Language of document : ECLI:EU:C:2018:92

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

EVGENI TANCHEV

apresentadas em 22 de fevereiro de 2018 (1)

Processo C31/17

Cristal Union, sucessora legal da Sucrerie de Toury SA

contra

Ministre de l’Économie et des Finances

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França)]

«Pedido de decisão prejudicial — Diretiva 2003/96/CE — Tributação de produtos energéticos e eletricidade — Artigo 14.o, n.o 1, alínea a) — Obrigação de isenção de tributação de produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade — Artigo 15.o, n.o 1, alínea c) — Competência dos Estados‑Membros para aplicar isenções totais ou parciais ou reduções no nível de tributação aos produtos energéticos utilizados na produção combinada de calor e eletricidade — Aplicação conjunta do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), e do artigo 15.o, n.o 1, alínea c)»






1.        No presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre a aplicação da Diretiva 2003/96/CE do Conselho (2) à eletricidade produzida em cogeração.

2.        Por «cogeração» entende‑se a produção simultânea, num processo único, de energia elétrica e de energia térmica (3). Uma central elétrica convencional produz eletricidade através, por exemplo, da queima de um combustível fóssil, como petróleo, carvão ou gás natural, para libertar calor. Esse calor é utilizado para ferver água para produzir vapor. O vapor faz rodar uma turbina que ativa um gerador que produz eletricidade. O problema das centrais elétricas convencionais é a sua baixa eficiência. De facto, quando a água fervida para produzir vapor arrefece, é libertado calor na atmosfera. Esse calor é desperdiçado. Em contrapartida, uma central de produção combinada de calor e eletricidade recupera o calor normalmente perdido na produção de eletricidade para fornecer energia térmica útil. Por conseguinte, a cogeração é mais eficiente do que a produção de eletricidade convencional. Conduz igualmente a uma redução das emissões de gases com efeito de estufa.

3.        A Diretiva 2003/96 prevê níveis mínimos de tributação para os produtos energéticos utilizados como combustível de aquecimento ou carburante (4) (como o gás natural) e para a eletricidade (5).

4.        No entanto, o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 exige que os Estados‑Membros isentem de tributação os produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade. Consequentemente, sobre esses produtos não deve incidir qualquer imposto especial sobre o consumo. O imposto especial sobre o consumo deve incidir apenas sobre a eletricidade produzida.

5.        Além disso, o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96 permite que os Estados‑Membros apliquem isenções totais ou parciais, ou níveis reduzidos de tributação, aos produtos energéticos utilizados na produção combinada de calor e eletricidade. Contrariamente ao artigo 14.o, n.o 1, alínea a), dessa diretiva, o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), não prevê uma isenção obrigatória. Consequentemente, os produtos energéticos utilizados na produção combinada de calor e eletricidade apenas estão isentos de imposto especial sobre o consumo (ou sujeitos a níveis reduzidos de tributação) (6) se o Estado‑Membro em causa exercer a opção permitida pelo artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96. Se o Estado‑Membro em causa não exercer essa opção, esses produtos ficam sujeitos a imposto especial sobre o consumo. Quer essa opção seja exercida quer não, a eletricidade produzida fica sujeita a imposto especial sobre o consumo (sobre o calor nunca incide qualquer imposto especial sobre o consumo, uma vez que o calor não é abrangido pela Diretiva 2003/96) (7).

6.        Existem duas formas de entender o regime de tributação previsto na Diretiva 2003/96 para os produtos energéticos utilizados na produção combinada de calor e eletricidade.

7.        Por um lado, pode considerar‑se que os produtos energéticos utilizados na produção combinada de calor e eletricidade são abrangidos apenas pelo artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96. O regime de tributação desses produtos será o descrito no n.o 5, supra. Se for exercida a opção permitida por essa disposição, a isenção aplicar‑se‑á a esses produtos na sua totalidade.

8.        Por outro lado, pode considerar‑se que os produtos energéticos utilizados na produção combinada de calor e eletricidade são abrangidos pelo artigo 14.o, n.o 1, alínea a), e pelo artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96.

9.        De facto, o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), dessa diretiva aplica‑se aos produtos energéticos «utilizados para produzir eletricidade». Uma vez que esta disposição não faz qualquer referência ao modo de produção da eletricidade, deve aplica‑se independentemente do modo de produção. Por conseguinte, os produtos energéticos utilizados na produção combinada de calor e eletricidade são abrangidos pelo artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96. No entanto, apenas a parte desses produtos que é utilizada para produzir eletricidade é abrangida por esta disposição. De facto, o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 aplica‑se a produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade, não calor. Como foi referido no n.o 4, supra, essa parte está isenta de imposto especial sobre o consumo, enquanto a eletricidade produzida está sujeita a imposto especial sobre o consumo.

10.      A parte desses produtos que é utilizada na produção de calor é abrangida pelo artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96. Tal como descrito no n.o 5, supra, essa parte apenas está isenta de imposto especial sobre o consumo se o Estado‑Membro em causa exercer a opção que essa disposição lhe faculta. A eletricidade produzida está sujeita a imposto especial sobre o consumo, independentemente de essa opção ser ou não exercida.

11.      No presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a decidir entre as duas abordagens supra descritas. Concretamente, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) pergunta ao Tribunal de Justiça se, quando sejam utilizados produtos energéticos na produção combinada de calor e eletricidade, é aplicável apenas o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96, ou são aplicáveis, conjuntamente, o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), e o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), dessa Diretiva (8).

I.      Quadro jurídico

A.      Direito da UE

12.      O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96 dispõe:

«Os níveis de tributação aplicados pelos Estados‑Membros aos produtos energéticos e à eletricidade enumerados no artigo 2.o não podem ser inferiores aos níveis mínimos previstos na presente diretiva.»

13.      De acordo com o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96:

«A partir de 1 de janeiro de 2004, os níveis mínimos de tributação aplicáveis aos combustíveis de aquecimento são os fixados no quadro C do anexo I.»

14.      Nos termos do artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96:

«A partir de 1 de janeiro de 2004, os níveis mínimos de tributação aplicáveis à eletricidade são os fixados no quadro C do anexo I.»

15.      O artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96 dispõe:

«Para além das disposições gerais previstas na Diretiva 92/12/CEE relativas às utilizações isentas de produtos tributáveis, e sem prejuízo de outras disposições [da União], os Estados‑Membros devem isentar os produtos a seguir referidos nas condições por eles fixadas tendo em vista assegurar uma aplicação correta e simples dessas isenções e de modo a impedir a fraude, a evasão fiscal ou utilizações abusivas:

a)      Produtos energéticos e eletricidade utilizados para produzir eletricidade e eletricidade utilizada para manter a capacidade de produzir eletricidade. No entanto, por razões de política ambiental, os Estados‑Membros podem sujeitar estes produtos a imposto, sem que tenham de respeitar os níveis mínimos de tributação estabelecidos na presente diretiva. Nesse caso, a tributação destes produtos não será tomada em consideração para efeitos da observância do nível mínimo de tributação aplicável à eletricidade fixado no artigo 10.o;

[…]».

16.      O artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96 dispõe:

«Sem prejuízo de outras disposições [da União], os Estados‑Membros podem aplicar, sob controlo fiscal, isenções totais ou parciais ou reduções do nível de tributação aos seguintes produtos:

[…]

c)      Produtos energéticos e eletricidade utilizados para a cogeração de calor e eletricidade;

[…]».

