Language of document : ECLI:EU:C:2021:303

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GERARD HOGAN

apresentadas em 15 de abril de 2021 (1)

Processo C665/20 PPU

Openbaar Ministerie

contra

X

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão, Países Baixos)]

«Reenvio prejudicial — Tramitação prejudicial urgente — Cooperação judiciária em matéria penal — Mandado de detenção europeu — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Entrega das pessoas procuradas às autoridades judiciárias de emissão — Artigo 4.o, n.o 5 — Motivos de não execução facultativa — Pessoa procurada que foi definitivamente julgada pelos mesmos factos por um país terceiro — Princípio ne bis in idem — Pena que já foi cumprida ou que já não pode ser cumprida»






I.      Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (2), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (3) (a seguir «Decisão‑Quadro 2002/584»).

2.        Embora a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao mandado de detenção europeu possa ser qualificada de abundante, a diversidade de situações em que este instrumento é aplicado não deixa de suscitar novas interrogações sobre o alcance das regras e dos princípios que a sua aplicação exige. O presente pedido de decisão prejudicial é um novo exemplo disso.

3.        O referido pedido foi apresentado no âmbito da execução, nos Países Baixos, de um mandado de detenção europeu emitido em 19 de setembro de 2019 pelo Amtsgericht Tiergarten (Tribunal de Primeira Instância de Tiergarten, Alemanha) para efeitos de procedimento penal contra X por atos de rara violência que alegadamente cometeu em Berlim (Alemanha), mas que potencialmente já foram julgados, no todo ou em parte, pelo Tribunal Penal de Teerão (Irão). Condenado a uma pena de prisão de sete anos e seis meses, X beneficiou de um perdão em relação aos últimos 338 dias da pena, devido a uma medida de amnistia geral proclamada pelo Líder da Revolução por ocasião do 40.o aniversário da revolução iraniana.

4.        Neste contexto particular, o Tribunal de Justiça é convidado a precisar a sua jurisprudência relativa à margem de apreciação de que as autoridades judiciárias dispõem perante um motivo de não execução facultativa de um mandado de detenção europeu, no caso específico previsto no artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584. De maneira mais inédita, o Tribunal de Justiça deverá igualmente pronunciar‑se sobre a aplicabilidade transnacional do princípio ne bis in idem que decorre do artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 e sobre o impacto de uma medida de clemência na aplicação desta disposição.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

5.        Os considerandos 6, 10 e 12 da Decisão‑Quadro 2002/584 enunciam:

«(6)      O mandado de detenção europeu previsto na presente decisão‑quadro constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de “pedra angular” da cooperação judiciária.

[…]

(10)      O mecanismo do mandado de detenção europeu é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados‑Membros. A execução desse mecanismo só poderá ser suspensa no caso de violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, dos princípios enunciados no n.o 1 do artigo 6.o [TUE], verificada pelo Conselho nos termos do n.o 1 do artigo 7.o do mesmo Tratado e com as consequências previstas no n.o 2 do mesmo artigo.

[…]

(12)      A presente decisão‑quadro respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.o [TUE] e consignados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, nomeadamente o seu capítulo VI. […]»

6.        Nos termos do artigo 1.o desta decisão‑quadro, com a epígrafe «Definição de mandado de detenção europeu e obrigação de o executar»:

«1.      O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

2.      Os Estados‑Membros executam todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.

3.      A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.o [TUE].»

7.        O artigo 3.o da Decisão‑Quadro 2002/584, com a epígrafe «Motivos de não execução obrigatória do mandado de detenção europeu», prevê que:

«A autoridade judiciária do Estado‑Membro de execução (a seguir designada “autoridade judiciária de execução”) recusa a execução de um mandado de detenção europeu nos seguintes casos:

1)      Se a infração na origem do mandado de detenção estiver abrangida por amnistia no Estado‑Membro de execução, quando este for competente para o respetivo procedimento penal nos termos da sua legislação penal;

2)      Se das informações de que dispõe a autoridade judiciária de execução resultar que a pessoa procurada foi definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado‑Membro, na condição de que, em caso de condenação, a pena tenha sido cumprida ou esteja atualmente em cumprimento ou não possa já ser cumprida segundo as leis do Estado‑Membro de condenação;

3)      Se, nos termos do direito do Estado‑Membro de execução, a pessoa sobre a qual recai o mandado de detenção europeu não puder, devido à sua idade, ser responsabilizada pelos factos que fundamentam o mandado de detenção europeu.»

8.        Por sua vez, o artigo 4.o da Decisão‑Quadro 2002/584 refere‑se, em conformidade com a sua epígrafe, aos «Motivos de não execução facultativa do mandado de detenção europeu». Nos termos deste artigo:

«A autoridade judiciária de execução pode recusar a execução de um mandado de detenção europeu:

[…]

5)      Se das informações de que dispõe a autoridade judiciária de execução resultar que a pessoa procurada foi definitivamente julgada pelos mesmos factos por um país terceiro, na condição de que, em caso de condenação, a pena tenha sido cumprida ou esteja atualmente em cumprimento ou não possa já ser cumprida segundo as leis do país de condenação;

[…]»

B.      Direito neerlandês

9.        A Decisão‑Quadro 2002/584 foi transposta para o direito neerlandês pela wet tot implementatie van het kaderbesluit van de Raad van de Europese Unie betreffende het Europees aanhoudingsbevel en de procedures van overlevering tussen de lidstaten van de Europese Unie (Lei Que Aplica a Decisão‑Quadro, do Conselho da União Europeia, Relativa ao Mandado de Detenção Europeu e aos Processos de Entrega entre os Estados‑Membros) de 29 de abril de 2004 (4), conforme alterada pela Lei de 22 de fevereiro de 2017 (5); a seguir «OLW»).

10.      Na data do pedido de decisão prejudicial, o artigo 9.o, n.o 1, da OLW previa:

«A entrega da pessoa procurada não é autorizada em relação a um facto pelo qual:

[…]

d)      a pessoa procurada tenha sido absolvida ou não tenha sido acusada por um juiz neerlandês, ou relativamente à qual tenha sido proferida uma decisão definitiva equivalente por um juiz de outro Estado‑Membro da União Europeia ou de um país terceiro;

e)      a pessoa procurada tenha sido condenada por uma decisão judicial, quando:

1.      a pena ou a medida aplicada já tenha sido cumprida;

2.      a pena ou a medida aplicada já não possa ser cumprida;

3.      a condenação consista numa declaração de culpa sem aplicação de uma pena ou de uma medida;

4.      a pena ou medida aplicada seja cumprida nos Países Baixos;

[…]»

11.      Nos termos do artigo 28.o, n.o 2, da OLW:

«Se o rechtbank [tribunal] constatar […] que a entrega não pode ser autorizada […], cabe‑lhe recusar essa entrega na sua decisão.»

III. Factos na origem do litígio no processo principal

12.      Em 19 de setembro de 2019, o Amtsgericht Tiergarten (Tribunal de Primeira Instância de Tiergarten) emitiu um mandado de detenção europeu contra X com vista à sua entrega para efeitos de procedimento penal por atos que alegadamente cometeu em Berlim em 30 de outubro de 2012.

