Language of document : ECLI:EU:T:2015:435

Processo T‑305/13

Servizi assicurativi del commercio estero SpA (SACE)

e

Sace BT SpA

contra

Comissão Europeia

«Auxílios de Estado ― Seguro de crédito à exportação ― Cobertura de resseguro concedida por uma empresa pública à sua filial ― Injeções de capital para cobrir os prejuízos da filial ― Conceito de ‘auxílios de Estado’ ― Imputabilidade ao Estado ― Critério do investidor privado ― Dever de fundamentação»

Sumário ― Acórdão do Tribunal Geral (Sétima Secção) de 25 de junho de 2015

1.      Auxílios concedidos pelos Estados ― Conceito ― Auxílios concedidos por uma empresa pública ― Empresa controlada pelo Estado ― Imputabilidade da medida de auxílio ao Estado ― Inclusão ― Conjunto dos indícios a ter em consideração

(Artigo 107.°, n.° 1, TFUE)

2.      Auxílios concedidos pelos Estados ― Conceito ― Auxílios concedidos por uma empresa pública ― Empresa controlada pelo Estado ― Imputabilidade da medida de auxílio ao Estado ― Inclusão ― Indícios a ter em consideração ― Nomeação dos membros do conselho de administração de por vários ministérios ― Caráter insuficiente

(Artigo 107.°, n.° 1, TFUE)

3.      Auxílios concedidos pelos Estados ― Conceito ― Auxílios concedidos por uma empresa pública ― Empresa controlada pelo Estado ― Imputabilidade da medida de auxílio ao Estado ― Inclusão ― Não exercício por essa empresa das suas atividades no mercado em condições normais de concorrência com os operadores privados ― Indícios a ter em consideração

(Artigo 107.°, n.° 1, TFUE)

4.      Auxílios concedidos pelos Estados ― Decisão da Comissão ― Fiscalização jurisdicional ― Limites ― Apreciação da legalidade em função dos elementos de informação disponíveis no momento da adoção da decisão

(Artigos 108.°, n.° 2, TFUE e 263.° TFUE)

5.      Auxílios concedidos pelos Estados ― Conceito ― Apreciação de acordo com o critério do investidor privado ― Tomada em consideração do contexto e das informações disponíveis no momento da adoção das medidas de apoio

(Artigo 107.°, n.° 1, TFUE)

6.      Auxílios concedidos pelos Estados ― Procedimento administrativo ― Obrigações da Comissão ― Exame diligente e imparcial ― Tomada em conta dos elementos mais completos e fiáveis possível ― Alcance da obrigação

(Artigo 108.°, n.° 2, TFUE)

7.      Auxílios concedidos pelos Estados ― Conceito ― Apreciação de acordo com o critério do investidor privado ― Apreciação tendo em conta todos os elementos pertinentes da operação controvertida e do seu contexto ― Obrigação do Estado‑Membro de fornecer elementos objetivos e verificáveis que revelem o caráter económico da sua atividade

(Artigo 107.°, n.° 1, TFUE)

8.      Auxílios concedidos pelos Estados ― Procedimento administrativo ― Determinação do montante do auxílio ― Remissão para uma prática decisória anterior ― Inadmissibilidade

(Artigos 107.°, n.° 1, TFUE e 296.° TFUE)

9.      Auxílios concedidos pelos Estados ― Conceito ― Critério de apreciação ― Caráter razoável da operação para um investidor privado que prossegue uma política a médio ou longo prazo

(Artigo 107.°, n.° 1, TFUE)

1.      Por conseguinte, o simples facto de uma empresa pública se encontrar sob controlo estatal não é suficiente para se poder imputar ao Estado as medidas por ela adotadas. Há ainda que examinar se as autoridades públicas devem ser consideradas implicadas, de uma forma ou de outra, na adoção dessas medidas.

