Language of document : ECLI:EU:T:2011:588

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

12 de Outubro de 2011 (*)

«Concorrência – Concentrações – Mercado belga da energia – Decisão que declara uma concentração compatível com o mercado comum – Compromissos durante a primeira fase de análise – Decisão que recusa a remessa parcial da análise de uma concentração às autoridades nacionais – Recurso de anulação – Associação de consumidores – Interesse em agir – Não abertura do processo de controlo aprofundado – Direitos processuais – Inadmissibilidade»

No processo T‑224/10,

Association belge des consommateurs test‑achats ASBL, com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por A. Fratini e F. Filpo, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por N. Khan, A. Antoniadis e R. Sauer, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Électricité de France (EDF), com sede em Paris (França), representada inicialmente por C. Lazarus, A. Amsellem e A. Fontanille, e em seguida por C. Lazarus e A. Creus Carreras, advogados,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação das Decisões C (2009) 9059 e C (2009) 8954 da Comissão, de 12 de Novembro de 2009, tendo uma declarado a compatibilidade com o mercado comum de uma concentração (Processo COMP/M.5549 – EDF/Segebel) com base no Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, de 20 de Janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO L 24, p. 1), e tendo a outra indeferido o pedido de remessa parcial do referido processo apresentado pela das autoridades competentes belgas em conformidade com o artigo 9.° desse regulamento,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

composto por: E. Moavero Milanesi (relator), presidente, N. Wahl e S. Soldevila Fragoso, juízes,

secretário: N. Rosner, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 de Maio de 2011,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A recorrente, a Association belge des consommateurs test‑achats ASBL, é uma associação sem fins lucrativos que tem por principal objectivo proteger os interesses dos consumidores, nomeadamente na Bélgica. É independente das autoridades públicas e é financiada pelos seus membros através de cotizações. Com aproximadamente 350 000 membros individuais, é a maior associação de consumidores da Bélgica.

2        Em Junho de 2009, a recorrente soube que a Électricité de France (EDF) tinha anunciado a sua intenção de adquirir o controlo exclusivo da Segebel SA (a seguir «concentração em causa»), uma sociedade holding cujo único activo era uma participação de 51% na SPE SA, o segundo maior operador de electricidade na Bélgica, a seguir ao operador histórico Electrabel SA, controlado pela GDF Suez SA. Ao tempo dos factos, o Estado francês detinha 84,6% das acções da EDF. No que diz respeito à GDF Suez, este mesmo Estado detinha uma participação minoritária de 35,91%. Estas participações eram geridas pela Agence des participations de l’État (Agência das participações do Estado), por intermédio de duas direcções distintas.

3        Em 23 de Junho de 2009, a recorrente enviou uma carta à Comissão das Comunidades Europeias para expressar as suas preocupações a propósito da concentração em causa (a seguir «carta de 23 de Junho de 2009»). Nessa ocasião, convidou a Comissão a analisar as consequências alegadamente nefastas para a concorrência decorrentes da presença do Estado francês na estrutura accionista da EDF e da GDF Suez, nomeadamente nos mercados do gás e da electricidade belgas. Além disso, a recorrente indicou que, tendo a concentração em causa um impacto nos produtos ou nos serviços utilizados pelos consumidores finais, pretendia ser ouvida, nos termos do artigo 11.°, alínea c), do Regulamento (CE) n.° 802/2004 da Comissão, de 7 de Abril de 2004, de execução do Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO L 133, p. 1).

4        Em 20 de Julho de 2009, a Comissão respondeu à recorrente que as suas observações formuladas no âmbito da análise da concentração em causa seriam tomadas em conta uma vez que esta ia ser considerada uma concentração de dimensão comunitária.

5        Em 23 de Setembro de 2009, a EDF notificou à Comissão a concentração em causa, em conformidade com o Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, de 20 de Janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO L 24, p. 1). Em 30 de Setembro de 2009 foi publicado um aviso de notificação (a seguir «aviso de notificação») no Jornal Oficial da União Europeia (JO C 235, p. 26), por meio do qual os terceiros interessados foram convidados a apresentar as suas observações. A recorrente não reagiu a este aviso.

6        Em 14 de Outubro de 2009, a Autorité belge de concurrence, atendendo ao mercado belga da electricidade, apresentou à Comissão um pedido de remessa parcial da concentração em causa ao abrigo do artigo 9.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 139/2004 (a seguir «pedido de remessa»).

7        A Comissão procedeu a uma análise da concentração em causa enviando questionários a clientes, concorrentes, fornecedores e associações profissionais bem como à Commission de régulation de l’éléctricité et du gaz belge (Comissão de regulação da electricidade e do gás belga) (CREG). Por outro lado, os compromissos propostos pela EDF em 23 de Outubro de 2009 foram sujeitos ao teste de mercado no âmbito da consulta realizada a 20 partes diferentes, designadamente a certos produtores e fornecedores de electricidade, à CREG e à Autorité belge de concurrence.

8        Em 12 de Novembro de 2009, a Comissão adoptou, por um lado, a Decisão C (2009) 8954 (processo COMP/M.5549 – EDF/Segebel) (a seguir «decisão de recusa de remessa»), por meio da qual indeferiu o pedido de remessa parcial do referido processo formulado pelas das autoridades competentes belgas e, por outro, a Decisão C (2009) 9059 (processo COMP/M.5549 – EDF/Segebel) (a seguir «decisão de autorização»), por meio da qual a Comissão declarou a concentração em causa compatível com o mercado comum. A decisão de autorização baseou‑se no artigo 6.°, n.° 1, alínea b), e n.° 2, do Regulamento n.° 139/2004. Com efeito, na sequência dos compromissos propostos pela EDF, conforme alterados, a Comissão considerou que a concentração em causa já não suscitava dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado comum e podia assim ser autorizada no âmbito da fase do processo do controlo das concentrações regido pelas referidas disposições (a seguir «fase I»), sem dar início ao processo referido no artigo 6.°, n.° 1, alínea c), desse mesmo regulamento (a seguir «fase II»).