13.      Nesse dia, X terá amarrado Y, sua companheira à data dos factos, e Z, filha desta, com dez anos, ameaçando‑as com uma faca. Seguidamente, terá violado Y antes de a mutilar. Antes de abandonar a casa de Y, terá barricado as divisões onde Y e Z se encontravam amarradas respetivamente, com o objetivo de lhes causar a morte.

14.      Os crimes pelos quais a entrega é pedida são os seguintes:

–        tentativa de homicídio da companheira;

–        tentativa de homicídio da filha da companheira, que era menor no momento dos factos;

–        violação da companheira;

–        ofensa grave à integridade física da sua companheira;

–        sequestro da companheira;

–        sequestro da filha menor da companheira.

15.      Com base nesse mandado de detenção europeu, X foi detido nos Países Baixos e presente ao órgão jurisdicional de reenvio em 18 de março de 2020. X informou o referido órgão jurisdicional de que não consentia na sua entrega às autoridades judiciárias alemãs e foi colocado em detenção enquanto aguarda uma decisão a esse respeito. Como fundamento da oposição à sua entrega, X invocou o princípio ne bis in idem, alegando, nomeadamente que tinha sido definitivamente julgado pelos mesmos factos num país terceiro, a saber, o Irão.

16.      Segundo as constatações do órgão jurisdicional de reenvio, X foi julgado no Irão pelos factos acima referidos, com exceção do sequestro de Y, o qual, no entanto, foi incluído, nos seus elementos materiais, na qualificação da tentativa de homicídio cometida contra ela. No termo do processo no Irão, X foi condenado por uma sentença penal definitiva por ofensa grave à integridade física de Y, bem como pela tentativa de homicídio de Y e de Z. Em contrapartida, foi absolvido definitivamente das acusações de violação de Y e de sequestro de Z.

17.      Nos termos do direito iraniano, X teve de cumprir unicamente a pena de prisão mais pesada que lhe foi aplicada naquele país pelos factos pelos quais foi condenado definitivamente, a saber, uma pena de prisão de sete anos e seis meses. X cumpriu a maior parte desta pena. Beneficiou de um perdão em relação ao remanescente da pena, ao abrigo de uma amnistia geral proclamada pelo Líder da Revolução por ocasião do 40.o aniversário da revolução iraniana.

18.      A título das ofensas graves à integridade física de Y, X foi também condenado a pagar‑lhe uma «diya». Devido à sua situação de insolvência, X foi autorizado a escalonar o pagamento mediante um primeiro pagamento de 200 000 000 riais iranianos (cerca de 4 245 euros), seguido de prestações mensais de 2 % da «diya». Após ter efetuado o primeiro pagamento e liquidado a primeira mensalidade, X foi posto em liberdade no Irão, em 5 de maio de 2019. Em 7 de setembro de 2020, as autoridades iranianas emitiram um mandado de detenção por não ter pago as restantes prestações vencidas.

19.      Junto do órgão jurisdicional de reenvio, X afirma que foi acusado e definitivamente julgado no Irão pelos mesmos factos pelos quais a sua entrega é pedida em aplicação do mandado de detenção europeu emitido contra ele. Foi absolvido definitivamente em relação a uma parte dos factos, ao passo que a outra parte deu lugar a uma condenação numa pena de prisão que X cumpriu integralmente. Além disso, alega que a «diya» não constitui uma pena ou uma medida, mas uma obrigação de pagar uma indemnização à vítima.

20.      X conclui daí que, nos termos do artigo 9.o, n.o 1, alíneas d) e e), da OLW, a sua entrega às autoridades alemãs em aplicação do mandado de detenção europeu emitido contra ele deve ser recusada. Alega, especialmente, que o artigo 9.o, n.o 1, da OLW não estabelece nenhuma distinção entre uma sentença definitiva proferida num Estado‑Membro e uma sentença definitiva proferida num país terceiro. Ao fazê‑lo, o legislador neerlandês usou a faculdade que a Decisão‑Quadro 2002/584 reconhece aos Estados‑Membros de recusar a entrega em caso de sentença definitiva e de pena cumprida integralmente num país terceiro. Por conseguinte, os órgãos jurisdicionais neerlandeses estão obrigados a dar‑lhe cumprimento.

21.      Em contrapartida, o Ministério Público defende que a exceção invocada por X, relativa a uma condenação anterior no Irão, não pode prosperar. No que se refere a uma condenação proferida num país terceiro, incumbe, com efeito, ao órgão jurisdicional de reenvio, na qualidade de autoridade judiciária de execução nos termos do artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584, não aplicar o artigo 9.o, n.o 1, alínea e), da OLW, a fim de apreciar se a condenação proferida no Irão pode ser objeto de reconhecimento mútuo em virtude de uma confiança mútua derivada de Tratados ou da prática jurídica. Tendo em conta a rutura das relações diplomáticas e a inexistência de cooperação judiciária com a República Islâmica do Irão, bem como as diferenças significativas entre os sistemas jurídicos dos Estados‑Membros da União e o da República Islâmica do Irão, essa confiança no sistema jurídico iraniano é inexistente. O Ministério Público conclui daí que a condenação proferida contra X no Irão não pode constituir um motivo válido para a não execução do mandado de detenção europeu emitido contra ele.

22.      Perante estes argumentos contrários, o órgão jurisdicional de reenvio tem várias dúvidas sobre a forma como o artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado e como foi transposto para o direito neerlandês.

23.      A este respeito, observa que o artigo 4.o da Decisão‑Quadro 2002/584 enumera os motivos para a não execução facultativa de um mandado de detenção europeu, ao passo que a OLW prevê que, quando tais motivos se verifiquem, a execução deve ser recusada, uma vez que a autoridade judiciária de execução não dispõe de nenhuma margem de apreciação a esse respeito. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, além disso, sobre a questão de saber se o conceito de «mesmos factos» utilizado no artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ter a mesma interpretação que a que foi desenvolvida pelo Tribunal de Justiça a propósito do artigo 3.o, n.o 2, dessa decisão, quando a primeira hipótese se refere à existência de uma sentença definitiva proferida num país terceiro, ao passo que a segunda diz respeito a uma sentença definitiva proferida noutro Estado‑Membro. Por último, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se uma medida de clemência como aquela de que X beneficiou no Irão permite considerar que a pena proferida contra ele foi cumprida ou já não pode ser cumprida segundo as leis do país de condenação, na aceção do artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584.

24.      Por considerar que a resposta à questão de saber se pode executar o mandado de detenção europeu emitido contra X depende, em última análise, da interpretação do artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584, o rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão, Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial.

IV.    Questões prejudiciais e tramitação prejudicial urgente no Tribunal de Justiça

25.      Por Decisão de 7 de dezembro de 2020, entrada no Tribunal de Justiça no mesmo dia, o rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão) decidiu submeter ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.o TFUE, as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro [2002/584] ser interpretado no sentido de que, quando um Estado‑Membro tenha optado por transpor esta disposição para o direito interno, a autoridade judiciária de execução deve dispor de uma margem de apreciação quanto à questão de saber se deve ou não recusar a execução do [mandado de detenção europeu]?