A este respeito, o conceito de envolvimento concreto do Estado deve ser entendido no sentido de que a medida em causa foi adotada sob a influência ou o controlo efetivo das autoridades públicas ou que a inexistência dessa influência ou desse controlo é improvável, sem que seja necessário examinar os efeitos desse envolvimento quanto ao conteúdo da medida. Em particular, não se pode exigir, para satisfazer o requisito de imputabilidade, que seja demonstrado que o comportamento da empresa pública teria sido diferente se tivesse agido de forma autónoma. No que diz respeito aos objetivos prosseguidos pela medida em causa, embora possam ser tomados em consideração para efeitos da apreciação da imputabilidade, não são decisivos.

Por outro lado, a autonomia conferida, pela sua forma jurídica, a uma empresa pública não obsta à possibilidade de o Estado exercer uma influência dominante na adoção de certas medidas. Uma vez que o eventual envolvimento concreto do Estado não fica excluído pela autonomia de que beneficia, em princípio, a empresa pública, a prova desse envolvimento pode ser apresentada com base em todos os elementos jurídicos ou factuais pertinentes suscetíveis de formar um conjunto de indícios suficientemente precisos e concordantes do exercício de uma influência ou de um controlo efetivos pelo Estado.

(cf. n.os 41, 48, 51)

2.      Em matéria de auxílios de Estado concedidos através de uma empresa pública, a circunstância de, pelo menos, a nomeação inicial dos membros do conselho de administração dessa empresa ser efetuada, por força de uma disposição legislativa específica, com o acordo de vários ministérios importantes comprova os laços particulares entre a referida empresa e as autoridades públicas, e é suscetível de constituir um indício do envolvimento das autoridades públicas na atividade da empresa. No entanto, esses indícios orgânicos, apesar de significativos na medida em que revelam uma margem de independência limitada da empresa pública em causa relativamente ao Estado, não bastam, por si só, para demonstrar o envolvimento concreto do Estado na adoção das medidas controvertidas, e devem ser apreciados juntamente com os outros indícios.

(cf. n.os 61, 63)

3.      No que diz respeito ao exercício, por uma empresa pública de seguro de crédito à exportação, das suas atividades no mercado, em condições normais de concorrência com operadores privados e da apreciação da questão de saber se as autoridades públicas que utilizam essa empresa para apoiar o sistema das empresas no Estado‑Membro em causa e favorecer assim o desenvolvimento económico deste último, os indícios gerais seguintes, relativos ao contexto em que foram adotadas as medidas qualificadas de auxílios de Estado pela Comissão, considerados no seu conjunto, permitem provar de forma juridicamente bastante que essas medidas são imputáveis a um Estado‑Membro, tendo em conta a sua importância para a economia deste último.

Em primeiro lugar, o indício relativo à cobertura dos riscos de natureza política, dos riscos de catástrofe, dos riscos económicos, comerciais e cambiais, bem como dos riscos complementares, a que estão expostos, direta ou indiretamente, os operadores e as sociedades estrangeiras às quais aqueles estejam ligados ou que controlem, na sua atividade no estrangeiro e relativa à internacionalização da economia do Estado‑Membro em causa, faz parte de uma missão de interesse geral, que ultrapassa a simples função de cobertura de riscos não negociáveis, a qual não pertence ao setor concorrencial.

Em segundo lugar, quanto ao indício relativo à garantia do Estado de que beneficia a referida empresa pública, embora apenas diga respeito à atividade desta empresa no setor do seguro de riscos que não pertencem ao setor concorrencial, o mesmo confirma, no entanto, que as atividades da dessa empresa não são as que exerce uma companhia comercial de seguro de crédito à exportação nas condições do mercado, mas as de uma companhia de seguros pública que beneficia de um estatuto derrogatório e que prossegue objetivos de apoio à economia definidos pelos poderes públicos, servindo de instrumento para a promoção das exportações, graças, em especial, à garantia do Estado.

Em terceiro lugar, o indício relativo ao controlo anual das contas da referida empresa pelo Tribunal de Contas nacional e à obrigação do Ministério da Economia e das Finanças desse Estado de apresentar anualmente o relatório de atividade da empresa em causa ao Parlamento do Estado‑Membro, embora não seja, em si mesmo, determinante, não deixa de demonstrar o interesse do Estado‑Membro em causa nas atividades da empresa e, portanto, é pertinente como elemento do conjunto de inícios em que a Comissão se pode basear para qualificar uma medida de auxílio de Estado.

