Language of document : ECLI:EU:T:2023:583

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

27 de setembro de 2023 (*)

«Auxílios de Estado — Regime de auxílios executado pela Espanha — Deduções do imposto sobre o rendimento das sociedades que permitem às empresas com domicílio fiscal em Espanha amortizar o goodwill resultante de aquisições indiretas de participações em empresas estrangeiras através da aquisição direta de participações em holdings não residentes — Decisão que declara o regime de auxílios ilegal e incompatível com o mercado interno e que ordena a recuperação dos auxílios pagos — Decisão 2011/5/CE — Decisão 2011/282/UE — Âmbito de aplicação — Revogação de um ato — Segurança jurídica — Confiança legítima»

Nos processos T‑12/15, T‑158/15 e T‑258/15,

Banco Santander, S. A., com sede em Santander (Espanha),

Santusa Holding, S. L., com sede em Boadilla del Monte (Espanha),

representadas por E. Abad Valdenebro, R. Calvo Salinero, A. Lamadrid de Pablo e V. Romero Algarra, advogados,

recorrentes no processo T‑12/15,

Abertis Infraestructuras, S. A., com sede em Barcelona (Espanha),

Abertis Telecom Satélites, S. A., com sede em Madrid (Espanha),

representadas por Lamadrid de Pablo, M. Santa María Fernández, Abad Valdenebro, Calvo Salinero, M. Cenzual Aldaz e Romero Algarra, advogados,

recorrentes no processo T‑158/15,

Axa Mediterranean Holding, S. A., com sede em Palma de Maiorca (Espanha), representada por Lamadrid de Pablo, Abad Valdenebro, Calvo Salinero, Romero Algarra e I. Otaegi Amundarain, advogados,

recorrente no processo T‑258/15,

contra

Comissão Europeia, representada por P. Němečková, B. Stromsky e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto, na deliberação, por: J. Svenningsen, presidente, C. Mac Eochaidh (relator) e T. Pynnä, juízes,

secretário: P. Núñez Ruiz, administradora,

vistos os autos,

tendo em conta os Despachos de 9 de março de 2015, Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑12/15, não publicado), e de 10 de junho de 2015, Abertis Infraestructuras e Abertis Telecom Satélites/Comissão (T‑158/15, não publicado), bem como a Decisão de 17 de julho de 2015 que suspende a instância até à decisão do Tribunal de Justiça que põe termo à instância no processo C‑20/15 P, Comissão/Autogrill España, ou no processo C‑21/15 P, Comissão/Banco Santander e Santusa,

tendo em conta o Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981), que anulou os Acórdãos de 7 de novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, EU:T:2014:938), e de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão (T‑219/10, EU:T:2014:939),

tendo em conta as Decisões de 18 de março de 2019, de suspender a instância até à decisão que põe termo à instância nos processos C‑51/19 P, World Duty Free Group/Comissão, C‑53/19 P, Banco Santander e Santusa/Comissão, C‑64/19 P, Espanha/Comissão e C‑65/19 P, Espanha/Comissão, ou no processo C‑274/14, Banco de Santander,

tendo em conta os Acórdãos de 6 de outubro de 2021, Sigma Alimentos Exterior/Comissão (C‑50/19 P, EU:C:2021:792), de 6 de outubro de 2021, World Duty Free Group e Espanha/Comissão (C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:793), de 6 de outubro de 2021, Banco Santander/Comissão (C‑52/19 P, EU:C:2021:794), de 6 de outubro de 2021, Banco Santander e o./Comissão (C‑53/19 P e C‑65/19 P, EU:C:2021:795), de 6 de outubro de 2021, Axa Mediterranean/Comissão (C‑54/19 P, EU:C:2021:796), e de 6 de outubro de 2021, Prosegur Compañía de Seguridad/Comissão (C‑55/19 P, EU:C:2021:797),

após a audiência de 15 e 16 de novembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Com os seus recursos baseados no artigo 263.o TFUE, as recorrentes, a Banco Santander, S. A., a Santusa Holding, S. L., a Abertis Infraestructuras, S. A., a Abertis Telecom Satélites, S. A., e a Axa Mediterranean Holding, S. A., pedem a anulação da Decisão (UE) 2015/314 da Comissão, de 15 de outubro de 2014, relativa ao auxílio estatal SA.35550 (13/C) (ex 13/NN) (ex 12/CP) concedido pela Espanha — Regime de amortização fiscal do goodwill financeiro em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras (JO 2015, L 56, p. 38; a seguir «decisão impugnada»).

 Antecedentes do litígio

 Direito espanhol

2        O artigo 12.o, n.o 5, da Ley 43/1995 del Impuesto sobre Sociedades (Lei n.o 43/1995, relativa ao Imposto sobre o Rendimento das Sociedades), de 27 de dezembro de 1995 (BOE n.o 310, de 28 de dezembro de 1995, p. 37072), introduzido pela Ley 24/2001 de Medidas Fiscales, Administrativas y del Orden Social (Lei n.o 24/2001, relativa à Adoção de Medidas Fiscais, Administrativas e de Caráter Social), de 27 de dezembro de 2001 (BOE n.o 313, de 31 de dezembro de 2001, p. 50493), e retomado pelo Real Decreto Legislativo 4/2004 por el que se aprueba el Texto refundido de la Ley del Impuesto sobre Sociedades (Decreto Legislativo Real n.o 4/2004, relativo à Aprovação das Alterações Efetuadas à Lei relativa ao Imposto sobre o Rendimento das Sociedades), de 5 de março de 2004 (BOE n.o 61, de 11 de março de 2004, p. 10951; a seguir «TRLIS»), entrou em vigor em 1 de janeiro de 2002.

3        Segundo o considerando 17 da decisão impugnada, o artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS prevê o seguinte:

«O goodwill financeiro é definido […] como a parte da diferença entre o preço de compra da participação e o seu valor contabilístico na data da aquisição que não tenha sido contabilizada nos bens e direitos da entidade não residente. Essa parte da diferença seria dedutível da matéria coletável, até um máximo anual de um vigésimo do seu valor. Isto sem prejuízo das regras contabilísticas aplicáveis.»