17.      De acordo com o artigo 21.o, n.o 5, da Diretiva 2003/96:

«Para efeitos dos artigos 5.o e 6.o da Diretiva 92/12/CEE, a eletricidade e o gás natural são sujeitos a tributação, que será exigível no momento do fornecimento pelo distribuidor ou redistribuidor. […]

[…]

Uma entidade que produza eletricidade para consumo próprio é considerada como um distribuidor. Em derrogação do disposto na alínea a) do n.o 1 do artigo 14.o, os Estados‑Membros podem isentar estes pequenos produtores de eletricidade, desde que tributem os produtos energéticos utilizados para a produção dessa eletricidade.

[…]».

B.      Direito francês

18.      De acordo com o artigo 266.oquinquies, n.o 1, do Código Aduaneiro (code des douanes), na versão aplicável à data dos factos:

«O gás natural abrangido pelo código NC 2711 21 00 está sujeito a imposto interno sobre o consumo no momento da entrega ao utilizador final».

19.      No entanto, nos termos do artigo 266.o quinquies, n.o 3, do Código Aduaneiro, na versão aplicável entre 1 de janeiro de 2006 e 31 de dezembro de 2006:

«[…]

Os fornecimentos de gás estão […] isentos [do imposto previsto no n.o 1] quando se destinem a ser utilizados:

[…]

c)      como combustível para a produção de eletricidade, a partir de 1 de janeiro de 2006, salvo se tais fornecimentos se destinarem a ser utilizados nas instalações referidas no artigo 266.o quinquies A.»

20.      De acordo com o artigo 266.o quinquies A do Código Aduaneiro, na versão aplicável à data dos factos:

«Os fornecimentos de gás natural […] destinados a ser utilizados em centrais de cogeração, na produção combinada de calor e eletricidade […], estão isentos do [imposto interno sobre o consumo] previsto no […] artigo 266.o quinquies por um período de cinco anos a contar da sua entrada em funcionamento. […]

Essa isenção aplica‑se a centrais que entrem em funcionamento até 31 de dezembro de 2007. […]

[…]».

21.      O artigo 266.o quinquies, n.o 3, do Código Aduaneiro foi alterado em 31 de dezembro de 2006 (9), pelo que os fornecimentos de gás natural destinados a ser utilizados em centrais de cogeração estão isentos do imposto previsto no n.o 1 da referida disposição, desde que, em primeiro lugar, o produtor que explora a central em questão não seja parte num contrato que imponha a certos distribuidores (10) uma obrigação de compra e, em segundo lugar, que esse produtor tenha renunciado à isenção prevista no artigo 266.o quinquies A do Código Aduaneiro.

22.      De acordo com o artigo 266.o quinquies, n.o 3, do Código Aduaneiro, na versão aplicável a partir de 31 de dezembro de 2006:

«[…]

Os fornecimentos de gás estão […] isentos [do imposto previsto no n.o 1] quando se destinem a ser utilizados:

[…]

c)      como combustível na produção de eletricidade, a partir de 1 de janeiro de 2006.

A isenção prevista no n.o 3, alínea c), não se aplica a fornecimentos de gás destinados a ser utilizados nas centrais referidas no artigo 266.o quinquies A. No entanto, os produtores cuja central não beneficie de um contrato de compra de eletricidade celebrado nos termos do artigo 10.o da Lei n.o 2000‑108, de 10 de fevereiro de 2008, relativa à modernização e desenvolvimento do serviço público de eletricidade, ou referido no artigo 50.o dessa lei, beneficiam do sistema previsto no n.o 3, alínea c), desde que renunciem à isenção do imposto interno prevista no artigo 266.o quinquies A.»

II.    Factos, processo principal e questão prejudicial

23.      A sociedade comercial Francesa Sucrerie de Toury SA (a seguir «Sucrerie de Toury»), da qual é sucessora legal a Cristal Union, explora, em França, uma central de cogeração de calor e eletricidade, para a qual utiliza gás natural como combustível. O calor e a eletricidade produzidos são depois utilizados na produção de açúcar.

24.      A Sucrerie de Toury abastece‑se de gás natural junto de terceiros. No que respeita ao gás adquirido entre 1 de janeiro de 2006 e 25 de dezembro de 2007, o fornecedor da Sucrerie de Toury pagou o imposto previsto no artigo 266.oquinquies do Código Aduaneiro (a seguir, «imposto interno»). O montante do imposto interno foi depois repercutido na Sucrerie de Toury, integrado no preço de compra do gás natural.

25.      A Sucrerie de Toury considera que esses fornecimentos de gás natural deviam ter sido isentados do imposto interno. Por isso, intentou uma ação judicial no tribunal administratif d’Orléans (Tribunal Administrativo de Orleães, França), pedindo uma indemnização pelo prejuízo que considera ter sofrido em virtude do atraso na transposição da Diretiva 2003/96 pela República Francesa (11). A Sucrerie de Toury pediu uma indemnização de EUR 98 768, ou seja, o montante do imposto interno relativo ao período decorrido entre 1 de janeiro de 2006 e 25 de dezembro de 2007(12).

26.      Por sentença de 31 de janeiro de 2013, o tribunal administratif d’Orléans considerou improcedente a ação intentada pela Sucrerie de Toury.

27.      Em 29 de março de 2013, a Sucrerie de Toury recorreu da sentença do tribunal administratif d’Orléans para a cour administrative d’appel de Nantes (Tribunal Administrativo de Recurso de Nantes, França).

28.      Por sentença de 18 de dezembro de 2014, a cour administrative d’appel de Nantes negou provimento ao recurso. Considerou que o gás natural fornecido à Sucrerie de Toury era abrangido pelo artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96, e não pelo artigo 14.o, n.o 1, alínea a), dessa diretiva. Estas disposições não podiam ser aplicadas conjuntamente, uma vez que não era possível aplicar diferentes regimes fiscais consoante o gás natural fornecido à Sucrerie de Toury fosse utilizado na produção de eletricidade ou de calor. Por conseguinte, o artigo 266.o quinquies e o artigo 266.o quinquies A do Código Aduaneiro respeitavam a Diretiva 2003/96.

29.      Em 10 de fevereiro de 2015, a Sucrerie de Toury recorreu da sentença da cour administrative d’appel de Nantes para o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional). A Sucrerie de Toury alegou, em especial, que o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96 é aplicável apenas à parte do gás natural utilizada na produção de calor e que, consequentemente, o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), dessa diretiva é aplicável à parte do gás natural utilizada para produzir eletricidade, pelo que os Estados‑Membros devem isentar esta parte de tributação.

30.      O Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão para decisão prejudicial:

«Estão os produtos energéticos utilizados na produção combinada de calor e eletricidade exclusivamente abrangidos pela faculdade de isenção prevista no artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da [Diretiva 2003/96], ou enquadram‑se também, no que respeita à parte destes produtos cujo consumo corresponde à produção de eletricidade, na obrigação de isenção prevista no seu artigo 14.o, n.o 1, alínea a)?»

31.      A recorrente no processo principal, o Governo francês, o Governo finlandês e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. A recorrente no processo principal, a República Francesa e a Comissão Europeia apresentaram igualmente alegações na audiência de 22 de novembro de 2017.

III. Análise

32.      O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se os produtos energéticos utilizados na produção combinada de calor e eletricidade são abrangidos apenas pelo artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96, ou se, no que respeita à parte desses produtos utilizada para produzir eletricidade, são igualmente abrangidos pelo artigo 14.o, n.o 1, alínea a), dessa diretiva.

33.      A recorrente no processo principal alega que os produtos energéticos utilizados na produção combinada de calor e eletricidade são abrangidos pelo artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96 e, no que respeita à parte desses produtos utilizada para produzir eletricidade, pelo artigo 14.o, n.o 1, alínea a), dessa diretiva.