9        Na decisão de autorização, a Comissão considerou que só alguns mercados da electricidade e do gás na Bélgica, em França e nos Países Baixos eram abrangidos pela concentração em causa. No que respeita aos mercados belgas, tratava‑se, em primeiro lugar, do mercado de produção, do mercado grossista e do mercado de venda de electricidade (considerandos 15 a 117), em segundo lugar, do mercado dos serviços de compensação e dos serviços auxiliares (considerandos 118 a 130) e, em terceiro lugar, do mercado de retalho do fornecimento aos pequenos e grandes clientes industriais (considerandos 131 a 152). Uma vez que só a SPE, mas não a EDF, estava activa no mercado do fornecimento da electricidade e do gás a clientes residenciais, não se considerou que esse mercado estivesse em causa (considerandos 11 e 139).

10      Relativamente a eventuais efeitos unilaterais da concentração em causa, a decisão de autorização constata que, antes da operação notificada, a EDF tinha começado a desenvolver, na Bélgica, dois locais para aí construir unidades de produção por turbina a gás de ciclo combinado, sem que todavia tivessem já sido tomadas as decisões finais de investimento a este respeito, e tinha também procurado lançar vários projectos com o objectivo de ter acesso a uma capacidade de produção (considerandos 43 a 45). Uma vez que a EDF dispunha apenas de uma capacidade operacional limitada, que além disso estava vinculada a um contrato até 2015, não existia assim uma sobreposição significativa entre o mercado da produção e o mercado grossista quanto à capacidade actual de produção (considerando 62). No entanto, uma vez que a SPE já dirigia vários projectos de desenvolvimento da capacidade de produção, a decisão de autorização referia‑se à existência de dúvidas sérias quanto aos incentivos da entidade resultante da concentração em causa para prosseguir o desenvolvimento dos dois locais acima referidos (considerandos 63 e 116); estas dúvidas foram dissipadas pelos compromissos propostos pela EDF, conforme alterados (considerandos 206 a 246).

11      Quanto a eventuais efeitos coordenados, a decisão de autorização toma em consideração, designadamente, os argumentos suscitados pela Autorité belge de concurrence relativos ao facto de que a participação do Estado francês na EDF e na GDF Suez criaria um risco de coordenação entre esta última e a entidade resultante da concentração em causa. Chega, no entanto, à conclusão de que a EDF pode ser considerada uma empresa dotada de um poder de decisão autónomo relativamente à GDF Suez e, por isso, uma concorrente real desta (considerandos 89 a 99).

12      Na decisão de recusa de remessa, baseando‑se numa apreciação concorrencial análoga à da decisão de autorização, a Comissão verifica que os requisitos de remessa enunciados no artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 139/2004 estão preenchidos. Todavia, a Comissão considera que é a autoridade que está melhor colocada para analisar a concentração em causa, uma vez que, em primeiro lugar, desenvolveu no decurso dos últimos anos uma experiência considerável nos mercados belgas da electricidade e, em segundo lugar, as preocupações relativas à concorrência evidenciadas pela Autorité belge de concurrence ultrapassam os mercados belgas e carecem, por isso, de uma análise transnacional para a qual a referida autoridade não dispõe de meios de inquérito suficientes. Por outro lado, a remessa implicaria o risco de que a concentração em causa tivesse de ser aprovada sem possibilidade de impor condições, devido à aplicação do direito belga da concorrência (considerandos 260 a 263).

 Tramitação processual e pedidos das partes

13      A recorrente interpôs o presente recurso por meio da petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de Maio de 2010.

14      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de Setembro de 2010, a EDF pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão. O pedido de intervenção foi notificado às partes, em conformidade com o artigo 116.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, que não formularam objecções.

15      Por despacho de 17 de Novembro de 2010, o presidente da Sexta Secção do Tribunal Geral deferiu esse pedido de intervenção.

16      Em 6 de Janeiro de 2011, a interveniente apresentou as suas alegações sobre as quais a recorrente apresentou as respectivas observações escritas no prazo concedido, ao passo que a Comissão renunciou a essa possibilidade.

17      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Sexta Secção) decidiu dar início à fase oral do processo.

18      Por carta de 25 de Março de 2011, a título das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral convidou a Comissão a apresentar determinados documentos e colocou‑lhe questões convidando‑a a responder‑lhe por escrito. A Comissão cumpriu estas medidas de organização do processo nos prazos concedidos.

19      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 11 de Maio de 2011.

20      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão de autorização e a decisão de recusa de remessa;

–        condenar a Comissão e a interveniente nas despesas.

21      A Comissão e a interveniente concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

22      Em apoio do seu recurso que tem por objecto a decisão de autorização, a recorrente suscita três fundamentos relativos, o primeiro, à violação do dever de fundamentação, à violação do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 139/2004 e a um erro manifesto de apreciação no que diz respeito às relações estruturais entre a EDF e a GDF Suez, o segundo, à violação desta mesma disposição por ter sido negado à recorrente o direito de participar no processo e, o terceiro, à violação da referida disposição bem como a um erro manifesto de apreciação resultante da não abertura da fase II.

23      No que respeita à decisão de recusa de remessa, a recorrente invoca, em substância, um fundamento relativo à violação do artigo 9.°, n.° 3, do Regulamento n.° 139/2004.

24      Sem suscitar uma questão prévia por acto separado ao abrigo do artigo 114.° do Regulamento de Processo, a Comissão argúi a inadmissibilidade do presente recurso por este ter por objecto a anulação tanto da decisão de autorização como da decisão de recusa de remessa.

 Quanto ao pedido de anulação da decisão de autorização

25      A Comissão alega que a recorrente não tem legitimidade para agir contra a decisão de autorização, que não lhe diz respeito nem directamente nem individualmente.

26      Segundo a Comissão, a recorrente, para além de não preencher os requisitos de admissibilidade definidos na jurisprudência resultante do acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, Colect. 1962‑1964, p. 281), não pertence à categoria de pessoas referidas no artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento n.° 139/2004 que podem ser ouvidas pela Comissão e que devem inclusivamente sê‑lo se formularem um pedido nesse sentido. Assim, a recorrente não dispõe de direitos processuais que a Comissão violou pelo facto de não ter dado início à fase II, sendo que esta, em qualquer caso, não permite que os terceiros tenham um grau de participação no processo mais elevado do que o previsto no âmbito da fase I.

