constatações. Refutou os argumentos avançados pela Google para impugnar as evoluções de tráfego identificadas ou a relação de causa e efeito entre o seu comportamento e essas evoluções.

66      Em quarto lugar, para demonstrar o caráter abusivo das práticas em causa, a Comissão alegou, na secção 7.2.4 da decisão recorrida, que o tráfego desviado por essas práticas representa uma grande proporção do tráfego para os comparadores de produtos concorrentes e que não pode ser efetivamente substituído pelas outras fontes de tráfego atualmente disponíveis para os comparadores de produtos concorrentes, a saber, os anúncios textuais AdWords, as aplicações para telemóveis, o tráfego direto, as reenvios de outros sítios Internet parceiros, as redes sociais e os outros motores de pesquisa geral.

67      Em quinto lugar, para demonstrar o caráter abusivo das práticas em causa, a Comissão expôs, na secção 7.3 da decisão recorrida, que essas práticas têm potenciais efeitos anticoncorrenciais nos treze mercados nacionais da pesquisa especializada para a comparação de produtos e nos treze mercados nacionais da pesquisa geral acima mencionados no n.o 55. No que respeita aos primeiros, a Comissão pretendeu demonstrar que as práticas em causa podiam conduzir os comparadores de produtos concorrentes a cessar as suas atividades, podiam ter um impacto negativo na inovação e podiam, portanto, reduzir as possibilidades de os consumidores acederem aos serviços mais eficientes. A estrutura concorrencial destes mercados é, assim, afetada. No caso de as plataformas comerciais deverem ser incluídas nestes mercados, a Comissão considerou que os mesmos efeitos se manifestam nos mais próximos concorrentes da Google, a saber, os comparadores de produtos concorrentes. No que respeita aos mercados nacionais da pesquisa geral, segundo a Comissão, os efeitos anticoncorrenciais das práticas em causa resultam do facto de os recursos adicionais com origem no comparador de produtos da Google a partir das suas páginas gerais de resultados lhe permitirem reforçar o seu serviço de pesquisa geral.

68      Em suma, na decisão recorrida, a Comissão pretendeu demonstrar que a Google posiciona e destaca o seu comparador de produtos nas suas páginas gerais de resultados de modo mais favorável do que os comparadores de produtos concorrentes (parte 7.2.1 da decisão recorrida), que um elevado tráfego, ou seja, uma elevada frequentação, é essencial para os comparadores de produtos (parte 7.2.2 da decisão recorrida), que o comportamento da Google conduz ao aumento do tráfego para o seu comparador de produtos e à diminuição do tráfego para os comparadores de produtos concorrentes (parte 7.2.3 da decisão recorrida), que o tráfego proveniente das páginas gerais de resultados da Google representa uma grande proporção do tráfego destes comparadores concorrentes e que não pode ser efetivamente substituído por outras fontes de tráfego (parte 7.2.4 da decisão recorrida), que o comportamento em causa pode conduzir à extensão da posição dominante da Google a outros mercados além daquele em que esta posição já é detida, a saber, os mercados da pesquisa especializada para a comparação de produtos (parte 7.3.1 da decisão recorrida), que, mesmo que se deva incluir os serviços de comparação de produtos em mercados mais amplos que contenham também os serviços das plataformas de venda na Internet, os mesmo efeitos anticoncorrenciais se manifestam no segmento destes mercados no que respeita aos serviços de comparação de produtos (parte 7.3.2 da decisão recorrida) e que este comportamento protege também a posição dominante da Google nos mercados da pesquisa geral (parte 7.3.3. da decisão recorrida). A Comissão sublinhou, nomeadamente, os prejuízos para os consumidores que podem decorrer da situação. A Comissão refutou os argumentos avançados pela Google contra esta análise, segundo os quais os critérios jurídicos utilizados não estão corretos (parte 7.4 da decisão recorrida). A Comissão refutou igualmente as justificações aduzidas pela Google para demonstrar que o seu comportamento não é abusivo (parte 7.5 da decisão recorrida) relativas ao facto de este ser objetivamente necessário ou de as eventuais restrições da concorrência que o mesmo implica serem compensadas por ganhos de eficiência que beneficiam o consumidor.

69      Como decorre nomeadamente dos considerandos 344 e 512 da decisão recorrida, o comportamento precisamente identificado pela Comissão como fonte do abuso da Google é, em substância, o de esta ter exibido o seu comparador de produtos nas suas páginas gerais de resultados de forma preeminente e atrativa em «boxes» dedicadas, sem ser submetido aos seus algoritmos de ajustamento utilizados para a pesquisa geral, enquanto, ao mesmo tempo, os comparadores de produtos concorrentes só podiam aparecer nessas páginas sob a forma de resultados de pesquisa geral (ligações azuis) com tendência a serem mal classificados devido à aplicação desses algoritmos de ajustamento. A Comissão sublinhou, nos considerandos 440 e 537 da decisão recorrida, que não punha em causa, em si mesmos, os diferentes critérios de seleção escolhidos pela Google, qualificados de critérios de pertinência, mas o facto de os mesmos critérios de posicionamento e de apresentação não se aplicarem tanto ao seu comparador de produtos como aos comparadores concorrentes. Do mesmo modo, a Comissão precisou no considerando 538 da decisão recorrida que não punha em causa, enquanto tal, a valorização de resultados especializados de comparação de produtos considerados pertinentes pela Google, mas sim o facto de uma mesma valorização não se aplicar tanto ao seu comparador de produtos como aos comparadores concorrentes.

70      Na sequência destas demonstrações, a Comissão declarou, no artigo 1.o da decisão recorrida, que a Google Inc. e a Alphabet, desde que tomou o controlo da Google Inc., violaram o artigo 102.o TFUE e o artigo 54.o do Acordo EEE nos treze países acima mencionados no n.o 55, que eram Estados‑Membros da União Europeia ou outros Estados partes no Acordo EEE, a partir de diferentes datas que correspondiam à introdução de resultados especializados para produtos ou de anúncios para produtos na página geral de resultados da Google.

71      A Comissão considerou que a situação merecia que ordenasse à Google que pusesse termo ao comportamento imputado no prazo de 90 dias e que não adotasse um comportamento equivalente com o mesmo objeto ou o mesmo efeito. A Comissão sublinhou que, embora a Google pudesse cumprir essa injunção de diferentes formas, deviam ser respeitados certos princípios, quer a Google optasse ou não por manter as Shopping Units ou outros grupos de resultados de pesquisa de comparação de produtos nas suas páginas gerais de resultados. De entre esses princípios, figurava, em substância, o princípio de um tratamento não discriminatório entre o comparador de produtos da Google e os comparadores concorrentes. A injunção para pôr termo ao comportamento imputado consta do artigo 3.o do dispositivo da decisão recorrida.

72      Por último, a Comissão considerou que se justificava a aplicação de uma sanção pecuniária à Google. A Comissão recordou que, nos termos do artigo 23.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1/2003 e do artigo 5.o do Regulamento (CE) n.o 2894/94 do Conselho, de 28 de novembro de 1994, relativo a certas regras de aplicação do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (JO 1994, L 305, p. 6), podia aplicar tal sanção às empresas que, de forma deliberada ou por negligência, tinham violado o artigo 102.o TFUE e o artigo 54.o EEE. Recordou igualmente os parâmetros gerais de determinação das sanções pecuniárias que constam do artigo 23.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, a saber, a gravidade e a duração da infração, bem como a forma como tinha indicado aplicar esses parâmetros nas suas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2, alínea a), do artigo 23.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «Orientações»).

73      A este respeito, a Comissão considerou que a Google não podia ignorar a sua posição dominante nos mercados nacionais da pesquisa geral nem o caráter abusivo do seu comportamento, mesmo que certos aspetos da situação não tivessem sido examinados em processos anteriores. Por conseguinte, a Google agiu deliberadamente ou por negligência. A Comissão considerou que o facto de ter havido, numa fase do procedimento, discussões para resolver o problema de concorrência identificado através de compromissos da Google não obstava à aplicação de uma coima.

74      Em seguida, a Comissão indicou que, tendo em conta o controlo exercido desde 2 de outubro de 2015 sobre a Google Inc. pela Alphabet, esta devia ser solidariamente responsável pelo pagamento da coima aplicada para o período que teve início nessa data.

75      A Comissão determinou depois, como base de cálculo da sanção pecuniária, conforme definida nos pontos 12 a 19 das Orientações enquanto «valor das vendas», as receitas geradas em 2016, nos treze países em que identificara o comportamento imputado, pelos anúncios para produtos constantes das Shopping Units ou na página especializada Google Shopping e pelos anúncios textuais que figuravam igualmente na referida página.

76      A Comissão considerou que, tendo em conta a importância económica dos treze mercados nacionais dos serviços de comparação de produtos e o facto de a Google estar não só em posição dominante nos países em causa no mercado dos serviços de pesquisa geral, mas também muito à frente dos seus concorrentes em termos de quotas de mercado, o coeficiente de gravidade a adotar para determinar a sanção pecuniária, conforme previsto nos pontos 20 a 23 das Orientações, devia ser de 10 % do valor base acima descrito no n.o 75. Em seguida, conforme previsto no ponto 24 das Orientações, para cada um dos treze países em que se verificou a infração, a Comissão multiplicou esse montante pelo número de anos de infração decorridos a partir do lançamento da Product Universal ou, na sua falta, da Shopping Unit. A este respeito, a Comissão considerou períodos que vão de 1 305 a 3 435 dias, consoante os países.

77      Para assegurar, em substância, um efeito dissuasor à sanção, visando nomeadamente as empresas da mesma envergadura e da mesma capacidade financeira que a Google — sublinhando que o seu volume de negócios global era de 81 597 000 000 euros, em 2016 –, a Comissão acrescentou um montante adicional, conforme previsto no ponto 25 das Orientações, que corresponde a 10 % do valor base acima mencionado no n.o 75, e aplicou à soma atingida um fator multiplicador de 1,3. Não considerou haver circunstâncias agravantes ou atenuantes que justificassem um aumento ou uma redução da coima.

78      Assim, no artigo 2.o da decisão recorrida, a Comissão aplicou à Google Inc. uma sanção pecuniária no montante de 2 424 495 000 euros, 523 518 000 euros dos quais solidariamente com a Alphabet.

II.    Tramitação do processo

79      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de setembro de 2017, a Google interpôs o presente recurso.

80      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de novembro de 2017, o Bureau européen des unions de consommateurs (BEUC) pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

81      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de dezembro de 2017, a Connexity Inc., a Connexity UK Ltd, a Connexity Europe GmbH e a Pricegrabber.com pediram para intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

82      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de dezembro de 2017, a Infederation Ltd (a seguir «Foundem») pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

83      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de dezembro de 2017, o Órgão de Fiscalização da EFTA e a Initiative for a Competitive Online Marketplace pediram para intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

84      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de dezembro de 2017, a Prestige Gifting Ltd pediu para intervir em apoio dos pedidos da Google.

85      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de dezembro de 2017, a Kelkoo pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

86      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de dezembro de 2017, a Computer & Communication Industry Association (a seguir «CCIA») pediu para intervir em apoio dos pedidos da Google.

87      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de dezembro de 2017, a Consumer Watchdog, Yelp Inc., o Verband Deutscher Zeitschriftenverleger eV (a seguir «VDZ»), a Visual Meta GmbH, o BDZV–Bundesverband Digitalpublisher und Zeitungsverleger eV, anteriormente Bundesverband Deutscher Zeitungsverleger eV (a seguir «BDZV»), a República Federal da Alemanha, a Open Internet Project (OIP) e a Twenga pediram para intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

88      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de dezembro de 2017, a FairSearch pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

89      A Comissão apresentou a contestação em 31 de janeiro de 2018.

90      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de março de 2018, a StyleLounge GmbH pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

91      A Google e a Comissão requereram, por carta de 23 de março de 2018, nos termos do artigo 144.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, que determinados elementos dos autos não fossem comunicados aos intervenientes por serem confidenciais. A Google e a Comissão formularam, a este título, pedidos idênticos no seu conteúdo face a todos os requerentes de intervenção, incluindo o Órgão de Fiscalização da EFTA.

92      A Google apresentou a réplica em 7 de maio de 2018.

93      Por Despacho de 16 de maio de 2018, Google e Alphabet/Comissão (T‑612/17, não publicado, EU:T:2018:292), o presidente da Nona Secção do Tribunal Geral indeferiu o requerimento da StyleLounge para intervir no litígio em apoio da Comissão, por ser extemporâneo.

94      A Comissão apresentou a tréplica em 20 de julho de 2018.

95      Na sequência de uma medida de organização do processo adotada pelo Tribunal Geral com vista a reduzir a extensão dos pedidos de tratamento confidencial dos elementos dos autos, a Google e a Comissão apresentaram, face a todos os requerentes de intervenção, pedidos de tratamento confidencial revistos relativamente à petição e à contestação em 28 de setembro de 2018 e, posteriormente, pedidos de tratamento confidencial relativamente à réplica e à tréplica em 12 de outubro de 2018. Estes pedidos eram também idênticos no seu conteúdo face a todos os requerentes de intervenção.

96      Por Despachos de 7 de dezembro de 2018, Google e Alphabet/Comissão (T‑612/17, não publicado, EU:T:2018:978), de 7 de dezembro de 2018, Google e Alphabet/Comissão (T‑612/17, não publicado, EU:T:2018:982), de 7 de dezembro de 2018, Google e Alphabet/Comissão (T‑612/17, não publicado, EU:T:2018:996), de 7 de dezembro de 2018, Google e Alphabet/Comissão (T‑612/17, não publicado, EU:T:2018:1001), e de 7 de dezembro de 2018, Google e Alphabet/Comissão (T‑612/17, não publicado, EU:T:2018:1002), o presidente da Nona Secção do Tribunal Geral indeferiu, respetivamente, os requerimentos de intervenção da Prestige Gifting, da FairSearch, da Consumer Watchdog, da Yelp, da Connexity, da Connexity UK, da Connexity Europe, da Pricegrabber.com e da Initiative for a Competitive Online Marketplace, por falta de demonstração de interesse na decisão da causa.

97      Por Despachos de 17 de dezembro de 2018, Google e Alphabet/Comissão (T‑612/17, não publicado, EU:T:2018:1007), de 17 de dezembro de 2018, Google e Alphabet/Comissão (T‑612/17, não publicado, EU:T:2018:1008), de 17 de dezembro de 2018, Google e Alphabet/Comissão (T‑612/17, não publicado, EU:T:2018:1009), de 17 de dezembro de 2018, Google e Alphabet/Comissão (T‑612/17, não publicado, EU:T:2018:1010), de 17 de dezembro de 2018, Google e Alphabet/Comissão (T‑612/17, não publicado, EU:T:2018:1011), de 17 de dezembro de 2018, Google e Alphabet/Comissão (T‑612/17, não publicado, EU:T:2018:1028), e de 17 de dezembro de 2018, Google e Alphabet/Comissão (T‑612/17, não publicado, EU:T:2018:1029), o presidente da Nona Secção do Tribunal Geral deferiu, respetivamente, os requerimentos de intervenção do BEUC, da Foundem, da CCIA, do VDZ, do BDZV, da Visual Meta, da Twenga, do Órgão de Fiscalização da EFTA, da Kelkoo e da República Federal da Alemanha. Nesses despachos, foi reservada para final a decisão quanto às despesas relacionadas com as intervenções.

98      Por Despacho de 17 de dezembro de 2018, Google e Alphabet/Comissão (T‑612/17, não publicado, EU:T:2018:1005), o presidente da Nona Secção do Tribunal Geral indeferiu o requerimento de intervenção da OIP, por falta de demonstração de interesse na decisão da causa.

99      Nos despachos de deferimento dos requerimentos de intervenção, é reservada para fase posterior a decisão sobre o mérito dos requerimentos de tratamento confidencial e foi comunicada uma versão não confidencial dos atos processuais ao BEUC, à Foundem, à CCIA, ao VDZ, ao BDZV, à Visual Meta, à Twenga, ao Órgão de Fiscalização da EFTA, à Kelkoo e à República Federal da Alemanha, enquanto eram aguardadas as suas eventuais observações sobre os requerimentos de tratamento confidencial.

100    Em 15 de janeiro de 2019, a Foundem contestou parcialmente os requerimentos de tratamento confidencial da Google.

101    Em 15 e 25 de janeiro de 2019, o Órgão de Fiscalização da EFTA indicou que considerava os requerimentos de tratamento confidencial da Comissão e da Google total ou parcialmente desprovidos de objeto ou infundados, no que lhe dizia respeito. Precisou, contudo, que não pedia que lhe fossem comunicadas as versões confidenciais dos documentos dos autos.

102    Por Despacho de 11 de abril de 2019, Google e Alphabet/Comissão (T‑612/17, não publicado, EU:T:2019:250), o presidente da Nona Secção do Tribunal Geral deferiu, por um lado, alguns dos requerimentos de tratamento confidencial revistos relativamente a informações constantes da petição e da contestação e, por outro, alguns dos requerimentos de tratamento confidencial relativamente a informações constantes da réplica e da tréplica. Indeferiu os requerimentos de tratamento confidencial quanto ao restante. Consequentemente, foi fixado um prazo à Google e à Comissão para comunicarem novas versões não confidenciais de determinados documentos dos autos e à Foundem para poder completar o seu articulado de intervenção atendendo aos elementos cuja confidencialidade tinha sido levantada. Em resposta às observações do Órgão de Fiscalização da EFTA que tinha invocado a sua posição particular no âmbito dos procedimentos administrativos conducentes a decisões da Comissão, como a decisão recorrida, que declaram uma infração às regras da concorrência estipuladas no Acordo sobre o EEE, o presidente da Nona Secção do Tribunal Geral indicou que, no âmbito do processo judicial aplicável no Tribunal Geral, esse órgão estava sujeito às mesmas exigências que os outros intervenientes e que, nas circunstâncias do caso, as suas observações não podiam ser atendidas.

103    O BEUC, a Foundem, a CCIA, o VDZ, o BDZV, a Visual Meta, a Twenga, o Órgão de Fiscalização da EFTA, a Kelkoo e a República Federal da Alemanha apresentaram, cada um, o seu articulado de intervenção em 15 de março de 2019 e a Foundem apresentou um articulado de intervenção complementar em 11 de junho de 2019. A Comissão apresentou observações sobre o articulado de intervenção da CCIA em 20 de maio de 2019 e a Google apresentou observações sobre os articulados de intervenção do BEUC, da CCIA, do VDZ, do BDZV, da Visual Meta, da Twenga, do Órgão de Fiscalização da EFTA, da Kelkoo e da República Federal da Alemanha, com exceção da Foundem, em 21 de junho de 2019 e, especificamente sobre o da Foundem, em 1 de julho de 2019.

104    Sob proposta da Nona Secção, o Tribunal Geral decidiu, em 10 de julho de 2019, nos termos do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

105    Por cartas de 9 e 23 de agosto de 2019, a Comissão e a Google pediram, respetivamente, que, por razões de confidencialidade, determinados elementos das observações da Google sobre vários articulados de intervenção não fossem comunicados ao BEUC, à Foundem, à CCIA, ao VDZ, ao BDZV, à Visual Meta, à Twenga, ao Órgão de Fiscalização da EFTA, à Kelkoo e à República Federal da Alemanha.

106    Em 5 e 10 de setembro de 2019, o BEUC e a Kelkoo contestaram, respetivamente, alguns dos pedidos de confidencialidade da Google relativos às observações desta última sobre os seus articulados de intervenção.

107    Por Despacho de 8 de outubro de 2019, Google e Alphabet/Comissão (T‑612/17, não publicado, EU:T:2019:770), o presidente da Nona Secção alargada do Tribunal Geral considerou que não era necessário decidir sobre os pedidos de confidencialidade não contestados acima mencionados no n.o 105 e, no que respeita aos contestados, deferiu alguns pedidos em relação ao BEUC, à CCIA, ao VDZ, ao BDZV, à Visual Meta, à Twenga, ao Órgão de Fiscalização da EFTA, à Kelkoo e à República Federal da Alemanha, deferiu mais uns, exceto em relação à Kelkoo, e indeferiu outros.

108    Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Nona Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo e convidou, nos termos do artigo 89.o, n.os 2 e 3, do Regulamento de Processo, as partes principais a responder a várias questões, quer por escrito quer na audiência.

109    Em 21 e 22 de janeiro de 2020, a Comissão e a Google responderam, respetivamente, às questões do Tribunal Geral que pediam uma resposta escrita. A Google pediu que, por razões de confidencialidade, determinados elementos da sua resposta não fossem comunicados ao BEUC, à Foundem, à CCIA, ao VDZ, ao BDZV, à Visual Meta, à Twenga, ao Órgão de Fiscalização da EFTA, à Kelkoo e à República Federal da Alemanha.

110    Em 5 de fevereiro de 2020, o BDZV contestou alguns dos pedidos de confidencialidade da Google relativos à sua resposta escrita às questões do Tribunal Geral, mas também relativos a anexos da contestação e da réplica.

111    Por Despacho de 10 de fevereiro de 2020, Google e Alphabet/Comissão (T‑612/17, não publicado, EU:T:2020:69), o presidente da Nona Secção alargada do Tribunal Geral julgou inadmissíveis os pedidos de levantamento da confidencialidade apresentados pelo BDZV relativos a anexos da contestação e da réplica, considerou que não era necessário decidir dos pedidos de confidencialidade não contestados acima mencionados no n.o 109 e deferiu os pedidos contestados.

112    A audiência realizou‑se de 12 a 14 de fevereiro de 2020, depois de, na sequência de uma reunião preparatória do presidente da secção e do juiz‑relator com as partes principais que ocorreu em 15 de janeiro de 2020, com fundamento no artigo 89.o do Regulamento de Processo, estas últimas terem aceitado levantar a confidencialidade de determinados elementos dos autos em relação ao BEUC, à Foundem, à CCIA, ao VDZ, ao BDZV, à Visual Meta, à Twenga, ao Órgão de Fiscalização da EFTA, à Kelkoo, à República Federal da Alemanha e ao público.

III. Pedidos das partes

113    A Google conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        a título principal, anular a decisão recorrida;

–        a título subsidiário, no âmbito da sua competência de plena jurisdição, suprimir ou reduzir o montante da coima;

–        em todo o caso, condenar a Comissão nas despesas;

–        condenar o BEUC, a Foundem, o VDZ, o BDZV, a Visual Meta, a Twenga, o Órgão de Fiscalização da EFTA, a Kelkoo e a República Federal da Alemanha a suportar as despesas relacionadas com as suas intervenções.

114    A Comissão conclui pedindo que Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a Google nas despesas;

–        condenar a CCIA nas despesas que efetuou devido à sua intervenção.

115    A CCIA conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne anular a decisão recorrida e condenar a Comissão nas despesas relacionadas com a sua intervenção.

116    A República Federal da Alemanha conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne negar provimento ao recurso.

117    O BEUC conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne negar provimento ao recurso e condenar a Google nas despesas relacionadas com a sua intervenção.

118    A Foundem, a Kelkoo, o VDZ, a Visual Meta, o BDZV e a Twenga concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne negar provimento ao recurso e condenar a Google nas despesas.

IV.    Questão de direito

A.      Considerações preliminares

119    Antes de mais, há que sublinhar que a Google não contesta estar em posição dominante nos treze mercados nacionais da pesquisa geral que correspondem aos países em que a Comissão considerou que tinha abusado de tal posição. Este dado constitui uma premissa de todas as análises que se seguem.

1.      Quanto à ordem de exame dos fundamentos e argumentos no presente processo

120    A Google invoca seis fundamentos de anulação da decisão recorrida, que apresenta da seguinte forma:

«Os primeiro e segundo fundamentos demonstram que a decisão conclui erradamente que a Google favorece o seu serviço de comparação de produtos ao apresentar as Product Universals e as Shopping Units. O terceiro fundamento explica que a decisão é errada quando considera que o posicionamento e a visualização das Product Universals e das Shopping Units desviam o tráfego de pesquisa da Google. Com o quarto fundamento, será demonstrado que a especulação da decisão sobre os efeitos anticoncorrenciais é infundada. O quinto fundamento demonstra que a decisão qualifica erradamente de práticas abusivas melhorias qualitativas que representam uma concorrência baseada no mérito. O sexto fundamento mostra que os motivos pelos quais a decisão aplicou uma coima são infundados.»

121    O Tribunal Geral observa que a argumentação da Google contém numerosos elementos factuais e técnicos, bem como críticas de natureza jurídica que são repetidas em apoio de diferentes fundamentos. O Tribunal Geral conhecerá dos fundamentos e argumentos da Google pela seguinte ordem.

122    O Tribunal Geral examinará, desde logo, no título B da presente parte, relativo aos pedidos apresentados a título principal, no ponto 1, os argumentos da Google segundo os quais as práticas postas em causa pela Comissão constituem, na realidade, melhorias qualitativas do seu serviço de pesquisa na Internet (quinto fundamento), dos quais decorre, por um lado, que a Google não pôde cometer abusos, na falta de identificação pela Comissão de elementos, nessas melhorias, que se afastam da concorrência pelo mérito, e, por outro, perante a impossibilidade de especificar esses elementos, a Comissão impõe, na realidade, à Google uma obrigação de fornecimento, sem cumprir os requisitos estritos previstos no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569). A este respeito, mais precisamente, segundo a Google, a Comissão impõe‑lhe que dê aos seus concorrentes o acesso aos seus serviços como se constituíssem uma «facilidade essencial» que lhes é indispensável, sem demonstrar que estão preenchidos os requisitos exigidos para o efeito pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Ainda no âmbito da argumentação da Google sobre a concorrência pelo mérito, será examinado o argumento de que, em substância, não prosseguiu nenhum objetivo anticoncorrencial ao estabelecer os resultados especializados em causa no presente processo, uma vez que estes constituem melhorias qualitativas do seu serviço de pesquisa. Este argumento, suscitado na primeira parte do primeiro fundamento, será igualmente examinado no título B, ponto 1.

123    Assim, o Tribunal Geral examinará, no título B, ponto 1, a legalidade da qualificação jurídica de favoritismo adotada pela Comissão com fundamento no artigo 102.o TFUE e a questão de saber se esse conceito de abuso, pelo qual uma empresa em posição dominante é acusada, em substância, de favorecer o seu próprio serviço em detrimento dos serviços dos seus concorrentes, podia ser aplicado com razão pela Comissão.

124    Em seguida, o Tribunal Geral examinará, no título B, ponto 2, da presente parte, a materialidade da diferença de tratamento na base desta qualificação, a saber, a existência ou não de uma discriminação estabelecida pela Google em benefício do seu próprio serviço de pesquisa especializada, e isto, respetivamente, para o período correspondente à implementação da Product Universal (primeiro fundamento) e para o período correspondente à implementação da Shopping Unit (segundo fundamento).

125    Em seguida, o Tribunal Geral examinará, no título B, ponto 3, da presente parte, os terceiro e quarto fundamentos apresentados pela Google, segundo os quais o comportamento punido não teve efeitos anticoncorrenciais.

126    Por último, o Tribunal Geral examinará, no título B, ponto 4, da presente parte, as terceiras partes dos primeiro e segundo fundamentos apresentados pela Google, segundo as quais o comportamento punido é objetivamente justificado e, por conseguinte, não é contrário ao artigo 102.o TFUE.

127    Após ter chegado a uma conclusão quanto ao mérito no título B, ponto 5, da presente parte, o Tribunal Geral examinará, no título C do presente acórdão, o sexto fundamento apresentado pela Google, segundo o qual a sanção pecuniária é, em todo o caso, injustificada e, pelo menos, demasiado elevada.

2.      Quanto ao alcance da fiscalização do Tribunal Geral no presente processo

128    A título preliminar, o Tribunal Geral recorda o alcance da fiscalização pelo juiz da União das decisões de aplicação do artigo 102.o TFUE adotadas pela Comissão.

129    A fiscalização jurisdicional efetuada pelo Tribunal Geral inclui a fiscalização da legalidade dos atos das instituições prevista no artigo 263.o TFUE, sendo caso disso, completada, nos termos do artigo 261.o TFUE, por uma competência de plena jurisdição, no que respeita às sanções aplicadas (v., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comisssão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 71).

130    Como precisou o Tribunal de Justiça, o âmbito da fiscalização da legalidade prevista no artigo 263.o TFUE abrange todos os elementos das decisões da Comissão relativas aos procedimentos nos termos dos artigos 101.o e 102.o TFUE cuja fiscalização aprofundada, tanto de direito como de facto, é assegurada pelo Tribunal Geral à luz dos fundamentos invocados pelas recorrentes e tendo em conta todos os elementos de prova apresentados por estas últimas, quer estes sejam anteriores ou posteriores à decisão adotada, tenham sido apresentados previamente no âmbito do procedimento administrativo ou, pela primeira vez, no âmbito do recurso de que o Tribunal Geral é chamado a conhecer, na medida em que estes últimos elementos de prova sejam pertinentes para a fiscalização da legalidade da decisão da Comissão (Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 72; v. igualmente, neste sentido, Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão, C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.o 48).

131    O Tribunal de Justiça considerou que, embora a Comissão disponha de margem de apreciação em matéria económica, isso não implica que o juiz da União deva abster‑se de fiscalizar a interpretação, pela Comissão, de dados de natureza económica. Com efeito, o juiz da União deve, designadamente, não só verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem todos os dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles se extraem (Acórdãos de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, EU:C:2005:87, n.o 39; de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.o 54, e de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, C‑295/12 P, EU:C:2014:2062, n.o 54). Quando, para qualificar uma prática à luz do disposto no artigo 102.o TFUE, a Comissão atribui uma importância real a uma análise económica, o juiz da União está obrigado a examinar a totalidade dos argumentos formulados pela empresa punida com base nessa análise (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.os 141 a 144).

132    Além disso, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, no domínio do direito da concorrência, em caso de litígio sobre a existência de uma infração, compete à Comissão fazer prova das infrações que declara e apresentar os elementos prova adequados a fazer prova bastante da existência de factos constitutivos de uma infração. A existência de uma dúvida no espírito do julgador deve aproveitar à empresa destinatária da decisão que declara uma infração (Acórdãos de 22 de novembro de 2012, E.ON Energie/Comissão, C‑89/11 P, EU:C:2012:738, n.os 71 e 72, e de 16 de fevereiro de 2017, Hansen & Rosenthal e H&R Wax Company Vertrieb/Comissão, C‑90/15 P, não publicado, EU:C:2017:123, n.os 17 e 18).

133    Embora incumba à autoridade que alega uma violação das normas da concorrência fazer a respetiva prova, cabe à empresa que invoca um meio de defesa contra a declaração da existência de uma infração a essas normas fazer prova de que esse meio de defesa deve ser acolhido, pelo que a referida autoridade deverá, então, basear‑se noutros elementos de prova constantes da decisão recorrida. Além disso, mesmo que o ónus da prova incumba, segundo esses princípios, quer à Comissão quer à empresa em causa, os elementos factuais que uma parte invoca podem ser de molde a obrigar a outra parte a fornecer uma explicação ou uma justificação, sem o que é permitido concluir que foi dado cumprimento às regras em matéria de ónus da prova (v., neste sentido, Acórdão de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão, C‑413/08 P, EU:C:2010:346, n.os 29 e 30 e jurisprudência referida).

134    Assim, quando a Comissão se baseia em elementos de prova que, em princípio, são suficientes para demonstrar a existência da infração, não basta à empresa em causa alegar a possibilidade de ocorrência de uma circunstância que possa afetar o valor probatório desses elementos de prova para que a Comissão suporte o ónus de provar que a referida circunstância não afetou o valor probatório dos mesmos. Pelo contrário, salvo nos casos em que essa prova não possa ser apresentada pela empresa em causa, em razão do comportamento da própria Comissão, cabe à empresa em causa fazer prova bastante, por um lado, da existência da circunstância que invoca e, por outro, que essa circunstância põe em causa o valor probatório dos elementos de prova em que a Comissão se baseia (Acórdão de 22 de novembro de 2012, E.ON Energie/Comissão, C‑89/11 P, EU:C:2012:738, n.o 76).

135    Por último, importa recordar que, em sede da fiscalização de legalidade referida no artigo 263.o TFUE, o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral não podem, em qualquer caso, substituir pela sua a fundamentação do autor do ato recorrido, no que respeita à apreciação dos factos (Acórdãos de 27 de janeiro de 2000, DIR International Film e o./Comissão, C‑164/98 P, EU:C:2000:48, n.o 38; de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.o 89, e de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 73). Uma vez que a fiscalização da legalidade da decisão recorrida incide sobre os fundamentos que constam dessa decisão, o juiz não pode, nem por sua própria iniciativa nem a pedido da administração, acrescentar fundamentos aos que são usados na referida decisão.

B.      Quanto aos pedidos de anulação da decisão recorrida apresentados a título principal

1.      Quanto ao quinto fundamento e à primeira parte do primeiro fundamento, relativos à conformidade das práticas em causa com a concorrência pelo mérito

136    Conforme acima se indica nos n.os 122 e 123, antes de mais, a Google afirma, na primeira parte do quinto fundamento, que a decisão recorrida não identifica, no seu comportamento que consiste na implementação de melhorias qualitativas no seu serviço de pesquisa na Internet, elementos que se afastam da concorrência pelo mérito.

137    Em seguida, a Google afirma, na segunda parte do quinto fundamento, que o comportamento punido pela decisão recorrida constitui, na realidade, uma recusa de fornecimento, uma vez que a Comissão a acusa de não ter dado aos resultados dos comparadores de produtos concorrentes acesso às suas «tecnologias e designs» e, em especial, às «boxes» que figuram no topo das suas páginas gerais de resultados. Ora, para determinar que esse comportamento era contrário ao artigo 102.o TFUE, a Comissão devia demonstrar o preenchimento dos requisitos do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), o que não fez. Ao considerar um comportamento de favoritismo, a Comissão procurou, na realidade, contornar os pressupostos aplicáveis à recusa de fornecimento e feriu, assim, a sua decisão de um erro de direito.

138    Por último, a Google alega, na primeira parte do primeiro fundamento, que a decisão recorrida desvirtua as razões na origem da implementação dos resultados especializados para produtos. Com efeito, a Google não introduziu os grupos de resultados para produtos para dirigir o tráfego para o seu próprio comparador, como alega a Comissão, mas para melhorar a qualidade dos seus resultados e a sua apresentação para os utilizadores.

a)      Quanto à primeira parte do quinto fundamento, segundo a qual as práticas em causa constituem melhorias qualitativas que fazem parte da concorrência pelo mérito e não podem ser qualificadas de abusivas

1)      Argumentos das partes

139    A Google sustenta, na primeira parte do seu quinto fundamento, que as práticas imputadas constituem melhorias qualitativas que fazem parte da concorrência pelo mérito e não podem ser qualificadas de abusivas.

140    Quanto ao primeiro aspeto, a Google refere‑se, designadamente, aos Acórdãos de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, EU:C:1979:36, n.o 91), de 3 de julho de 1991, AKZO/Comissão (C‑62/86, EU:C:1991:286, n.o 70), e de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão (C‑280/08 P, EU:C:2010:603, n.o 177), para expor que o Tribunal de Justiça distingue, no que respeita às empresas dominantes, as práticas abusivas anticoncorrenciais e os comportamentos pró‑concorrenciais que fazem parte de uma concorrência «normal» ou «pelo mérito».

141    Assim, o elemento central de todos os processos que deram origem aos acórdãos acima referidos no n.o 140, é que as empresas têm o direito de utilizar todos os meios «normais» para participarem no jogo da concorrência e ganhar quotas de mercado. Isto implica para a Google o direito de «melhor exercer» concorrência, melhorando a qualidade das suas tecnologias e dos seus serviços de pesquisa especializada para os resultados naturais de produtos e os anúncios de produtos disponíveis a partir da sua página de pesquisa geral. A este respeito, a CCIA sublinha que o desenvolvimento e a melhoria do «design» de um sítio Internet fazem parte do processo concorrencial. Com efeito, estas evoluções correspondem às expectativas tanto dos consumidores como dos anunciantes. A qualidade de um sítio Internet é um parâmetro‑chave da concorrência nos mercados digitais. A CCIA acrescenta que, na economia atual, a integração vertical é omnipresente e, em geral, positiva do ponto de vista económico.

142    Ora, segundo a Google, a teoria avançada na decisão recorrida nada identifica que permita distinguir as suas práticas de uma concorrência pelo mérito. A alegação de que a Google implementou práticas de favorecimento e a suposição de potenciais efeitos não altera o facto de os resultados e anúncios para produtos agrupados terem melhorado a qualidade do seu serviço de pesquisa geral. Ao apresentar esses «designs» nas suas páginas gerais de resultados e ao desenvolver as tecnologias inovadoras subjacentes, a Google exerceu concorrência pelo mérito no mercado da pesquisa geral.

143    Afirma que a Comissão tenta contornar estes factos afirmando, no considerando 334 da decisão recorrida, que a «prática de uma sociedade em posição dominante num determinado mercado» pode ser abusiva se «tender a alargar esta posição a um mercado distinto, mas vizinho». A Comissão sustenta, no considerando 652 da decisão recorrida, que a aplicação desta regra à melhoria dos produtos e serviços é conforme à jurisprudência existente. Assim, para a Google, a Comissão limitou‑se a considerar que o seu comportamento visa, através de um «efeito de alavanca», alargar a sua posição dominante nos mercados vizinhos daqueles em que detém esta posição, sem ter em conta que esse comportamento consiste em melhorar os seus serviços e que não se afasta de uma concorrência «normal» ou «pelo mérito».

144    Ora, decorre da jurisprudência que nem todo o efeito de eliminação afeta necessariamente a concorrência, uma vez que a concorrência pelo mérito pode conduzir ao desaparecimento ou à marginalização de concorrentes menos eficazes. A Google refere‑se, a este respeito, aos Acórdãos de 27 de março de 2012, Post Danmark (C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 22), e de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 134). Esta afirmação é válida não só quando esse efeito se manifesta no mercado em que a posição dominante é detida, mas também quando se manifesta noutro mercado. É certo que a melhoria de um serviço não «imuniza» contra uma qualificação de abuso de posição dominante, mas, no caso vertente, sem identificar qualquer elemento anticoncorrencial adicional a esse «efeito de alavanca» no comportamento da Google, a Comissão não pode qualificar esse comportamento de abusivo.

145    A Google, apoiada pela CCIA, afirma, a este respeito, que a expressão «abuso por efeito de alavanca» é um termo «guarda‑chuva» genérico que engloba diferentes tipos de abuso. Para cada tipo individual «de abuso por efeito de alavanca», a jurisprudência identifica elementos específicos que distinguem o comportamento em causa da concorrência pelo mérito e tornam esse comportamento abusivo, tais como uma degradação da qualidade, uma compressão das margens ou uma recusa de fornecer um fator de produção indispensável. Assim, por si só, uma prática de preços baixos de uma empresa dominante não pode ser considerada abusiva. Só se for identificado um elemento adicional que se afaste da concorrência pelo mérito é que pode ser qualificada de prática de preços predatórios. Assim, segundo a CCIA, a falta de base teórica ao abuso de favorecimento identificado pela Comissão não permite uma compreensão dos fatores adicionais ou princípios jurídicos que determinam que esse favorecimento, de resto perfeitamente natural, seja contrário ao artigo 102.o TFUE, o que coloca um problema de segurança jurídica para o setor da Internet no seu todo.

146    A Comissão, apoiada a este respeito pela República Federal da Alemanha, expõe que a melhoria trazida a um serviço não exclui que seja constitutiva de um abuso de posição dominante, nomeadamente se conduzir uma empresa dominante a favorecer o seu próprio serviço recorrendo a outros meios que não a concorrência pelo mérito e se isso puder produzir efeitos anticoncorrenciais.

147    A Comissão precisa que, de resto, impugna a melhoria do serviço de pesquisa geral da Google. Embora seja efetivamente possível que a Google melhore o seu serviço de pesquisa geral apresentando «certos» resultados agrupados nas suas páginas gerais de resultados, não pode melhorar o seu serviço de pesquisa geral apresentando «unicamente» resultados agrupados provenientes do seu próprio comparador de produtos nas suas páginas gerais de resultados. Por outro lado, a Comissão recorda que, em seu entender, o comportamento da Google não pode ser justificado por nenhuma razão objetiva ligada à melhoria da qualidade do seu serviço de pesquisa geral.

148    A República Federal da Alemanha afirma que o comportamento punido da Google não faz parte de uma concorrência pelo mérito, na medida em que impede a existência de concorrência na qualidade do algoritmo que permite efetuar pesquisas especializadas de produtos. Ora, a qualidade do algoritmo de pesquisa especializada é o parâmetro sobre o qual as empresas em causa exercem uma concorrência. Com o comportamento em causa, a Google não incentiva os utilizadores a clicarem sobre os resultados mais pertinentes, mas sim sobre os resultados mais visíveis, a saber, os seus, independentemente da sua pertinência real para o utilizador.

149    O VDZ afirma que não é pertinente saber se a Google melhorou o seu serviço. A única questão é a de saber se a Google utilizou as novas características dos seus serviços (Product Universals, Shopping Units, algoritmos de ajustamento) como instrumento para promover o seu comparador de produtos em detrimento dos comparadores de produtos concorrentes. As melhorias do comparador de produtos da Google podem, quando muito, ser apreciadas sob o ângulo dos ganhos de eficiência. No entanto, a Google não prova esses ganhos de eficiência, como exige a jurisprudência. O VDZ acrescenta que o processo em causa é um caso típico de abuso por efeito de alavanca. Em substância, as práticas afastam‑se da concorrência pelo mérito, uma vez que a conduta da Google no mercado primário não pode ter outro sentido económico senão restringir a concorrência no mercado secundário. Com efeito, o comportamento da Google que tende a favorecer o seu próprio comparador de produtos em detrimento de comparadores concorrentes conduz a excluir resultados de pesquisa especializada mais pertinentes de concorrentes, o que não tem sentido económico.

2)      Apreciação do Tribunal Geral

150    Como decorre de jurisprudência constante, incumbe à empresa que detém uma posição dominante uma responsabilidade especial de não prejudicar através do seu comportamento uma concorrência efetiva e não falseada no mercado interno (v. Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C 413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 135 e jurisprudência referida).

151    A este respeito, o artigo 102.o TFUE visa, em particular, os comportamentos de uma empresa que detém uma posição dominante, que têm por efeito, em prejuízo dos consumidores, impedir, através do recurso a mecanismos diferentes dos que regulam a concorrência normal com base nas prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência existente no mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência (v. Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 24 e jurisprudência referida).

152    Assim, o artigo 102.o TFUE proíbe, nomeadamente, que uma empresa que detém uma posição dominante leve a cabo práticas que produzem efeitos de exclusão, recorrendo a meios diferentes daqueles que decorrem de uma concorrência pelo mérito (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 25 e jurisprudência referida, e de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 136).

153    O artigo 102.o TFUE refere‑se não só às práticas causadoras de um prejuízo imediato aos consumidores, mas também àquelas que lhes causam prejuízo por falsearem o jogo da concorrência (Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 20 e jurisprudência referida; v. igualmente, neste sentido, Acórdão de 29 de março de 2012, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, T‑336/07, EU:T:2012:172, n.o 171).

154    A lista das práticas abusivas constante do artigo 102.o TFUE não é taxativa, de modo que a enumeração das práticas abusivas contida nessa disposição não esgota as formas de exploração abusiva de posição dominante proibidas pelo direito da União (Acórdãos de 21 de fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, EU:C:1973:22, n.o 26; de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.o 26, e de 29 de março de 2012, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, T‑336/07, EU:T:2012:172, n.o 174).

155    O abuso pode assumir a forma de uma diferença de tratamento não justificada (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de julho de 1997, GT‑Link, C‑242/95, EU:C:1997:376, n.o 41; de 24 de outubro de 2002, Aéroports de Paris/Comissão, C‑82/01 P, EU:C:2002:617, n.o 114, e de 7 de outubro de 1999, Irish Sugar/Comissão, T‑228/97, EU:T:1999:246, n.o 140). A este respeito, o princípio geral da igualdade de tratamento, enquanto princípio geral do direito da União, exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (v. Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o., C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 23 e jurisprudência referida).

156    Porém, o artigo 102.o TFUE não tem de nenhuma forma como finalidade impedir que uma empresa conquiste, pelos seus próprios méritos, uma posição dominante num mercado (v. Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 133 e jurisprudência referida).

157    Assim, nem todo o efeito de eliminação falseia necessariamente o jogo da concorrência. Por definição, a concorrência pelo mérito pode conduzir ao desaparecimento do mercado ou à marginalização dos concorrentes menos interessantes para os consumidores do ponto de vista, designadamente, dos preços, das escolhas, da qualidade ou da inovação (v. Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 134 e jurisprudência referida).

158    Em substância, a Google sustenta que as práticas em causa na decisão recorrida contribuem para a melhoria qualitativa dos seus serviços de pesquisa e, portanto, se enquadram no âmbito da concorrência pelo mérito. A Google observa, a este respeito, que a Comissão não identifica nenhum elemento nas práticas que lhe são imputadas que se afaste da concorrência pelo mérito. Ora, as melhorias qualitativas de um produto ou de um serviço nunca foram consideradas pelo juiz da União um entrave à concorrência.

159    No que respeita à alegada falta de identificação, pela Comissão, de elementos que distinguem as práticas em causa de uma concorrência normal, que teria sido restringida, importa declarar que a posição dominante de uma empresa, ainda que com a da dimensão da Google no serviço da pesquisa geral, não pode, por si só, ser objeto de condenação por força do artigo 102.o TFUE.

160    Com efeito, decorre de jurisprudência constante que a constatação da existência de uma posição dominante não implica, em si, qualquer censura à empresa em causa (v. Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 21 e jurisprudência referida). É a «exploração abusiva» de uma posição dominante que o artigo 102.o TFUE proíbe.

161    A este respeito, compete à Comissão, para caracterizar tal «exploração abusiva», identificar de que forma a empresa em causa, ao utilizar a sua posição dominante, recorreu a mecanismos diferentes dos que regulam a concorrência normal (v. n.o 151, supra).

162    Nesta matéria, a simples extensão da posição dominante de uma empresa, num mercado vizinho não pode, por si só, constituir prova de um comportamento que se afasta da concorrência normal, mesmo quando essa extensão conduza ao desaparecimento ou à marginalização de concorrentes (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 22, e de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 134).

163    Além disso, como decorre, em substância, do Acórdão de 25 de outubro de 2002, Tetra Laval/Comissão (T‑5/02, EU:T:2002:264, n.os 156, 158 e 217), o efeito de alavanca é uma expressão genérica relativa às incidências que uma prática constatada num mercado pode ter noutro mercado. Esta expressão pode designar várias práticas diferentes suscetíveis de ser abusivas, tais como, designadamente, vendas ligadas como no processo que deu origem ao Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289), práticas de compressão das margens como no processo que deu origem ao Acórdão de 29 de março de 2012, Telefónica e Telefónica de España/Comissão (T‑336/07, EU:T:2012:172), ou descontos de fidelidade como no processo que deu origem ao Acórdão de 30 de setembro de 2003, Michelin/Comissão (T‑203/01, EU:T:2003:250).

164    Refira‑se que, embora os efeitos de alavanca praticados por uma empresa dominante não sejam proibidos, enquanto tais, pelo artigo 102.o TFUE, não é menos verdade que este artigo é aplicável a tais práticas. Assim, sem que, nesta fase, seja necessário conhecer dos pressupostos da sua proibição, há que observar, como acima se indica no n.o 163, que vários tipos de efeitos de alavanca já foram julgados contrários ao artigo 102.o TFUE. Em especial, no Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289, n.o 1344), o Tribunal Geral considerou que as práticas em causa, a saber, a venda ligada e a recusa de fornecimento das informações relativas à interoperabilidade, se inscreviam no âmbito de uma infração que consiste na aplicação, pela Microsoft, de uma estratégia de efeito de alavanca, isto é, a utilização da posição dominante que detinha no mercado dos sistemas operativos para computadores pessoais (PC) clientes com o objetivo de a estender a dois outros mercados vizinhos.

165    Além disso, o âmbito de aplicação material da responsabilidade particular que impende sobre uma empresa dominante deve ser apreciado tendo em conta as circunstâncias específicas de cada caso, que demonstrem um enfraquecimento da concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.o 84 e jurisprudência referida).

166    No presente caso, como resulta da decisão recorrida e a Comissão acertadamente lembrou na audiência, esta não se limitou a referir práticas por efeito de alavanca para concluir pela existência de uma violação do artigo 102.o TFUE.

167    Com efeito, a Comissão considerou que, através de um efeito de alavanca, a Google se apoia na sua posição dominante no mercado da pesquisa geral para favorecer o seu próprio serviço de comparação de produtos no mercado da pesquisa especializada de comparação de produtos, valorizando o posicionamento e a apresentação desse comparador e dos seus resultados nas suas páginas gerais de resultados, em relação aos serviços dos comparadores concorrentes, cujos resultados tinham, tendo em conta as suas características intrínsecas, propensão a ser retrogradados nas referidas páginas, por algoritmos de ajustamento.

168    A Comissão observou a este respeito, no considerando 344 da decisão recorrida, que, enquanto os resultados dos comparadores de produtos concorrentes só podiam aparecer como resultados genéricos, a saber, simples ligações azuis suscetíveis, além disso, de ser retrogradadas por algoritmos de ajustamento, os resultados do comparador de produtos da Google eram, por seu turno, posicionados de forma bem visível no topo das páginas gerais de resultados da Google, apresentados num formato enriquecido e insuscetíveis de ser retrogradados por esses algoritmos, o que conduzia a uma diferença de tratamento sob a forma de um favorecimento pela Google do seu próprio comparador.

169    Em especial, a Comissão explicou que, devido à reunião de três circunstâncias específicas, a saber, em primeiro lugar, a importância do tráfego gerado pelo motor de pesquisa geral da Google para os comparadores de produtos (parte 7.2.2 da decisão recorrida), em segundo lugar, o comportamento dos utilizadores quando efetuam pesquisas na Internet (parte 7.2.3 da decisão recorrida) e, em terceiro lugar, o facto de o tráfego desviado proveniente das páginas gerais de resultados da Google representar uma grande proporção do tráfego para os comparadores de produtos concorrentes e de não poder ser efetivamente substituído por outras fontes (parte 7.2.4 da decisão recorrida), esse favorecimento era suscetível de conduzir a um enfraquecimento da concorrência no mercado.

170    Em primeiro lugar, no que respeita à importância do tráfego gerado pelo motor de pesquisa geral da Google, na secção 7.2.2 da decisão recorrida (considerandos 444 a 450), a Comissão sublinhou que este era, segundo a declaração de um comparador de produtos concorrente reproduzida no considerando 444 da decisão recorrida, o «trunfo mais importante de um motor de busca especializado». A Comissão expôs assim que esse tráfego permitia aumentar a pertinência dos resultados de pesquisa especializados, designadamente a novidade e a extensão da oferta dos serviços de comparação de produtos, reforçando a sua capacidade para convencer os comerciantes a fornecer dados sobre os seus produtos (considerando 445), gerava receitas com as comissões pagas pelos comerciantes ou com a publicidade em linha (considerando 446) e fornecia informações sobre o comportamento dos utilizadores, o que permitia melhorar a pertinência e a utilidade dos resultados, nomeadamente através dos efeitos de aprendizagem automatizada (machine learning, considerando 447), experiências (considerando 448) ou a sugestão de outros termos de pesquisa com interesse para os utilizadores (considerando 449).

171    Deste modo, a Comissão referiu, em substância, na secção 7.2.2 da decisão recorrida, que o referido tráfego permitia beneficiar de efeitos de rede, na medida em que quanto mais visitas de internautas recebesse um comparador de produtos, mais aumentava a pertinência e a utilidade dos seus serviços e a probabilidade de os comerciantes recorrerem aos mesmos, e que esse tráfego permitia igualmente gerar receitas com as comissões ou anúncios publicitários, podendo essas receitas, sendo caso disso, ser utilizadas para melhorar a utilidade dos serviços prestados e, assim, distinguir‑se dos concorrentes. Por outras palavras, a Comissão expôs que gerar tráfego permitia iniciar um círculo virtuoso, a saber, melhorar a pertinência dos resultados e, consequentemente, atrair mais utilizadores e, in fine, mais receitas, provenientes dos parceiros publicitários ou dos vendedores na Internet que colocavam os seus produtos no sítio do comparador, o que implicava, correlativamente, a capacidade de a empresa em causa efetuar mais investimentos para melhorar ou, pelo menos, conservar a sua posição na concorrência, num setor, o setor digital, onde a inovação é a chave do sucesso comercial. De modo inverso, a perda de tráfego pode conduzir a um círculo vicioso e, a prazo, a uma saída do mercado, por não se poder exercer uma concorrência sobre elementos essenciais desta como a pertinência dos resultados e a inovação, estando ambas ligadas, uma vez que os comparadores de produtos inovam para melhorar a pertinência dos seus resultados e, assim, atrair mais tráfego e, consequentemente, mais receitas.

172    Em segundo lugar, no que respeita ao comportamento dos utilizadores, a Comissão indicou que o favorecimento criado pela Google ao apresentar de forma mais visível os seus próprios resultados e de forma menos visível os resultados concorrentes era suscetível de influenciar o comportamento dos internautas quando pretendiam consultar sítios Internet de comparação de produtos (parte 7.2.3.1 e considerandos 454 a 461 da decisão recorrida). A Comissão expôs, a este respeito, nos considerandos 455 a 457 da decisão recorrida, que os utilizadores se concentravam, em geral, nos três a cinco primeiros resultados de pesquisa e dedicavam pouca ou nenhuma atenção aos resultados seguintes e, designadamente, aos resultados que ficassem abaixo da parte imediatamente visível do ecrã (fold). Assim, a Comissão aformou, no considerando 535 da decisão recorrida, que os utilizadores tinham tendência a presumir que os resultados mais visíveis eram os mais pertinentes, independentemente da sua pertinência efetiva.

173    Em terceiro lugar, no respeitante ao impacto do tráfego desviado, a Comissão sublinhou que este representava uma grande proporção do tráfego para os serviços de comparação de produtos concorrentes (parte 7.2.4.1 da decisão recorrida) e que não podia ser efetivamente substituído por outras fontes, incluindo os anúncios textuais, as aplicações móveis, o tráfego direto, os reenvios para sítios parceiros, as redes sociais ou os outros motores de busca (parte 7.2.4.2 da decisão recorrida).

174    A importância do tráfego da Google proveniente das suas páginas gerais de pesquisa e o seu caráter não efetivamente substituível foram considerados, sem qualquer erro de direito da Comissão, tendo em conta os elementos contextuais acima recordados nos n.os 168 a 173, como circunstâncias pertinentes suscetíveis de caracterizar a existência de práticas que não fazem parte de uma concorrência pelo mérito.

175    Resulta do exposto que a Comissão não se limitou a declarar a existência de um efeito de alavanca e, como exige a jurisprudência, qualificou juridicamente as práticas da Google que acompanhavam esse efeito, baseando‑se em critérios pertinentes. Assim, admitindo que o favorecimento e os seus efeitos, identificados tendo em conta as circunstâncias específicas dos mercados em causa, tenham sido validamente demonstrados pela Comissão, o que será verificado à luz de todos os fundamentos e argumentos, foi com razão que a Comissão considerou que este favorecimento se afastava da concorrência pelo mérito.

176    A este respeito, há que observar que, tendo em conta a vocação universal do motor de pesquisa geral da Google, que, como decorre do considerando 12 da decisão recorrida, é concebido para indexar resultados que incluem todos os conteúdos possíveis, a promoção, nas páginas gerais de resultados da Google, de um tipo de resultados especializados, a saber, os seus, em relação aos resultados especializados concorrentes, reveste uma certa forma de anormalidade.

177    Com efeito, a infraestrutura em causa, a saber, as páginas gerais de resultados da Google que geram tráfego para os outros sítios Internet, designadamente os dos comparadores de produtos concorrentes, é uma infraestrutura, em princípio, aberta, o que a distingue de outras infraestruturas referidas na jurisprudência e constituídas por ativos corpóreos (sistemas de distribuição da imprensa) ou incorpóreos (direitos de propriedade intelectual) cujo valor depende da capacidade de o respetivo proprietário reservar o seu uso exclusivo.