2)      Deve o conceito de “mesmos factos” previsto no artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro [2002/584] ser interpretado do mesmo modo que no artigo 3.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI? Em caso de resposta negativa, de que modo deve este conceito ser interpretado na primeira disposição?

3)      Deve a condição do artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI de que “a pena tenha sido cumprida […] ou não possa já ser cumprida segundo as leis do país de condenação” ser interpretada no sentido de que abrange uma situação em que a pessoa procurada foi definitivamente condenada pelos mesmos factos numa pena privativa de liberdade que cumpriu parcialmente no país de condenação e que lhe foi perdoada na parte restante por uma autoridade não judicial desse país, no âmbito de uma medida geral de clemência que também se aplica a pessoas condenadas que tenham cometido [crimes] graves, como a pessoa procurada, e que não se baseou em considerações racionais de política penal?»

26.      O órgão jurisdicional de reenvio solicitou igualmente a aplicação da tramitação urgente prevista no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

27.      Como fundamento desse pedido, o referido órgão jurisdicional alegou que as questões submetidas têm por objeto a interpretação da Decisão‑Quadro 2002/584, que é abrangida pelo título V da parte III TFUE. Observou igualmente que X fora detido enquanto se aguarda o seguimento a dar à sua entrega às autoridades alemãs. A resposta urgente do Tribunal de Justiça terá assim uma influência direta e determinante na duração da detenção do interessado.

28.      A Quinta Secção do Tribunal de Justiça decidiu deferir o referido pedido, em 17 de dezembro de 2020.

29.      Foram apresentadas observações escritas pelo Ministério Público, por X, pelos Governos neerlandês e alemão, bem como pela Comissão Europeia. Com exceção do Governo alemão, cada um destes apresentou as suas observações orais na audiência realizada em 3 de março de 2021.

V.      Análise

A.      Observações preliminares

30.      Como indiquei na introdução das presentes conclusões, a jurisprudência relativa à Decisão‑Quadro 2002/584 é abundante. O quadro em que as suas disposições devem ser interpretadas é agora conhecido (6).

31.      A título preliminar, importa sublinhar que o direito da União assenta na premissa fundamental segundo a qual cada Estado‑Membro partilha com todos os restantes Estados‑Membros, e reconhece que estes partilham com ele, uma série de valores comuns nos quais a União se funda, como precisado no artigo 2.o TUE. Esta premissa implica e justifica a existência da confiança mútua entre os Estados‑Membros no reconhecimento destes valores e, portanto, no respeito do direito da União que os aplica (7).

32.      Estes dois princípios — tanto o princípio da confiança mútua entre os Estados‑Membros como o princípio do reconhecimento mútuo — revestem uma importância ainda mais fundamental no direito da União dado que permitem a criação e a manutenção de um espaço sem fronteiras internas. Mais especificamente, o princípio da confiança mútua impõe, designadamente no que respeita ao espaço de liberdade, segurança e justiça, que cada um desses Estados considere, salvo em circunstâncias excecionais, que todos os outros Estados‑Membros respeitam o direito da União e, especialmente, os direitos fundamentais reconhecidos por esse direito (8).

33.      Neste contexto, a Decisão‑Quadro 2002/584 visa substituir o sistema multilateral de extradição baseado na Convenção Europeia de Extradição, assinada em Paris em 13 de dezembro de 1957, por um sistema simplificado e mais eficaz de entrega, entre as autoridades judiciárias, de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de ações penais. Como primeira expressão concreta do princípio do reconhecimento mútuo no domínio do direito penal, o mecanismo do mandado de detenção europeu baseia‑se necessariamente, nas palavras do legislador da União, num elevado grau de confiança entre os Estados‑Membros (9).

34.      O princípio do reconhecimento mútuo, que constitui, como resulta nomeadamente do considerando 6 da Decisão‑Quadro 2002/584, a «pedra angular» da cooperação judiciária em matéria penal, encontra particular expressão no artigo 1.o, n.o 2, dessa decisão. Com efeito, esta disposição consagra a regra segundo a qual os Estados‑Membros são obrigados a executar qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com as disposições da referida decisão‑quadro. Por conseguinte, as autoridades judiciárias de execução apenas podem, em princípio, recusar‑se a executar esse mandado pelos motivos, exaustivamente enumerados, de não execução previstos pela Decisão‑Quadro 2002/584. Além disso, a execução do mandado de detenção europeu apenas pode ser subordinada a uma das condições taxativamente previstas no artigo 5.o desta decisão‑quadro. Por conseguinte, enquanto a execução do mandado de detenção europeu constitui o princípio, a recusa de execução é concebida como uma exceção que deve ser objeto de interpretação estrita (10).

35.      Assim, a Decisão‑Quadro 2002/584 enuncia expressamente os motivos de não execução obrigatória (artigo 3.o) e facultativa (artigos 4.o e 4.o‑A) do mandado de detenção europeu, bem como as garantias a fornecer pelo Estado‑Membro de emissão em casos especiais (artigo 5.o) (11).

36.      Contudo, os princípios da confiança mútua e do reconhecimento em que assenta esta decisão‑quadro não podem de modo nenhum prejudicar os direitos fundamentais garantidos às pessoas em causa (12). Daí decorre logicamente que a Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretada a fim de assegurar a conformidade com as exigências de respeito dos direitos fundamentais das pessoas em causa, sem, no entanto, pôr em causa a efetividade do sistema de cooperação judiciária entre os Estados‑Membros de que o mandado de detenção europeu, como previsto pelo legislador da União, constitui um dos elementos essenciais (13).

B.      Quanto à primeira questão prejudicial

37.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que, quando um Estado‑Membro opta por transpor esta disposição para o seu direito interno, é obrigado a conceder à autoridade judiciária de execução uma margem de apreciação para determinar se deve ou não se recusar a executar o mandado de detenção europeu pelo motivo referido nesta disposição.

38.      Tal como o advogado‑geral Y. Bot já sintetizava nas suas conclusões no processo que deu lugar ao Acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de junho de 2017, Popławski (C‑579/15, EU:C:2017:503), a questão que se coloca é determinar o que se deve entender pelo caráter «facultativo» do mandado de detenção europeu. É esta faculdade destinada aos Estados‑Membros que, quando transpõem a Decisão‑Quadro 2002/584 para o seu direito interno, podem decidir adotar ou não os motivos de não execução facultativa ou é essa faculdade atribuída à autoridade de execução que disporia de um poder de apreciação para decidir ou não mantê‑los em função das circunstâncias próprias de cada caso concreto (14)?