4        O considerando 18 da decisão impugnada enuncia o seguinte:

«O artigo 21.o do TRLIS estabelece os requisitos que o rendimento da entidade não residente em território espanhol deverá cumprir para que a empresa residente possa aplicar a dedução que consta do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS:

a)      a percentagem de participação — direta ou indireta — no capital ou nos fundos próprios da entidade não residente deve ser de, pelo menos, 5 %. Além disso, a participação deve ser propriedade da empresa residente durante, pelo menos, um ano ininterrupto;

b)      a entidade não residente deve estar sujeita a um imposto estrangeiro semelhante ao imposto sobre o rendimento das sociedades. Considera‑se que esta condição foi preenchida se o país de residência da empresa participada tiver assinado uma convenção fiscal com a Espanha para evitar a dupla tributação internacional e que deve conter uma cláusula sobre o intercâmbio de informação;

c)      os lucros deverão resultar de atividades empresariais realizadas no estrangeiro. Esta condição está preenchida quando, pelo menos, 85 % do rendimento cumpre os critérios seguintes:

i)      as receitas da entidade não residente são obtidas no estrangeiro e não podem ser incluídas na matéria coletável devido à aplicação de regras internacionais de transparência fiscal. Em especial, considera‑se que as receitas satisfazem este requisito se derivarem das seguintes atividades:

–        comércio por grosso, quando os bens são colocados à disposição dos compradores no país ou território de residência da entidade não residente, ou em qualquer país ou território que não seja a Espanha, desde que as operações sejam realizadas pela entidade não residente,

–        serviços prestados no território em que a empresa não residente tem o seu domicílio fiscal, desde que as operações sejam realizadas pela empresa não residente,

–        serviços financeiros prestados a clientes que não tenham o seu domicílio fiscal na Espanha, desde que as operações sejam realizadas pela entidade não residente,

–        serviços de seguros relativos a riscos situados num território ou país que não seja a Espanha, desde que os serviços de seguros sejam prestados pela entidade não residente;

ii)      dividendos ou participações nos lucros em entidades não residentes, decorrentes de participações indiretas que satisfaçam os requisitos que constam do artigo 21.o, n.o 1, alínea a), do TRLIS. E ainda as mais‑valias resultantes da transmissão de participações em empresas não residentes, desde que cumpram os requisitos do artigo 21.o, n.o 2, do TRLIS.»

5        Segundo o considerando 25 da decisão impugnada, as aquisições diretas de participações constituem a compra de participações no capital próprio de uma empresa por parte de uma sociedade (a seguir «aquisições diretas de participações»). Em contrapartida, as aquisições indiretas de participações constituem as compras, por uma sociedade, de participações no capital próprio de uma empresa no segundo nível ou em níveis ulteriores, em consequência de aquisições diretas anteriores. Ao fazê‑lo, a empresa adquirente converte‑se indiretamente em titular de participações em empresas situadas no segundo nível ou em níveis ulteriores (a seguir «aquisições indiretas de participações»).

6        Segundo o considerando 40 da decisão impugnada, o artigo 15.o do Real Decreto 1777/2004 por el que se aprueba el Reglamento del Impuesto sobre Sociedades (Decreto Real n.o 1777/2004, que aprova o Regulamento do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades), de 30 de julho de 2004 (BOE n.o 189, de 6 de agosto de 2004, p. 28377), prevê que os sujeitos passivos que pretendam beneficiar da dedução fiscal prevista no artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS apresentam, juntamente com a sua declaração de imposto sobre o rendimento das sociedades, diversas informações «no que diz respeito à empresa detida diretamente».

7        Resulta igualmente da decisão impugnada que o sistema espanhol de cobrança do imposto sobre as sociedades se baseia num procedimento de autoliquidação, previsto no artigo 137.o do TRLIS.

8        Este procedimento de autoliquidação está definido no artigo 120.o da Ley 58/2003 General Tributaria (Lei n.o 58/2003, que aprova o Código Geral dos Impostos), de 17 de dezembro de 2003 (BOE n.o 302, de 18 de dezembro de 2003, p. 44987; a seguir «LGT»), nos seguintes termos:

«l.      As autoliquidações são declarações em que os sujeitos passivos não só comunicam à administração os dados necessários para a liquidação do imposto, bem como outras informações, mas efetuam igualmente as operações de qualificação e quantificação necessárias para determinar e pagar o montante da dívida fiscal ou, se for caso disso, determinar o montante a reembolsar ou a compensar.

2.      As autoliquidações apresentadas pelos sujeitos passivos podem ser objeto de verificações e de uma fiscalização da administração, que procederá, se for caso disso, à liquidação que se impõe […]»

 Respostas às perguntas dos deputados do Parlamento

9        Por meio de várias perguntas escritas apresentadas em 2005 e 2006 (com as referências E‑4431/05, E‑4772/05, E‑5800/06 e P‑5509/06), os deputados do Parlamento Europeu questionaram a Comissão Europeia sobre a compatibilidade do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS com as regras em matéria de auxílios de Estado.

10      Nas suas respostas de 19 de janeiro e 17 de fevereiro de 2006, dadas, respetivamente, às perguntas E‑4431/05 e E‑4772/05, a Comissão afirmou que o regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS não era abrangido pelo âmbito de aplicação das regras em matéria de auxílios de Estado.

 Decisões 2011/5 e 2011/282

11      Por carta de 26 de março de 2007, a Comissão convidou as autoridades espanholas a fornecer‑lhe informações que lhe permitissem determinar o alcance e os efeitos do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS. A Comissão convidou, nomeadamente, o Reino de Espanha a precisar os tipos de operações que estavam abrangidas por esta disposição. Com efeito, segundo a análise preliminar dos serviços da Comissão, a impossibilidade de deduzir as participações adquiridas numa sociedade holding restringe excessivamente o número de potenciais beneficiários do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS.

12      Por carta de 4 de junho de 2007, as autoridades espanholas responderam à Comissão que, segundo o critério administrativo então aplicável, apenas o goodwill financeiro resultante de aquisições diretas de participações era dedutível ao abrigo do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS (a seguir «interpretação administrativa inicial»).

13      Por Decisão de 10 de outubro de 2007, cujo resumo foi publicado em 21 de dezembro de 2007 (JO 2007, C 311, p. 21), a Comissão deu início a um procedimento formal de investigação relativamente ao regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS (a seguir «primeiro procedimento formal de investigação»).

14      Em 28 de outubro de 2009, a Comissão adotou a Decisão 2011/5/CE, relativa à amortização para efeitos fiscais da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras Processo C 45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) aplicada pela Espanha (JO 2011, L 7, p. 48; a seguir «primeira decisão»). Com esta decisão, a Comissão declarou o regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS incompatível com o mercado interno, quando aplicado às aquisições de participações em sociedades estabelecidas na União Europeia (artigo 1.o, n.o 1, da referida decisão), e intimou o Reino de Espanha a recuperar os auxílios correspondentes às reduções fiscais concedidas com base nesse regime (artigo 4.o da mesma decisão).

15      Em 12 de janeiro de 2011, a Comissão adotou a Decisão 2011/282/UE, relativa à amortização para efeitos fiscais do goodwill financeiro, em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras C 45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) aplicada pela Espanha (JO 2011, L 135, p. 1; a seguir «segunda decisão»), seguindo o mesmo procedimento formal que deu origem à primeira decisão. Através desta decisão, que dizia respeito às aquisições de participações em sociedades estrangeiras estabelecidas não na União, mas fora da mesma, e que foi objeto de correções em 3 de março e 26 de novembro de 2011, a Comissão declarou, nomeadamente, incompatível com o mercado interno o regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, quando aplicado às aquisições de participações em empresas estabelecidas fora da União (artigo 1.o, n.o 1, da referida decisão), e intimou o Reino de Espanha a recuperar os auxílios concedidos (artigo 4.o da mesma decisão).