178    Diferentemente destas últimas infraestruturas, a razão de ser e o valor de um motor de pesquisa geral residem na sua capacidade de ser aberto aos resultados provenientes do exterior, a saber, de fontes terceiras, e de apresentar essas fontes plurais e diversas nas suas páginas gerais de resultados, fontes que enriquecem, credibilizam esse motor de busca junto do grande público e lhe permitem beneficiar de efeitos de rede e de economias de escala essenciais ao seu desenvolvimento e à sua subsistência, num mercado onde, por natureza, poucas infraestruturas deste tipo podem subsistir, tendo em conta os referidos efeitos de rede. Com efeito, é necessário um número muito grande de utilizadores para atingir um tamanho crítico suscetível de compensar a gratuitidade do serviço numa face do mercado e gerar receitas publicitárias na sua outra face, pelo que, para um motor de busca, o facto de limitar o âmbito dos seus resultados aos seus apresenta uma parte de risco e não é necessariamente racional, salvo numa situação, como no caso vertente, em que a dominância e as barreiras à entrada são tais que nenhuma entrada num prazo suficientemente rápido é possível em resposta a esta limitação da escolha dos internautas.

179    Por conseguinte, o facto de a Google, admitindo‑o demonstrado, favorecer os seus próprios resultados especializados, em relação aos resultados terceiros, que parece ser contrário ao modelo económico que está na base do sucesso inicial do seu motor de busca, não pode deixar de revestir uma certa forma de anormalidade. Daqui resulta que, em aplicação da jurisprudência acima referida no n.o 133, cabe ao autor desta diferença de tratamento justificá‑la à luz do direito da concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 2018, Servier e o./Comissão, T‑691/14, pendente de recurso, EU:T:2018:922, n.o 1377 e jurisprudência referida).

180    Pode, aliás, observar‑se por acréscimo que, apesar de a situação ser diferente da do presente caso, no que diz respeito aos prestadores do serviço de acesso à Internet, o Tribunal de Justiça declarou que o legislador da União quis, com o Regulamento (UE) 2015/2120 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, que estabelece medidas respeitantes ao acesso à Internet aberta e que altera a Diretiva 2002/22/CE relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações eletrónicas e o Regulamento (UE) n.o 531/2012 relativo à itinerância nas redes de comunicações móveis públicas da União (JO 2015, L 310, p. 1), impor a esses operadores uma obrigação geral de igualdade de tratamento, sem discriminações, restrições ou interferências do tráfego, que em caso algum pode ser derrogada através de práticas comerciais (v., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 2020, Telenor Magyarország, C‑807/18 e C‑39/19, EU:C:2020:708, n.o 47). A existência de tal escolha do legislador e a obrigação legal de tratamento não discriminatório que daí resulta para os prestadores do serviço de acesso à Internet no mercado a montante não podem ser ignoradas na análise das práticas de um operador como a Google no mercado a jusante, tendo em conta a posição ultradominante, não impugnada, da Google no mercado da pesquisa geral e da sua responsabilidade especial de não prejudicar com o seu comportamento uma concorrência efetiva e não falseada no mercado interno. A este respeito, não é relevante que um texto legislativo imponha ou não, de maneira geral, tal acesso não discriminatório aos resultados de pesquisa na Internet, na medida em que, como decorre da jurisprudência, um sistema de concorrência não falseada só pode ser garantido se estiver assegurada a igualdade de oportunidades entre os diferentes operadores económicos (v. Acórdão de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, C‑280/08 P, EU:C:2010:603, n.o 230 e jurisprudência referida), o que vai no sentido da possibilidade, quando estão em causa práticas de favorecimento implementadas por operadores em posição dominante no setor da Internet, de considerar certas diferenças de tratamento contrárias ao artigo 102.o TFUE.

181    Por outro lado, como sublinha o VDZ, o desvio do comportamento em causa face à concorrência pelo mérito, admitindo‑o provado, é tanto mais patente quanto ocorre na sequência de uma alteração de comportamento do operador dominante. Com efeito, a Google alterou o seu comportamento no mercado da pesquisa geral.

182    Resulta dos autos que, historicamente, a Google forneceu, num primeiro momento, serviços de pesquisa geral e adquiriu uma posição «superdominante» neste mercado caracterizado por fortíssimas barreiras à entrada. Neste mercado, a Google apresentava resultados que dirigiam os utilizadores para serviços de comparação de produtos. Por outro lado, a Google apresentava todos os resultados dos serviços de pesquisa especializada da mesma maneira e segundo os mesmos critérios. Aliás, é este o objeto de um serviço de pesquisa geral percorrer ou mesmo indexar o maior número de páginas Internet para apresentar todos os resultados que correspondem a uma pesquisa.

183    Num segundo momento, a Google lançou‑se no mercado da pesquisa especializada de comparação de produtos. Na altura em que a Google iniciou as suas atividades no mercado da pesquisa especializada de comparação de produtos, já existiam numerosos prestadores de tais serviços. Por outro lado, tendo em conta a sua posição «superdominante», o seu papel de porta de entrada da Internet e as fortíssimas barreiras à entrada no mercado da pesquisa geral, pendia sobre ela uma obrigação reforçada de não prejudicar, com o seu comportamento, uma concorrência efetiva e não falseada no mercado ligado da pesquisa especializada de comparação de produtos.

184    Ora, segundo a Comissão, depois de se ter lançado no mercado da pesquisa especializada de comparação de produtos e após ter sofrido um fracasso com a sua página Internet dedicada a esse serviço (Froogle), a Google alterou as suas práticas no mercado dominado da pesquisa geral, o que teve por efeito aumentar a visibilidade dos resultados do seu próprio comparador de produtos nas páginas de resultados da pesquisa geral. Com efeito, a partir do lançamento dos resultados para produtos agrupados, todos os comparadores de produtos deixaram de ser tratados da mesma maneira. A Google destacou os seus próprios resultados de pesquisa especializada (posicionamento e apresentação) e retrogradou os resultados dos seus concorrentes que, além disso, não beneficiavam do mesmo tipo de visualização (simples «ligações azuis» sem imagem nem texto enriquecido). A alteração de comportamento da Google teve como consequência reduzir a visibilidade dos resultados dos comparadores de produtos concorrentes e, ao mesmo tempo, aumentar a visibilidade dos resultados do seu próprio serviço de comparação de produtos. Assim, a implementação das práticas em causa permitiu à Google destacar o seu próprio serviço de comparação de produtos nas suas páginas de resultados de pesquisa geral, enquanto tornava quase invisíveis nestas páginas os comparadores de produtos concorrentes, o que, em princípio, não corresponde ao objeto esperado de um serviço de pesquisa geral.

185    Deste modo, sob reserva de o favorecimento e os seus efeitos identificados no termo da análise acima resumida nos n.os 170 a 173, terem sido validamente provados, o comportamento da Google não pode, enquanto tal, fazer parte da concorrência pelo mérito.

186    Esta conclusão não é desmentida pela argumentação da Google de que a visualização das Product Universals e das Shopping Units não pode ser qualificada de abusiva, na medida em que esses resultados e esses anúncios constituem melhorias qualitativas dos seus serviços que se inscrevem na concorrência pelo mérito.

187    Com efeito, por um lado, importa sublinhar que a argumentação da Google assenta na premissa errada de que o comportamento em causa consiste apenas na apresentação e no posicionamento particulares das Product Universals e das Shopping Units, quando esse comportamento consiste na combinação de duas práticas, a saber, a promoção dos resultados especializados do comparador da Google e a retrogradação concomitante dos resultados dos comparadores concorrentes por algoritmos de ajustamento. A este respeito, há que observar que a Google não qualifica de «melhoria qualitativa», adequada a caracterizar uma concorrência pelo mérito, a retrogradação dos comparadores de produtos concorrentes nas suas páginas gerais de resultados, mas não do seu.

188    Por outro lado, contrariamente ao que sugere a Google, não decorre de nenhum dos acórdãos referidos pela Comissão no considerando 334 da decisão recorrida que um comportamento que leva a uma melhoria do produto ou do serviço não possa constituir, em si mesmo, uma forma autónoma de abuso, quando a referida melhoria conduz a empresa em posição dominante a favorecer o seu próprio produto ou serviço através do recurso a mecanismos diferentes dos que regulam a concorrência pelo mérito e esse comportamento é suscetível de ter efeitos anticoncorrenciais. A este respeito, como sublinha com razão o VDZ, as melhorias de um produto ou de um serviço de natureza técnica ou comercial só podem ser tidas em conta na fase do exame de eventuais justificações objetivas e de eventuais ganhos de eficiência que elas permitem obter.

189    Esta conclusão de que o comportamento da Google, se se provar que corresponde à qualificação de favorecimento, é suscetível de se afastar de uma concorrência pelo mérito não é desmentida pelos argumentos da CCIA segundo os quais a falta de um teste jurídico claro formulado na decisão recorrida viola o princípio da segurança jurídica.

190    Há que observar, antes de mais, que a Comissão contesta a admissibilidade deste argumento, alegando que é inadmissível por ser, em substância, novo em relação aos argumentos da Google.

191    Nos termos do artigo 40.o, quarto parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao processo no Tribunal Geral, por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do referido estatuto, as conclusões do pedido de intervenção devem limitar‑se a sustentar as conclusões de uma das partes. Assim, uma parte que é admitida a intervir num litígio submetido ao Tribunal Geral não pode alterar o objeto do litígio conforme circunscrito pelos pedidos e fundamentos das partes principais. Daqui decorre que só são admissíveis os argumentos de um interveniente que se inscrevam no âmbito definido por esses pedidos e fundamentos (Acórdão de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão, C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.o 50). Além disso, ao abrigo do artigo 142.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o interveniente aceita o litígio no estado em que este se encontra no momento da sua intervenção.

192    A este respeito, há que recordar que, embora estas disposições não se oponham a que um interveniente apresente novos argumentos ou argumentos diferentes dos da parte que apoia, sob pena de a sua intervenção se limitar a repetir os argumentos avançados na petição, não se pode admitir que as referidas disposições lhe permitam alterar ou deformar o quadro do litígio definido pela petição, invocando novos fundamentos (Acórdão de 12 de dezembro de 2006, SELEX Sistemi Integrati/Comissão, T‑155/04, EU:T:2006:387, n.o 42).

193    Todavia, no caso vertente, o argumento em causa é apresentado em apoio da argumentação da Google segundo a qual a Comissão, contrariamente à jurisprudência em matéria de abusos por efeito de alavanca, não identifica, no presente caso, nenhum elemento específico que distinga o comportamento em causa dos que fazem parte de uma concorrência pelo mérito, e isso enquanto retira uma consequência concreta para os membros da CCIA, a saber, uma violação do princípio da segurança jurídica. Nestas condições, este argumento é admissível.

194    No que respeita à apreciação do mérito desse argumento, há que recordar que o respeito pelo princípio da segurança jurídica exige que as instituições evitem, por princípio, as incoerências que possam surgir na aplicação das diferentes disposições do direito da União (v. Acórdão de 22 de abril de 2016, Irlanda e Aughinish Alumina/Comissão, T‑50/06 RENV II e T‑69/06 RENV II, EU:T:2016:227, n.o 59 e jurisprudência referida).

195    No presente caso, é certo que o considerando 341 da decisão recorrida expõe as razões por que as práticas em causa se afastam da concorrência pelo mérito ao indicar, em substância, que, por um lado, essas práticas desviam o tráfego e, por outro, que são suscetíveis de ter efeitos anticoncorrenciais. Assim, neste considerando, lido isoladamente, a Comissão parece ter deduzido o caráter desviante destas práticas relativamente à concorrência pelo mérito da existência de efeitos de exclusão decorrentes das mesmas. Essa descrição baseada apenas nos efeitos de exclusão das práticas pode suscitar interrogações quanto à conformidade com o princípio da segurança jurídica do teste utilizado pela Comissão para caracterizar a infração ao artigo 102.o TFUE. Com efeito, decorre da jurisprudência acima referida no n.o 157, que qualquer prática, tarifária ou não tarifária, que tenha efeitos de exclusão não pode ser considerada, por esse simples facto, anticoncorrencial.

196    No entanto, o considerando 341 da decisão recorrida deve ser lido em conjugação com o considerando 342 da referida decisão, no qual a Comissão expõe, «para demonstrar por que a conduta é abusiva e se inscreve fora do âmbito da concorrência pelo mérito», que as práticas em causa consistem em a Google favorecer o seu próprio comparador de produtos em detrimento dos comparadores concorrentes e que este favorecimento se enquadra num contexto particular. A Comissão enuncia, a este respeito, no referido considerando, os numerosos elementos que teve em conta para demonstrar por que a prática é abusiva e se afasta da concorrência pelo mérito e, em especial, como acima decorre dos n.os 170 a 173, os três critérios relativos à importância do tráfego gerado pelo motor de busca geral da Google para os comparadores de produtos (parte 7.2.2 da decisão recorrida), o comportamento dos utilizadores quando efetuam pesquisas na Internet (parte 7.2.3.1 da decisão recorrida) e o caráter não efetivamente substituível do tráfego desviado (parte 7.2.4 da decisão recorrida).

197    Assim, a análise da Comissão que resulta na verificação de um abuso não é de forma alguma «incoerente», na aceção da jurisprudência acima referida no n.o 194, com a jurisprudência sobre o abuso por efeito de alavanca referida no considerando 334 da decisão recorrida, na medida em que permite concluir pela existência de uma infração, baseando‑se, por um lado, em elementos suspeitos à luz do direito da concorrência (em especial, uma diferença de tratamento não justificada) que estão ausentes em caso de recusa de acesso e, por outro, em circunstâncias específicas, em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.o 165, e relativas à natureza da infraestrutura na origem dessa diferença de tratamento (no caso vertente, designadamente, importância e caráter não efetivamente substituível).

198    Nestas condições, a primeira parte do quinto fundamento deve ser julgada improcedente.

b)      Quanto à segunda parte do quinto fundamento, segundo a qual a Comissão exige que a Google forneça aos comparadores de produtos concorrentes um acesso aos seus serviços melhorados sem preencher as condições identificadas na jurisprudência

1)      Argumentos das partes

199    A segunda parte do quinto fundamento de anulação visa obter a declaração de que a Comissão não podia exigir que a Google concedesse aos comparadores de produtos concorrentes o acesso aos serviços resultantes das suas melhorias em matéria de comparação de produtos sem preencher as condições identificadas na jurisprudência, designadamente as aplicáveis às infraestruturas qualificadas de facilidades essenciais.

200    Num primeiro momento, a Google sublinha que é efetivamente esse o alcance da decisão recorrida, que lhe impõe uma obrigação de fornecimento, apesar de o comportamento imputado ser apenas descrito como favorecimento, no sentido de que a Google privilegia os seus resultados de pesquisa em relação aos dos concorrentes. A Google baseia‑se, a este respeito, nomeadamente, nos considerandos 538 e 662 da decisão recorrida, indicando este último que «[o] abuso estabelecido nesta decisão reside simplesmente no facto de a Google não posicionar e não apresentar da mesma maneira os resultados do seu próprio comparador de produtos e os dos comparadores de produtos concorrentes». A Google afirma que a decisão recorrida não identifica nenhum critério nem nenhum princípio que permita distinguir a infração em causa de um processo relativo a uma obrigação de fornecimento. Pouco importa que a decisão tenha utilizado outra formulação para punir uma recusa de fornecimento. A necessidade de aplicar os critérios relacionados com uma obrigação de fornecimento depende do conteúdo e da natureza dessa obrigação e não da forma como está redigida.

201    Na realidade, a alegação de favorecimento na decisão recorrida diz respeito ao acesso dos comparadores de produtos concorrentes às «tecnologias e designs» da Google, na medida em que a Comissão não tenta impedi‑la de apresentar as Product Universals e as Shopping Units (considerandos 656 e 662 da decisão recorrida), mas acusa‑a de não posicionar nem apresentar os comparadores de produtos concorrentes da mesma maneira, o que implica o acesso por estes a essas «tecnologias e designs». O mesmo argumento invocado pela Comissão na decisão recorrida para declarar a prática de um favorecimento poderia ter sido invocado no processo que deu origem ao Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), uma vez que o editor de imprensa em causa, Mediaprint, incluía os seus jornais na sua rede de distribuição e não os do seu concorrente. Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 3 de outubro de 1985, CBEM (311/84, EU:C:1985:394), poderia ter‑se sustentado que o canal de televisão em causa favorecia os seus próprios serviços de telemarketing ao autorizar apenas a publicidade que incluía o seu próprio número de telefone. Assim, segundo a Google, se a decisão recorrida vier a ser confirmada, qualquer obrigação de fornecimento poderá ser requalificada de ato de favorecimento sem sequer ter de respeitar o pressuposto da indispensabilidade exigido pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência. Todos os acórdãos em que o Tribunal de Justiça exigiu o preenchimento desse pressuposto serão postos em causa. Ora, como sublinhou o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha), a quem foram apresentadas denúncias pelos mesmos factos de favorecimento, as empresas não têm de subvencionar os seus concorrentes.

202    Além disso, a Google não é acusada de ter erguido barreiras à entrada ou de ter implementado restrições impeditivas de os comparadores de produtos concorrentes atraírem tráfego junto de fontes terceiras. Ora, uma vez que os alegados efeitos anticoncorrenciais resultam de uma falta de acesso ao tráfego da Google, cabia à Comissão provar, em conformidade com o Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), que esse acesso é «indispensável» para a concorrência e que existe o risco de a falta de acesso eliminar a concorrência.

203    Num segundo momento, a Google observa que não está demonstrado na decisão recorrida que o acesso aos seus serviços é indispensável aos comparadores de produtos concorrentes e que, sem esse acesso, a concorrência real pode ser eliminada, requisitos necessários, segundo a jurisprudência, para que uma obrigação de fornecimento seja imposta a uma empresa dominante. A decisão recorrida limita‑se assim a indicar que o tráfego de pesquisa da Google é «importante para a capacidade de um serviço de comparação de produtos exercer uma concorrência» (considerando 444), sem nunca demonstrar que esse tráfego é «indispensável», do mesmo modo que se contenta em afirmar que as outras fontes de tráfego são menos vantajosas para os comparadores de produtos concorrentes (considerando 542).

204    Num terceiro momento, a Google acrescenta que, na decisão recorrida, a Comissão se afasta sem razão da jurisprudência sobre a obrigação de fornecimento ao invocar dois fundamentos errados. Desde logo, no considerando 650 da decisão recorrida, a Comissão expôs que o comportamento da Google não consiste numa simples recusa passiva de acesso às suas páginas gerais de resultados, mas sim num comportamento ativo que privilegia o seu próprio comparador de produtos através de um posicionamento e uma apresentação favoráveis nessas páginas. Ora, segundo a Google, por exemplo, no processo que deu origem ao Acórdão de 3 de outubro de 1985, CBEM (311/84, EU:C:1985:394, n.o 5), embora o comportamento em causa fosse também ativo, o Tribunal de Justiça sublinhou o caráter indispensável do serviço recusado e o risco de eliminação de toda a concorrência para considerar que uma empresa dominante não pode reservar para si esse serviço.

205    Em seguida, no considerando 651 da decisão recorrida, a Comissão considerou que o critério da indispensabilidade não se aplica, uma vez que a decisão exige apenas que a «Google cesse as práticas» e não que a Google transfira um ativo ou celebre novos acordos. No entanto, mesmo que a Google pudesse, efetivamente, em vez de dar acesso aos serviços em causa celebrando acordos com os interessados, renunciar a utilizá‑los em seu proveito, a mesma escolha também se ofereceria às empresas às quais tivesse sido imposta uma obrigação de fornecimento para pôr termo a um abuso de posição dominante.

206    Em suma, através da decisão recorrida, a Comissão impugna as melhorias relativas aos resultados de pesquisa e aos anúncios relacionados com os produtos e as tecnologias subjacentes, com o fundamento de que a Google não facultara o respetivo acesso aos comparadores de produtos concorrentes. Ora, para determinar um abuso com base neste raciocínio, a Comissão deveria ter demonstrado que esse acesso era indispensável e que ia com a sua falta existia o risco de eliminar qualquer concorrência.

207    A CCIA considera, de uma forma mais geral, que a decisão recorrida se baseia na premissa errada de que o motor de busca da Google é o portal da Internet. Hoje, mais do que nunca, existem inúmeros pontos de entrada para fazer viver a concorrência na Internet e nenhum sítio é o portal da Internet.

208    A Comissão, apoiada pela República Federal da Alemanha, sustenta que os critérios enunciados no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), não são aplicáveis no presente caso. A este respeito, a Comissão reitera os argumentos constantes da decisão recorrida, acima referidos nos n.os 204 e 205, e precisa que deixou à Google a escolha dos meios para assegurar a igualdade de tratamento entre o seu comparador de produtos e os comparadores de produtos concorrentes, o que abrangia quer a possibilidade de continuar a apresentar as Shopping Units na sua página geral de resultados, integrando, no quadro de contratos, resultados dos comparadores de produtos concorrentes quer a possibilidade de renunciar à visualização das Shopping Units nessa página.

209    A Comissão contesta a argumentação da Google que visa submeter a possibilidade de declarar a existência de um abuso de posição dominante ao preenchimento dos pressupostos relativos à recusa de fornecimento de uma «facilidade essencial», quando podem existir outros comportamentos anticoncorrenciais que têm por efeito alargar ou reforçar uma posição dominante num mercado. Na medida em que demonstra que a concorrência pode ser restringida pela conduta anticoncorrencial de uma empresa dominante, não é obrigada a demonstrar que houve uma recusa por parte desta empresa de fornecer um produto ou um serviço indispensável aos seus concorrentes. A Comissão dá o exemplo do processo que deu origem ao Acórdão de 23 de outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão (T‑65/98, EU:T:2003:281, n.os 159 e 161).

210    A República Federal da Alemanha alega, em apoio da Comissão, que, contrariamente ao caso objeto do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), o acesso a uma «facilidade essencial» não está em causa no caso vertente. Em seu entender, a Google já «fornecia» os seus concorrentes ao dar‑lhes acesso ao seu serviço de pesquisa geral. Não há, como na situação que deu origem ao referido acórdão, exclusão dos concorrentes. Pelo contrário, a Comissão acusa a Google de uma apresentação menos favorável dos serviços dos concorrentes em relação ao seu próprio serviço, uma vez que os resultados dos concorrentes são apresentados como menos pertinentes do que os da Google.

211    O VDZ afirma que o comportamento em causa constitui um caso típico de abuso por efeito de alavanca equiparável às práticas já condenadas como o acoplamento e a venda ligada, a compressão das margens e certos tipos especiais de recusa de fornecimento e que esse comportamento foi entendido como tal.

2)      Apreciação do Tribunal Geral

212    Na decisão recorrida, a Comissão considerou que os pressupostos enunciados no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), não eram aplicáveis aos factos do caso presente, em especial por três razões. A Comissão declarou, em primeiro lugar, que os abusos por efeito de alavanca constituíam formas de abuso bem estabelecidas e autónomas que se afastavam da concorrência pelo mérito (considerando 649), em segundo lugar, que as práticas em causa não eram referentes a uma recusa passiva de acesso pela Google às suas páginas gerais de resultados, mas sim a um comportamento ativo de favorecimento com a promoção do seu próprio comparador de produtos em relação aos comparadores concorrentes (considerando 650) e, em terceiro lugar, que não era necessário, no presente caso, que a empresa em causa, cedesse, para pôr termo ao abuso, um elemento do ativo nem que celebrasse contratos com pessoas que não tinha escolhido. A Comissão justificou a não aplicabilidade do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), com base neste último fundamento citando o Acórdão de 23 de outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão (T‑65/98, EU:T:2003:281, n.o 161) (considerando 651).

213    A título preliminar, importa recordar que, no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), o Tribunal de Justiça considerou que, para que a recusa de uma empresa em posição dominante conceder o acesso a um serviço possa constituir um abuso na aceção do artigo 102.o TFUE, é necessário que essa recusa seja suscetível de eliminar qualquer a concorrência no mercado por parte de quem procura o serviço, que essa recusa não possa ser objetivamente justificada e que o serviço seja em si mesmo indispensável para o exercício da atividade de quem procura o serviço, no sentido de não existir nenhum seu substituto real ou potencial (Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner, C‑7/97, EU:C:1998:569, n.o 41; v., igualmente, Acórdão de 9 de setembro de 2009, Clearstream/Comissão, T‑301/04, EU:T:2009:317, n.o 147 e jurisprudência referida).

214    Em substância, no âmbito da segunda parte do quinto fundamento, a Google acusa a Comissão de ter considerado as práticas em causa como uma «recusa de fornecimento», sem ter verificado, designadamente, o caráter «indispensável» do acesso aos elementos em causa, a saber, as páginas gerais de resultados e os seus próprios resultados especializados (Product Universals e Shopping Units), e o risco de eliminação de qualquer concorrência, como deveria ter feito à luz do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569). A Comissão puniu, assim, uma recusa de fornecimento, eximindo‑se dos respetivos requisitos e prova para a determinação desta infração.

215    Os requisitos enunciados no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), aplicam‑se, em princípio, a infraestruturas ou serviços que são frequentemente qualificados de «facilidade essencial», no sentido de que são indispensáveis para exercer uma atividade no mercado, na medida em que não exista nenhum substituto real ou potencial (v. Acórdãos de 15 de setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T‑374/94, T‑375/94, T‑384/94 e T‑388/94, EU:T:1998:198, n.os 208 e 212 e jurisprudência referida, e de 9 de setembro de 2009, Clearstream/Comissão, T‑301/04, EU:T:2009:317, n.o 147 e jurisprudência referida), de modo que a recusa do respetivo acesso possa conduzir à eliminação de toda a concorrência. A jurisprudência relativa às facilidades essenciais diz, nomeadamente, respeito a situações em que o livre exercício de um direito exclusivo, que sanciona a realização de um investimento ou de uma criação, pode ser restringido no interesse de uma concorrência não falseada no mercado interno (v. Acórdãos de 1 de julho de 2010, AstraZeneca/Comissão (T‑321/05, EU:T:2010:266, n.o 679 e de 18 de novembro de 2020, Lietuvos geležinkeliai/Comissão, T‑814/17, pendente de recurso, EU:T:2020:545, n.o 87 e jurisprudência referida).

216    Por diversas vezes (Acórdãos de 6 de março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, EU:C:1974:18, n.o 25; de 3 de outubro de 1985, CBEM, 311/84, EU:C:1985:394, n.o 26; de 6 de abril de 1995, RTE e ITP/Comissão, C‑241/91 P e C‑242/91 P, EU:C:1995:98, n.o 56; de 26 de novembro de 1998, Bronner, C‑7/97, EU:C:1998:569, n.o 41; de 29 de abril de 2004, IMS Health, C‑418/01, EU:C:2004:257, n.o 52; de 12 de junho de 1997, Tiercé Ladbroke/Comissão, T‑504/93, EU:T:1997:84, n.o 132, e de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, EU:T:2007:289, n.o 332), inspirando‑se na doutrina das facilidades essenciais, o juiz da União utilizou o critério da indispensabilidade e o critério relativo ao risco de eliminação de qualquer concorrência para caracterizar ou excluir a existência de um abuso nos processos em que estava em causa a possibilidade de uma empresa em posição dominante reservar para si uma atividade num mercado vizinho.

217    Como explica, em substância, o advogado‑geral F. G. Jacobs nas suas Conclusões no processo Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:264, n.os 56, 57 e 62), a escolha do critério da indispensabilidade, bem como do critério relativo ao risco de eliminação de qualquer concorrência, corresponde à vontade, do ponto de vista jurídico, de proteger o direito de uma empresa escolher os seus parceiros contratuais e de dispor livremente da sua propriedade, princípios universalmente consagrados nos sistemas jurídicos dos Estados‑Membros, assumindo por vezes uma natureza constitucional, e, do ponto de vista económico, de favorecer, a longo prazo, a concorrência, no interesse dos consumidores, permitindo que uma empresa reserve para utilização própria as infraestruturas que desenvolveu. A finalidade dos três pressupostos enunciados no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), e acima recordados no n.o 213, é, assim, assegurar que a obrigação de uma empresa em situação de posição dominante fornecer um acesso à sua infraestrutura não entrave, em definitivo, a concorrência ao diminuir, para essa empresa, o incentivo inicial à construção dessa infraestrutura. Com efeito, uma empresa dominante seria menos incentivada a investir em infraestruturas se os seus concorrentes pudessem, a pedido, partilhar os benefícios (Acórdão de 18 de novembro de 2020, Lietuvos geležinkeliai/Comissão, T‑814/17, pendente de recurso, EU:T:2020:545, n.o 90).

218    É à luz destas considerações preliminares que importa examinar os argumentos invocados pela Google segundo os quais a Comissão violou o artigo 102.o TFUE ao punir as práticas em causa sem demonstrar que os pressupostos enunciados no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), estavam preenchidos e, em especial, o pressuposto da indispensabilidade.

219    Em primeiro lugar, contrariamente ao que sustenta a Comissão, estão em causa, no presente processo, as condições do fornecimento pela Google do seu serviço de pesquisa geral através do acesso às páginas gerais de resultados pelos comparadores de produtos concorrentes, sendo esse acesso, como decorre da parte 7.2.2 da decisão recorrida, apresentado como «importante» para gerar tráfego no sítio Internet dos comparadores e, portanto, a prazo, receitas e, como decorre da parte 7.2.4.2, «não efetivamente substituível».

220    Assim, como resulta do considerando 662 da decisão recorrida, a Google é criticada por não permitir que os comparadores de produtos concorrentes beneficiem de um posicionamento e de uma visualização semelhantes aos do seu próprio comparador e, por conseguinte, por não assegurar a igualdade de tratamento entre o seu próprio comparador e os comparadores concorrentes.

221    A decisão recorrida expõe, a este respeito, no considerando 699, que qualquer «medida» de execução deve garantir que a Google não trate os serviços de comparação de produtos concorrentes «menos favoravelmente» do que o seu próprio serviço de comparação de produtos nas suas páginas gerais de resultados e, no considerando 700, alínea c), que qualquer medida de execução deveria submeter o serviço de comparação de produtos da Google aos «mesmos processos e métodos» de posicionamento e de apresentação do que os utilizados para os serviços de comparação de produtos concorrentes.

222    A decisão recorrida visa, assim, um igual acesso do comparador de produtos da Google e dos comparadores de produtos concorrentes às páginas gerais de resultados da Google, independentemente do tipo de resultados em causa (resultados genéricos, Product Universals ou Shopping Units) e, portanto, tende efetivamente a conceder aos comparadores de produtos concorrentes o acesso às páginas gerais de resultados da Google num posicionamento e numa apresentação tão visíveis como os do comparador de produtos da Google, ainda que não exclua que, para executar as medidas corretivas requeridas pela Comissão, a Google renuncie a apresentar e a posicionar o seu próprio comparador de produtos mais favoravelmente do que os comparadores de produtos concorrentes, nas suas páginas gerais de resultados.

223    Em segundo lugar, há que observar que, perante esta problemática de acesso, como decorre dos considerandos 649 a 652 da decisão recorrida, a Comissão não se referiu, pelo menos de forma expressa, aos pressupostos enunciados no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), para considerar demonstrado o abuso. Pelo contrário, como resulta dos considerandos 334 e 649 da decisão recorrida, a Comissão baseou‑se na jurisprudência aplicável aos abusos por efeito de alavanca para considerar demonstradas as práticas anticoncorrenciais em causa. A este respeito, a Comissão considerou que a Google alavancava a sua posição dominante no mercado da pesquisa geral para favorecer o seu próprio comparador de produtos no mercado dos serviços de comparação de produtos, conduzindo este comportamento de favorecimento a uma exclusão potencial ou atual da concorrência no mercado a jusante (considerandos 341 e 342 da decisão recorrida).

224    Ora, há que salientar que a página geral de resultados da Google apresenta características que a aproximam de uma facilidade essencial (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T‑374/94, T‑375/94, T‑384/94 e T‑388/94, EU:T:1998:198, n.os 208 e 212 e jurisprudência referida, e de 9 de setembro de 2009, Clearstream/Comissão, T‑301/04, EU:T:2009:317, n.o 147 e jurisprudência referida), no sentido de que atualmente não existe nenhum substituto real ou potencial disponível que permita substituí‑la de forma economicamente viável no mercado (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, EU:T:2007:289, n.os 208, 388, 390, 421 e 436).

225    A este respeito, importa observar, como acima resulta dos n.os 170 a 173, que, na secção 7.2.4 da decisão recorrida, a Comissão declarou que o tráfego de pesquisa geral das páginas gerais de resultados da Google representa uma grande proporção do tráfego para os comparadores de produtos concorrentes e que esse tráfego não pode ser efetivamente substituído por outras fontes de tráfego atualmente disponíveis para os comparadores de produtos, elementos que são apresentados como aspetos essenciais na análise do comportamento abusivo.

226    A Comissão precisou, assim, na secção 7.2.4.2 da decisão recorrida, que não existia atualmente uma alternativa viável para um tráfego que representava uma grande parte da atividade dos serviços de comparação de produtos. No considerando 588 da decisão recorrida, a Comissão salientou que «o tráfego dos outros motores de pesquisa geral (tais como Bing ou Yahoo) era insignificante e insuscetível de crescer devido às barreiras à entrada nos mercados nacionais dos serviços de pesquisa geral». Nos considerandos 285 a 305 da decisão recorrida, a Comissão descreveu as barreiras à entrada nos mercados da pesquisa geral. Considerou que estas barreiras eram provenientes de investimentos significativos e dos efeitos de escala e de redes. A Comissão expôs como o historial dos mercados da pesquisa geral corroborava a existência dessas barreiras à entrada, com uma única entrada significativa no mercado desde 2009 (a da Microsoft com Bing) e uma posição quase monopolística da Google (numa escala quase mundial). No considerando 544 da decisão recorrida, a Comissão expôs igualmente que um investimento acrescido nos anúncios textuais para compensar a perda de tráfego proveniente do motor de busca da Google não constituía uma solução «economicamente viável», nem as outras fontes de tráfego como as aplicações móveis ou o tráfego direto (considerandos 568 e 580).

227    Deste modo, ao declarar que o tráfego gerado pelas páginas gerais de pesquisa da Google não era «efetivamente substituível» e que as outras fontes de tráfego não eram «economicamente viáveis», a Comissão considerou que o tráfego da Google era indispensável para os comparadores de produtos concorrentes (v., neste sentido, e por analogia no que respeita a um sistema operativo para computador que tem características da mesma ordem, Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, EU:T:2007:289, n.os 208, 388, 390, 421 e 436).

228    Por último, na secção 7.3 da decisão recorrida, a Comissão concluiu que as práticas em causa podiam conduzir à potencial eliminação de toda a concorrência. Assim, a Comissão indicou, no considerando 594 da decisão recorrida, que essas práticas eram «suscetíve[is] de levar os serviços de comparação de produtos concorrentes a cessarem a prestação dos seus serviços».

229    Em terceiro lugar, importa declarar que, embora as práticas em causa, como sustenta a Google, não sejam alheias a uma problemática de acesso, distinguem‑se, no entanto, nos seus elementos constitutivos, da recusa de fornecimento em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), o que justifica a decisão da Comissão de as considerar sob o ângulo de outros critérios que não os específicos desta.

230    Com efeito, nem toda a problemática total ou parcial de acesso, como a do caso em apreço, implica necessariamente a aplicação dos requisitos enunciados no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), relativos à recusa de fornecimento.

231    Em especial, assim é, como indica a Comissão no considerando 649 da decisão recorrida (v. n.o 212, supra), quando a prática em causa consiste num comportamento autónomo que se distingue, nos seus elementos constitutivos, de uma recusa de fornecimento, mesmo que possa ter os mesmos efeitos de exclusão.

232    Com efeito, uma «recusa» de fornecimento que justifique a aplicação dos pressupostos enunciados no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), implica, por um lado, um caráter intencional, a saber, a existência de um «pedido» ou, em todo o caso, de ter acesso e da correlativa «recusa» e, por outro, que o facto gerador do efeito de expulsão, a saber, o comportamento imputado, resida principalmente na recusa enquanto tal e não numa prática extrínseca como, designadamente, uma outra forma de abuso por efeito de alavanca (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, EU:C:1974:18, n.os 24 e 25; de 3 de outubro de 1985, CBEM, 311/84, EU:C:1985:394, n.os 26 e 27; de 6 de abril de 1995, RTE e ITP/Comissão, C‑241/91 P e C‑242/91 P, EU:C:1995:98, n.os 9, 11, 54 e 55; de 26 de novembro de 1998, Bronner, C‑7/97, EU:C:1998:569, n.os 8, 11 e 47; de 12 de junho de 1997, Tiercé Ladbroke/Comissão, T‑504/93, EU:T:1997:84, n.os 5, 7, 110, 131 e 132, e de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, EU:T:2007:289, n.os 2 e 7).

233    Inversamente, a inexistência dessa recusa expressa de fornecimento exclui que sejam qualificadas de recusa de fornecimento e analisadas sob a perspetiva das condições estritas enunciadas para tal recusa, práticas que, mesmo que possam ter, in fine, como consequência uma recusa implícita de acesso, constituem, tendo em conta os seus elementos constitutivos que se afastam, pela sua própria natureza, da concorrência pelo mérito, uma violação autónoma do artigo 102.o TFUE.

234    Como afirmou, de resto, o advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe nas suas Conclusões nos processos Deutsche Telekom/Comissão e Slovak Telekom/Comissão (C‑152/19 P e C‑165/19 P, EU:C:2020:678, n.os 85 a 89), todas ou, pelo menos, a maior parte das práticas suscetíveis de restringir ou eliminar a concorrência (a seguir «práticas de exclusão») são suscetíveis de constituir recusas implícitas de fornecimento, uma vez que tendem a tornar mais difícil o acesso a um mercado. No entanto, o Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), não pode ser aplicado a todas estas práticas, sob pena de se ignorar a letra e o espírito do artigo 102.o TFUE, cujo alcance não pode ser limitado às práticas abusivas que recaem sobre bens e serviços «indispensáveis», na aceção desse acórdão.

235    Além disso, há que observar que, em vários processos que suscitavam, à semelhança do presente processo, problemáticas de acesso a um serviço, não foi exigida a demonstração do pressuposto da indispensabilidade. Foi assim, nomeadamente, no que respeita às práticas de compressão das margens (Acórdãos de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.os 55 a 58, e de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, C‑295/12 P, EU:C:2014:2062, n.o 75) e de vendas ligadas (Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, EU:T:2007:289, n.o 961).

236    A este respeito, como declarou o Tribunal de Justiça, não se pode deduzir dos n.os 48 e 49 do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), que os pressupostos necessários para determinar a existência de uma recusa abusiva de fornecimento devem necessariamente ser aplicados no âmbito da apreciação do caráter abusivo de um comportamento que consiste em sujeitar a prestação de serviços ou a venda de produtos a condições desfavoráveis nas quais o adquirente possa não estar interessado, podendo tais comportamentos, por si mesmos, constituir uma forma autónoma de abuso diferente da recusa de fornecimento (Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.os 55 e 56; v. igualmente, neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, C‑295/12 P, EU:C:2014:2062, n.os 75 e 96).

237    Importa referir, a este respeito, como resulta da secção 7.2.3 da decisão recorrida, que as práticas em causa têm por base, segundo a Comissão, uma discriminação interna feita entre o próprio serviço de comparação de produtos da Google e os serviços de comparação de produtos concorrentes, através de um efeito de alavanca a partir de um mercado dominado, caracterizado por fortes barreiras à entrada, a saber, o mercado dos serviços de pesquisa geral.

238    Por conseguinte, como decorre do considerando 344 da decisão recorrida e do seu artigo 1.o, não está em causa, no caso vertente, uma simples recusa unilateral de a Google fornecer às empresas concorrentes um serviço necessário para exercer uma concorrência num mercado vizinho, que seria contrária ao artigo 102.o TFUE e legitimaria, portanto, a aplicação da teoria das «facilidades essenciais» (v., neste sentido, Acórdão de 22 de março de 2011, Altstoff Recycling Austria/Comissão, T‑419/03, EU:T:2011:102, n.o 109), mas sim uma diferença de tratamento contrária ao disposto nesse artigo.

239    Ora, de forma constante, os advogados‑gerais do Tribunal de Justiça singularizaram os processos de diferença de tratamento em relação aos casos de recusa de acesso, excluindo a aplicação dos pressupostos decorrentes do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569). Essa exclusão foi evocada pelo advogado‑geral F. G. Jacobs, nas suas Conclusões no processo Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:264, n.o 54), pelo advogado‑geral J. Mazák, que excluiu expressamente a aplicação do requisito da indispensabilidade nos casos em que «[a] empresa dominante […] discrimin[e] entre os seus concorrentes e as suas próprias operações a jusante, na aceção do artigo 102.o, alínea c), TFUE» (Conclusões do advogado‑geral J. Mazák no processo TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2010:483, n.o 32), e é confirmada pelo Tribunal Geral no Acórdão de 7 de outubro de 1999, Irish Sugar/Comissão (T‑228/97, EU:T:1999:246, n.os 166 e 167).

240    Por conseguinte, há que concluir que a Comissão não tinha que demonstrar o preenchimento dos pressupostos enunciados no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), para declarar a existência de uma infração com base nas práticas verificadas, na medida em que, como a Comissão afirma no considerando 649 da decisão recorrida, as práticas em causa são uma forma autónoma de abuso por efeito de alavanca que têm, como indica igualmente a Comissão no considerando 650 da referida decisão, um caráter «ativo» que se traduz em atos positivos de discriminação no tratamento dos resultados do comparador da Google que são promovidos nas suas páginas gerais de resultados e os resultados dos comparadores de produtos concorrentes que são propensos à retrogradação. Distinguem‑se assim do comportamento em causa no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), que consiste numa simples recusa de acesso, como, de resto, sublinhou o Tribunal de Justiça no Acórdão de 25 de março de 2021, Deutsche Telekom/Comissão (C‑152/19 P, EU:C:2021:238, n.o 45), proferido posteriormente à audiência do presente processo.

241    A este respeito, não é relevante, contrariamente ao que afirma a Google (v. n.o 204, supra), o facto de, no Acórdão de 3 de outubro de 1985, CBEM (311/84, EU:C:1985:394), o Tribunal de Justiça ter aplicado os requisitos relativos às facilidades essenciais a uma prática de exclusão «ativa» como a que está em causa. Com efeito, nesse acórdão, foi submetida ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial sobre uma «recusa de fornecimento» e, portanto, este limitou‑se a pronunciar‑se sobre os requisitos aplicáveis a essa prática, tal como circunscrita pela questão prejudicial (Acórdão de 3 de outubro de 1985, CBEM, 311/84, EU:C:1985:394, n.os 19 e 26). Não se pode inferir que o teste em matéria de recusa de fornecimento e o requisito da indispensabilidade daí decorrente se aplicam a todas as práticas de exclusão abrangidas pelo artigo 102.o TFUE, incluindo a prática de favorecimento referida no presente caso, o que seria, aliás, contrário à interpretação adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige (C‑52/09, EU:C:2011:83, n.os 55 e 56).

242    Por outro lado, a Google sustenta que, embora, como a Comissão indica no considerando 651 da decisão recorrida, o Tribunal Geral já tenha excluído a aplicação dos pressupostos enunciados no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), designadamente pelo facto de não ser necessário que a empresa em causa ceda um elemento do ativo nem que celebre contratos com pessoas que não escolheu ao aplicar a decisão recorrida (v., neste sentido, Acórdão de 23 de outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão, T‑65/98, EU:T:2003:281, n.o 161), o proprietário de um ativo indispensável pode sempre pôr termo à recusa de fornecimento suprimindo o ativo em causa, pelo que este critério é inoperante, tanto mais que, no caso vertente, a decisão recorrida lhe impõe, em substância, a transferência de um ativo de valor, a saber, o espaço alocado aos resultados de pesquisa. Daqui resulta que a Comissão se baseou erradamente no Acórdão de 23 de outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão (T‑65/98, EU:T:2003:281), para excluir a aplicabilidade dos pressupostos enunciados no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569).

243    É certo que, como decorre acima dos n.os 219 a 222, estão em causa, no presente processo, ainda que indiretamente, as condições de prestação pela Google do seu serviço de pesquisa geral através do acesso às páginas gerais de resultados pelos comparadores de produtos.

244    Todavia, a obrigação de a empresa que explora de forma abusiva uma posição dominante ceder ativos, celebrar contratos ou dar acesso ao seu serviço em condições não discriminatórias não implica necessariamente a aplicação dos critérios estabelecidos no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569). Com efeito, nenhum automatismo pode existir entre os critérios de qualificação jurídica do abuso e as medidas corretivas que permitem remediá‑lo. Assim, se, numa situação como a que estava em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), a empresa que detinha o sistema de distribuição domiciliária de jornais tivesse não só recusado dar acesso à sua infraestrutura, mas tivesse também implementado práticas ativas de exclusão que obstassem ao desenvolvimento de um sistema de distribuição domiciliária concorrente ou que impediam a utilização de modos alternativos de distribuição, os critérios de identificação do abuso teriam sido diferentes. Ora, nessa hipótese, teria sido eventualmente possível, para a empresa punida, pôr termo ao abuso, dando acesso ao seu próprio sistema de distribuição domiciliária em condições razoáveis e não discriminatórias. Não era isso, porém, que significava que o abuso identificado tivesse sido apenas uma recusa de acesso ao seu sistema de distribuição domiciliária.

245    Por outras palavras, não é pelo facto de uma das formas de pôr termo ao comportamento abusivo consistir em permitir aos concorrentes figurar nas «boxes» apresentadas no topo da página de resultados da Google que as práticas abusivas devem limitar‑se à visualização das referidas «boxes» e que os requisitos de identificação do abuso devem ser definidos em relação a este único aspeto. No presente caso, como decorre nomeadamente do considerando 344 da decisão recorrida, as práticas em causa incluem também a relegação dos comparadores de produtos concorrentes nas páginas gerais de resultados da Google através de algoritmos de ajustamento, que, conjugada com a promoção pela Google dos seus próprios resultados, é um elemento constitutivo dessas práticas, que, de resto, segundo a Comissão, tem um papel importante no efeito de expulsão constatado e não está diretamente relacionado com o acesso às «boxes» da Google na sua página geral de resultados.

246    Além disso, a aplicabilidade dos critérios do Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), não pode depender das medidas ordenadas pela Comissão para pôr termo à infração. Com efeito, a determinação da infração precede, por natureza, a aplicação das medidas para lhe pôr termo. Nestas condições, a existência da infração e a aplicabilidade dos pressupostos enunciados no Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569), não podem depender das medidas que a empresa deve tomar subsequentemente para lhe pôr termo.

247    Daqui resulta que o critério relativo à necessidade de ceder ativos ou de celebrar contratos para pôr termo à infração é inoperante no quadro de infrações ativas que, como no caso vertente, se distinguem de uma simples recusa de fornecimento.

248    Por último, é infundada a afirmação da Google de que o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) rejeitou constantemente denúncias de que uma companhia dominante teria cometido um abuso ao conceder a si própria um tratamento mais favorável do que aos seus concorrentes, com fundamento no facto de as empresas não serem obrigadas a subvencionar os seus concorrentes. Com efeito, como indica a República Federal da Alemanha no seu articulado de intervenção, esta referência a uma «subvenção» da concorrência por uma empresa dominante só foi utilizada num contexto muito particular, o dos fluxos financeiros intragrupo caracterizados pela fixação de preços de compra muito vantajosos por uma sociedade‑mãe a uma filial. Em todo o caso, mesmo que o conceito de «favorecimento» não tenha sido reconhecido pelos órgãos jurisdicionais alemães, isso não exclui a sua pertinência para fundamentar a declaração, pela Comissão, de uma violação do artigo 102.o TFUE. Com efeito, os órgãos jurisdicionais da União não podem estar vinculados pela jurisprudência dos órgãos jurisdicionais nacionais, mesmo que sejam tribunais supremos ou constitucionais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Acino/Comissão, C‑269/13 P, EU:C:2014:255, n.o 114), ainda que nada os impeça de nela se inspirarem e de a terem em consideração como elemento de análise. Pelo contrário, compete aos órgãos jurisdicionais e às autoridades nacionais aplicarem o artigo 102.o TFUE de maneira uniforme e em conformidade com a jurisprudência dos órgãos jurisdicionais da União, na medida em que as divergências entre os órgãos jurisdicionais e as autoridades dos Estados‑Membros quanto à sua aplicação são suscetíveis de comprometer a unidade da ordem jurídica da União e prejudicar a segurança jurídica.

249    Nestas condições, há que julgar improcedente a segunda parte do quinto fundamento e o fundamento na sua totalidade.

c)      Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, segundo a qual os factos foram apresentados de forma errada, uma vez que a Google introduziu os grupos de resultados para produtos a fim de melhorar a qualidade do seu serviço e não para dirigir o tráfego para o seu próprio serviço de comparação de produtos

1)      Argumentos das partes

250    A Google sustenta, em substância, que a Comissão apresentou os factos de forma errada. Com efeito, por um lado, a Google introduziu grupos de resultados para produtos a fim de melhorar a qualidade do seu serviço de pesquisa geral e não para direcionar o tráfego para o seu próprio serviço de comparação de produtos. A Google explica, assim, que não prossegue nenhum objetivo anticoncorrencial ao introduzir os resultados para produtos, contrariamente ao que resulta da apresentação dos factos efetuada no considerando 386 da decisão recorrida.

251    Por outro lado, a Google afirma que as Product Universals não causaram prejuízo aos utilizadores, antes melhoraram a qualidade e a pertinência dos seus resultados, contrariamente ao que decorre designadamente do considerando 598 da decisão recorrida, segundo o qual a Google nem sempre mostrou os resultados mais pertinentes aos utilizadores. Em suma, a decisão recorrida ignora os elementos de prova que demonstram o fim pró‑concorrencial prosseguido pela Google no desenvolvimento dos grupos de resultados para produtos, as soluções técnicas que melhoraram a qualidade do seu serviço de pesquisa geral e a evolução real do tráfego. Os factos demonstram que a Google tinha um fim pró‑concorrencial ao apresentar as Product Universals que melhoraram a qualidade do serviço de pesquisa geral em benefício dos utilizadores. A Google melhorou as suas tecnologias para ser mais competitiva no que diz respeito aos parâmetros objeto de concorrência entre os motores de pesquisa geral. O facto de a Google se ter concentrado na pertinência é corroborado pela ativação precaucional das Product Universals, pelas provas documentais e pelos dados de tráfego

252    A Comissão sustenta, nomeadamente, que, na decisão recorrida, não contesta o fim pró‑concorrencial do desenvolvimento das Product Universals enquanto tais. A Comissão recorda que censura a Google por apresentar de forma atrativa as Product Universals, quando, paralelamente, os resultados dos comparadores de produtos concorrentes só podem aparecer através dos resultados genéricos, sem nenhuma funcionalidade de visualização enriquecida, e nesses resultados são suscetíveis de retrogradação pelos algoritmos (considerandos 344 e 512 da decisão recorrida).

253    O BEUC sublinha que a motivação real da Google é proteger e maximizar as suas receitas, reservando sistematicamente a parte mais rentável do ecrã para os seus próprios resultados, apresentados com características gráficas atrativas mesmo que esses resultados não sejam necessariamente os mais pertinentes para uma determinada consulta. A Kelkoo alega, por seu lado, que a Google adotou uma conduta anticoncorrencial para excluir os seus concorrentes e para promover o seu próprio comparador de produtos. A Google implementou assim uma estratégia de exclusão deliberada que visa, por um lado, relegar os seus concorrentes através dos seus algoritmos de ajustamento e, por outro, favorecer o seu próprio comparador de produtos graças a uma apresentação e posicionamento preferenciais. A Visual Meta indica, por último, que a razão alegadamente pró‑concorrencial na origem da introdução pela Google das Product Universals não é, em conformidade com a jurisprudência, relevante e que, em todo o caso, por não poder aproveitar a todos os comparadores de produtos concorrentes, a alegada melhoria operada pela Google com as Product Universals não pôde melhorar a pertinência dos seus resultados considerados na sua globalidade.

2)      Apreciação do Tribunal Geral

254    Importa observar que, quando a Comissão examina o comportamento de uma empresa em posição dominante, uma vez que esse exame é indispensável para chegar a uma conclusão relativa à existência de abuso dessa posição, é forçosamente chamada a apreciar a estratégia comercial prosseguida pela referida empresa. Neste âmbito, parece normal que a Comissão aprecie fatores de natureza subjetiva, a saber, os interesses que motivam a estratégia comercial em questão (Acórdão de 19 de abril de 2012, Tomra Systems e o./Comissão, C‑549/10 P, EU:C:2012:221, n.o 19).

255    Todavia, a existência de uma eventual intenção anticoncorrencial constitui apenas uma das numerosas circunstâncias factuais suscetíveis de ser tidas em conta na determinação de um abuso de posição dominante (Acórdão de 19 de abril de 2012, Tomra Systems e o./Comissão, C‑549/10 P, EU:C:2012:221, n.o 20).

256    A Comissão não é obrigada a demonstrar a existência dessa intenção por parte da empresa em posição dominante para efeitos de aplicação do artigo 102.o TFUE, mesmo que a prova de tal intenção, se não bastar por si só, constitua uma circunstância factual suscetível de ser tida em conta na determinação de um abuso de posição dominante [v. Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 162 e jurisprudência referida].

257    Além disso, a existência de uma intenção de exercer uma concorrência assente no mérito, admitindo‑a provada, não demonstra a ausência de um abuso (Acórdão de 19 de abril de 2012, Tomra Systems e o./Comissão, C‑549/10 P, EU:C:2012:221, n.o 22).

258    No presente caso, a Google alega que nunca quis desviar‑se da concorrência pelo mérito e sustenta, em substância, que a Comissão desvirtua os factos ao sugerir, na decisão recorrida, a existência dessa intenção anticoncorrencial na base das práticas em causa.

259    Todavia, não decorre dos considerandos da decisão recorrida referidos pela Google (designadamente, considerandos 386, 490 a 492 e 598 da decisão recorrida), que a Comissão tenha tido em conta, pelo menos enquanto tal, para caracterizar a existência do abuso em causa, um eventual «objeto anticoncorrencial» da Google na origem do «desenvolvimento» das tecnologias que conduziram à implementação das Product Universals.

260    Pelo contrário, como resulta da redação da secção 7.2.1 da decisão recorrida, a Comissão considerou que o comportamento abusivo era constituído por elementos objetivos, a saber, «o posicionamento e a apresentação mais favoráveis, nos resultados de pesquisa geral da Google, do comparador de produtos da Google, em relação aos comparadores concorrentes», comportamento que teria, de acordo com a secção 7.2.3 da decisão recorrida, com o jogo dos algoritmos de ajustamento de pesquisa geral aplicados aos comparadores de produtos concorrentes, «diminuído o tráfego dos resultados de pesquisas gerais da Google para os comparadores de produtos concorrentes e aumentado [o referido] tráfego para o próprio comparador de produtos da Google». Esta constatação foi efetuada quando o tráfego era, de acordo com a secção 7.2.2 da decisão recorrida, «importante» para os serviços de comparação de produtos concorrentes e que, de acordo com a secção 7.2.4 da decisão recorrida, o tráfego desviado, que representava uma parte importante do tráfego dos serviços de comparação de produtos concorrentes, não podia ser efetivamente substituído por outras fontes.