 Observações preliminares

27      Há que recordar que, segundo o artigo 263.°, quarto parágrafo, CE, uma pessoa singular ou colectiva só pode interpor recurso de uma decisão dirigida a outra pessoa se essa decisão lhe disser directa e individualmente respeito. Todavia, decorre da jurisprudência que, relativamente às decisões da Comissão respeitantes à compatibilidade de uma concentração com o mercado comum, a legitimidade processual dos terceiros interessados numa concentração deve ser apreciada de forma diferente consoante estes, por um lado, invoquem vícios que afectam a substância dessas decisões (a seguir «primeira categoria») ou, por outro, aleguem que a Comissão violou direitos processuais que lhes são conferidos pelos actos do direito da União Europeia que regem o controlo das concentrações (a seguir «segunda categoria»).

28      Relativamente à primeira categoria, a simples circunstância de uma decisão ser susceptível de exercer influência na situação jurídica de um recorrente não basta para considerar que este dispõe de legitimidade (acórdãos do Tribunal Geral de 27 de Abril de 1995, CCE de la Société générale des grandes sources e o./Comissão, T‑96/92, Colect., p. II‑1213, n.°  26, e CCE de Vittel e o./Comissão, T‑12/93, Colect., p. II‑1247, n.° 36). No que se refere mais especificamente à afectação individual, é necessário, segundo a fórmula decorrente do acórdão Plaumann/Comissão, já referido (Colect., p. 284), que a decisão em causa afecte esse recorrente devido a certas qualidades que lhe são próprias ou a uma situação de facto que o caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e o individualiza de maneira análoga à maneira como um destinatário seria individualizado.

29      Relativamente à segunda categoria, regra geral, quando um regulamento concede direitos processuais a terceiros, estes devem dispor de um meio processual destinado a proteger os seus legítimos interesses. No que toca mais em especial ao contencioso das pessoas singulares ou colectivas, deve salientar‑se, em especial, que o direito de determinados terceiros serem regularmente ouvidos, a seu pedido, durante o processo administrativo na Comissão, só pode, em princípio, ser confirmado pelo órgão jurisdicional da União na fase da fiscalização da legalidade da decisão final adoptada pela Comissão. Assim, mesmo quando esta decisão, na sua substância, não diga individual e/ou directamente respeito ao recorrente, deve no entanto ser‑lhe reconhecida legitimidade para agir contra a referida decisão com o objectivo preciso de se verificar se as garantias processuais que podia invocar foram ignoradas. Só se o Tribunal Geral declarar que se verificou uma violação de tais garantias, susceptível de prejudicar o direito de o recorrente manifestar de modo útil a sua posição durante o processo administrativo, caso o tenha solicitado, é que lhe compete anular essa decisão por violação das formalidades essenciais. Não existindo semelhante violação substancial dos direitos processuais do recorrente, o simples facto de este invocar, junto do órgão jurisdicional da União, a violação desses direitos durante o processo administrativo não pode ter como resultado a admissibilidade do recurso por este se basear em fundamentos assentes na violação de normas materiais (v., neste sentido e por analogia, acórdãos CCE de la Société générale des grandes sources e o./Comissão, já referido, n.° 46, e CCE de Vittel e o./Comissão, já referido, n.° 59).

30      Daqui resulta que um recurso interposto por um recorrente que não é abrangido pela primeira categoria pode ser julgado admissível apenas na parte em que tem como objectivo assegurar a protecção das garantias processuais que lhe são reconhecidas durante o processo administrativo, cabendo ao Tribunal Geral verificar, quanto ao mérito, se a decisão cuja anulação é requerida viola essas garantias (v., neste sentido, acórdãos CCE de la Société générale des grandes sources e o./Comissão, já referido, n.° 47, e CCE de Vittel e o./Comissão, já referido, n.° 60).

31      Além disso, importa observar que esta distinção recorda aquela que é frequentemente efectuada no contencioso relativo às regras do Tratado em matéria de auxílios de Estado, que também faz parte do direito da concorrência da União e que pode assim fornecer exemplos jurisprudenciais pertinentes, sem prejuízo das adaptações eventualmente necessárias aquando da transposição desses exemplos ao contencioso do controlo das concentrações. Segundo jurisprudência constante, quando um recorrente questionar a justeza da decisão por meio da qual a Comissão apreciou se um auxílio é compatível com o mercado interno, o simples facto de poder ser considerado «interessado», na acepção do artigo 108.°, n.° 2, TFUE, e de ser assim beneficiário de determinadas garantias processuais não basta para que o recurso seja julgado admissível, antes devendo o recorrente demonstrar que tem um estatuto próprio na acepção da jurisprudência Plaumann/Comissão, já referido. Em contrapartida, quando a Comissão concluir, através de uma decisão adoptada com base no n.° 3 do mesmo artigo, que um auxílio é compatível com o mercado interno, os referidos interessados só podem conseguir que as suas garantias processuais sejam respeitadas se tiverem possibilidade de impugnar essa decisão perante o órgão jurisdicional da União. Por estes motivos, este julga admissível um recurso que tenha por objecto essa decisão, interposto por um interessado na acepção do artigo 108.°, n.° 2, TFUE, quando o autor desse recurso pretenda, através da interposição deste, salvaguardar os direitos processuais que lhe são conferidos por esta última disposição (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2009, 3F/Comissão, C‑319/07 P, Colect., p. I‑5963, n.os 30, 31, e 34 e jurisprudência citada).

 Quanto à admissibilidade do recurso que tem por objecto a decisão de autorização na parte em que visa impugnar a substância desta decisão

32      No presente caso, a recorrente não é abrangida pela primeira categoria referida no n.° 27 supra, uma vez que não preenche os requisitos previstos no acórdão Plaumann/Comissão, já referido, relativos à afectação individual.