16      No entanto, tendo em conta o seu reconhecimento, na primeira decisão e na segunda decisão (a seguir, em conjunto, «decisões iniciais»), de uma confiança legítima em relação a certas empresas beneficiárias do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, a Comissão admitiu que esse regime podia continuar a aplicar‑se durante todo o período de amortização por ele previsto, primeiro, às aquisições de participações efetuadas antes da publicação no Jornal Oficial da União Europeia, em 21 de dezembro de 2007, da decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, segundo, às aquisições de participações cuja realização, sujeita à autorização de uma autoridade reguladora à qual a operação tenha sido notificada antes dessa data, estava irrevogavelmente iniciada antes de 21 de dezembro de 2007, terceiro, às aquisições de participações maioritárias, efetuadas antes da publicação da segunda decisão no Jornal Oficial da União Europeia, em 21 de maio de 2011, em empresas estrangeiras estabelecidas na China, na Índia ou noutros países terceiros em que tenha sido demonstrada ou seja possível demonstrar a existência de obstáculos jurídicos expressos às concentrações transfronteiriças de empresas e, quarto, às aquisições de participações em empresas estrangeiras estabelecidas na China, na Índia ou noutros países terceiros em que tenha sido demonstrada ou seja possível demonstrar a existência de obstáculos jurídicos expressos às concentrações transfronteiriças de empresas e cuja realização, sujeita à autorização de uma autoridade reguladora à qual a operação tenha sido notificada antes dessa data, tenha sido irrevogavelmente iniciada antes de 21 de maio de 2011 (artigo 1.o, n.os 2 e 3, da primeira decisão e artigo 1.o, n.os 2 a 5, da segunda decisão). Assim, os auxílios que tenham sido pagos em aplicação do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS e que preenchem um dos requisitos acima referidos não estavam, por conseguinte, abrangidos pela obrigação de recuperação (artigo 4.o, n.o 1, da primeira decisão e artigo 4.o, n.o 1, da segunda decisão).

 Nova interpretação administrativa

17      Por correio eletrónico de 12 de abril de 2012, as autoridades espanholas informaram a Comissão de que, em 21 de março de 2012, a Dirección General de Tributos (Direção‑Geral dos Impostos, Espanha; a seguir «DGT») tinha emitido o parecer vinculativo com a referência V0608‑12, que era igualmente aplicável às operações realizadas antes dessa data (a seguir «nova interpretação administrativa»).

18      No considerando 40 da decisão impugnada, a Comissão resumiu os principais motivos que, em seu entender, levaram a DGT e, posteriormente, o Tribunal Económico‑Administrativo Central (Tribunal Económico e Administrativo Central, Espanha) a alterar o âmbito de aplicação do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, de modo que incluísse as aquisições indiretas de participações. Os motivos são os seguintes:

«a)      em primeiro lugar, a DGT e o [Tribunal Económico‑Administrativo Central (Tribunal Económico e Administrativo Central)] remetem para o artigo 21.o, n.o 1, alínea c), do TRLIS para argumentar que as aquisições indiretas também podem beneficiar da dedução que consta do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS. De acordo com a DGT e o [Tribunal Económico‑Administrativo Central (Tribunal Económico e Administrativo Central)], o requisito de exercer uma atividade económica pode ser igualmente satisfeito quando a entidade operacional está no segundo nível ou ulteriores. Em especial, a DGT e o [Tribunal Económico‑Administrativo Central (Tribunal Económico e Administrativo Central)] referem o artigo 21.o, n.o 1, alínea c), ponto 2, do TRLIS, em que se afirma explicitamente que os dividendos resultantes de participações diretas ou indiretas também devem ser abrangidos pela disposição. A DGT e o [Tribunal Económico‑Administrativo Central (Tribunal Económico e Administrativo Central)] concluem que o facto de a empresa operacional se situar num segundo nível ou num nível ulterior não deve ser um obstáculo à aplicação da dedução que consta do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS;

b)      em segundo lugar, a DGT e o [Tribunal Económico‑Administrativo Central (Tribunal Económico e Administrativo Central)] referem a fundamentação da disposição: dado que o artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS visa fomentar a internacionalização e o investimento estrangeiro das empresas espanholas, seria contrário ao espírito da disposição excluir da aplicação do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS os investimentos realizados por empresas espanholas em holdings não residentes. Além disso, a DGT e o [Tribunal Económico‑Administrativo Central (Tribunal Económico e Administrativo Central)] alegam que a realidade económica mostra que a aquisição de participações em empresas não residentes é, muitas vezes, realizada através da aquisição de uma holding. O facto de um investimento ser realizado através da aquisição de participações numa holding é uma circunstância exógena que não depende da empresa que adquire a holding, mas da forma como o mercado está estruturado. A presença de empresas intermédias como as holdings não deve ser um obstáculo à realização de investimentos, nem deveria conduzir à discriminação entre os diferentes tipos de aquisições;

c)      em terceiro lugar, a DGT e o [Tribunal Económico‑Administrativo Central (Tribunal Económico e Administrativo Central)] argumentam que foram feitas referências constantes tanto às aquisições diretas como às indiretas nos textos [das decisões iniciais] da Comissão. A DGT e o [Tribunal Económico‑Administrativo Central (Tribunal Económico e Administrativo Central)] inferem da redação das duas decisões que a Comissão […] aceita a dedução do goodwill financeiro tanto no que se refere às aquisições diretas de participações como às aquisições indiretas;

d)      em quarto lugar, a DGT também reconhece que esta interpretação é feita não obstante a obrigação de fornecer informação que consta do artigo 15.o do [Decreto Real n.o 1777/2004, que aprova o Regulamento do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades]. [Este artigo] exige exclusivamente o fornecimento de informações sobre a aquisição da empresa diretamente adquirida, de modo a ser possível a aplicação do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS. Se esta dedução também fosse aplicável às aquisições indiretas, teria sido lógico incluir igualmente as aquisições indiretas, por uma questão de maior transparência. No entanto, isto não deve ser um elemento dissuasor de uma interpretação ampla do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS;

e)      por último, a fim de aplicar a dedução às aquisições indiretas, é necessário transformar a participação indireta numa participação direta através de uma operação de fusão prévia. Seria contrário ao princípio de neutralidade fiscal tratar diferentemente, de um ponto de vista fiscal, uma aquisição que conduza a uma concentração de empresas e uma aquisição de participações que não resulte numa concentração de empresas. A DGT e o [Tribunal Económico‑Administrativo Central (Tribunal Económico e Administrativo Central)] concluem que a dedução também deve ser possível em níveis diferentes de aquisição de participações. De resto, é necessário demonstrar através de um balanço consolidado ou qualquer outro meio jurídico que parte do preço de compra das participações corresponde ao goodwill financeiro de uma participação “indiretamente” adquirida numa empresa operacional.»