34.      A recorrente no processo principal baseia‑se numa carta enviada pela Comissão ao seu representante legal, em 16 de maio de 2011. Essa carta declara que «o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), [da Diretiva 2003/96], que permite aos Estados‑Membros isentar totalmente os produtos energéticos utilizados na produção combinada de calor e eletricidade, não exclui as centrais de cogeração do âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), [dessa diretiva] no que respeita à parte desses produtos utilizada para produzir eletricidade». Caso contrário, o regime de tributação dos produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade em cogeração seria, sem qualquer fundamento, menos favorável do que o dos produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade através dos modos convencionais. Esta interpretação do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96 respeita a intenção subjacente a esta diretiva, designadamente evitar a dupla tributação da eletricidade que resultaria da cobrança de imposto especial sobre o consumo sobre i) os produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade, e ii) a eletricidade produzida. Por conseguinte, o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 é aplicável à parte dos produtos energéticos utilizada para produzir eletricidade, enquanto o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), dessa diretiva é aplicável à parte desses produtos utilizada para produzir calor.

35.      O Governo francês alega que os produtos energéticos utilizados na produção combinada de calor e eletricidade são abrangidos apenas pelo artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96.

36.      O Governo francês salienta, em primeiro lugar, que a isenção prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 deve ser interpretada de forma estrita, uma vez que constitui uma derrogação da obrigação de tributar produtos energéticos estabelecida nessa diretiva. Em segundo lugar, o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), dessa diretiva não dispõe expressamente que, sempre que os produtos energéticos sejam utilizados na produção combinada de calor e eletricidade, a parte desses produtos que for utilizada para produzir eletricidade é abrangida pelo seu âmbito de aplicação. Em contrapartida, o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), dessa diretiva dispõe expressamente que é aplicável a produtos energéticos utilizados na produção combinada de calor e eletricidade. Esta disposição não declara que é aplicável apenas à parte desses produtos utilizada na produção de calor. Em terceiro lugar, o artigo 14.o, n.o 1, alínea e), da proposta da Comissão da que viria a ser a Diretiva 2003/96 (13) (a seguir «proposta da Comissão») permitia aos Estados‑Membros isentar o «calor gerado durante a produção de eletricidade» (14). O artigo 14.o, n.o 1, alínea e), da proposta da Comissão deve ser lido no sentido de que permitia aos Estados‑Membros isentar a parte dos produtos energéticos utilizada para produzir calor, enquanto o artigo 13.o, n.o 1, alínea b), dessa proposta exigia que os Estados‑Membros isentassem a parte desses produtos utilizada para produzir eletricidade. No entanto, o artigo 14.o, n.o 1, alínea e), da proposta da Comissão foi alterado, pelo que a disposição correspondente da Diretiva 2003/96, designadamente o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), já não se refere apenas ao calor. Consequentemente, a intenção do legislador da UE foi permitir aos Estados‑Membros isentar totalmente, nos termos do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96, os produtos energéticos utilizados na produção combinada de calor e eletricidade. O legislador da UE não pretendeu que os Estados‑Membros isentassem, nos termos do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da mesma diretiva, a parte desses produtos utilizada para produzir eletricidade. Em quarto lugar, na prática, é difícil separar a parte dos produtos energéticos utilizada para produzir eletricidade da parte utilizada na produção de calor.

37.      O Governo finlandês e a Comissão concordam com a solução proposta pela recorrente no processo principal, tal como descrita no n.o 33, supra.

38.      De acordo com a jurisprudência, as disposições da Diretiva 2003/96 relativas a isenções devem ser objeto de interpretação autónoma, baseada no seu teor e nos objetivos prosseguidos por essa diretiva (15).

39.      Por conseguinte, começarei por analisar o teor do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), e do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96, o qual, na minha opinião, não permite chegar a nenhuma conclusão sobre se essas disposições devem ser aplicadas conjuntamente. Em seguida, apreciarei se a Diretiva 2003/96 procura evitar a dupla tributação da eletricidade, o que, na minha opinião, é o caso (excetuando apenas as medidas ambientais) e conduz à conclusão de que o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), dessa diretiva é aplicável à parte dos produtos energéticos utilizada para produzir eletricidade. Por último, demonstrarei que esta interpretação do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 respeita os objetivos desta diretiva, designadamente o bom funcionamento do mercado interno e uma maior proteção do ambiente.

A.      Não é possível retirar nenhuma conclusão definitiva do teor do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), e do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96

40.      Na minha opinião, a questão de saber se o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), e o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96 devem ser aplicados conjuntamente não pode ser respondida tendo apenas em conta o seu teor.

41.      Por um lado, o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96 dispõe que é aplicável a produtos energéticos «utilizados para cogeração de calor e eletricidade». Em contrapartida, o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), dessa diretiva refere‑se apenas a produtos energéticos «utilizados para produzir eletricidade». Esta disposição não faz qualquer referência expressa à eletricidade produzida em cogeração. Tal permite concluir que o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96 é lex specialis em relação ao artigo 14.o, n.o 1, alínea a), dessa diretiva e que, como tal, essa disposição aplica‑se em vez desta sempre que os produtos energéticos sejam utilizados para produzir eletricidade em cogeração (16). Esta foi a posição da cour administrative d’appel de Nantes (17).

42.      Além disso, como salientou o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96 não dispõe que é aplicável a produtos energéticos utilizados na cogeração de calor e eletricidade sem prejuízo da aplicação do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), à parte desses produtos utilizada na produção de eletricidade (18).

43.      Por outro lado, o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96 não afirma que é aplicável «em derrogação do disposto no artigo 14.o, n.o 1, alínea a)» dessa diretiva. Em contrapartida, a segunda frase do terceiro parágrafo do artigo 21.o, n.o 5, dessa diretiva dispõe expressamente que é aplicável «em derrogação do disposto na alínea a) do n.o 1 do artigo 14.o». Por conseguinte, afigura‑se que, sempre que o legislador da UE pretendeu excluir a aplicação do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96, fê‑lo expressamente e que, na falta de      exclusão expressa, esta disposição é aplicável. Tal permite concluir que o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96 não derroga o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da diretiva.

44.      Além disso, a frase introdutória do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96 dispõe que esta disposição é aplicável «sem prejuízo de outras disposições [da União]». Embora esta frase, contrariamente à redação proposta no n.o 42, supra, não refira expressamente o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96, pode, contudo, ser interpretada como uma referência a esta disposição. Assim, é possível a aplicação conjunta do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), e do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da mesma diretiva, tanto mais que a frase introdutória do artigo 14.o, n.o 1, dessa diretiva dispõe igualmente que este é aplicável «sem prejuízo de outras disposições [da União]».

45.      Por último, o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 dispõe simplesmente que é aplicável a «produtos energéticos […] utilizados para produzir eletricidade». Como foi referido no n.o 9, supra, esta disposição não faz qualquer referência ao modo de produção da eletricidade, o que permite concluir que é aplicável independentemente do modo de produção. Abrange, assim, produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade através de modos convencionais e através de modos não convencionais, como a cogeração.

46.      Consequentemente, a apreciação do teor do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), e do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96, não permite determinar se estes devem ser aplicados conjuntamente. Assim, para responder a essa questão, passo a analisar o sistema geral e os objetivos dessa diretiva.

B.      A Diretiva 2003/96 procura evitar a dupla tributação da eletricidade?

47.      A recorrente no processo principal (19), o Governo finlandês (20) e a Comissão (21) alegam que a Diretiva 2003/96 procura evitar a dupla tributação da eletricidade. Por conseguinte, a isenção obrigatória prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), dessa diretiva deve, na sua opinião, aplicar‑se à parte dos produtos energéticos utilizada para produzir eletricidade em cogeração. De facto, se essa isenção não se aplicar, ocorrerá dupla tributação da eletricidade, uma vez que o imposto especial sobre o consumo recairá sobre i) os produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade e ii) a eletricidade produzida.