33      Em primeiro lugar, as pessoas que a recorrente representa só são afectadas pela decisão de autorização devido à sua qualidade objectiva e abstracta de consumidores de energia, por os preços dos fornecimentos serem susceptíveis de aumentar devido à concentração da oferta provocada por esta decisão, pelo que todos os consumidores de electricidade e de gás que residam no mercado geográfico em causa são afectados por esta do mesmo modo. Assim, a decisão de autorização não abrange as referidas pessoas em razão de determinadas qualidades que lhes são próprias ou de uma situação de facto que as individualiza de forma análoga àquela que individualizaria o destinatário desse acto. Uma vez que a decisão de autorização não diz individualmente respeito a estas pessoas, essa qualidade não pode ser reconhecida à recorrente, porquanto, na acepção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, um acto que afecta os interesses gerais de uma categoria de particulares não diz individualmente respeito a uma associação constituída para promover os interesses colectivos dessa categoria (v., neste sentido, despacho do Tribunal Geral de 18 de Setembro de 2006, Wirtschaftskammer Kärnten e best connect Ampere Strompool/Comissão, T‑350/03, não publicado na Colectânea, n.os 29 a 31 e jurisprudência citada).

34      Em segundo lugar, no que respeita à possibilidade de a decisão de autorização dizer individualmente respeito à recorrente pelo facto de a decisão afectar os seus interesses próprios enquanto associação, importa constatar que estes, no âmbito de um processo que visa controlar uma concentração, consistem sobretudo em poder fazer valer o seu ponto de vista no decurso do processo que termina com a adopção de uma decisão por parte da Comissão sobre a compatibilidade dessa concentração com o mercado interno. Assim, essa afectação só é pertinente para a questão de saber se a recorrente é abrangida pela segunda categoria referida no n.° 27 supra.

35      Por conseguinte, o recurso que tem por objecto a decisão de autorização é inadmissível na parte em que visa contestar a substância desta.

 Quanto à admissibilidade do recurso que tem por objecto a decisão de autorização na parte em que visa a salvaguarda dos direitos processuais da recorrente

36      No que respeita à questão de saber se a recorrente é abrangida pela segunda categoria, referida no n.° 27 supra, há que recordar que, nos termos do artigo 11.°, alínea c), segundo travessão, do Regulamento n.° 802/2004, as associações de consumidores beneficiam do direito a serem ouvidas em aplicação do artigo 18.° do Regulamento n.° 139/2004, no caso de a concentração dizer respeito a produtos ou serviços utilizados por consumidores finais. A última frase do n.° 4 deste artigo prevê que caso quaisquer pessoas singulares ou colectivas que comprovem ter um interesse suficiente solicitem à Comissão ser ouvidas, será dado deferimento ao respectivo pedido. Do mesmo modo, o artigo 16.°, n.° 1, do Regulamento n.° 802/2004 concede o direito de apresentarem o seu ponto de vista aos terceiros que solicitarem por escrito ser ouvidos, nos termos do segundo período do n.° 4 do artigo 18.° do Regulamento n.° 139/2004.

37      Daqui resulta que a recorrente, enquanto associação de consumidores que tem as características recordadas no n.° 1 supra, pode dispor de um direito processual, a saber, do direito a ser ouvida, no âmbito do processo administrativo da Comissão que visa o exame da concentração em causa, desde que sejam respeitadas duas condições: a primeira relativa ao facto de a concentração dizer respeito a produtos ou serviços utilizados pelos consumidores finais; a segunda relativa ao facto de ter efectivamente apresentado um pedido escrito para ser ouvida pela Comissão durante o referido processo de análise.

38      Estando preenchidas estas condições, a recorrente pode impugnar a decisão de autorização por violação desse direito processual. A este respeito, deve observar‑se que, nas suas alegações, a recorrente se referiu ao facto de que não teve direito de exprimir a sua posição durante o processo que correu na Comissão e de participar neste, uma vez que a decisão de autorização foi tomada sem que tivesse sido dado início à fase II. Além disso, na audiência, em resposta a questões do Tribunal, a recorrente sublinhou que os fundamentos invocados no seu recurso se prendem tanto com o mérito das decisões recorridas como com a violação dos seus direitos processuais.

39      Ora, é efectivamente verdade que, como a Comissão observa, as disposições aplicáveis ao controlo das concentrações não impõem que terceiros como a recorrente sejam ouvidos apenas durante a fase II, ainda que a violação do eventual direito a ser ouvido não decorra do facto de a decisão de autorização ter sido adoptada no final da fase I. Todavia, esta objecção da Comissão não tem nenhuma incidência na admissibilidade do pedido de anulação da referida decisão por violação dos direitos processuais da recorrente. Com efeito, é facto assente que esta última não foi ouvida, nem sequer durante a fase I. Assim, ainda que se admita que os direitos processuais da recorrente são idênticos em ambas as fases, esta pode em qualquer caso interpor recurso por meio do qual solicita ao Tribunal Geral que examine se estes direitos processuais foram violados, independentemente da fase processual no termo da qual a decisão de autorização foi tomada.

–       Quanto à condição relativa aos consumidores finais

40      No que respeita à primeira condição referida no n.° 37 supra, cumpre recordar que o artigo 11.°, alínea c), segundo travessão, do Regulamento n.° 802/2004, embora preveja que as associações de consumidores só beneficiam do direito a serem ouvidas no caso de a concentração projectada dizer respeito a produtos ou serviços utilizados por consumidores finais, não impõe no entanto que o objecto dessa concentração projectada diga imediatamente respeito aos referidos produtos ou serviços.

41      Por outro lado, há que observar que a carta de 23 de Junho de 2009 referia expressamente que, na opinião da recorrente, a concentração em causa afecta os interesses dos consumidores em termos de preço e de serviço e que, na sua resposta à referida carta, a Comissão não contradisse esta afirmação.

42      É certo que decorre da decisão de autorização que a Comissão considerou que os efeitos que decorrem para os consumidores da concentração em causa são apenas secundários. Com efeito, no considerando 139 da decisão de autorização, a Comissão concluiu que, relativamente ao mercado do fornecimento de electricidade a retalho, a concentração em causa só implicava sobreposições horizontais no que respeita aos grandes e aos pequenos clientes industriais e comerciais relativamente aos mercados belgas do fornecimento de electricidade, sem se referir ao fornecimento de electricidade aos clientes residenciais. Em contrapartida, nos considerandos 151 e 152 desta decisão, a Comissão reconheceu que a concentração em causa era susceptível de ter efeitos nos diferentes mercados belgas de retalho, embora tenha considerado que se tratava de efeitos secundários que não suscitam dúvidas sérias quanto à compatibilidade da concentração em causa com o mercado comum. A existência destes efeitos secundários é igualmente referida no considerando 207 da decisão de autorização.