39.      A este respeito, a liberdade dos Estados‑Membros de transporem os motivos de não execução facultativa do mandado de detenção europeu foi certamente confirmada pelo Tribunal de Justiça em diversas ocasiões (15). Desde então, porém, o Tribunal de Justiça teve igualmente oportunidade de se pronunciar sobre várias hipóteses de motivo de não execução facultativa do mandado de detenção. Ora, em cada ocasião, seguiu a interpretação segundo a qual a autoridade judiciária devia necessariamente ser dotada de um poder de apreciação (16). No presente caso, a conclusão a que cheguei, após uma análise textual, contextual e teleológica do artigo 5.o, n.o 4, da Decisão‑Quadro 2002/584, é idêntica.

40.      Em primeiro lugar, sublinho que foi por remissão expressa para o n.o 30 das Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Popławski (C‑579/15, EU:C:2017:116) que o Tribunal de Justiça declarou que decorria da letra do artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584 que, quando um Estado‑Membro tenha optado por transpor esta disposição para o direito interno, a autoridade judiciária de execução deve, no entanto, dispor de uma margem de apreciação quanto à questão de saber se deve ou não recusar a execução do mandado de detenção europeu (17).

41.      Ora, no referido número das suas conclusões, o advogado‑geral Y. Bot não limitou a sua análise ao texto do artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584. Essa análise disse respeito, por um lado, ao título do artigo 4.o desta decisão‑quadro, e, por outro, ao primeiro parágrafo deste artigo, o qual contém uma única frase que introduz, sem distinção, todos os diferentes motivos de não execução facultativa, enumerados de 1 a 7.

42.      Assim, pode ser útil recordar que o adjetivo «facultativo» que figura no título do artigo 4.o da Decisão‑Quadro 2002/584 se refere à «não execução» do mandado de detenção europeu, e não aos «motivos» que a podem justificar. Por conseguinte, a recusa de executar o mandado é que é facultativa, por oposição às recusas obrigatórias previstas no artigo 3.o da mesma decisão (18). Visto que é facultativa, qualquer decisão de recusa refletirá necessariamente uma escolha deliberada do seu autor e, consequentemente, o resultado da sua apreciação.

43.      Além disso, como salientou igualmente o advogado‑geral Y. Bot no mesmo número das suas conclusões, resulta do artigo 4.o, primeiro parágrafo, da Decisão‑Quadro 2002/584 que a faculdade de recusar a execução de um mandado de detenção europeu é conferida diretamente às autoridades judiciárias de execução nacionais. Com efeito, enquanto o artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Decisão‑Quadro 2002/584 enuncia que a autoridade judiciária de execução «recusa a execução de um mandado de detenção europeu» (19) nos casos enumerados nessa disposição, o artigo 4.o, primeiro parágrafo, indica que essa mesma autoridade «pode recusar a execução de um mandado de detenção europeu» (20). Como o Tribunal de Justiça já declarou, resulta da escolha do termo «pode» que, quando um Estado‑Membro tenha optado por transpor esta disposição para o direito nacional, a autoridade judiciária de execução deve, no entanto, dispor de uma margem de apreciação quanto à questão de saber se deve ou não recusar a execução do mandado de detenção europeu (21).

44.      Em segundo lugar, esta interpretação do artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 é corroborada pelo contexto em que este artigo se inscreve. Com efeito, recordei nas minhas observações preliminares que a execução do mandado de detenção europeu constitui o princípio e que a recusa de execução é a exceção que, enquanto tal, deve ser interpretada de forma estrita (22). Ora, autorizar uma transposição do artigo 4.o da Decisão‑Quadro 2002/584 que impusesse à autoridade judiciária de execução que recusasse executar um mandado de detenção europeu nos casos previstos nesta disposição privaria, em função do seu caráter automático, essa autoridade da possibilidade de ter em conta as circunstâncias, próprias de cada caso, que a poderiam levar a considerar que as condições de recusa de entrega não estão preenchidas. Por conseguinte, ao transformar uma simples possibilidade de recusa numa verdadeira obrigação, uma disposição desta natureza também transformaria a exceção constituída pela recusa de entrega em regra de princípio (23).

45.      Além disso, o Tribunal de Justiça não pode ignorar, no âmbito da interpretação contextual do artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584, a hipótese referida no artigo 3.o, n.o 2, desta decisão. Com efeito, as hipóteses visadas são idênticas, com a única reserva de que a primeira hipótese diz respeito à existência de uma decisão definitiva proferida por um país terceiro, enquanto a segunda diz respeito a uma decisão definitiva proferida por um Estado‑Membro. Como sublinha pertinentemente o Governo alemão nas suas observações escritas, se os Estados‑Membros pudessem optar por transformar a hipótese referida no artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 em motivo de recusa obrigatória, a diferença entre as duas disposições deixaria de ter sentido.

46.      Em terceiro lugar, o objetivo prosseguido pela instauração do mandado de detenção europeu também me parece confirmar a interpretação favorável à margem de apreciação das autoridades judiciárias. Com efeito, de acordo com o artigo 1.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, o objeto do mecanismo do mandado de detenção europeu é permitir a detenção e a entrega duma pessoa procurada para que, tendo em conta o objetivo prosseguido pela referida decisão‑quadro, a infração cometida não fique impune e essa pessoa seja julgada ou cumpra a pena privativa de liberdade proferida contra ela (24).

47.      Ora, interpretar o artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 no sentido de que autoriza os Estados‑Membros a obrigarem as autoridades judiciárias a recusar, em qualquer caso, a execução de um mandado de detenção europeu na hipótese de a pessoa procurada ter sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um país terceiro (desde que, em caso de condenação, a pena tenha sido cumprida ou esteja em cumprimento ou já não possa ser cumprida segundo as leis do país de condenação) e sem que essas autoridades disponham de nenhuma margem de apreciação, quando os sistemas e os procedimentos aplicáveis nos países terceiros podem ser sensivelmente diferentes dos conhecidos pelos Estados‑Membros, poderia criar um risco de impunidade da pessoa procurada. Essa interpretação não pode, portanto, ser considerada conforme com a Decisão‑Quadro 2002/584 (25).

48.      Neste contexto, do mesmo modo que as autoridades judiciárias de execução devem, nos termos do artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584, poder ter em conta todas as circunstâncias que permitem assegurar que a entrega de uma pessoa visada por um mandado de detenção europeu não implica uma violação dos seus direitos de defesa, uma vez que esta disposição prevê — assim como o artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 — um caso de não execução facultativa (26), as autoridades judiciárias competentes também devem poder ter em conta todas as circunstâncias que lhes permitam garantir que a recusa de entrega não conduz à impunidade da pessoa procurada.

49.      Esse poder de apreciação é tão importante no âmbito da aplicação do artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584, que esta disposição alarga o princípio ne bis in idem às sentenças proferidas pelos órgãos jurisdicionais de países terceiros. Ora, ao contrário do que acontece entre Estados‑Membros, os princípios da confiança mútua e do reconhecimento mútuo, em que se baseia o mecanismo do mandado de detenção europeu, não são automaticamente transponíveis para os países terceiros (27). Esta particularidade está no cerne da segunda questão prejudicial e examiná‑la‑ei quando me debruçar sobre essa questão.