 Processo que conduziu à adoção da decisão impugnada

19      Entre 4 de julho de 2012 e 1 de julho de 2013, a Comissão dirigiu ao Reino de Espanha diversas questões e pedidos de informações a respeito da nova interpretação administrativa. Em 17 de julho de 2013, a Comissão informou o Reino de Espanha da sua decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, tendo em conta os efeitos que resultariam desta nova interpretação administrativa (a seguir «segundo procedimento formal de investigação»). Essa decisão foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia em 7 de setembro de 2013 (JO 2013, C 258, p. 8). A Comissão convidou o Reino de Espanha e os terceiros interessados a apresentar as suas observações.

20      Na sequência do segundo procedimento formal de investigação, a Comissão adotou a decisão impugnada.

21      No considerando 94 da decisão impugnada, a Comissão precisou que essa decisão dizia unicamente respeito aos efeitos da nova interpretação administrativa, que tinha sido introduzida pelas autoridades espanholas após a adoção das decisões iniciais.

22      Com efeito, segundo a Comissão, o objetivo das decisões iniciais foi avaliar a compatibilidade do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, conforme apresentado pelas autoridades espanholas durante o procedimento administrativo que conduziu à adoção dessas decisões, com o mercado interno. Ora, na carta de 4 de junho de 2007, referida no n.o12, supra, o Reino de Espanha explicou à Comissão que a prática administrativa relevante apenas permitia a dedução do goodwill financeiro no que se refere a aquisições diretas de participações em empresas operacionais. Por último, ainda segundo a Comissão, a DGT e o Tribunal Económico‑Administrativo Central (Tribunal Económico e Administrativo Central) aplicaram, consistente e sistematicamente, o artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS unicamente às aquisições diretas de participações em empresas operacionais desde 1 de janeiro de 2002, data da entrada em vigor do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, até à adoção da nova interpretação administrativa em março de 2012 (considerandos 95 a 98 da decisão impugnada).

23      A Comissão observou igualmente que a nova interpretação administrativa, introduzida pelas autoridades espanholas em março de 2012, tinha ampliado o âmbito de aplicação do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, uma vez que a medida passou a ser aplicável não só ao goodwill financeiro resultante de aquisições diretas de participações em empresas não residentes mas também ao goodwill financeiro decorrente de aquisições indiretas de participações em empresas não residentes através da aquisição de participações numa holding (considerando 99 da decisão impugnada).

24      A Comissão deduziu destes elementos que a nova interpretação administrativa não estava abrangida pelas decisões iniciais. Além disso, esta nova interpretação administrativa não podia, segundo a Comissão, ser qualificada de «auxílio existente» na aceção do artigo 1.o, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1), uma vez que as decisões iniciais já tinham concluído que o regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, conforme implementado pelas autoridades espanholas, constituía um regime de auxílios ilegal e incompatível com o mercado interno. Segundo a Comissão, a nova interpretação administrativa constituía assim um «novo auxílio», na aceção do artigo 1.o, alínea c), deste regulamento (considerandos 99 a 101 da decisão impugnada).

25      O Reino de Espanha e os terceiros interessados pediram, contudo, que a confiança legítima reconhecida nas decisões iniciais fosse aplicada da mesma forma às aquisições indiretas de participações. Em seu entender, a existência de uma confiança legítima devia ter sido reconhecida devido às referências feitas às aquisições indiretas de participações nas respostas da Comissão às perguntas parlamentares referidas nos n.os 9 e 10, supra, no Comunicado de Imprensa de 10 de outubro de 2007 que anunciava a abertura do primeiro procedimento formal de investigação (com a referência IP/07/1469), bem como nas decisões iniciais (considerando 189 da decisão impugnada).

26      No entanto, contrariamente ao que tinha decidido nas decisões iniciais (v. n.o 16, supra), a Comissão recusou, na decisão impugnada, afastar a recuperação dos auxílios pagos ao abrigo do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, relativos a aquisições indiretas de participações e que preenchiam os mesmos requisitos referidos no n.o 16, supra, em aplicação do princípio da proteção da confiança legítima (considerandos 189 a 200 da decisão impugnada).

27      Por conseguinte, a Comissão concluiu que a nova interpretação administrativa, que, em seu entender, tinha ampliado o âmbito de aplicação do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS para abranger as aquisições indiretas de participações em empresas não residentes através de aquisições diretas de participações em holdings não residentes e tinha sido ilegalmente executada pelo Reino de Espanha em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, era incompatível com o mercado interno (artigo 1.o da decisão impugnada). Por conseguinte, a Comissão exigiu que o Reino de Espanha pusesse termo a esse regime de auxílios e recuperasse os auxílios concedidos ao abrigo do mesmo (artigos 4.o a 7.o da decisão impugnada), salvo nos casos de auxílios individuais pagos em aplicação desse regime e que preenchessem os requisitos de um regulamento de minimis ou de isenção por categoria (artigos 2.o e 3.o da decisão impugnada).

 Pedidos das partes

28      As recorrentes concluem, nos seus pedidos apresentados recentemente, pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

29      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

30      Ouvidas as partes, o Tribunal Geral decidiu apensar os processos T‑12/15, T‑158/15 e T‑258/15 para efeitos do presente acórdão, em conformidade com o artigo 68.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

 Quanto à admissibilidade dos recursos

31      Nos seus articulados, a Comissão contestou a admissibilidade dos presentes recursos. No entanto, na audiência, a Comissão admitiu que as recorrentes tinham beneficiado do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS para as participações indiretas que tinham adquirido, pelo que os seus recursos eram admissíveis.

32      A este respeito, o Tribunal Geral constata, com base nos elementos que lhe foram apresentados, que as recorrentes são as beneficiárias efetivas de auxílios individuais concedidos ao abrigo do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, que assumiram a forma de deduções efetuadas a título de aquisições indiretas de participações, e são responsáveis pelo reembolso dos mesmos, em aplicação da ordem de recuperação dos auxílios pagos em execução desse regime dirigida pela Comissão ao Reino de Espanha, no artigo 4.o, n.os 2 a 5, da decisão impugnada.

33      Por conseguinte, os recursos são admissíveis.

 Quanto ao mérito

34      Nas petições iniciais, as recorrentes invocaram inicialmente quatro fundamentos. O primeiro fundamento era relativo à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, devido a um erro de direito em relação ao requisito de seletividade. O segundo fundamento era relativo a um erro de direito na identificação dos beneficiários do regime em questão. O terceiro fundamento era relativo à inexistência de um novo auxílio na aceção do artigo 108.o, n.o 3, TFUE e do artigo 1.o, alínea c), do Regulamento n.o 659/1999, conforme aplicável no momento da adoção da decisão impugnada. O quarto fundamento era relativo à violação dos princípios da proteção da confiança legítima, de estoppel (ou dos atos próprios) e da segurança jurídica.