261    Assim, como repetiu várias vezes nos seus articulados, a Comissão considerou que o comportamento imputado à Google consiste, em especial, na combinação de duas práticas objetivas, a saber, por um lado, o posicionamento e a apresentação mais favoráveis dos seus próprios resultados especializados nas suas páginas gerais de resultados do que os dos resultados dos comparadores concorrentes e, por outro, a retrogradação concomitante através dos algoritmos de ajustamento dos resultados dos comparadores concorrentes. Para determinar a infração, a Comissão comparou, assim cuidadosamente, num primeiro momento, a maneira como os resultados dos comparadores concorrentes eram posicionados e apresentados (secção 7.2.1.1 da decisão recorrida) e, num segundo momento, a maneira como os resultados do comparador da Google eram posicionados e apresentados (secção 7.2.1.2 da decisão recorrida), antes de examinar, num terceiro momento, as circunstâncias particulares em que se registaram as práticas em questão, a saber, a importância do tráfego e o seu caráter não efetivamente substituível, bem como o comportamento dos internautas.

262    Ao fazê‑lo, a Comissão limitou‑se a comparar a maneira como a Google posicionava e apresentava os resultados dos comparadores concorrentes em relação aos resultados do seu próprio comparador e descreveu o contexto económico em que se exercia a concorrência entre serviços de comparação de produtos. Por conseguinte, no âmbito da determinação da infração, a Comissão não teve em conta nem estratégia nem objetivos anticoncorrenciais prosseguidos pela Google, o que expressamente confirmou na audiência em resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral.

263    É certo, como decorre da resposta do Tribunal Geral à primeira parte do quinto fundamento (v. n.o 175, supra), que a Comissão declarou que as práticas em causa se afastam da concorrência pelo mérito. Todavia, esta declaração não pode ser invalidada pela intenção que teria tido a Google de exercer uma concorrência pelo mérito, melhorando a qualidade do seu serviço de pesquisa geral e a pertinência dos seus resultados especializados, uma vez que, como decorre da jurisprudência acima referida no n.o 257, a simples intenção de exercer concorrência assente no mérito, admitindo‑a provada, não pode demonstrar a inexistência de um abuso.

264    Com efeito, importa recordar que a exploração abusiva de uma posição dominante proibida pelo artigo 102.o TFUE é um conceito objetivo (Acórdão de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, EU:C:1979:36, n.o 91). Há que salientar, no mais, que, contrariamente ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE, o artigo 102.o TFUE não contém nenhuma referência ao objeto da prática (Acórdão de 30 de setembro de 2003, Michelin/Comissão, T‑203/01, EU:T:2003:250, n.o 237), embora remeta, ainda que indiretamente, para um objetivo anticoncorrencial.

265    Por conseguinte, embora a Comissão possa ter comentado a estratégia comercial prosseguida pela Google no quadro do lançamento das Product Universals e referido, a este respeito, fatores de natureza subjetiva, como a preocupação de corrigir maus desempenhos do Froogle, os argumentos relativos a uma desvirtuação dos elementos factuais no que diz respeito às razões da implementação das Product Universals pela Google, dado que têm por objeto fundamentos que não são utilizados pela Comissão como elementos constitutivos da infração (estes últimos elementos são acima resumidos no n.o 260), devem ser rejeitados por serem inoperantes no âmbito da análise da determinação da infração (v., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 2018, Servier e o./Comissão, T‑691/14, pendente de recurso, EU:T:2018:922, n.o 188 e jurisprudência referida).

266    Por outro lado, na medida em que a Google afirma que as Product Universals não causaram prejuízo aos utilizadores, mas melhoraram a qualidade e a pertinência dos seus resultados, há que referir que estes eventuais ganhos de eficiência resultantes das práticas em causa devem ser tidos em conta como eventuais justificações objetivas, pelo que não são suscetíveis de sustentar a primeira parte do primeiro fundamento, que é relativa, em substância, a uma desvirtuação dos factos por parte da Comissão. Estes argumentos relativos à melhoria da qualidade e da pertinência dos resultados serão, portanto, examinados numa fase ulterior da análise, no título B, ponto 4.

267    Nestas condições, há que julgar improcedentes a primeira parte do primeiro fundamento e o quinto fundamento na sua totalidade por serem infundados.

2.      Quanto aos elementos dos primeiro e segundo fundamentos relativos ao caráter não discriminatório das práticas em causa

a)      Quanto aos elementos do primeiro fundamento, relativos ao facto de a Comissão ter erradamente concluído que a Google favoreceu o seu próprio serviço de comparação de produtos na visualização das Product Universals

268    Em apoio do seu primeiro fundamento, a Google apresenta três partes. Como foi acima indicado, a Google sustenta, numa primeira parte, que os factos são apresentados de forma errada na decisão recorrida, uma vez que introduziu os grupos de resultados para produtos a fim de melhorar a qualidade do seu serviço e não para direcionar o tráfego para o seu próprio serviço de comparação de produtos. A Google sustenta, numa segunda parte, que a Comissão concluiu erradamente que o tratamento diferente das Product Universals e dos resultados genéricos tinha dado origem a um ato de favorecimento, quando não houve nenhuma discriminação. Ora, na falta de discriminação, não pode haver abuso. A Google sustenta, numa terceira parte, que a Comissão violou as regras de direito aplicáveis à apreciação das justificações objetivas que permitem, em certos casos, justificar comportamentos a priori anticoncorrenciais, no que respeita à visualização das Product Universals. A Comissão não examinou se os elementos avançados pela Google relativos aos benefícios para os utilizadores das Product Universals contrabalançavam os alegados efeitos restritivos.

269    O Tribunal Geral considera que há que tratar esta terceira parte do primeiro fundamento, relativa às justificações objetivas, num desenvolvimento autónomo, após o exame dos terceiro e quarto fundamentos sobre os efeitos anticoncorrenciais, em conformidade com o que foi acima anunciado no n.o 126.

270    Importa recordar, por outro lado, que a primeira parte do primeiro fundamento, segundo a qual a Google introduziu os grupos de resultados para produtos a fim de melhorar a qualidade do seu serviço e não para direcionar o tráfego para o seu próprio serviço de comparação de produtos, como defende a Comissão, foi tratada nos n.os 250 a 267, supra. Assim, apenas a segunda parte do presente fundamento será examinada na presente parte.

1)      Argumentos das partes

271    A Google alega que a decisão recorrida é juridicamente errada ao concluir que favoreceu as Product Universals, uma vez que a Comissão não examinou os requisitos necessários para a determinação de uma discriminação.

272    Num primeiro momento, a Google indica que os seus mecanismos para gerar os resultados para produtos e os resultados genéricos tratavam de forma diferente situações diferentes, e isto por razões legítimas. A Google não contesta ter aplicado mecanismos diferentes para gerar os resultados para produtos e os resultados genéricos. Com efeito, por um lado, para os resultados genéricos, a Google baseou‑se nos dados obtidos pelo processo denominado «crawling» e nos sinais de pertinência genéricos derivados desses dados. Por outro lado, para os resultados para produtos, a Google baseou‑se em fluxos de dados fornecidos diretamente pelos comerciantes e sinais de pertinência específicos aos produtos. Ora, ao aplicar tecnologias diferentes aos resultados genéricos e aos resultados para produtos, a Google não tratou de forma diferente situações semelhantes. Tratou diferentemente situações diferentes, e isto por uma razão legítima, melhorar a qualidade dos seus resultados.

273    Num segundo momento, a Google afirma que, em seguida, aplicou, para classificar esses resultados nas suas páginas gerais de pesquisa, o mesmo padrão de pertinência aos resultados especializados e aos resultados genéricos, e fê‑lo de forma coerente. A este respeito, a Google alega que a indicação na decisão recorrida de que as Product Universals beneficiaram de um posicionamento e de uma apresentação favoráveis em relação aos resultados genéricos é igualmente errada, uma vez que as diferenças de tratamento não deram às Product Universals um posicionamento imerecido nas páginas gerais de resultados da Google. Sublinha que a decisão recorrida não tem em conta o funcionamento do Universal Search, que criou um sistema coerente de classificação para todas as categorias de resultados da Google. Assim, as Product Universals devem «ganhar» o seu posicionamento numa página de resultados com base no mesmo padrão de pertinência aplicado pela Google aos resultados genéricos. A este respeito, a Google indica que, graças ao Universal Search e às suas componentes, compara diretamente a pertinência dos resultados para produtos com os resultados genéricos, com base no mesmo padrão de pertinência. Assim, quando uma Product Universal é bem posicionada na página de pesquisa geral, isso resulta do facto de ser mais pertinente do que os resultados genéricos classificados abaixo e não de um tratamento favorável.

274    Ora, a resposta dada na decisão recorrida a estes argumentos está errada. Em primeiro lugar, a Comissão afirma sem razão, no considerando 440 da decisão recorrida, que não tem importância saber se a Google aplicava o mesmo padrão de pertinência às Product Universals e aos resultados genéricos. Com efeito, as Product Universals só eram apresentadas pela Google quando eram mais pertinentes do que os resultados genéricos classificados abaixo, não podendo ser favorecidas. O posicionamento obtido na página geral de resultados era merecido. Classificar os resultados em função da sua pertinência é o contrário do favorecimento.

275    Em segundo lugar, a Comissão afirma erradamente, no considerando 441 da decisão recorrida, que a Google não demonstrou que aplicava os mesmos padrões de pertinência às Product Universals e aos resultados genéricos. Este raciocínio tenta inverter o ónus da prova. Cabe à Comissão provar que a Google não aplicou padrões de pertinência coerentes ao apresentar as Product Universals. Caso contrário, não pode determinar a existência de um favorecimento.

276    Em terceiro lugar, a Google demonstrou, em todo o caso, que aplicava padrões de pertinência coerentes às Product Universals. A este respeito, no considerando 442 da decisão recorrida, a Comissão alega erradamente que a Google se baseia unicamente em dois relatórios de avaliação comparativa para fazer essa demonstração. A Google forneceu à Comissão muitos documentos sobre o funcionamento do seu sistema de classificação e os padrões de pertinência que aplicava. As críticas feitas pela Comissão na decisão recorrida contra esses dois relatórios são infundadas. É igualmente sem razão que a Comissão alega, no considerando 390 da decisão recorrida, que, entre 2009 e setembro de 2010, seguiu uma regra interna que permitia garantir que as Product Universals «fossem sempre colocadas em cima» quando um resultado de comparador de produtos concorrente era classificado nos três primeiros resultados genéricos. Está em causa uma proposta que nunca foi implementada. A alegação da Comissão é contrariada pelos dados sobre o posicionamento das Product Universals quando um comparador de produtos constasse dos três primeiros resultados entre dezembro de 2009 e setembro de 2010, período durante o qual a Comissão afirma que a regra interna em questão estava em vigor.

277    A Comissão contesta estes argumentos. A Kelkoo sustenta, nomeadamente, que os algoritmos de ajustamento não se aplicavam ao comparador de produtos da Google e que os comparadores de produtos concorrentes não dispunham dos formatos de apresentação aplicáveis ao referido comparador. O BEUC expõe que os resultados de pesquisa para produtos da Google não eram determinados apenas pela sua pertinência para o consumidor, estando considerações comerciais subjacentes ao seu tratamento. O que vai contra a expetativa legítima, por parte dos consumidores, de uma neutralidade da Google no tratamento dos resultados. Esta última manipula os resultados da pesquisa tornando invisíveis os resultados dos comparadores de produtos concorrentes.

2)      Apreciação do Tribunal Geral

278    Em substância, a Google contesta que as práticas em causa tenham conduzido a uma discriminação, na medida em que, por um lado, aplicava mecanismos diferentes, a saber, os mecanismos de pesquisas genéricas através do processo designado «crawling» e mecanismos de pesquisa especializada através do tratamento de fluxos enviados pelos comerciantes aderentes, a situações diferentes, a saber, resultados genéricos e resultados especializados, e, por outro, aplicava a todos os resultados os mesmos critérios de pertinência, graças à sua tecnologia Universal Search e ao seu algoritmo Superroot. Assim, segundo a Google, não podia haver discriminação, na medida em que só apresentava as Product Universals quando fossem mais pertinentes, tendo em conta essas tecnologias, do que os resultados genéricos, de modo que ganharam o seu posicionamento pelo seu próprio mérito.

279    A título preliminar, para verificar se a Comissão podia legitimamente concluir pela existência de uma discriminação, há que examinar a diferença de tratamento que considerou contrária ao artigo 102.o TFUE no que respeita, designadamente, ao posicionamento e à apresentação das Product Universals.

280    A este respeito, importa referir que a Comissão concluiu, na secção 7.2.1 da decisão recorrida, que a conduta abusiva consiste no «posicionamento» e na «apresentação» mais favoráveis dos resultados do próprio serviço de comparação de produtos da Google (incluindo as Product Universals) nas suas páginas gerais de resultados do que os dos resultados dos comparadores de produtos concorrentes. Como decorre da referida secção, do considerando 344 da decisão recorrida e do artigo 1.o do seu dispositivo, a Comissão acusa assim a Google de posicionar e de apresentar, nas suas páginas gerais de resultados, o seu próprio comparador de produtos «mais favoravelmente» do que os comparadores de produtos concorrentes.

281    Para chegar a esta conclusão, a Comissão comparou a forma como os resultados dos comparadores de produtos concorrentes eram «posicionados» e «apresentados» nas páginas gerais de resultados da Google (secção 7.2.1.1) e a forma como os resultados do comparador de produtos da Google, no presente caso, as Product Universals, eram «posicionadas» e «apresentadas» nas referidas páginas (secção 7.2.1.2).

282    A Comissão concluiu que, enquanto os resultados dos comparadores de produtos concorrentes só podiam aparecer sob a forma de resultados genéricos, a saber, sob a forma das simples ligações azuis sem imagens ou informações adicionais sobre os produtos e os seus preços (considerando 371 da decisão recorrida), e eram sujeitos, contrariamente aos resultados do comparador de produtos da Google, a que a sua classificação nas páginas gerais de resultados da Google fosse retrogradada no fundo da primeira página ou nas páginas seguintes por determinados algoritmos de ajustamento (considerandos 352 a 355), como aliás foi o caso após a introdução do algoritmo Panda (considerando 361), os resultados especializados do comparador de produtos da Google e, para o período em causa, as Product Universals, eram, por sua vez, posicionados de forma proeminente nos resultados de pesquisa geral da Google (considerandos 379 e 385), apresentados num formato rico com imagens e informações sobre os produtos (considerandos 397) e não podiam ser objeto de retrogradação pelos algoritmos de ajustamento (considerando 512).

283    A Comissão constatou, assim, que este tratamento diferenciado dos resultados dos comparadores concorrentes em relação aos resultados do comparador de produtos da Google (as Product Universals) favorece este último comparador de produtos em relação aos serviços de comparação de produtos concorrentes, tendo em conta, nomeadamente, a importância do tráfego gerado pelo motor de pesquisa geral da Google para os comparadores de produtos concorrentes (secção 7.2.2 da decisão recorrida), do comportamento dos internautas cuja atenção tende a dirigir‑se para os resultados mais visíveis na página de resultados de pesquisa geral, a saber, os resultados mais bem posicionados (secção 7.2.3.1. da decisão recorrida), e do caráter «não efetivamente substituível» por outras fontes do tráfego desviado pelas práticas (secção 7.2.4 da decisão recorrida).

284    Em primeiro lugar, daqui resulta que o tratamento diferenciado imputado pela Comissão não consiste, como sugere a Google, na aplicação de mecanismos de seleção de resultados de pesquisa diferentes para tratar os resultados de pesquisa do comparador de produtos da Google e os resultados de pesquisa dos comparadores de produtos concorrentes, a saber, mecanismos de seleção de resultados genéricos para os comparadores concorrentes e mecanismos de seleção de resultados de pesquisa especializada para o seu próprio comparador, mas sim num tratamento favorecido em termos de posicionamento e de apresentação dos seus próprios resultados especializados em relação aos resultados dos comparadores de produtos concorrentes que aparecem nos resultados genéricos.

285    Assim, embora a Google afirme que o tratamento diferenciado entre os seus resultados de pesquisa opera em função da natureza dos resultados produzidos pelo seu motor de pesquisa geral, a saber, consoante se trate de resultados especializados ou de resultados genéricos, esse tratamento diferenciado opera, na realidade, em função da origem dos resultados, a saber, consoante provenham de comparadores concorrentes ou do seu próprio comparador. Na realidade, a Google favorece o último em detrimento dos primeiros e não um tipo de resultados em detrimento de outro.

286    Com efeito, só os resultados de pesquisa especializada da Google, a saber, as Product Universals, podem figurar nas «boxes» na página de pesquisa geral da Google, com uma apresentação enriquecida, e subtrair‑se às retrogradações efetuadas pelos algoritmos de ajustamento.

287    Pelo contrário, os resultados dos comparadores concorrentes, ainda que sejam particularmente pertinentes para o internauta, nunca podem beneficiar de um tratamento semelhante ao dos resultados do comparador da Google, quer ao nível do seu posicionamento, na medida em que, devido às suas próprias características, são propensos a ser retrogradados pelos algoritmos de ajustamento e em que as «boxes» são reservadas aos resultados do comparador da Google, quer ao nível da sua apresentação, uma vez que os carateres enriquecidos e as imagens são também reservados ao comparador da Google. Assim, mesmo na hipótese de, apesar do efeito dos algoritmos de retrogradação, os resultados dos comparadores concorrentes aparecerem, devido à sua pertinência, na primeira página geral de resultados da Google, nunca podem figurar de forma tão visível e atrativa como os resultados visualizados nas Product Universals.

288    Ora, essa diferença de tratamento, longe de ser proveniente de uma diferença objetiva entre dois tipos de resultados na Internet, resulta de uma escolha da Google de tratar menos favoravelmente os resultados dos comparadores concorrentes do que os do seu próprio comparador, aplicando‑lhes uma apresentação e um posicionamento menos visíveis.

289    Em segundo lugar, decorre da descrição das práticas verificadas pela Comissão nos n.os 280 a 283, supra, que o argumento da Google de que aplicou o «mesmo padrão de pertinência» aos grupos de resultados para produtos e aos resultados genéricos e que, em substância, só apresentou as Product Universals quando eram mais pertinentes do que os resultados dos comparadores de produtos concorrentes graças à sua tecnologia Universal Search e ao seu algoritmo Superroot, de modo que não houve discriminação, deve ser rejeitado.

290    Com efeito, por um lado, importa referir que, como resulta do considerando 440 da decisão recorrida, a Comissão não acusa a Google de aplicar ou de não aplicar o mesmo padrão de pertinência a dois tipos de resultados, a saber, os resultados especializados para produtos e os resultados genéricos, mas sim de não aplicar os mesmos padrões de apresentação e de posicionamento aos comparadores de produtos concorrentes e ao seu próprio comparador de produtos, sendo os primeiros desfavorecidos em relação ao último.

291    Ora, como acima decorre do n.o 287, os resultados dos comparadores concorrentes, independentemente da sua pertinência, nunca podem beneficiar de um tratamento semelhante ao dos resultados do comparador da Google, seja ao nível do seu posicionamento seja da sua apresentação, pelo que estão necessariamente em desvantagem na concorrência que lhe fazem.

292    Com efeito, mesmo que o resultado de um comparador concorrente se revele menos pertinente, à luz dos critérios de pertinência fixados pelos algoritmos da Google, do que um resultado do comparador da Google, a sua retrogradação nas páginas gerais de resultados da Google por algoritmos de ajustamento e a sua apresentação limitada a uma simples ligação genérica azul, se for o caso, abaixo da «boxe» reservada ao resultado do comparador da Google apresentado de forma enriquecida, não são necessariamente proporcionais ao menor grau de pertinência alegado à luz dos referidos critérios. Além disso, mesmo nos casos em que os resultados de um comparador concorrente são mais pertinentes, à luz desses critérios, nunca podem, como foi acima recordado nos n.os 286 e 287, beneficiar da mesma apresentação ou do mesmo tratamento quanto ao seu posicionamento, de modo que a concorrência é falseada antes mesmo de o utilizador fazer a consulta de produtos.

293    Daqui resulta que a argumentação da Google relativa à existência de um padrão de pertinência comum deve ser rejeitada por inoperante.

294    A este respeito, as avaliações referidas no considerando 442 da decisão recorrida, tal como, de resto, as outras experiências mencionadas pela Google, mesmo admitindo que demonstrem uma maior pertinência das Product Universals em relação aos resultados genéricos que apresentam resultados de comparadores concorrentes, não respondem à preocupação de concorrência identificada pela Comissão na secção 7.2.1 da decisão recorrida e sintetizada no considerando 440 da referida decisão, segundo a qual a Google trata os seus próprios resultados especializados e os resultados dos comparadores concorrentes de acordo com mecanismos diferentes em matéria de apresentação e de posicionamento, o que tem necessariamente o efeito de colocar em desvantagem os resultados dos comparadores concorrentes em relação aos resultados do comparador da Google.

295    De resto, mesmo admitindo que os avaliadores prefiram s Product Universals aos primeiros resultados genéricos que aparecem na primeira página geral de resultados, o que, de resto, não resulta claramente das experiências em causa na medida em que indicam que os avaliadores dão um parecer comparável sobre a utilidade dos resultados de pesquisa especializados e dos resultados genéricos para produtos, isso não significa que prefiram que as Product Universals sejam compostas exclusivamente pelos resultados do comparador de produtos da Google. Também não significa que prefiram que os resultados dos comparadores de produtos concorrentes sejam apresentados de forma menos visível e sejam sujeitos à retrogradação nas páginas gerais de resultados da Google.

296    Por outro lado, há que referir por acréscimo que a argumentação da Google relativa a um padrão comum de pertinência, além de ser inoperante, é infundada, como resulta, aliás, dos seus próprios articulados. Com efeito, como a própria afirma, na terceira parte do seu primeiro fundamento, a Google não podia comparar diretamente, de acordo com os parâmetros aplicáveis à pesquisa especializada como o preço, as existências ou a reputação do vendedor, os resultados especializados do seu próprio comparador de produtos com os resultados especializados dos comparadores de produtos concorrentes, por não conhecer o funcionamento dos algoritmos de pesquisa destes últimos e por não ter acesso aos fluxos enviados pelos retalhistas aderentes aos seus sítios, designadamente, em matéria de preços.

297    Efetivamente, de acordo com as suas próprias explicações, por um lado, a Google nada sabia sobre as modalidades dos comparadores de produtos concorrentes para classificar e notar os seus resultados para as consultas de produtos e, por outro, obtinha os dados sobre os produtos listados no seu próprio comparador de produtos dos fluxos fornecidos diretamente pelos comerciantes e não do processo designado «crawling» dos sítios Internet, como para as pesquisas genéricas. Ora, a Google não dispunha de informações comparáveis sobre os resultados dos comparadores de produtos concorrentes, devido ao facto de os sítios dos comparadores de produtos concorrentes terem o seu próprio fluxo e o seu próprio modo de classificar os produtos.

298    É certo que, como salienta a Comissão no considerando 440 da decisão recorrida, graças à Universal Search, a Google aplicava «certos padrões de pertinência» para comparar os seus próprios resultados especializados com os seus resultados genéricos que reproduziam páginas de resultados dos seus concorrentes. Todavia, de acordo com as explicações da Google no seu relatório sobre as tecnologias anexo à petição, a Universal Search funciona a partir de critérios estatísticos com base em sondagens sobre os utilizadores. Ora, não é demonstrado nem mesmo alegado, atendendo às dificuldades expostas pela própria Google na comparação de diferentes tipos de resultados (v. n.o 297, supra), que esta ferramenta possa, sem prejuízo da sua qualidade, dar resultados tão fiáveis em termos de seleção dos resultados pertinentes como uma comparação realizada pela Google com base nos seus próprios critérios aplicáveis à pesquisa especializada para produto, a saber, em especial, o preço, o nível de existências, a popularidade do produto ou a reputação do vendedor.

299    Assim, essas sondagens, por mais fiáveis que sejam, constituem apenas, como afirmou a Foundem na audiência, uma aproximação estatística do que poderá ser o resultado mais pertinente. A este respeito, resulta de um documento interno da Google mencionado no seu relatório sobre as tecnologias que «uma das maiores dificuldades na avaliação humana é que os avaliadores devem interpretar a pesquisa do utilizador; ainda que os humanos possam ser mais precisos na interpretação de uma pesquisa do que uma máquina, é impossível conhecer exatamente a intenção do utilizador […], esta avaliação representa apenas o parecer comum dos nossos avaliadores, que difere provavelmente dos utilizadores em geral».

300    Por último, a circunstância alegada pela Google de que as Product Universals só foram ativadas em resposta a apenas 23 % das «pesquisas de produtos» e que só apresentou as Product Universals no topo das páginas gerais de resultados em resposta a apenas 4 % das consultas de produtos é insuficiente para desmentir a existência de uma diferença de tratamento. Com efeito, essa taxa de ativação não pode, por si só, ser considerada um fator de exclusão da existência de uma prática de favorecimento na medida em que essa taxa deve ser relacionada com a taxa de ativação num posicionamento comparável (tendo presente que se mostrava excluída uma apresentação comparável) das centenas de comparadores de produtos concorrentes que eram, atendendo às suas características, intrinsecamente propensos a ser retrogradados para o fundo da página pelos algoritmos de ajustamento da Google.

301    Por todas estas razões, há que julgar improcedente a segunda parte do primeiro fundamento.

b)      Quanto aos elementos do segundo fundamento, relativos ao facto de a Comissão ter erradamente concluído que a Google tinha favorecido o seu próprio serviço de comparação de produtos com a visualização das Shopping Units

302    Em apoio do segundo fundamento, a Google apresenta três partes. Em primeiro lugar, a Comissão concluiu erradamente que tratar de forma diferente os anúncios agrupados para produtos e os resultados genéricos constitui um ato de favorecimento, quando não implica nenhuma discriminação.

303    Em segundo lugar, a decisão recorrida conclui erradamente que os anúncios para produtos que figuram nas Shopping Units favorecem um serviço de comparação de produtos da Google.

304    Em terceiro lugar, a Comissão violou as regras de direito aplicáveis à apreciação das justificações objetivas no que respeita à visualização das Shopping Units. Nesta última parte, a Google questiona incidentalmente a existência de um favorecimento do seu próprio comparador, na medida em que indica que as Shopping Units já incluíam os resultados dos comparadores concorrentes. Aliás, importa observar que este argumento foi invocado pela Google para contestar a existência de um favorecimento no âmbito do procedimento administrativo (considerando 405 da decisão recorrida). Por conseguinte, há que apreciar estes elementos da terceira parte a seguir à segunda parte. Todavia, os elementos desta parte relacionados com as justificações objetivas serão apreciados com os relativos às Product Universals, após serem examinados, no título B, ponto 3, os fundamentos relativos aos efeitos das práticas em causa.

1)      Quanto à primeira parte do segundo fundamento, segundo a qual a Comissão concluiu erradamente que o tratamento diferente dos anúncios para produtos e dos resultados genéricos constitui um ato de favorecimento, quando não implica nenhuma discriminação

i)      Argumentos das partes

305    Em primeiro lugar, a Google, apoiada pela CCIA, sustenta que a Comissão compara erradamente o tratamento dos anúncios para produtos, a saber, das Shopping Units, e o tratamento dos resultados genéricos gratuitos, que correspondem a duas coisas diferentes, de modo que não pode haver discriminação. A Google afirma, a este respeito, que os anúncios pagos, incluindo os anúncios para produtos, servem para financiar o seu serviço de pesquisa geral. Por conseguinte, a Google apresenta‑os necessariamente de forma diferente dos resultados genéricos gratuitos, o que é uma consequência normal do seu modelo económico biface assente no financiamento através de anúncios. A Google sublinha, a este respeito, que identifica na página geral de resultados as Shopping Units como «patrocinadas» para evidenciar a sua natureza remunerada. Ora, a alegação, na decisão recorrida, de que a menção «patrocinado» «[seria] suscetível de ser entendida apenas pelos utilizadores mais avisados» (considerandos 536, 599 e 663 da decisão recorrida) não se baseia em nenhuma prova. Embora a Comissão enumere, na decisão recorrida, doze diferenças entre os anúncios para produtos que figuram nas Shopping Units e os anúncios textuais (considerandos 426 a 438 da decisão recorrida), para determinar que os anúncios para produtos não constituem uma melhoria dos anúncios textuais, também nenhuma dessas diferença demonstra que os anúncios para produtos são comparáveis aos resultados genéricos gratuitos e devem ser posicionados e apresentados da mesma forma.

306    Em segundo lugar, a Google sustenta que apresenta as Shopping Units porque contêm melhores anúncios para uma consulta de produtos do que os anúncios textuais e não para favorecer as primeiras. A Comissão não demonstrou que as Shopping Units não mereciam o espaço que lhes era atribuído nas páginas gerais de resultados. Os anúncios de alta qualidade são mais úteis para os utilizadores e mais eficazes para os anunciantes e aumentam o valor do serviço de pesquisa para as duas categorias. A Google apresenta as Shopping Units apenas quando os seus anúncios para produtos propõem melhores respostas a uma consulta do que os anúncios textuais. Por essa razão, as Shopping Units apenas aparecem em resposta a cerca de 25 % das consultas de produtos, o que contradiz a alegação da Comissão de que a Google coloca «sempre» as Shopping Units no topo da página (considerando 395 da decisão recorrida). A alegação da Comissão na decisão recorrida de que a Google não demonstrou que «aplicava às Shopping Units os mesmos padrões de pertinência aplicados aos anúncios [textuais]» (considerando 441 da decisão recorrida) é contrariada pelo facto de a Google ter implementado um processo no âmbito do qual compara diretamente os anúncios para produtos com os anúncios textuais. Os anúncios para produtos e os anúncios textuais são postos em concorrência com base nos mesmos padrões de pertinência e de valor. Por outro lado, os dados empíricos demonstram que os anúncios para produtos nas Shopping Units são melhores para os utilizadores e para os anunciantes do que os anúncios textuais.

307    A Comissão contesta estes argumentos.

308    O BEUC invoca os mesmos argumentos apresentados no âmbito da segunda parte do primeiro fundamento (v. n.o 277, supra). A Foundem alega que as Shopping Units acentuam o caráter anticoncorrencial do comportamento da Google, na medida em que a Google substituiu resultados baseados na pertinência por publicidade paga cuja visualização é determinada pelo lucro que dela pode retirar. A Visual Meta precisa que o argumento da Google de que só mostra as Shopping Units quando são mais pertinentes do que os anúncios textuais ou os resultados genéricos deve ser rejeitado, pois é precisamente porque os seus anúncios com formatos enriquecidos são mais visíveis para os consumidores do que as simples «ligações azuis» que a Google não os pode reservar aos seus próprios serviços sem privar os consumidores de resultados mais pertinentes provenientes de outros comparadores de produtos. É precisamente o facto de os anúncios para produtos, devido ao seu formato enriquecido, serem melhores para os utilizadores e para os publicitários que obriga a Google a apresentar os resultados dos outros comparadores de produtos nos mesmos formatos.

ii)    Apreciação do Tribunal Geral

309    Em substância, a Google reitera a argumentação apresentada no âmbito da segunda parte do primeiro fundamento. A Google sustenta que a discriminação verificada pela Comissão não se mostra constituída, na medida em que, por um lado, se limita a tratar de forma diferente resultados que são, por natureza, diferentes, a saber, os resultados genéricos gratuitos que reproduzem os resultados dos comparadores de produtos concorrentes e os «anúncios para produtos» pagos com caráter publicitário do seu próprio comparador (as Shopping Units), e, por outro, só apresenta as Shopping Units quando esses anúncios para produtos oferecem melhores respostas a uma consulta do que os anúncios publicitários textuais, a saber, os anúncios que apresentam uma ligação para um sítio Internet do anunciante num curto trecho de texto (sem imagens nem informações dinâmicas).

310    Há que salientar que a Comissão, para declarar a existência de um favorecimento pela Google dos resultados do seu próprio comparador de produtos, comparou o posicionamento e a apresentação das Shopping Units com o posicionamento e a apresentação dos resultados genéricos dos comparadores concorrentes. A Comissão declarou, como para as Product Universals (v. n.os 280 a 283, supra), que esses resultados são favorecidos devido ao seu posicionamento proeminente nas páginas gerais de resultados da Google (secção 7.2.1.2.1 da decisão recorrida), uma vez que as Shopping Units são sempre posicionadas acima dos primeiros resultados de pesquisa geral da Google (considerando 395 da decisão recorrida), e à sua apresentação enriquecida nas «boxes» que figuram no topo da página geral de resultados da Google (secção 7.2.1.2.2 da decisão recorrida). Acresce que as Shopping Units não podem ser objeto de uma retrogradação pelos algoritmos de ajustamento concorrentes. A Comissão declarou igualmente, no considerando 439 da decisão recorrida, que os resultados dos comparadores concorrentes não podem figurar nas Shopping Units e, portanto, ser objeto do mesmo posicionamento e da mesma apresentação que os resultados especializados da Google, a menos que esses comparadores alterem o modelo económico tornando‑se sítios comerciais que oferecem anúncios suscetíveis de constar das Shopping Units e, consequentemente, vendendo produtos eles próprios.

311    Em primeiro lugar, importa responder ao argumento da Google de que os seus anúncios para produtos constantes das Shopping Units são, atendendo à sua natureza publicitária, diferentes pela sua própria natureza dos resultados gratuitos dos comparadores concorrentes, o que exclui qualquer discriminação.

312    Há que observar que as Shopping Units apresentam resultados do comparador de produtos da Google e estão em concorrência com os comparadores de produtos concorrentes. A este respeito, é indiferente que, para colocar produtos nas Shopping Units, os vendedores tenham de pagar uma taxa publicitária, na medida em que, para os internautas, o serviço de pesquisa especializada da Google oferece o mesmo serviço gratuito de comparação de produtos que o dos comparadores concorrentes, como resulta da secção 5.2.2 da decisão recorrida. A Google não demonstra, assim, por que razão o serviço de comparação de produtos oferecidos pela Shopping Units aos internautas é diferente, na sua própria natureza, do oferecido pelos outros comparadores de produtos. Pelo contrário, afigura‑se que os dois serviços têm por objeto comparar produtos na Internet e que, portanto, são substituíveis do ponto de vista dos internautas.

313    É certo que as Shopping Units são acompanhadas da menção «patrocinado», o que tem por objeto indicar o seu caráter publicitário aos internautas. Todavia, como decorre dos considerandos 536, 599 e 663 da decisão recorrida, a menção «patrocinado» não é facilmente compreendida pela maioria dos internautas no sentido de que os resultados do comparador de produtos da Google e os resultados dos comparadores de produtos concorrentes são classificados de acordo com mecanismos diferentes e que, portanto, estes comparadores de produtos concorrentes podem ser retrogradados e apresentados de forma menos visível nas páginas gerais de resultados, não devido a menor pertinência dos seus resultados em relação aos resultados do comparador de produtos da Google, mais simplesmente porque não são os próprios resultados da Google. É o que acontece especialmente quando a sua desclassificação nas páginas gerais de resultados da Google se deve aos algoritmos de ajustamento e não à menor adequação do seu conteúdo em relação à consulta inserida pelo internauta, na medida em que este mecanismo não é conhecido dos internautas.

314    Contrariamente ao que sustenta a Google, a decisão recorrida, ao criticar o posicionamento e a apresentação das Shopping Units, não põe em causa o seu modelo económico biface na base do financiamento de serviços gratuitos pela publicidade. Com efeito, se o modo de financiamento de uma empresa a levar, como no caso vertente, a participar num abuso de posição dominante, nada permite excluir o referido modo de financiamento da proibição do artigo 102.o TFUE. É, de resto, próprio de muitos abusos de posição dominante visar melhorar as fontes de financiamento de uma empresa.

315    Aliás, é sem razão que a Google afirma, por extensão, que a Comissão põe em causa a licitude dos seus anúncios textuais, que estão, porém, na origem do seu modelo económico e do seu sucesso comercial e sobre os quais a Comissão nunca encontrou nada a objetar. Com efeito, ao contrário das Shopping Units, os anúncios textuais não participam no serviço de comparação de produtos da Google e não são postos em causa por terem prejudicado os concorrentes no quadro de uma prática de favorecimento.

316    Em segundo lugar, uma vez que a Google impugna a existência do favorecimento verificado pela Comissão na medida em que só apresenta as Shoppings Units quando os seus anúncios para produtos propõem melhores respostas a uma consulta do que os anúncios textuais acima referidos no n.o 309, pelo que não há discriminação, há que recordar que a diferença de tratamento constatada pela Comissão existe, como acima resulta do n.o 310, entre os resultados genéricos que reproduzem os resultados dos comparadores concorrentes e os resultados especializados do comparador da Google que figuram nas Shopping Units. Assim, a comparação pertinente para determinar se houve uma discriminação não é entre as Shopping Units e os anúncios textuais, mas sim entre as Shopping Units e os resultados dos comparadores de produtos concorrentes suscetíveis de ser reproduzidos nos resultados genéricos.

317    É certo que a Comissão, em resposta a um argumento da Google resumido no considerando 406 da decisão recorrida, refere, no considerando 440 da referida decisão, que não é pertinente o facto de saber se a Google aplica um padrão de pertinência comum para as Shopping Units e os outros anúncios relativos a produtos, antes de acrescentar, no considerando 441, que, em todo o caso, a Google não aplica esse padrão comum de pertinência a esses diferentes tipos de anúncios.

318    Todavia, esta apreciação não põe em causa o facto de, como acima decorre dos n.os 310 e 316, a diferença de tratamento em causa na decisão recorrida não dizer respeito aos anúncios apresentados pela Google relativos a produtos, diferentes dos que figuram nas Shopping Units, mas sim aos resultados genéricos que reproduzem resultados dos comparadores concorrentes. Como resulta do considerando 440 da decisão recorrida, «a Comissão […] objeta […] que o próprio serviço de comparação de produtos da Google não está sujeito aos mesmos critérios que os serviços de comparação de produtos concorrentes».

319    Com efeito, conforme decorre do considerando 439 da decisão recorrida que precede o considerando 440 da referida decisão e do n.o 310, supra, os comparadores de produtos concorrentes não podem beneficiar dos mesmos critérios de visualização que o comparador da Google, mesmo pagando, para integrar as Shopping Units, a menos que se mude de modelo económico, como adiante se explica nos n.os 346 e seguintes.

320    Daqui resulta que improcede a primeira parte do segundo fundamento.

2)      Quanto à segunda parte do segundo fundamento, segundo a qual a Comissão concluiu erradamente que os anúncios para produtos que figuram nas Shopping Units beneficiavam o serviço de comparação de produtos da Google

i)      Argumentos das partes

321    A Google sustenta que a Comissão considerou erradamente que os anúncios para produtos que figuram nas Shopping Units «beneficiam» o serviço de comparação de produtos da Google. Com efeito, as suas ligações não conduzem a esse serviço nem geram nenhuma receita para o mesmo. A decisão recorrida reconhece‑o expressamente.

322    A Google expõe, a este respeito, que, na decisão recorrida, a Comissão enumera oito motivos que pretendem explicar por que razão a visualização das Shopping Units é um meio de favorecer o «sítio» Google Shopping (considerandos 414 a 421 da decisão recorrida). Todavia, sete deles não identificam nenhum benefício retirado pelo sítio Google Shopping dos anúncios para produtos que figuram nas Shopping Units, e ainda menos um benefício que possa justificar a contabilização dos cliques nos anúncios para produtos como tráfego para o sítio Google Shopping. A decisão recorrida menciona, nomeadamente, as ligações de um separador do menu e as ligações «ver tudo» das Shopping Units que remetem, efetivamente, para o sítio Google Shopping (considerando 419 da decisão recorrida). No entanto, isso não justifica as acusações contra os anúncios para produtos que figuram nas Shopping Units nem a contabilização dos cliques nos anúncios para produtos como tráfego para o sítio Google Shopping. A Comissão observa igualmente que os cliques nos anúncios para produtos que figuram nas Shopping Units e na página Google Shopping podem remeter para sítios dos mesmos vendedores (considerando 418 da decisão recorrida). O que explica o benefício que os anúncios para produtos — independentemente da sua fonte — criam para os vendedores, mas não de que modo o sítio Google Shopping beneficia de cliques nos anúncios para produtos que figuram numa Shopping Unit. Os outros fundamentos constantes da decisão recorrida (considerandos 414 a 417 e 420) também não são suscetíveis de demonstrar que o sítio Google Shopping beneficia com os cliques nos anúncios para produtos que figuram nas Shopping Units.

323    O único fundamento apresentado na decisão recorrida para contabilizar os cliques nos anúncios para produtos que figuram nas Shopping Units como tráfego para o sítio Google Shopping é que esses cliques ativam um pagamento em proveito da Google (considerandos 421 e 630 da decisão recorrida). Todavia, esta afirmação é falsa, uma vez que as receitas geradas pelos anúncios para produtos que figuram nas Shopping Units não revertem a favor do sítio Google Shopping. A Google aloca as receitas provenientes dos anúncios para produtos nas Shopping Units para o seu serviço de pesquisa geral. Aliás, a Comissão reconhece‑o no considerando 642 da decisão recorrida, no qual observa que a apresentação pela Google das Shopping Units «serve para financiar o seu serviço de pesquisa geral».

324    A alegação de que as receitas provenientes dos cliques nos anúncios para produtos nas Shopping Units beneficiam o serviço de comparação de produtos da Google é, portanto, factualmente inexata. O raciocínio que consta da decisão recorrida também é juridicamente errado, uma vez que, em substância, assenta numa acusação de subvenção cruzada com o fundamento de que a Google subvenciona o sítio Google Shopping com as receitas provenientes dos anúncios para produtos nas páginas gerais de resultados. Ora, mesmo que as receitas provenientes das Shopping Units beneficiassem o sítio Google Shopping, o que não é o caso, isso não permitiria estabelecer a existência de um abuso.

325    A Comissão sustenta que as Shopping Units fazem parte do comparador de produtos da Google, que o facto de visualizar de maneira visível as Shopping Units é um meio para a Google de o favorecer, que cada clique nas Shopping Units beneficia o comparador de produtos da Google, apesar de esses cliques dirigirem o internauta para os sítios dos vendedores e não para a página especializada autónoma Google Shopping, e que, mesmo que as receitas geradas pelos anúncios para produtos nas Shopping Units não revertam a favor do sítio Google Shopping, a Google apresenta aos vendedores e aos utilizadores as Shopping Units e a página autónoma Google Shopping como pertencente a um único serviço ou a uma única experiência. Para os vendedores e utilizadores, a afetação das receitas da Google é sem importância (considerando 420 da decisão recorrida). A Google tenta estabelecer uma ligação entre a identificação de vantagens para o seu comparador de produtos e a maneira como as receitas geradas pelos cliques nas Shopping Units são afetadas, sem ter em conta as diferentes vantagens que retira dos cliques nas Shopping Units, identificadas nos considerandos 445, 447 e 450 da decisão recorrida. A Comissão acrescenta que os considerandos 414 a 420 da decisão recorrida contêm sete razões que justificam a conclusão de que os cliques nas Shopping Units favorecem o comparador de produtos da Google.

326    Sobre estes aspetos, a Visual Meta sublinha, nomeadamente, que a alocação interna das receitas da Google não pode permitir‑lhe escapar à declaração de um abuso na aceção do artigo 102.o TFUE. A Visual Meta partilha igualmente da análise da Comissão constante do considerando 630 da decisão recorrida, segundo a qual o comparador de produtos da Google beneficia «economicamente» com os cliques nas ligações das Shopping Units, como se o utilizador tivesse a iniciativa intermédia de visitar primeiro o sítio autónomo Google Shopping e clicar no produto do comerciante parceiro. Indica que, como decorre do considerando 421 da decisão recorrida, as ligações nas Shopping Units e no Google Shopping desempenham a mesma função económica. A Foundem e a Twenga desenvolvem, em substância, os mesmos argumentos.

ii)    Apreciação do Tribunal Geral

327    A título preliminar, importa referir que a argumentação da Google assenta na premissa errada de que a Comissão a acusa de favorecer o seu comparador de produtos, entendido como o sítio Internet autónomo correspondente à página especializada Google Shopping, através de uma apresentação e de um posicionamento privilegiados das Shopping Units.

328    Ora, os serviços de comparação de produtos são definidos no considerando 191 da decisão recorrida como serviços de pesquisa especializada que, por um lado, permitem aos internautas procurar produtos e comparar os seus preços e as suas características entre as ofertas de uma multitude de vendedores em linha e plataformas comerciais e, por outro, fornecem ligações que conduzem (diretamente ou através de uma ou várias páginas intermediárias sucessivas) para os sítios desses vendedores ou dessas plataformas. Esta definição não é contestada pela Google.

329    Por conseguinte, há que considerar que os considerandos 26 a 35 da decisão recorrida fornecem fundamentação suficiente para concluir que o comparador de produtos da Google se apresentou sob várias formas, a saber, uma página especializada, denominada ultimamente Google Shopping, os grupos de resultados para produtos, cuja última evolução foi as Product Universals, e os anúncios para produtos, cuja última evolução foi as Shopping Units.

330    Nestas condições, tanto as páginas especializadas Froogle, Google Product Search e Google Shopping como os grupos de resultados para produtos, designadamente, as Product Universals, e os anúncios para produtos, designadamente, as Shopping Units, devem ser considerados parte do serviço de comparação de produtos, ou seja, do comparador de produtos, que a Google propôs aos internautas.

331    Contrariamente ao que sugere a Google, o comportamento imputado no presente processo não se limita a um tratamento favorecido da página especializada Google Shopping através de um posicionamento e de uma visualização favoráveis das Shopping Units nem diz respeito a uma prática de «subvenções cruzadas». Está aqui em causa um tratamento mais favorável do serviço de comparação de produtos da Google considerado no seu conjunto, que inclui as Shopping Units.

332    Ora, como observa acertadamente a Comissão no considerando 412 da decisão recorrida, «o que sustenta […] é que a colocação e a visualização das Shopping Units oferecem à Google um meio para favorecer o seu próprio serviço de comparação de preços».

333    Com efeito, como decorre das conclusões detalhadas da Comissão, que não foram desmentidas pela Google, as Shopping Units estão intrinsecamente ligadas ao Google Shopping no que respeita à sua base de produtos (considerando 414 da decisão recorrida), ao seu mecanismo de seleção dos resultados (considerando 415 da decisão recorrida) e aos seus resultados em si mesmos, uma vez que remetem para a mesma página de destino dos sítios comerciais (considerando 418 da decisão recorrida). Além disso, as Shopping Units e o Google Shopping são, como resulta igualmente dos elementos materiais produzidos pela Comissão em apoio das referidas conclusões, apresentados aos internautas e aos comerciantes como um único serviço e uma única experiência (considerando 420 da decisão recorrida).

334    Assim, os vendedores não sabem se pagam um clique pela sua oferta de produtos dentro das Shopping Units ou no sítio Internet autónomo Google Shopping (considerando 417 da decisão recorrida), enquanto os internautas são convidados a dirigir‑se para o Google Shopping através de uma ligação de título e de uma ligação «mostrar tudo» quando navegam nas Shopping Units (considerando 419 da decisão recorrida), de modo que, tanto para os vendedores como para os internautas, as Shopping Units e o Google Shopping constituem um único e mesmo serviço de comparação de produtos.

335    Mais precisamente, há que sublinhar que todos os resultados apresentados nas diferentes estruturas acima mencionadas no n.o 329 são resultados do comparador de produtos da Google. Contrariamente ao que alega esta última, um comparador de produtos não merece esta qualificação apenas se for de natureza a atingir um nível de precisão que permita fornecer diferentes ofertas de um único e mesmo produto ou modelo, como teria feito a página especializada da Google. Esse comparador de produtos pode também apresentar ofertas de vários produtos suscetíveis de responder ao pedido do internauta, como teriam feito as Product Universals e as Shopping Units. Tudo depende simultaneamente da parametrização do comparador e da precisão do pedido inicial de pesquisa do internauta. A Google não pode impor uma definição geral de comparador de produtos em função da forma como ela própria parametrizou a sua página especializada, as Product Universals ou as Shopping Units.

336    No caso, há que adotar a definição de comparador de produtos dada no considerando 191 da decisão recorrida e acima recordada no n.o 328, que, aliás, não foi posta em causa pela Google. A este respeito, a própria Google indica no glossário dos termos técnicos junto com a petição que um agregador é «um sítio Internet que lista produtos e ofertas de produtos de diferentes comerciantes e que permite aos utilizadores pesquisá‑los e compará‑los uns com os outros» e precisa que «a decisão» designa esses sítios de «serviços de comparação de produtos».

337    Nesta base, tanto as páginas especializadas Froogle, Google Product Search e Google Shopping como os grupos de resultados para produtos, designadamente as Product Universals, e os anúncios para produtos, designadamente as Shopping Units, devem ser considerados parte do serviço de comparação de produtos, ou seja, do comparador de produtos, que a Google propôs aos internautas. Além disso, no que respeita mais especificamente às Shopping Units, a Comissão sublinhou nomeadamente, nos considerandos 414 a 421 da decisão recorrida, que a base de dados das Shopping Units e a base de dados da página especializada é a mesma, que a respetiva infraestrutura técnica e de relação com os vendedores é em grande parte a mesma, que os vendedores devem aceitar que as suas ofertas estejam presentes nas duas estruturas, que ignoram de que estrutura provêm os cliques que lhes são faturados, que o sistema de pagamento pelos vendedores é o mesmo e que as ligações Internet das duas estruturas remetem para as mesmas páginas Internet dos sítios vendedores. Por conseguinte, um clique numa Shopping Unit deve efetivamente ser considerado uma manifestação de utilização do comparador de produtos da Google a partir da página geral de resultados, ou seja, como tráfego em benefício desse comparador a partir desta página.

338    Há que precisar que certas formulações da decisão recorrida, como as que constam dos considerandos 408 e 423, podem, consideradas isoladamente e prima facie, parecer ambíguas. Todavia, estas formulações não põem em causa a análise geral seguida pela Comissão de que o comparador de produtos da Google é proposto sob diferentes formas. Em especial, o considerando 423 da decisão recorrida lê‑se na continuidade dos considerandos 414 a 421, que visam demonstrar que as Shopping Units e o Google Shopping são componentes de um mesmo todo. A este respeito, deve salientar‑se que o considerando 422 indica que, em seis países do EEE, durante um certo período, «o Google Shopping existia apenas sob a forma de Shopping Unit sem sítio Internet autónomo associado».

339    Nestas condições, a Comissão teve razão ao declarar que as Shopping Units favorecem o serviço de comparação de produtos da Google, independentemente da questão de saber, de resto, se favorecem ou não diretamente o sítio Internet autónomo Google Shopping, proporcionando‑lhe receitas.

340    Por conseguinte, improcede a segunda parte do segundo fundamento, nos termos da qual os anúncios para produtos que figuram nas Shopping Units não beneficiam o comparador de produtos da Google.

c)      Quanto aos elementos da terceira parte do segundo fundamento, segundo os quais a Google já inclui os comparadores de produtos concorrentes nas Shopping Units, pelo que não pode haver favorecimento

1)      Argumentos das partes

341    A Google sustenta que já inclui anúncios para produtos provenientes dos comparadores de produtos nas Shopping Units, pelo que não pode ser acusada de favorecer o seu próprio comparador de produtos. Indica, assim, que organiza os anúncios para produtos propostos pelos comparadores de produtos com os seus sistemas de catalogação e indexação e executa os mesmos controlos de qualidade que os aplicados aos anúncios dos outros anunciantes.

342    Vários comparadores de produtos na Europa — incluindo Idealo, Twenga, Ceneo, Check24, Heureka e Kelkoo — utilizam com sucesso essas possibilidades, colocando milhões de anúncios para produtos no Google. A Google contesta, a este respeito, a afirmação da decisão recorrida exposta nos considerandos 344 e 371 de que os «serviços de comparação de produtos concorrentes só podem aparecer como resultados de pesquisa genérica». Na realidade, a Comissão não impugna o facto de os comparadores de produtos poderem participar nas Shopping Units.

343    Pelo contrário, na sua carta de exposição dos factos, a Comissão identificou a forma como o motor de pesquisa geral Bing, da Microsoft, apresenta os anúncios para produtos e a proposta de medidas corretivas da Kelkoo como meios para pôr termo à alegada infração. Ora, estas duas abordagens correspondem ao que a Google já fazia.

344    A Comissão queixa‑se de que o acesso a uma Shopping Unit exige que os comparadores de produtos mudem o seu modelo económico, acrescentando uma funcionalidade de compra, ou que atuem «na qualidade de intermediários» (considerando 439 da decisão recorrida). Todavia, a Comissão não explica nem fundamenta esta acusação na decisão recorrida. Não identifica as preocupações particulares quanto às condições que os comparadores de produtos devem preencher para participar nas Shopping Units nem explica por que razão essas condições são incompatíveis com as normas da concorrência.

345    A Comissão contesta estes argumentos. O BDZV indica que os comparadores de produtos concorrentes não podem aparecer nas Shopping Units, uma vez que, para isso, é necessário criar uma conta «Google Merchant Center», o que implica ser comerciante, ou seja, de acordo com as linhas diretrizes da Google, permitir a compra diretamente no sítio Internet. Ora, o BDZV recorda que os comparadores dirigem os internautas para os sítios dos vendedores. No que respeita às duas opções deixadas aos comparadores para aparecerem nas Shopping Units (acrescentar um botão de compra ou tornar‑se intermediários dos vendedores), o BDZV precisa que alteram de forma fundamental o seu modelo económico e não são interessantes para convencer os vendedores a confiarem as suas vendas aos comparadores, na medida em que os vendedores desejam, em princípio, manter o controlo sobre a relação com os clientes. É a razão pela qual só um número muito reduzido de comparadores pode utilizar as Shopping Units.

2)      Apreciação do Tribunal Geral

346    Na decisão recorrida, a Comissão declarou, no considerando 439, que os comparadores de produtos concorrentes não são elegíveis para uma participação no Google Shopping, a menos que mudem o seu modelo económico, quer acrescentando um botão «compra», quer atuando como intermediários para colocarem os resultados para produtos pagos dos vendedores nas Shopping Units.

347    Assim, resulta do considerando 220, ponto 2, da decisão recorrida que a Google indicou ao serviço de comparação de produtos polaco Ceneo que só podia participar no Google Shopping, e, portanto, figurar nas Shopping Units, se reproduzisse as características dos vendedores em linha ou das plataformas comerciais (os principais clientes do Google Shopping), quer introduzindo uma funcionalidade de compra direta e fazendo o seu sítio «parecer uma loja» ou «submetendo artigos à Google em nome de vendedores individuais» para uma visualização na Shopping Unit e na condição de a página de reenvio «não dar a impressão de ser um sítio de comparação [de produtos]».

348    Por conseguinte, como decorre dos considerandos 439 e 220 da decisão recorrida acima mencionados nos n.os 346 e 347, os comparadores de produtos concorrentes não são, enquanto tais, elegíveis para figurar nas Shopping Units. Como confirma a Google na petição, só podem ser incluídos ao mudarem o seu modelo económico com o acrescento de um botão de compra ou ao atuarem como intermediários para submeter produtos à Google em nome de vendedores na Internet. Como resulta da petição e da réplica, a Google não o impugna.

349    Ora, como sublinha o BDZV, essas opções alteram fundamentalmente o modelo económico de um comparador de produtos. Decorre assim do considerando 240 da decisão recorrida que uma funcionalidade de compra direta distingue as plataformas comerciais dos serviços de comparação de produtos, tanto na perspetiva dos internautas como dos vendedores.

350    Com efeito, como é explicado no considerando 240 da decisão recorrida, o acrescento dessa funcionalidade pode levar a que o serviço deixe de ser considerado um serviço de comparação de produtos pelos internautas. Esse acrescento pode também conduzir à alteração do quadro jurídico dos serviços prestados e, sobretudo, a uma mudança na relação do sítio de comparação de produtos com os seus clientes. Com efeito, como decorre igualmente do considerando 221 da decisão recorrida, a maioria dos grandes vendedores não são favoráveis ao acrescento, nos sítios dos comparadores de produtos, de um botão «compra», uma vez que esses vendedores desejam «conservar um controlo total sobre as suas atividades de venda a retalho (incluindo a estratégia de merchandising, as relações com os clientes e o processamento das transações)». Ora, esta manutenção da autonomia dos vendedores na sua relação de venda com os compradores dos seus produtos que consultaram comparadores de produtos constitui a originalidade dos comparadores de produtos em relação às plataformas, como a Amazon, que asseguram elas próprias a função de venda para os vendedores aderentes e que são vistas como concorrentes pelos vendedores que colocam os seus produtos em comparadores. É, aliás, a razão por que, como também resulta do considerando 241 da decisão recorrida e como sublinha o BDZV, apenas um número muito reduzido de comparadores de produtos introduziu essa funcionalidade (7 nos 361 comparadores de produtos concorrentes identificados pela Google) e, deste número muito reduzido de comparadores, a funcionalidade em causa só foi introduzida para um pequeno número de vendedores e de ofertas. A este respeito, decorre do referido considerando que o Idealo que é o maior serviço de comparação de produtos a seguir ao Google Shopping na Alemanha só conseguiu, em 2015, convencer menos de 5 % dos seus vendedores a acrescentar um botão «compra».