50.      Dito isto, à luz das considerações anteriores, parece‑me decorrer da interpretação textual, contextual e teleológica do artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 que, quando um Estado‑Membro opta por transpor esta disposição para o seu direito interno, é obrigado a conceder à autoridade judiciária de execução uma margem de apreciação para efeitos de determinar se deve ou não recusar a execução do mandado de detenção europeu pelo motivo referido nesta disposição.

C.      Quanto à segunda questão prejudicial

51.      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o conceito de «mesmos factos» que figura no artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado da mesma forma que o conceito, formalmente idêntico, utilizado no artigo 3.o, n.o 2, dessa decisão. Se não for esse o caso, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o significado que lhe deve ser dado.

52.      Importa referir, a título preliminar, que, à semelhança do artigo 3.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, o artigo 4.o, n.o 5, desta decisão não remete para o direito dos Estados‑Membros no que diz respeito ao conceito de «mesmos factos». Devido à exigência de aplicação uniforme do direito da União, este conceito não pode, portanto, ser deixado ao critério das autoridades judiciárias de cada Estado‑Membro, em função do seu direito nacional. O referido conceito é um conceito autónomo do direito da União (28).

53.      No que diz respeito ao conceito de «mesmos factos» que figura no artigo 3.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, o Tribunal de Justiça já declarou que lhe devia ser dada a mesma definição que ao conceito de «mesmos factos» que figura no artigo 54.o da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de junho de 1985, entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns (29), assinada em Schengen (Luxemburgo) em 19 de junho de 1990 (a seguir «CAAS») (30). Por conseguinte, o referido conceito é interpretado no sentido de que visa apenas a materialidade dos factos, abrangendo um conjunto de circunstâncias concretas indissociavelmente ligadas entre si, independentemente da qualificação jurídica destes factos ou do interesse jurídico protegido (31).

54.      O Tribunal de Justiça justificou esta identidade de conceitos apoiando‑se no objetivo comum do artigo 54.o da CAAS e do artigo 3.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, que consiste em evitar que uma pessoa seja de novo submetida a um processo penal ou julgada pelos mesmos factos (32). Ora, não vejo que nenhum outro objetivo possa estar por detrás do artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584, uma vez que, como já foi indicado, esta disposição é em tudo semelhante ao artigo 3.o, n.o 2, da mesma decisão, sob reserva de o Estado na origem do julgamento anterior ter decidido sobre os mesmos factos.

55.      Nestas circunstâncias, atendendo a esse objetivo comum e à necessidade, reconhecida pelo Tribunal de Justiça, de garantir a coerência entre as interpretações que são feitas das diferentes disposições da Decisão‑Quadro 2002/584 (33), parece‑me que o conceito de «mesmos factos» utilizado no artigo 4.o, n.o 5, desta decisão deve ser interpretado da mesma forma que a que figura no seu artigo 3.o, n.o 2.

56.      Acrescentarei ainda que, embora o princípio ne bis in idem não tenha sido formalmente mencionado pelo legislador da União na Decisão‑Quadro 2002/584, não há dúvidas de que este é o princípio que o artigo 3.o, n.o 2, e o artigo 4.o, n.o 5, dessa decisão implementam. Provas disso são, por um lado, o título do capítulo onde está inserido o artigo 54.o da CAAS — «Aplicação do princípio ne bis in idem» —, e, por outro, a interpretação idêntica dada ao artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), o qual formaliza o referido princípio na Carta (34).

57.      Mais ainda do que uma coerência interna na Decisão‑Quadro 2002/584, trata‑se, portanto, de garantir uma coerência transversal no direito da União. Uma vez que se trata de um princípio fundamental do direito da União, igualmente enunciado no artigo 50.o da Carta (35), e que passou a ser interpretado da mesma forma em domínios tão diversos como o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) (36), o combate ao branqueamento de capitais (37) ou o mandado de detenção europeu, a sua definição não pode variar em função do instrumento jurídico em causa e, a fortiori, dentro de um único e mesmo instrumento. Essa diferença seria tão dissonante, anacrónica até, que o TEDH acabou, também ele, por adotar uma interpretação do princípio ne bis in idem que se centra na exigência de factos idênticos ou substancialmente iguais (38).

58.      É verdade que, à semelhança de outros instrumentos internacionais (39), o artigo 4.o do Protocolo n.o 7 à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Estrasburgo em 22 de novembro de 1984, circunscreve a aplicação do princípio ne bis in idem às sentenças proferidas num mesmo país (40). Da mesma forma, o artigo 50.o da Carta precisa que ninguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado «na União». Esta aplicação transnacional limitada do princípio ne bis in idem explica‑se, na ordem jurídica da União, devido ao princípio da confiança mútua, que impõe a cada um dos Estados‑Membros que considere, salvo em circunstâncias excecionais, que todos os restantes Estados‑Membros respeitam o direito da União e, especialmente, os direitos fundamentais reconhecidos por esse direito (41). Estou igualmente ciente de que o Tribunal de Justiça salientou, no quadro da CAAS, a ligação necessária entre o princípio ne bis in idem consagrado no artigo 54.o da referida convenção e a confiança mútua dos Estados‑Membros nos respetivos sistemas de justiça penal (42).

59.      Contudo, embora nenhum princípio de direito público imponha a aplicação transnacional do princípio ne bis in idem (43), nenhuma regra, que eu saiba, o proíbe (44). Ora, impõe‑se concluir que, ao optar por consagrar um motivo de não execução de um mandado de detenção europeu em relação a decisões proferidas num país terceiro, em termos idênticos aos utilizados no artigo 3.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, o legislador da União escolheu fazê‑lo.

60.      Todavia, importa não esquecer que o artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado à luz do seu artigo 1.o, n.o 3, que impõe um respeito total dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.o TUE na execução do mecanismo do mandado de detenção europeu. Por conseguinte, a aplicação transnacional do princípio ne bis in idem não pode, de modo nenhum, prejudicar os direitos fundamentais garantidos às pessoas em causa (45).

61.      Decorre, portanto, da leitura combinada destas duas disposições que, embora a autoridade judiciária de execução deva ter em conta a decisão definitiva proferida por um órgão jurisdicional de um país terceiro, é na condição de essa decisão ser o resultado de um processo que tenha, nomeadamente, respeitado os critérios de um processo equitativo partilhados pelos Estados‑Membros e suscetíveis de garantir os direitos de todas as partes no processo (46).

62.      O facto de o artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 enunciar um motivo de não execução facultativa, enquanto o artigo 3.o, n.o 2, dessa decisão prevê um motivo de não execução obrigatória, produz igualmente duas outras consequências que também são garantias suscetíveis de colmatar a falta de confiança mútua em relação a Estados terceiros.

63.      Por um lado, cabe, definitivamente, a cada Estado‑Membro escolher se deseja transpor o artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 e alargar o princípio ne bis in idem a situações transnacionais fora da União (47). Por outro lado, como demonstrei na minha análise da primeira questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, a aplicação concreta da exceção visada no artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser deixada à apreciação da autoridade judiciária de execução.