43      Ora, a natureza eventualmente secundária desses efeitos não tem por consequência privar a recorrente do direito a ser ouvida. Com efeito, a Comissão não pode interpretar o artigo 11.°, alínea c), segundo travessão, do Regulamento n.° 802/2004 em termos restritivos, que limitem a aplicação desta disposição essencialmente aos casos em que uma concentração tem efeitos directos nos mercados que afectam os consumidores finais. Tanto assim é que, por um lado, o artigo 2.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea b), do Regulamento n.° 139/2004 prevê que, na apreciação de uma concentração, a Comissão deve ter em conta, designadamente, os interesses dos consumidores intermédios e finais. Por outro, por força do artigo 153.°, n.° 2, CE, cujo teor é em substância idêntico ao do artigo 12.° TFUE, as exigências da protecção dos consumidores devem ser tomadas em consideração na definição e na execução das demais políticas e acções da União. Por outro lado, o artigo 38.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (JO 2007, C 303, p. 1) prevê que as políticas da União devem assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores.

44      Por fim, a Comissão não pode afastar o pedido de uma associação de consumidores que pede para ser ouvida na qualidade de terceiro que comprova ter um interesse suficiente numa concentração sem lhe dar a oportunidade de demonstrar em que medida os consumidores podem estar interessados nessa concentração (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal Geral de 27 de Janeiro de 2000, BEUC/Comissão T‑256/97, Colect., p. II‑101, n.° 77).

45      Por conseguinte, há que concluir que a recorrente preenche a primeira condição referida no n.° 37 supra.

–       Quanto à condição relativa à apresentação de um pedido para ser ouvido

46      No que respeita à segunda condição referida no n.° 37 supra, importa verificar se a recorrente apresentou validamente o pedido para ser ouvida previsto no artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento n.° 139/2004 e no artigo 16.°, n.° 1, do Regulamento n.° 802/2004.

47      A este respeito, há que recordar, desde logo, que, na carta de 23 de Junho de 2009, a recorrente afirmou que pretendia exercer o seu direito a ser ouvida no âmbito do processo de controlo da concentração em causa, que considerava resultar do artigo 11.°, alínea c), do Regulamento n.° 802/2004. Além disso, é facto assente que a carta de 23 de Junho de 2009 é anterior à notificação do projecto relativo à concentração em causa e, a fortiori, à publicação do aviso de notificação no Jornal Oficial da União Europeia.

48      A Comissão acusou a recepção desta carta em 20 de Julho de 2009 e informou a recorrente de que as suas observações seriam tomadas em consideração no âmbito da análise da concentração em causa uma vez que esta seria considerada uma concentração de dimensão comunitária.

49      Ora, nem o Regulamento n.° 139/2004 nem o Regulamento n.° 802/2004, quando prevêem que determinados terceiros devem ser ouvidos pela Comissão, se assim o solicitarem, especificam o período durante o qual esse pedido deve ser apresentado. Em especial, estes regulamentos não indicam de forma explícita que este pedido deve ser apresentado depois da notificação da concentração a que se refere ou depois da publicação do aviso relativo a esta.

50      No entanto, o silêncio sobre esta questão da legislação da União em matéria de concentrações não pode ser interpretado no sentido de que um pedido para ser ouvido implica a obrigação de a Comissão lhe dar seguimento, desde que as outras condições para esse efeito estejam preenchidas, mesmo que este tenha sido apresentado antes de a concentração em causa ser notificada à Comissão. Com efeito, na legislação da União em matéria de controlo das concentrações é forçoso concluir que é precisamente a notificação que desencadeia formalmente o processo de exame por parte da Comissão.

51      A este respeito, deve recordar‑se que, segundo o artigo 4.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004, todas as concentrações de dimensão comunitária devem ser devidamente notificadas à Comissão antes da sua realização e após a conclusão do acordo, o anúncio da oferta pública de aquisição ou a aquisição de uma participação de controlo. O segundo parágrafo desta disposição acrescenta que pode também ser apresentada uma notificação nos casos em que as empresas em causa demonstrem à Comissão a sua intenção de boa fé de concluir um acordo ou, no caso de uma oferta pública de aquisição, quando anunciaram publicamente a sua intenção de realizar tal oferta, desde que do acordo ou da oferta previstos resulte uma concentração de dimensão comunitária. O terceiro parágrafo precisa que, para efeitos do referido regulamento, a expressão «concentração notificada» abrange igualmente as concentrações projectadas notificadas nos termos do segundo parágrafo.

52      Além disso, resulta do artigo 6.°, n.° 1, e do artigo 10.°, n.os 1 e 4, do Regulamento n.° 139/2004 que a Comissão procede à análise da notificação de uma concentração logo após a sua recepção e que deve adoptar uma decisão sobre a concentração notificada no prazo máximo de 25 dias úteis, que é susceptível de ser prorrogado e/ou suspenso nos casos expressamente previstos nas referidas disposições, que começa a correr no dia útil seguinte ao da recepção da notificação ou, caso as informações a facultar na notificação estejam incompletas, no dia útil seguinte ao da recepção das informações completas. Nesse prazo, que delimita a fase I, a Comissão deve decidir se a concentração notificada é abrangida pelo Regulamento n.° 139/2004 e, em caso afirmativo, se a concentração pode ser autorizada no decurso da referida fase por não suscitar dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, ou se é necessário dar início à fase II para submeter essas dúvidas a uma análise mais aprofundada.

53      Uma vez que a Comissão só toma decisões ao abrigo do artigo 6.° do Regulamento n.° 139/2004 relativamente a «concentrações notificadas», é coerente com a lógica da legislação da União relativa ao controlo das concentrações que se considere que as diligências que os terceiros têm de encetar para serem envolvidos no processo devem ter lugar a partir da notificação formal de uma concentração.