351    Por outro lado, a alternativa oferecida aos comparadores de produtos concorrentes para poderem estar presentes nas Shopping Units, a saber, atuarem como intermediários, os obriga igualmente a mudarem o seu modelo económico, na medida em que o seu papel consiste então em colocar produtos no comparador da Google como faria um vendedor e já não em comparar produtos. Assim, para aceder às Shopping Units, os comparadores de produtos concorrentes devem tornar‑se clientes do comparador de produtos da Google e renunciar a ser concorrentes diretos.

352    Esta apreciação não é desmentida pelos argumentos da Google de que já aplica o método praticado pelo Bing para apresentar os anúncios para produtos e a proposta de medidas corretivas da Kelkoo para pôr termo à infração. A Google afirma, a este respeito, que, como para os seus próprios anúncios para produtos, a saber, as Shopping Units, os anúncios para produtos apresentados pelo Bing devem remeter para as páginas em que os utilizadores podem comprar a oferta em causa e que, como a Kelkoo propõe, recebe os dados dos comparadores terceiros em fluxos e, em seguida, organiza esses fluxos com a ajuda dos seus próprios algoritmos.

353    Todavia, por um lado, a Google não demonstra nos seus articulados ter aplicado o método preconizado pela Kelkoo. Aliás, esta última impugna‑o e junta aos autos um documento que mostra como os resultados dos comparadores concorrentes devem ser tratados para que seja assegurada a igualdade de tratamento. A Kelkoo indica a este respeito que, na afirmação referida pela Google na petição de que teria admitido que a Google já tinha aplicado as medidas corretivas pedidas, longe de reconhecer que as preocupações de concorrência suscitadas pela Comissão estavam resolvidas, criticou a afirmação da Google de que não podia aplicar os mesmos processos e métodos aos seus resultados e aos resultados concorrentes. Embora, a Google permita efetivamente, como sugeriu a Kelkoo nos seus comentários sobre a resposta da Google à notificação das objeções, que os comerciantes lhe enviem fluxos que contêm um inventário dos seus produtos, para beneficiarem dessa possibilidade, os comparadores de produtos devem, conforme acima explicado no n.o 348, mudar de modelo económico, o que não responde de todo à preocupação da Kelkoo.

354    Por outro lado, mesmo admitindo que, como indica a Google na petição, «os anúncios [para] produtos do Bing devem direcionar para páginas em que os utilizadores podem comprar produtos», isso não responde à preocupação de concorrência identificada. Com efeito, não está em causa, no presente caso, o comportamento da Microsoft através do seu motor de pesquisa Bing, que, de resto, não está em posição dominante no mercado da pesquisa geral, mas sim o comportamento da Google. Ora, o facto de os anúncios do Bing reenviarem também os internautas para os comerciantes não podem privar o comportamento imputado à Google do seu caráter anticoncorrencial.

355    Nestas condições, há que rejeitar os argumentos da Google, invocados na terceira parte do segundo fundamento, segundo os quais os comparadores de produtos concorrentes já estavam incluídos nas Shopping Units, não podendo, portanto, haver favorecimento.

3.      Quanto aos terceiro e quarto fundamentos, relativos ao facto de as práticas em causa não terem efeitos anticoncorrenciais

356    Os terceiro e quarto fundamentos referem‑se ambos aos efeitos das práticas em causa. O terceiro fundamento visa impugnar as suas consequências materiais, tais como apresentadas pela Comissão, no tráfego das páginas gerais de resultados da Google para os diferentes comparadores de produtos. O quarto fundamento visa impugnar o impacto anticoncorrencial dessas práticas nos diferentes mercados identificados. Estes aspetos estão ligados. Com efeito, conforme acima indicado nos n.os 65 a 67, em substância, a Comissão considerou na decisão recorrida que as práticas em causa tinham alterado esse tráfego, o que gerou efeitos anticoncorrenciais de natureza diversa nos mercados em causa. Nestas condições, a não demonstração de consequências materiais sobre esse tráfego implica necessariamente a falta das premissas para a verificação de efeitos anticoncorrenciais nos mercados em causa. Do mesmo modo, o grau de importância das consequências materiais demonstradas sobre esse tráfego tem um impacto sobre a determinação, ou não, de efeitos anticoncorrenciais nos mercados.

357    Por conseguinte, há que examinar, num primeiro momento, as impugnações da Google relativas às consequências materiais das práticas em causa no tráfego das suas páginas gerais de resultados para os comparadores de produtos, incluindo o seu, antes de examinar os seus argumentos sobre a inexistência de efeitos anticoncorrenciais dessas práticas.

a)      Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, segundo a qual a Comissão não demonstrou que as práticas em causa tinham provocado uma diminuição do tráfego das páginas gerais de resultados da Google para os comparadores de produtos concorrentes

1)      Argumentos das partes

358    Na primeira parte do terceiro fundamento, a Google sustenta que a Comissão considerou erradamente, na secção 7.2.3.2 da decisão recorrida, que as práticas em causa tinham «provocado uma diminuição do tráfego da pesquisa genérica» para quase todos os comparadores de produtos concorrentes «de maneira duradoura». Embora apresente inúmeros gráficos que mostram a evolução do tráfego de pesquisa da Google para os comparadores de produtos concorrentes, não estabelece nenhum nexo de causalidade entre esta evolução e as práticas em causa. A CCIA denuncia também a falta de tal demonstração. Ora, a Comissão deveria ter demonstrado que a diminuição verificada era imputável ao posicionamento e à apresentação das Product Universals e das Shopping Units. A Comissão não podia limitar‑se a presumir a causalidade, como resulta do Acórdão de 6 de dezembro de 2012, AstraZeneca/Comissão (C‑457/10 P, EU:C:2012:770, n.o 199).

359    Segundo a Google, apoiada a este respeito pela CCIA, a Comissão devia proceder a uma análise contrafactual e examinar de que modo o seu tráfego de pesquisa teria evoluído se as práticas em causa no que respeita ao posicionamento e à apresentação das Product Universals e das Shopping Units não tivessem sido adotadas. Ora, na decisão recorrida, a Comissão imputa as reduções do tráfego de pesquisa das páginas gerais de resultados da Google para os comparadores de produtos concorrentes a outras práticas, que considera lícitas, a saber, as alterações introduzidas pela implementação de algoritmos de ajustamento que retrogradam certos tipos de sítios Internet na classificação dos resultados genéricos. Contrariamente ao que afirma a Comissão na contestação, a análise contrafactual não deve partir da hipótese do abandono dos algoritmos de ajustamento dos resultados genéricos que são suscetíveis de retrogradar comparadores de produtos, uma vez que esses algoritmos não são postos em causa, o que a Google repete nas suas observações sobre vários articulados de intervenção, por exemplo, o da Kelkoo, que denuncia esses algoritmos. Com efeito, a alternativa oferecida à Google para dar cumprimento à decisão recorrida, exposta na contestação da Comissão, a saber, abandonar as Shopping Units ou incluir os comparadores de produtos concorrentes, não implica em nenhum dos dois casos o abandono desses algoritmos. A este respeito, a CCIA sublinha que o cenário contrafactual adequado é simplesmente o que corresponde a uma situação sem o alegado abuso, isto é, deve basear‑se na situação em que as Product Universals e as Shopping Units seriam abandonadas, mas não as alterações introduzidas para a classificação dos resultados genéricos. Em resposta ao argumento avançado pela Foundem no seu articulado de intervenção, segundo o qual seria aberrante a Google renunciar aos resultados para produtos ou aos anúncios para produtos sem também renunciar aos seus algoritmos de ajustamento que podem retrogradar nos resultados genéricos os comparadores de produtos concorrentes, a Google expõe que é, porém, o que faz em inúmeros países, incluindo na Europa, o que mostra que a análise contrafactual que propõe não é hipotética e que os referidos algoritmos apenas se explicam pela preocupação com a qualidade dos resultados.

360    Ora, segundo a Google, dois conjuntos de factos invocados pela Comissão devem justamente levar a imputar as reduções de tráfego para os comparadores de produtos concorrentes às alterações introduzidas para a classificação genérica pelos algoritmos de ajustamento e não ao posicionamento e à apresentação das Product Universals e das Shopping Units. Assim, resulta dos considerandos 464 a 474 da decisão recorrida que nenhum dos comparadores de produtos concorrentes aí mencionados alega que o facto de ter apresentado as Product Universals e as Shopping Units foi a causa das perdas de tráfego. Pelo contrário, alguns rejeitam expressamente esse nexo. Do mesmo modo, o segundo conjunto de factos utilizado pela Comissão nos considerandos 475 a 477 da decisão recorrida diz respeito à alteração da visibilidade dos comparadores de produtos concorrentes nos resultados genéricos «após a introdução ou a atualização do algoritmo Panda». A decisão recorrida contém igualmente, noutros considerandos, apreciações segundo as quais a visibilidade desses comparadores caiu «após o lançamento do algoritmo Panda» ou apreciações semelhantes (considerandos 361, 367, 513 e 514), quando a classificação dos comparadores concorrentes pela Google nos resultados genéricos, incluindo com a aplicação de algoritmos de ajustamento como o Panda, não faz parte das práticas consideradas abusivas.

361    A este respeito, o considerando 661 da decisão recorrida enuncia que as práticas em causa consistem apenas no facto de a Google «não aplic[ar]» os seus algoritmos de ajustamento previstos para os resultados genéricos (mais especialmente o Panda) às Product Universals e às Shopping Units. Isso resulta claramente da delimitação feita na decisão recorrida do âmbito geográfico e da duração do comportamento alegadamente abusivo, que só abrange os países ou os períodos relacionados com a utilização das Product Universals ou das Shopping Units. É por esta razão que hoje, segundo a Google, tendo sido abandonados os Product Universals, a mera supressão das Shopping Units poria termo à infração identificada pela Comissão.

362    Uma análise contrafactual adequada teria confirmado que as práticas postas em causa pela Comissão não tiveram nenhuma incidência no tráfego das páginas gerais de resultados da Google para os comparadores de produtos concorrentes.

363    Assim, em primeiro lugar, esse tráfego evoluiu de forma semelhante nos países onde as Product Universals e as Shopping Units tinham sido introduzidas e nos países onde não o tinham sido. A Google apresenta, a este respeito, uma análise dita «das diferenças nas diferenças», que faz intervir um cenário contrafactual de países em que as Product Universals e as Shopping Units não foram introduzidas ou foram introduzidas tardiamente. A Google compara, assim, de 2004 a 2014 a situação no Reino Unido e na Irlanda, na Alemanha e na Áustria, em França e na Bélgica, bem como nos Países Baixos e na Bélgica, todas as vezes para uma dezena de comparadores de produtos concorrentes do da Google, ativos em cada um dos dois países comparados. A comparação é ilustrada sob a forma de diagramas que incluem as curvas de tráfego para cada comparador de produtos nos dois países comparados. Por exemplo, a evolução do tráfego, proveniente das páginas gerais de resultados da Google, para o comparador de produtos Twenga em França, onde foram introduzidos as Product Universals e as Shopping Units, é comparada com a evolução desse tráfego na Bélgica, onde não foram introduzidas. Ora, mesmo que os volumes de tráfego possam ser diferentes, em cada país comparado com outro país, a evolução do tráfego no tempo aparece largamente semelhante. A apreciação desta análise pela Comissão na decisão recorrida está errada por duas razões. Primeiro, refere erradamente, no considerando 520, que a análise não tem em conta o efeito dos algoritmos de ajustamento da pesquisa geral, designadamente do Panda. Segundo, indica erradamente, no considerando 521, que o tráfego não evoluía da mesma maneira nos países comparados previamente ao lançamento das Product Universals e das Shopping Units num desses países.

364    Em segundo lugar, o tráfego para os comparadores de produtos concorrentes não muda quando as Product Universals e as Shopping Units são suprimidas. Com efeito, em 2011, a Comissão pediu à Microsoft que conduzisse uma experiência (a «Bing Answers Experiment») que consistia em suprimir os resultados de pesquisa de tipo Product Universals no Bing, o seu motor de busca, para um grupo de utilizadores e em comparar esta situação com a de outro grupo de utilizadores que conservava esses resultados especializados. Ora, os dados extraídos dessa experiência demonstraram que a visualização, ou não, dos resultados do tipo Product Universals tinha uma incidência insignificante no tráfego para os comparadores de produtos. A própria Google conduziu uma experiência vizinha, dita «de ablação», no que respeita às Shopping Units, que deu resultados semelhantes. A diferença entre o tráfego para os comparadores de produtos concorrentes gerado pelo grupo de utilizadores que não vê Shopping Units e o gerado pelo grupo testemunha corresponde a uma pequena percentagem do tráfego total desses comparadores, muito abaixo do nível que a Comissão identificou como sem incidência para a concorrência na comunicação de acusações, no n.o 446, e na decisão recorrida, nos considerandos 571 e 581, apontando mesmo uma fatia de cerca de 20 % do tráfego recebido pelos comparadores de produtos. Além disso, é sem razão que a Comissão afirma, no considerando 523 da decisão recorrida, que a experiência de ablação também não tem em conta o efeito dos algoritmos da pesquisa geral, designadamente do Panda.

365    Quanto aos dois cálculos efetuados pela Comissão, reutilizando dados provenientes da experiência de ablação, para, segundo ela, a corrigir, comentados nos considerandos 524 a 535 da decisão recorrida, a Google afirma que estão errados. Com efeito, para o primeiro cálculo, traduzido no quadro 22 da decisão recorrida, nada permite considerar a hipótese de um cenário em que um comparador de produtos aparece sempre nos quatro primeiros resultados genéricos, como fez a Comissão. Além disso, a Google não teve a possibilidade de comentar esse cálculo durante o procedimento administrativo, em violação dos seus direitos de defesa. Para o segundo cálculo, objeto do quadro 23 da decisão recorrida, efetuado partindo da hipótese de pesquisas referentes unicamente a produtos, que a Comissão equiparou às pesquisas que fazem normalmente aparecer as Shopping Units, a Comissão ignorou que os comparadores de produtos recebem igualmente um tráfico genérico significativo proveniente das numerosas consultas para produtos em que as Shopping Units não aparecem. A Comissão ignorou igualmente o facto de os comparadores de produtos receberem cerca de 50 % do seu tráfego de fontes diferentes dos resultados genéricos da Google, o que resulta do quadro 24 que figura na decisão recorrida. Este tráfego deve ser tido em conta na avaliação da incidência da presença das Shopping Units no tráfego. Com efeito, se se verificar que a redução do tráfego de pesquisa proveniente da Google foi fraca comparada com o tráfego total dos comparadores de produtos, não pôde ter incidência na concorrência. Ora, a este respeito, a Comissão limitou‑se a afirmar, no considerando 539 da decisão recorrida, que o tráfego alegadamente desviado representa uma «grande parte do tráfego» para os comparadores de produtos, sem nunca o demonstrar.

366    Em terceiro lugar, na decisão recorrida, a Comissão não teve em conta a evolução global do setor nem a alteração da preferência dos utilizadores, ilustradas pela crescente popularidade das plataformas comerciais, como a Amazon, que constituem alternativas para a realização de pesquisas comparativas de produtos. Uma vez que as plataformas comerciais ganharam em popularidade, a sua classificação nos resultados genéricos da Google melhorou por si mesma em relação à dos comparadores de produtos, independentemente da questão de saber se participam no mesmo mercado. A comparação da evolução do tráfego proveniente dos resultados genéricos da Google, por um lado, para as plataformas comerciais e, por outro, para os comparadores de produtos confirma esta análise. A partir de 2008, o tráfego para os comparadores estagnou enquanto o tráfego para as plataformas continuou a crescer. Enquanto, de acordo com os documentos internos da Google, a Amazon se estabeleceu como a «referência para os resultados, a rapidez e a qualidade» da pesquisa para produtos, os comparadores de produtos não melhoraram os seus serviços, o que é confirmado por apreciações constantes dos autos.

367    A Comissão, o BEUC, a Foundem, o VDZ, o BDZV, a Visual Meta, a Twenga, o Órgão de Fiscalização da EFTA, a Kelkoo e a República Federal da Alemanha contestam os argumentos da Google.

2)      Apreciação do Tribunal Geral

368    Em substância, a Google alega que a Comissão não demonstrou que as práticas em causa conduziram a uma redução do tráfego das suas páginas gerais de resultados para os comparadores de produtos concorrentes. Com efeito, segundo a Google, esta redução do tráfego, que não impugna, é unicamente imputável ao jogo dos algoritmos de ajustamento, designadamente do Panda, que a Comissão não pôs em causa. Não há nexo de causalidade entre a promoção pela Google do seu próprio comparador de produtos, que a Comissão critica, e o efeito identificado por esta última, a saber, uma exclusão dos comparadores concorrentes devido à diminuição do tráfego proveniente das suas páginas gerais de resultados.

369    Todavia, importa salientar desde já que, como sublinha a Comissão e conforme acima exposto no n.o 69, o comportamento da Google imputado na decisão recorrida consiste na combinação de duas práticas, a saber, por um lado, ter feito aparecer o seu comparador de produtos nas suas páginas gerais de resultados de forma preeminente e atrativa em «boxes» dedicadas, sem que seja submetido aos seus algoritmos de ajustamento utilizados para a pesquisa geral, e, por outro, ao mesmo tempo, ter feito aparecer os comparadores de produtos concorrentes nessas páginas apenas sob a forma de resultados de pesquisa geral (ligações azuis) que tendem a ser mal classificados devido à aplicação desses algoritmos de ajustamento. Há que recordar igualmente que o comparador de produtos da Google, como os outros serviços da Google, nunca aparece sob a forma de resultados de pesquisa geral.

370    A Comissão precisou, nos considerandos 440 e 537 da decisão recorrida, que não põe em causa, em si mesmos, os critérios de seleção escolhidos pela Google, qualificados de critérios de pertinência, mas o facto de os resultados do seu comparador de produtos e os resultados dos comparadores concorrentes não serem tratados da mesma maneira em termos de posicionamento e de apresentação.

371    Do mesmo modo, a Comissão especificou, no considerando 538 da decisão recorrida, que não põe em causa, enquanto tal, a valorização de resultados especializados de comparação de produtos considerados pertinentes pela Google, mas o facto de a mesma valorização não se aplicar simultaneamente ao seu comparador de produtos e aos comparadores de produtos concorrentes.

372    Em substância, o que a Comissão põe em causa são práticas conjugadas que, por um lado, valorizam o comparador de produtos da Google e, por outro, desvalorizam os comparadores de produtos concorrentes nas páginas gerais de resultados da Google. Daqui resulta que a análise dos efeitos dessas práticas conjugadas não pode ser efetuada isolando os efeitos de um aspeto dessas práticas dos efeitos do outro aspeto das mesmas.

373    Como sublinha a Google, por si só e considerado separadamente, nenhum desses aspetos das práticas levanta objeções em matéria de concorrência aos olhos da Comissão. Todavia, cada um desses aspetos é aplicado com o outro nos períodos e territórios relativamente aos quais a Comissão verificou a existência de uma infração ao artigo 102.o TFUE e é a sua aplicação conjunta que, conduzindo, em seu entender, a efeitos conjugados, foi por ela considerada anticoncorrencial.

374    Por conseguinte, a análise dos efeitos deve efetivamente ter em conta simultaneamente os efeitos da aplicação dos algoritmos de ajustamento dos resultados genéricos, designadamente do Panda, e os efeitos da valorização do comparador de produtos da Google através das Product Universals e das Shopping Units. Por conseguinte, contrariamente ao que alega em substância a Google, a análise dos efeitos das práticas em causa nos comparadores de produtos concorrentes não se pode limitar ao impacto que teve sobre eles o aparecimento de resultados do comparador de produtos da Google nas Product Universals e nas Shopping Units, que corresponde apenas a um dos dois aspetos dessas práticas, mas deve também ter em conta o impacto da aplicação dos algoritmos de ajustamento dos resultados genéricos. Como sustenta a Comissão, efetuar comparações de cenários no âmbito de uma análise contrafactual, como faz a Google, em que só a componente das práticas ligada à visualização das Product Universals ou das Shopping Units varia, leva à neutralização do efeito dos algoritmos de ajustamento, uma vez que este último permanece o mesmo nos dois cenários de cada uma dessas comparações.

375    Daqui decorre que devem ser rejeitadas as críticas da Google sobre o facto de a Comissão, para medir os efeitos das práticas em causa nos comparadores de produtos concorrentes, ter tido em conta o impacto da aplicação dos algoritmos de ajustamento dos resultados genéricos no tráfego para os comparadores de produtos concorrentes proveniente das páginas gerais de resultados da Google e que os estudos que a Google destacou, que apenas visam medir o impacto próprio do aparecimento das Product Universals e das Shopping Units no tráfego, como a análise «das diferenças nas diferenças» ou a experiência de ablação, são insuficientes para refletir o impacto das práticas em causa nos comparadores de produtos concorrentes.

376    Assim, uma vez que a situação considerada anticoncorrencial no caso vertente corresponde a uma conjugação de práticas, o único cenário contrafactual que a Google poderia ter validamente invocado é aquele em que nenhuma componente dessas práticas é aplicada, sob pena de só parcialmente apreender os efeitos conjugados dessas práticas conjugadas.

377    De resto, a identificação de um cenário contrafactual fiável para analisar os efeitos de práticas supostamente anticoncorrenciais num mercado, isto é, a identificação dos eventos que teriam ocorridos na ausência das práticas examinadas e a identificação da situação daí resultante, pode ser, numa situação como a do caso em apreço, um exercício aleatório, ou mesmo impossível, se esse cenário contrafactual não existir na realidade para um mercado que tem inicialmente características vizinhas do ou dos mercados em que essas práticas foram aplicadas. Com efeito, em princípio, quando estão em causa relações de concorrência existentes e não apenas uma concorrência eventual ou potencial, um cenário contrafactual fiável deve corresponder a uma situação real, inicialmente semelhante, mas cuja evolução não é afetada pelo conjunto das práticas em causa. Ao comparar esse cenário contrafactual com a situação observada no mercado que é objeto das práticas, podem normalmente ser demonstrados, isolando‑os das alterações devidas a outras razões, os efeitos reais dessas práticas. A este respeito, a análise contrafactual, que compara nessa situação duas evoluções reais, distingue‑se da avaliação dos efeitos potenciais que, ainda que deva ser realista, resulta na descrição de uma situação provável.

378    Do mesmo modo, no âmbito da repartição do ónus da prova acima recordada nos n.os 132 a 134, para demonstrar uma infração ao artigo 102.o TFUE, em especial no que respeita aos efeitos de práticas na concorrência, a Comissão não pode ser obrigada, espontaneamente ou para responder a uma análise contrafactual apresentada pela empresa posta em causa, a estabelecer sistematicamente um cenário contrafactual, na aceção acima evocada, contrariamente ao que alega a Google. Isto obrigaria, aliás, a demonstrar que o comportamento em causa teve efeitos reais, o que, como adiante será recordado mais pormenorizadamente nos n.os 441 e 442, no âmbito do exame da primeira parte do quarto fundamento da Google, não se impõe em matéria de abuso de posição dominante, onde basta provar a existência de efeitos potenciais.

379    Para contestar a avaliação pela Comissão dos efeitos potenciais de uma prática no mercado, ou dos seus efeitos reais se forem determinados pela Comissão, é certo que a empresa em causa pode apresentar uma análise contrafactual. Todavia, esta última deve então permitir estabelecer os efeitos de toda a prática imputada, e não os efeitos parciais.

380    No presente caso, embora a própria Comissão tenha elaborado o quadro 23 da decisão recorrida a partir dos dados da experiência de ablação da Google, em resposta a esta última que apresentava a referida experiência, não afirmou que o mesmo constituía um cenário contrafactual. Com efeito, como a Comissão expõe nos considerandos 523 e seguintes da decisão recorrida, esse quadro só tem em conta um dos dois aspetos das práticas em causa, a saber, medir o impacto próprio do aparecimento das Shopping Units no tráfego das páginas gerais de resultados para os comparadores de produtos concorrentes. Todavia, como acima resulta do n.o 378, a Google não pode utilmente acusar a Comissão de não ter estabelecido um cenário contrafactual.

381    Há que precisar incidentalmente que o argumento da Google, acima mencionado no n.o 365, de que não teve a possibilidade de comentar o cálculo que conduziu ao quadro 22 da decisão recorrida, o que violou os seus direitos de defesa, é inoperante. Com efeito, esse cálculo intermédio que permitiu depois à Comissão elaborar o quadro 23 acima referido no n.o 380, apenas visava responder detalhadamente à análise contrafactual da Google já apresentada no procedimento administrativo, mas inexata como acima decorre do n.o 375, e não contribuiu para a demonstração, que será adiante recordada, dos efeitos de todas as práticas em causa no tráfego proveniente das páginas gerais de resultados da Google para os comparadores de produtos concorrentes.

382    Além disso, para determinar os efeitos reais ou potenciais de práticas que examina, a Comissão pode, nomeadamente, apoiar‑se noutros elementos retirados da observação da evolução real do ou dos mercados abrangidos pelas práticas. Se for observada uma correlação entre essas práticas e a alteração da situação concorrencial nesses mercados, pode haver elementos adicionais, que podem incluir, por exemplo, apreciações dos atores do mercado, dos seus fornecedores, dos seus clientes, das associações profissionais ou de consumidores, que demonstrem o nexo de causalidade entre essas práticas e a evolução do mercado. Cabe, sendo caso disso, à empresa em causa apresentar, por seu lado, elementos pertinentes suscetíveis de fazer duvidar dessa causalidade.

383    No presente caso, na secção 7.2.3.2 da decisão recorrida, especificamente consagrada ao impacto das práticas em causa no tráfego proveniente das páginas gerais de resultados da Google para os comparadores de produtos concorrentes, a Comissão faz desde logo referência, nos considerandos 464 a 474, às declarações de nove grupos que exploram comparadores de produtos em vários países em causa, como o eBay, o Nextag, o Twenga ou o Axel Springer, indicando que esses comparadores tinham conhecido reduções significativas de tráfego proveniente das páginas gerais de resultados da Google, a partir de diferentes datas, desde meados de 2007, embora houvesse por vezes aumentos temporários. Por exemplo, no considerando 464 da decisão recorrida é indicado que as filiais da eBay que exploram comparadores de produtos perderam, entre setembro de 2009 e setembro de 2010, cerca de 30 % desse tráfego no Reino Unido, 40 % em França e 55 % na Alemanha, antes de serem observadas outras reduções de tráfego para um ou outro dos seus sítios de comparação de produtos. Em substância, segundo refere a decisão recorrida, esses grupos atribuem essas reduções às evoluções dos algoritmos de ajustamento dos resultados genéricos da Google, designadamente do Panda, materializadas numa diminuição do índice de visibilidade Sistrix dos comparadores de produtos em causa. O índice de visibilidade Sistrix é, conforme indicado na nota 398 da decisão recorrida, um dado publicado uma vez por semana pela sociedade com o mesmo nome, que tem em conta simultaneamente a frequência em que aparece (trigger rate) um sítio Internet nos resultados de pesquisa geral e a sua posição entre eles.

384    A este respeito, no considerando 476 da decisão recorrida, a Comissão mostra, através de nove gráficos, a evolução do índice de visibilidade Sistrix e a evolução do tráfego das páginas gerais de resultados da Google (medido pelo número de «cliques» feitos nas ligações genéricas) para três comparadores de produtos concorrentes entre 2010 e 2014 no Reino Unido, entre 2008 e 2014 na Alemanha e entre 2010 e 2014 em França. Pode‑se observar uma correlação bastante estreita entre as duas evoluções — exceto para o idealo.de na Alemanha em 2014, ano em que as duas curvas divergem — e, globalmente no período, uma diminuição das duas curvas — exceto, uma vez mais, para o idealo.de, o que, conforme indicado na nota 575 da decisão recorrida com base numa clarificação feita pela Google, se explica pelo facto de o algoritmo Panda nunca ter sido aplicado ao idealo.de. Descurando os valores do fim do período demasiado próximos de zero, as reduções entre o início e o fim do período, independentemente das variações intermédias, vão de uma ordem de grandeza de 2 a 1, ou seja, 50 % (guenstiger.de e touslesprix.com), a uma ordem de grandeza de 15 a 1, ou seja 93 % (dealtime.co.uk).

385    No considerando 479 da decisão recorrida, a Comissão sublinha que a análise «das diferenças nas diferenças» efetuada pela Google, que traça nomeadamente a evolução do tráfego desde as páginas gerais de resultados da Google para dez comparadores de produtos concorrentes, no Reino Unido, na Alemanha, em França e nos Países Baixos, de 2004 a 2014, permite também constatar a diminuição desse tráfego para os comparadores de produtos em causa, particularmente após a introdução do algoritmo Panda, mas também a longo prazo. Embora o aspeto diferencial desta análise apresentada pela Google seja inadequado, uma vez que assenta num cenário contrafactual insuficiente, como acima exposto no n.o 375, os dados brutos desta análise, fornecida no anexo A90 da petição inicial, permitem, efetivamente, avaliar a evolução desse tráfego para os períodos de infração identificados pela Comissão para cada país, ou seja, a partir do momento em que foram introduzidas as Product Universals. Podem ser observadas reduções na duração total desses períodos, a maior parte das vezes significativas a partir de 2011, para a grande maioria dos 40 comparadores de produtos objeto da análise «das diferenças nas diferenças», embora possam ser precedidas ou interrompidas de aumentos e não se verifiquem para todos os comparadores de produtos na Alemanha e nos Países Baixos.

386    No considerando 481 da decisão recorrida, a Comissão apresenta, sob a forma de gráficos realizados a partir de dados fornecidos pela Google, para o Reino Unido, a França, a Alemanha, a Espanha, os Países Baixos, a Itália, a Dinamarca e a Polónia, a evolução agregada de janeiro de 2004 a dezembro de 2016 do tráfego das páginas gerais de resultados da Google para os 361 comparadores de produtos concorrentes identificados pela Google (gráficos 27 a 36 da decisão recorrida). Resulta daí que houve, no Reino Unido, apesar dos aumentos intermédios, uma diminuição significativa desse tráfego a partir de setembro de 2010 (passagem de mais de 30 milhões de cliques para menos de 5 milhões). Em França, a mesma situação é observada a partir de setembro de 2010 (passagem de mais de 60 milhões de cliques para menos de 10 milhões). Na Alemanha, a mesma constatação pode ser efetuada a partir de setembro de 2010 (passagem de mais de 80 milhões de cliques para menos de 40 milhões). O mesmo acontece em Espanha a partir de janeiro de 2011 (passagem de mais de 20 milhões de cliques para menos de 5 milhões). Em contrapartida, nos Países Baixos, a redução só se observa a partir de janeiro de 2015 (passagem de 18 milhões de cliques para cerca de 10 milhões). Do mesmo modo, em Itália, a partir de um pico em setembro de 2010 de quase 35 milhões de cliques, a curva é irregular e termina em pouco mais de 20 milhões de cliques, nível atingido pela primeira vez em 2008. Para estes dois últimos países, a Comissão admite que o tráfego em questão se manteve globalmente estável. No que respeita à Dinamarca, o tráfego está antes a progredir, a menos que, como faz a Comissão, o comparador de produtos PriceRunner seja retirado da estatística, tendo o tráfego neste caso tendência a diminuir desde setembro de 2010 (passagem de mais de 2 milhões de cliques para cerca de 500 000). A mesma situação é observada na Polónia com o comparador de produtos Ceneo a impulsionar a tendência para o aumento. Se for retirado da estatística, como faz a Comissão, o tráfego tem tendência a reduzir desde maio de 2013 (passagem de 18 milhões de cliques para 8 milhões).

387    Nos considerandos 482 e seguintes da decisão recorrida, a Comissão expõe que constituiu, além disso, amostras de comparadores de produtos concorrentes do da Google em quatro países nos quais podia ser bem ilustrado o impacto a longo prazo do tratamento reservado pela Google a esses comparadores nas suas páginas gerais de resultados, uma vez que a taxa de aparição das Shopping Units era particularmente elevada. Esses países são o Reino Unido, para o qual a Comissão constituiu uma amostra de doze comparadores de produtos concorrentes, a Alemanha, para a qual constituiu uma amostra de nove comparadores de produtos concorrentes, os Países Baixos, para os quais constituiu uma amostra de seis comparadores de produtos concorrentes, e a França, para a qual constituiu uma amostra de oito comparadores de produtos concorrentes. Como demonstram os gráficos 53 a 56 da decisão recorrida, o tráfego das páginas gerais de resultados da Google para os comparadores que faziam parte destas amostras diminuiu efetivamente de 2011 a 2016 no Reino Unido, na Alemanha e em França e, após ter aumentado nos Países Baixos até 2014, diminuiu desde então. A leitura desses gráficos mostra mais exatamente uma redução de mais de metade no Reino Unido e em França, uma ligeira redução desde 2014 na Alemanha e uma redução de cerca de um terço desde 2014 nos Países Baixos.

388    Além disso, embora conste da secção 7.3.2 da decisão recorrida, especificamente dedicada à avaliação da existência de efeitos anticoncorrenciais das práticas em causa na hipótese de o mercado dos serviços de comparação de produtos englobar também as plataformas comerciais, os resultados do segundo estudo («the Second Analysis») que a Comissão apresenta com esse objetivo, cujos parâmetros e resultados principais estão expostos nos considerandos 612 e seguintes e cujos resultados detalhados constituem o anexo I da decisão recorrida, são significativos. Revelam, para cada um dos treze países em que a Comissão concluiu pela existência de um abuso de posição dominante da Google, uma redução por parte dos comparadores de produtos concorrentes no tráfego proveniente das páginas gerais de resultados da Google em relação ao comparador de produtos da Google e às plataformas comerciais, mesmo que, para determinados países, esse tráfego a favor dos comparadores de produtos concorrentes progrida em valor absoluto. Por exemplo, esse estudo indica, para a República Checa entre 2011 e 2016, uma redução por parte dos comparadores de produtos concorrentes de 73 a 47 % (progressão em valor absoluto do número anual de cliques de 62,1 milhões a 179,6 milhões). Para a Áustria, no mesmo período, o estudo indica uma redução por parte dos comparadores de produtos concorrentes de 48 a 16 % ou de 39 a 15 %, consoante os ajustamentos introduzidos (redução em valor absoluto do número anual de cliques de 68,6 milhões a 60,9 milhões).

389    Tendo em conta esses vários elementos apresentados pela Comissão na decisão recorrida, não se pode deixar de observar, desde logo, que a Google, como a CCIA, não apresentam, nos seus articulados, nenhum elemento para contestar a existência de reduções globais de tráfego das páginas gerais de resultados da Google para os comparadores de produtos concorrentes, nos treze países em que a Comissão identificou uma infração. Com efeito, antes de mais, não põem em causa o nexo de causalidade entre as práticas imputadas à Google e essas reduções. Diversas frases, constantes, respetivamente, do n.o 253 da petição e do n.o  147.o da réplica, ilustram, por exemplo, essa falta de impugnação. Assim, a Google sustenta que, «[n]a medida em que a classificação dos comparadores de produtos nos resultados genéricos da Google e o tráfego de pesquisa associado declinaram, isso refletiu as preferências dos utilizadores que privilegiaram as plataformas comerciais» e que «[a]s reduções de tráfego causadas pela aplicação de [certos algoritmos] […] ocorreram independentemente do alegado comportamento abusivo». Em seguida, no que respeita ao segundo estudo apresentado nos considerandos 612 e seguintes da decisão recorrida, na parte que diz respeito ao tráfego das páginas gerais de resultados da Google para os comparadores de produtos concorrentes, a Google apenas questiona a utilidade desse estudo para apreciar se o seu comportamento teve um efeito anticoncorrencial, pelo facto de esse estudo não considerar as fontes de frequentação alternativas às suas páginas gerais de resultados. Como decorre do considerando 626 da decisão recorrida e dos n.os 351 e 352 da petição, a Google não põe em causa a avaliação desse tráfego em si mesma.

390    Por outro lado, a Google alega, para impugnar o nexo de causalidade entre as práticas em causa e a diminuição do tráfego das suas páginas gerais de resultados para os comparadores de produtos concorrentes do seu, que a Comissão não teve em conta fontes de tráfego dos comparadores de produtos que não sejam os seus resultados genéricos. Todavia, este argumento é inoperante em apoio da impugnação do nexo de causalidade entre o comportamento considerado anticoncorrencial da Google e a redução do tráfego para os comparadores concorrentes proveniente apenas das suas páginas gerais de resultados. O argumento relacionado com as outras fontes de tráfego será abordado por ocasião do exame do quarto fundamento, uma vez que é reiterado em seu apoio.

391    A Google alega igualmente que a Comissão não considerou a evolução global do setor e as alterações de preferência dos utilizadores, designadamente a popularidade crescente das plataformas comerciais, incluindo para efetuar pesquisas de comparação de produtos. A Google expõe, a este respeito, em substância, que essas plataformas melhoraram a qualidade dos seus serviços, contrariamente aos comparadores de produtos, e que, por esse facto, foram preferidas pelos utilizadores, o que lhes deu melhores classificações nos resultados genéricos. Todavia, ainda que esta explicação seja possível, está intimamente ligada ao funcionamento dos algoritmos de classificação dos resultados genéricos da Google que constitui, conforme acima recordado no n.o 373, uma componente das práticas em causa.

392    Por conseguinte, uma vez que a Google não pôde distinguir, nas alterações das respetivas classificações das plataformas comerciais e dos comparadores de produtos, o que se enquadra apenas na melhoria da qualidade dos serviços das plataformas comerciais em relação à qualidade dos serviços dos comparadores de produtos, aliás, em igualdade de circunstâncias, e o que se enquadra nas alterações introduzidas nos seus algoritmos, designadamente na introdução do algoritmo Panda, esta explicação não permite pôr em causa, mesmo em parte, o nexo de causalidade que a Comissão verificou entre as práticas em causa e a redução do tráfego das páginas gerais de resultados da Google para os comparadores de produtos concorrentes.

393    Refira‑se, por outro lado, que a Google, na sua argumentação, não contesta a relação de causa e efeito entre a visibilidade de um sítio Internet nos seus resultados genéricos, conforme materializada pelo índice de visibilidade Sistrix, e a importância do tráfego dos referidos resultados para esse sítio. Portanto, a Google não impugna o facto de os seus algoritmos de classificação dos resultados genéricos terem impacto nesse tráfego. Ora, esta relação de causa e efeito está diretamente relacionada com uma das componentes das práticas imputadas, a má classificação habitual dos comparadores de produtos concorrentes nos resultados genéricos, e com os efeitos desta componente, a saber, a redução do tráfego das páginas gerais de resultados da Google para esses comparadores de produtos.

394    Nestas condições, tendo em conta, por um lado, as reduções de tráfego globais não impugnadas pela Google e os elementos resultantes das declarações dos nove grupos que exploram comparadores de produtos, bem como os exemplos de reduções de tráfego ligadas à evolução do índice de visibilidade Sistrix de diferentes comparadores de produtos apresentados na decisão recorrida e, por outro, a não apresentação de elementos de contraprova pela Google, a Comissão demonstrou que as práticas imputadas tinham conduzido a uma redução do tráfego de pesquisa genérica para quase todos os comparadores de produtos concorrentes.

395    Resulta do exposto que a primeira parte do terceiro fundamento deve ser julgada improcedente.

b)      Quanto à segunda parte do terceiro fundamento, segundo a qual a Comissão não demonstrou que as práticas em causa tinham conduzido a um aumento do tráfego das páginas gerais de resultados da Google para o seu próprio comparador de produtos

1)      Argumentos das partes

396    Na segunda parte do terceiro fundamento, a Google sustenta que a Comissão alega sem razão, na secção 7.2.3.3 da decisão recorrida, que as práticas imputadas aumentaram o tráfego para o seu próprio serviço de comparação de produtos.

397    Em primeiro lugar, a Google afirma que, na medida em que estas práticas não provocaram uma redução do tráfego para os comparadores de produtos concorrentes, um eventual aumento do tráfego para o seu próprio serviço de comparação de produtos não pode ter sido feito em detrimento dos mesmos e ser um fator de exclusão. As práticas que têm um efeito de eliminação devem, por natureza, permitir à empresa autora dessas práticas realizar vendas que os concorrentes teriam efetuado sem essas práticas. Assim, as Product Universals e as Shopping Units apenas fizeram crescer o mercado no seu todo, sem consequência negativa para os comparadores de produtos concorrentes. Na réplica, a Google acrescenta que, admitindo, como sustenta a Comissão, que o tráfego para os comparadores de produtos concorrentes diminuiu após o lançamento do algoritmo Panda, não foi possível verificar uma alteração no desenvolvimento do tráfego para o seu comparador de produtos relacionado com esse evento, o que demonstra que o Panda talvez tenha favorecido as plataformas comerciais, mas não o comparador de produtos da Google.

398    Em segundo lugar, a Google, apoiada pela CCIA, considera que a Comissão exagerou o volume de tráfego recebido pelo seu comparador de produtos. Primeiro, a Comissão incluiu nesse tráfego os cliques nos anúncios das Shopping Units, quando esses cliques não remetem para a página especializada de resultados Google Shopping, mas sim para sítios de venda de terceiros. O argumento da Visual Meta de que esse mecanismo incita os vendedores em causa a subscreverem o Google Shopping, beneficiando assim esse comparador, não consta da decisão recorrida. A única razão que levou a Comissão a contabilizar os cliques nos anúncios para produtos é a alegação de que as receitas das Shopping Units beneficiam o sítio Google Shopping. Todavia, como já foi sustentado no âmbito do segundo fundamento, isto é inexato. Assim, a Visual Meta alega erradamente que as receitas provenientes das Shopping Units vão diretamente para o Google Shopping. O que, de resto, não foi referido pela Comissão na decisão recorrida. Nas suas observações sobre os articulados de intervenção da Foundem e da Visual Meta, a Google acrescenta que existe uma contradição, na decisão recorrida, ao refutar que ela seja uma entidade unificada e ao considerar que um dos seus serviços específicos, o seu comparador de produtos, é favorecido por esses cliques quando estes desencadeiam pagamentos para a Google, em geral. A este respeito, a Visual Meta afastou‑se da decisão recorrida ao sustentar que a afetação interna das receitas ou a organização da Google não têm importância. A CCIA sustenta, na mesma ordem de ideias, que as Product Universals e as Shopping Units não fazem parte do comparador de produtos da Google, o que a Comissão reconheceu nos considerandos 408, 412 e 423 da decisão recorrida. A Google precisa, por exemplo nas suas observações sobre o articulado de intervenção da Foundem, que os anúncios das Shopping Units não provêm da página especializada Google Shopping. As suas tecnologias, infraestruturas e formatos são diferentes, o que foi demonstrado à Comissão no procedimento administrativo e não impugnado por ela. A Google sustenta igualmente, nas suas observações sobre o articulado de intervenção do VDZ, que as Shopping Units, tanto quanto as Product Universals, não podem ser consideradas comparadores de produtos. Com efeito, essas unidades não permitem comparar diferentes ofertas de um mesmo produto ou modelo, como devem fazer os comparadores de produtos, mas propõem vários produtos suscetíveis de responder à procura do internauta. Durante o procedimento administrativo, vários participantes no procedimento apontaram neste sentido e a Comissão teve isso em conta ao redigir os considerandos 408, 412 e 423 da decisão recorrida acima referidos. Segundo, de acordo com a Google, a Comissão também considerou erradamente os cliques no separador Shopping que aparece no menu acima da página de resultados. Ora, a existência deste separador não faz parte dos elementos que participam nas práticas identificadas como abusivas, cujo único impacto deve ser avaliado. Além disso, a Comissão não põe em causa, na contestação, que este separador não constitui um resultado de pesquisa. Devido a estes dois erros, a Comissão sobreavaliou por várias vezes o volume de tráfego que vai das Product Universals e das Shopping Units para o comparador de produtos da Google. Na realidade, como mostra um gráfico elaborado a partir dos dados de conexão durante o período de infração identificado, a Google enviou das suas páginas gerais de resultados para os comparadores de produtos concorrentes um volume de tráfego que representa várias vezes o volume enviado para o seu próprio comparador de produtos e ainda três vezes mais tráfego para as plataformas comerciais.

399    Em terceiro lugar, os cliques nas Product Universals e nas Shopping Units refletem a sua pertinência e as preferências dos utilizadores. A este respeito, a fundamentação da decisão recorrida não é convincente, uma vez que a Comissão se limitou a observar, no considerando 494, que os cliques nas Product Universals e nas Shopping Units são tanto mais importantes quanto a sua taxa de aparição é elevada. Descura o facto de a Google apresentar as Shopping Units (e no passado as Product Universals) com base na sua pertinência, como todos os motores de busca, e de os utilizadores nelas clicarem devido à sua utilidade e não porque aparecem. A visibilidade das Product Universals e das Shopping Units e os cliques que suscitam são a consequência da melhoria da qualidade dos resultados para produtos e dos anúncios para produtos da Google, bem como das preferências dos utilizadores. Assim, a experiência da Microsoft efetuada sobre o seu motor de pesquisa Bing, denominada Bing Algo Experiment, referida nos considerandos 460 e 461 da decisão recorrida, mostra que os utilizadores são sensíveis à pertinência dos resultados. A interversão de resultados menos pertinentes com os resultados mais pertinentes nas primeiras posições nas páginas gerais de resultados do Bing mostra que os utilizadores têm perceção da degradação da qualidade resultante da promoção dos resultados menos pertinentes e que adaptam imediatamente o seu comportamento. A Microsoft teve assim de cessar esta experiência após uma semana. Além disso, a Google sustenta que as imagens que figuram nas Product Universals ou nas Shopping Units permitem aos internautas avaliar mais facilmente a pertinência do resultado proposto, uma vez que têm uma visão geral do produto que procuram. Este facto leva a que cliquem de bom grado nesses resultados especializados ilustrados com imagens quando os consideram a priori úteis para a sua pesquisa, e vice‑versa. Os estudos de rastreamento dos comportamentos oculares de internautas (eyetracking em inglês ou oculométrie em francês), que a Google realizou, o mostram. As imagens são, portanto, um elemento de qualidade dos resultados para produtos da Google e não um elemento artificial destinado a suscitar cliques. Por conseguinte, se os utilizadores clicaram durante anos nas Product Universals e nas Shopping Units, foi devido à sua pertinência e não ao seu posicionamento ou apresentação. A Comissão nunca demonstrou o contrário. A este respeito, se a ascensão das plataformas comerciais não afetou o tráfego para o comparador de produtos da Google da mesma forma que o tráfego para os comparadores de produtos concorrentes, foi porque a Google, ao contrário destes últimos, inovou para os seus resultados e anúncios para produtos a fim de não se deixar ultrapassar pela Amazon e pelas outras plataformas comerciais, e não devido ao posicionamento e à apresentação das Product Universals e das Shopping Units como dá a entender a Comissão no considerando 517 da decisão recorrida.

400    A Comissão, o BEUC, a Foundem, o VDZ, o BDZV, a Visual Meta, a Twenga, a Kelkoo e a República Federal da Alemanha contestam os argumentos da Google.

2)      Apreciação do Tribunal Geral

401    Antes de mais, há que recordar que, na secção 7.2.3.3 da decisão recorrida, a Comissão fundamentou da seguinte forma o impacto favorável das práticas em causa no tráfego do comparador de produtos da Google.

402    A Comissão começou por indicar, nos considerandos 490 e 491 da decisão recorrida, que, antes do início dessas práticas, o comparador de produtos da Google não tinha sucesso e perdia cerca de 20 % do tráfego por ano. No considerando 492 desta decisão, a Comissão indicou que, após o lançamento das Product Universals nos Estados Unidos, em novembro de 2007, o comparador de produtos da Google duplicou o seu tráfego num mês. No considerando 493 desta decisão, a Comissão sublinhou que a própria Google gabava a eficácia dos anúncios constantes das Shopping Units para os vendedores. No considerando 494 desta decisão, a Comissão ilustrou, sob a forma de gráficos, a correlação entre a taxa de ativação ou de aparição (trigger rate) das Product Universals e, depois, das Shopping Units e o tráfego das páginas gerais de resultados da Google para o seu comparador de produtos durante os períodos em que estes tipos de resultados especializados tinham sido utilizados no Reino Unido, na Alemanha, nos Países Baixos e em França. Por exemplo, para o Reino Unido, o gráfico 37 ilustra esta correlação entre janeiro de 2008 e janeiro de 2013 para as Product Universals e o gráfico 38 ilustra‑a entre fevereiro de 2013 e dezembro de 2014 para as Shopping Units. Resulta destes dois gráficos que o tráfego para o comparador de produtos da Google passa de cerca de 5 milhões para cerca de 30 milhões de cliques por mês com as Product Universals e, depois, de cerca de 30 milhões para cerca de 120 milhões de cliques por mês com as Shopping Units.

403    Nos considerandos 495 e 496 da decisão recorrida, a Comissão apresentou a evolução comparada do tráfego das páginas gerais de resultados da Google para, respetivamente, os 361 comparadores de produtos concorrentes identificados pela Google e para o comparador de produtos da Google, e do início das práticas em causa em cada país até dezembro de 2016 no Reino Unido, na Alemanha, em França, em Espanha, em Itália, nos Países Baixos, na Dinamarca e na Polónia. Por exemplo, para o Reino Unido, o gráfico 45 ilustra, entre janeiro de 2008 e dezembro de 2016, uma redução de cerca de 25 milhões para cerca de 5 milhões de cliques por mês para os comparadores de produtos concorrentes e um aumento de um nível zero para cerca de 350 milhões de cliques por mês para o comparador de produtos da Google. Há que salientar que o tráfego para os comparadores de produtos concorrentes é apresentado como estável em Itália, nos Países Baixos, na Dinamarca e na Polónia, de forma coerente com o que é indicado na secção 7.2.3.2 relativa ao impacto das práticas em causa no tráfego para os comparadores de produtos concorrentes, mas que os gráficos 49 a 52 mostram, respetivamente, nestes quatro países um aumento significativo do tráfego dessas páginas para o comparador de produtos da Google.

404    Nos considerandos 497 a 501 da decisão recorrida, a Comissão forneceu indicações da mesma natureza numa base anual de 2011 a 2016, comparando o tráfego das páginas gerais de resultados da Google para amostras de comparadores de produtos concorrentes e para o comparador de produtos da Google no Reino Unido, na Alemanha, nos Países Baixos e em França. Estas amostras são as mesmas que as acima mencionadas no n.o 387, Com um tráfego nitidamente superior para as amostras nesses quatro países em 2011, o tráfego a favor do comparador da Google tornou‑se, em 2016, 14 vezes superior ao tráfego a favor da amostra no Reino Unido, mais de 2 vezes superior na Alemanha, mais de 2,7 vezes superior nos Países Baixos e mais de 4,7 vezes superior em França.

405    Além disso, na secção 7.3.2 da decisão recorrida, especificamente dedicada à avaliação da existência de efeitos anticoncorrenciais das práticas em causa na hipótese de o mercado dos serviços de comparação de produtos englobar também as plataformas comerciais, o segundo estudo, já acima referido no n.o 388, mostra, para cada um dos treze países nos quais a Comissão concluiu pela existência de um abuso de posição dominante da Google, um aumento por parte do comparador de produtos da Google no tráfego proveniente das suas páginas gerais de resultados em relação aos comparadores de produtos concorrentes e em relação às plataformas comerciais. Por exemplo, esse estudo indica, para a Bélgica, entre 2011 e 2016, um aumento por parte do comparador de produtos da Google de 0 a 22 % ou de 0 a 24 %, consoante os ajustamentos introduzidos. Para a Noruega, no mesmo período, o estudo indica um aumento por parte do comparador de produtos da Google de 0 a 32 % ou de 0 a 33 %, consoante os ajustamentos introduzidos.

406    No que respeita aos argumentos da Google, há que constatar que, tendo em conta a improcedência da primeira parte do terceiro fundamento de anulação examinado nesta fase, a premissa da primeira série de argumentos da Google, acima resumida no n.o 397, de que as práticas imputadas não provocaram uma redução de tráfego para os comparadores de produtos concorrentes, não pode, desde já, ser acolhida, tal como os argumentos dela dependentes que visam demonstrar que um aumento do tráfego a favor do comparador de produtos da Google não podia fazer‑se em detrimento dos comparadores concorrentes. Todavia, mesmo que a Comissão não tivesse demonstrado uma redução do tráfego para os comparadores de produtos concorrentes, esta primeira série de argumentos deveria ser rejeitada, uma vez que, seja como for, não é suscetível de demonstrar que uma parte do tráfego ganho pelo comparador de produtos da Google, ao estar mais visível nas suas páginas gerais de resultados do que os comparadores de produtos concorrentes, não teria ido para estes últimos sem as práticas em causa, ou seja, uma vez que não é suscetível de demonstrar que esse aumento não se fez em detrimento desses comparadores, cujo tráfego poderia aumentar na falta das práticas em causa, mesmo que não diminuísse. Quanto ao argumento avançado na réplica de que o desenvolvimento do tráfego para o comparador de produtos da Google não mudou após o lançamento do algoritmo Panda, este será adiante examinado nos n.os 414 a 418, com a terceira série de argumentos no sentido de que esse desenvolvimento resulta da pertinência das Product Universals e das Shopping Units, e não das práticas em causa, ou seja, com os argumentos que visam contestar a relação de causa e efeito entre estas práticas e o eventual aumento desse tráfego.

407    No que respeita à segunda série de argumentos da Google acima resumida no n.o 398, segundo a qual a Comissão exagerou o volume do tráfego recebido pelo seu comparador de produtos, há que referir, antes de mais, que decorre das notas 603, 604 e 606 da decisão recorrida, bem como das respostas da Google e da Comissão às questões do Tribunal Geral, que o tráfego das páginas gerais de resultados da Google para o seu comparador de produtos foi avaliado retomando os dados fornecidos e explicados pela Google. As partes não discordam quanto à exatidão dos dados em si mesmo, mas sim sobre os dados que devem ser utilizados para determinar o volume do tráfego recebido das páginas gerais de resultados da Google pelo seu comparador de produtos. A este respeito, para o período de utilização da denominação «Google Product Search» para a página especializada de pesquisa e de resultados, a Comissão considerou apenas os cliques que reencaminham o internauta para a página especializada com o mesmo nome, incluindo, para determinadas avaliações, os cliques efetuados num separador especializado do menu. No entanto, para o período de utilização da denominação «Google Shopping» para esta mesma página, a Comissão não só considerou os cliques que reencaminham o internauta para a página especializada com o mesmo nome, incluindo os cliques no separador Shopping que aparece no menu, mas também os cliques que reencaminham diretamente o internauta para um sítio vendedor a partir das Shopping Units. Em contrapartida, no seu recurso, através do quadro constante do n.o 269 da petição, a Google fornece números em que são contabilizados apenas os cliques nas Product Universals e nas Shopping Units que remeteram para a página especializada denominada Product Search e, posteriormente, Google Shopping.

408    O Tribunal Geral considera que devem ser rejeitadas as críticas da Google relativas à consideração dos cliques nos anúncios das Shopping Units e, sendo caso disso, dos cliques num separador do menu que remete para a página especializada Google Product Search ou Google Shopping, como o separador Shopping, na avaliação do tráfego do comparador de produtos da Google proveniente das suas páginas gerais de resultados.