64.      Cabe, portanto, à autoridade judiciária competente determinar, além do caráter equitativo do processo conduzido no Estado terceiro, se os factos materiais em causa constituem um conjunto de factos indissociavelmente ligados no tempo, no espaço e pelo seu objeto (48).

65.      Na sua apreciação, a autoridade judiciária terá, por último, em consideração o objetivo da Decisão‑Quadro 2002/584, que consiste em que a infração cometida não fique impune e essa pessoa seja julgada ou cumpra a pena privativa de liberdade proferida contra ela (49). Com efeito, como já indiquei, as disposições da Decisão‑Quadro 2002/584 devem, é certo, ser interpretadas de maneira que possa assegurar a sua conformidade com as exigências do respeito dos direitos fundamentais das pessoas em causa — dos quais o princípio ne bis idem faz parte —, sem, no entanto, pôr em causa a efetividade do sistema de cooperação judiciária entre os Estados‑Membros, de que o mandado de detenção europeu constitui um dos elementos essenciais (50).

66.      Atendendo às considerações anteriores, concluo que o conceito de «mesmos factos» que figura no artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado da mesma forma que o utilizado no artigo 3.o, n.o 2, da referida decisão. Este conceito deve, portanto, ser interpretado no sentido de que visa apenas a materialidade dos factos, abrangendo um conjunto de circunstâncias concretas indissociavelmente ligadas entre si, independentemente da qualificação jurídica destes factos ou do interesse jurídico protegido.

D.      Quanto à terceira questão prejudicial

67.      Com a sua terceira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a condição prevista no artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584, relativa à execução das penas, deve ser interpretada no sentido de que está satisfeita quando a pessoa procurada tenha sido definitivamente condenada pelos mesmos factos a uma pena de prisão, parte da qual cumpriu no país onde a condenação foi proferida, beneficiando, no entanto, em relação ao remanescente da pena, de um perdão concedido por uma autoridade não judicial desse país, no âmbito de uma medida geral de clemência que também se aplica a pessoas condenadas por crimes graves e que não se baseia em considerações objetivas de política criminal.

68.      O significado a dar a esta condição é importante uma vez que pode impedir a recusa de execução do mandado de detenção europeu. Com efeito, se a pena não tiver sido cumprida na aceção do artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584, esta disposição impõe um regresso ao ponto de partida, ou seja, a entrega da pessoa em causa.

69.      A título preliminar, gostaria de deixar claro que irei tratar o fenómeno jurídico da clemência como foi definido pelo órgão jurisdicional de reenvio, a saber, como uma medida concedida por uma autoridade não judicial em benefício de um grupo de pessoas condenadas por factos graves e que não decorre de considerações objetivas de política criminal. Esta forma, neutra e geral, de definir o problema parece‑me particularmente relevante, tendo em conta a multiplicidade de medidas de clemência existentes (51) e a variabilidade da sua definição nas tradições jurídicas dos Estados‑Membros (52).

70.      Uma vez assim traçado o quadro de análise, pode observar‑se que a condição de execução está formulada em termos idênticos ao artigo 3.o, n.o 2, e ao artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584, mas também ao artigo 54.o da CAAS. Ora, o Tribunal de Justiça precisou, a respeito deste último artigo, que a condição de execução está preenchida quando se verificar que, no momento da abertura do segundo processo penal contra a mesma pessoa pelos mesmos factos que levaram à condenação no primeiro Estado contratante, a sanção decretada nesse primeiro Estado já não pode ser executada segundo as leis desse Estado (53).

71.      Não nos podemos limitar, contudo, a esta constatação, baseada no teor do artigo 54.o da CAAS, para interpretar o artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 e, ao fazê‑lo, ignorar o contexto em que esta disposição se insere e os objetivos prosseguidos pelo legislador da União. Com efeito, embora «a letra de uma disposição constitu[a] sempre o ponto de partida e ao mesmo tempo o limite de qualquer interpretação» (54), os outros métodos de interpretação só são facultativos se o texto em causa for absolutamente claro e inequívoco (55). Ora, no presente processo, impõe‑se referir que o enunciado do artigo em causa não permite, por si só, determinar o alcance da condição de execução.

72.      Desde logo, no que respeita ao contexto em que se inscreve o artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584, resulta claramente do artigo 3.o, n.o 1, desta decisão que o legislador da União estava ciente da potencial interferência das medidas de clemência na aplicação do mandado de detenção europeu.

73.      Nos termos dessa disposição, a autoridade judiciária de execução deve recusar a execução de um mandado de detenção europeu se a infração na origem desse mandado estiver abrangida por uma amnistia no Estado‑Membro de execução e esse Estado‑Membro for competente para o respetivo procedimento penal nos termos da sua própria lei penal. No entanto, o legislador da União limitou esta hipótese à amnistia em vigor no Estado‑Membro de execução e previu‑a apenas como um motivo de não execução obrigatória. O artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 não pode, portanto, ser interpretado no sentido de que autoriza a tomada em consideração de uma medida geral de clemência, quando resulta claramente de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a Decisão‑Quadro 2002/584 enuncia expressamente os motivos de não execução do mandado de detenção europeu(56) e a recusa de execução é concebida como uma exceção que deve ser objeto de interpretação estrita (57).

74.      Seguidamente, se considerarmos os objetivos prosseguidos pelo legislador da União, importa recordar que o mecanismo do mandado de detenção europeu é a primeira concretização do princípio do reconhecimento mútuo no domínio do direito penal. A Decisão‑Quadro 2002/584 procura, assim, substituir o anterior sistema multilateral de extradição por um sistema simplificado e mais eficaz de entrega entre autoridades judiciárias (58). Trata‑se, portanto, de uma «jurisdicionalização» da extradição: enquanto a extradição é um ato de soberania, o mandado de detenção europeu é um ato judicial (59).

75.      É por este motivo que a Decisão‑Quadro 2002/584 instaurou um mecanismo de cooperação entre as autoridades judiciárias dos Estados‑Membros (60), devendo essas autoridades ser entendidas, no contexto desta decisão‑quadro, como as autoridades que participam — de forma independente (61)— na administração da justiça penal (62).

76.      Ora, a medida de clemência tal como definida pelo órgão jurisdicional de reenvio, por um lado, é concedida por uma autoridade não judicial e, por outro, não se integra, de forma nenhuma, numa perspetiva de política penal. Consequentemente, tomar em consideração essa medida na aplicação do artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 seria contrário à filosofia de um sistema que transforma o mandado de detenção europeu num instrumento de justiça penal e põe as autoridades judiciárias dos Estados‑Membros no cerne do seu funcionamento.

77.      Além disso, essa interpretação seria igualmente incompatível com o princípio ne bis in idem, uma vez que este princípio se baseia na lógica da confiança mútua e esta só pode operar na esfera da aplicação judicial da lei (63). As autoridades judiciárias são, de facto, as mais bem colocadas para conciliar, após uma análise concreta e individualizada, os direitos fundamentais das pessoas em causa e a efetividade do sistema de cooperação judiciária entre os Estados‑Membros.