48.      Não há dúvida de que, se o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 não for aplicável à parte dos produtos energéticos utilizada para produzir eletricidade em cogeração, ocorrerá dupla tributação da eletricidade. De facto, os produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade estarão sujeitos a imposto especial sobre o consumo e, assim, aos níveis mínimos de tributação previstos no artigo 9.o e no quadro C do anexo I dessa diretiva (tributação a montante), enquanto a eletricidade produzida estará sujeita a imposto especial sobre o consumo e, assim, aos níveis mínimos de tributação nos termos do artigo 10.o e do quadro C do anexo I da diretiva (tributação a jusante).

49.      O que é necessário apurar é se, como alegou a recorrente no processo principal, o Governo finlandês e a Comissão, a Diretiva 2003/96 procura evitar a dupla tributação da eletricidade.

1.      Apenas a proposta da Comissão se refere expressamente à prevenção da dupla tributação

50.      Nem os considerandos da Diretiva 2003/96 nem as suas disposições se referem expressamente à dupla tributação da eletricidade.

51.      A única referência à dupla tributação da eletricidade está na proposta da Comissão (22). Na exposição de motivos que acompanha essa proposta, a Comissão explica que, no que respeita à eletricidade, «propôs a harmonização com base na tributação a jusante» para que, em especial, a eletricidade possa «ser comercializada em e entre países sem ter sido tributada, evitando assim a dupla tributação no país de consumo» (23). De forma a evitar essa dupla tributação, a proposta da Comissão apresenta um sistema semelhante ao que consta da Diretiva 2003/96. Em primeiro lugar, essa proposta determina que os produtos energéticos utilizados como combustível de aquecimento e a eletricidade fiquem sujeitos a imposto especial sobre o consumo (24). Em segundo lugar, o artigo 13.o, n.o 1, alínea b), dessa proposta prevê a isenção obrigatória dos produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade (25).

2.      A dupla tributação é permitida por razões ambientais

52.      No entanto, pode questionar‑se se a Diretiva 2003/96 procura efetivamente evitar a dupla tributação da eletricidade.

53.      De facto, a segunda e terceira frases do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 permitem aos Estados‑Membros derrogar a isenção dos produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade prevista na primeira frase dessa disposição. De acordo com a segunda frase do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96, os Estados‑Membros podem, «por razões de política ambiental», sujeitar esses produtos a tributação. Quando um Estado‑Membro exerça essa opção, dessa decisão resulta a dupla tributação da eletricidade, uma vez que, de acordo com a terceira frase da mesma disposição, a tributação dos produtos energéticos «não será tomada em consideração para efeitos da observância do nível mínimo de tributação aplicável à eletricidade».

54.      Pode até questionar‑se se a intenção da Comissão foi evitar a dupla tributação da eletricidade. De facto, a segunda e terceira frases do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 são idênticas à segunda e terceira frases do artigo 13.o, n.o 1, alínea b), da proposta da Comissão (26). Além disso, na exposição de motivos que acompanha a sua proposta, a Comissão, após afirmar que a harmonização deve ser alcançada com base na tributação a jusante, salienta, no entanto, que «a tributação a jusante não permite aos Estados‑Membros diferenciar diretamente os níveis de tributação de acordo com a qualidade ambiental do combustível utilizado» e que, consequentemente, devia ser permitido aos Estados‑Membros «introduzir um imposto suplementar (não harmonizado) a montante no caso de combustíveis indesejáveis do ponto de vista do ambiente» (27).

55.      Tal levou o Tribunal de Justiça, no Acórdão Kernkraftwerke Lippe‑Ems, a considerar improcedente o argumento de que a Diretiva 2003/96 se opõe a que se faça incidir o imposto especial sobre o consumo sobre produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade e sobre a eletricidade produzida. O Tribunal de Justiça observou que «[os argumentos invocados] não permitem concluir pela existência de um princípio que se oporia à cobrança simultânea de um imposto sobre o consumo de energia elétrica e de um imposto que incida sobre as fontes de produção desta energia. […] [Da proposta da Comissão] não resulta que [a tributação a montante e a tributação a jusante] se excluam mutuamente por princípio, tendo a [Comissão] admitido a sua complementaridade ao reservar, na referida proposta, a possibilidade de os Estados‑Membros “introduzir[em] um imposto suplementar sobre as matérias‑primas (não harmonizado) no caso de combustíveis indesejáveis do ponto de vista do ambiente”» (28).

3.      A Diretiva 2003/96 procura evitar a dupla tributação, excetuando apenas as medidas ambientais

56.      Apesar de tudo, considero que a Diretiva 2003/96 procura evitar a dupla tributação da eletricidade.

57.      De facto, como foi explicado no n.o 43, supra, e como alegou a Comissão (29), sempre que o legislador da UE pretendeu excluir a aplicação da isenção de tributação a montante estabelecida na primeira frase do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96, fê‑lo expressamente. Existem apenas duas derrogações expressas dessa isenção, designadamente, a segunda e terceira frases do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 e o terceiro parágrafo do artigo 21.o, n.o 5, dessa diretiva.

58.      O terceiro parágrafo do artigo 21.o, n.o 5, da Diretiva 2003/96 permite aos Estados‑Membros isentar de tributação a eletricidade produzida por pequenos produtores, «desde que tributem os produtos energéticos utilizados para a produção dessa eletricidade». Por conseguinte, no que respeita aos pequenos produtores de eletricidade, a tributação a montante é permitida, mas a dupla tributação não é.

59.      Consequentemente, a dupla tributação da eletricidade apenas é permitida «por razões de política ambiental», nos termos da segunda e terceira frases do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96. Não é permitida com outros fundamentos. Além disso, de acordo com a segunda frase desta disposição, os Estados‑Membros «podem» sujeitar os produtos energéticos a tributação a montante. Não são obrigados a fazê‑lo. Acresce que os Estados‑Membros podem estabelecer uma tributação a montante «sem que tenham de respeitar os níveis mínimos de tributação estabelecidos na [Diretiva 2003/96]». Por isso, a tributação a montante imposta nos termos da segunda frase do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da diretiva pode dar origem a uma dupla tributação limitada.

60.      Devo salientar igualmente que, em 1999, o Parlamento alterou a proposta da Comissão, tendo sido revisto o artigo 13.o, que previa a isenção obrigatória, em especial, de produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade, enquanto a eletricidade continuava, nos termos do artigo 9.o dessa proposta, sujeita a um nível mínimo de tributação. Além disso, o Parlamento alterou esta última disposição, pelo que os Estados‑Membros ficaram obrigados a aplicar uma taxa complementar em função do teor em carbono dos combustíveis utilizados na produção de eletricidade (30). No entanto, essas alterações, que teriam originado a dupla tributação da eletricidade, não foram adotadas na versão final dessas disposições (nomeadamente, os artigos 10.o e 14.o da Diretiva 2003/96).

61.      Por último, poderá ser útil observar que, durante os trabalhos preparatórios, a Presidência do Conselho salientou que «a regra geral» era a da tributação da eletricidade a jusante, e não a montante (31).

62.      Por conseguinte, na minha opinião, a Diretiva 2003/96 procura evitar a dupla tributação da eletricidade, excetuando apenas as medidas adotadas pelos Estados‑Membros por razões de política ambiental.