35      Nas suas observações de 15 de novembro de 2021, através das quais tomaram posição sobre as implicações dos Acórdãos de 6 de outubro de 2021, Sigma Alimentos Exterior/Comissão (C‑50/19 P, EU:C:2021:792), de 6 de outubro de 2021, World Duty Free Group e Espanha/Comissão (C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:793), de 6 de outubro de 2021, Banco Santander/Comissão (C‑52/19 P, EU:C:2021:794), de 6 de outubro de 2021, Banco Santander e o./Comissão (C‑53/19 P e C‑65/19 P, EU:C:2021:795), de 6 de outubro de 2021, Axa Mediterranean/Comissão (C‑54/19 P, EU:C:2021:796), e de 6 de outubro de 2021, Prosegur Compañía de Seguridad/Comissão (C‑55/19 P, EU:C:2021:797), as recorrentes renunciaram ao primeiro e ao segundo fundamento, uma vez que, em seu entender, o Tribunal de Justiça se tinha pronunciado a título definitivo sobre o caráter seletivo do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS e sobre a legalidade das decisões iniciais nos referidos acórdãos.

 Quanto ao terceiro fundamento

36      Com o seu terceiro fundamento, as recorrentes sustentam, em substância, que a Comissão qualificou erradamente a nova interpretação administrativa de novo auxílio na decisão impugnada.

37      Em apoio deste fundamento, as recorrentes contestam, a título preliminar, a aplicabilidade ao caso em apreço da jurisprudência resultante dos Acórdãos de 20 de maio de 2010, Todaro Nunziatina & C. (C‑138/09, EU:C:2010:291), e de 16 de dezembro de 2010, Kahla Thüringen Porzellan/Comissão (C‑537/08 P, EU:C:2010:769), conforme mencionada no considerando 96 da decisão impugnada. Com efeito, esta jurisprudência seria aplicável unicamente se o regime em questão tivesse sido notificado pelo Reino de Espanha à Comissão e se esta última tivesse declarado a compatibilidade desse regime com o mercado interno, o que não se verifica no caso em apreço. Além disso, não tendo as decisões iniciais feito nenhuma referência ao conteúdo da carta de 4 de junho de 2007 do Reino de Espanha, essa carta não pode ser tida em conta para limitar o âmbito de aplicação das referidas decisões apenas às aquisições diretas de participações.

38      Em apoio da primeira parte do terceiro fundamento, as recorrentes afirmam que a Comissão apreciou erradamente o alcance dos pareceres vinculativos da DGT e das decisões do Tribunal Económico‑Administrativo Central (Tribunal Económico e Administrativo Central). Com efeito, as recorrentes alegam que a nova interpretação administrativa não alterou o regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, uma vez que este regime era aplicável, desde as suas origens, às aquisições indiretas de participações. A este respeito, alegam que, no direito espanhol, a nova interpretação administrativa não podia ter alterado o âmbito de aplicação do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, uma vez que esta era desprovida de força normativa. Este âmbito de aplicação só poderia ter sido alterado pelo legislador espanhol ou pela jurisprudência dos órgãos jurisdicionais espanhóis. Ora, o artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS não sofreu nenhuma alteração substancial desde a sua entrada em vigor, a não ser para ter em conta as decisões iniciais da Comissão. Além disso, tanto a interpretação administrativa inicial como a nova interpretação administrativa são desprovidas de efeito jurídico vinculativo relativamente aos sujeitos passivos em causa. Por conseguinte, estes tinham o direito de seguir, ou não, essas interpretações administrativas. Aliás, vários sujeitos passivos aplicaram o artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS a aquisições indiretas de participações muito antes da adoção da nova interpretação administrativa.

39      Em apoio da segunda parte do terceiro fundamento, as recorrentes alegam que as decisões iniciais já analisaram e examinaram o regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS no que respeita tanto às aquisições diretas de participações como às aquisições indiretas de participações. Esta conclusão impõe‑se, nomeadamente, pelo facto de as referidas decisões fazerem várias referências expressas às aquisições indiretas de participações, mas igualmente em razão de várias tomadas de posição públicas da Comissão anteriores às decisões iniciais. Nestas circunstâncias, a nova interpretação administrativa não pode ser qualificada de novo auxílio, uma vez que já estava incluída no âmbito de aplicação material das decisões iniciais.

40      A Comissão alega, a título preliminar, que a jurisprudência resultante dos Acórdãos de 20 de maio de 2010, Todaro Nunziatina & C. (C‑138/09, EU:C:2010:291), e de 16 de dezembro de 2010, Kahla Thüringen Porzellan/Comissão (C-537/08 P, EU:C:2010:769), é aplicável no caso em apreço, ainda que o regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS não lhe tenha sido notificado. Tendo em conta as informações transmitidas pelas autoridades espanholas na carta de 4 de junho de 2007, o alcance do dispositivo das decisões iniciais deveria, assim, ser limitado apenas às aquisições diretas de participações.

41      Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, a Comissão alega que a nova interpretação administrativa alterou o regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, uma vez que, antes da sua adoção, apenas as aquisições diretas de participações estavam abrangidas pelo âmbito de aplicação desta disposição. Com efeito, a interpretação administrativa inicial excluía de forma constante, entre 2002 e 2012, as aquisições indiretas de participações do âmbito de aplicação do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS. Além disso, a Comissão contesta que as interpretações administrativas sejam desprovidas de efeito jurídico vinculativo para os sujeitos passivos, uma vez que a Autoridade Tributária espanhola está obrigada a aplicar a mesma interpretação administrativa a todos os sujeitos passivos que se encontrem na mesma situação.

42      Quanto à segunda parte do terceiro fundamento, a Comissão alega que concluiu corretamente na decisão impugnada que a nova interpretação administrativa tinha alterado o âmbito de aplicação do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS. Por último, a Comissão alega que as referências às aquisições indiretas de participações nas decisões iniciais apenas refletem a formulação das disposições do artigo 21.o do TRLIS. No entanto, as decisões iniciais não abrangem as aquisições indiretas de participações, uma vez que examinaram o regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, como apresentado pelas autoridades espanholas. Ora, as autoridades espanholas garantiram à Comissão, na sua carta de 4 de junho de 2007, que o regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS apenas era aplicável às aquisições diretas de participações. Quanto às suas tomadas de posição públicas, a Comissão sustenta que são irrelevantes, dado que não era obrigada a examinar a situação individual das empresas em causa antes da adoção das decisões iniciais.