Em quarto lugar, quanto ao indício relativo à aprovação, pelo Comité interministerial para a programação económica, de um plano previsional dos compromissos de seguro da empresa em causa e das necessidades financeiras relativas a determinados riscos, e à definição, por este comité, dos limites globais dos compromissos relativos aos riscos não negociáveis que a empresa pode assumir, a aprovação do plano pelo referido comité, que é o órgão superior de coordenação e de direção da política económica do Estado‑Membro em causa, demonstra que essa empresa não exerce as suas atividades em condições de total autonomia de gestão, e, assim, pode considerar‑se que atua sob o controlo das autoridades públicas, pelo menos no que se refere à adoção das decisões importantes.

Nestas condições, atendendo à envergadura e ao objeto das medidas controvertidas qualificadas de auxílios de Estado pela Comissão, o conjunto de indícios demonstra que o não envolvimento das autoridades públicas na adoção das medidas controvertidas é improvável.

(cf. n.os 66, 67, 71 a 74, 76, 77, 81, 82)

4.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 83, 94, 133)

5.      Em matéria de auxílios de Estado, a aplicação do critério do investidor privado visa determinar se a vantagem concedida a uma empresa, seja por que forma for, através de recursos de Estado pode, devido aos seus efeitos, falsear ou ameaçar falsear a concorrência e afetar as trocas entre os Estados‑Membros. A este respeito, há que recordar que o artigo 107.°, n.° 1, TFUE não faz distinção consoante as causas ou os objetivos da intervenção de uma entidade pública, mas define‑a em função dos seus efeitos.

Para averiguar se o Estado‑Membro ou a entidade pública em causa adotou o comportamento de um empresário privado avisado numa economia de mercado, há que tomar como referência o contexto da época em que as medidas em causa foram adotadas, a fim de avaliar a racionalidade económica do comportamento do Estado‑Membro ou da entidade pública e, portanto, abstrair de qualquer apreciação baseada numa situação posterior. A comparação entre os comportamentos dos operadores públicos e privados deve ser estabelecida tomando por referência a atitude que, em circunstâncias similares, na operação em causa, teria tido um operador privado à luz das informações disponíveis e das evoluções previsíveis nesse momento. Portanto, a verificação retrospetiva da rentabilidade efetiva da operação realizada pelo Estado‑Membro ou pela entidade pública em causa é desprovida de pertinência. É o que sucede, em especial, quando a Comissão examina a existência de um auxílio de Estado em relação a uma medida que não lhe foi notificada e que já foi executada pela entidade pública em causa no momento em que procede ao seu exame.

(cf. n.os 92‑94)

6.      Em conformidade com os princípios relativos ao ónus da prova em matéria de auxílios de Estado, cabe à Comissão apresentar a prova desse auxílio. A este respeito, a Comissão está obrigada a conduzir o procedimento de investigação das medidas em causa de uma forma diligente e imparcial, de modo a dispor, aquando da adoção de uma decisão final que demonstra a existência e, se for caso disso, a incompatibilidade ou a ilegalidade do auxílio, dos elementos mais completos e fiáveis possíveis.

Consequentemente, quando o critério do investidor privado possa ser aplicável, incumbe à Comissão pedir ao Estado‑Membro em causa todas as informações pertinentes que lhe permitam verificar se os requisitos de aplicabilidade e de aplicação deste critério estão preenchidos. Se o Estado‑Membro lhe transmitir elementos da natureza exigida, a Comissão tem a obrigação de efetuar uma apreciação global tendo em conta qualquer elemento pertinente que, no caso em concreto, lhe permita determinar se a empresa beneficiária não teria, manifestamente, obtido facilidades comparáveis por parte de um operador privado.