63.      Consequentemente, considero que, quando os produtos energéticos sejam utilizados na produção combinada de calor e eletricidade, a parte desses produtos utilizada para produzir eletricidade é abrangida pela isenção obrigatória prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96. De facto, se esta disposição não for aplicável a essa parte dos produtos, a eletricidade produzida em cogeração ficará sujeita a dupla tributação, o que a Diretiva 2003/96 procura evitar. Na minha opinião, a sujeição dessa parte dos produtos a tributação dificilmente pode ser vista como uma medida adotada por «razões de política ambiental» nos termos da segunda frase do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96, uma vez que a eletricidade produzida em cogeração origina poupanças de energia e baixas emissões de gases com efeito de estufa, quando comparada com a eletricidade produzida através dos modos convencionais (32). Enquanto a parte dos produtos energéticos que é utilizada para produzir calor, é abrangida pela competência para isentar atribuída aos Estados‑Membros pelo artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96.

64.      Esta conclusão não pode ser posta em causa pela conclusão a que o Tribunal de Justiça chegou no Acórdão Kernkraftwerke Lippe‑Sem (33). De facto, a situação referida no Acórdão Kernkraftwerke Lipp‑Ems era muito específica e difere da que se verifica no caso em apreço. No Acórdão Kernkraftwerke Lippe‑Ems, foi perguntado ao Tribunal de Justiça se a isenção obrigatória estabelecida no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 era aplicável ao combustível nuclear. Embora esse combustível seja, como exige essa disposição, «utilizado para produzir eletricidade», não está incluído na lista dos «produtos energéticos» aos quais, de acordo com o artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96, esta diretiva se aplica (34). Por conseguinte, o Tribunal de Justiça concluiu que o combustível nuclear não é abrangido por esta diretiva e, consequentemente, a isenção obrigatória não se aplica. O Tribunal de Justiça considerou improcedente o argumento apresentado pela sociedade comercial que explorava a central nuclear de que o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 devia ser aplicado «por analogia» ao combustível nuclear utilizado para produzir eletricidade, uma vez que a finalidade desta diretiva era evitar a dupla tributação da eletricidade. De facto, não há dúvida de que, se o Tribunal de Justiça tivesse aplicado o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 ao combustível nuclear utilizado para produzir eletricidade, teria alargado o âmbito de aplicação da diretiva, em violação do artigo 2.o, n.o 1, da mesma (35). Em contrapartida, no caso em apreço, o gás natural é um «produto energético» na aceção do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96 (36). Por conseguinte, ao aplicar o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva à parte do gás natural utilizada para produzir eletricidade em cogeração, o Tribunal de Justiça não estará a alargar o âmbito de aplicação da diretiva.

65.      A conclusão a que cheguei no n.o 62, supra, também não pode ser posta em causa pelo facto de o artigo 13.o, n.o 1, alínea b), da Proposta da Comissão, que previa a isenção obrigatória dos «produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade e o calor gerado durante a sua produção» (37), ter sido alterado, de forma que o artigo 14.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2003/96 é aplicável apenas a «produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade». De facto, a intenção da Comissão, como foi explicado na exposição de motivos que acompanha a sua proposta, foi introduzir harmonização com base na tributação a jusante da eletricidade, de modo a evitar a dupla tributação (38). Nessa exposição de motivos, nada indica que a Comissão pretendia limitar a harmonização com base na tributação a jusante à eletricidade produzida em cogeração.

66.      Por último, devo referir que o Parlamento, que, em setembro de 2003, foi consultado pela segunda vez sobre o projeto de diretiva (39), alterou o seu artigo 15.o, n.o 1, de forma a que este previsse uma isenção obrigatória em vez de uma competência para isentar (40). A Diretiva 2003/96 foi adotada sem essa alteração. No entanto, na minha opinião, tal não põe em causa a conclusão a que cheguei no n.o 62, supra. De facto, em primeiro lugar, em setembro de 2003, o Parlamento não alterou a isenção obrigatória dos produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), do projeto de diretiva (41). Por conseguinte, a alteração ao artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do projeto de diretiva apenas podia originar a isenção obrigatória da parte dos produtos energéticos utilizada para produzir calor. O facto de essa alteração não ter sido adotada apenas significa que os Estados‑Membros têm competência, não uma obrigação, para isentar essa parte dos produtos. Em segundo lugar, saliento que, na sequência da adoção dessa alteração pelo Parlamento, o representante da Comissão afirmou, numa reunião do Conselheiros e Adidos Fiscais das Representações Permanentes, que «não é desejável alterar o projeto de diretiva nesta fase» e que «a Comissão pode ter em conta as propostas para uma eventual alteração da diretiva» (42). Tal permite concluir que — pelo menos no que respeita à Comissão — não foi tido em conta o conteúdo dessa alteração e esta não foi adotada essencialmente por razões de oportunidade.

67.      No entanto, caso se considere que a Diretiva 2003/96 não procura evitar a dupla tributação da eletricidade, o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), dessa diretiva é aplicável, na minha opinião, à parte dos produtos energéticos utilizada para produzir eletricidade em cogeração. De facto, tal está em conformidade com os restantes objetivos dessa diretiva, designadamente o bom funcionamento do mercado interno e a proteção do ambiente.

C.      A aplicação conjunta do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), e do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96 contribui para o bom funcionamento do mercado interno e a proteção do ambiente

68.      Um dos objetivos da Diretiva 2003/96 é assegurar o bom funcionamento do mercado interno reduzindo as diferenças nos níveis nacionais de tributação e manter a posição concorrencial das empresas da União. Tal decorre dos seus considerandos 2 a 5, que dispõem que a existência de importantes diferenças entre os níveis de tributação aplicados pelos Estados‑Membros poderá ser prejudicial ao bom funcionamento do mercado interno, enquanto a fixação de níveis mínimos de tributação a nível da UE contribuirá para o bom funcionamento desse mercado. Tal foi igualmente reconhecido pelo Tribunal de Justiça (43).

69.      Se os produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade em cogeração forem abrangidos apenas pelo artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96, enquanto os mesmos produtos, se forem utilizados para produzir eletricidade através de modos convencionais, são abrangidos pelo artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da diretiva, as centrais de cogeração ficarão em desvantagem em relação às centrais convencionais. De facto, estas ficarão sujeitas à isenção obrigatória estabelecida no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96, enquanto aquelas apenas ficarão isentas se o Estado‑Membro em causa exercer a competência atribuída pelo seu artigo 15.o, n.o 1, alínea c). Como alegou a Comissão, tal estará em desconformidade com o considerando 24 da Diretiva 2003/96, que dispõe que a competência para isentar atribuída aos Estados‑Membros não pode, em especial, «impli[car] distorções da concorrência». Se o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96 for aplicável apenas aos produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade em cogeração, e se o Estado‑Membro em causa não exercer a opção de isentar totalmente esses produtos de tributação, tal criará uma distorção da concorrência entre as centrais de cogeração e as centrais convencionais.

70.      O raciocínio exposto está em conformidade com as conclusões do Tribunal de Justiça no Acórdão Jan de Nul. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que a competência para isentar óleos minerais utilizados na navegação em águas interiores, prevista no artigo 8.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 92/81 (44), «só pode ter caráter residual», na medida em que só é aplicável quando não seja aplicável a isenção obrigatória de óleos minerais utilizados como combustível na navegação em águas da União, prevista no artigo 8.o, n.o 1, alínea c), da      diretiva (45). De facto, os navios, que são abrangidos pela isenção obrigatória (46), podem igualmente navegar em certas águas interiores rumo a determinados portos que, apesar de não estarem situados na costa, são portos marítimos (47). Por isso, se os navios forem excluídos do âmbito da isenção obrigatória quando sejam utilizados em águas interiores rumo a portos marítimos, ficarão em desvantagem em relação aos navios utilizados apenas em portos costeiros. Tal poderá afastar o tráfego de portos marítimos. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça considerou que a competência para isentar prevista no artigo 8.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 92/81 se aplica à navegação em águas interiores apenas na medida em que tal navegação tenha lugar para além das águas nas quais a navegação marítima pode ser realizada.