409    Com efeito, por um lado, como já foi acima indicado nos n.os 328 a 339, os considerandos 26 a 35 e 414 a 421 da decisão recorrida fornecem fundamentação suficiente para concluir que o comparador de produtos da Google se apresentou sob várias formas, a saber, a página especializada, denominada ultimamente Google Shopping, os grupos de resultados para produtos, cuja última evolução foi as Product Universals, e os anúncios para produtos, cuja última evolução foram as Shopping Units.

410    Por outro lado, no que respeita à crítica relativa aos cliques no separador Shopping que figura no menu acima da página de resultados, é verdade que esses cliques são prévios à utilização do comparador de produtos. Todavia, indicam por definição a sua utilização, uma vez que significam que o internauta quer ver a página especializada desse comparador. Na petição, a Google precisa, aliás, no n.o 57, que cerca de 60 % dos internautas acedem a essa página especializada a partir do referido separador.

411    Além disso, a Comissão, como precisou em resposta a uma questão do Tribunal Geral sem impugnação da Google, nunca teve paralelamente em conta os cliques efetuados nessa página, o que poderia conduzir a uma dupla contagem para uma mesma pesquisa.

412    Por outro lado, o facto de a existência do separador Shopping na página geral de resultados não ter sido posto em causa pela Comissão por participar nas práticas anticoncorrenciais não impede, contrariamente ao que sustenta a Google, que a sua existência seja tida em conta para apreciar a evolução do tráfego da sua página geral de resultados para o seu comparador de produtos. É certo que indubitavelmente a totalidade desta evolução não se deve unicamente ao comportamento criticado da Google e o mesmo se aplica à totalidade da evolução do tráfego das páginas gerais de resultados da Google para os comparadores de produtos concorrentes. Todavia, em ambos os casos, existe uma correlação entre esse comportamento e a tendência geral destas evoluções e, a este respeito, é estabelecido por inúmeros elementos um nexo de causalidade, como foi acima recordado no n.o 383, no que respeita ao tráfego para os comparadores de produtos concorrentes e no n.o 402, no que respeita ao tráfego a favor do comparador de produtos da Google.

413    Em todo o caso, como sublinhou a Comissão nos seus articulados, a Google não indicou qual seria a evolução do tráfego das suas páginas gerais de resultados para o seu comparador de produtos se não fossem contabilizados os cliques no separador Shopping, mas apenas os cliques nas Shopping Units, apesar de ter fornecido à Comissão dados que distinguem esses diferentes cliques. Nestas condições, a Google não demonstrou que a Comissão tinha erradamente refletido a evolução desse tráfego devido às práticas que considerou anticoncorrenciais. Por conseguinte, também devem ser rejeitadas as críticas da mesma ordem formuladas pela Google contra o segundo estudo apresentado nos considerandos 612 e seguintes da decisão recorrida, na medida em que diz respeito ao tráfego das páginas gerais de resultados da Google para o seu próprio comparador de produtos.

414    No que respeita à terceira série de argumentos da Google acima resumida no n.o 399, segundo a qual os cliques nas Product Universals e nas Shopping Units refletiam a sua pertinência e as preferências dos utilizadores e não o impacto de práticas anticoncorrenciais, é incontestável que os internautas clicaram nesses resultados especializados e nesses anúncios para produtos porque os consideraram a priori úteis para as suas pesquisas de produtos, nomeadamente, por incluírem ou terem em conta informações interessantes para uma pesquisa especializada na matéria.

415    Os considerandos 372 a 377 da decisão recorrida, mencionados pela Comissão na sua contestação, vão neste sentido, como ilustra em substância o primeiro deles, segundo o qual «[i]ncluir imagens, preços e informações sobre o vendedor nos resultados de pesquisa para produtos aumenta a taxa de cliques [na ligação exibida]». A este respeito, há que sublinhar que a Comissão não se concentra, na própria decisão recorrida, no grau de desempenho intrínseco a que chegou o comparador de produtos da Google, como decorre dos considerandos 537 e 538 da decisão recorrida, embora tenha considerado que a Google nem sempre exibia os resultados dos comparadores de produtos mais pertinentes em lugar de destaque na sua página geral de resultados.

416    Como foi acima indicado, nos n.os 69, 369 e 376, o que a Comissão pôs em causa é a diferença de tratamento, nas páginas gerais de resultados da Google, entre o seu comparador de produtos e os comparadores concorrentes que permite aos resultados do primeiro ser muito visíveis, enquanto os resultados dos comparadores de produtos concorrentes só podem aparecer através dos resultados genéricos, além de estarem frequentemente mal posicionados.

417    Ora, também é incontestável que, se os internautas clicaram nos resultados especializados para produtos da Google, foi também porque esses resultados, a montante, eram valorizados nas páginas gerais de resultados da Google, o que corresponde a uma das componentes das práticas conjugadas imputadas à Google. Sem essa visibilidade, esses resultados não teriam sido tão frequentemente objeto de cliques, como mostram claramente, por um lado, os exemplos de correlação entre a taxa de ativação ou de aparição (trigger rate) das Product Universals e, depois, das Shopping Units e o tráfego, materializado pelos cliques dos internautas, das páginas gerais de resultados da Google a favor do seu comparador de produtos, mencionados no considerando 494 da decisão recorrida e, por outro, os elementos reportados no considerando 389 da decisão recorrida, relativos às posições expressadas pela Google, de que o posicionamento das Product Universals de cima para baixo na primeira página geral de resultados influencia significativamente o número de cliques nos seus resultados especializados.

418    A terceira série de argumentos da Google, baseada na qualidade do seu comparador de produtos, que visa impugnar o nexo de causalidade entre as práticas em causa e o aumento do tráfego das suas páginas gerais de resultados para o referido comparador de produtos, deve, portanto, ser igualmente rejeitada, uma vez que este nexo foi demonstrado, mesmo com a possibilidade de esse tráfico também ter evoluído em função das alterações introduzidas nesse comparador.

419    Faz igualmente parte da impugnação desse nexo de causalidade o argumento avançado na réplica pela Google, acima mencionado no n.o 397, de que o desenvolvimento do tráfego para o seu comparador de produtos não se alterou após o lançamento do algoritmo Panda. Todavia, admitindo que fosse exato, o argumento daí extraído colide igualmente com o facto de as práticas em causa serem práticas conjugadas que não dizem unicamente respeito aos algoritmos de ajustamento dos resultados genéricos, dos quais faz parte o Panda, mas dizem também respeito à maneira de apresentar os resultados especializados para produtos.

420    Em face do exposto, a segunda parte do terceiro fundamento da Google deve ser julgada improcedente. Como foi acima indicado nos n.os 356 e 357, há que examinar, portanto, o quarto fundamento da Google, segundo o qual as práticas que lhe são imputadas não tiveram impacto anticoncorrencial nos diferentes mercados identificados, tomando como dado adquirido as consequências materiais dessas práticas no tráfego das páginas gerais de resultados da Google para os diferentes comparadores de produtos, incluindo o seu, tal como estas consequências são apresentadas na decisão recorrida.

c)      Quanto à primeira parte do quarto fundamento, segundo a qual a Comissão especulou sobre os efeitos anticoncorrenciais das práticas em causa

1)      Argumentos das partes

421    Com o seu quarto fundamento, a Google sustenta que a Comissão não demonstrou que as práticas em causa tiveram efeitos anticoncorrenciais que, por sua vez, conduzissem simultaneamente a um aumento dos preços para os vendedores e para os consumidores e a uma redução da inovação. Na decisão recorrida, em especial, o papel dos concorrentes mais poderosos da Google na comparação de produtos, que são as plataformas comerciais, como a Amazon, não foi tido em conta nem foi dada qualquer explicação relativamente aos alegados efeitos nos preços e na inovação.

422    Mais especificamente, numa primeira parte, a Google sustenta que a decisão recorrida se baseia numa pura especulação no que respeita aos efeitos potenciais, sem examinar a situação e a evolução reais dos mercados. A CCIA faz a mesma crítica, designadamente, no que respeita aos aumentos de preços e à redução da inovação mencionados pela Comissão. A Google sublinha que, desse modo, no considerando 589 da decisão recorrida, se indica que o comportamento em causa é suscetível de ter, ou tem verosimilmente, efeitos anticoncorrenciais e, no considerando 593 da decisão recorrida, que pode potencialmente preterir os comparadores de produtos concorrentes do da Google e conduzir aos aumentos de preços e à redução da inovação acima referidos. Não foi de todo demonstrado que essas eventualidades se verificaram.

423    Ora, a decisão recorrida não assenta na demonstração de que o comportamento em causa é por natureza anticoncorrencial. Referindo‑se ao Acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 58), a Google sustenta que a Comissão devia, por esta primeira razão, provar os efeitos anticoncorrenciais concretos desse comportamento. Além disso, uma segunda razão nesse sentido decorre do Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 139), no qual o Tribunal de Justiça declarou que mesmo perante um comportamento em princípio abusivo de uma empresa em posição dominante, a Comissão não se pode contentar com elementos relativos à quota de mercado a que diz respeito esse comportamento para concluir que este é efetivamente abusivo, devendo ter em conta o conjunto das circunstâncias. No processo que deu origem a esse acórdão, o advogado‑geral indicou que devia ser efetuada uma análise de todos os efeitos (Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Intel Corporation/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2016:788, n.o 120). A Comissão procedeu desta forma no processo que deu origem à sua Decisão de 24 de março de 2004, relativa a um processo nos termos do artigo [102.o TFUE] e do artigo 54.o do Acordo EEE contra a Microsoft Corporation (Processo COMP/C‑3/37.792 — Microsoft) (JO 2007, L 32, p. 23), o que confirmou o Tribunal Geral no Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289).

424    Também não foi demonstrado que a Google detinha uma posição dominante nos mercados nacionais dos serviços de comparação de produtos, que significasse que, nesses mercados, a concorrência estava enfraquecida. Isto constitui uma terceira razão que impõe a identificação de efeitos de exclusão concretos nestes mercados.

425    Segundo a Google, o comportamento imputado consistia em melhorar, numa abordagem de concorrência pelo mérito, o serviço oferecido aos internautas a partir da sua página de pesquisa geral, exibindo os resultados de pesquisa especializada para produtos e os anúncios para produtos. Por esta quarta razão, impunha‑se a identificação de efeitos de exclusão concretos. Em situações semelhantes, a Comissão e o Tribunal Geral assim o fizeram. A Google refere‑se ao n.o 114 da Decisão da Comissão, de 21 de dezembro de 1988, relativa a um processo de aplicação dos artigos [101] e [102 TFUE] (processo IV/30.979 e 31.394, Decca Navigator System) (JO 1989, L 43, p. 27), e aos Acórdãos de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 140), e de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289, n.os 868, 869 e 1010). No caso, os argumentos da Google sobre a melhoria do serviço ao consumidor foram muito documentados e a Comissão deveria, por conseguinte, ter demonstrado que os efeitos anticoncorrenciais prevaleciam em relação ao interesse dessa melhoria.

426    Por último, uma vez que o comportamento imputado foi seguido durante muitos anos, os seus efeitos anticoncorrenciais ter‑se‑iam concretizado se fosse verdadeiramente nocivo para a concorrência. Esta duração deveria, portanto, ter levado, por uma quinta razão, a Comissão a verificar concretamente se era esse o caso. A Google e a CCIA sublinham que, no Acórdão de 12 de dezembro de 2018, Servier e o./Comissão (T‑691/14, pendente de recurso, EU:T:2018:922, n.os 1122 a 1128), o Tribunal Geral declarou que, quando o comportamento imputado já foi executado, a Comissão não pode, salvo em caso de restrição da concorrência pelo objeto, limitar‑se a demonstrar efeitos anticoncorrenciais potenciais, mas que deve demonstrar efeitos anticoncorrenciais reais, senão a distinção entre as restrições da concorrência pelo objeto e as restrições da concorrência por efeito seria ilusória. Embora esta apreciação do Tribunal Geral tenha sido formulada num caso de acordo anticoncorrencial, seria, no entanto, lógico aplicá‑la igualmente aos alegados casos de abuso de posição dominante. No caso vertente, as práticas imputadas à Google não têm um objeto anticoncorrencial e, por conseguinte, a Comissão deveria ter seguido esse critério. A demonstração da existência de efeitos reais teria, em todo o caso, permitido sustentar a probabilidade de efeitos potenciais, como a própria Comissão expõe no n.o 20 da sua Orientação sobre as prioridades na aplicação do artigo [102.o TFUE] a comportamentos de exclusão abusivos por parte de empresas em posição dominante (JO 2009, C 45, p. 7).

427    Ora, segundo a Google, a Comissão não demonstrou efeitos concretos. A secção 7.2.3 da decisão recorrida, a que se refere a Comissão para expor que teve em conta elementos concretos do mercado, examina apenas a evolução do tráfego das páginas gerais de resultados da Google para os comparadores de produtos concorrentes, mas não toda a sua frequentação. Na realidade, os elementos dos autos mostram que a Google não pode fazer aumentar os preços nem retardar a inovação e que a concorrência nos mercados dos serviços de comparação de produtos é vigorosa, dispondo os internautas de uma ampla escolha a este respeito, como constatou a Competition and Markets Authority (Autoridade da Concorrência e dos Mercados, Reino Unido) num estudo publicado em abril de 2017, intitulado «Online search: Consumer and firm behaviour» (Pesquisa em linha: comportamento dos consumidores e das empresas). No que respeita aos preços, a Google demonstrou justamente que tinham baixado para os vendedores que desejavam aparecer nas Shopping Units.

428    Além disso, em relação aos argumentos do BEUC de que a Google tinha prejudicado os consumidores ao reduzir as suas possibilidades de acesso a comparadores de produtos concorrentes e a mais vendedores, a Google recorda, em substância, que os seus critérios de pertinência dos resultados mostrados aos internautas nos resultados genéricos, nas Product Universals ou nas Shopping Units são objetivos, nomeadamente devido à utilização do Universal Search. A Comissão não pôs em causa, na decisão recorrida, os algoritmos de ajustamento dos resultados genéricos nem esses critérios de pertinência, e foi apenas a falta de comparadores de produtos concorrentes nas Product Universals ou nas Shopping Units que identificou como problemática. Por conseguinte, o BEUC avançou uma teoria que não foi adotada pela Comissão na decisão recorrida. Por outro lado, a Google sublinha que enviou milhares de milhões de cliques gratuitos de tráfego para os comparadores de produtos concorrentes nos dez anos anteriores à adoção da decisão recorrida e que alguns deles, como o Which? no Reino Unido, membro do BEUC, viram o seu tráfego proveniente das suas páginas gerais de resultados aumentar significativamente, como as plataformas comerciais. A Comissão não sustentou na decisão recorrida que a Google limitava as possibilidades de os consumidores acederem aos comparadores de preços concorrentes. A Google destaca estudos, designadamente entre os invocados pelo BEUC, para mostrar que os comparadores de produtos são muito utilizados pelos internautas. Refuta ser o ponto principal de entrada de uma pesquisa para produtos na Internet, indicando poder apoiar‑se a este respeito no processo na Comissão. Um dos estudos acima referidos indica, no que respeita ao Reino Unido, à Alemanha e à França, que os inícios de pesquisa de produtos na Internet feitos no motor de busca da Google e mesmo os percursos dessas pesquisas que utilizam num dado momento este motor estão longe de ser maioritários. Por outro lado, contrariamente ao que alega o BEUC, os pequenos vendedores aparecem nos anúncios que figuram nas páginas gerais de resultados da Google.

429    A Comissão e, em seu apoio, o BEUC, a Foundem, o VDZ, o BDZV, a Visual Meta, a Twenga, a Kelkoo e a República Federal da Alemanha contestam os argumentos da Google.

430    Em especial, a Twenga e a Kelkoo indicam que a redução do tráfego para os comparadores de produtos concorrentes do da Google proveniente das suas páginas gerais de resultados foi acompanhada de uma degradação da qualidade do seu próprio tráfego, ou seja, uma diminuição da taxa de conversão em compras das visitas aos sítios dos vendedores provenientes desses comparadores. Por outro lado, o tráfego do comparador de produtos da Google para os vendedores aumentou. A Twenga e a Kelkoo interessaram, portanto, menos os vendedores que, além disso, não tinham nenhum interesse em que as suas ofertas aparecessem em vários sítios Internet, sob pena de ver o seu próprio sítio de venda igualmente retrogradado nos resultados genéricos pelo algoritmo Panda que desclassificava os sítios com conteúdo semelhante. A Twenga fornece, a este respeito, exemplos de vendedores que lhe indicaram que renunciavam aos seus serviços, quer devido à redução da qualidade do tráfego dela proveniente quer porque, tendo optado por alimentar o comparador de produtos da Google, não desejavam permanecer presentes nos resultados de outro comparador. A Kelkoo acrescenta que a redução do tráfego para o seu sítio proveniente das páginas gerais de resultados da Google conduziu, por sua vez, a uma redução do tráfego direto para o seu sítio, que, como o tráfego proveniente dos resultados genéricos, é um tráfego «de qualidade» que gera boas taxas de conversão. Com efeito, o tráfego direto decorre de uma primeira visita na sequência de uma descoberta nos resultados genéricos.

431    Em termos mais gerais, o BEUC expõe que, ao limitar a visibilidade dos comparadores de produtos concorrentes nas suas páginas gerais de resultados e ao privilegiar o seu próprio comparador de produtos e os seus anúncios publicitários que são utilizados pelos maiores vendedores, a Google reduziu não só a concorrência no mercado da pesquisa especializada da comparação de produtos, mas também as possibilidades de os consumidores acederem a mais vendedores e de fazerem funcionar a concorrência entre eles. Sublinha que, no Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark (C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 20), o Tribunal de Justiça recordou que o artigo 102.o TFUE se refere não apenas às práticas que causam um prejuízo imediato aos consumidores, mas também àquelas que lhes causam prejuízo por falsearem o jogo da concorrência.

2)      Apreciação do Tribunal Geral

432    Os artigos 101.o e 102.o TFUE têm o mesmo objetivo, a saber, a preservação de uma concorrência não falseada no mercado interno, como passou a ser indicado no Protocolo n.o 27 relativo ao mercado interno e à concorrência, anexo ao Tratado de Lisboa (JO 2010, C 83, p. 309). A este respeito, as práticas anticoncorrenciais mencionadas nos dois artigos a título de exemplo são vizinhas, embora o artigo 101.o TFUE seja referente aos acordos entre empresas e o artigo 102.o TFUE às práticas unilaterais das empresas em posição dominante.

433    O objetivo de uma concorrência não falseada implica que a concorrência se exerça em bases leais que não sejam alteradas nem por acordos entre empresas que restringem ou eliminam a concorrência, nem por comportamentos unilaterais de empresas dominantes que abusem do seu poder no mercado para, igualmente, restringir ou eliminar a concorrência.

434    Uma concorrência leal, incluindo por parte de uma empresa dominante ou em vias de o ser, pode sem dúvida conduzir ao desaparecimento de concorrentes pelo jogo do mercado (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 133 e jurisprudência referida). Todavia, os comportamentos anticoncorrenciais, designadamente os comportamentos unilaterais, que traduzem uma conduta abusiva de uma empresa dominante e que podem também levar a esse desaparecimento, são proibidos.

435    No entanto, o artigo 102.o TFUE não distingue, contrariamente ao artigo 101.o TFUE, os comportamentos que têm por objeto impedir, restringir ou falsear a concorrência daqueles que, não tendo esse objeto, têm, no entanto, esse efeito.

436    No âmbito da aplicação do artigo 101.o TFUE, perante determinados comportamentos coletivos de empresas, a autoridade da concorrência que demonstre que o comportamento em causa tem um objeto anticoncorrencial não tem de demonstrar os seus efeitos anticoncorrenciais para o qualificar de ilegal. Assim, certas práticas colusivas, como a fixação de preços em comum no âmbito de cartéis, são consideradas tão nocivas e, portanto, anticoncorrenciais por natureza, que não é necessário, a este respeito, demonstrar os seus efeitos concretos nos mercados em causa (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.os 49 a 51).

437    Em contrapartida, o artigo 102.o TFUE dispõe apenas que é incompatível com o mercado interno e proibido explorar de forma abusiva uma posição dominante no mercado interno ou numa parte substancial deste. Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a exploração abusiva de uma posição dominante proibida por esta disposição é um conceito objetivo que visa, em especial, os comportamentos de uma empresa em posição dominante, que, num mercado em que, precisamente em consequência da presença da empresa em questão, o grau de concorrência já está enfraquecido, têm por efeito impedir, através do recurso a mecanismos diferentes dos que regulam a concorrência normal de produtos ou de serviços com base nas prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência ainda existente ou o desenvolvimento dessa concorrência (v. Acórdão de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, C‑280/08 P, EU:C:2010:603, n.o 174 e jurisprudência referida). As mesmas considerações são válidas quando os comportamentos em causa têm efeitos restritivos de concorrência em mercados conexos daquele em que a posição dominante é detida.

438    No que respeita às práticas de exclusão, deduziu‑se que a qualificação de abuso de posição dominante não pode ser adotada sem que seja feita a demonstração de um efeito anticoncorrencial, pelo menos de um efeito anticoncorrencial potencial, tendo‑se precisado que, na falta do mínimo efeito na situação concorrencial dos concorrentes, a qualificação de prática de exclusão abusiva destes últimos não pode ser aceite (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, C‑280/08 P, EU:C:2010:603, n.os 250 a 254; de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.os 61 a 66, e de 19 de abril de 2012, Tomra Systems e o./Comissão, C‑549/10 P, EU:C:2012:221, n.o 68).

439    Neste contexto, mesmo quando estão em causa comportamentos, em princípio, anticoncorrenciais de empresas dominantes, como os que visam obter dos clientes uma relação de compra exclusiva ou muito preferencial, sendo caso disso, através de descontos de fidelidade (v., neste sentido, Acórdão de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, EU:C:1979:36, n.o 89), se a empresa dominante em causa contestar, de forma documentada, que o seu comportamento teve capacidade para restringir a concorrência, a autoridade da concorrência encarregada do processo deve analisar todas as circunstâncias pertinentes para decidir do mesmo (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.o 68; de 6 de outubro de 2015, Post Danmark, C‑23/14, EU:C:2015:651, n.o 68, e de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.os 138 e 139).

440    A este respeito, quando a empresa posta em causa sustenta que o seu comportamento não é suscetível de ter efeitos anticoncorrenciais, mesmo potenciais, e fundamenta a sua argumentação em elementos relativos à evolução real do mercado, cabe à autoridade da concorrência examinar se esses elementos são de natureza a ter um impacto na sua apreciação da existência de efeitos anticoncorrenciais. Com efeito, tratando‑se de práticas efetivamente aplicadas e que apresentam, como no caso vertente, um caráter complexo, esses elementos são suscetíveis de constituir circunstâncias pertinentes que são de natureza a corroborar ou não a existência de uma infração ao artigo 102.o TFUE.

441    Decorre do exposto que, para concluir pela existência de um abuso de posição dominante da Google, a Comissão devia demonstrar os efeitos, pelo menos potenciais, resultantes do comportamento imputado de restrição ou de eliminação da concorrência nos mercados em causa, tendo em consideração todas as circunstâncias pertinentes, nomeadamente à luz dos argumentos apresentados pela Google para contestar que o seu comportamento teve capacidade de restringir a concorrência.

442    Em contrapartida, contrariamente ao que sustentam a Google ou a CCIA, a Comissão não era obrigada a identificar efeitos reais de exclusão pelo facto de a Google não ter sido dominante nos mercados nacionais dos serviços de comparação de produtos, de o seu comportamento participar na melhoria dos seus serviços em proveito dos consumidores e dos vendedores na Internet e de esse comportamento ter perdurado durante muitos anos. Essa exigência para com a Comissão seria contrária ao princípio, confirmado pelo juiz da União, segundo o qual a qualificação de abuso na aceção do artigo 102.o TFUE não pode ser excluída porque a prática em causa não teve, em definitivo, o resultado esperado (v., neste sentido, Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.os 64 e 65, e, mais especificamente no que respeita à duração do comportamento, Acórdão de 29 de março de 2012, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, T‑336/07, EU:T:2012:172, n.o 272).

443    A fortiori, a Comissão não era obrigada a demonstrar a realização efetiva de consequências possíveis da eliminação ou da restrição da concorrência, por exemplo, uma diminuição da inovação ou a existência de aumentos de preços não justificados por outra razão que não a falta de concorrência. A este respeito, reconhece‑se que o enfraquecimento da concorrência é fortemente suscetível de provocar tais consequências, conforme exposto nos n.os 11 e 19 da Orientação sobre as prioridades da Comissão na aplicação do artigo [102.o TFUE] a comportamentos de exclusão abusivos por parte de empresas em posição dominante.

444    Há que sublinhar que os argumentos de que as práticas em causa melhoraram a qualidade dos serviços, nomeadamente em benefício do consumidor, o que, do ponto de vista do interesse económico, contrabalançou os efeitos de exclusão identificados, e de que, portanto, essas práticas não foram abusivas, são argumentos que não pertencem a esta fase do exame da existência de efeitos das referidas práticas. Estes argumentos são, por conseguinte, inoperantes em apoio do fundamento segundo o qual a Comissão não demonstrou que as práticas em causa tinham efeitos anticoncorrenciais. No caso em apreço, já foram examinados em parte quando do exame da primeira parte do quinto fundamento e sê‑lo‑ão quanto ao restante posteriormente no âmbito do exame das terceiras partes dos primeiro e segundo fundamentos.

445    No presente caso, na decisão recorrida, a Comissão começou por analisar, na secção 7.2.3, as consequências materiais das práticas em causa no tráfego das páginas gerais de resultados da Google para os comparadores de produtos concorrentes e o comparador de produtos da Google. Resulta do exame do terceiro fundamento de anulação nas suas duas partes que a Comissão podia concluir legitimamente desta análise, relativamente aos diferentes mercados nacionais de serviços de comparação de produtos em causa, por um lado, que essas práticas tinham conduzido a um decréscimo desse tráfego para quase todos os comparadores de produtos concorrentes e, por outro, que essas práticas tinham conduzido a um aumento do tráfego para o comparador de produtos da Google. Estes efeitos materiais relativos ao tráfego proveniente das páginas gerais de resultados da Google foram amplamente documentados, conforme acima exemplificado nos n.os 383, 388 e 402 a 405, e pode‑se constatar que a Comissão demonstrou, a este respeito, efeitos reais, mais ou menos marcados consoante os países, mas, em todo o caso, significativos.

446    Em seguida, na secção 7.2.4 da decisão recorrida, a Comissão avaliou a quota de tráfego dos comparadores de produtos concorrentes proveniente das páginas gerais de resultados da Google no respetivo tráfego total (secção 7.2.4.1), antes de expor que esta quota não podia efetivamente ser substituída por outras fontes de tráfego (secção 7.2.4.2).

447    No que respeita ao primeiro aspeto acima mencionado no n.o 446, e tratado na secção 7.2.4.1 da decisão recorrida, a Comissão forneceu, sob a forma do quadro 24 da decisão recorrida, a repartição das fontes de tráfego de treze comparadores de produtos, a partir de 2011, durante seis anos (exceto para um deles, para o qual a duração é de quatro anos). A este respeito, distinguiu o tráfego proveniente dos resultados genéricos da Google, dos anúncios textuais da Google, da pesquisa direta (ou seja, o internauta vai para o sítio do comparador de produtos, eventualmente utilizando uma aplicação para dispositivo móvel, sem passar por um ligação intermédia) e de outras fontes (como os sítios Internet parceiros, os outros motores de busca ou as ligações que figuram em newsletters). A afirmação da Google de que a Comissão não examinou todas as fontes de frequentação dos comparadores de produtos (v. n.o 365, supra) é, portanto, inexata.

448    Resulta do quadro 24 constante da decisão recorrida que as quotas de tráfego proveniente dos resultados genéricos da Google eram bastante variáveis consoante os comparadores de produtos, indo de um pouco mais de 20 % (todavia com uma exceção a 13 % para um ano) a mais de 80 %, e que, numa ligeira maioria deles (sete), essas quotas decresciam ao longo dos anos. Estes decréscimos variam de 5 % a cerca de 50 %. Os quatro comparadores de produtos em que, pelo contrário, se pode observar um crescimento da quota de tráfego proveniente dos resultados genéricos da Google tiveram aumentos desta quota entre 5 e 65 %. Nos dois comparadores restantes, esta quota é mais ou menos estável. Esta análise intermédia fornece dados sobre a importância do tráfego proveniente das páginas gerais de resultados da Google para os comparadores de produtos seus concorrentes e mostra que, para uma maioria daqueles cujo tráfico foi estudado, a quota de tráfego proveniente dos resultados genéricos da Google decresceu ao longo dos anos. Não permite, por si só, tirar conclusões sobre a existência de efeitos anticoncorrenciais de exclusão no mercado, devidos ao comportamento da Google, uma vez que devem ser tidos em conta outros elementos a esse respeito, mas, baseada em elementos concretos, aliás não impugnados pela Google, é de natureza a contribuir para a demonstração da existência de tais efeitos.

449    No que respeita ao segundo aspeto acima mencionado no n.o 446, e tratado na secção 7.2.4.2 da decisão recorrida, a saber, a dificuldade de os comparadores de produtos concorrentes da Google substituírem o tráfego proveniente dos seus resultados genéricos por outras fontes, a Comissão aduziu diversas razões que a Google contesta no âmbito da terceira parte do seu quarto fundamento. Esta contestação, que incide sobre apreciações precisas da Comissão, não está ligada à crítica que corresponde à primeira parte deste fundamento, examinada nesta fase, segundo a qual a Comissão mais não fez do que especular sobre a existência de efeitos anticoncorrenciais das práticas em causa.

450    Por último, na secção 7.3 da decisão recorrida, a Comissão expôs que as práticas em causa têm efeitos anticoncorrenciais potenciais nos mercados nacionais da pesquisa especializada para a comparação de produtos e nos mercados nacionais da pesquisa geral.

451    A este respeito, no que se refere aos mercados nacionais da pesquisa especializada para a comparação de produtos, na secção 7.3.1 da decisão recorrida, apoiando‑se nas suas análises acima referidas nos n.os 445 e 446, a Comissão considerou, antes de mais, que as práticas em causa podem levar os comparadores de produtos concorrentes a cessar as suas atividades (considerando 594 da decisão recorrida). Entendeu igualmente que estas práticas podem reduzir os seus incentivos para inovar na medida em que deixam de poder razoavelmente esperar um tráfego suficiente para rivalizar com o comparador de produtos da Google e em que, se tentarem compensar a perda de tráfego proveniente dos resultados genéricos da Google com fontes de tráfego pagas, reduzem a sua receita disponível para a inovação (considerando 595 da decisão recorrida). Em seguida, a Comissão considerou que as práticas em causa podem reduzir os incentivos da própria Google para inovar relativamente ao seu serviço de comparação de produtos devido à menor concorrência a que tem de fazer face (considerando 596 da decisão recorrida). A Comissão considerou igualmente que as práticas em causa podem reduzir as possibilidades de os consumidores acederem aos comparadores de produtos mais eficientes. Invocou, a este respeito, a retrogradação dos resultados dos comparadores de produtos concorrentes numa má posição nos resultados genéricos (considerando 598 da decisão recorrida) e o facto de os consumidores não estarem, em geral, conscientes de que as Product Universals e as Shopping Units estão sujeitas a outros critérios de seleção que não os dos resultados genéricos (considerando 599 da decisão recorrida). A estrutura concorrencial dos mercados é assim afetada, uma vez que o sucesso do comparador de produtos da Google é artificialmente assegurado pela posição dominante desta última nos mercados da pesquisa geral e pelas práticas em causa (considerando 600 da decisão recorrida).

452    Por outro lado, em resposta à crítica expressa pela Google no procedimento administrativo relativa à falta de identificação de um comparador de produtos que tivesse cessado as suas atividades, quando centenas, entre os 361 identificados pela Google, estão ativos, a Comissão, após ter recordado que não é obrigada a demonstrar efeitos reais (considerando 602 da decisão recorrida), sustentou que, sem as práticas em causa, o número de comparadores de produtos que participam numa concorrência dinâmica poderia ser maior (considerando 603 da decisão recorrida). Depois, a Google apresentou vários testemunhos no sentido de que inúmeros comparadores de produtos entre esses 361 cessaram a sua atividade ou redirecionaram a mesma para outros serviços. Por exemplo, de acordo com um desses testemunhos, 38 % dos 361 comparadores de produtos cessaram a sua atividade e, de acordo com outro desses testemunhos, foram 21 % (considerando 604 da decisão recorrida).

453    Ainda no que respeita aos efeitos das práticas em causa nos mercados nacionais da pesquisa especializada para a comparação de produtos, na secção 7.3.2 da decisão recorrida, dedicada à análise dos efeitos na hipótese de as plataformas comerciais serem englobadas nesses mercados, a Comissão expressou, em substância, a ideia de que os efeitos por ela identificados são então exercidos no segmento de mercado dos comparadores de produtos, a saber, o segmento dos mais próximos concorrentes do comparador de produtos da Google (considerandos 609 e 610 da decisão recorrida). Sublinhou que, a contrario, as práticas em causa não têm efeitos negativos para as plataformas comerciais (considerando 611 da decisão recorrida). A Comissão também apresentou dois estudos, já tendo sido acima mencionado o segundo nos n.os 388 e 405, destinados a avaliar, nos treze países em que concluiu pela existência de um abuso de posição dominante da Google, em primeiro lugar, a quota dos comparadores de produtos nesses mercados e, em segundo lugar, as evoluções do tráfego das páginas gerais de resultados da Google para o seu comparador de produtos, para os comparadores de produtos concorrentes e para as plataformas comerciais. No que respeita às quotas de mercado, resulta, por exemplo, em função dos diferentes ajustamentos introduzidos, que a quota de mercado no Reino Unido dos comparadores de produtos (que agrupa o da Google e os seus concorrentes), que corresponde, portanto, à quota de mercado afetada pelas práticas em causa, está compreendida, entre 2011 e 2016, em intervalos que vão de 9 a 18 % até 12 a 24 %. Mais precisamente, ainda para o Reino Unido, consoante os ajustamentos introduzidos, decorre um aumento da quota de mercado do comparador de produtos da Google de 4 a 17 % ou de 6 a 22 %, uma diminuição da quota de mercado das plataformas comerciais de 89 a 81 %, ou de 83 a 76 % para as evoluções mais afastadas, e uma diminuição da quota de mercado dos comparadores de produtos concorrentes de 11 a 2 %, ou de 7 a 1 % para as evoluções mais afastadas (considerandos 612 a 639 e anexo 1 da decisão recorrida). No que respeita às evoluções do tráfego das páginas gerais de resultados da Google para o seu comparador de produtos, para os comparadores de produtos concorrentes e para as plataformas comerciais, resulta, como já foi acima mencionado nos n.os 388 e 405, um aumento geral do tráfego para o comparador de produtos da Google e uma redução geral do tráfego para os comparadores de produtos concorrentes. O tráfego para as plataformas comerciais está, antes, em ligeira diminuição, embora em alguns dos treze países em causa a evolução apareça mais errática, ou mesmo em alta. Para prosseguir com o exemplo do Reino Unido, em função dos ajustamentos introduzidos, entre 2011 e 2016, a quota do comparador de produtos da Google no tráfego proveniente das suas páginas gerais de resultados teve uma evolução de 11 a 46 % ou de 16 a 54 %, a quota dos comparadores de produtos concorrentes de 14 a 2 % ou de 22 a 3 % e a quota das plataformas comerciais de 75 a 52 % ou de 63 a 43 %.

454    No que diz respeito aos mercados dos serviços de comparação de produtos, decorre dessa análise em vários tempos acima resumida nos n.os 445 a 453 que a Comissão se baseou em elementos concretos relativos não só às evoluções de tráfego das páginas gerais de resultados da Google para os comparadores de produtos concorrentes e para o da Google e, subsidiariamente, para as plataformas comerciais, mas também à quota que representa o tráfego das páginas gerais de resultados da Google na totalidade do tráfego dos comparadores de produtos concorrentes, para deduzir, no termo de uma fundamentação argumentada, a existência de efeitos anticoncorrenciais potenciais nos mercados nacionais dos serviços de comparação de produtos.

455    Independentemente da questão de saber se, à luz dos outros argumentos apresentados pela Google no âmbito do seu quarto fundamento, essa análise dos efeitos pode ou não ser acolhida, a primeira parte deste fundamento, segundo a qual a Comissão procedeu a este respeito por pura especulação, deve, portanto, ser rejeitada no que respeita aos mercados dos serviços de comparação de produtos.

456    Em contrapartida, no que respeita aos mercados nacionais da pesquisa geral, na secção 7.3.3 da decisão recorrida, a Comissão limitou‑se a identificar os efeitos anticoncorrenciais resultantes das práticas em causa, mencionando que, ao tratar mais favoravelmente o seu comparador de produtos nas suas páginas gerais de resultados, a Google protege as receitas geradas dessas páginas por este serviço de pesquisa especializado, receitas que financiam o serviço de pesquisa geral (considerando 642). Constam dos autos documentos que mostram que a Google estava preocupada com as receitas publicitárias que podiam ser‑lhe retiradas pelos comparadores de produtos concorrentes ao desenvolverem‑se (considerando 643).

457    Estas únicas considerações são demasiado imprecisas para justificar a existência de efeitos anticoncorrenciais, ainda que potenciais, nos mercados nacionais da pesquisa geral. Não foi apresentada nenhuma análise da importância das receitas em causa e do impacto que podem ter na posição da Google e dos seus concorrentes nestes mercados. Por conseguinte, no que diz respeito a esses mercados, é com razão que a Google sustenta que a análise dos efeitos das práticas em causa efetuada pela Comissão foi puramente especulativa e que, assim, esses efeitos não foram provados.

458    A primeira parte do quarto fundamento da Google deve, portanto, ser julgada procedente no que diz respeito apenas aos mercados nacionais da pesquisa geral. As outras partes deste fundamento serão, por conseguinte, examinadas unicamente na medida em que sejam referentes aos mercados nacionais dos serviços de comparação de produtos.

459    Uma vez que, como foi acima recordado no n.o 438, para que um abuso de posição dominante ligado a uma prática de exclusão possa ser identificado como tal, a Comissão deve demonstrar que teve efeitos anticoncorrenciais, pelo menos potenciais, no ou nos mercados em causa, há que concluir, portanto, que a decisão recorrida é infundada na parte em que diz respeito a um abuso de posição dominante nos mercados nacionais da pesquisa geral.

d)      Quanto à segunda parte do quarto fundamento, segundo a qual o papel das plataformas comerciais não foi tido em conta na análise dos efeitos

460    No âmbito da segunda parte do seu quarto fundamento, a Google alega que a Comissão não teve em conta a pressão concorrencial exercida pelas plataformas comerciais, apesar de serem motores da concorrência e da inovação nos mercados dos serviços de comparação de produtos.

461    A Google sustenta, desde logo, que a delimitação do mercado dos serviços de comparação de produtos adotada pela Comissão está errada e, em seguida, que, em todo o caso, a pressão concorrencial das plataformas comerciais foi descurada na decisão recorrida.

1)      Quanto aos elementos da segunda parte do quarto fundamento, segundo os quais a delimitação do mercado de produtos está errada

i)      Argumentos das partes

462    A Google e a CCIA apresentam diferentes elementos destinados a demonstrar que as plataformas comerciais e os comparadores de produtos intervêm no mesmo mercado dos serviços de comparação de produtos. Umas e outros fornecem gratuitamente aos internautas as mesmas funcionalidades de pesquisa de produtos, nomeadamente, com indicações de preços. Os serviços propostos são, portanto, substituíveis, o que é suficiente para incluir os dois tipos de prestadores no mercado dos serviços de comparação de produtos, mesmo que as plataformas comerciais assegurem serviços adicionais. Três inquéritos apresentados pela Google à Comissão no procedimento administrativo, relativos à Alemanha, à França e ao Reino Unido, mostram que, na sua grande maioria, os consumidores consideram que a plataforma Amazon é um bom substituto dos comparadores de produtos mais conhecidos. Entendem que a Comissão impugnou erradamente o caráter probatório desses inquéritos pelo facto de as pessoas interrogadas não terem de justificar a sua resposta e de só ser mencionada a Amazon na questão. É certo que o estudo que a Comissão apresenta, por sua vez, na decisão recorrida, no considerando 220, ponto 6), para fundamentar a definição do mercado de produtos que adotou, não é referente à substituibilidade dos serviços das plataformas comerciais e dos serviços dos comparadores de produtos, mas indica, contudo, que a Amazon e a eBay são «exemplos de primeiro plano de plataformas multi‑retalhistas cujo formato oferece aos utilizadores uma funcionalidade importante de comparação dos preços». Por outro lado, vários estudos independentes mostram que a maioria dos internautas que desejam realizar uma compra começam a sua pesquisa numa plataforma comercial e só finalizam a sua compra depois de ter comparado produtos. Em resposta às intervenções do BEUC e do BDZV, a Google apresenta, além disso, uma decisão do Organismo Federal dos Cartéis alemão e uma decisão do Schleswig‑Holsteinisches Oberlandesgericht (Tribunal Regional Superior de Schleswig Holstein, Alemanha) que referem, em substância, que as plataformas comerciais são comparadores de produtos que asseguram, além disso, funções de intermediário de venda. A Google refuta também a argumentação avançada pelo BEUC de que as plataformas comerciais são lojas que vendem muitos produtos, enquanto os comparadores de produtos permitem comparar os preços de um mesmo produto proposto por diferentes lojas. Com efeito, uma plataforma comercial não é uma loja, mas agrupa as ofertas de inúmeras lojas e permite comparar gratuitamente os preços de um mesmo produto ou modelo, como os comparadores de produtos. O argumento da Comissão de que as plataformas comerciais dão raramente acesso aos maiores vendedores, o que implica que não são substituíveis pelos serviços de comparação de produtos, que transmitem as ofertas desses vendedores, é desmentido pelas respostas que as próprias plataformas deram à Comissão. Mesmo que o argumento seja correto, em nada altera a procura dos internautas que consideram que os dois tipos de sítios Internet são substituíveis para as suas pesquisas de comparação de produtos. A Comissão não demonstrou o contrário nem examinou verdadeiramente a substituibilidade no que respeita à procura dos internautas. Os documentos internos da Google elaborados in tempore non suspecto mostram que ela própria considera a Amazon e a eBay como líderes do mercado dos serviços de comparação de produtos e, em especial, a Amazon como uma referência e o seu principal concorrente que motivou as suas próprias inovações. Do mesmo modo, numerosos atestados juntos ao processo administrativo por fornecedores de serviços de pesquisa geral ou de comparação de produtos e por plataformas comerciais confirmam que estas últimas estão em concorrência com os comparadores de produtos.

463    Em vez de ter em conta estes elementos, a Comissão considerou diferenças superficiais entre os serviços das plataformas comerciais e os serviços dos comparadores de produtos, sem incidência na sua substituibilidade do ponto de vista da procura dos internautas, para concluir erradamente que as primeiras não exercem pressão concorrencial sobre os segundos. A CCIA sublinha que, no ponto 36 da sua Comunicação relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5), a Comissão indica que as diferenças nas características dos serviços não são, em si, suficientes para excluir a substituibilidade no que respeita à procura, dado que tal dependerá, em grande medida, da importância atribuída pelos clientes às diferentes características. Além disso, segundo a Google, uma das diferenças realçadas na contestação, a saber, que os comparadores de produtos concorrentes da Google não podem aparecer nas Shopping Units, contrariamente às plataformas comerciais, é inexata. Têm simplesmente de exibir uma ligação publicitária que redireciona diretamente para uma página Internet de compra, o que alguns fizeram. A Google dá três exemplos. Uma vez que o mercado de produtos em que o comportamento imputado teve efeitos anticoncorrenciais foi definido como o mercado dos serviços de comparação de produtos, a Comissão deveria não só ter examinado de que alternativas dispunham os internautas para efetuar na Internet essa comparação antes de proceder a uma compra, o que lhe teria permitido concluir que havia as plataformas comerciais e os comparadores de produtos, mas também explicado como a Google, que sustentava que a ameaça concorrencial vinha das plataformas comerciais, podia considerar aumentar de forma sustentável os preços das suas prestações que permitiam aparecer nas suas páginas de resultados sem correr o risco de perder anunciantes para as plataformas comerciais. Os serviços adicionais oferecidos por essas plataformas em relação aos serviços dos comparadores de produtos, identificados pela Comissão como fatores de diferenciação, mais não fazem do que, pelo contrário, reforçar a concorrência que exercem essas plataformas para com os comparadores de produtos. Explicam, aliás, que as primeiras estão mais bem classificadas nos resultados de pesquisa geral da Google pelo algoritmo Panda e que o tráfego induzido a seu favor melhorou, ao passo que o tráfego a favor dos comparadores de produtos diminuiu. É por esta razão que vários desses comparadores procuram oferecer também esses serviços adicionais, como o serviço que permite proceder diretamente a uma compra. A própria Google começou a introduzir esse serviço, apesar de ter sobretudo apostado na melhoria da qualidade das suas respostas às consultas dos internautas para fazer concorrência às plataformas comerciais no respeitante à pesquisa de produtos. Por outro lado, o facto de as plataformas comerciais e os comparadores de produtos, como a Amazon e a Google, estabelecerem relações de natureza vertical, nomeadamente, de os segundos remeterem para as ofertas propostas pelas primeiras e de estas serem os seus principais clientes, como sublinhou a Comissão no considerando 220 da decisão recorrida, em nada altera a necessidade de a Comissão examinar a substituibilidade dos seus serviços e os elementos apresentados para mostrar que se fazem concorrência. Ao argumento exposto pela Twenga no seu articulado de intervenção de que as plataformas comerciais operam a jusante da Google e dependem amplamente do tráfego proveniente das suas páginas gerais de resultados, a Google observa que este último fundamento não consta da decisão recorrida e contesta tanto a admissibilidade como o caráter probatório do estudo relativo à França apresentado a este respeito pela Twenga. De acordo com os elementos apresentados pela Google em apoio da petição, o essencial do tráfego das plataformas comerciais é direto, o que contradiz o número de 46 % correspondente ao tráfego proveniente das suas páginas gerais de resultados avançado pela Twenga. Na réplica, a Google precisa que o tráfego das plataformas comerciais proveniente dos comparadores de produtos é ínfimo em relação à totalidade do seu tráfego. A Google sustenta, por outro lado, que, na sua contestação, a Comissão procura inverter o ónus da prova, sustentando que deveria demonstrar que os internautas também vão aos sítios Internet das plataformas comerciais para efetuar pesquisas comparadas para a compra de produtos e não apenas para proceder a compras, quando incumbe à Comissão demonstrar que não é o caso se pretender excluir essas plataformas do mercado relevante. Os elementos do processo administrativo não lhe permitem fazer essa demonstração. Em especial, o facto de resultar de um estudo de 2014 que os internautas consideram que as plataformas comerciais são principalmente dedicadas à compra de produtos não indica em que medida são utilizadas as suas funções de pesquisa comparativa. A Google insistiu, nomeadamente na audiência, no facto de o mercado em causa considerado na decisão recorrida ser, como decorre do seu considerando 191, apenas o mercado dos serviços de comparação de produtos fornecidos aos internautas, para os quais as plataformas comerciais e as comparadoras de produtos são intermutáveis, e não o mercado dos serviços prestados aos vendedores na Internet. De resto, é inexato que as plataformas comerciais não trabalhem com grandes vendedores, enquanto os comparadores de produtos privilegiam esses parceiros. Por último, as considerações expressas na decisão recorrida nos considerandos 224 a 226 relativas às diferenças do ponto de vista da oferta não são pertinentes, uma vez que existe uma substituibilidade do lado da procura dos internautas.

464    Sobre este aspeto, apoiada nos seus diferentes argumentos pela maioria dos intervenientes a seu favor, a Comissão sublinha que, na petição, a Google não põe claramente em causa o mercado relevante de produtos considerado na decisão recorrida, limitado aos comparadores de produtos. Por conseguinte, uma vez que as plataformas comerciais estão fora desse mercado, não podem, por definição, ter um grande poder de mercado. Na tréplica, a Comissão sublinha que os argumentos da Google sobre a pressão concorrencial das plataformas comerciais dizem respeito à avaliação dos efeitos do comportamento imputado, mas não à definição do mercado relevante, que deve intervir a montante na análise concorrencial.

465    Em todo o caso, a Comissão contesta que os comparadores de produtos e as plataformas comerciais pertençam ao mesmo mercado de produtos. Por conseguinte, segundo a Comissão, não era necessário determinar a quota de mercado das plataformas comerciais num mercado que as agrupa com os comparadores de produtos.

ii)    Apreciação do Tribunal Geral

466    Há que recordar que, no âmbito de uma análise concorrencial, um mercado corresponde ao campo de encontro de uma oferta e de uma procura no qual se exerce ou pode exercer a concorrência. É feita, tradicionalmente, uma distinção entre o aspeto material do mercado (o mercado de produtos), que determina os bens ou os serviços (consoante o que as empresas em causa oferecem) que entram em concorrência, e o aspeto espacial do mercado (o mercado geográfico), que determina a extensão em que se exerce a concorrência em relação a determinados utilizadores.

467    A este respeito, na Comunicação relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência, a Comissão precisa que o principal objeto da definição de mercado consiste em identificar de uma forma sistemática os condicionalismos concorrenciais que as empresas em causa têm de enfrentar, mas permite também a análise de determinados comportamentos no mercado e a análise de transformações estruturais na oferta de produtos (n.os 2 e 12 da Comunicação). A Comissão refere mais especificamente que o «mercado de produto relevante compreende todos os produtos e/ou serviços consideradas permutáveis ou substituíveis pelo consumidor devido às suas características, preços e utilização pretendida» (n.o 7 da Comunicação). A Comissão indica ainda no n.o 20 da Comunicação o seguinte:

«A substituibilidade do lado da oferta pode igualmente ser tomada em consideração na definição dos mercados [se esta substituibilidade tiver] efeitos […] equivalentes aos da substituição do lado da procura em termos de eficácia e efeito imediato. Tal requer que os fornecedores possam transferir a sua produção para os produtos relevantes e comercializá‑los a curto prazo sem incorrer em custos ou riscos suplementares significativos [[…]]»

468    Conforme acima indicado nos n.os 42 a 52, a Comissão identificou na decisão recorrida dois mercados distintos de produtos em causa no processo, o mercado da pesquisa geral na Internet e o mercado da pesquisa especializada de comparação de produtos na Internet. No que respeita a este segundo mercado, a Comissão excluiu as plataformas comerciais com o fundamento de que os seus serviços eram pouco substituíveis aos serviços de comparação de produtos.

469    No caso em apreço, a Google não põe em causa a delimitação do mercado de produtos no qual foi identificada em posição dominante, a saber, o mercado da pesquisa geral na Internet, que tem como atores os motores de pesquisa geral. Também não põe em causa a existência do mercado da pesquisa especializada de comparação de produtos, mas contesta que agrupe apenas os comparadores de produtos, sem incluir as plataformas comerciais que oferecem igualmente serviços de comparação de produtos.

470    Embora só formule esta alegação no âmbito do seu quarto fundamento, relativo, em substância, ao facto de as práticas que lhe são imputadas não serem suscetíveis de ter efeitos anticoncorrenciais, a Google põe efetivamente em causa, como decorre dos n.os 313 e seguintes da petição, a delimitação desse mercado adotada pela Comissão, contrariamente ao que esta sustenta em defesa. Há que rejeitar, portanto, o argumento da Comissão de que a Google não põe em causa a delimitação do mercado de produtos da pesquisa especializada de comparação de produtos. É, efetivamente, claramente posta em causa pela Google que, como acima resulta dos n.os 462 e 463, se baseia em inúmeros argumentos. Pouco importa que o faça não a título de fundamento autónomo, mas no quadro de uma argumentação mais geral avançada no âmbito da parte de um fundamento segundo a qual não foi considerada a pressão concorrencial das plataformas comerciais. Assim, nos termos do artigo 21.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao processo no Tribunal Geral, por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto, e do artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo, a petição deve, nomeadamente, conter o objeto do litígio, os fundamentos e argumentos invocados e uma exposição sumária dos referidos fundamentos, de forma suficientemente clara e precisa para permitir ao recorrido preparar a sua defesa e ao Tribunal Geral conhecer do recurso, sendo caso disso, sem ter de solicitar outras informações (v. Acórdão de 12 de dezembro de 2019, Tàpias/Conselho, T‑527/16, EU:T:2019:856, n.os 64 e 65 e jurisprudência referida). Estes requisitos foram cumpridos. Por conseguinte, o argumento da Google de que a Comissão cometeu um erro de análise na delimitação do mercado de produtos dos serviços de comparação de produtos é admissível e deve ser examinado.

471    A este respeito, foi decidido que, para ser considerado, para efeitos de aplicação do artigo 102.o TFUE, objeto de um mercado suficientemente distinto, o serviço ou o bem em causa deve poder ser individualizado por características particulares que o diferenciem de outros serviços ou bens a ponto de ser pouco intermutável com eles e sofrer a sua concorrência apenas de maneira pouco sensível. Neste quadro, o grau de intermutabilidade entre produtos deve ser avaliado em função das características objetivas destes, bem como em função da estrutura da procura, da oferta no mercado e das condições de concorrência (Acórdão de 21 de outubro de 1997, Deutsche Bahn/Comissão, T‑229/94, EU:T:1997:155, n.o 54).

472    No caso vertente, a questão é saber, atendendo aos argumentos invocados, se, na decisão recorrida, a Comissão demonstrou suficientemente que os serviços de comparação de produtos oferecidos pelos comparadores de produtos tinham características particulares que os diferenciavam dos serviços de comparação de produtos oferecidos pelas plataformas comerciais, ou inversamente, a ponto de uns e outros serem pouco intermutáveis e de existir entre eles apenas uma concorrência pouco sensível.

473    Importa sublinhar que está em causa um mercado biface, a saber, um mercado em que os oferentes respondem simultaneamente a duas procuras distintas de pessoas de tipo diferente, por um lado, a procura dos internautas que desejam comparar as características e os preços dos produtos antes de procederem posteriormente à respetiva compra e, por outro, a procura das pessoas que desejam vender os seus produtos que alimentam as bases de dados dos que fornecem informações sobre os seus produtos para efeitos de tal comparação com o objetivo de serem comprados pelos internautas, sendo precisado que a eventual transação entre os compradores e os vendedores terá lugar, sendo caso disso, noutro mercado. No caso em apreço, os oferentes em relação aos quais é necessário determinar se participam do mesmo mercado de serviços de comparação de produtos fazem parte de duas categorias, a categoria dos «simples» comparadores de produtos e a categoria das plataformas comerciais, e do lado da procura há, numa das faces do mercado biface, internautas e, na outra face do mesmo mercado, vendedores na Internet.

474    O Tribunal Geral salienta que, contrariamente ao que a Google sustenta, a Comissão não reduziu o mercado dos serviços de comparação de produtos em causa apenas à face que interessa aos internautas. Com efeito, o considerando 191 da decisão recorrida, invocado a este respeito pela Google, apenas contém uma definição desses serviços que pode ser entendida, aliás, no sentido de que estes interessam tanto aos internautas como aos vendedores na Internet. A demonstração da Comissão que visa delimitar os contornos deste mercado comporta, pelo contrário, na decisão recorrida, não só uma análise das características da procura do ponto de vista dos internautas, mas também uma análise das características da procura do ponto de vista dos vendedores na Internet.