(cf. n.os 95, 96, 112, 184‑186)

7.      Durante o procedimento administrativo de controlo de um auxílio de Estado, mais particularmente aquando da aplicação do critério do investidor privado, cabe ao Estado‑Membro em causa comunicar à Comissão os elementos objetivos e verificáveis que revelem que a sua decisão se baseou em avaliações económicas prévias comparáveis às que, nas circunstâncias do caso concreto, um operador privado razoável numa situação o mais semelhante possível da situação desse Estado ou dessa entidade teria efetuado, antes de adotar a medida em causa, a fim de determinar a rentabilidade futura dessa medida.

Para esse efeito, fornecer, no decurso do procedimento administrativo, estudos de sociedades de consultoria independentes encomendados previamente à adoção da medida em causa pode contribuir para demonstrar que o Estado‑Membro ou a entidade pública executou essa medida na sua qualidade de operador no mercado.

No entanto, os elementos de avaliação económica exigidos por parte da entidade pública que concede o auxílio devem ser apreciados in concreto, e variam em função da natureza e da amplitude dos riscos económicos incorridos. Os referidos elementos devem ser modulados em função da natureza e da complexidade da operação em causa, do valor dos ativos, dos bens ou dos serviços em causa, e das circunstâncias do caso concreto.

(cf. n.os 97, 98, 121, 122, 178)

8.      Para provar a existência de um auxílio, a Comissão não se pode limitar a remeter para a sua prática decisória. Está obrigada a proceder a uma análise diligente e imparcial, à luz da regulamentação aplicável, de todos os elementos objetivos à sua disposição. O mesmo se passa quando a Comissão determina o montante do auxílio cuja recuperação ordena. Com efeito, se a Comissão decidir ordenar a recuperação de um montante determinado, deve determinar, de forma tão precisa quanto as circunstâncias do processo o permitirem, o valor do auxílio de que a empresa beneficiou.

Daqui resulta que a Comissão não se pode exonerar do seu dever de fundamentação pela simples referência a uma metodologia desenvolvida noutro processo, sem qualquer explicação relativa à pertinência dessa metodologia para apreciar uma medida que contém eventualmente um auxílio de Estado num contexto factual diferente.

(cf. n.os 149, 152‑154)

9.      Em matéria de auxílios de Estado, para apreciar se a intervenção de um investidor público no capital de uma empresa é conforme com o critério do investidor privado, o comportamento do investidor privado com o qual deve ser comparado o de um investidor público não é necessariamente o do investidor normal que aplica capitais com vista à sua rentabilização a mais ou menos curto prazo. Esse comportamento deve, pelo menos, ser o de uma holding privada ou de um grupo privado de empresas que prossigam uma política estrutural, global ou setorial, e ser orientado por perspetivas de rentabilidade a mais longo prazo.

Na medida em que a exigência de uma avaliação económica prévia pretende unicamente comparar o comportamento da empresa pública em causa ao de um investidor privado prudente colocado numa situação semelhante, esta exigência é conforme com o princípio da igualdade de tratamento entre os setores público e privado, que implica que os Estados‑Membros podem investir em atividades económicas, e que os capitais postos à disposição de uma empresa, direta ou indiretamente, pelo Estado, em circunstâncias que correspondem às condições normais do mercado, não podem ser qualificados de auxílios de Estado.

Por outro lado, a margem de apreciação de que dispõe o investidor público não o pode dispensar de efetuar uma avaliação económica prévia adequada. Na verdade, pode ser feita uma distinção entre a estimativa do rendimento provável do projeto, na qual existe uma certa margem de apreciação para o investidor público, e o exame que esse investidor faz a fim de determinar se o rendimento lhe parece suficiente para realizar o investimento em causa, relativamente ao qual a margem de apreciação é menos ampla, uma vez que é possível comparar a operação em questão com outras possibilidades de colocação do capital a investir. No entanto, a margem de apreciação de que dispõe o investidor público no que respeita ao cálculo do rendimento provável do projeto não pode isentar esse investidor da obrigação de proceder a uma avaliação económica baseada numa análise dos elementos disponíveis e das evoluções previsíveis, que seja adequada à luz da natureza, da complexidade, da importância e do contexto da operação.

(cf. n.os 181, 187, 188)