–       Quanto ao objeto do terceiro fundamento

43      Como resulta dos n.os 21 a 24, supra, a Comissão qualificou, na decisão impugnada, a nova interpretação administrativa de novo auxílio. Com o seu terceiro fundamento, as recorrentes contestam que a aplicação do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS às aquisições indiretas de participações possa ser qualificada de novo auxílio.

44      No entanto, no caso em apreço, como expôs a Comissão, nomeadamente nos considerandos 100 e 149 da decisão impugnada, não se trata de determinar se o regime de auxílios em causa pode ser qualificado de regime de auxílios existente ou se a nova interpretação administrativa constitui uma «alteração substancial» de um regime de auxílios existente, na aceção da jurisprudência, na medida em que as decisões iniciais já concluíram que o artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, conforme aplicado pelas autoridades espanholas, constituía um regime de auxílios ilegal e incompatível com o mercado interno. Em contrapartida, trata‑se de determinar se o alcance das decisões iniciais também abrangia, ou não, as aquisições indiretas de participações resultantes de uma aquisição direta de participações numa sociedade holding e se, por isso, as empresas que aplicaram o regime do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS a essas aquisições indiretas de participações podem igualmente invocar a confiança legítima reconhecida nessas decisões.

45      Com a sua argumentação, as recorrentes visam assim, na realidade, demonstrar que as aquisições indiretas de participações já estavam abrangidas pelas decisões iniciais e que, portanto, a Comissão já não tinha o direito de adotar a decisão impugnada no que respeita especificamente a este tipo de operações. Esta interpretação do terceiro fundamento é, aliás, confirmada pelo seu título, que refere que «a nova interpretação administrativa não constitui um novo auxílio distinto do já examinado pela Comissão nas [decisões iniciais]». É ainda confirmada pela argumentação das recorrentes segundo a qual «o regime de auxílios examinado na decisão [impugnada] […] é exatamente o mesmo que aquele sobre o qual a Comissão se pronunciou nas [decisões iniciais]», segundo a qual, «[na decisão impugnada], a Comissão [voltou atrás] […] quanto ao que afirmava categoricamente e de forma repetida nas [decisões iniciais]» ou ainda segundo a qual «a Comissão não [se] podia, portanto, pronunciar uma vez mais sobre [o] regime [em questão] no âmbito de um processo de “novos” auxílios».

46      É neste contexto que o terceiro fundamento será examinado a seguir.

–       Quanto ao alcance das decisões iniciais

47      As partes estão em desacordo quanto ao alcance das decisões iniciais. As recorrentes sustentam que essas decisões visavam não só as aquisições diretas de participações mas também as aquisições indiretas de participações. Em contrapartida, a Comissão alega que as referidas decisões analisaram o regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS como tinha sido apresentado pelas autoridades espanholas durante o procedimento administrativo que conduziu à adoção dessas decisões e que, por conseguinte, as aquisições indiretas de participações não foram examinadas nesse âmbito.

48      A este respeito, nos considerandos 95, 96, 145 e 147 da decisão impugnada, a Comissão considerou que o alcance das decisões iniciais deve ser determinado, segundo jurisprudência constante, não só com referência ao próprio texto dessas decisões mas também tendo em conta o regime de auxílios notificado pelo Estado‑Membro em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de maio de 2010, Todaro Nunziatina & C., C‑138/09, EU:C:2010:291, n.o 31; de 16 de dezembro de 2010, Kahla Thüringen Porzellan/Comissão, C‑537/08 P, EU:C:2010:769, n.o 44, e de 20 de setembro de 2018, Carrefour Hypermarchés e o., C‑510/16, EU:C:2018:751, n.o 38).

49      Todavia, há que constatar, antes de mais, que, no caso em apreço, como alegam as recorrentes, ao contrário da situação em causa nos acórdãos referidos no n.o 48, supra, o regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS não foi notificado à Comissão pelo Reino de Espanha e que as decisões iniciais não declararam a compatibilidade desse regime com o mercado interno, mas, pelo contrário, a sua incompatibilidade.

50      Por outro lado, o Tribunal Geral recorda que, nos termos do artigo 4.o, n.o 3, TUE, o princípio da cooperação leal entre os Estados‑Membros e a União se aplica durante todo o procedimento relativo ao exame de uma medida em matéria de auxílios de Estado (v., neste sentido, Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci (C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 83 e jurisprudência referida).

51      O princípio da cooperação leal exige que o Estado‑Membro em causa forneça à Comissão os elementos que lhe permitam pronunciar‑se sobre a natureza de auxílio de Estado da medida em causa. Exige igualmente que a Comissão, por força do seu dever de exame diligente e imparcial, examine cuidadosamente os elementos que lhe são fornecidos por esse Estado‑Membro [v., neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Club Hotel Loutraki e o./Comissão, C‑131/15 P, EU:C:2016:989, n.o 34 e jurisprudência referida, e de 6 de abril de 2022, Mead Johnson Nutrition (Asia Pacific) e o./Comissão, T‑508/19, EU:T:2022:217, n.o 104 e jurisprudência referida].

52      Além disso, importa recordar que o princípio da segurança jurídica, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que as normas jurídicas sejam claras, precisas e previsíveis nos seus efeitos, para que os interessados se possam orientar nas situações e relações jurídicas abrangidas pela ordem jurídica da União (v. Acórdão de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão, C‑81/10 P, EU:C:2011:811, n.o 100 e jurisprudência referida). Este princípio é igualmente aplicável quando a Comissão adota uma decisão em matéria de auxílios de Estado, com fundamento nos artigos 4.o ou 7.o do Regulamento n.o 659/1999, dado que o Estado‑Membro destinatário de uma decisão que o obrigue a recuperar os auxílios ilegais deve, por força do artigo 288.o, quarto parágrafo, TFUE, tomar todas as medidas adequadas para garantir o cumprimento da referida decisão (v. Acórdão de 26 de junho de 2003, Comissão/Espanha, C‑404/00, EU:C:2003:373, n.o 21 e jurisprudência referida) e que esse caráter obrigatório se impõe a todos os órgãos do Estado destinatário de tal decisão, incluindo aos seus órgãos jurisdicionais (v., neste sentido, Acórdão de 21 de novembro de 2013, Deutsche Lufthansa, C‑284/12, EU:C:2013:755, n.o 41).

53      Por último, importa salientar que, no caso específico de um regime de auxílios, como no caso em apreço, resulta de jurisprudência constante que a Comissão se pode limitar a estudar as características do regime em causa, para apreciar, nos fundamentos da sua decisão, se, em razão das modalidades que esse regime prevê, este assegura uma vantagem aos beneficiários relativamente aos seus concorrentes e é suscetível de beneficiar as empresas que participam nas trocas comerciais entre Estados‑Membros. Assim, a Comissão, numa decisão que tem por objeto esse regime, não está obrigada a efetuar uma análise do auxílio concedido em cada caso individual com fundamento nesse regime. É apenas na fase da recuperação dos auxílios que será necessário verificar a situação individual de cada empresa em causa (v. Acórdão de 4 de março de 2021, Comissão/Fútbol Club Barcelona, C‑362/19 P, EU:C:2021:169, n.o 65 e jurisprudência referida).