71.      A Diretiva 2003/96 tem também outro objetivo, designadamente uma maior proteção do ambiente. Decorre dos seus considerandos 6, 7, e 12 que as exigências em matéria de proteção do ambiente devem ser integradas na definição da política de energia. Tal foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça (48).

72.      Se a parte dos produtos energéticos utilizada para produzir eletricidade em cogeração for abrangida pela isenção obrigatória prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96, tal contribuirá para a proteção do ambiente. De facto, a cogeração, ao contrário dos modos convencionais de produção de eletricidade, permite poupanças de energia. Nessa medida, durante os trabalhos preparatórios da Diretiva 2003/96, a Presidência do Conselho considerou que «a produção de eletricidade nas centrais elétricas tem normalmente uma eficiência de conversão entre 25% e 50[%], sendo que 50[%] é uma taxa muito elevada», ao passo que, quando a eletricidade é produzida em cogeração, «a eficiência de conversão normalmente ascende a um nível geral de 60% a 80[%]» (49).

73.      Como foi referido supra, se o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 for aplicado à parte dos produtos energéticos utilizada para produzir eletricidade, tal não afetará o objetivo do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), dessa diretiva. De facto, esta disposição é aplicável à parte dos produtos energéticos utilizada na produção de calor.

74.      O argumento suscitado pelo Governo francês de que, na prática, é extremamente difícil isolar a parte dos produtos energéticos utilizada para produzir eletricidade, deve ser considerado improcedente (50). De facto, na audiência, a recorrente no processo principal e a Comissão explicaram que a tributação autónoma é possível. A recorrente no processo principal propôs que se calculasse a quantidade mínima de gás natural necessária para a produção de eletricidade por uma central que produza apenas eletricidade (em contraste com uma central de cogeração) e que utilize a melhor tecnologia disponível e economicamente justificável. De acordo com a recorrente no processo principal, quando o gás natural seja utilizado na produção combinada de calor e eletricidade, essa quantidade mínima deve ser considerada a parte de gás natural utilizada na produção de eletricidade (51). A Comissão, por seu lado, salientou que vários Estados‑Membros desenvolveram um método para calcular a parte tributável dos produtos energéticos. De acordo com a Comissão, doravante a parte dos produtos energéticos utilizada para produzir calor está sujeita a tributação nos termos do direito francês (52). Da mesma forma, na Bélgica, apenas a parte dos produtos energéticos utilizada para produzir eletricidade está isenta de tributação (53). A Comissão declarou ainda que é irrelevante que os Estados‑Membros apliquem diferentes métodos para calcular a parte tributável dos produtos energéticos utilizada na produção combinada de calor e eletricidade. De facto, a Diretiva 2003/96 é omissa quanto a este assunto.

75.      Consequentemente, na minha opinião, quando os produtos energéticos sejam utilizados na produção combinada de calor e eletricidade, a parte desses produtos utilizada para produzir eletricidade é abrangida pelo artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96, enquanto a parte utilizada para produzir calor é abrangida pelo artigo 15.o, n.o 1, alínea c), dessa diretiva.

76.      No presente processo, foi recusado à Sucrerie de Toury o benefício da isenção prevista no artigo 266.o quinquies A do Código Aduaneiro e, após 31 de dezembro de 2006, no artigo 266.o quinquies, n.o 3, desse código no que respeita ao gás natural adquirido entre 1 de janeiro de 2006 e 25 de dezembro de 2007.

77.      Na audiência, a recorrente no processo principal afirmou que a razão pela qual lhe foi recusada a isenção prevista no artigo 266.o quinquies A do Código Aduaneiro reside no facto de essa isenção apenas poder ser atribuída durante um período limitado de cinco anos, a contar da entrada em funcionamento da central de cogeração. Uma vez que a central de cogeração da Sucrerie de Toury entrou em funcionamento em 1996, era muito antiga para beneficiar da isenção quando o artigo 266.o quinquies A do Código Aduaneiro entrou em vigor (54).

78.      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar a razão pela qual foi recusado à Sucrerie de Toury o benefício da isenção prevista na legislação francesa. Se a razão residir no facto de a isenção estar limitada a cinco anos a contar da entrada em funcionamento da central de cogeração, tal será, na minha opinião, dificilmente compatível com o caráter incondicional da isenção prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 (55).

79.      Por conseguinte, a resposta à questão objeto de reenvio deve ser que, quando os produtos energéticos sejam utilizados na produção combinada de calor e eletricidade, o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), e o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96 devem ser aplicados conjuntamente. A parte dos produtos energéticos utilizada para produzir eletricidade é abrangida pela isenção obrigatória prevista na primeira disposição, enquanto a parte desses produtos utilizada na produção de calor é abrangida pela segunda disposição.

IV.    Conclusão

80.      À luz das considerações expostas, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão submetida pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) da seguinte forma:

Quando os produtos energéticos sejam utilizados na produção combinada de calor e eletricidade, o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), e o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96/CE, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade, devem ser aplicados conjuntamente. A parte dos produtos energéticos utilizada para produzir eletricidade é abrangida pela isenção obrigatória prevista na primeira disposição, enquanto a parte desses produtos utilizada na produção de calor é abrangida pela segunda disposição.


1      Língua original: inglês.


2      Diretiva de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade (JO 2003, L 283, p. 51).


3      V. artigo 2.o, n.o 30), da Diretiva 2012/27/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativa à eficiência energética, que altera as Diretivas 2009/125/CE e 2010/30/UE e revoga as Diretivas 2004/8/CE e 2006/32/CE (JO 2012, L 315, p. 1).


4      V. considerando 22 e artigos 7.o a 9.o da Diretiva 2003/96.


5      V. artigo 10.o da Diretiva 2003/96.


6      Por razões de simplicidade, referir‑me‑ei, de ora em diante, ao poder atribuído aos Estados‑Membros pelo artigo 15.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96, de «aplicar, sob controlo fiscal, isenções totais ou parciais ou reduções do nível de tributação», como o seu poder «de isentar».


7      V. considerando 16 da Diretiva 2003/96.


8      Note‑se que, em duas ocasiões, o Tribunal de Justiça considerou que a República Francesa violara as suas obrigações decorrentes da Diretiva 2003/96. Em primeiro lugar, considerou que a República Francesa não adotara quaisquer medidas para a transposição dessa diretiva (Acórdão de 29 de março de 2007, Comissão/França, C‑388/06, não publicado, EU:C:2007:207). Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça concluiu que a República Francesa não tinha adaptado o seu sistema de tributação da eletricidade às disposições da Diretiva 2003/96 até 1 de janeiro de 2009, como exigido pelo segundo parágrafo do artigo 18.o, n.o 10, dessa diretiva (Acórdão de 25 de outubro de 2012, Comissão/França, C‑164/11, não publicado, EU:C:2012:665).


9      Apenas foi alterado o n.o 3 do artigo 266.o quinquies do Código Aduaneiro. O n.o 1 dessa disposição não foi alterado.


10      Como a Électricité de France.


11      V. nota 8, supra.


12      De acordo com a sentença de 18 de dezembro de 2014 da cour administrative d’appel de Nantes (Tribunal Administrativo de Recurso de Nantes), a recorrente no processo principal afirma que «o prejuízo que sofreu corresponde ao montante do [imposto interno] repercutido pelos seus fornecedores, relativo ao período decorrido entre 1 de janeiro de 2006 e 25 de dezembro de 2007, ou seja, 98 768 EUR».