54      Além disso, é preciso considerar que, frequentemente, circulam nos meios interessados, e até na imprensa, informações relativas a possíveis operações económicas susceptíveis de serem abrangidas pela aplicação do Regulamento n.° 139/2004 muito antes de essas operações serem eventualmente notificadas à Comissão enquanto concentrações.

55      A este respeito, por um lado, o facto de um pedido para ser ouvido na acepção do artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento n.°  139/2004 e do artigo 16.°, n.° 1, do Regulamento n.° 802/2004 dever ser apresentado após a notificação da concentração a que diz respeito permite, no interesse de terceiros, evitar que estes apresentem esses pedidos sem que o objecto do processo de controlo levado a cabo pela Comissão tenha sido fixado, só ocorrendo essa fixação no momento da notificação da operação económica em causa. Por outro, este facto evita que a Comissão tenha o ónus de filtrar sistematicamente, de entre os pedidos que recebe, os que se referem a operações económicas que mais não são do que hipóteses abstractas, ou mesmo meros boatos, e os que dizem respeito a operações que conduzem a uma notificação.

56      O cenário inverso levaria a um agravamento não indispensável das tarefas que a legislação da União em matéria de controlo das concentrações atribui à Comissão. Com efeito, a necessidade de que os terceiros que pretendam ser ouvidos apresentem os seus pedidos para tal após a notificação da concentração em causa é conforme com o imperativo de celeridade que, segundo a jurisprudência, caracteriza a economia geral da legislação da União relativa ao controlo das concentrações e que exige que a Comissão respeite prazos estritos para adoptar a sua decisão final (acórdãos do Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 2007, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, C‑202/06 P, Colect., p. I‑12129, n.° 39, e de 10 de Julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, Colect., p. I‑4951, n.° 49). Por conseguinte, atentos os referidos prazos estritos, a Comissão não pode ser obrigada a verificar, para cada concentração notificada, se, antes da notificação, havia terceiros que já tinham manifestado um interesse.

57      Os terceiros não podem invocar que ignoravam a existência de uma notificação. Pelo contrário, são dela expressamente informados pela própria Comissão, uma vez que, nos termos do artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 139/2004, esta instituição, quando verifique que uma concentração notificada é abrangida pelo referido regulamento, deve publicar um aviso no Jornal Oficial da União Europeia, indicando a designação das empresas em causa, o seu país de origem, a natureza da concentração, bem como os sectores económicos envolvidos. Esta publicação garante que a informação de que foi notificada uma concentração é disponibilizada erga omnes.

58      No entanto, uma vez que só a data da notificação é pertinente para desencadear o processo de exame da Comissão, esta última não pode ignorar os pedidos para ser ouvido que lhe sejam enviados após a notificação, ainda que tal suceda antes de ocorrer a publicação prevista na disposição acima referida.

59      No presente caso, a recorrente, dois meses antes da notificação da concentração em causa, tinha informado a Comissão da sua intenção de ser ouvida caso esta instituição, na sequência da notificação da concentração em causa, considerasse que esta constituía uma concentração de dimensão comunitária. No entanto, este facto não sana a não renovação do pedido ou de qualquer iniciativa por parte da recorrente, uma vez que a operação económica projectada pela EDF e pela Segebel, de que a recorrente teve conhecimento anteriormente, tinha efectivamente passado a ser uma concentração devidamente notificada e tinha assim desencadeado o processo previsto no Regulamento n.° 139/2004, no âmbito da qual a recorrente pretendia ser ouvida.

60      Por outro lado, há que referir que a recorrente não pode invocar a existência de uma confiança legítima devido à resposta da Comissão à carta de 23 de Junho de 2009. Com efeito, nessa resposta, a Comissão não se comprometeu a retomar ela própria o contacto com a recorrente, se fosse o caso, para que esta lhe submetesse observações posteriores. A Comissão comprometeu‑se apenas a tomar em conta o conteúdo da referida carta, na hipótese de a concentração em causa ser uma concentração de dimensão comunitária. Ora, é forçoso concluir que, nos considerandos 89 a 99 da decisão de autorização, a Comissão mostra ter tomado em consideração a questão, suscitada na carta de 23 de Junho de 2009, de saber se se podia considerar que a EDF e a GDF Suez eram empresas independentes, não obstante a presença importante do Estado francês na estrutura accionista dessas empresas, e concluiu ser esse o caso. Assim, independentemente da justeza dos referidos considerandos e do grau de profundidade da análise que os mesmos implicam, não se pode negar que a Comissão agiu em conformidade com a sua resposta à referida carta.

61      Por outro lado, segundo jurisprudência constante, o direito de invocar o princípio da protecção da confiança legítima estende‑se, efectivamente, a todo o particular em cuja esfera jurídica uma instituição da União tenha feito nascer esperanças fundadas na sequência de garantias precisas que essa instituição lhe tenha dado. No entanto, quando um operador económico prudente e avisado esteja em condições de prever que irá ser adoptada uma medida da União susceptível de afectar os seus interesses, não pode invocar o direito a beneficiar desse princípio quando essa medida for tomada (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 2009, Comissão/Koninklijke FrieslandCampina, C‑519/07 P, Colect., p. I‑8495, n.° 84 e jurisprudência citada).

62      No presente caso, a recorrente dispunha, o mais tardar até ao momento da publicação do aviso de notificação, da confirmação do facto de que a concentração em causa havia finalmente sido notificada à Comissão. Além disso, tinha acesso às informações segundo as quais a Comissão, por um lado, após uma análise preliminar e sem prejuízo da sua decisão definitiva sobre este ponto, considerava que a concentração em causa podia ser abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 139/2004 (n.° 3 do aviso de notificação) e, por outro, convidava os terceiros interessados a lhe apresentarem as suas eventuais observações sobre a concentração em causa, no prazo de dez dias a contar da publicação deste aviso (n.° 4 do aviso de notificação).

63      Nestas condições, a recorrente teve a possibilidade de tomar a iniciativa, e devia por isso tê‑lo feito, de submeter à Comissão observações ou, pelo menos, confirmar o seu pedido para ser ouvida durante o processo. Por outro lado, tendo em conta o calendário que o Regulamento n.° 139/2004 impõe à Comissão, a recorrente não podia ignorar que era possível que uma decisão sobre a concentração em causa fosse adoptada dentro de prazos muito curtos e que essa decisão podia consistir numa declaração de compatibilidade da concentração em causa com o mercado interno a partir da fase I.