78.      Tendo em conta as considerações anteriores, a condição de execução imposta no artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve, portanto, na minha opinião, ser interpretada no sentido de que não abrange o perdão de uma pena concedido por uma autoridade não judicial do país terceiro do qual emana a condenação definitiva, perdão esse concedido no âmbito de uma medida geral de clemência que também se aplica a pessoas condenadas por crimes graves e que não se baseia em considerações objetivas de política criminal.

VI.    Conclusão

79.      À luz das considerações anteriores, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão, Países Baixos) da seguinte forma:

1)      O artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que, quando um Estado‑Membro opta por transpor esta disposição para o seu direito interno, é obrigado a conceder à autoridade judiciária de execução uma margem de apreciação para efeitos de determinar se deve ou não recusar a execução do mandado de detenção europeu pelo motivo referido nesta disposição.

2)      O conceito de «mesmos factos» que figura no artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299, deve ser interpretado da mesma forma que o utilizado no artigo 3.o, n.o 2, da referida decisão. Este conceito visa apenas a materialidade dos factos. Abrange um conjunto de circunstâncias concretas indissociavelmente ligadas entre si, independentemente da qualificação jurídica destes factos ou do interesse jurídico protegido.

3)      A condição de execução imposta no artigo 4.o, n.o 5, da Decisão‑Quadro 2002/584, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299, deve ser interpretada no sentido de que não abrange o perdão de uma pena concedido por uma autoridade não judicial do país terceiro do qual emana a condenação definitiva, perdão esse concedido no âmbito de uma medida geral de clemência que também se aplica a pessoas condenadas por crimes graves e que não se baseia em considerações objetivas de política criminal.


1      Língua original: francês.


2      JO 2002, L 190, p. 1.


3      JO 2009, L 81, p. 24.


4      Stb. 2004, n.o 195.


5      Stb. 2017, n.o 82.


6      V., neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2020, SF (Mandado de detenção europeu — Garantia de entrega ao Estado de execução) (C‑314/18, EU:C:2020:191, n.o 42).


7      V., neste sentido, Acórdãos de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judicial) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 35), e de 11 de março de 2020, SF (Mandado de detenção europeu — Garantia de entrega ao Estado de execução) (C‑314/18, EU:C:2020:191, n.o 35).


8      V., neste sentido, Acórdãos de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judicial) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 36), e de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judicial de emissão) (C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 35).


9      V. considerandos 6 e 10 da Decisão‑Quadro 2002/584. V., também, neste sentido, Acórdãos de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judicial) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.os 39 e 40), e de 11 de março de 2020, SF (Mandado de detenção europeu — Garantia de entrega ao Estado de execução) (C‑314/18, EU:C:2020:191, n.os 37 e 38).


10      V., neste sentido, Acórdãos de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judicial) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 41); de 11 de março de 2020, SF (Mandado de detenção europeu — Garantia de entrega ao Estado de execução) (C‑314/18, EU:C:2020:191, n.o 39); e de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão (C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 37).


11      Acórdãos de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judicial) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 42), e de 11 de março de 2020, SF (Mandado de detenção europeu — Garantia de entrega ao Estado de execução) (C‑314/18, EU:C:2020:191, n.o 40).


12      V. artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584. V., igualmente, neste sentido, Acórdão de 10 de agosto de 2017, Tupikas (C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.o 59).


13      V., neste sentido, Acórdão de 10 de agosto de 2017, Tupikas (C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.o 63).


14      Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Popławski (C‑579/15, EU:C:2017:116, n.o 26).


15      Assim, o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, que «se transpuserem o artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584 para o seu direito interno […]» [Acórdão de 5 de setembro de 2012, Lopes da Silva Jorge (C‑42/11, EU:C:2012:517, n.o 50 (o sublinhado é meu)], ou ainda que «[…] quando um Estado‑Membro tenha optado por transpor [o artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584] para o direito interno» [Acórdão de 29 de junho de 2017, Popławski (C‑579/15, EU:C:2017:503, n.o 21) (o sublinhado é meu)]. V., igualmente, Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Sut (C‑514/17, EU:C:2018:1016, n.o 33).


16      V., nomeadamente, a propósito do artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, Acórdãos de 29 de junho de 2017, Popławski (C‑579/15, EU:C:2017:503, n.o 21); de 13 de dezembro de 2018, Sut (C‑514/17, EU:C:2018:1016, n.o 33); e de 24 de junho de 2019, Popławski (C‑573/17, EU:C:2019:530, n.os 86 e 99); a propósito do artigo 4.o‑A da mesma decisão, v. Acórdãos de 24 de maio de 2016, Dworzecki (C‑108/16 PPU, EU:C:2016:346, n.o 50); de 10 de agosto de 2017, Tupikas (C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.o 96); e de 17 de dezembro de 2020, Generalstaatsanwaltschaft Hamburg (C‑416/20 PPU, EU:C:2020:1042, n.o 51).


17      Acórdão de 29 de junho de 2017, Popławski (C‑579/15, EU:C:2017:503, n.o 21).


18      V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Popławski (C‑579/15, EU:C:2017:116, n.o 30).


19      O sublinhado é meu.


20      O sublinhado é meu.


21      V., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Sut (C‑514/17, EU:C:2018:1016, n.o 33).


22      V. n.o 34 das presentes conclusões e referências indicadas na nota 10.


23      V., neste sentido, a propósito do artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Popławski (C‑579/15, EU:C:2017:116, n.o 31).


24      V., neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2020, SF (Mandado de detenção europeu — Garantia de entrega ao Estado de execução) (C‑314/18, EU:C:2020:191, n.o 47).


25      V., neste sentido, a propósito do artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, Acórdão de 29 de junho de 2017, Popławski (C‑579/15, EU:C:2017:503, n.o 23). V., igualmente, para uma afirmação e uma aplicação do princípio segundo o qual a impunidade da pessoa procurada é incompatível com o objetivo prosseguido pela Decisão‑Quadro 2002/584, Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski (C‑573/17, EU:C:2019:530, n.os 82 e 103).


26      V., neste sentido, Acórdãos de 10 de agosto de 2017, Tupikas (C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.o 96), e de 17 de dezembro de 2020, Generalstaatsanwaltschaft Hamburg (C‑416/20 PPU, EU:C:2020:1042, n.o 51). V., igualmente, a propósito da incidência de uma hipótese de não execução facultativa na necessidade de conceder às autoridades judiciárias um poder de apreciação — neste caso, o artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584 —, Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski (C‑573/17, EU:C:2019:530, n.os 86 e 99).


27      V., neste sentido, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo JR (Mandado de detenção — Condenação num terceiro Estado, membro do EEE) (C‑488/19, EU:C:2020:738, n.o 34).


28      V., por analogia, a respeito do conceito de «mesmos factos» que figura no artigo 3.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, Acórdão de 16 de novembro de 2010, Mantello (C‑261/09, EU:C:2010:683, n.o 38).