475    Por exemplo, no considerando 195 da decisão recorrida, quando examina se os serviços de comparação de produtos e os outros serviços de pesquisa especializada são substituíveis, a Comissão faz referência às equipas comerciais necessárias para celebrar acordos com os vendedores na Internet dos produtos ou dos serviços que serão in fine vendidos, o que demonstra que também considera a face do mercado em que os oferentes são os serviços de pesquisa especializada examinados e os vendedores na Internet quem procura. Do mesmo modo, no considerando 197 dessa decisão, quando examina se os serviços de comparação de produtos e os serviços publicitários são substituíveis, a Comissão expõe que esses serviços não são substituíveis, tanto do ponto de vista dos internautas como dos vendedores na Internet. Relativamente à questão da substituibilidade dos comparadores de produtos e das plataformas comerciais, a Comissão começa por examinar a substituibilidade do ponto de vista da procura dos internautas (considerandos 218 a 220) e depois do ponto de vista da procura dos vendedores na Internet (considerandos 221 a 223). Em seguida, analisa as características da oferta proposta pelos comparadores de produtos e pelas plataformas comerciais aos internautas (considerando 225) e aos vendedores na Internet (considerando 226). Por último, a Comissão refuta argumentos da Google que vão no sentido da substituibilidade entre comparadores de produtos e plataformas comerciais, que dizem respeito tanto à face do mercado que interessa aos internautas como à face do mercado que interessa aos vendedores na Internet (considerandos 227 a 245).

476    Assim, as duas faces do mercado em causa foram efetivamente examinadas pela Comissão, especialmente, para chegar à conclusão de que as plataformas comerciais não participavam do mesmo mercado dos serviços de comparação de produtos que os comparadores de produtos. Por conseguinte, a Comissão não reduziu o mercado a uma das suas faces.

477    Ora, como sublinhou o BDZV no seu articulado de intervenção, a circunstância de, para responder à procura numa das faces de um mercado biface, os serviços de duas categorias de oferentes poderem ser amplamente intermutáveis não significa necessariamente que seja assim na outra face desse mercado no que respeita à outra procura aí expressa. Com efeito, uma vez que, num mercado biface, quem procura é diferente em cada face do mercado, não se pode presumir que a questão da substituibilidade dos serviços se resolve da mesma maneira para cada uma dessas faces.

478    Por conseguinte, há que verificar se, para uma ou outra das duas faces do mercado dos serviços de comparação de produtos, a Comissão demonstrou suficientemente, atendendo às críticas emitidas pela Google, que os serviços oferecidos pelos comparadores de produtos tinham características particulares que os diferenciavam dos serviços de comparação de produtos oferecidos pelas plataformas comerciais, ou inversamente, a ponto de uns e outros serem pouco intermutáveis e de existir entre eles apenas uma concorrência pouco sensível.

479    Na decisão recorrida, a Comissão indicou, no considerando 217, que, embora os comparadores de produtos e as plataformas comerciais ofereçam serviços de comparação de produtos, são para diferentes utilizações, tanto do ponto de vista dos internautas como dos vendedores na Internet.

480    A este respeito, relativamente à procura dos internautas, a Comissão salientou, nos considerandos 218 e 219 da decisão recorrida, que os comparadores de produtos agem como intermediários entre os internautas e os vendedores individuais ou as plataformas comerciais, permitindo a comparação de diferentes ofertas de produtos, que não dão a possibilidade de comprar no seu próprio sítio Internet, mas redirecionam, pelo contrário, os internautas para os sítios dos vendedores, que não garantem um serviço pós‑venda nem a retoma dos produtos e que só catalogam ofertas de produtos novos, ao passo que as plataformas comerciais permitem proceder a compras no seu próprio sítio, incluído de produtos não vendidos por elas, por vezes de ocasião e vendidos por não profissionais, que são vistas como vendedores multimarcas, isto é, como locais de compra, e que elas ofereciam um serviço pós‑venda, a retoma dos produtos e até, para algumas delas, mecanismos de indemnização se houvesse um problema. A este respeito, a Comissão baseou‑se em numerosas declarações de empresas que participaram no processo e salientou, além disso, no considerando 220, ponto 3), da decisão recorrida, que a maioria dos comparadores de produtos por ela interrogados consideravam, acima de tudo, as plataformas comerciais como parceiros e não concorrentes, e vice‑versa. O considerando 220, ponto 5), ou o considerando 223, ponto 1), da decisão recorrida indicam que os documentos internos da Google mostram que esta não coloca no mesmo plano as duas categorias de atores.

481    É certo que, como sustenta a Google, o facto de as plataformas comerciais assegurarem muito mais funções do que os comparadores de produtos e de serem clientes dos comparadores de produtos não demonstra, por si só, que, no que respeita unicamente aos serviços de comparação de produtos oferecidos aos internautas, os propostos pelas duas categorias de atores são pouco intermutáveis e que apenas fazem entre si uma concorrência pouco sensível, ou seja, que respondem a utilizações diferentes.

482    No entanto, a decisão recorrida contém outros elementos que sustentam ser esse o caso.

483    Decorre dos elementos acima recordados no n.o 480, que, para os internautas, as plataformas comerciais aparecem, acima de tudo, como locais de compra que asseguram todas as funções tradicionais da venda, incluindo, sendo caso disso, quando servem de balcão de venda a não profissionais, ao passo que os comparadores de produtos têm, sobretudo, uma função informativa.

484    A este respeito, a Comissão indica, no considerando 228 da decisão recorrida, que os comparadores de produtos propõem em geral um leque mais amplo de ofertas do que as plataformas comerciais, que inclui precisamente as ofertas destas últimas. Por conseguinte, mesmo que haja uma certa sobreposição entre as bases de dados das plataformas comerciais e as bases de dados dos comparadores de produtos, os comparadores de produtos aparecem como uma ferramenta de pesquisa muito mais potente em termos de extensão da pesquisa do que os serviços de comparação de produtos das plataformas comerciais que se limitam ao perímetro das suas próprias ofertas e das ofertas unicamente dos vendedores que quiseram confiar a uma plataforma comercial a comercialização da totalidade ou de parte dos seus produtos.

485    O único elemento concreto avançado pela Google contra a apreciação que consta do considerando 228 da decisão recorrida, a saber, que, segundo um documento público da Amazon, apresentado no anexo A130 da petição, esta plataforma reunia, em 2014, a nível mundial, mais de dois milhões de vendedores na Internet que venderam mais de dois mil milhões de produtos, é insuficiente para pôr em causa esta apreciação. Com efeito, só diz respeito a um operador e os números avançados são agregados a nível mundial, o que não permite uma eventual apreciação em relação a comparadores de produtos ativos em um ou outro dos treze países abrangidos pela decisão recorrida.

486    A utilização de uma ou outra ferramenta de pesquisa, do ponto de vista dos internautas, afigura‑se assim diferente, uma vez que a consulta de um comparador de produtos visa obter uma seleção de ofertas de produtos provenientes de todo o mercado, enquanto a consulta do serviço de comparação de produtos de uma plataforma comercial visa apenas obter uma seleção de ofertas que emanam desta única plataforma, com a possibilidade, porém, de proceder imediatamente, nessa seleção, à compra do produto pesquisado.

487    Além disso, no considerando 232 da decisão recorrida, a Comissão expõe o seu parecer sobre um estudo da Autoridade da Concorrência e dos Mercados do Reino Unido apresentado pela Google que sublinhou que esta autoridade referiu que a utilização de um dos dois tipos de ferramentas de pesquisa não é exclusiva da utilização do outro para os internautas, uma vez que alguns utilizam um e depois o outro durante a mesma pesquisa de produto. Ora, o extrato desse estudo citado na decisão recorrida mostra, sem dúvida, que uma pesquisa de produtos pode começar por uma ou outra dessas ferramentas e ser afinada ou completada com a segunda, mas indica também que a consulta da plataforma comercial visa obter apreciações sobre a qualidade deste ou daquele produto, ao passo que a consulta do comparador de produtos visa encontrar o melhor preço para um produto no mercado, o que confirma uma utilização diferente de cada uma das ferramentas do ponto de vista dos internautas. Esse estudo não pode, portanto, ser validamente invocado pela Google para demonstrar que as plataformas comerciais e os comparadores de produtos são intermutáveis para os internautas.

488    Por último, há que ter em consideração o que é exposto no considerando 220, ponto 3), da decisão recorrida e detalhado no seu considerando 235 em resposta aos argumentos da Google de que, maioritariamente, os comparadores de produtos e as plataformas comerciais que a Comissão interrogou no procedimento administrativo não se consideram mutuamente concorrentes diretos, apesar de a Google ter apresentado outras respostas no sentido de uma substituibilidade dos seus serviços de comparação de produtos e de existirem respostas mitigadas.

489    A este respeito, a relação entre as plataformas comerciais e os comparadores de produtos não é uma simples relação cliente‑fornecedor para o fornecimento de um produto ou serviço, o que não exclui, a jusante, a concorrência, mas leva os comparadores de produtos a dar a conhecer a todos os internautas, mais frequentemente sob forma publicitária, as ofertas das plataformas comerciais. Ora, essa situação seria pouco plausível se as duas categorias de atores fossem diretamente concorrentes.

490    A conclusão, a partir destes elementos, de que, do ponto de vista dos internautas, os comparadores de produtos e as plataformas comerciais respondem a utilizações diferentes e estão, portanto, em mercados diferentes, não pode ser posta em causa pela posição da Google, que contesta incidentalmente a análise constante dos considerandos 221 e 222 da decisão recorrida, relativa às características da procura do ponto de vista dos vendedores na Internet, mesmo que esta fosse aceite. Nestes considerandos, a Comissão invoca elementos dos quais se pode deduzir que os vendedores que aparecem nos resultados dos comparadores de produtos são antes grandes vendedores, ao passo que os que surgem nos resultados de comparação de produtos das plataformas comerciais são antes pequenos e médios vendedores. Ora, embora as plataformas comerciais e os comparadores de produtos proponham globalmente ofertas provenientes das mesmas categorias de vendedores, como sustenta a Google, isto não altera o facto de os internautas utilizarem os serviços de comparação de produtos de umas e outros numa perspetiva diferente, como decorre dos n.os 486 e 487, supra.

491    Por conseguinte, os argumentos apresentados pela Google não permitem considerar que a Comissão cometeu um erro de apreciação ao entender que, para os internautas, os serviços de comparação de produtos oferecidos pelos comparadores de produtos e os serviços oferecidos pelas plataformas comerciais eram pouco intermutáveis e só se dedicavam a uma concorrência pouco sensível, ou seja, que as duas categorias de atores da Internet não participavam, a este respeito, do mesmo mercado de produtos.

492    Relativamente à face do mercado que interessa os vendedores na Internet, nos considerandos 221 e 222 da decisão recorrida, a Comissão expôs, como foi acima referido no n.o 490, que os comparadores de produtos têm tendência a exibir as ofertas de grandes vendedores na Internet que querem manter o controlo da comercialização dos seus produtos, ao passo que as plataformas comerciais têm antes tendência a exibir as ofertas de pequenos e médios vendedores, eventualmente não profissionais, que não desejam ou não podem assumir por si próprios a função de venda em linha na Internet. O que mostra, em substância, que os comparadores de produtos e as plataformas comerciais têm clientelas muito diferentes e estão, portanto, em mercados diferentes no que diz respeito aos vendedores na Internet. A Comissão justifica esta afirmação com as respostas de comparadores de produtos e de plataformas comerciais às suas questões, resumidas no considerando 223, pontos 2) a 6), da decisão recorrida.

493    Ora, não se pode deixar de observar que, no seu recurso, como, de resto, confirmou na audiência, a Google não contesta a análise da Comissão relativa à face do mercado que interessa aos vendedores na Internet, uma vez que sustenta, embora sem razão, conforme acima exposto nos n.os 463 e 474, que a Comissão não se concentrou nessa face do mercado. A este respeito, é significativo que a Google não reitere o argumento que tinha apresentado no procedimento administrativo segundo o qual, para se assegurar da extensão do mercado, a Comissão deveria ter procedido a um teste de hipótese de aumento de preços (small but significant and nontransitory increase in price ou SSNIP) junto dos vendedores na Internet. O único elemento que a Google apresenta para impugnar o facto de os comparadores de produtos e as plataformas comerciais proporem os seus serviços a tipos diferentes de vendedores, a saber, o anexo A129 da petição que contém declarações de plataformas comerciais que referem exibir o leque completo de vendedores na Internet, incluindo os grandes vendedores, visa, como foi indicado anteriormente, a discussão sobre a substituibilidade dos serviços do ponto de vista dos internautas. Além disso, admitindo que essas declarações das plataformas comerciais sejam efetivamente amplamente verificadas, não significam necessariamente que os vendedores na Internet considerem serviços intermutáveis os serviços dos comparadores de produtos e os serviços das plataformas comerciais. Em especial, a Comissão sublinhou na decisão recorrida que, ao recorrer a um ou outro canal, os modelos de venda eram sensivelmente diferentes no que respeita à autonomia comercial do vendedor na Internet, o que significa, salvo prova em contrário que não se fez no caso vertente, que os vendedores recorrerão a um ou outro canal em função das suas próprias características ou escolhas comerciais e que, se alguns utilizam ao mesmo tempo os dois canais, é a título complementar para alargar os seus meios de venda, recorrendo precisamente de forma simultânea a dois modelos distintos.

494    Há que considerar, portanto, que a Comissão demonstrou que, para esses vendedores, os serviços dos comparadores de produtos e os serviços das plataformas comerciais são igualmente pouco intermutáveis e fazem entre si apenas uma concorrência pouco sensível.

495    Nestas condições, a delimitação do mercado dos serviços de comparação de produtos em que opera a Google adotada na decisão recorrida deve ser considerada correta e é com base nesta premissa que importa prosseguir o exame da segunda parte do quarto fundamento, tendo em consideração todavia o facto de a Comissão ter procedido, na secção 7.3.2 da decisão recorrida, a uma análise subsidiária dos efeitos das práticas em causa na hipótese de esse mercado incluir também as plataformas comerciais.

2)      Quanto aos elementos da segunda parte do quarto fundamento, segundo os quais a pressão concorrencial das plataformas comerciais foi, em todo o caso, descurada

i)      Argumentos das partes

496    A Google precisa que o facto de não ser tida em conta a pressão concorrencial das plataformas comerciais na decisão recorrida constitui um erro de direito. Esta pressão impede que se conclua que o seu comportamento pode ter um efeito anticoncorrencial no mercado. A Comissão não considerou esta pressão, mesmo no âmbito da sua análise subsidiária em que as plataformas comerciais são partes interessadas nos mercados nacionais dos serviços de comparação de produtos. Com efeito, nessa análise, a Comissão só examinou o «segmento» de mercado dos comparadores de produtos pelo facto de esses comparadores serem os mais próximos concorrentes da Google. Mesmo que assim fosse, não deveria ter descurado essas plataformas, que detêm uma quota de mercado várias vezes superior à dos comparadores de produtos, especialmente a Amazon. Aliás, a Comissão indica, em substância, nas Orientações para a apreciação das concentrações horizontais nos termos do regulamento do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2004, C 31, p. 5, pontos 28 a 30) que, para apreciar concentrações horizontais projetadas, se deve considerar todas as fontes de concorrência, mesmo que não sejam as mais próximas.

497    Segundo a Google, a posição concorrencial das plataformas comerciais entre 2011 e 2016 nos treze países abrangidos pela infração que a Comissão acreditou poder identificar, ilustrada por um quadro numérico e um histograma no n.o 349 da petição, impedia‑a de aumentar os seus preços de forma sustentável ou de travar a inovação.

498    Por outro lado, mesmo quando a Comissão incluiu plataformas comerciais nos estudos acima mencionados nos n.os 388, 405 e 453, para avaliar as quotas de tráfego dos comparadores de produtos, incluindo o da Google contabilizado separadamente, e das plataformas comerciais, dois dos cinco métodos de ajustamento que utilizou, a saber, os usados no segundo estudo [métodos referidos no considerando 637, alíneas d) e e), da decisão recorrida], não são corretos, uma vez que só têm em consideração a parte do tráfego proveniente da Google recebida pelas comparadores de produtos e pelas plataformas comerciais e não o tráfego total de que beneficiam. Os outros métodos também enfermam de vícios. Os cinco métodos determinam, em especial, de forma errada a quota do comparador da Google, uma vez que foram adicionados para o efeito os cliques efetuados na página geral de resultados da Google que remetem para a página de pesquisa especializada Google Shopping, mas também os que remetem diretamente para os sítios de vendedores.

499    Todavia, mesmo com o método de ajustamento mais desfavorável à Google, referido no considerando 637, alínea a), da decisão recorrida, a quota de mercado das plataformas comerciais é, em média, nos treze países em causa, várias vezes superior à da Google Shopping, nove anos após o início do comportamento considerado abusivo pela Comissão. Em substância, a Google alega que, perante uma quota de mercado tão grande como a das plataformas comerciais, que são os seus concorrentes mais próximos, não pode ter um poder de mercado que lhe permita adotar comportamentos com efeitos anticoncorrenciais. Ao argumento avançado pela Comissão de que o seu comparador de produtos viu a sua quota crescer enquanto a das plataformas comerciais se manteve globalmente estável, a Google sustenta que, em volume, estas ganharam mais tráfego e ainda detêm uma quota de mercado esmagadora.

500    A Comissão, o BEUC, a Foundem, o VDZ, o BDZV, a Visual Meta, a Twenga, a Kelkoo e a República Federal da Alemanha, em seu apoio, contestam os argumentos da Google.

ii)    Apreciação do Tribunal Geral

501    A título principal, foi com razão que a Comissão limitou o seu exame unicamente aos comparadores de produtos para apreciar os efeitos das práticas da Google na sua análise principal baseada na conclusão de que as plataformas comerciais não estão incluídas no mercado dos serviços de comparação de produtos. Com efeito, nos mercados nacionais dos serviços de comparação de produtos limitados unicamente aos comparadores de produtos, o que corresponde à situação aceite pelo Tribunal Geral nesta fase do presente acórdão, os efeitos anticoncorrenciais potenciais identificados nesses comparadores de produtos podiam justificar a declaração da existência de um abuso de posição dominante, uma vez que a pressão concorrencial das plataformas comerciais sobre a Google é, por definição, pouco sensível e esse fraco grau de pressão foi precisamente tido em conta na definição do mercado. Nesta medida, os argumentos nesse sentido devem ser rejeitados.

502    Por acréscimo, o Tribunal Geral considera oportuno examinar em que medida, na análise subsidiária dos efeitos das práticas da Google, na hipótese de o mercado de produtos incluir não só os comparadores de produtos, mas também as plataformas comerciais, que foi efetuada pela Comissão, esta devia ter em conta a pressão concorrencial das plataformas comerciais. A este respeito, nessa análise que corresponde à secção 7.3.2 da decisão recorrida, a Comissão limitou‑se a examinar a evolução das quotas de mercado do comparador de produtos da Google, dos comparadores concorrentes e das plataformas comerciais, bem como a evolução do tráfego proveniente das páginas gerais de resultados da Google para os mesmos, a fim de tirar conclusões sobre os efeitos do comportamento da Google, mas não examinou em que medida a posição de mercado das plataformas comerciais podia exercer pressão concorrencial sobre a Google, ou por outras palavras, limitar a sua liberdade de comportamento, a não ser para concluir implicitamente que essa eventual pressão não impediu o comportamento da Google de ter efeitos sobre o segmento dos comparadores de produtos.

503    Conforme acima exposto nos n.os 437 e 438, de entre os abusos de posição dominante proibidos pelo artigo 102.o TFUE figuram, em particular, os comportamentos que têm por efeito, ainda que potencial, impedir a manutenção do grau de concorrência existente num mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, C‑280/08 P, EU:C:2010:603, n.os 174 e 250 a 254 e jurisprudência referida).

504    Por conseguinte, mesmo na hipótese de um mercado em que existem várias categorias de concorrentes e mesmo que o comportamento unilateral restritivo da concorrência de uma empresa dominante só atinja uma categoria dos seus concorrentes nesse mercado que comporta outras categorias de concorrentes, esse comportamento é suscetível de constituir um abuso de posição dominante, desde que se demonstre que tem efeitos anticoncorrenciais, pelo menos potenciais, que constituem um obstáculo à manutenção do grau de concorrência existente em todo o mercado ou ao desenvolvimento dessa concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 19 de abril de 2012, Tomra Systems e o./Comissão, C‑549/10 P, EU:C:2012:221, n.os 41 a 45).

505    Como foi acima recordado no n.o 495, a Comissão procedeu efetivamente, na secção 7.3.2 da decisão recorrida, a uma análise subsidiária dos efeitos das práticas da Google na hipótese de o mercado de produtos incluir não só os comparadores de produtos, mas também as plataformas comerciais. Tendo em conta o que foi acima dito no n.o 504, a Comissão não cometeu qualquer erro de direito, nessa secção, ao expor, em substância, no considerando 609 da decisão recorrida, que, nessa hipótese, poderiam ser identificados efeitos anticoncorrenciais potenciais mesmo que o segmento dos comparadores de produtos fosse o único a sofrer tais efeitos. Nestas condições, era possível a Comissão qualificar, se fosse o caso, de abusivo o comportamento da Google, sem ter em conta as relações de concorrência diferentes que esta última pode manter com as plataformas comerciais em relação aos comparadores de produtos, isto é, sem ter em conta a pressão concorrencial que as plataformas comerciais podem exercer, por outro lado, sobre a Google. No entanto, como foi acima recordado no n.o 438 e 441, é necessário que a Comissão demonstre um efeito anticoncorrencial potencial suficiente no mercado, uma vez que, na falta de qualquer efeito dessa natureza, a prática de exclusão abusiva não pode ser caracterizada. Ao fazê‑lo, a Comissão pode, aliás, demonstrar que a eventual pressão concorrencial das plataformas comerciais não tinha impedido esse efeito.

506    A este respeito, decorre do primeiro estudo acima mencionado no n.o 453, cujos resultados principais são apresentados no considerando 638 da decisão recorrida, que, ao adotar o ajustamento que leva ao resultado mais baixo, a quota de mercado dos comparadores de produtos (incluindo o da Google), num mercado que inclui as plataformas comerciais, foi, entre 2011 e 2016, no mínimo de 9 % no Reino Unido, de 14 % na Alemanha, de 24 % em França, de 45 % nos Países Baixos, de 23 % em Itália, de 20 % em Espanha, de 16 % na Áustria, de 21 % na Bélgica, de 47 % na República Checa, de 39 % na Dinamarca, de 18 % na Noruega, de 17 % na Polónia e de 41 % na Suécia. Ao afetarem um segmento da concorrência que representa os níveis mais baixos de quota de mercado, os efeitos das práticas em causa, contanto que sejam demonstrados, não podem, portanto, ser considerados negligenciáveis ao ponto de poder ser declarada a inexistência de qualquer efeito na situação dos concorrentes, tal como acima referida no n.o 438 (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2015, Post Danmark, C‑23/14, EU:C:2015:651, n.o 73) ou tão fracos que a sua capacidade para restringir a concorrência, tal como acima referida no n.o 439, possa ser excluída (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de abril de 2012, Tomra Systems e o./Comissão, C‑549/10 P, EU:C:2012:221, n.os 41 a 45, e de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 139). Os próprios números globalizados da Google que constam do quadro e do histograma, apresentados no n.o 349 da petição e que determinam entre 15 % e 21 % a quota de mercado dos comparadores de produtos (incluindo o da Google) consoante os anos, entre 2011 e 2016, confirmam esta análise.

507    No que respeita ao argumento da Google de que, nas Orientações para a apreciação das concentrações horizontais nos termos do regulamento do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas (pontos 28 a 30), a Comissão indica que, para apreciar concentrações horizontais projetadas, se devem considerar todas as fontes de concorrência, mesmo que não sejam as mais próximas, há que salientar que, conforme disposto no artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 139/2004, do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2004, L 24, p. 1), o controlo europeu das concentrações de dimensão europeia destina‑se a evitar situações prejudiciais à concorrência devido apenas à criação ou ao reforço de uma posição dominante que tenha como consequência entravar significativamente uma concorrência efetiva, no mercado interno ou numa parte substancial deste, sem partir da hipótese de que as empresas que virão a agrupar‑se adotarão, além disso, comportamentos abusivos. Os critérios de apreciação da necessidade de a Comissão intervir proibindo uma concentração são, portanto, diferentes, à luz da afetação da concorrência no mercado, dos critérios que se aplicam quando esta pode declarar um abuso de posição dominante e ordenar à empresa em questão que ponha termo ao comportamento em causa (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2002, Tetra Laval/Comissão, T‑5/02, EU:T:2002:264, n.o 218). Em todo o caso, a Comissão teve em conta a fonte de concorrência que podem representar as plataformas comerciais, tanto na sua hipótese principal em que estas não fazem parte do mesmo mercado, porque apenas exercem uma concorrência pouco sensível para com os comparadores de produtos, como na sua hipótese subsidiária em que fazem parte do mesmo mercado.

508    Por outro lado, a crítica metodológica da Google de que a Comissão contabilizou cliques a mais para determinar a quota do seu comparador de produtos, designadamente em relação às plataformas comerciais na hipótese de um mercado que as inclui, já foi acima rejeitada nos n.os 407 a 410.

509    Por conseguinte, há que julgar improcedente a segunda parte do quarto fundamento da Google, segundo a qual o papel das plataformas comerciais foi descurado na análise dos efeitos das práticas em causa.

e)      Quanto à terceira parte do quarto fundamento, segundo a qual a Comissão não demonstrou a existência de efeitos anticoncorrenciais

1)      Argumentos das partes

510    A Google sustenta na terceira parte deste fundamento que, ainda que o Tribunal Geral não aceite as suas duas primeiras partes, a Comissão não conseguiu demonstrar, na decisão recorrida, os efeitos anticoncorrenciais do comportamento imputado. A este respeito, a CCIA expõe, invocando o Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 139) e as Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Intel Corporation/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2016:788), que a Comissão estava, porém, obrigada a efetuar uma análise aprofundada para declarar a existência dos efeitos de exclusão.

511    Com efeito, antes de mais, a Comissão só teve em conta, para analisar a evolução da utilização pelos internautas dos comparadores de produtos concorrentes do da Google, o tráfego que estes recebiam das páginas gerais de resultados da Google. Ora, é necessário ter em conta todas as fontes da sua utilização. A Comissão limitou‑se a afirmar na decisão recorrida que o tráfego proveniente dos resultados genéricos da Google, que é afetado pelas práticas criticadas, representa uma grande parte do tráfego para os comparadores de produtos concorrentes, de metade para alguns. A Google faz referência, a este respeito, aos considerandos 539 e 540 e ao quadro 24 da decisão recorrida. A CCIA precisa que a Comissão devia provar que o tráfego afetado pelas práticas em causa representa uma parte suficientemente importante do tráfego total dos comparadores de produtos concorrentes para provocar um efeito de encerramento e que não se podia limitar a salientar que esse tráfego é importante para alguns desses comparadores de produtos. Entende, assim, que a Comissão cometeu um erro de direito. A Google acrescenta, por um lado, que a totalidade do tráfego proveniente dos seus resultados genéricos não pode, em todo o caso, ter sido afetada pelo posicionamento e pela apresentação das Product Universals e das Shopping Units e, por outro, que é incoerente indicar ao mesmo tempo que uma grande parte da utilização dos comparadores de produtos concorrentes provém desses resultados genéricos e que a Google secou o tráfego em detrimento dos mesmos. Referindo‑se aos desenvolvimentos do seu terceiro fundamento, relativos aos elementos do quadro 23 da decisão recorrida, a Google sustenta que, na realidade, a incidência no tráfego total dos comparadores de produtos concorrentes do seu, imputável ao posicionamento e à apresentação das Product Universals e das Shopping Units, é demasiado reduzida para gerar um efeito de eliminação.

512    Em seguida, na decisão recorrida, a Comissão não demonstrou a existência de barreiras à entrada, especialmente opostas pela Google, que impeçam os comparadores de produtos de beneficiar de outras fontes de tráfego que não os motores de pesquisa geral, tais como o tráfego pago, o tráfego direto e o tráfego proveniente das aplicações móveis ou da referenciação por terceiros. O facto de as plataformas comerciais utilizarem amplamente essas fontes confirma a inexistência de barreiras à entrada. O testemunho de um concorrente da Google segundo o qual «não é possível desenvolver um serviço de comparação de produtos sem tráfego proveniente de um motor de pesquisa geral», uma vez que «os consumidores começarão sempre a sua pesquisa num motor de pesquisa geral», mencionado no considerando 575 da decisão recorrida, não foi verificado e é desmentido por estudos que demonstram que a maioria dos consumidores iniciam as suas pesquisas de produtos nas plataformas comerciais e não no motor de busca da Google. O estudo apresentado em apoio da contestação (anexo B18) limita‑se a indicar que os motores de pesquisa geral são a fonte de informação mais importante para indagar sobre os comparadores de produtos, mas não demonstra que são uma fonte indispensável de tráfego para estes últimos.

513    A Comissão equipara erradamente a situação do caso vertente àquela em que uma empresa em posição dominante dispõe de um elemento indispensável à atividade de outras empresas. Ora, mesmo que constitua uma ferramenta atrativa, o motor de busca da Google não é indispensável aos comparadores de produtos concorrentes. A Google faz referência, a este respeito, à situação que deu origem ao Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569, n.o 43). A análise segundo a qual a gestão pela Google do seu motor de busca pode excluir a concorrência desses comparadores é, portanto, necessariamente infundada. Cabe a esses concorrentes atrair os internautas por diferentes meios procedendo aos investimentos adequados, que, no entanto, num mercado concorrencial, não garantem automaticamente o sucesso. Diferentes serviços em linha, designadamente comparadores especializados noutros domínios, como os seguros ou a energia, realizaram esses investimentos com sucesso. Em especial, a Autoridade da Concorrência e dos Mercados do Reino Unido sublinhou, num estudo de março de 2017 (anexo C18), que os comparadores investiam com sucesso na publicidade e no desenvolvimento das marcas e que faziam muita publicidade, em linha, na rádio e na televisão. A Google não se opôs de forma alguma ao desenvolvimento destes outros meios. As afirmações da Comissão de que as publicidades sob a forma de anúncios textuais que aparecem nas páginas gerais de resultados da Google são demasiado caras e de que o tráfico proveniente das aplicações móveis e o tráfico direto a favor dos comparadores de produtos concorrentes são fracos não demonstram que a Google tenha colocado obstáculos à utilização desses meios. As plataformas comerciais e outros serviços de comparação na Internet têm assim muito tráfego que não depende da Google. Contrariamente ao que é afirmado na decisão recorrida na nota n.o 715, a situação não é, portanto, semelhante à que deu origem ao Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289). Com efeito, nesse processo de venda ligada, a Microsoft criou barreiras à entrada ao envolver terceiros, os fabricantes de computadores PC, graças aos quais os seus concorrentes poderiam fazer concorrência ao seu produto Windows Media Player. Nas suas observações sobre o articulado de intervenção do BDZV, a Google identifica cinco diferenças adicionais entre o presente processo e o que deu origem ao referido acórdão, a saber, a inexistência de um comportamento coercivo da sua parte, a inexistência de barreiras técnicas suscetíveis de fazer funcionar menos bem os serviços dos concorrentes, a existência de justificações técnicas para o comportamento examinado pela Comissão, a falta de demonstração pela Comissão de efeitos anticoncorrenciais reais e a obrigação de a Google permitir o acesso dos seus concorrentes aos seus serviços (Product Universals e Shopping Units), se desejar manter estes últimos.

514    Como sublinha a CCIA, a Comissão também não mostrou que os comparadores de produtos concorrentes da Google que conheceram dificuldades eram tão eficazes como esta última ou que tinham exercido uma pressão concorrencial significativa sobre os preços ou a inovação. Essa demonstração é necessária, mesmo que o alegado abuso não seja de natureza tarifária. O que foi feito no processo que deu origem ao Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289). Ora, o desaparecimento de concorrentes menos eficazes ou pouco concorrenciais corresponde a uma situação normal de mercado, como foi declarado, designadamente, no Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 134). O artigo 102.o TFUE não visa proteger as empresas que não são eficazes. No processo que deu origem ao Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289), acima mencionado, os concorrentes excluídos pelo comportamento anticoncorrencial foram, pelo contrário, líderes em termos de qualidade e de inovação que atraíram um grande número de utilizadores antes de serem afetados pelas práticas em causa. Em contrapartida, como atestam as declarações e um estudo apresentados no procedimento administrativo no caso presente, mas descurados pela Comissão, os comparadores de produtos concorrentes da Google foram, como esta expôs igualmente no âmbito do terceiro fundamento, pouco inovadores e não tomaram medidas adequadas para gerar tráfego proveniente de outras fontes que não a Google. Segundo a CCIA, no considerando 557 da decisão recorrida, a Comissão admite que é o caso de quatro dos cinco comparadores de produtos concorrentes cujas despesas para aparecer nos anúncios textuais da Google são configuradas no gráfico 76. A Google denuncia a pouca combatividade desses concorrentes, quando os comparadores de produtos concorrentes receberam dela, numa dezena de anos, milhares de milhões de consultas, o que lhes deveria ter permitido fidelizar os internautas satisfeitos com a sua experiência. Assim, segundo os dados que figuram no quadro 24 da decisão recorrida, apenas têm cerca de 15 % de tráfego direto. Comparativamente, as plataformas comerciais recebem o essencial do seu tráfego do tráfego direto, de acordo com os dados dos autos do procedimento administrativo (anexo A147 da petição), e a maioria das utilizações da página de pesquisa especializada Google Shopping provém de ligações de navegação direta que figuram nos separadores das páginas gerais de pesquisa e de resultados e não de ligações dos resultados de pesquisa. Além disso, as discussões com comparadores de produtos para executar a decisão recorrida mostram que são pouco atrativos. A Google apresenta outros argumentos que visam demonstrar que os comparadores de produtos concorrentes do seu são pouco eficazes e pouco apreciados, o que se traduz, nomeadamente, no facto de estarem mal classificados nos resultados genéricos pelo seu algoritmo Panda. A Comissão só podia indicar validamente, na sua contestação, dois progressos no motor de busca de um único dos cinco comparadores a cuja situação se refere. A explicação de três deles de que não podiam inovar devido ao comportamento da Google não é sincera.

515    A Google alega ainda que, contrariamente ao que a Comissão supõe no considerando 603 da decisão recorrida, o comportamento que lhe imputa não tem nenhuma incidência na utilização pelos internautas dos comparadores de produtos concorrentes do seu. Assim, a Google recorda que a supressão das Shopping Units não lhes traz nenhuma parte significativa de tráfego proveniente do seu motor de busca, como já expôs no âmbito do terceiro fundamento.

516    A CCIA acrescenta que a Comissão não teve em conta a natureza biface dos mercados em causa e do modelo económico a ele ligado. Neste modelo, é normal tratar de forma diferente os anúncios pagos e os resultados genéricos gratuitos. Os anúncios pagos financiam o serviço de pesquisa geral da Google, como a própria Comissão indica no considerando 642 da decisão recorrida. Assim, a Comissão ignorou as condições reais e a estrutura dos mercados, contrariamente ao que lhe impõe a jurisprudência resultante, nomeadamente, do Acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão (C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 78). A Comissão também não teve em conta o esforço de inovação da Google, não contestado enquanto tal e que testemunha de uma concorrência pelo mérito, o que suscita sérias preocupações para as indústrias inovadoras. Também não teve em conta a falta de estratégia anticoncorrencial por parte da Google, o que distingue o presente caso dos processos que deram origem à Decisão 89/113/CEE da Comissão, de 21 de dezembro de 1988, relativa a um processo de aplicação dos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (IV/30.979 e 31.394, Decca Navigator System) (JO 1989, L 43, p. 27), e ao Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289).

517    A Comissão, o BEUC, a Foundem, o VDZ, o BDZV, a Visual Meta, a Twenga, a Kelkoo e a República Federal da Alemanha, em seu apoio, contestam os argumentos da Google.

2)      Apreciação do Tribunal Geral

518    Importa recordar que um abuso de posição dominante pode, nomeadamente, corresponder a um comportamento que tem por efeito impedir, através do recurso a mecanismos diferentes dos que regulam a concorrência normal de produtos ou de serviços com base nas prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência existente ou o desenvolvimento dessa concorrência (v. Acórdão de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, C‑280/08 P, EU:C:2010:603, n.o 174 e jurisprudência referida). Conforme acima indicado no n.o 441, no presente caso, para concluir pela existência de um abuso de posição dominante por parte da Google, a Comissão devia demonstrar os efeitos, pelo menos potenciais, resultantes do comportamento imputado de restrição ou de eliminação da concorrência nos mercados em causa, tendo em consideração todas as circunstâncias pertinentes, nomeadamente à luz dos argumentos apresentados pela Google para contestar que o seu comportamento teve capacidade de restringir a concorrência.

519    Antes de mais, como foi acima resumido nos n.os 445 e 446, a Comissão avaliou as consequências materiais das práticas em causa no tráfego proveniente das páginas gerais de resultados da Google para os comparadores de produtos concorrentes e para o comparador de produtos da Google. No que respeita aos mercados nacionais de comparação de produtos tidos em consideração na decisão recorrida, decorre da análise efetuada pelo Tribunal Geral do terceiro fundamento de anulação nas suas duas partes, acima concluída nos n.os 395 e 420, que os elementos de avaliação em causa podem ser tidos em conta, ou seja, uma redução do tráfego proveniente das páginas gerais de resultados da Google para quase todos os comparadores de produtos concorrentes e um aumento desse tráfego a favor do comparador de produtos da Google. Depois, a Comissão avaliou a parte do tráfego proveniente das páginas gerais de resultados da Google no tráfego total recebido pelos comparadores de produtos concorrentes. Em seguida, expondo várias razões, a Comissão sublinhou que os comparadores de produtos concorrentes da Google não podem efetivamente substituir o tráfego proveniente dos resultados genéricos desta por outras fontes. Por último, como foi acima indicado nos n.os 451 a 453, a Comissão identificou efeitos anticoncorrenciais potenciais nesses mercados em detrimento desses comparadores de produtos no final das demonstrações que foram resumidas nesses números. Os argumentos da terceira parte do quarto fundamento da Google, segundo a qual, mesmo que as outras partes deste fundamento sejam julgadas improcedentes, a Comissão não demonstrou a existência de efeitos anticoncorrenciais, são examinados a seguir a estas recapitulações.

520    Em primeiro lugar, no que respeita aos argumentos acima resumidos no n.o 511, desde logo, é inexato sustentar que a Comissão teve apenas em conta o tráfego proveniente dos resultados genéricos da Google para analisar a evolução da utilização dos comparadores de produtos concorrentes. Como já foi acima exposto no n.o 447, na secção 7.2.4.1 da decisão recorrida, o quadro 24 indica a repartição das fontes de tráfego de treze comparadores de produtos durante quatro a seis anos, distinguindo o tráfego proveniente dos resultados genéricos da Google, dos anúncios textuais da Google, da pesquisa direta e das outras fontes. A Comissão concluiu daí, como foi indicado no considerando 540 da decisão recorrida, que a parte proveniente dos resultados genéricos da Google representava «uma larga proporção do tráfego total dos comparadores de produtos concorrentes». Conforme acima exposto no n.o 448, resulta deste quadro que as quotas de tráfego proveniente dos resultados genéricos da Google são bastante variáveis consoante os comparadores de produtos, indo de um pouco mais de 20 % (todavia com uma exceção a 13 % para um ano) a mais de 80 % e que, para uma ligeira maioria deles (sete), estas quotas decresciam ao longo dos anos. Estes decréscimos variam de 5 % a cerca de 50 %.

521    Como foi acima igualmente indicado no n.o 448, a Google não impugna os elementos concretos do quadro 24 da decisão recorrida. A CCIA também não os põe em causa. É certo que a CCIA não teve acesso, por razões de proteção da confidencialidade, a uma versão completa desse quadro. Todavia, a CCIA considera, em substância, que uma amostra de treze comparadores de produtos como a que foi adotada para elaborar esse quadro é insuficiente para retirar ensinamentos gerais. No entanto, nem a Google nem a CCIA invocam, contra a conclusão da Comissão de que a parte proveniente dos resultados genéricos da Google representa «uma larga proporção do tráfego total dos comparadores de produtos concorrentes», outras críticas metodológicas ou outros dados que possam indicar que o tráfego proveniente dos resultados genéricos da Google não é uma fonte substancial de tráfego para os comparadores de produtos concorrentes do da Google. Há que observar igualmente que o quadro 24 é, como resulta da nota 657 da decisão recorrida, o resultado de pedidos de informações dirigidos aos dezoito comparadores de produtos com o tráfego mais elevado no EEE e aos que, para o Reino Unido, têm o tráfico mais elevado proveniente da Google, que os treze comparadores de produtos que responderam forneceram os dados dos seus diferentes sítios Internet nacionais e que os resultados foram compilados pelos próprios consultores da Google.

522    Nestas condições, tendo em conta os princípios sobre a repartição do ónus da prova entre a Comissão e as empresas acima recordados nos n.os 132 a 134, o caráter probatório do quadro 24 da decisão recorrida, isto é, o seu valor representativo, e o caráter probatório da conclusão a que chegou a Comissão sobre a grande parte do tráfego proveniente dos resultados genéricos da Google em relação às outras fontes de tráfego dos comparadores de produtos concorrentes, devem ser considerados estabelecidos.

523    Importa igualmente salientar que a Comissão consagrou desenvolvimentos substanciais, na secção 7.2.4.2 da decisão recorrida, relativos ao facto de essas outras fontes não poderem efetivamente substituir o tráfego proveniente dos resultados genéricos da Google. A Comissão procedeu, portanto, a uma análise segundo a qual os efeitos materiais do comportamento da Google sobre o tráfego proveniente das suas páginas gerais de resultados para os comparadores de produtos concorrentes, que consistem numa redução desse tráfego, não podem ser compensados por esses comparadores de produtos. Essa análise, na sequência da que levou à conclusão de que este tráfego representa uma grande parte do tráfego total desses comparadores de produtos, é suscetível de demonstrar potenciais efeitos restritivos da concorrência, o que pode ser suficiente para demonstrar um abuso de posição dominante, conforme acima recordado no n.o 438. Contrariamente ao que alega a CCIA, a Comissão não estava tinha que demonstrar a existência de um efeito de encerramento, a saber, que o comportamento da Google provocava a eliminação de toda a concorrência ou, pelo menos, que visava impedir os internautas ou os vendedores na Internet de recorrerem aos serviços dos comparadores de produtos concorrentes (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2010, Tomra Systems e o./Comissão, T‑155/06, EU:T:2010:370, n.os 210 e 211).

524    Por conseguinte, contrariamente ao que invoca a Google (v. n.o 511, supra), a Comissão teve, efetivamente, em conta as fontes de tráfego dos comparadores de produtos alternativas aos resultados genéricos da Google, ao mesmo tempo que considerou que essas outras fontes não podem compensar os efeitos do comportamento que imputa à Google.

525    Em seguida, no que respeita a outros argumentos igualmente resumidos no n.o 511, supra, como já foi acima indicado nos n.os 368 a 376, a Google não pode limitar o impacto, nos comparadores de produtos concorrentes, das práticas que lhe são imputadas aos únicos efeitos do aparecimento das Product Universals e das Shopping Units no tráfego das suas páginas gerais de resultados para os comparadores de produtos concorrentes. Com efeito, a aplicação dos algoritmos de ajustamento dos resultados genéricos, que tendem a classificar mal esses comparadores e que, por sua vez, produzem efeitos, participa também das práticas conjugadas imputadas à Google. A avaliação do impacto destas práticas da Google em 5 % do tráfego total desses comparadores, resultante da experiência de ablação, não pode, portanto, ser acolhida, como já foi acima exposto no n.o 375. Por outro lado, como foi acima exposto e recordado nos n.os 448 e 520, a parte do tráfego total dos comparadores de produtos concorrentes da Google abrangida pelo comportamento desta última é importante, indo de um pouco mais de 20 % a mais de 80 % para a amostra que permitiu elaborar o quadro 24 da decisão recorrida. Deste modo, o argumento vizinho acima referido no n.o 515, segundo o qual o comportamento que a Comissão imputou à Google não teve nenhuma incidência na utilização pelos internautas dos comparadores de produtos concorrentes deve igualmente ser rejeitado, uma vez que ignora o efeito dos algoritmos de ajustamento dos resultados genéricos e a grande parte dos internautas que utilizam os comparadores de produtos através das páginas de pesquisa e de resultados da Google.

526    Por último, no que respeita a outro argumento da Google acima exposto no n.o 511, não é incoerente por princípio identificar reduções significativas do tráfego dos resultados genéricos da Google para os comparadores de produtos concorrentes, indicando ao mesmo tempo que esse tráfego representa uma larga proporção do tráfego total destes últimos. Com efeito, a situação de referência a ter em conta para o segundo aspeto corresponde logicamente à situação inicial no início dos períodos durante os quais a infração foi identificada e a evolução a ter em conta para o primeiro aspeto deve logicamente incidir sobre a totalidade desses períodos. Assim, o quadro 24 da decisão recorrida, elaborado a partir das respostas de uma amostra de comparadores de produtos para avaliar a quota das diferentes fontes de tráfego destes últimos, mostra que, para a maioria dos treze comparadores de produtos cujos dados foram objeto desse quadro, o tráfego proveniente dos resultados genéricos da Google era importante no início do período respeitante a cada um e diminui progressivamente, de forma significativa, durante esse período.

527    Daqui resulta que, à luz dos fundamentos e dos argumentos aduzidos contra a decisão recorrida, a Comissão demonstrou legitimamente que as práticas em causa da Google têm efeitos materiais significativos no tráfego das suas páginas gerais de resultados, provocando um redução deste tráfego para os comparadores de produtos concorrentes e um aumento para o seu próprio comparador de produtos (v. n.o 420, supra), que os comparadores de produtos afetados por essas práticas representam, pelo menos, na hipótese, subsidiária, de um mercado que abrange as plataformas comerciais, uma parte não negligenciável deste mercado nos trezes países em causa (v. n.o 506, supra) e que o tráfego das páginas gerais de resultados da Google representa uma larga proporção do tráfego total dos comparadores de produtos concorrentes da Google (v. n.os 520 a 526, supra). Nestas condições, a menos que os argumentos subsequentes da Google e da CCIA, acima examinados nos n.os 528 a 543, sejam acolhidos, verifica‑se que a Comissão demonstrou que as práticas em causa afetam suficientemente os concorrentes da Google ou, pelo menos, a situação de uma categoria importante de concorrentes da Google para poder concluir pela existência de efeitos anticoncorrenciais que participam de um abuso de posição dominante.

528    Em segundo lugar, no que respeita aos argumentos acima resumidos nos n.os 512 e 513, de que a Comissão não demonstrou a existência de barreiras à entrada que impeçam os comparadores de produtos de beneficiar de fontes de tráfego alternativas ao tráfego proveniente dos resultados genéricos da Google, refira‑se, antes de mais, que a Comissão não se contentou com a apreciação de um concorrente da Google, referida no considerando 575 da decisão recorrida, para demonstrar a existência de tais barreiras. Como já foi sublinhado, a Comissão consagrou desenvolvimentos substanciais, na secção 7.2.4.2 da decisão recorrida, relativos ao facto de essas outras fontes não poderem efetivamente substituir o tráfego proveniente dos resultados genéricos da Google. A apreciação reportada no considerando 575 da decisão recorrida é apenas um dos elementos apresentados a este respeito.

529    Assim, a Comissão começou por examinar a possibilidade de as publicidades sob a forma de anúncios textuais nas páginas gerais de resultados da Google (AdWords) substituírem o tráfego que provém dos resultados genéricos desta última (considerandos 543 a 567 da decisão recorrida). Reconhecendo, com base nos dados do quadro 24, que alguns comparadores de produtos retiravam mais de 30 % do seu tráfego dessas publicidades, a Comissão apresentou, no entanto, diversos elementos para demonstrar que os resultados genéricos são mais apreciados pelos internautas. Em especial, apresentou uma série de gráficos relativos a cada um dos treze países em que foi identificado um abuso da Google, comparando, com base em dados provenientes da experiência de ablação, as taxas de ativação (clickthrough rates) das ligações genéricas e das ligações de anúncios textuais em função do seu posicionamento (gráficos 59 a 71). Decorre daí que, em geral, os resultados genéricos são preferidos. A Comissão indicou, nomeadamente, que alguns comparadores de produtos consideram que as duas fontes de tráfego são antes complementares, no sentido de que o público que utiliza uma e outra é diferente, e que uma não pode, portanto, substituir a outra. Em resposta a um argumento da Google, segundo o qual mais de uma centena de comparadores aumentaram o seu tráfego através dos anúncios textuais e não com os resultados genéricos, a Comissão criticou a amostra selecionada pela Google e alegou, igualmente com base em dados resultantes da experiência de ablação, que, em média, para os treze países em questão, o tráfico dos comparadores de produtos resultante dos anúncios textuais era de cerca de um quarto do total e que esse próprio tráfego sofreu com o aparecimento das Shopping Units (redução de 16 a 30 % consoante o país). A Comissão ilustrou esta afirmação com os gráficos 72 a 75 e o quadro 26. Em seguida, a Comissão indicou que, mesmo que os comparadores de produtos concorrentes da Google possam compensar provisoriamente a perda de tráfego proveniente dos seus resultados genéricos pelo tráfego resultante dos anúncios textuais nas suas páginas gerais de resultados, não é uma solução economicamente viável para eles a prazo. A Comissão expôs, nomeadamente, a este respeito, que os custos para recorrer aos anúncios textuais representam, pelo menos, o dobro dos custos de otimização para aparecer nos resultados genéricos, para um nível de eficácia em termos de taxa de conversão das visitas nos sítios dos comparadores de produtos em visitas subsequentes nos sítios dos vendedores que não justifica essa diferença de custos. A Comissão sublinhou incidentalmente que a Google não tem de assumir tais custos para o seu próprio comparador de produtos. A Comissão também fez referência ao depoimento da Kelkoo, segundo o qual as receitas geradas pela sua aparição nos resultados genéricos são superiores em cerca de 20 % às geradas pela sua aparição nos anúncios textuais. De um modo geral, os rendimentos obtidos com os anúncios textuais não cobrem os respetivos custos.

530    Em seguida, a Comissão examinou a substituibilidade das aplicações para dispositivos móveis ao tráfego proveniente dos resultados genéricos da Google (considerandos 568 a 579 da decisão recorrida). Invocou, especialmente, diversos elementos. Segundo a Comissão, a implantação das aplicações para dispositivos móveis necessita de uma forte imagem de marca prévia e é necessário constatar de imediato, nomeadamente observando os dados do quadro 24, que estas aplicações representam, em geral, com o tráfego direto, menos de 20 % do tráfego total dos comparadores de produtos, mesmo que, para certos comparadores, esta quota possa ser superior. Para uma amostra de uma dezena de comparadores de produtos que forneceram dados durante o procedimento administrativo, a quota de tráfego que vem das aplicações para dispositivos móveis é apenas de 5 a 6 %. Vários comparadores de produtos indicaram que a implementação desse vetor não tinha aumentado significativamente a frequência do seu sítio Internet.

531    A Comissão examinou, em seguida, a possibilidade de o tráfego direto substituir o tráfego que vem dos resultados genéricos da Google (considerandos 580 a 583 da decisão recorrida). A Comissão sublinhou a pequena quota desse tráfego, recordando que a estimativa da Google era de 5 % para a página especializada de resultados Google Shopping. A este respeito, há que precisar que as ligações de navegação direta que fornecem a maioria do seu tráfego à Google Shopping mencionadas pela Google na sua argumentação acima resumida no n.o 514, não participam do tráfego direto para a Google Shopping, uma vez que figuram em separadores que aparecem nas páginas gerais de pesquisa e de resultados da Google. A Comissão expôs igualmente que dois comparadores de produtos indicaram, em substância, que a campanha publicitária fora da Internet que tinham lançado para aumentar o tráfego direto não tinha conseguido compensar as perdas de tráfego proveniente dos resultados genéricos da Google. Como para as aplicações para dispositivos móveis, o aumento do tráfego direto necessita da construção de uma forte imagem de marca prévia, demasiado dispendiosa para os comparadores de produtos.

532    Por último, a Comissão examinou a possibilidade de outras fontes de tráfego substituírem o tráfego que vem dos resultados genéricos da Google (considerandos 584 a 588 da decisão recorrida). Abordou as soluções das parcerias com sítios Internet terceiros, boletins informativos, redes sociais e motores de pesquisa geral concorrentes da Google. Segundo a Comissão, estas soluções são dispendiosas ou ineficazes.

533    Na decisão recorrida, a Comissão faz, portanto, referência a inúmeros motivos que determinam a existência de barreiras à entrada impeditivas de os comparadores de produtos beneficiarem de fontes de tráfego alternativas ao tráfego proveniente dos resultados genéricos da Google, sendo, em especial, inexato indicar que não identificou nenhum obstáculo inerente a essas fontes que impeça os comparadores de produtos de atraírem tráfego através delas.

534    Na petição, a Google contesta, no entanto, o mérito da fundamentação adotada pela Comissão a este respeito e aduz, desde logo, para o efeito, o argumento de que a existência dessas barreiras é desmentida pelo facto de as plataformas comerciais utilizarem essas fontes alternativas de tráfego (n.o 365, que remete para os n.os 320 a 324). No entanto, este argumento é apenas sustentado por elementos gerais que visam mostrar que os internautas utilizam frequentemente as plataformas comerciais para iniciar as suas pesquisas de produtos, o que subentende que os internautas chegam às mesmas sem proceder a uma pesquisa prévia. Ora, o que pode ser verdade para este tipo de agente, em geral de forte notoriedade, não é necessariamente verdade para os comparadores de produtos.

535    Em seguida, a Google destaca, na réplica, o estudo da Autoridade da Concorrência e dos Mercados do Reino Unido, apresentado no anexo C18, segundo o qual os comparadores na Internet investem com sucesso na publicidade e no desenvolvimento das marcas e fazem muita publicidade em diferentes suportes mediáticos. Todavia, é com razão que a Comissão suscita a inadmissibilidade deste estudo com fundamento no artigo 85.o do Regulamento de Processo, nos termos do qual as provas e os oferecimentos de prova são apresentados na primeira troca de articulados, exceto se o atraso na apresentação desses elementos for justificado. Com efeito, a Google não forneceu nenhuma explicação que pudesse justificar a apresentação tardia desse estudo, que foi por ela invocado em resposta à «carta de factos» da Comissão durante o procedimento administrativo, como resulta do anexo A7, ponto 282, da petição.

536    Quanto à conclusão global que a Google retira desse e de outros estudos, segundo a qual outros serviços em linha, designadamente os comparadores especializados em diversos domínios, utilizam com sucesso as fontes alternativas de tráfego, esta é demasiado genérica e assenta na observação de outros mercados e não permite, assim, pôr em causa a análise detalhada da Comissão seguida na decisão recorrida no que respeita aos comparadores de produtos.

537    A Google expõe igualmente, em substância, que, admitindo que as fontes alternativas de tráfego sejam difíceis de implementar para os comparadores de produtos concorrentes, é totalmente alheia a isso. Todavia, a questão não é saber se a Google é responsável pelas barreiras à entrada nas fontes de tráfego alternativas ao tráfico proveniente dos seus resultados genéricos, mas se essas barreiras existem. Com efeito, a análise da Comissão seguida na decisão recorrida é que a Google colocou barreiras à entrada na fonte de tráfego constituída pelos seus resultados genéricos sobre a qual pode exercer um controlo e que esta fonte não pode efetivamente ser substituída por outras fontes que são elas próprias afetadas por outras barreiras à entrada no que respeita aos comparadores de produtos concorrentes. Nestas condições, o argumento de que, contrariamente ao que sucedeu no processo que deu origem ao Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289), a Google não colocou barreiras à entrada no que diz respeito às fontes de tráfego alternativas ao tráfico proveniente dos seus resultados genéricos, não põe em causa utilmente a análise da Comissão relativa à existência de tais barreiras, que contribuem para o efeito anticoncorrencial do comportamento da Google.