64      Daqui resulta que a recorrente não satisfaz a segunda das condições exigidas para que possa impugnar a decisão recorrida por esta violar os seus direitos processuais.

–       Conclusões sobre a admissibilidade do recurso que tem por objecto a decisão de autorização

65      Uma vez que a recorrente não reúne nem os requisitos de admissibilidade que decorrem do acórdão Plaumann/Comissão, já referido, nem os que se aplicam aos recursos que têm por objecto a salvaguarda de direitos processuais, é forçoso concluir que não tem legitimidade para agir contra a decisão de autorização.

66      Esta conclusão não pode ser posta em causa pelos argumentos da recorrente relativos ao seu direito a uma protecção jurisdicional efectiva, cuja importância é sublinhada pelo Tratado de Lisboa, designadamente devido ao valor vinculativo adquirido pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia bem como a determinadas evoluções nas ordens jurídicas de vários Estados‑Membros.

67      Com efeito, basta recordar que, segundo jurisprudência constante, as condições de admissibilidade de um recurso de anulação não podem ser afastadas devido à forma como a recorrente interpreta o direito a uma protecção jurisdicional efectiva (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Novembro de 2007, Sniace/Comissão, C‑260/05 P, Colect., p. I‑10005, n.° 64, e despacho do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 2009, Região Autónoma dos Açores/Conselho, C‑444/08 P, não publicado na Colectânea, n.° 70). Consequentemente, um particular que não é directa e individualmente afectado por uma decisão da Comissão e que, como tal, não é afectado nos seus interesses por essa medida, não pode invocar o direito a uma protecção jurisdicional efectiva relativamente a essa decisão (v. despacho do Tribunal de Justiça de 17 de Fevereiro de 2009, Galileo Lebensmittel/Comissão, C‑483/07 P, Colect., p. I‑959, n.° 60 e jurisprudência citada).

68      Ora, decorre dos elementos acima indicados que estas condições não estão reunidas no presente caso e que, no que respeita à inadmissibilidade do recurso na parte em que visa a salvaguarda dos direitos processuais da recorrente, este resultado se deve à sua inacção após a notificação da concentração em causa à Comissão. Daqui resulta que a recorrente não pode sustentar que o facto de o presente recurso ser julgado inadmissível afecta o seu direito a uma protecção jurisdicional efectiva.

69      Resulta de todas as considerações acima efectuadas que o pedido de anulação da decisão de autorização formulado pela recorrente deve ser julgado inadmissível.

 Quanto ao pedido de anulação da decisão de recusa de remessa

70      A Comissão alega, em primeiro lugar, que o pedido de anulação da decisão de recusa de remessa é inadmissível na medida em que a petição não contem uma exposição sumária dos fundamentos invocados em apoio do referido pedido, violando o artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo.

71      A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 21.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao processo no Tribunal Geral em conformidade com disposto no artigo 53.°, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto, e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, da petição deve, designadamente, constar uma exposição sumária dos respectivos fundamentos. A petição deve, deste modo, explicitar em que consiste o fundamento em que se baseia o recurso, pelo que a mera enunciação abstracta dos mesmos não responde às exigências do Estatuto do Tribunal de Justiça e do Regulamento de Processo. Além disso, essa exposição, ainda que sumária, dos fundamentos deve ser suficientemente clara e precisa para permitir à recorrida preparar a sua defesa e ao Tribunal Geral decidir a causa, se for caso disso, sem se apoiar em quaisquer outras informações. A segurança jurídica e uma boa administração da justiça exigem, para que um recurso ou, mais especificamente, um fundamento de recurso, sejam admissíveis que os elementos essenciais de facto e de direito em que assentam resultem de forma coerente e compreensível do próprio texto da petição (acórdãos do Tribunal Geral de 9 de Julho de 2003, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, T‑224/00, Colect., p. II‑2597, n.° 36, e de 12 de Dezembro de 2007, Itália/Comissão, T‑308/05, Colect., p. II‑5089, n.os 71 e 72).

72      É forçoso constatar que a recorrente respeitou as condições acima recordadas. Com efeito, embora não tenha claramente explicado as razões pelas quais as circunstâncias do caso concreto exigiam que a Comissão deferisse o pedido de remessa, não é menos verdade que a recorrente acusou a Comissão de não ter examinado o pedido de remessa de forma suficientemente aprofundada, o que pode implicar uma utilização abusiva por parte da referida instituição do seu poder de apreciação, e de não ter seguido a sua prática decisória anterior na matéria.

73      Daqui resulta que há que afastar o primeiro fundamento de inadmissibilidade invocado pela Comissão.

74      Em segundo lugar, a Comissão considera que a decisão de recusa de remessa não diz respeito nem directa nem individualmente a terceiros como a recorrente, ao contrário do que sucede com uma decisão de remessa da análise de uma concentração às autoridades nacionais, que constituía o objecto do processo que deu origem ao acórdão do Tribunal Geral de 3 de Abril de 2003, Royal Philips Electronics/Comissão (T‑119/02, Colect., p. II‑1433).

75      Cumpre recordar que, segundo jurisprudência constante, um terceiro interessado numa concentração pode impugnar no Tribunal Geral a decisão por meio da qual a Comissão deferiu o pedido de remessa apresentado por uma autoridade da concorrência nacional (a seguir «decisão de remessa») (acórdãos do Tribunal Geral Royal Philips Electronics/Comissão, já referido, n.os 299 e 300, e de 30 de Setembro de 2003, Cableuropa e o./Comissão, T‑346/02 e T‑347/02, Colect., p. II‑4251, n.os 81 e 82).

76      Para responder à questão de saber se o mesmo resultado se impõe relativamente à decisão de recusa de remessa que, em contrapartida, não deferiu precisamente esse pedido, importa percorrer as principais etapas do raciocínio que permitiu ao Tribunal Geral chegar ao resultado acima mencionado.