29      JO 2000, L 239, p. 19.


30      Acórdão de 16 de novembro de 2010, Mantello (C‑261/09, EU:C:2010:683, n.o 40).


31      Acórdão de 16 de novembro de 2010, Mantello (C‑261/09, EU:C:2010:683, n.o 39).


32      Acórdão de 16 de novembro de 2010, Mantello (C‑261/09, EU:C:2010:683, n.o 40).


33      V., neste sentido, Acórdão de 10 de novembro de 2016, Özçelik (C‑453/16 PPU, EU:C:2016:860, n.o 33).


34      V., neste sentido, Acórdão de 20 de março de 2018, Menci (C‑524/15, EU:C:2018:197, n.os 25, 34 e 35). Observe‑se, de resto, que o Tribunal de Justiça remete, nomeadamente, para o n.o 35 daquele acórdão, nos n.os 39 e 40 do Acórdão de 16 de novembro de 2010, Mantello (C‑261/09, EU:C:2010:683), relativos à interpretação do artigo 3.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584.


35      Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Slovak Telekom (C‑857/19, EU:C:2021:139, n.o 39).


36      V., por exemplo, Acórdão de 20 de março de 2018, Menci (C‑524/15, EU:C:2018:197).


37      V. as minhas Conclusões no processo LG e MH (Autobranqueamento) (C‑790/19, EU:C:2021:15, n.os 50 e 51).


38      V., neste sentido, TEDH, 10 de fevereiro de 2009, Zolotukhin c. Rússia, EC:ECHR:2009:0210JUD001493903, §§ 78 a 82, e, para uma aplicação mais recente, TEDH, 19 de dezembro de 2017, Ramda c. França, EC:ECHR:2017:1219JUD007847711.


39      V. artigo 14.o, n.o 7, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, que foi adotado pela Assembleia Geral da ONU em 16 de dezembro de 1966 e entrou em vigor em 23 de março de 1976.


40      V., neste sentido, Rafaraci, T., «The principle of non bis in idem in the jurisprudence of the European Court of Justice», em Le contrôle juridictionnel dans l'espace pénal européen, Éditions de l'Université de Bruxelles, Bruxelas, 2009, pp. 93 a 110, particularmente p. 93.


41      V. n.o 32 das presentes conclusões e referências citadas na nota 8.


42      V., a este respeito, Acórdãos de 11 de fevereiro de 2003, Gözütok e Brügge (C‑187/01 e C‑385/01, EU:C:2003:87, n.o 33), e de 9 de março de 2006, Van Esbroeck (C‑436/04, EU:C:2006:165, n.o 30).


43      V., neste sentido, Acórdão de 29 de junho de 2006, Showa Denko/Comissão (C‑289/04 P, EU:C:2006:431, n.o 58).


44      V., neste sentido, artigo 58.o da CAAS, segundo o qual o disposto nesta convenção «não prejudica a aplicação das disposições nacionais mais amplas relativas ao efeito ne bis in idem associado às decisões judiciais proferidas no estrangeiro».


45      V., por analogia, Acórdão de 10 de agosto de 2017, Tupikas (C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.os 59 e 63).


46      A este respeito, com base nas observações escritas e orais de X, parece que o processo penal que levou à sua condenação no Irão não foi um julgamento fictício. Da mesma forma, tendo em conta as condições de detenção descritas por X, a sentença proferida parece ter sido bastante severa. Na hipótese de o juiz de reenvio concluir que o mandado de detenção europeu deve ser executado, aquelas circunstâncias podem, sem dúvida, ser igualmente tidas em conta pelos órgãos jurisdicionais alemães.


47      V. n.o 39 das presentes conclusões e referências citadas na nota 15.


48      V., neste sentido, Acórdãos de 9 de março de 2006, Van Esbroeck (C‑436/04, EU:C:2006:165, n.o 38), e de 18 de julho de 2007, Kraaijenbrink (C‑367/05, EU:C:2007:444, n.o 27).


49      V., neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2020, SF (Mandado de detenção europeu — Garantia de entrega ao Estado de execução) (C‑314/18, EU:C:2020:191, n.o 47).


50      V., neste sentido, Acórdão de 10 de agosto de 2017, Tupikas (C‑270/17 PPU, EU:C:2017:628, n.o 63).


51      A amnistia e o perdão vêm espontaneamente à mente. Algumas pessoas ainda associam a prescrição e a libertação condicional, embora estas medidas não sejam as únicas hipóteses possíveis (v., neste sentido, Mathieu, B., e Verpeaux, M., «Conclusions comparatives», em Ruiz Fabri, H., Della Morte, G., Lambert Abdelgawad, E., Martin‑Chenut, K., La clémence saisie par le droit. Amnistie, prescription et grâce en droit international et comparé, Société de législation comparée, coll. de l'UMR de droit comparé de Paris, vol. 14, Paris, 2007, pp. 311 a 318).


52      Mais que não seja em razão de uma eventual distinção entre, por um lado, as medidas de clemência em sentido estrito («executive clemency») — reservadas ao poder executivo — e, por outro, a amnistia — que é um ato legislativo (ver, neste sentido, nos sistemas de common law, Pascoe, D., e Manikis, M., «Making Sense of the Victim’s Role in Clemency Decision Making», International Review of Victimology, vol. 26(I), 2020, pp. 3 a 28, particularmente pp. 4, 5, 8 e 9). V., igualmente, a favor da tese da inexistência de uma definição comum, as discussões em torno dos conceitos de «perdão», «amnistia» e «prescrição», «Les institutions de clémence, regards de droit compare», em Ruiz Fabri, H., Della Morte, G., Lambert Abdelgawad, E., Martin‑Chenut, K., La clémence saisie par le droit, op. cit., pp. 275 a 309).


53      Acórdão de 11 de dezembro de 2008, Bourquain (C‑297/07, EU:C:2008:708, n.o 48).


54      Conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak no processo Agrana Zucker (C‑33/08, EU:C:2009:99, n.o 37).


55      V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo França/Parlamento (Exercício do poder orçamental) (C‑73/17, EU:C:2018:386, n.o 25).


56      V., neste sentido, acórdãos referidos na nota 11 das presentes conclusões.


57      V., neste sentido, acórdãos referidos na nota 10 das presentes conclusões.


58      V. n.o 33 das presentes conclusões.


59      V., neste sentido, Jegouzo, I., «Le mandat d'arrêt européen, acte de naissance de l'Europe judiciaire pénale», emCartier, M.‑E., Le mandat d'arrêt européen, Bruylant, Bruxelas, 2005, pp. 33 a 45, particularmente p. 42; Bot, S., Le mandat d'arrêt européen, Larcier, n.o 215, Bruxelas, 2009.


60      V., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski (C‑573/17, EU:C:2019:530, n.o 96).


61      V., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão) (C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 38).


62      V., neste sentido, Acórdão de 10 de novembro de 2016, Özçelik (C‑453/16 PPU, EU:C:2016:860, n.o 32).


63      V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Bourquain (C‑297/07, EU:C:2008:206, n.o 83).