54      No caso em apreço, decorre, em primeiro lugar, da carta de 26 de março de 2007 que, de acordo com a análise preliminar da Comissão, a impossibilidade de deduzir as participações adquiridas numa sociedade holding restringe excessivamente o número de potenciais beneficiários do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS.

55      Em resposta à carta de 26 de março de 2007, as autoridades espanholas indicaram, na carta de 4 de junho de 2007, que, segundo a prática administrativa em vigor nesse momento, apenas o goodwill financeiro resultante de aquisições diretas de participações era dedutível ao abrigo do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS. Com efeito, as autoridades espanholas esclareceram que «o controlo do investimento […] só [era] possível através da participação direta», que «a limitação dos efeitos do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS ao primeiro nível […] [impedia] que o seu âmbito de aplicação fosse alargado ao goodwill [gerado em empresas de segundo nível ou de nível ulterior]» e que o regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS «dificilmente [poderia ter sido] gerido se [abrangesse] também o goodwill imputável a empresas não residentes [de segundo nível ou de nível ulterior], na medida em que essas participações [estavam] contabilizadas nos ativos dessas outras empresas não residentes, as quais [não estavam] sujeitas ao poder de controlo da [DGT]».

56      É certo que a carta de 4 de junho de 2007 vem mencionada no considerando 4 das decisões iniciais. Todavia, o Tribunal observa que as referidas decisões não contêm nenhuma referência ao conteúdo dessa carta. Ora, se a Comissão tivesse tido a intenção, à luz das informações constantes dessa carta, de examinar o regime do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS apenas na medida em que se aplicava às aquisições diretas de participações, deveria tê‑lo indicado claramente nas decisões iniciais, o que não fez.

57      A este respeito, pelo contrário, é manifesto que as decisões iniciais contêm numerosas referências expressas às aquisições indiretas de participações. Estas são expressamente referidas nas partes que contêm a descrição pormenorizada do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS (considerando 21 da primeira decisão e considerando 30 da segunda decisão), o reconhecimento da confiança legítima (considerandos 167 e 170 da primeira decisão e considerando 193 da segunda decisão) e a conclusão geral (considerando 175 da primeira decisão e considerando 210 da segunda decisão), bem como nos dispositivos das decisões iniciais (artigo 1.o, n.o 2, da primeira decisão e artigo 1.o, n.os 2 e 4, da segunda decisão).

58      Por outro lado, a circunstância invocada pela Comissão, nomeadamente no considerando 143 da decisão impugnada, segundo a qual, ao mencionar as aquisições indiretas de participações nas decisões iniciais, se baseou no texto do artigo 21.o do TRLIS para o qual remete o artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, tende a confirmar que esta examinou esse regime no seu conjunto, ex ante, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 53, supra, e que não excluía que esse regime pudesse ser aplicado também às aquisições indiretas de participações, independentemente da prática administrativa em vigor nesse momento. De resto, a Comissão admitiu, nomeadamente no n.o 21 das contestações, que as disposições pertinentes do TRLIS, aplicáveis no momento da adoção das decisões iniciais, não excluíam expressamente as aquisições indiretas de participações.

59      Por último, o Tribunal Geral salienta que a Comissão reconheceu, no considerando 151 da decisão impugnada, que a distinção entre aquisições diretas de participações e aquisições indiretas de participações não tinha sido considerada pertinente para efeitos da apreciação exigida nas decisões iniciais.

60      Por conseguinte, resulta da redação das decisões iniciais que a Comissão examinou o regime do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS enquanto regime de auxílios no seu conjunto como abrangendo tanto as aquisições diretas de participações como as aquisições indiretas de participações.

61      Em segundo lugar, importa salientar que, ao contrário do que a Comissão considerou, nomeadamente no considerando 99 da decisão impugnada, não se pode deduzir validamente dos elementos invocados que a nova interpretação administrativa ampliou o âmbito de aplicação do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS.

62      Antes de mais, tendo em conta os elementos de direito espanhol levados ao conhecimento do Tribunal Geral e aí discutidos, tal interpretação assenta, com efeito, numa compreensão errada do funcionamento do sistema de liquidação do imposto sobre o rendimento das sociedades no direito espanhol. Como explicaram as recorrentes, o imposto sobre o rendimento das sociedades espanhol funciona segundo um sistema de autoliquidação previsto no artigo 137.o do TRLIS, cujo mecanismo de funcionamento é recordado no n.o 8, supra.

63      Por conseguinte, em conformidade com o disposto no artigo 137.o do TRLIS e com o artigo 120.o da LGT, o sistema de autoliquidação implica que seja o sujeito passivo a liquidar a sua própria dívida, aplicando a legislação relativa ao imposto sobre o rendimento das sociedades. Não é necessário que a Autoridade Tributária intervenha para que se considere que esta dívida fiscal está liquidada. Embora seja verdade que as autoliquidações podem, em certos casos, ser objeto de fiscalização pela autoridade, não se trata de modo nenhum de uma obrigação e, na grande maioria dos casos, as dívidas fiscais são objeto de autoliquidação sem fiscalização da autoridade.

64      Em seguida, o artigo 89.o da LGT prevê que uma interpretação administrativa da DGT só tem efeitos vinculativos para os órgãos da Autoridade Tributária responsáveis pela aplicação do imposto. Assim, embora seja verdade que, como alega a Comissão, a Autoridade Tributária espanhola está vinculada pela sua prática administrativa e que deve aplicar, em caso de fiscalização das autoliquidações apresentadas por sujeitos passivos, os mesmos critérios a todos os sujeitos passivos que se encontrem na mesma situação, não é menos verdade que esse efeito vinculativo não se aplica aos sujeitos passivos.

65      Sucede o mesmo, nos termos do artigo 239.o, n.o 8, da LGT, com a jurisprudência do Tribunal Económico‑Administrativo Central (Tribunal Económico e Administrativo Central), que vincula os outros órgãos da via económica administrativa e a Autoridade Tributária, mas não os sujeitos passivos.

66      Assim, resulta dos elementos dos autos e dos n.os 21 a 32 do Acórdão de 15 de novembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑207/10, EU:T:2018:786), que, em aplicação deste princípio, algumas empresas aplicaram a dedução a aquisições indiretas de participações, mesmo antes da adoção da nova interpretação administrativa.