13      Proposta da Comissão, de 12 de março de 1997, de diretiva do Conselho que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos (COM(97) 30 final).


14      O artigo 14.o, n.o 1, da proposta Comissão dispõe que «[s]em prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados‑Membros podem aplicar isenções totais ou parciais ou reduções do nível de tributação aos seguintes produtos: […] e) calor gerado durante a produção de eletricidade; […]»(o sublinhado é meu).


15      Acórdãos de 1 de abril de 2004, Deutsche See‑Bestattungs‑Genossenschaft (C‑389/02, EU:C:2004:214, n.o 19); de 1 de março de 2007, Jan De Nul (C‑391/05, EU:C:2007:126, n.o 22); de 1 de dezembro de 2011, Systeme Helmholz (C‑79/10, EU:C:2011:797, n.o 19); de 21 de dezembro de 2011, Haltergemeinschaft (C‑250/10, não publicado, EU:C:2011:862, n.o 19); e de 13 de julho de 2017, Vakarų Baltijos laivų statykla (C‑151/16, EU:C:2017:537, n.o 24).


16      V., por analogia, Acórdão de 15 de julho de 2010, Comissão/Reino Unido (C‑582/08, EU:C:2010:429, n.o 35).


17      O despacho de reenvio refere que «segundo [a interpretação da cour administrative d’appel de Nantes], a regra especial prevista no artigo 15.o [da Diretiva 2003/96] derroga a regra geral prevista no artigo 14.o [dessa diretiva]» (o sublinhado é meu).


18      O despacho de reenvio refere que «a interpretação adotada pela [cour administrative d’appel de Nantes], … segundo a qual a regra especial prevista no artigo 15.o [da Diretiva 2003/96] derroga a regra geral prevista no artigo 14.o [dessa diretiva], pode fundar‑se no teor do artigo 15.o, que não reserva explicitamente a aplicação do artigo 14.o à parte do gás utilizada na produção de eletricidade» (o sublinhado é meu).


19      De acordo com as observações escritas da recorrente no processo principal, «a interpretação apresentada pela recorrente é perfeitamente coerente com a lógica subjacente à isenção dos produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade, que consiste em evitar que a eletricidade esteja sujeita a dupla tributação de imposto especial sobre o consumo: o [imposto interno] sobre o gás utilizado para produzir eletricidade e, em seguida, o imposto interno sobre a eletricidade no consumidor final».


20      De acordo com as observações escritas do Governo finlandês, «uma vez que o próprio consumo de eletricidade está sujeito a tributação, considerou‑se que os produtos energéticos destinados a ser utilizados na produção de energia não ficariam sujeitos a tributação autónoma. Desse modo, evita‑se a dupla tributação da eletricidade».


21      De acordo com as observações escritas da Comissão, «um dos objetivos da Diretiva [2003/96] é a aplicação do princípio da «tributação única» da eletricidade. […] O artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva [2003/96] impõe aos Estados‑Membros a obrigação de isentar de tributação os produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade. Desse modo, pretende‑se evitar a dupla tributação que resultaria da cobrança, simultaneamente, de um imposto sobre a energia produzida e de um imposto sobre os produtos energéticos utilizados para produzir essa energia».


22      V. nota 13, supra.


23      V. p. 5 da proposta da Comissão (o sublinhado é meu).


24      V. sexto travessão do artigo 8.o e artigo 9.o da proposta da Comissão.


25      O artigo 13.o, n.o 1, da proposta da Comissão tem a seguinte redação: «[p]ara além das disposições gerais previstas na Diretiva 92/12/CEE relativas às utilizações isentas de produtos tributáveis e sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados‑Membros isentarão os produtos a seguir referidos nas condições por eles fixadas tendo em vista assegurar uma aplicação correta e simples dessas isenções e de molde a impedir a fraude, a evasão fiscal ou as utilizações abusivas: […] b) produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade e o calor gerado durante a sua produção. No entanto, por razões de política ambiental, os Estados‑Membros poderão sujeitar estes produtos a imposto, sem que tenham de respeitar os níveis mínimos de tributação estabelecidos na presente diretiva. Neste caso, a tributação destes produtos não será tomada em consideração para efeitos da observância do nível mínimo de tributação aplicável à eletricidade fixado no artigo 9.o […]».


26      V. nota 25, supra.


27      V. p. 5 da proposta da Comissão (o sublinhado é meu).


28      Acórdão de 4 de junho de 2015, Kernkraftwerke Lippe‑Ems (C‑5/14, EU:C:2015:354, n.o 51).


29      De acordo com as observações escritas da Comissão, «a Diretiva [2003/96] prevê duas derrogações da isenção obrigatória. Primeiro, o artigo 14.o, n.o 1, alínea a) […]. Depois, o terceiro parágrafo do artigo 21.o, n.o 5 […]. Por isso, sempre que o legislador permitiu derrogações, fê‑lo expressamente».


30      Resolução legislativa, de 13 de abril de 1999, que contém o parecer do Parlamento Europeu sobre uma proposta de diretiva do Conselho que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos [COM(97)0030 C4‑0155/97 97/0111(CNS)] (JO 1999, C 219, p. 91). V. alterações 21 e 24.


31      V. n.o 2 da nota da Presidência do Conselho, de 20 de abril de 2001, de acordo com a qual «uma ampla maioria de Estados‑Membros manifestou‑se a favor da tributação da produção (consumo) como princípio geral a consagrar numa diretiva sobre a tributação energética. […] os Estados‑Membros favoráveis a uma tributação da produção reconheceram igualmente a necessidade de dar aos Estados‑Membros que o desejem a possibilidade de tributar a montante os combustíveis utilizados na produção de eletricidade» (Documento 8085/01 do Conselho) (o sublinhado é meu). V., igualmente, n.o 2.3.4 da proposta de compromisso preparada pela Presidência do Conselho, de 24 de abril de 2002, que dispõe que «[a] tributação da produção (consumo) deve ser a regra geral na tributação da eletricidade. No entanto, essa abordagem deve estar associada à opção de os Estados‑Membros aplicarem, adicionalmente, tributação a montante baseada em considerações de ordem ambiental no que respeita aos vários combustíveis utilizados para produzir eletricidade» (Documento 7814/1/02 REV 1 do Conselho) (o sublinhado é meu). Por último, v. n.o 7.3 do anexo do Relatório da situação da Presidência do Conselho, de 20 de junho de 2002, (Proposta de orientações do Conselho sobre a tributação da energia) que afirma «[c]omo princípio geral, a eletricidade produzida será tributada. Adicionalmente, os Estados‑Membros que o desejarem poderão onerar os consumos para a produção de eletricidade, em função de considerações ambientais» (Documento 10195/02 do Conselho) (o sublinhado é meu). Estes documentos estão disponíveis no sítio Web do registo público dos documentos do Conselho, no seguinte endereço: https://register.consilium.europa.eu/.


32      Em qualquer caso, saliento que o Governo francês não alegou que, sempre que os produtos energéticos sejam utilizados na produção combinada de calor e eletricidade, o artigo 266.o quinquies A do Código Aduaneiros e o n.o 3 do artigo 266.o quinquies desse código sujeitam esses produtos a tributação «por razões de política ambiental» nos termos do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96.


33      V. n.o 55, supra.


34      O combustível nuclear em questão consistia em isótopos específicos de plutónio e de urânio. V. Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar apresentadas no processo Kernkraftwerke Lippe‑Ems (C‑5/14, EU:C:2015:51, n.o 42).