538    Em terceiro lugar, no que respeita aos argumentos acima resumidos no n.o 514, de que a Comissão não demonstrou que os comparadores de produtos concorrentes que tiveram dificuldades eram tão eficazes como a Google, quando, precisamente, não o são, é com razão que a Comissão sustenta que não tinha de fazer essa demonstração. Com efeito, o recurso ao critério do concorrente igualmente eficaz justifica‑se em presença de práticas tarifárias (preços predatórios ou compressões de margens, por exemplo) para, em substância, avaliar se um concorrente tão eficiente como a empresa dominante, à qual é imputado esse comportamento tarifário, e que aplica, para não ser imediatamente eliminado do mercado, os mesmos preços à sua clientela que os praticados por essa empresa deveria fazê‑lo com prejuízo e acentuando esse prejuízo, o que o levaria a abandonar o mercado a longo prazo (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2015, Post Danmark, C‑23/14, EU:C:2015:651, n.os 53 a 55 e jurisprudência referida). No caso em apreço, as práticas imputadas à Google não são de natureza tarifária.

539    Além disso, em princípio, o «concorrente igualmente eficaz» é um concorrente hipotético, que, portanto, aplica, supostamente, os mesmos preços aos seus clientes que a empresa dominante, mas que enfrenta os mesmos custos que esta suporta ou faz suportar aos seus concorrentes se lhes vender um fator de produção do produto final (v., neste sentido, Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.os 40 a 44). O recurso ao critério do concorrente igualmente eficaz visa demonstrar que mesmo um concorrente tão eficaz como a empresa autora da prática tarifária em causa não pode resistir a longo prazo ao praticar os mesmos preços, na medida em que não lhe é possível apoiar‑se no poder dado pela posição dominante. Por conseguinte, esse concorrente não é, em princípio, um concorrente real cuja eficácia real seja apreciada, como alega a Google em relação aos outros comparadores de produtos. O recurso a este critério, que consiste em comparar preços e custos, não faz, portanto, sentido no caso em apreço, uma vez que o problema de concorrência identificado não é um problema de preços.

540    Por outro lado, admitindo que fosse possível a uma autoridade da concorrência, como a Comissão, comparar a eficácia real de várias empresas, estudando de forma aprofundada os diferentes parâmetros da sua atividade, esse exercício só poderia dar resultados objetivos se, precisamente, as condições de concorrência não fossem falseadas por um comportamento anticoncorrencial. Por conseguinte, esse exercício não poderia servir, por si só, para determinar a existência de tal comportamento.

541    Daqui decorre que, no caso vertente, conforme acima exposto no n.o 441, a Comissão apenas devia demonstrar os efeitos potenciais de eliminação ou de restrição da concorrência resultantes das práticas em causa, independentemente da questão de saber se em matéria de comparação de produtos a Google é «mais eficaz» do que os outros comparadores de produtos, o que é precisamente impossível saber quando as práticas são suscetíveis de falsear a concorrência.

542    Por último, no que respeita aos argumentos da CCIA acima resumidos no n.o 516, não se pode deixar de observar que, uma vez que se referem ao não conhecimento pela Comissão das características dos mercados bifaces da Internet e do seu modelo económico, ao esforço de inovação que levou a Google a adotar o seu comportamento e à inexistência de estratégia anticoncorrencial desta última, estes não se inserem numa crítica à análise dos efeitos das práticas em causa, mas numa crítica à análise da natureza anticoncorrencial, ou não, dessas práticas. Devem, portanto, ser rejeitados por inoperantes, uma vez que são apresentados em apoio do fundamento da CCIA que visa demonstrar que «a decisão não demonstra que o comportamento é suscetível de produzir efeitos anticoncorrenciais».

543    Por conseguinte, tendo em conta a conclusão intermédia acima exposta no n.o 527, e a rejeição dos outros argumentos da Google e da CCIA, há que julgar improcedente a terceira parte do quarto fundamento da Google, segundo a qual a Comissão não demonstrou a existência de efeitos anticoncorrenciais resultantes das práticas em causa nos mercados nacionais dos serviços de comparação de produtos.

4.      Quanto à terceira parte do primeiro fundamento e à terceira parte do segundo fundamento, relativas à existência de justificações objetivas

a)      Quanto às justificações da Google relativas à visualização das Product Universals (terceira parte do primeiro fundamento)

1)      Argumentos das partes

544    A Google sustenta que, no procedimento administrativo, demonstrou ter melhorado a qualidade do seu serviço proposto aos utilizadores, ao apresentar as Product Universals da forma como o fez. Isto dá uma justificação pró‑concorrencial para o seu comportamento.

545    Ora, na decisão recorrida, a Comissão não põe em causa o facto de exibir de forma agrupada nas páginas gerais de resultados os resultados especializados para produtos. A Comissão limita‑se a considerar que a Google deveria ter exibido os resultados especializados para produtos dos comparadores de produtos concorrentes de acordo com os «mesmos processos e métodos subjacentes» aplicados aos seus, sem tomar posição sobre as justificações pró‑concorrenciais apresentadas pela Google no procedimento administrativo nem as ponderar com os efeitos negativos que pôde identificar. Assim, a decisão recorrida não refuta as justificações fornecidas pela Google para as suas práticas e não tenta responder às suas explicações ou proceder à ponderação exigida pela jurisprudência.

546    Além disso, na decisão recorrida, a Comissão não expõe de que forma a Google poderia exibir os resultados especializados para produtos dos comparadores de produtos concorrentes de acordo com os «mesmos processos e métodos subjacentes» aplicados aos seus, apesar de a Google lhe explicar que é impossível. A este respeito, a Google recorda que não conhece as modalidades de seleção dos resultados dos seus concorrentes, o que não permitiu avaliar entre eles os resultados propostos por diferentes comparadores de produtos. Sustenta igualmente que não podia antecipar ou obter, em prazos suficientemente curtos, as respostas a uma pesquisa concreta feita por um internauta e, por último, que não podia aplicar os seus mecanismos de controlo de qualidade aos comparadores de produtos concorrentes. A Comissão não refutou estas explicações na decisão recorrida, mas continuou a pedir à Google uma visualização de acordo com os mesmos processos e métodos subjacentes. Nestas condições, cabia à Comissão mostrar de que forma a Google podia proceder, através de soluções realistas e viáveis, o que não fez. A este respeito, a Comissão enganou‑se ao acreditar ver, nas propostas feitas pela Google durante as discussões com vista a pôr termo ao procedimento através de uma decisão de aceitação de compromissos e em reflexões internas à Google, a prova da possibilidade de tal visualização. Com efeito, os projetos previstos não consistem em classificar os resultados dos comparadores de produtos concorrentes da Google de acordo com os mesmos processos e métodos subjacentes que os dos seus próprios resultados especializados de pesquisa para produtos.

547    A Google reitera, na réplica, que não podia, por razões técnicas, apresentar os resultados dos comparadores de produtos concorrentes nas Product Universals sem prejudicar a qualidade dos seus resultados de pesquisa, como explicou ao longo de todo o procedimento administrativo, sem que isso fosse tido em conta na decisão recorrida. As justificações apresentadas pela Google durante o procedimento administrativo, contrariamente ao que afirma a Comissão, trataram plenamente do alegado abuso.

548    A CCIA sublinha que a decisão recorrida apenas dedica três páginas às justificações objetivas da Google e um único considerando a examinar se a medida corretiva pedida à Google é tecnicamente possível.

549    A Comissão contesta estes argumentos.

550    O BDZV, em apoio da Comissão, indica que esta não tinha de prescrever soluções técnicas precisas para que fosse posto termo ao abuso verificado.

2)      Apreciação do Tribunal Geral

551    Decorre de jurisprudência constante que uma empresa que detenha uma posição dominante pode justificar comportamentos suscetíveis de ser abrangidos pela proibição enunciada no artigo 102.o TFUE, provando que o seu comportamento é objetivamente necessário de um ponto de vista técnico ou comercial ou que o efeito de eliminação ligado ao seu comportamento pode ser compensado ou mesmo superado por ganhos em termos de eficiência que beneficiem também os consumidores (v., neste sentido, Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.os 40 e 41 e jurisprudência referida).

552    A necessidade objetiva pode provir de considerações comerciais legítimas, por exemplo para se proteger de uma concorrência desleal ou para ter em conta negociações com a clientela (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, 27/76, EU:C:1978:22, n.os 184 a 187, e de 9 de novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, EU:C:1983:313, n.o 90), mas igualmente justificações técnicas, por exemplo ligadas à manutenção do desempenho do produto ou do serviço em causa ou à melhoria desse desempenho (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, EU:T:2007:289, n.os 1146 e 1159).

553    No que respeita aos ganhos de eficiência, cabe à empresa que detém uma posição dominante demonstrar que os ganhos de eficiência suscetíveis de resultar do comportamento em causa neutralizam os prováveis efeitos prejudiciais na concorrência e os interesses dos consumidores nos mercados afetados, que esses ganhos de eficiência foram ou são suscetíveis de ser realizados graças ao referido comportamento e que este é indispensável à realização desses ganhos e não elimina uma concorrência efetiva ao suprimir a totalidade ou a maior parte das fontes existentes de concorrência atual ou potencial (Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 42), o que exclui assim que a referida empresa se limite a apresentar argumentos vagos, gerais e teóricos sobre esta questão ou ainda invoque exclusivamente interesses comerciais próprios [v. Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 166 e jurisprudência referida].

554    Embora o ónus da prova da existência das circunstâncias constitutivas de uma violação do artigo 102.o TFUE caiba à Comissão, é à empresa dominante em causa e não à Comissão que incumbe, sendo caso disso, invocar uma eventual justificação e apresentar argumentos e elementos de prova a esse respeito. Em seguida, compete à Comissão, se pretender concluir pela existência de um abuso de posição dominante, demonstrar que os argumentos e os elementos de prova invocados pela referida empresa não procedem e que, por conseguinte, a justificação apresentada não pode ser acolhida (Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, EU:T:2007:289, n.o 1144).

555    Em substância, a Google afirma, por um lado, que, na decisão recorrida, a Comissão não refuta as justificações que forneceu para as suas práticas durante o procedimento administrativo e não tenta responder às suas explicações ou proceder à ponderação exigida pela jurisprudência e, por outro, que a Comissão não expõe de que forma a Google poderia apresentar os resultados especializados de pesquisa para produtos dos comparadores de produtos concorrentes de acordo com os mesmos processos e métodos subjacentes aplicados aos seus, apesar de colidir com uma impossibilidade de ordem técnica

556    No presente caso, compete, portanto, ao Tribunal Geral examinar se os elementos apresentados pela Google são, contrariamente ao que considerou a Comissão, suscetíveis de constituir justificações para esse comportamento, na aceção da jurisprudência acima referida nos n.os 551 a 553.

557    Na secção 7.5 da decisão recorrida, a Comissão examinou os elementos apresentados pela Google no procedimento administrativo no que diz respeito às justificações objetivas e aos ganhos de eficiência. Conforme exposto nos considerandos 655 a 659 da decisão recorrida, sem que a Google impugne esta apresentação na petição, esta última aduziu, em substância, diversos argumentos. Em primeiro lugar, a Google sustentou que os mecanismos de ajustamento dos resultados genéricos conferem uma vantagem pró‑concorrencial ao preservar a qualidade desses resultados. Em segundo lugar, alegou que o posicionamento e a apresentação das Product Universals, bem como os seus mecanismos de produção, conferem uma vantagem pró‑concorrencial ao assegurar a mais alta qualidade ao seu serviço de pesquisa em benefício dos internautas e dos vendedores na Internet. Em terceiro lugar, a Google sustentou que, se tivesse de posicionar e apresentar os resultados de comparadores de produtos concorrentes da mesma forma que os do seu próprio comparador de produtos nas suas páginas gerais de resultados, isso reduziria a concorrência, uma vez que, por um lado, é da essência da concorrência e das expetativas dos internautas que cada serviço de pesquisa apresente os seus próprios resultados e, por outro, reduziria as suas possibilidades de rentabilizar espaços nas suas páginas gerais de resultados. Em quarto lugar, mencionou que não pode, de um ponto de vista técnico, classificar os resultados dos comparadores de produtos concorrentes com os seus de forma coerente e que, além disso, fazê‑lo é transformar os mesmos em resultados para produtos do seu próprio comparador de produtos. Em quinto lugar, a Google invocou, no procedimento administrativo, um argumento relativo à violação dos seus direitos fundamentais, mas não impugna na petição a resposta dada pela Comissão na decisão recorrida.

558    Os três primeiros argumentos da Google acima resumidos no n.o 557, consistem, tal como foram apresentados na petição, em realçar características pró‑concorrenciais do seu comportamento, no sentido de que este comportamento melhorou a qualidade do seu serviço de pesquisa. Estes argumentos fazem parte, em princípio, da demonstração, conforme referida no n.o 551, de que o efeito de eliminação que resulta do comportamento posto em causa é compensado ou mesmo superado por ganhos em termos de eficiência que beneficiam também os consumidores O quarto argumento, acima resumido no n.o 557, visa invocar limitações técnicas que impedem a Google de assegurar a igualdade de tratamento pretendida pela Comissão entre os resultados do seu comparador de produtos e os resultados dos comparadores concorrentes. Em definitivo, a Google alega que procurou constantemente melhorar o serviço de comparação de produtos oferecido aos utilizadores em coerência com as preocupações de uma concorrência pelo mérito, mas dentro dos limites do que é tecnicamente possível. Ora, a Comissão acusa‑a de não ter assegurado uma igualdade de tratamento entre resultados que não tem condições de assegurar, por razões técnicas.

559    Na decisão recorrida, relativamente aos dois primeiros argumentos da Google acima resumidos no n.o 557, a Comissão indicou nos considerandos 661 e 662 que não impede a Google de aplicar mecanismos de ajustamento, nem a impede de exibir os seus resultados de pesquisa especializada nas suas páginas gerais de resultados quando os considera pertinentes ou úteis para uma pesquisa, mas que o abuso identificado consiste na não aplicação dos mesmos critérios de posicionamento e de apresentação aos resultados do comparador de produtos da Google e aos resultados dos comparadores de produtos concorrentes.

560    Resulta desta resposta que a Comissão não negou que os algoritmos de ajustamento dos resultados genéricos ou os critérios de posicionamento e de apresentação dos resultados especializados para produtos da Google possam representar melhorias do serviço que propõe, de teor pró‑concorrencial, como esta sustenta nos seus dois primeiros argumentos acima resumidos no n.o 557, mas sublinhou, com razão, que a Google não invocou nenhum argumento no que respeita à desigualdade de tratamento a este respeito entre os resultados do seu comparador de produtos e os resultados dos comparadores de produtos concorrentes. Por outras palavras, em substância, a Comissão considerou que a Google não apresentou nenhum elemento para demonstrar que as duas vantagens pró‑concorrenciais que realçou compensam ou mesmo superam os efeitos negativos para a concorrência ligados a esta desigualdade de tratamento identificada nas partes anteriores da decisão recorrida.

561    Em seguida, na decisão recorrida, relativamente ao terceiro argumento da Google acima resumido no n.o 557, que visava globalmente demonstrar que a igualdade de tratamento pretendida pela Comissão reduz, de facto, a concorrência, a Comissão respondeu às duas partes deste argumento, nos considerandos 663 e 664, mencionando, por um lado, que a Google não tinha demonstrado que os internautas esperavam de um motor de busca resultados provenientes de uma única fonte e que, no caso, não estavam advertidos de que as Product Universals apareciam com base em mecanismos diferentes dos aplicados aos resultados genéricos e, por outro, que assegurar a igualdade de tratamento entre o comparador de produtos da Google e os seus concorrentes nas suas páginas gerais de resultados não impedia a rentabilização, no domínio da Google, de determinados espaços dessas páginas.

562    Esta resposta da Comissão consiste, por um lado, em demonstrar que, contrariamente ao que sustenta a Google, a sua opção de posicionar e de apresentar mais favoravelmente os seus resultados para produtos do que os dos seus concorrentes não é melhor para a concorrência do que uma situação em que seja assegurada a igualdade de tratamento nessa matéria. A este respeito, tem razão a Comissão ao duvidar de que os internautas esperam encontrar apenas os resultados de um único motor de pesquisa especializado em páginas gerais de resultados. Com efeito, no presente caso, como recordou a Comissão, a diferença de tratamento em causa em termos de posicionamento e de apresentação opera nas páginas gerais de resultados, das quais, em princípio, os internautas esperam resultados provenientes de toda a Internet e fornecidos de forma não discriminatória e transparente, o que resulta, de resto, igualmente das considerações acima expostas no n.o 178.

563    A resposta da Comissão acima resumida no n.o 561, consiste, por outro lado, em refutar que a Google possa ser penalizada no plano financeiro ao assegurar a igualdade de tratamento em termos de posicionamento e de apresentação nas suas páginas gerais de resultados entre os seus resultados para produtos e os dos seus concorrentes. Na petição, a Google não apresenta nenhum argumento para impugnar validamente esta apreciação e, admitindo que a Google fosse penalizada financeiramente pelo facto de tornar o seu serviço acessível aos comparadores de produtos nas mesmas condições que o seu, esta circunstância não constituiria uma justificação admissível para o seu comportamento anticoncorrencial.

564    Assim, contrariamente ao que é sustentado na petição, a Comissão tomou posição, sem que a Google consiga pôr em causa o mérito desta posição, sobre a justificação apresentada no âmbito do seu terceiro argumento.

565    Por conseguinte, a Comissão rejeitou validamente o terceiro argumento da Google, que visava realçar as características pró‑concorrenciais do seu comportamento, refutando as características desta ordem apresentadas nesse argumento.

566    A abordagem da Comissão no que respeita a estes três primeiros argumentos, relativos a vantagens pró‑concorrenciais decorrentes das práticas em causa, é tanto mais justificada quanto, por um lado, como decorre dos considerandos 593 a 596 da decisão recorrida e como resulta do exame dos terceiro e quarto fundamentos, estas práticas são suscetíveis de preterir os comparadores de produtos concorrentes, o que pode conduzir a tarifas mais altas para os vendedores, a preços mais altos para os consumidores e a uma diminuição da inovação, tanto para os comparadores de produtos concorrentes como para o comparador de produtos da Google. Por outro lado, como decorre dos considerandos 597 a 600 da decisão recorrida, as práticas em causa são suscetíveis de reduzir a escolha dos consumidores em matéria de comparadores de produtos, não só devido à redução do número de comparadores presentes no mercado, tendo em conta o efeito de eliminação das práticas conforme identificado nas secções 7.3.1 e 7.3.2 da decisão recorrida, mas também, como resulta do considerando 598 da decisão recorrida, ao desvio da atenção dos consumidores para os resultados do comparador da Google, devido à sua maior visibilidade, não sendo, de resto, estes resultados necessariamente mais pertinentes do que os resultados dos comparadores de produtos concorrentes (v. n.os 296 a 299, supra).

567    Além disso, a Google não demonstra por que razão o segundo aspeto das práticas contestadas, a saber, a retrogradação de um número significativo de comparadores de produtos concorrentes nas suas páginas gerais de resultados por algoritmos de ajustamento, pode gerar ganhos de eficiência.

568    Nestas condições, mesmo admitindo que as práticas em causa possam melhorar a experiência de certos internautas ao destacar e ao hierarquizar resultados de pesquisa para produtos, não se verifica de modo algum que isso seja suscetível de neutralizar os efeitos prejudiciais dessas práticas sobre o jogo da concorrência e os interesses dos consumidores considerados no seu conjunto, em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.o 553. Em todo o caso, a Google não demonstrou o contrário, o que lhe cabia fazer, conforme acima recordado no n.o 554.

569    O quarto argumento da Google acima resumido no n.o 557 consistia em apresentar uma justificação objetiva para o seu comportamento, baseada numa limitação técnica. Visava demonstrar que, contrariamente ao que supôs a Comissão, a Google não pode, de um ponto de vista técnico, classificar os resultados dos comparadores de produtos concorrentes com os seus de forma coerente e que, além disso, fazê‑lo, é transformar os mesmos em resultados para produtos da Google.

570    Na decisão recorrida, a Comissão respondeu, no considerando 671, que a Google não logrou demonstrar que não pode utilizar os mesmos processos e métodos para decidir do posicionamento e da apresentação dos resultados do seu próprio comparador de produtos e dos resultados dos comparadores concorrentes. Acrescentou que as propostas feitas pela Google durante as discussões com vista a pôr termo ao procedimento através da aceitação de compromissos, bem como reflexões internas da Google, provavam a possibilidade de um tratamento igualitário nesta matéria.

571    A este respeito, no procedimento administrativo, como decorre do considerando 659 da decisão recorrida, e como confirma na petição nos n.os 130 a 138, a Google explicou que não pode aplicar os mesmos critérios de seleção aos resultados dos comparadores de produtos concorrentes e aos seus próprios resultados para produtos, ou seja, que não pode selecionar as melhores entre todas as respostas que podem ser dadas pelos comparadores de produtos, incluindo o seu, à consulta de pesquisa para produtos de um internauta. Em substância, invocou a este propósito o facto de não conhecer a organização e o conteúdo das bases de dados dos comparadores de produtos concorrentes, os seus processos de catalogação e de indexação, nem os seus algoritmos especializados que conduzem à proposta de determinados resultados na sequência da pesquisa de um internauta, e que, por conseguinte, não pode apreciar a qualidade, em relação à dos seus próprios resultados, dos resultados fornecidos pelos comparadores de produtos concorrentes, nem mesmo antecipar o resultado por eles fornecido à consulta concreta de um internauta, a fortiori por centenas desses comparadores. É irrealista que a Google tente acabar com a impossibilidade de antecipar as respostas que podem dar os comparadores de produtos concorrentes à consulta concreta de um internauta, remetendo, ela própria, essa consulta para centenas desses comparadores antes de comparar todas as respostas dadas. No mínimo, isso implicaria graves atrasos na resposta ao internauta que consulta a Google, resultando numa degradação da qualidade do seu serviço. Tudo o que a Google pode fazer, e já faz, é comparar, com o dispositivo Universal Search, os seus próprios resultados especializados para produtos com os seus próprios resultados genéricos, dado que conhece o seu modo de produção. No entanto, uma vez que os seus resultados genéricos só recuperam resultados especializados de comparadores de produtos concorrentes por efeito do processo denominado «crawling», da indexação e dos algoritmos de pesquisa geral, esta comparação com o Universal Search não permite comparar os resultados para produtos da Google com os que seriam realmente fornecidos pelos comparadores de produtos concorrentes se recebessem diretamente as consultas de pesquisa para produtos recebidas pela Google.

572    Todavia, por um lado, na medida em que o quarto argumento da Google possa ser entendido no sentido de que os efeitos prejudiciais para a concorrência que acompanham os ganhos de eficiência associados à melhoria do seu serviço de pesquisa não podem ser tecnicamente evitados e que, em substância, a Google não pode fazer melhor do que já faz para melhorar o seu serviço de pesquisa, há que constatar que o comportamento imputado à Google não pode, ao conduzir à retrogradação de inúmeros comparadores concorrentes e ao subtrair à atenção dos utilizadores os resultados dos referidos comparadores, gerar ganhos de eficiência, melhorando a experiência do utilizador (v. n.os 566 e 567, supra) e que esses ganhos de eficiência, mesmo admitindo a sua existência, não se revelam suscetíveis de neutralizar os significativos efeitos anticoncorrenciais atuais ou potenciais gerados pelas práticas sobre o jogo da concorrência e os interesses dos consumidores considerados no seu conjunto (v. n.o 568, supra). Na falta de tais ganhos de eficiência, não é pertinente que o que se tenha feito para alcançar os mesmos só o possa ser, de um ponto de vista técnico, pelas práticas punidas pela Comissão.

573    Por outro lado, em todo o caso, a Comissão não acusou a Google, no âmbito da determinação da infração, de não comparar os seus resultados para produtos com os resultados para produtos que são fornecidos pelos comparadores de produtos concorrentes às consultas de pesquisa para produtos dos internautas, aplicando os mesmos processos e métodos e, em especial, os mesmos algoritmos que utiliza para as suas pesquisas especializadas.

574    A Comissão criticou o facto de a Google não aplicar os mesmos processos e métodos para decidir do posicionamento e da apresentação dos resultados do seu próprio comparador de produtos e dos resultados dos comparadores concorrentes suscetíveis de aparecer nas suas páginas gerais de resultados, na medida em que a aplicação de processos e métodos diferentes para o posicionamento e a apresentação dos seus próprios resultados e dos resultados dos comparadores de produtos concorrentes leva a favorecer os resultados do seu próprio comparador e a retrogradar os resultados dos comparadores de produtos concorrentes nas páginas gerais de resultados.

575    Assim, na decisão recorrida, a Comissão não lamentou que a Google não tivesse introduzido um novo tipo de resultados nas suas páginas gerais de resultados, a saber, os resultados de comparadores de produtos concorrentes que seriam efetivamente dados se a consulta concreta do internauta fosse feita diretamente no motor de pesquisa especializado dos referidos comparadores concorrentes, nem procurou outra coisa que não fosse a igualdade de tratamento, em termos de posicionamento e de apresentação, entre dois tipos de resultados da Google, nem ainda criticou que a Google não tivesse procedido a comparações que refere não poder fazer entre os resultados para produtos que a própria fornece e os resultados para produtos fornecidos pelos comparadores de produtos concorrentes para uma mesma consulta concreta. É, aliás, a razão pela qual a Google não pode acusar a Comissão de não ter refutado as suas explicações técnicas, nem, como adiantou no procedimento administrativo, de a obrigar a transformar os resultados de comparadores de produtos concorrentes em resultados para produtos da Google, aplicando‑lhes os mesmos processos e métodos de seleção que aos seus próprios resultados.

576    Aliás, mesmo que não tivesse a possibilidade de aplicar processos e métodos subjacentes idênticos para comparar de forma homogénea os resultados do seu próprio comparador de produtos e os resultados dos comparadores de produtos concorrentes, nomeadamente, por não ter acesso à base de dados de produtos dos comparadores concorrentes e aos seus próprios algoritmos de seleção dos produtos, a Google não demonstrou estar impedida de aplicar aos referidos resultados processos e métodos que conduzissem ao mesmo tratamento, em termos de posicionamento e de apresentação dos resultados do seu comparador de produtos e dos comparadores concorrentes.

577    Além disso, importa recordar, como já acima foi feito no n.o 554, que cabe à empresa que invoca essas justificações para o seu comportamento apresentá‑las de forma convincente e não à autoridade da concorrência que examina esse comportamento demonstrar à partida a falta de tais justificações. Isto é ainda mais necessário quando só a empresa em causa tem conhecimento da justificação objetiva ou está naturalmente mais bem colocada do que a Comissão para revelar a sua existência e provar a sua pertinência (Acórdão de 1 de julho de 2010, AstraZeneca/Comissão, T‑321/05, EU:T:2010:266, n.o 686).

578    Pode‑se, aliás, observar por acréscimo que a Comissão apresentou, no entanto, argumentos, no considerando 671 da decisão recorrida, para demonstrar que é possível aplicar processos e métodos comuns para decidir do posicionamento e da apresentação, nas páginas gerais de resultados da Google, dos seus resultados para produtos e dos resultados de comparadores de produtos concorrentes suscetíveis de aparecer nos resultados genéricos. A Comissão baseou‑se nas propostas feitas pela Google durante as discussões com vista a pôr termo ao procedimento através da aceitação de compromissos e em reflexões internas à Google. Ora, esta última, para contestar esses argumentos, apenas invoca na petição, nos n.os140 a 142, contra‑argumentos que visam demonstrar que essas discussões e reflexões não contemplavam a classificação dos resultados dos comparadores de produtos concorrentes e dos resultados para produtos da Google de acordo com os mesmos processos e métodos. Todavia, estes contra‑argumentos não incidem sobre a impossibilidade de posicionar e de apresentar os resultados para produtos da Google e os seus resultados genéricos suscetíveis de recuperar resultados de comparadores de produtos concorrentes segundo os mesmos critérios.

579    Resulta do exposto que a terceira parte do primeiro fundamento, que visa justificar a visualização das Product Universals, deve ser julgada improcedente.

b)      Quanto às justificações da Google relativas à visualização das Shopping Units (terceira parte do segundo fundamento)

1)      Argumentos das partes

580    A Google aduz, em substância, os mesmos argumentos contra a decisão recorrida no que respeita à apreciação que a Comissão faz das justificações dadas para a visualização das Shopping Units como para a visualização das Product Universals (v. n.os 544 e 546, supra).

581    Desde logo, a Google expõe que a Comissão cometeu o mesmo tipo de erros ao não explicar, na decisão recorrida, por que razão os benefícios pró‑concorrenciais resultantes da implementação das Shopping Units não permitem a sua justificação. A Google refere, a este respeito, para justificar aspetos pró‑concorrenciais do seu comportamento, que as Shopping Units dão melhores respostas às pesquisas para produtos do que os anúncios textuais.

582    Em seguida, a título de necessidades objetivas, a Google alega que, como para as Product Universals e pelas mesmas razões, não pode comparar os seus anúncios para produtos que figuram nas suas Shopping Units com os anúncios para produtos gerados por comparadores de produtos concorrentes de acordo com métodos diferentes dos seus. Ora, a Comissão não abordou este aspeto, quando era obrigada a fazê‑lo. Também não identificou outras soluções que constituíssem uma alternativa.

583    Por último, a Google expõe que já incluía anúncios provenientes de comparadores de produtos concorrentes nas Shopping Units, tal como os anúncios de outros anunciantes. Fá‑lo não só para impugnar a existência de um favorecimento do seu próprio comparador de produtos, conforme acima observado no n.o 304, mas também para sublinhar que não foram identificadas pela Comissão outras soluções realistas e viáveis do que já faz para apresentar anúncios provenientes de comparadores de produtos concorrentes. A Google sustenta que o motor de pesquisa Bing procede da mesma forma que ela e que a Kelkoo propôs igualmente uma solução próxima no procedimento administrativo, sem que a Comissão criticasse essas formas de atuação.

584    A Comissão contesta estes argumentos.

2)      Apreciação do Tribunal Geral

585    Há que remeter para os n.os 551 a 554, supra, relativos às justificações que uma empresa em posição dominante pode apresentar para os seus comportamentos suscetíveis de ser abrangidos pela proibição do artigo 102.o TFUE dela fiquem excluídos.

586    Decorre dos considerandos 655 a 659 da decisão recorrida, que constam da sua secção 7.5 consagrada ao exame dos elementos apresentados pela Google no procedimento administrativo a título de justificações objetivas e de ganhos de eficiência, que a Google invocou os mesmos argumentos para justificar a visualização das Shopping Units e das Product Universals. Conforme acima observado no n.o 557, a Google não contesta na petição a apresentação destes argumentos. No âmbito da terceira parte do segundo fundamento, a Google contesta especificamente, nos seus articulados, a resposta comum às Product Universals e às Shopping Units da Comissão dada na decisão recorrida aos seus segundo e quinto argumentos, suscitados no procedimento administrativo e acima mencionados no n.o 557 (considerandos 656 e 659 da decisão recorrida).

587    No que respeita ao segundo argumento, que consiste na alegação pela Google de características pró‑concorrenciais do seu comportamento, a saber, que o posicionamento e a apresentação das Shopping Units, bem como o seu mecanismo de produção, conferem uma vantagem pró‑concorrencial ao assegurar a mais alta qualidade ao seu serviço de pesquisa na Internet em benefício dos internautas e dos vendedores na Internet, a Comissão deu respostas comuns no que diz respeito à justificação para a visualização das Shopping Units e para a visualização das Product Universals.

588    A este respeito, não há razão para adotar uma análise diferente da que foi acima exposta nos n.os 559 a 568. Em especial, o facto de, segundo a Google, as Shopping Units conterem melhores respostas às pesquisas para produtos do que os anúncios textuais em nada demonstra que essa vantagem pró‑concorrencial compensa ou mesmo supera os efeitos negativos para a concorrência do comportamento da Google identificados pela Comissão. Além disso, embora a Google exponha, num anexo à petição, que as respostas são mais pertinentes e, portanto, de melhor qualidade quando resultam de um sistema de leilões pagos (Shopping Units) do que quando aparecem sem contrapartida comercial prévia, como era o caso durante o período das Product Universals, esta afirmação não convence de que esse sistema seja o melhor, nomeadamente, porque tende a reduzir o número de resultados que podem aparecer e, consequentemente, a escolha do consumidor.

589    No que respeita ao quinto argumento da Google suscitado no procedimento administrativo e reiterado na petição, relativo à impossibilidade técnica de classificar de forma coerente os diferentes resultados do seu próprio comparador e dos comparadores concorrentes e ao facto de, caso fosse possível fazê‑lo, transformar todos esses resultados em resultados da Google, a Comissão deu respostas comuns no que diz respeito à justificação apresentada para a visualização das Shopping Units e para a visualização das Product Universals.

590    A este respeito, não há razão para adotar uma análise diferente da que foi acima exposta nos n.os 569 a 578. Com efeito, conforme acima indicado no n.o 572, uma vez que a Google não demonstra que a implementação das Shopping Units responde a preocupações pró‑concorrenciais suscetíveis de gerar ganhos de eficiência superiores à afetação da concorrência causada pelas práticas, além de ser irrelevante que esses alegados ganhos de eficiência não possam ser realizados sem estar acompanhados das limitações técnicas em causa, a Comissão não exige que a Google, conforme acima indicado nos n.os 575 e 576, aplique os algoritmos de pesquisa especializada dos comparadores de produtos concorrentes ou que aprecie os resultados destes em relação aos seus produtos resultados com base nos seus algoritmos, mas sim que posicione e apresente os resultados dos mesmos de forma não discriminatória em relação aos resultados do seu próprio comparador de produtos, utilizando os mesmos processos e métodos subjacentes.

591    Em especial, o facto de a Google ter integrado anúncios de comparadores de produtos concorrentes nas Shopping Units seguindo o modo de produção habitual dos seus anúncios para produtos, como expõe no n.o 199 da petição, sob reserva, aliás, como sublinha a Comissão, de que esses comparadores se tornem, por sua vez, vendedores de produtos, não demonstra que é unicamente o que pode ser feito no que respeita aos comparadores de produtos. Com efeito, não demonstra que é tecnicamente impossível assegurar a presença, em condições não discriminatórias, de anúncios de comparadores de produtos concorrentes nas Shopping Units ou em «boxes» equivalentes em termos de posicionamento e de apresentação, sem que esses comparadores de produtos devam, por sua vez, vender os produtos em causa e sem que esses anúncios sejam gerados seguindo o modo de produção dos anúncios para produtos da Google. A Comissão teve razão ao ter esses factos e conta, no considerando 671 da decisão recorrida. A este respeito, importa recordar novamente, como já foi acima feito no n.o 554, que cabe à empresa que invoca justificações objetivas para o seu comportamento apresentar as mesmas de forma convincente e não à autoridade da concorrência que examina esse comportamento demonstrar à partida a falta de tais justificações.

592    Assim, a Google não pode utilmente alegar que, atendendo ao método aplicado de integração de anúncios de comparadores de produtos concorrentes nas Shopping Units, a Comissão não identificou outras soluções realistas e viáveis para a visualização desses anúncios. As justificações objetivas apresentadas pela Google podem ser refutadas, tendo em conta os argumentos aduzidos para as demonstrar, sem que a Comissão faça prova, apresentando, ela própria, outro método de integração de anúncios de comparadores de produtos concorrentes nas Shopping Units, de que o comportamento em causa não pode ser justificado por limitações técnicas. Além disso, a Google não demonstrou que o único meio de assegurar a igualdade de tratamento nas Shopping Units fosse transformar os resultados dos comparadores de produtos concorrentes em resultados da Google. De resto, nas suas respostas às questões escritas do Tribunal Geral relativas à execução da decisão recorrida em comparação com o que tinha proposto a título de compromissos, a Google mostrou que pode integrar nas Shopping Units resultados de comparadores de produtos concorrentes identificando‑os como tais.

593    Por último, há que acrescentar que nada na decisão recorrida leva a pensar que, em definitivo, a Comissão aprovou indiretamente o método de integração de anúncios de comparadores de produtos concorrentes nas Shopping Units aplicado pela Google porque o motor de pesquisa Bing procede de forma semelhante ou porque a Kelkoo propôs uma solução vizinha.

594    Aliás, conforme acima indicado no n.o 353, a Google não demonstra nos seus articulados aplicar o método preconizado pela Kelkoo.

595    Resulta do exposto que a terceira parte do segundo fundamento, que visa justificar a visualização das Shopping Units, deve ser julgada improcedente.

5.      Conclusão quanto aos pedidos apresentados a título principal

596    Decorre do exame dos fundamentos no que respeita à declaração da existência de uma infração ao artigo 102.o TFUE, enunciada no artigo 1.o da decisão recorrida, que esta declaração deve ser confirmada na medida em que é relativa a abusos de posição dominante nos mercados nacionais da pesquisa especializada para produtos nos treze países mencionados nessa disposição. Todavia, este artigo deve ser anulado apenas na medida em que visa abusos de posição dominante nos mercados nacionais da pesquisa geral nos referidos países com base na existência de efeitos anticoncorrenciais nesses mercados.

597    Dado que a Comissão concluiu acertadamente que a Google tinha abusado da sua posição dominante nos mercados nacionais da pesquisa especializada para produtos, deve ser negado provimento ao recurso na medida em que visa igualmente a anulação dos artigos 3.o a 5.o da decisão recorrida, condenando a Google a pôr termo à infração declarada no artigo 1.o e a informar a Comissão das medidas tomadas para o efeito, prevendo sanções pecuniárias compulsórias em caso de incumprimento dessas obrigações.

C.      Quanto aos pedidos, apresentados a título subsidiário, relativos ao princípio e ao montante da coima

1.      Quanto à primeira parte do sexto fundamento, relativa à possibilidade de aplicar uma sanção pecuniária

a)      Argumentos das partes

598    Segundo a Google, mesmo que seja confirmada a declaração da existência de uma infração, a Comissão deveria abster‑se de aplicar qualquer sanção por três razões: a Comissão qualificou, pela primeira vez, de abusivo um comportamento que visa melhorar a qualidade; a Comissão começou por tramitar o processo no âmbito de um procedimento de aceitação de compromissos e rejeitou durante o procedimento administrativo as medidas corretivas exigidas na decisão recorrida; uma sanção pecuniária tão «estratosférica» como a aplicada à Google, que, prima facie, não viola as regras de concorrência à luz dos precedentes e da jurisprudência, coloca um problema para toda a indústria e tem consequências negativas sobre o incentivo das sociedades para inovarem.

599    Em especial, ao sublinhar que a coima que lhe foi aplicada é a mais elevada decretada pela Comissão por práticas anticoncorrenciais, a Google recorda, com a CCIA, que a Comissão só pode aplicar uma coima a uma empresa se esta tiver violado deliberadamente ou por negligência os artigos 101.o ou 102.o TFUE. Por conseguinte, era, necessário que a Google não pudesse ignorar o objeto anticoncorrencial do seu comportamento. Refere‑se, a este respeito, designadamente, ao Acórdão de 11 de julho de 1989, Belasco e o./Comissão (246/86, EU:C:1989:301, n.o 41). Ora, a decisão recorrida não menciona nenhum elemento que permita à Google identificar que as melhorias introduzidas nos seus serviços são ilícitas e que devem, assim, ser suprimidas ou abertas aos concorrentes, tanto mais que a Comissão indicou num comunicado de imprensa que acompanha a decisão recorrida que esta constitui «um precedente que fixa[va] o quadro que permite apreciar a legalidade deste tipo de comportamento». Por conseguinte, nem sequer pode ser acusada de ter sido negligente. A este respeito, a CCIA invoca, designadamente, a Decisão da Comissão de 22 de janeiro de 2019, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE (AT.40049 MasterCard II), na qual se admite que esta última podia razoavelmente não estar consciente do caráter anticoncorrencial do seu comportamento antes de a Comissão aceitar compromissos do outro sistema de pagamentos interbancários por cartão, o Visa, no que respeita a um comportamento análogo. A Google expõe que a Comissão considerou, em processos anteriores, que as sanções não são adequadas quando uma nova «teoria de abuso» é enunciada ou em caso de divergências sobre o comportamento em causa na jurisprudência dos órgãos jurisdicionais nacionais. Ora, várias decisões de autoridades administrativas ou de juízes nacionais, que a Google menciona, concluíram pelo caráter lícito do seu comportamento. O facto de a Comissão analisar o comportamento imputado à Google como o abuso de uma posição dominante num mercado que visa outro mercado, abrangido pelo conceito de abuso por efeito de alavanca, não retira à decisão recorrida o seu caráter inovador, uma vez que este conceito pode abranger situações muito diferentes.

600    O facto de, num primeiro momento, ter começado por tramitar o processo no âmbito de um procedimento de aceitação de compromissos implica que o processo não dava origem a sanção, como decorre do considerando 13 do Regulamento n.o 1/2003, de um comunicado da Comissão que apresenta este tipo de procedimento e do manual de procedimento da Direção‑Geral (DG) da Concorrência da Comissão, acessível no seu sítio Internet. Não se deve confundir a possibilidade de a Comissão regressar ao procedimento clássico se o procedimento de aceitação de compromissos não puder prosperar com a questão de saber se o comportamento em causa merece uma sanção. Na réplica, a Google acrescenta que, pelo menos, era necessário fornecer explicações a este respeito. A CCIA considera que a decisão recorrida carece de fundamentação sobre este ponto.

601    Por último, num primeiro momento, a Comissão expôs aos participantes no procedimento administrativo que não era possível impor à Google, com fundamento nas normas da concorrência da União, o que acabou por lhe impor na decisão recorrida, a saber, a utilização dos mesmos processos e dos mesmos métodos para fazer aparecer nas suas páginas gerais de resultados os seus próprios resultados de comparação de produtos e os resultados dos comparadores concorrentes. Em substância, isto mostra igualmente que a Google não podia adivinhar que infringia as regras de concorrência da União, uma vez que a Comissão expôs, durante um certo tempo, que não era o caso.

602    Desde logo, a Comissão sustenta, com a República Federal da Alemanha, que nada há de inédito na análise jurídica em que se baseia a decisão recorrida. A identificação de um abuso de posição dominante num mercado com vista a alargar essa posição aos mercados vizinhos é antiga e a Google confunde a consagração de novos princípios e a aplicação de princípios consagrados a novas práticas. A maior parte dos processos que revelam este tipo de abuso ocorreram num ambiente complexo, como no caso vertente, o que não impediu os órgãos jurisdicionais da União de confirmarem as pesadas sanções pecuniárias aplicadas nesses processos. Contrariamente ao que aconteceu em certos processos invocados pela CCIA, nenhuma incerteza rodeou, no caso em apreço, o critério jurídico aplicável à apreciação do comportamento da Google antes da adoção da decisão recorrida. Em todo o caso, o conhecimento subjetivo do caráter abusivo de um comportamento por parte de quem o adotou não é uma condição para a possível aplicação de uma sanção.

603    Em seguida, uma vez que a Comissão dispõe de uma margem de apreciação para tramitar um processo no âmbito do procedimento de aceitação de compromissos, sem sanção, ou no âmbito do procedimento clássico e tendo tido várias razões para voltar ao segundo após ter dado início ao primeiro, como é explicado nos considerandos 123 e seguintes da decisão recorrida, a Comissão recuperou o seu poder de aplicar uma sanção pecuniária. Além disso, os elementos apresentados pela Google durante os contactos com vista a uma aceitação de compromissos, contrariamente ao que sustenta, não facilitaram a tarefa da Comissão para qualificar a infração, o que, caso contrário, poderia ter influenciado a sanção. Com efeito, a Google negou expressamente qualquer infração.

604    Por último, a Comissão sustenta, em substância, que o que indicou a título de conclusão preliminar numa fase do procedimento administrativo como algo que não podia ser imposto à Google, a saber, classificar todos os resultados dos serviços de comparação de produtos, incluindo o seu, da mesma forma nos seus resultados genéricos, não corresponde ao que a seguir proibiu, por ser considerado abusivo, a saber, privilegiar o seu próprio serviço de comparação de produtos em relação aos outros nas suas páginas gerais de resultados. Mesmo que fosse possível interpretar de outro modo as posições do antigo membro da Comissão responsável pelas questões de concorrência, realçadas pela Google, seriam posições pessoais e não vinculativas para a Comissão.

b)      Apreciação do Tribunal Geral

605    A título preliminar, importa recordar que o Tribunal Geral tem competência de plena jurisdição no que respeita às sanções pecuniárias aplicadas pela Comissão pela prática de uma infração aos artigos 101.o e 102.o TFUE, que tem fundamento, nos termos do artigo 261.o TFUE, no artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003. Para além da simples fiscalização da legalidade, que só permite negar provimento ao recurso de anulação ou anular o ato impugnado, esta competência de plena jurisdição habilita o Tribunal Geral a modificar o ato recorrido, mesmo sem anulação, tendo em conta todas as circunstâncias de facto, a fim de alterar, por exemplo, o montante da coima, tanto para reduzir este montante como para o aumentar (Acórdão de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, EU:C:2009:505, n.o 86; v. igualmente, neste sentido, Acórdãos de 3 de dezembro de 1957, ALMA/Haute Autorité, 8/56, EU:C:1957:12, p. 191, e de 8 de fevereiro de 2007, Groupe Danone/Comissão, C‑3/06 P, EU:C:2007:88, n.os 60 a 63). Nestas condições, o Tribunal Geral pode, sendo caso disso, fazer apreciações diferentes das adotadas pela Comissão na decisão recorrida no que respeita à sanção pecuniária aplicada à Google.

606    A Google invoca, em substância, como primeiro argumento para contestar a sanção pecuniária que lhe foi aplicada, que, tendo em conta o caráter inédito da análise feita na decisão recorrida a respeito do comportamento que lhe foi imputado, não pode ter infringido deliberadamente ou por negligência o artigo 102.o TFUE, o que exclui que possa ser objeto de sanção.

607    A este respeito, o artigo 23.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1/2003 dispõe que a Comissão pode aplicar coimas às empresas sempre que, «deliberadamente ou por negligência», cometam uma infração ao disposto no artigo 102.o TFUE.

608    Relativamente à questão de saber se uma infração foi cometida deliberadamente ou por negligência, decorre da jurisprudência que a primeira hipótese se mostra verificada quando a empresa em causa não pode ignorar o caráter anticoncorrencial do seu comportamento (v., neste sentido, Acórdãos de 1 de fevereiro de 1978, Miller International Schallplatten/Comissão, 19/77, EU:C:1978:19, n.o 18; de 8 de novembro de 1983, IAZ International Belgium e o./Comissão, 96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, EU:C:1983:310, n.o 45, e de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, C‑295/12 P, EU:C:2014:2062, n.o 156). No entanto, uma empresa pode também ser punida se tiver cometido uma infração ao artigo 102.o TFUE por negligência, constituindo a escolha entre esta segunda hipótese de possível aplicação de uma sanção e a primeira hipótese uma alternativa (v. neste sentido, Despacho de 25 de março de 1996, SPO e o./Comissão, C‑137/95 P, EU:C:1996:130, n.os 53 a 57).

609    A este respeito, nos considerandos 723 a 729 da decisão recorrida, para demonstrar que a Google violou o artigo 102.o TFUE deliberadamente ou por negligência, a Comissão expôs que a Google não podia ignorar, por um lado, estar em posição dominante nos mercados nacionais da pesquisa geral em causa e, por outro, que a sua conduta constituía um abuso dessa posição dominante. Acrescentou que o facto de o tipo preciso de comportamento em causa não ter sido objeto de decisões anteriores não impedia a aplicação de uma coima. No que respeita à afirmação de que a Google não podia ignorar o caráter abusivo do seu comportamento, a Comissão fundamentou a sua afirmação indicando que a utilização de uma posição dominante num mercado para alargar essa posição em um ou mais mercados conexos constitui uma forma bem estabelecida de abuso que se afasta da concorrência pelo mérito. Referiu‑se, nomeadamente, por remissão no considerando 334 da decisão recorrida, aos Acórdãos de 3 de outubro de 1985, CBEM (311/84, EU:C:1985:394, n.o 27), de 14 de novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão (C‑333/94 P, EU:C:1996:436, n.o 25); de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige (C‑52/09, EU:C:2011:83, n.o 85); de 7 de outubro de 1999, Irish Sugar/Comissão (T‑228/97, EU:T:1999:246, n.o 166); e de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, EU:T:2007:289, n.o 1344). A Comissão sublinhou igualmente que enviou à Google, em 13 de março de 2013, uma apreciação preliminar na qual expunha por que a sua conduta violava o artigo 102.o TFUE.

610    É certo que os acórdãos acima mencionados no n.o 609, lidos no seu contexto, não permitem, como acima decorre dos n.os 162 e 163, considerar que toda e qualquer utilização de uma posição dominante num mercado para alargar essa posição dominante em um ou mais mercados conexos constitui uma forma bem estabelecida de abuso. Em cada um dos processos em causa, foi declarado excluído da concorrência pelo mérito um tipo específico de comportamento, diferente do adotado pela Google, por exemplo, o facto de se reservar uma atividade auxiliar a um monopólio legal, praticar a venda ligada e preços predatórios, praticar uma «compressão tarifária das margens», ter práticas tarifárias discriminatórias ou de fidelização da clientela ou ainda recusar a interoperabilidade de sistemas informáticos. Além disso, nos números desses acórdãos mencionados pela Comissão, apenas se esclarece que um abuso de posição dominante pode ser caracterizado mesmo que produza efeitos num mercado diferente do mercado dominado ou se tiver efeitos no mercado dominado quando o comportamento em causa ocorre num mercado diferente ou ainda se o comportamento em causa e os seus efeitos apenas se verificarem num mercado diferente do mercado dominado. Ora, a possibilidade de identificar, sendo caso disso, com fundamento no artigo 102.o TFUE, um abuso cometido num mercado diferente daquele em que se desenvolve a posição dominante não significa que é necessariamente anticoncorrencial toda a prática através da qual uma empresa utiliza a sua posição dominante num mercado para se expandir para outro mercado. Com efeito, conforme acima recordado no n.o 162, a simples extensão da posição dominante de uma empresa, num mercado vizinho não pode, por si só, constituir prova de um comportamento que se afasta da «concorrência normal», na aceção do Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark (C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 24 e jurisprudência referida), mesmo quando essa extensão conduz ao desaparecimento ou à marginalização de concorrentes.

611    Por outro lado, uma vez que a infração da Google foi identificada em sete dos países em causa a partir de datas anteriores a março de 2013, o argumento apresentado pela Comissão de que avisou a Google do caráter anticoncorrencial do seu comportamento na apreciação preliminar que lhe enviou é insuficiente do ponto de vista temporal, para o período anterior a março de 2013.

612    Todavia, decorre de jurisprudência constante que, quaisquer que sejam as causas da sua posição dominante num mercado, mesmo que esta resulte da qualidade dos seus produtos e das suas prestações, incumbe à empresa que detém essa posição uma responsabilidade especial de não prejudicar através do seu comportamento uma concorrência efetiva e não falseada no mercado interno (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, EU:C:1983:313, n.o 57, e de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.o 24).

613    Assim, uma empresa em posição dominante está sujeita, no âmbito de aplicação do artigo 102.o TFUE, a determinadas limitações que não se aplicam a outras empresas e uma prática autorizada em condições normais de concorrência pode ser abusiva quando seguida por uma empresa em posição dominante (Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Post Danmark, C‑23/14, EU:C:2015:343, n.o 25; v. igualmente, neste sentido, Acórdão de 16 de março de 2000, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, C‑395/96 P e C‑396/96 P, EU:C:2000:132, n.o 131).

614    Do mesmo modo, decorre de jurisprudência constante que, como sublinham a Comissão e a República Federal da Alemanha, uma posição dominante num mercado pode resultar na conclusão de que a sua exploração é abusiva devido às consequências que uma prática da empresa dominante em causa, que falseia a concorrência, tem noutro mercado (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, EU:C:1974:18, n.o 25, e de 3 de outubro de 1985, CBEM, 311/84, EU:C:1985:394, n.os 25 e 26).

615    A Comissão aborda este tipo de situações na sua Orientação sobre as prioridades na aplicação do artigo 102.o TFUE a comportamentos de exclusão abusivos por parte de empresas em posição dominante, fazendo referência a inúmeros acórdãos do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral (v., nomeadamente n.os 52 e seguintes). Nesta comunicação, a Comissão refere, por exemplo, o caso das vendas subordinadas e agrupadas, expondo que são práticas correntes que têm, normalmente, por objetivo fornecer melhores produtos ou ofertas mais rentáveis aos clientes. Expõe, porém, que, por parte de uma empresa em posição dominante, tal prática pode prejudicar os consumidores se este tipo de vendas encerrar o mercado e tiver um efeito de encerramento anticoncorrencial para com os concorrentes.

616    Em face do exposto, verifica‑se que, uma vez que conhecia a sua posição dominante nos mercados da pesquisa geral no EEE e que favorecia nas suas páginas gerais de resultados o seu próprio comparador de produtos em relação aos seus concorrentes, quando este comportamento revestia uma certa forma de anormalidade, como acima referido no n.o 179, e dado que conhecia igualmente a importância das referidas páginas como fonte de tráfego para os comparadores de produtos, a Google devia saber que o seu comportamento prejudicava a igualdade de oportunidades entre os diferentes operadores económicos, garante de um sistema de concorrência não falseada (v. jurisprudência acima referida no n.o 180, in fine), e que esse comportamento era suscetível de excluir os seus concorrentes ou de restringir a concorrência dos mesmos em determinados mercados da pesquisa especializada para produtos no EEE. Assim, adotou deliberadamente um comportamento de dimensão anticoncorrencial, tal como previsto na jurisprudência acima mencionada no n.o 608, que era suscetível de constituir um abuso de posição dominante. Por conseguinte, há que declarar que esta infração foi cometida deliberadamente, incluindo antes da receção pela Google, em março de 2013, da apreciação preliminar em que a Comissão expôs a razão por que a sua conduta era suscetível de infringir o artigo 102.o TFUE.

617    Após essa receção, a prática da infração continuou, a fortiori, deliberadamente. Com efeito, a Google não nega que, nessa apreciação, conforme exposto no considerando 63 da decisão recorrida, a Comissão lhe indicou que o tratamento favorável que reservava, nas suas páginas gerais de resultados, às ligações para os seus próprios serviços de pesquisa especializada em relação às ligações para os serviços de pesquisa especializada concorrentes era suscetível de constituir uma infração ao artigo 102.o TFUE e ao artigo 54.o do Acordo EEE (v., neste sentido, Acórdão de 14 de abril de 2011, Visa Europe e Visa International Service/Comissão, T‑461/07, EU:T:2011:181, n.os 250 a 252). Após ter ignorado as preocupações da Comissão em relação ao seu comparador de produtos, a Google podia ainda menos afirmar que estava assegurada da compatibilidade das suas práticas com as regras enunciadas no artigo 102.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2003, British Airways/Comissão, T‑219/99, EU:T:2003:343, n.o 314). A Comissão estava, portanto, perante uma situação em que podia, salvo circunstâncias especiais, aplicar uma sanção.

618    A este respeito, a circunstância de o tipo específico de comportamento imputado à Google não ter sido anteriormente à decisão recorrida objeto de uma decisão de aplicação das normas da concorrência da União, o que reconheceu a Comissão ao expor publicamente, no comunicado de imprensa que anunciava a decisão recorrida, que esta constituía «um precedente que fix[ava] o quadro que permit[ia] apreciar a legalidade deste tipo de comportamento», não significa que a declaração da prática de uma infração pela Google, assim como uma sanção, eram imprevisíveis para esta última, tendo em conta os elementos acima mencionados nos n.os 612 a 616  (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2016, Lundbeck/Comissão, T‑472/13, EU:T:2016:449, n.os 761 a 767).

619    O mesmo se aplica à circunstância eventual, impugnada pela Comissão, de, numa determinada fase do procedimento, esta ter indicado que não podia impor à Google as alterações de comportamento que acabou por lhe impor. Nessa fase do procedimento, que corresponde ao momento em que a Comissão tencionava aceitar compromissos da Google e rejeitar as denúncias contra ela apresentadas, essa posição só podia ser provisória e também não pode justificar que a declaração da prática de uma infração pela Google, assim como uma sanção, fossem imprevisíveis para esta última, tendo em conta os elementos acima mencionados nos n.os 612 a 616.