77      Relativamente à afectação directa, o Tribunal Geral observou que a decisão de remessa tem por consequência directa submeter uma concentração, ou uma parte desta, ao controlo exclusivo da autoridade da concorrência nacional que pediu a remessa, decidindo esta com base no seu direito nacional da concorrência. Assim, a decisão de remessa, na medida em que altera os critérios de apreciação da regularidade da operação de concentração em causa e o processo aplicável, altera igualmente a situação jurídica dos terceiros, privando‑os da possibilidade de a Comissão examinar a regularidade da operação em causa sob o prisma do direito da União. A este respeito, o Tribunal Geral precisou que esta constatação era independente da questão de saber se o direito nacional da concorrência, que passa a ser aplicável na sequência da decisão de remessa, confere aos terceiros direitos processuais análogos aos que lhe são garantidos pelo direito da União, tendo, em todo o caso, esta decisão por efeito privar esses terceiros dos direitos processuais que para eles decorrem do artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO 1990, L 257, p. 13), cujo teor é idêntico ao do artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento n.° 139/2004. Além disso, o Tribunal Geral considerou que a decisão de remessa impedia os terceiros de impugnar perante si as apreciações efectuadas pelas autoridades nacionais, ao passo que, na ausência de remessa, as apreciações efectuadas pela Comissão teriam podido ser objecto dessa impugnação (v., neste sentido, acórdãos Royal Philips Electronics/Comissão, já referido, n.os 280 a 287, e Cableuropa e o./Comissão, já referido, n.os 57 a 65).

78      No que respeita à afectação individual, o Tribunal Geral já analisou designadamente se, na ausência de remessa, os terceiros interessados numa concentração teriam beneficiado do direito a serem ouvidos, em aplicação do artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento n.° 4064/89. Depois de ter constatado que tal era o caso, concluiu que a decisão de remessa, que tem por efeito privar os terceiros da possibilidade de impugnar no Tribunal Geral apreciações que teriam podido impugnar caso não tivesse havido remessa, afectava de forma individual os referidos terceiros, da mesma maneira que teriam sido afectados pela decisão de aprovação da concentração caso não tivesse havido remessa (v., neste sentido, acórdãos Royal Philips Electronics/Comissão, já referido, n.os 295 e 297, e Cableuropa e o./Comissão, já referido, n.os 74, 76 e 79).

79      Assim, é forçoso concluir que, para julgar admissível um recurso que tinha por objecto a decisão de remessa interposto por terceiros, o Tribunal Geral baseou‑se em duas considerações, a saber, que o direito da União reconhece a esses terceiros, por um lado, direitos processuais durante a análise de uma concentração pela Comissão e, por outro, uma protecção jurisdicional para impugnar eventuais violações desses direitos.

80      Ora, a decisão de recusa de remessa não põe de modo nenhum em perigo estes direitos processuais e esta protecção jurisdicional , sendo que decisão essa, bem pelo contrário, garante aos terceiros interessados numa concentração de dimensão comunitária, por um lado, que esta será analisada pela Comissão à luz do direito da União, e, por outro, que o Tribunal Geral será o órgão jurisdicional competente para conhecer um eventual recurso que tenha por objecto a decisão da Comissão que pôs termo ao processo.

81      Nestas circunstâncias, a legitimidade da recorrente não pode decorrer de uma aplicação por analogia da jurisprudência recordada no n.° 75 supra.

82      No que diz respeito ao argumento da recorrente segundo o qual a decisão de recusa de remessa altera as condições em que a concentração em causa deve ser analisada, há que recordar que o artigo 9.°, n.° 9, do Regulamento n.° 139/2004 reserva ao Estado‑Membro em causa a possibilidade de interpor recurso para efeitos da aplicação da sua legislação nacional da concorrência. Em contrapartida, nada no sistema de controlo das concentrações de dimensão comunitária previsto no referido regulamento permite concluir que a recorrente pode impugnar a decisão de recusa de remessa pelo facto de esta impedir que a análise da concentração em causa e as vias de recurso contra a decisão que procede a essa análise são do domínio do direito de um Estado‑Membro e não do direito da União.

83      Além disso, cumpre observar que a admissibilidade de um recurso que tenha por objecto a decisão de recusa de remessa não pode decorrer do facto de o direito nacional em causa poder oferecer à recorrente direitos processuais e/ou uma protecção jurisdicional mais latos do que os previstos no direito da União. Com efeito, a segurança jurídica opõe‑se a que a admissibilidade de um recurso no órgão jurisdicional da União dependa da questão de saber se a ordem jurídica do Estado‑Membro cuja autoridade da concorrência nacional pediu sem êxito a remessa da análise de uma concentração oferece aos terceiros interessados direitos processuais e/ou uma protecção jurisdicional mais latos do que os previstos no direito da União. A este respeito, importa notar que o alcance dos referidos direitos processuais e da protecção jurisdicional depende de uma série de factores que, por um lado, são dificilmente comparáveis e, por outro, estão sujeitos a evoluções legislativas e jurisprudenciais dificilmente controláveis.

84      Por outro lado, a própria finalidade de um recurso de anulação no órgão jurisdicional da União consiste em assegurar o respeito do direito da referida União, independentemente do alcance dos direitos processuais e da protecção jurisdicional que este confere, e não em exigir a protecção eventualmente mais lata prevista num direito nacional.

85      Com base nas considerações anteriores, há que declarar inadmissível o pedido da recorrente relativo à anulação da decisão de recusa de remessa e, por conseguinte, o recurso na sua íntegra.

 Quanto às despesas

86      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Além disso, nos termos do n.° 4, terceiro parágrafo, deste artigo, o Tribunal Geral pode determinar que uma parte interveniente suportará as suas próprias despesas.

87      Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas suas próprias despesas e nas despesas da Comissão, em conformidade com o pedido que esta apresentou. A EDF suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

decide:

1)      O recurso é julgado inadmissível.

2)      A Association belge des consommateurs test‑achats ASBL suportará as suas próprias despesas e as despesas efectuadas pela Comissão Europeia.

3)      A Électricité de France (EDF) suportará as suas próprias despesas.

Moavero Milanesi

Wahl

Soldevila Fragoso

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Outubro de 2011.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.