35      Acórdão de 4 de junho de 2015, Kernkraftwerke Lippe‑Ems (C‑5/14, EU:C:2015:354, n.os 47, 48, 50 e 51).


36      De facto, o artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2003/96 faz referência aos produtos «abrangidos pelos códigos NC […] 2704 a 2715», e os códigos NC 2711 11 00 e 2711 21 00 correspondem ao gás natural. Os códigos da Nomenclatura Combinada («códigos NC») estão estabelecidos no Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO 1987, L 256, p. 1). V. artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2003/96.


37      V. nota 25, supra.


38      V. n.o 51, supra.


39      V. documento 8084/03 do Conselho, de 3 de abril de 2003 (a seguir «projeto de diretiva»). Este documento está disponível no sítio Web do registo público dos documentos do Conselho (v. nota 31, supra). Como foi explicado supra, o artigo 15.o, n.o 1, do projeto de diretiva é idêntico ao artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96.


40      V. alteração 10 da Resolução legislativa do Parlamento Europeu, de 24 de setembro de 2003, sobre um projeto de diretiva do Conselho que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade (8084/2003 — C5‑0192/2003 — 1997/0111(CNS)) (JO 2004 C 77E, p. 246).


41      O artigo 14.o, n.o 1, do projeto de diretiva é idêntico ao artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96.


42      V. documento 13258/03 do Conselho, de 7 de outubro de 2003 (o sublinhado é meu). Este documento está disponível no sítio Web do registo público dos documentos do Conselho (v. nota 31, supra).


43      Acórdão de 13 de julho de 2017, Vakarų Baltijos laivų statykla (C‑151/16, EU:C:2017:537, n.o 37); e Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen apresentadas nos processos apensos Kronos Titan (C‑43/13 e C‑44/13, EU:C:2013:839, n.o 40). V., igualmente, no que respeita à Diretiva 92/81/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização das estruturas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais (JO 1992, L 316, p. 12), que foi revogada e substituída pela Diretiva 2003/96, Acórdãos de 29 de abril de 2004, Comissão/Alemanha (C‑240/01, EU:C:2004:251, n.o 39); e de 1 de março de 2007, Jan De Nul (C‑391/05, EU:C:2007:126, n.o 28).


44      V. nota 43, supra. O artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 92/81 dispõe que «[p]ara além das disposições gerais da Diretiva 92/12/CEE relativas às utilizações isentas de produtos sujeitos ao imposto especial de consumo e sem prejuízo de outras disposições [da União], os Estados‑Membros isentam os produtos a seguir referidos do imposto especial de consumo harmonizado nas condições por eles fixadas tendo em vista assegurar a aplicação correta e simples destas isenções, bem como impedir as fraudes, a evasão fiscal ou as utilizações indevidas: […] c) óleos minerais fornecidos para utilização como combustível na navegação em águas [da União] (incluindo a pesca), com exceção dos utilizados em embarcações de recreio. […]». O artigo 8.o, n.o 2, dessa diretiva dispõe que «[s]em prejuízo de outras disposições [da União], os Estados‑Membros podem aplicar isenções ou reduções totais ou parciais da taxa do imposto especial de consumo aos óleos minerais utilizados sob controlo fiscal: […] b) na navegação em águas interiores, com exceção da navegação de recreio; […]».


45      Acórdão de 1 de março de 2007, Jan De Nul (C‑391/05, EU:C:2007:126, n.o 31).


46      A razão pela qual os navios são abrangidos pela isenção obrigatória prevista no Artigo 8.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 92/81 reside no facto de a expressão «águas [da União] dev[er] ser entendida como abrangendo todas as águas em que se pratica normalmente a navegação marítima com fins comerciais (Acórdão de 1 de março de 2007, Jan De Nul, C‑391/05, EU:C:2007:126, n.o 26).


47      A viagem em causa no Acórdão Jan de Nul teve lugar no Elba, numa zona entre Cuxhaven (onde o Elba desagua no mar do Norte) e Hamburgo (um porto marítimo, apesar de não estar situado na costa). Essa zona corresponde ao estuário do Elba e é considerada uma zona de águas interiores. V. Acórdão de 1 de março de 2007, Jan De Nul (C‑391/05, EU:C:2007:126, n.o 7); e Conclusões do advogado‑geral Y. Bot apresentadas no processo que deu origem ao Acórdão Jan De Nul (C‑391/05, EU:C:2006:791, n.o 78).


48      Acórdão de 7 de setembro de 2017, Hüttenwerke Krupp Mannesmann (C‑465/15, EU:C:2017:640, n.o 26). V., igualmente, Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo que deu origem ao Acórdão X (C‑426/12, EU:C:2014:446, n.o 40); e do advogado‑geral N. Wahl no processo que deu origem ao Acórdão Dilly’s Wellnesshotel (C‑493/14, EU:C:2016:174, n.o 82).


49      Nota da Presidência do Conselho, de 24 de junho de 2002, n.o 2 (Documento 10360/02 do Conselho). Este documento define «eficiência de conversão» como «a relação entre a quantidade de energia primária utilizada para produzir uma segunda forma de energia e a quantidade de energia secundária efetivamente produzida». Este documento está disponível no sítio Web do Registo público dos documentos do Conselho (v. nota 31, supra).


50      Na audiência, o Governo francês alegou que tal cálculo só poderia ser teórico, uma vez que os mesmos produtos energéticos são utilizados simultaneamente para produzir calor e eletricidade. Além disso, o Governo francês, salientou que uma parte significativa desses produtos (até 40%) não é utilizada nem para produzir eletricidade nem para produzir calor, mas é simplesmente perdida ao longo do processo, e que tal cálculo não permitiria ter em consideração essas perdas.


51      De acordo com a recorrente no processo principal, esse método baseia‑se na Diretiva 2004/8/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, relativa à promoção da cogeração com base na procura de calor útil no mercado interno da energia e que altera a Diretiva 92/42/CEE(JO 2004, L 52, p. 50), e na Decisão da Comissão de 21 de dezembro de 2006, que estabelece valores de referência harmonizados em matéria de eficiência para a produção separada de eletricidade e de calor em conformidade com a Diretiva 2004/8/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2007, L 32, p. 183).


52      Na audiência, a Comissão citou o n.o 95 da instrução do Ministro das Finanças e da Contabilidade Pública, de 13 de abril de 2016, relativa ao imposto interno (Bulletin officiel des douanes n. o 7106, de 13 de abril de 2016).


53      Na audiência, a Comissão citou o artigo 8.o, n.o 3, do Decreto Real de 2 de abril de 2014, que estabelece os termos da contribuição federal para o financiamento de determinadas obrigações de serviço públicos e os custos relativos à regulação e ao controlo do mercado do gás natural (Moniteur belge, 25 de abril de 2014, p. 34863).


54      No entanto, o representante do Governo francês respondeu que o artigo 266.o quinquies A do Código Aduaneiro entrou em vigor em 1993. Por conseguinte, de acordo com o Governo francês, a razão pela qual o benefício dessa isenção foi recusado à Sucrerie de Toury reside no facto de esta ter requerido essa isenção depois de o prazo para o efeito ter terminado. Com efeito, a Sucrerie de Toury devia ter requerido a isenção nos três anos seguintes à entrada em funcionamento da sua central de cogeração, alegadamente em 1996. Apenas requereu a isenção em 2010.


55      De facto, as «condições» referidas na frase introdutória do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96 visam unicamente «assegurar uma aplicação correta e simples d[as] isenções [estabelecidas nessa disposição] e de modo a impedir a fraude, a evasão fiscal ou utilizações abusivas».