620    A este respeito, embora se imponha o princípio da legalidade dos crimes e das penas consagrado, nomeadamente, no artigo 49.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia no âmbito da aplicação das disposições do Regulamento n.o 1/2003 que prevê sanções pelas infrações às regras de concorrência enunciadas nos artigos 101.o e 102.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, C‑295/12 P, EU:C:2014:2062, n.os 146 a 149), este princípio não pode ser interpretado no sentido de que proscreve a clarificação gradual das regras da responsabilidade penal, pela interpretação judicial de uns casos para outros, desde que o resultado seja razoavelmente previsível no momento em que a infração foi cometida, atendendo, designadamente, à interpretação então acolhida na jurisprudência relativa à disposição legal em causa (v. Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.o 41 e jurisprudência referida).

621    A Google, apoiada a este respeito pela CCIA, aduz, em substância, como segundo argumento para contestar a sanção pecuniária que lhe foi aplicada, uma desigualdade de tratamento em relação a outros processos em que as empresas que tinham violado as regras de concorrência não foram punidas devido à falta de consciência de terem infringido essas regras ou devido a anteriores incertezas quanto à existência da infração por divergências de apreciação de diferentes autoridades nacionais.

622    O princípio da igualdade de tratamento constitui um princípio geral do direito da União, consagrado nos artigos 20.o e 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais. Decorre de jurisprudência constante que o referido princípio exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (Acórdãos de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, C‑580/12 P, EU:C:2014:2363, n.o 51, e de 26 de janeiro de 2017, Roca/Comissão, C‑638/13 P, EU:C:2017:53, n.o 65).

623    No entanto, resulta igualmente da jurisprudência que as comparações efetuadas com outras decisões da Comissão adotadas em matéria de coimas só podem ter pertinência à luz do respeito do princípio da igualdade de tratamento se se demonstrar que os dados circunstanciais dos processos relativos a essas decisões, como os mercados, os produtos, os países, as empresas e os períodos em causa, são comparáveis com os do caso em apreço. Decorre igualmente da jurisprudência que importa invocar decisões contemporâneas para efeitos de comparação (Acórdãos de 24 de março de 2011, IMI e o./Comissão, T‑378/06, não publicado, EU:T:2011:109, n.o 42, e de 27 de junho de 2012, YKK e o./Comissão, T‑448/07, não publicado, EU:T:2012:322, n.o 151).

624    Mesmo sem ter em conta esse segundo fator, temporal, não se pode deixar de observar que a Decisão C(2014) 2892 final da Comissão, de 29 de abril de 2014, dirigida à Motorola Mobility LLC, relativa a um processo nos termos do artigo 102.o TFUE e do artigo 54.o do Acordo EEE (AT.39985 — Motorola — Aplicação de SEP de GPRS), a Decisão da Comissão, de 2 de junho de 2004, relativa a um procedimento nos termos do artigo 82.o do Tratado CE [Processo COMP/38.096, Clearstream (serviços de compensação e liquidação)], a Decisão da Comissão, de 27 de agosto de 2003, relativa a um procedimento nos termos do artigo 82.o do Tratado CE (COMP/37.685 GVG/FS), a Decisão C(2019) 241 final da Comissão, de 22 de janeiro de 2019, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE (AT.40049 — MasterCard II), e a Decisão da Comissão, de 25 de julho de 2001, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.o do Tratado CE (COMP/C‑1/36.915 — Deutsche Post AG — Interceção de correio transfronteiriço), invocadas pela Google ou pela CCIA, tinham por objeto setores e problemas muito diferentes dos do presente processo: respetivamente, o setor das tecnologias para as telecomunicações com uma problemática relacionada com a existência de uma patente e de uma ação judicial para a cessação da utilização de uma dessas tecnologias, o setor da compensação e da liquidação das transações sobre valores mobiliários com uma problemática relacionada com a recusa de prestação de serviços e a aplicação de preços discriminatórios, o setor do transporte ferroviário internacional de passageiros com uma problemática relacionada com uma recusa de fornecimento de informações que permitem o acesso à rede através da constituição de um agrupamento ferroviário internacional, o setor dos pagamentos por cartões bancários entre diferente países do EEE com uma problemática tarifária relacionada com comissões interbancárias e o setor postal com uma problemática relacionada com a prática dita da «repostagem internacional» ou do «correio nacional desviado». As numerosas outras decisões invocadas pela Google também não apresentam circunstâncias comparáveis às do presente processo, o que a Google não pode validamente contestar, uma vez que sustenta, em substância, que a decisão recorrida constitui uma «estreia».

625    Ora, no que respeita a decisões relativas a circunstâncias não comparáveis, a prática decisória da Comissão não serve de enquadramento jurídico para a fixação do montante das coimas em matéria de concorrência, uma vez que a Comissão dispõe nesse domínio de um poder de apreciação no exercício do qual não está vinculada pelas suas apreciações anteriores (v., neste sentido, Acórdão de 24 de setembro de 2009, Erste Group Bank e o./Comissão, C‑125/07 P, C‑133/07 P, C‑135/07 P e C‑137/07 P, EU:C:2009:576, n.o 123).

626    Por conseguinte, o facto de, em determinadas decisões anteriores, a Comissão ter considerado inoportuno aplicar uma coima após ter declarado uma infração às regras de concorrência da União, por exemplo, porque o tipo de comportamento em causa era apreendido pela primeira vez ou porque as autoridades administrativas ou os órgãos jurisdicionais nacionais tinham julgado o mesmo de forma diferente, não a vincula nem vincula, a fortiori, o Tribunal Geral.

627    Neste contexto, há que sublinhar, conforme acima recordado no n.o 608, que se pode considerar que uma infração às normas da concorrência da União foi cometida deliberadamente quando a empresa em causa não podia ignorar o caráter anticoncorrencial do seu comportamento, o que, nesse caso, permite que seja punida pela infração cometida.

628    Por outro lado, nada no Regulamento n.o 1/2003 nem nas Orientações indica que a Comissão deva, como também sustenta a Google, abster‑se de punir, a título de «estreia», um comportamento contrário às normas da concorrência da União se não for anticoncorrencial por natureza ou por objeto. O critério legal pertinente é, conforme acima recordado no n.o 607, saber se a infração declarada foi cometida deliberadamente ou por negligência.

629    Assim, o facto de o abuso identificado resultar de uma situação à qual nunca foram aplicadas as normas da concorrência da União é um elemento a ter em conta na apreciação da sanção, mas não a impede (v., neste sentido, Acórdão de 3 de julho de 1991, AKZO/Comissão, C‑62/86, EU:C:1991:286, n.o 163).

630    Nestas condições, as decisões anteriores da Comissão invocadas pela Google e pela CCIA ou mesmo as sentenças ou decisões administrativas nacionais que assinalaram a «favor» da Google no que respeita ao comportamento que é objeto da decisão recorrida não podem levar a considerar que não podia ser aplicada uma sanção pecuniária à Google.

631    A Google, sempre apoiada a este respeito pela CCIA, aduz, em substância, como terceiro argumento para contestar a sanção pecuniária que lhe foi aplicada, que, tendo começado por tratar o processo no âmbito de um procedimento de aceitação de compromissos, o que pressupõe que o processo não dava lugar à sanção, a comissão não podia, em última análise, aplicar‑lhe tal sanção, mesmo tendo decidido regressar ao procedimento clássico de declaração da infração.

632    A Comissão respondeu a este argumento no procedimento administrativo nos considerandos 730 a 734 da decisão recorrida. A este respeito, a Comissão expôs que dispunha de um poder discricionário para adotar quer uma decisão de aceitação de compromissos ao abrigo do artigo 9.o do Regulamento n.o 1/2003 quer uma decisão de declaração da infração ao abrigo do artigo 7.o do mesmo regulamento. Fez referência aos Acórdãos de 29 de junho de 2010, Comissão/Alrosa (C‑441/07 P, EU:C:2010:377, n.o 40), e de 30 de junho de 2016, CB/Comissão (T‑491/07 RENV, não publicado, EU:T:2016:379, n.o 470). Em seguida, a Comissão recordou, por remissão para os considerandos 123 a 137 da decisão recorrida, as razões que a levaram a regressar ao procedimento clássico de declaração da infração, a saber, essencialmente, a insuficiência dos compromissos propostos para resolver os problemas de concorrência identificados, e expôs que, uma vez que tinha regressado a esse quadro, dispunha de todas as prerrogativas ligadas ao mesmo, incluindo a de aplicar uma sanção pecuniária. Acrescentou que a dispensa de sanção só é aplicada em circunstâncias excecionais, como uma contribuição decisiva da empresa para a prova da infração, em nada tendo as propostas de compromissos da Google servido para esse efeito.

633    Como salientou o Tribunal Geral no Acórdão de 30 de junho de 2016, CB/Comissão (T‑491/07 RENV, não publicado, EU:T:2016:379, n.o 470), invocado pela Comissão na decisão recorrida, decorre do disposto no Regulamento n.o 1/2003 que a Comissão dispõe de margem de apreciação na escolha da adoção de uma decisão com fundamento no artigo 7.o ou de uma decisão com fundamento no artigo 9.o deste regulamento. Resulta igualmente do uso do verbo «poder» neste último artigo, nos termos do qual «[q]uando […] as empresas em causa assumirem compromissos suscetíveis de dar resposta às objeções expressas pela Comissão […], esta pode, mediante decisão, tornar estes compromissos obrigatórios», que a Comissão não é obrigada a prosseguir o procedimento de aceitação de compromissos que iniciou e que pode regressar ao procedimento clássico de declaração da infração. A Comissão tem o direito de o fazer, por exemplo, por considerar que os compromissos propostos são insuficientes para responder aos problemas de concorrência identificados, por se verificar que a dimensão dos factos ou desses problemas é maior do que a inicialmente delimitada ou mesmo por, em definitivo, a Comissão considerar mais oportuno, por razões de política geral de concorrência, proceder à declaração da infração que será, sendo caso disso, submetida à fiscalização jurisdicional.

634    Como sustenta a Comissão, o regresso ao procedimento clássico de declaração da infração após ter dado início a um procedimento de aceitação de compromissos não a impede, enquanto tal, de aplicar uma sanção pecuniária, uma vez que o procedimento clássico inclui esse poder, como decorre da leitura conjugada do artigo 7.o, n.o 1, e do artigo 23.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1/2003. Foi o que a Comissão expôs, em substância, nos considerandos 730 a 733 da decisão recorrida, que não sofre, a este respeito, de falta de fundamentação, contrariamente ao que avança a CCIA.

635    A Google e a CCIA parecem considerar que, no caso vertente, a Comissão violou o princípio da proteção da confiança legítima ao aplicar uma sanção depois de ter inicialmente encetado um procedimento de aceitação de compromissos. Invocam, a contrario, o considerando 13 do Regulamento n.o 1/2003, o comunicado da Comissão que apresenta o procedimento de aceitação de compromissos e o manual de procedimento da DG da Concorrência da Comissão, nos quais é indicado que este procedimento não é adequado quando a natureza do processo se presta a sanção.

636    A propósito, há que recordar que a violação do princípio da proteção da confiança legítima, que constitui um princípio geral do direito da União, pressupõe que quem o invoca tenha recebido da instituição em causa garantias precisas que lhe geraram esperanças fundadas (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de novembro de 2005, Alemanha/Comissão, C‑506/03, não publicado, EU:C:2005:715, n.o 58; de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 147, e de 21 de julho de 2011, Alcoa Trasformazioni/Comissão, C‑194/09 P, EU:C:2011:497, n.o 71).

637    Ora, embora seja verdade que, além do comunicado de imprensa e do manual de procedimento invocados pela Google e pela CCIA, o considerando 13 do Regulamento n.o 1/2003 indica que as decisões de aceitação de compromissos não são adequadas nos casos em que a Comissão tencione aplicar uma coima, o facto de a Comissão, numa determinada fase da instrução de um caso de possível infração aos artigos 101.o e 102.o TFUE, iniciar um procedimento de aceitação de compromissos traduz apenas uma opção processual preliminar e não definitiva. Esta escolha processual não pode constituir uma garantia precisa de que a Comissão não regressará ao procedimento clássico de declaração da infração e não aplicará uma sanção. Importa remeter, a este respeito, para os fundamentos acima indicados nos n.o 633 e 634 [v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 23 de outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão, T‑65/98, EU:T:2003:281, n.os 192 a 194, e de 14 de abril de 2011, Visa Europe e Visa International Service/Comissão, T‑461/07, EU:T:2011:181, n.os 223 e 224].

638    Por conseguinte, a circunstância de a Comissão ter considerado, numa determinada fase do procedimento, que o processo podia, sendo caso disso, ser tramitado no âmbito do procedimento de aceitação de compromissos não a impedia de aplicar, em última instância, uma sanção pecuniária à Google depois de ter regressado ao procedimento clássico de declaração da infração.

639    Por conseguinte, resulta do exposto que a Comissão podia aplicar uma sanção pecuniária à Google.

2.      Quanto à segunda parte do sexto fundamento, relativa ao quantum da sanção pecuniária

640    A título preliminar, importa recordar que, nas Orientações, a Comissão expõe que utiliza, como elementos de cálculo do montante da coima que visa punir uma infração às normas da concorrência da União, uma proporção do valor das vendas dos bens ou dos serviços relacionados com a infração, bem como a duração desta. O valor das vendas relacionadas direta ou indiretamente com a infração no ano de referência é, assim, afetado de um coeficiente de gravidade que pode ir até 30 % (multiplicador de 0,3). O montante obtido é depois multiplicado pela duração da infração expressa em anos e, sendo caso disso, acrescido, para fins dissuasivos, de um montante adicional de 15 a 25 % do referido valor anual das vendas para constituir o «montante de base da coima». A Comissão precisa que tomas em consideração, em princípio, para determinar o valor das vendas, o último ano completo de participação na infração (pontos 5 a 25 das Orientações). A Comissão indica igualmente que circunstâncias agravantes ou atenuantes podem levá‑la a alterar o montante de base da coima e que pode, in fine, aumentar a coima, designadamente para fins dissuasivos às empresas que tenham de um volume de negócios particularmente elevado que se estenda para lá das vendas de bens e serviços relacionadas com a infração, sob reserva de respeitar o limite máximo legal da sanção de 10 % do volume de negócios mundial realizado no exercício anterior à decisão (pontos 27 a 33 das Orientações).

641    Como foi acima exposto mais detalhadamente nos n.os 75 a 77, a Comissão adotou, no caso presente, um coeficiente de gravidade de 10 % aplicado aos rendimentos gerados em 2016 pelos anúncios para produtos que figuram nas Shopping Units e na página especializada Google Shopping e pelos anúncios textuais que figuram igualmente na referida página nos treze países para os quais tinha identificado o comportamento imputado. A Comissão multiplicou esse montante pelo número de anos de infração apurado a partir do lançamento das Product Universals ou, na sua falta, das Shopping Units e acrescentou, para assegurar o efeito dissuasivo da sanção, um montante adicional correspondente a 10 % dos rendimentos acima mencionados e, sem considerar circunstâncias agravantes ou atenuantes, aumentou ainda a quantia a que chegou aplicando‑lhe um fator multiplicador de 1,3.

a)      Argumentos das partes

642    A Google alega que, admitindo que a Comissão tivesse o direito de lhe aplicar uma coima, esta foi, em todo o caso, calculada de forma errada. Referindo‑se às Orientações, a Google considera que a Comissão fixou um montante inexato para o valor das vendas, um período de infração demasiado longo, um coeficiente de gravidade excessivo, um aumento injustificado que normalmente é utilizado para dissuadir os cartéis anticoncorrenciais, um coeficiente de dissuasão adicional igualmente injustificado e uma taxa de câmbio incorreta e que, pelo contrário, não teve em conta circunstâncias atenuantes.

643    A Google começa por contestar a escolha de adotar o ano de 2016 como ano de referência para a avaliação do valor das vendas. Em seu entender, deveria ter sido considerada a média dos rendimentos durante o período do comportamento imputado, o que teria sido mais representativo da realidade económica e da sua situação. O que, de resto, a Comissão tinha anunciado na comunicação de acusações, tendo procedido assim em vários processos.

644    Em seguida, para cada país em causa, a Comissão fixou um período de infração demasiado longo. Nenhuma análise da concorrência foi efetuada para os anos anteriores a 2011, apenas uma análise dos fluxos de pesquisa em França, na Alemanha e no Reino Unido, e, em vários Estados, o Google Shopping, que é identificado na decisão recorrida como o serviço de comparação para a compra de produtos da Google, só foi lançado em setembro de 2016, embora as Shopping Units já existissem. O período de negociação com a Comissão de eventuais compromissos da Google, entre maio de 2012 e março de 2015, também não deveria ter sido tido em conta, contrariamente ao que foi feito sem explicações.

645    O coeficiente de gravidade de 10 % aplicado é demasiado elevado. Trata‑se do coeficiente de gravidade mais elevado (juntamente com o que foi aplicado num processo em que o comportamento anticoncorrencial era, aliás, bem mais grave) aplicado por uma infração ao artigo 102.o TFUE. Mesmo nos casos mais graves relativos a cartéis proibidos pelo artigo 101.o TFUE, esse coeficiente excede raramente 20 %. A fundamentação apresentada, a saber, uma ligação com as grandes quotas de mercado da Google e o peso económico dos mercados em causa, não o justifica. Com efeito, estes elementos estão ligados à situação do mercado, mas não à gravidade do comportamento punido. No processo que deu origem à Decisão da Comissão D(2009) 3726 final, de 13 de maio de 2009, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.o do Tratado CE e do artigo 54.o do Acordo EEE (COMP/C‑3/37.990 — Intel), caracterizada por uma situação de mercado análoga, foi aplicado um coeficiente de 5 %, quando o comportamento imputado era, como a própria Comissão especificou na decisão proferida nesse processo, abusivo por natureza, complexo e mantido em segredo e a estratégia de exclusão identificada era de dimensão mundial.

646    A aplicação de um montante adicional de 10 % das receitas anuais, correspondente a mais de 200 milhões de euros, não tem precedente numa infração ao artigo 102.o TFUE, ao passo que as Orientações indicam que este tipo de majoração visa dissuadir os cartéis abrangidos pelo artigo 101.o TFUE. Nenhuma fundamentação explica a razão do recurso a este aumento. O objetivo de dissuasão em relação a outras empresas, invocado na contestação, não justifica a aplicação de uma sanção desproporcionada por um comportamento que também foi adotado por concorrentes da Google, aliás, pouco suscetíveis de deter uma posição dominante face à análise de mercado apresentada na decisão recorrida.

647    Do mesmo modo, o fator multiplicador de 1,3 aplicado in fine, que conduz a uma majoração de mais de 500 milhões de euros, é injustificado. A este respeito, a justificação de ordem geral constante da decisão recorrida relativa à necessidade de dissuasão e a que visa o volume de negócios mundial da Alphabet são insuficientes. Esta majoração só foi aplicada uma única vez, sem utilização simultânea de um montante adicional, conforme acima referido, por uma infração ao artigo 102.o TFUE. Essa infração dizia respeito a uma recusa de fornecimento de um elemento indispensável e a um efeito de compressão tarifária das margens (compressão de margem). Além disso, no presente processo, a Google cooperou de forma construtiva com a Comissão sem encobrir o comportamento imputado, o que afasta a necessidade de uma componente específica de dissuasão na coima que, aliás, já se mostra bastante suficiente a este respeito.

648    A Comissão utilizou também erradamente, para determinar em euros o valor das vendas dos bens ou dos serviços relacionados com a infração com base nos dados fornecidos pela Google, apresentados em dólares dos Estados Unidos (USD), a taxa de câmbio média de 2016, além disso incorreta, quando deveria ter utilizado as taxas de câmbio médias de cada ano em causa.

649    Por último, a Comissão deveria ter tido em conta, como circunstâncias atenuantes, os esforços desenvolvidos de boa‑fé pela Google para negociar compromissos, a novidade da teoria que sustenta a existência de uma infração, que implica que a eventual infração não tenha sido cometida de forma intencional, as vantagens que os consumidores e os comerciantes retiraram das práticas em causa e a inexistência de ocultação das mesmas.

650    Resulta do exposto, designadamente com a utilização de um coeficiente de gravidade de 2,5 % [igual a metade do aplicado no processo que deu origem à Decisão D(2009) 3726 final da Comissão, de 13 de maio de 2009, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.o do Tratado CE e do artigo 54.o do Acordo EEE (COMP/C‑3/37.990 — Intel)], em vez dos 10 % utilizados na decisão recorrida, que, mesmo sem ter em conta as circunstâncias atenuantes, a coima aplicada não deveria ser superior a 91 milhões de euros. Por conseguinte, a Google pede ao Tribunal Geral que, no caso de manter uma sanção pecuniária, tenha em conta tudo o que precede no exercício do seu poder de plena jurisdição.

651    No que respeita à escolha do ano de 2016 como ano de referência para determinar o valor das vendas dos bens ou dos serviços relacionados com a infração, a Comissão expõe que está em conformidade com o indicado no ponto 13 das Orientações e que o último ano completo anterior à declaração da infração reflete a realidade económica, designadamente a dimensão da infração e, em substância, o resultado a que conduz nos mercados em causa, ou seja, o desenvolvimento do serviço de comparação de produtos da Google em detrimento dos serviços concorrentes. Nenhum elemento apresentado pela Google vai em sentido contrário. Em especial, houve circunstâncias específicas, que não se verificam no caso presente, que justificaram em certos processos invocados pela Google, à luz do princípio da igualdade de tratamento, que a Comissão se baseasse em médias relativas a vários anos.

652    No que respeita à duração da infração declarada, a Comissão recorda que identificou, com elementos concretos de apoio, a existência do comportamento imputado já antes de 2011 em França, na Alemanha e no Reino Unido, período relativamente ao qual só declarou a existência da infração nesses três países. A este respeito, o exame dos fluxos, da página geral de resultados da Google para os comparadores de produtos, foi pertinente. No que respeita aos outros países em que a infração declarada teve início depois, a Comissão sublinha que não só a página especializada, mas também os anúncios para produtos e os resultados de pesquisa especializada para produtos apresentados nas páginas de resultados de pesquisa geral antes de essa página especializada estar disponível em certos países constituem o comparador de produtos da Google. Em especial, o considerando 412 da decisão recorrida, invocado pela Google, nada mais diz. Assim, o lançamento das Shopping Units com os seus anúncios para produtos em diferentes países podia ser considerado o início do comportamento que visava favorecer o comparador de produtos da Google. Por último, a Comissão expõe que não há nenhuma razão para não contabilizar o período de discussão de eventuais compromissos, uma vez que as práticas em causa não cessaram durante esse período.

653    No que diz respeito ao coeficiente de gravidade de 10 % aplicado, a Comissão sublinha que é muito inferior ao coeficiente máximo de 30 % mencionado nas Orientações, que reflete a importância dos mercados afetados pelo comportamento imputado e a natureza e o âmbito geográfico deste e que esse coeficiente não foi posto em causa pelo Tribunal Geral num processo relativo à aplicação do artigo 102.o TFUE. Além disso, a Google não demonstrou que as circunstâncias dos outros processos que invoca, designadamente o processo que deu origem à Decisão da Comissão D(2009) 3726 final, de 13 de maio de 2009, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.o do Tratado CE e do artigo 54.o do Acordo EEE (COMP/C‑3/37.990 — Intel), eram comparáveis às do presente processo. A Comissão sublinha as diferenças no que diz respeito aos produtos e aos mercados, às empresas em causa e aos períodos durante os quais os comportamentos foram observados.

654    O montante adicional de 10 % das receitas anuais também foi justificado. O ponto 25 das Orientações não refere que esse montante adicional esteja reservado para os casos de cartéis proibidos pelo artigo 101.o TFUE, mas que está previsto para permitir dissuadir outras empresas de adotarem um comportamento ilícito comparável ao punido, incluindo noutros mercados de produtos. A Google também não demonstrou que os casos em que a Comissão não incluiu esse montante na sanção eram comparáveis ao presente caso. Por conseguinte, não era necessário fundamentar especialmente a aplicação desse montante.

655    O fator multiplicador de 1,3 aplicado in fine, por sua vez, teve por objeto, como resulta do ponto 30 das Orientações, ter em conta a extensão das atividades da Google para além dos mercados afetados pelo comportamento imputado. A Comissão indica um volume de negócios global da Google 40 vezes superior. Permitiu atingir um nível de sanção suficientemente importante para esta empresa, de molde a manter um aspeto dissuasivo. A atitude da Google durante o processo, procurando resolver o processo pela via de compromissos, não é um elemento pertinente a este respeito.

656    Além disso, a taxa de câmbio média do ano de 2016 do dólar dos Estados Unidos para o euro, indicada pelas publicações do Banco Central Europeu (BCE) a 0,9039 euro para um dólar, utilizada na decisão recorrida, não está errada.

657    Por último, segundo a Comissão, foi legitimamente que não considerou circunstâncias atenuantes. Aliás, tais circunstâncias não foram alegadas no processo que conduziu à decisão recorrida, o que justifica que esta não indique a razão da sua não consideração. Quanto ao mérito, a Comissão apresenta vários argumentos. O facto de a Google ter proposto compromissos não constitui uma circunstância atenuante para o seu comportamento, uma vez que os compromissos propostos não ajudaram, nomeadamente, a dar por provada a existência da infração. Mesmo no caso de a sanção de um comportamento como o adotado pela Google ser inédita, isso também não constitui uma circunstância atenuante, da mesma forma que o caráter inédito da declaração da existência de uma infração relativa a um tipo de comportamento não impede que este seja punido. A decisão recorrida demonstra que a Google não agiu com mera negligência, mas de forma intencional. Mesmo que os consumidores ou comerciantes tenham apreciado a apresentação dos resultados do comparador de produtos da Google, isso também não pode constituir uma circunstância atenuante, pois também podem ter tido que suportar a falta de apresentação dos resultados dos comparadores concorrentes. Por último, embora o caráter encoberto do comportamento ilícito constitua uma circunstância agravante, não é por isso que o facto de ter sido conhecido constitui uma circunstância atenuante.

b)      Apreciação do Tribunal Geral

658    Antes de se pronunciar sobre os argumentos das partes, o Tribunal Geral recorda que dispõe de competência de plena jurisdição nas condições acima expostas no n.o 605.

659    A Google contesta, antes de mais, o valor das vendas do ano de 2016 tomado na decisão recorrida como referência para a fixação do montante de base da coima. Em seu entender, a média das receitas durante o período do comportamento imputado era mais representativa da realidade económica e da sua própria situação.

660    Há que observar que, conforme indicado no considerando 738 da decisão recorrida, a Comissão considerou como valor das vendas apenas as receitas publicitárias relacionadas com os mercados da pesquisa especializada para produtos (receitas ligadas aos anúncios para produtos nas Shopping Units, aos anúncios para produtos na página especializada Google Shopping e aos anúncios textuais nessa mesma página especializada), mas nenhuma receita publicitária relacionada com os mercados da pesquisa geral. Por conseguinte, a anulação parcial da decisão recorrida com o fundamento de que a Comissão declarou, sem razão, a existência de um abuso de posição dominante nos mercados nacionais da pesquisa geral não tem nenhuma incidência no valor das vendas que foi considerado.

661    No que respeita ao ano de referência a ter em conta, foi legitimamente que a Comissão considerou o ano de 2016, último ano completo em que se verificou a infração, conforme indica no ponto 13 das Orientações. Salvo circunstâncias especiais, essa referência permite precisamente ter melhor em conta a incidência da infração referida (v., neste sentido, Acórdão de 5 de dezembro de 2013, Caffaro/Comissão, C‑447/11 P, não publicado, EU:C:2013:797, n.o 51). Há que sublinhar que, na comunicação de acusações, como refere a própria Google na nota de rodapé 404 da petição, a Comissão expôs que só consideraria o valor médio das vendas em vários anos se o último exercício não fosse suficientemente representativo.

662    Em seguida, há que examinar a crítica da Google formulada contra a taxa de câmbio do dólar dos Estados Unidos para o euro utilizada para efeitos da decisão recorrida. Com efeito, como resulta do considerando 739 e da nota 839 da decisão recorrida, a Comissão utilizou essa taxa de câmbio média para o ano de 2016 para determinar em euros o valor das vendas em 2016, uma vez que a Google lhe deu as informações úteis para o efeito expressas em dólar dos Estados Unidos.

663    Antes de mais, tendo em conta que a Comissão podia considerar legitimamente o valor das vendas do ano de 2016 como referência para o montante de base da coima, a crítica da Google de que a Comissão deveria ter utilizado as taxas de câmbio médias de cada ano abrangido pela infração deve ser rejeitada.

664    Na medida em que o valor das vendas de 2016 deva ser tido em conta, a Google invoca um boletim estatístico do BCE (anexo A173 da petição) que indica uma taxa de câmbio média para o ano de 2016 do euro para o dólar dos Estados Unidos de 1,1069, o que, por cálculo inverso, dá uma taxa de câmbio do dólar dos Estados Unidos para o euro de 0,9034. Por sua vez, a Comissão utilizou uma taxa de câmbio do dólar dos Estados Unidos para o euro de 0,9039 que retirou da página estatística interativa relativa às taxas de câmbio do sítio Internet do BCE. Acontece que a página interativa utilizada pela Comissão foi consultada por esta em 27 de abril de 2017, ou seja, logicamente, antes da adoção da decisão recorrida, ao passo que o boletim estatístico a que se refere a Google tem data de 31 de julho de 2017, ou seja, é posterior à adoção, em 27 de junho de 2017, da decisão recorrida. Não se pode, portanto, criticar a Comissão por ter utilizado uma informação do BCE fiável e acessível pouco tempo antes da adoção da decisão recorrida (v., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2016, Pilkington Group e o./Comissão, C‑101/15 P, EU:C:2016:631, n.o 43).

665    A Google contesta, em seguida, a duração da infração apurada nos diferentes países em causa. Considera que a infração não foi demonstrada antes de 2011 por falta de análise concorrencial. A Google sublinha que a página especializada Google Shopping só foi introduzida em certos países em causa em 2016. Sustenta igualmente que o período de discussão das propostas de compromissos não deveria estar compreendido no período de infração.

666    Na decisão recorrida, a infração foi identificada a partir de janeiro de 2008 na Alemanha e no Reino Unido, a partir de outubro de 2010 em França, a partir de maio de 2011 em Itália, nos Países Baixos e em Espanha, a partir de fevereiro de 2013 na República Checa e a partir de novembro de 2013 na Áustria, na Bélgica, na Dinamarca, na Noruega, na Polónia e na Suécia. A crítica da Google sobre a falta de análise concorrencial antes de 2011 apenas diz respeito, portanto, à Alemanha, ao Reino Unido e à França.

667    A este respeito, decorre do exame dos elementos acima mencionados nos n.os 383 a 388 que as reduções de tráfego das páginas gerais de resultados da Google para os comparadores de produtos concorrentes foram, no seu conjunto, significativas no Reino Unido, na Alemanha e em França a partir de 2011, embora alguns desses comparadores tenham feito referência a reduções anteriores. Resulta do exame dos elementos mencionados nos n.os 402 e 403 que o tráfego das páginas gerais de resultados da Google para o seu próprio comparador de produtos aumentou de forma significativa desde janeiro de 2008 na Alemanha e no Reino Unido e desde outubro de 2010 em França, correspondendo estas datas ao lançamento das Product Universals nesses países. Decorre, por último, do exame das três partes do quarto fundamento de anulação da Google que, exceto no que diz respeito aos mercados nacionais da pesquisa geral, a Comissão demonstrou corretamente os efeitos anticoncorrenciais potenciais do comportamento da Google nos treze países em relação aos quais tinha declarado a existência de um abuso de posição dominante. Por outro lado, a Google não impugna o facto de ter adotado o comportamento que lhe é imputado no Reino Unido, na Alemanha e em França, materializado pelo lançamento das Product Universals, quando os comparadores de produtos concorrentes ficaram circunscritos aos resultados genéricos, de janeiro de 2008 a outubro de 2010. Por conseguinte, mesmo que uma parte dos efeitos materiais desse comportamento sobre o tráfego proveniente das páginas gerais de resultados da Google, que afetava o tráfego para os comparadores de produtos concorrentes, tenha sido geralmente observada apenas a partir de 2011, foi com razão que a Comissão considerou que a infração teve início com a prática do comportamento em causa e que a duração da infração corresponde ao período da prática desse comportamento. A este respeito, é possível referir que o fator relativo a «se a infração foi ou não posta em prática», mencionado no ponto 22 das Orientações, diz respeito ao comportamento dos participantes na infração e não aos efeitos deste no mercado (Acórdão de 12 de dezembro de 2018, Servier e o./Comissão, T‑691/14, recurso pendente, EU:T:2018:922, n.o 1805).

668    O argumento relativo à introdução, apenas em 2016, da página especializada Google Shopping em alguns dos países em causa deve ser rejeitado pela mesma razão. O comportamento imputado pela Comissão à Google não é a criação de uma página especializada de pesquisa e de resultados para a comparação de produtos, mas o tratamento diferente, na sua página geral de resultados, do seu comparador de produtos e dos comparadores de produtos concorrentes através de um posicionamento e de uma apresentação favorecidos dos seus próprios resultados nas Product Universals e, posteriormente, nas Shopping Units.

669    A mesma razão implica igualmente a rejeição do argumento da Google de que o período de discussão das propostas de compromissos não deveria estar compreendido no período da infração. Com efeito, durante esse período, a Google não pôs termo ao comportamento em causa. Nestas condições, contrariamente ao que alega a Google, a Comissão também não tinha necessidade de apresentar uma fundamentação específica para o facto de contabilizar esse período no da infração.

670    Resulta do exposto que a duração da infração dada por provada para cada um dos países em causa para efeitos de cálculo do montante da sanção não deve ser posta em causa.

671    A Google considera, em seguida, que o coeficiente de gravidade de 10 % aplicado pela Comissão é injustamente elevado. Faz referência, designadamente, à Decisão da Comissão D(2009) 3726 final, de 13 de maio de 2009, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.o do Tratado CE e do artigo 54.o do Acordo EEE (COMP/C‑3/37.990 — Intel), na qual esta aplicou um coeficiente de 5 %, quando o comportamento em causa era bem mais grave do que o comportamento que lhe é imputado.

672    Antes de mais, há que recordar, conforme acima mencionado no n.o 623, que as comparações efetuadas com outras decisões da Comissão adotadas em matéria de coimas só podem ter pertinência à luz do respeito do princípio da igualdade de tratamento se se demonstrar que os dados circunstanciais dos processos relativos a essas decisões, como os mercados, os produtos, os países, as empresas e os períodos em causa, são comparáveis com os do caso em apreço e que importa invocar decisões contemporâneas para efeitos de comparação. A este respeito, foi declarado que o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de certo nível não pode privá‑la da possibilidade de aumentar esse nível, dentro dos limites indicados no regulamento pertinente e nas Orientações por ela decretadas, se isso for necessário para assegurar a execução da política de concorrência da União. Pode, nomeadamente, aumentar o nível das coimas para reforçar o seu efeito dissuasor. A prática decisória anterior da Comissão não serve, portanto, de quadro jurídico para a determinação do montante das coimas em matéria de concorrência, dado que este é agora definido apenas pelo Regulamento n.o 1/2003 e pelas Orientações (Acórdão de 30 de setembro de 2003, Michelin/Comissão, T‑203/01, EU:T:2003:250, n.o 254; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 7 de junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, EU:C:1983:158, n.o 109, e Despacho de 11 de setembro de 2008, Coats Holdings e Coats/Comissão, C‑468/07 P, não publicado, EU:C:2008:503, n.o 30).

673    Nos pontos 19 a 22 das Orientações, indica‑se, em substância, sem ter em conta a duração da infração e o eventual montante adicional para efeitos dissuasivos, que o montante de base da coima é constituído por uma proporção (habitualmente designada «coeficiente de gravidade») do valor anual das vendas dos bens e dos serviços relacionados com a infração realizadas pela empresa em causa, que se situa, regra geral, numa escala que vai até 30 %, determinada em função da gravidade da infração e que esta última é apreciada casuisticamente, tendo em conta todas as circunstâncias do caso referentes a um determinado número de fatores, como a natureza da infração, a quota de mercado das empresas em causa, o âmbito geográfico da infração e se a infração foi ou não posta em prática. No ponto 23 das Orientações, é precisado que os acordos horizontais de fixação de preços, de repartição dos mercados e de limitação de produção são considerados as restrições de concorrência mais graves que serão punidas severamente, o que implica que nesses casos a proporção do valor das vendas se situará geralmente num nível superior da escala.

674    Por outro lado, decorre de jurisprudência constante que a gravidade de uma infração às regras de concorrência deve ser apreciada em função de um grande número de elementos, tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o caráter dissuasivo das coimas, sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou taxativa dos critérios que devem ser obrigatoriamente tomados em consideração (Acórdãos de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, C‑280/08 P, EU:C:2010:603, n.o 273, e de 19 de abril de 2012, Tomra Systems e o./Comissão, C‑549/10 P, EU:C:2012:221, n.o 107; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão, C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.o 198).

675    No caso vertente, no considerando 743 da decisão recorrida, a Comissão justificou a aplicação de 10 % como proporção do valor das vendas, expondo que os mercados nacionais em causa da pesquisa especializada de comparação de produtos e da pesquisa geral têm uma importância económica significativa, o que significa que qualquer comportamento anticoncorrencial nesses mercados pode ter um impacto considerável e que, durante o período da infração, a Google não só detinha uma posição dominante nos treze mercados nacionais da pesquisa geral em causa, como também tinha quotas de mercado muito superiores às dos seus concorrentes.

676    Não se pode deixar de observar que o considerando 743 da decisão recorrida não permite, por si só, à luz das Orientações, justificar o coeficiente de gravidade de 10 % aplicado, como sustenta, em substância, a Google. Com efeito, não são suficientes os elementos pertinentes a que faz referência a Comissão. Apenas refere um dos quatro fatores mencionados no ponto 22 das Orientações, a saber, a quota de mercado da empresa em causa, e não é abordado nenhum dos outros fatores, como a natureza da infração ou o seu âmbito geográfico. Em especial, a Comissão não faz uma apreciação explícita e circunstanciada da gravidade intrínseca do comportamento imputado à Google, ou seja, a gravidade da natureza da infração, quando se trata de um fator que é expressamente mencionado no ponto 22 das Orientações e cujo exame se revela indispensável para a avaliação da gravidade global da infração, que tem também em consideração outros fatores.

677    No âmbito da sua competência de plena jurisdição, o Tribunal Geral é levado a reapreciar a gravidade do comportamento da Google, tomando em consideração elementos adicionais, tal como acima evocados nos n.os 673 e 674, em relação aos acima referidos no n.o 675.

678    A este respeito, conforme acima recordado nos n.os 614 e 615, vários processos levaram a Comissão e o juiz da União a considerar anticoncorrenciais práticas de exclusão por empresas dominantes e a puni‑las. Em princípio, essas práticas anticoncorrenciais são consideradas graves (v., neste sentido, Acórdão de 3 de julho de 1991, AKZO/Comissão, C‑62/86, EU:C:1991:286, n.o 162). Com efeito, permitem evitar a entrada de concorrentes no mercado ou diminuir o número de concorrentes, ou pelo menos a sua pressão concorrencial, e não apenas limitar a sua liberdade de comportamento. Nesta medida, podem, em certas circunstâncias, ser tão graves como os acordos de fixação de preços, de repartição de mercado ou de limitação da produção, mencionados no ponto 23 das Orientações, que geralmente justificam um coeficiente de gravidade situado «num nível superior da escala», uma vez que afetam da mesma forma a concorrência, no sentido de que quem procura nos mercados em causa pode estar, na sequência da prática dos dois tipos de infrações, perante uma situação de monopólio ou de oligopólio, ou equivalente do ponto vista da concorrência, ou pelo menos numa situação em que a concorrência é seriamente reduzida.

679    No entanto, a gravidade de uma prática de exclusão por uma empresa dominante pode ser mais ou menos marcada. A este respeito, o facto de essa prática ter, ou não, claramente por objetivo excluir concorrentes, tal como uma prática de preços predatórios, uma recusa de fornecimento de uma facilidade essencial ou uma prática de compressão tarifária das margens, pode ser tido em conta. Do mesmo modo, a taxa de cobertura do mercado pela prática contestada pode ser tomada em consideração. Com efeito, não só este elemento pode ser necessário para qualificar a prática de infração (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 139), como também pode revelar‑se pertinente para medir a sua gravidade.

680    No presente caso, conforme acima decorre do n.o 616, o comportamento imputado à Google foi adotado de forma deliberada sabendo que podia conduzir à eliminação dos concorrentes e à restrição da concorrência. O facto de a Comissão ter começado, num primeiro momento, por tramitar o processo no âmbito de um procedimento de aceitação de compromissos e de, em princípio, esses procedimentos não serem adequados quando a natureza da infração parece justificar desde logo uma sanção, de várias autoridades administrativas ou órgãos jurisdicionais nacionais não considerarem o comportamento da Google ilícito ou de a Comissão não ter demonstrado, na decisão recorrida, uma verdadeira intenção de excluir concorrentes e uma estratégia elaborada para o efeito, não é suscetível de pôr em causa esta apreciação. As práticas verificadas continuam a ser práticas anticoncorrenciais de exclusão, que podem ser tão nocivas para a concorrência como os acordos sobre preços ou a repartição dos mercados. Acontece que alguns comparadores de produtos concorrentes da Google perderam imenso tráfico proveniente das suas páginas gerais de resultados, conforme acima referido nos n.os 383 a 387. A Google desenvolveu progressivamente as práticas em causa em treze países do EEE num período de cerca de dez anos e em seis desses países mesmo depois de ter recebido a apreciação preliminar da Comissão em março de 2013.

681    Há que ter igualmente em conta, por um lado, que a Comissão não demonstrou validamente um abuso no mercado da pesquisa geral na Internet (v. n.o 596, supra) e que as práticas em causa não era ocultadas, o que permite excluir este fator, que pela sua natureza acentua a gravidade da infração (v., neste sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 2006, Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, T‑259/02 a T‑264/02 e T‑271/02, EU:T:2006:396, n.o 252). Há que ter em conta, por outro lado, o facto de o Tribunal Geral considerar, conforme acima recordado no n.o 680, que foi deliberadamente e não por negligência que as práticas em causa foram adotadas. Enquanto a primeira consideração apela a uma redução do coeficiente de gravidade aplicável, a segunda apela, por sua vez, a um aumento desse coeficiente.

682    Por conseguinte, o Tribunal Geral entende, seguindo os princípios das Orientações acima recordados no n.o 673, apesar de não estar vinculado às mesmas (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 90, de 5 de outubro de 2011, Romana Tabacchi/Comissão, T‑11/06, EU:T:2011:560, n.o 266, e de 12 de dezembro de 2014, H & R ChemPharm/Comissão, T‑551/08, EU:T:2014:1081, n.o 221), que deve ser aplicado um coeficiente de gravidade, isto é, uma proporção do valor das vendas, de 10 %.

683    A Google sustenta, em seguida, que também não se justifica o montante adicional de 10 % do valor das vendas fixado no montante de base da coima pela Comissão, pela primeira vez por um abuso de posição dominante não relacionado com uma prática de cartel.

684    No considerando 750 da decisão recorrida, a Comissão fundamentou a aplicação deste montante adicional com base nos elementos tidos em conta, no considerando 743 dessa decisão, para apreciar a gravidade da prática (v. n.o 675, supra). Acrescentou que esse montante responde à necessidade de garantir que a coima seja suficientemente dissuasiva para as empresas de dimensão semelhante à da Google e com recursos similares.

685    Este montante adicional está previsto no ponto 25 das Orientações, que, aliás, indicam que esse montante corresponde a uma soma compreendida entre 15 e 25 % do valor das vendas. Este mesmo ponto precisa que tal montante responde, nomeadamente, à necessidade de dissuadir as empresas de participarem em acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação da produção e que a Comissão pode aplicá‑lo no caso de outras infrações. A este respeito, o objetivo pretendido é anunciado no ponto 7 das Orientações, que indica que «[é] […] adequado incluir na coima um montante específico, independente da duração da infração, a fim de dissuadir as empresas de se envolverem em comportamentos ilícitos». Por conseguinte, decorre das Orientações que esse montante visa, para determinadas infrações, constituir um «montante fixo» de coima que pode ser aplicado pelo simples facto de se ter cometido a infração, independentemente da sua duração.

686    É certo que este montante tem caráter dissuasivo para todas as empresas, mas não visa especificamente, ao contrário do que parece ter indicado a Comissão no segundo membro de frase do considerando 750 da decisão recorrida, assegurar o caráter suficientemente dissuasivo das coimas em relação às grandes empresas, o que é abrangido por outra previsão das Orientações, que a Comissão utilizou cumulativamente no presente caso, conforme resulta do considerando 753 da decisão recorrida, a saber, a que consta do ponto 30 das Orientações e que visa um eventual aumento final da coima após a determinação do montante de base e a tomada em consideração das circunstâncias agravantes ou atenuantes.

687    O Tribunal Geral conclui, portanto, que os fundamentos da Comissão na decisão recorrida para justificar a aplicação de um montante adicional de 10 % são parciais, na medida em que dizem respeito à gravidade da infração, tendo em conta o que foi acima dito no n.o 676, e podem suscitar uma interrogação, na medida em que dizem respeito ao objetivo visado tal como exposto nas Orientações.

688    No âmbito do exercício da competência de plena jurisdição, importa, em todo o caso, reapreciar a oportunidade de fixar um montante adicional ao montante de base da coima aplicada à Google, uma vez que, no caso em apreço, o Tribunal Geral segue sempre o esquema previsto pelas Orientações, como já acima fez no n.o 682.

689    Deduz‑se da infração referida a título principal no ponto 25 das Orientações, a saber, a participação em acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação da produção, que o montante adicional se justifica para as infrações particularmente graves (v., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 2018, Servier e o./Comissão, T‑691/14, pendente de recurso, EU:T:2018:922, n.o 1883). Este montante adicional visa dissuadir as empresas de se envolverem em tais infrações, independentemente da duração da sua participação nas mesmas.

690    Resulta dos n.os 678 a 680, supra, que o comportamento da Google constitui uma infração particularmente grave. Nestas condições, o Tribunal Geral não põe em causa o montante adicional de 10 % do valor das vendas do ano de 2016, a incluir no montante de base da coima, fixado pela Comissão.

691    O montante de base da coima, tal como apreciado pelo Tribunal Geral no exercício da sua competência de plena jurisdição, é, portanto, o mesmo aplicado pela Comissão na decisão recorrida, a saber, é igual ao valor das vendas do ano de 2016 mencionado no quadro 29 que consta do considerando 748 da decisão recorrida, sujeito a um coeficiente de 10 % e multiplicado, relativamente a cada país em causa, pela duração da infração expressa em anos que foi dada por provada pela Comissão na decisão recorrida sob a forma de número de dias no mesmo quadro, acrescido de um montante adicional de 10 % do valor das vendas do ano de 2016. Este montante de base é igual a 1 866 424 914 euros.

692    A Google também invocou um determinado número de argumentos para contestar o próprio facto de lhe ter sido aplicada uma coima, que o Tribunal Geral rejeitou quando os examinou nesta perspetiva. Todavia, tendo decidido proceder à modificação da decisão recorrida e ter em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal considera que deve reexaminar alguns desses argumentos para um eventual reconhecimento de circunstâncias atenuantes.

693    A este respeito, a Google alegou que a Comissão tinha começado por tramitar o processo no âmbito do procedimento de aceitação de compromissos e que ela própria tinha proposto de boa‑fé três séries de compromissos. Conforme acima salientado no n.o 638, a Comissão considerou, num primeiro momento, que a terceira dessas séries era suscetível de responder às objeções de concorrência expressas na sua apreciação preliminar, o que comunicou aos denunciantes indicando‑lhes que tinha a intenção de rejeitar as suas denúncias. Como foi acima indicado nos n.os 632 a 638, essa apreciação provisória, numa certa fase do processo, não impede a Comissão de regressar a um processo de declaração de infração e de punir a Google. No entanto, se se verificar que, depois de a Comissão ter decidido resolver o caso através da aceitação de compromissos, a Google propôs efetivamente compromissos sérios que podiam pôr termo aos problemas de concorrência identificados pela Comissão, isso poderá constituir uma circunstância atenuante.

694    Porém, em resposta a uma questão do Tribunal Geral, a Google expôs, em substância, que os compromissos que tinha finalmente proposto à Comissão diferiam sensivelmente do que era necessário implementar para aplicar a decisão recorrida. De acordo com as explicações da Google, esses compromissos não levavam a aplicar aos comparadores de produtos concorrentes os mesmos processos e métodos para aparecer nas Shopping Units aplicados aos próprios anúncios para produtos da Google, como exige a decisão recorrida, mas sim a aplicar outros mecanismos. Além disso, como foi acima dito no n.o 26, estas propostas de compromissos foram recebidas de forma negativa por um número significativo de denunciantes, conforme resulta do considerando 73 da decisão recorrida. Nestas condições, o Tribunal Geral considera que não existem circunstâncias atenuantes a favor da Google em razão dos compromissos que propôs.

695    Por último, a Google considera que o fator multiplicador de 1,3 aplicado in fine pela Comissão é igualmente injustificado. A Google refere‑se, nomeadamente, à sua atitude construtiva durante o procedimento administrativo e ao único precedente em que foi utilizado esse fator num processo de abuso de posição dominante, que era referente a um comportamento muito mais grave.

696    Todavia, em primeiro lugar, a atitude da Google durante o procedimento administrativo já foi examinada a título de uma eventual circunstância atenuante e excluída enquanto tal.

697    Em segundo lugar, como já foi acima recordado no n.o 672, nesta matéria, os precedentes apenas vinculam a Comissão em circunstâncias comparáveis e, a fortiori, não a contrario. Neste caso, o processo invocado pela Google, que deu origem à Decisão da Comissão, de 15 de outubro de 2014, relativa a um processo nos termos do artigo 102.o TFUE e do artigo 54.o do Acordo EEE (AT.39523 — Slovak Telekom) não tinha por objeto os mesmos mercados de produtos nem o mesmo âmbito geográfico que estão em causa no presente processo, e as práticas verificadas eram de natureza diferente, embora fossem também práticas de exclusão.

698    Em terceiro lugar, como resulta do ponto 30 das Orientações, a majoração em causa visa assegurar o caráter dissuasivo das coimas em relação a empresas poderosas que tenham um volume de negócios particularmente elevado que se estenda para lá das vendas de bens e serviços relacionadas com a infração. Com efeito, para essas empresas, se a Comissão se limitasse ao cálculo das coimas tal como definido nos pontos anteriores das Orientações, o nível da coima, calculado apenas a partir do volume de negócios direto e indireto do produto ou do serviço em causa, poderia ser insuficiente para se mostrar dissuasivo tendo em conta toda a atividade e o poder dessas empresas (v., neste sentido, Acórdão de 4 de setembro de 2014, YKK e o./Comissão, C‑408/12 P, EU:C:2014:2153, n.os 84 a 86 e 93).

699    No caso em apreço, a Comissão expôs, no considerando 753 da decisão recorrida, que o volume de negócios da Alphabet em 2016, de mais de 80 mil milhões de euros, ultrapassava muito claramente as receitas geradas pelo seu serviço de comparação de produtos e que um fator multiplicador de 1,3 era, por conseguinte, justificado para que a coima tivesse um caráter suficientemente dissuasivo, não apenas para a Google, mas também para as empresas de mesma envergadura.

700    O Tribunal considera esta abordagem fundada e retoma‑a no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição. Com efeito, o valor das vendas verificado em 2016 para os serviços em causa é de 2 045 300 588 euros, ou seja, cerca de 40 vezes menos do que o volume de negócios da Alphabet acima mencionado no n.o 699.

701    No termo desta apreciação sobre o quantum da sanção pecuniária aplicada à Google, verifica‑se que este não deve ser alterado. Por conseguinte, apesar de ter sido debatida na audiência a questão de saber se o Tribunal Geral pode aumentar a sanção aplicada nessa decisão na falta de pedidos neste sentido, não é necessário conhecer dessa questão.

702    Resulta assim do exame do sexto fundamento que o montante da coima aplicada é confirmado em 2 424 495 000 euros. Uma vez que a Alphabet tem, conforme recordado nos considerandos 735 e 736 da decisão recorrida, desde a sua criação em 2 de outubro de 2015, responsabilidade solidária com a Google LLC, não impugnada pelas mesmas, há que confirmar igualmente que da coima aplicada no montante de 2 424 495 000 euros à Google LLC, a Alphabet é solidariamente responsável pelo montante de 523 518 000 euros.

D.      Conclusão geral

703    Decorre do exame dos primeiro a quinto fundamentos (v. n.o 596, supra) invocados em apoio dos pedidos apresentados a título principal que a Comissão concluiu acertadamente, no artigo 1.o da decisão recorrida, que, ao abusar da sua posição dominante detida nos mercados nacionais da pesquisa geral, a Google violou o artigo 102.o TFUE e o artigo 54.o do Acordo EEE, no que diz respeito aos mercados nacionais da pesquisa especializada dos treze países acima mencionados no n.o 55, a contar de diferentes datas que correspondem à introdução de resultados especializados para produtos ou de anúncios para produtos na página geral de resultados da Google. Em contrapartida, este artigo deve ser parcialmente anulado, na medida em que a Comissão concluiu pela existência da infração acima referida com base nos efeitos do abuso nos mercados nacionais da pesquisa geral nesses treze países.

704    Resulta do exame do sexto fundamento (v. n.o 702, supra) que o montante da coima aplicada na decisão recorrida deve ser confirmado. Por conseguinte, há que julgar improcedente o pedido subsidiário de supressão ou redução do montante da coima.

V.      Quanto às despesas

705    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Nos termos do artigo 138.o, n.os 1 e 2, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e o Órgão de Fiscalização da EFTA, quando intervenham no litígio, devem suportar as suas próprias despesas. Nos termos do artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pode decidir que um interveniente diferente dos mencionados nos n.os 1 e 2 deste artigo suporte as suas próprias despesas.

706    No presente caso, tendo em conta os pedidos sobre as despesas apresentados pela Google, pela Comissão, pela CCIA, pelo BEUC, pela Foundem, pelo VDZ, pelo BDZV, pela Visual Meta, pela Twenga, e pela Kelkoo, acima referidos nos n.os 113 a 118, a Google, que é a parte vencida no essencial, suportará, além das suas próprias despesas, as despesas da Comissão, com exceção das despesas efetuadas por esta devido à intervenção da CCIA, que serão suportadas por esta última. Além disso, o BEUC, a Foundem, o VDZ, o BDZV, a Visual Meta, a Twenga, o Órgão de Fiscalização da EFTA, a Kelkoo e a República Federal da Alemanha suportarão, cada um, as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

decide:

1)      O artigo 1.o da Decisão C(2017) 4444 final da Comissão, de 27 de junho de 2017, relativa a um processo nos termos do artigo 102.o TFUE e do artigo 54.o do Acordo EEE [Processo AT.39740 — Google Search (Shopping)], é anulado apenas na medida em que a Comissão Europeia declarou a prática de uma infração a estas disposições pela Google LLC e pela Alphabet, Inc. em treze mercados nacionais da pesquisa geral no Espaço Económico Europeu (EEE) com base na existência de efeitos anticoncorrenciais nesses mercados.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      A Google e a Alphabet suportarão as suas próprias despesas e as despesas da Comissão, com exceção das efetuadas por esta devido à intervenção da Computer & Communications Industry Association.

4)      A Computer & Communications Industry Association suportará as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pela Comissão devido à sua intervenção.

5)      A República Federal da Alemanha, o Órgão de Fiscalização da EFTA, o Bureau européen des unions de consommateurs (BEUC), a Infederation Ltd, a Kelkoo, o Verband Deutscher Zeitschriftenverleger eV, a Visual Meta GmbH, o BDZV — Bundesverband Digitalpublisher und Zeitungsverleger eV e a Twenga suportarão as suas próprias despesas.

Gervasoni

Madise

da Silva Passos

Kowalik‑Bańczyk

 

      Mac Eochaidh

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 10 de novembro de 2021.

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*      Língua do processo: inglês.