67      Como efeito, como sucede em todos os Estados de direito, as empresas não são obrigadas a adotar a interpretação da lei que a preconizada pela Autoridade Tributária. Podem aplicar a regra de forma diferente, invocando diretamente o texto da lei, e impugnar, se for caso disso, nos órgãos jurisdicionais competentes, os atos da autoridade que retifiquem as suas autoliquidações em aplicação dos pareceres fiscais controvertidos. Com efeito, como alegam corretamente as recorrentes, compete ao legislador ou, em caso de dúvida ou de contestação, aos órgãos jurisdicionais, e não à autoridade, determinar o âmbito de aplicação das disposições legais. Ora, a Comissão não demonstrou que as aquisições indiretas de participações foram excluídas do âmbito de aplicação do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS pelo legislador ou pelos órgãos jurisdicionais espanhóis antes da adoção da nova interpretação administrativa.

68      Por último, o Tribunal Geral observa que, depois da adoção da nova interpretação administrativa, é certo que a Audiencia Nacional (Audiência Nacional, Espanha) considerou, no seu Acórdão de 6 de fevereiro de 2014, mencionado, nomeadamente, no considerando 41 da decisão impugnada, que «não [era] possível gerar goodwill numa empresa sem atividade material» e que «a sociedade [em causa nesse processo] não [podia] gerar goodwill financeiro[,] uma vez que se trata de uma sociedade que apenas detém ações e sem nenhuma atividade material».

69      No entanto, a Audiencia Nacional (Audiência Nacional) também indicou, no seu Acórdão de 6 de fevereiro de 2014, que a questão que lhe foi submetida nesse processo era diferente da que tinha sido analisada no parecer vinculativo com a referência V0608‑12, que estava na origem da nova interpretação administrativa.

70      A este respeito, a Audiencia Nacional (Audiência Nacional) constatou que a questão que lhe foi submetida consistia em determinar «se [era] possível deduzir o goodwill para sociedades sem atividade e simples holdings», ao passo que, em seu entender, a questão central do parecer vinculativo com a referência V0608‑12 visava «saber se, para efeitos do cálculo do goodwill, [era] possível ter em conta o facto de o controlo [ter sido] tomado direta ou indiretamente através de sociedades holdings». Após esta constatação, a Audiencia Nacional (Audiência Nacional) limitou‑se a concluir que «[se tratava] de questões diferentes que [mereciam] respostas diferentes», excluindo que o seu Acórdão de 6 de fevereiro de 2014 pudesse sustentar a posição adotada pela Comissão na decisão impugnada.

71      Além disso, resulta dos elementos dos autos que, chamado a conhecer de um recurso do Acórdão da Audiencia Nacional (Audiência Nacional) de 6 de fevereiro de 2014, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha) suspendeu a instância, pelo que o âmbito de aplicação do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS carece, ainda à data do presente acórdão, de precisão e de clareza, como sublinhou a Comissão nos considerandos 184 e 195 da decisão impugnada e na audiência.

72      Por conseguinte, ao concluir que a nova interpretação administrativa tinha «ampliado» o âmbito de aplicação do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, a Comissão não teve devidamente em consideração o direito espanhol, uma vez que, por força desse direito, o âmbito de aplicação desta disposição não podia ser determinado por uma simples interpretação administrativa.

73      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que concluir que, contrariamente ao que a Comissão concluiu na decisão impugnada, as decisões iniciais já abrangiam as aquisições de participações tanto diretas como indiretas.

74      Nestas circunstâncias, há que verificar se a Comissão podia validamente ter adotado a decisão impugnada.

–       Quanto à possibilidade de a Comissão adotar a decisão impugnada tendo em conta o âmbito de aplicação das decisões iniciais

75      No caso em apreço, embora seja certo que as decisões iniciais e a decisão impugnada declaram a incompatibilidade do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, não é menos verdade que o artigo 4.o desta última decisão exige que o Reino de Espanha recupere a totalidade dos auxílios concedidos em execução desse regime, como aplicado às aquisições indiretas de participações, apesar de alguns desses auxílios não estarem abrangidos pela obrigação de recuperação ao abrigo das decisões iniciais devido à confiança legítima que a Comissão tinha reconhecido nas referidas decisões (v. n.o 16, supra).

76      Esse resultado equivale a uma revogação das decisões iniciais, na medida em que estas já tinham por objeto as aquisições indiretas de participações e lhes reconheciam, no respeito de determinadas condições, o benefício da confiança legítima.

77      A este respeito, segundo o artigo 9.o do Regulamento n.o 659/1999, em conjugação com o seu artigo 13.o, n.o 3, e com o seu considerando 10, a «revogação» de uma decisão é possível se para tomar essa decisão tiver utilizado, como fator determinante para a mesma, informações incorretas prestadas durante o procedimento.

78      Todavia, nenhum elemento dos autos demonstra, nem, aliás, a Comissão o invoca, que se baseou em informações incorretas prestadas durante o procedimento administrativo que conduziu à decisão impugnada. Em especial, como foi indicado no n.o 55, supra, a carta de 4 de junho de 2007 descrevia corretamente a prática administrativa vigente, nesse preciso momento, em Espanha.

79      Com efeito, foi a própria Comissão que considerou, na carta de 26 de março de 2007, que não seria razoável excluir as aquisições indiretas de participações do âmbito de aplicação do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS (v. n.o 54, supra). Foi igualmente a própria Comissão que examinou, nas decisões iniciais, o regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS ex ante, no seu conjunto, incluindo a possibilidade de este regime ser aplicável às aquisições indiretas de participações (v. n.o 58, supra).

80      Assim, ao contrário do que a Comissão afirma no considerando 147 da decisão impugnada, o alcance das decisões iniciais não estava limitado pelas modalidades de aplicação do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, descritas pelas autoridades espanholas na carta de 4 de junho de 2007.

81      Uma vez que as aquisições indiretas de participações já foram tidas em conta nas decisões iniciais e que não está demonstrado que estas últimas assentavam em informações incorretas, a Comissão não podia proceder à «revogação», nos termos do artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 659/1999, das decisões iniciais, na medida em que estas diziam respeito a este tipo de operação.

82      No entanto, é certo que a possibilidade de a Comissão revogar uma decisão sobre auxílios de Estado não se limita apenas à situação prevista no artigo 9.o do Regulamento n.o 659/1999, em conjugação com o artigo 13.o, n.o 3, deste mesmo regulamento. Com efeito, essas disposições são apenas uma manifestação específica do princípio geral de direito segundo o qual é admissível a retirada retroativa de um ato administrativo ilegal que tenha criado direitos subjetivos, nomeadamente quando o ato administrativo em causa tiver sido adotado com base em indicações falsas ou incompletas fornecidas pelo interessado. A possibilidade de retirar retroativamente um ato administrativo ilegal que tenha criado direitos subjetivos não se limita, no entanto, a esse caso, podendo essa retirada ser sempre efetuada, sob reserva da observância, pela instituição de que emana o ato em causa, dos requisitos relativos ao prazo razoável e à confiança legítima do beneficiário desse ato que confiou na sua legalidade (v., neste sentido, Acórdão de 18 de setembro de 2015, Deutsche Post/Comissão, T‑421/07 RENV, EU:T:2015:654, n.o 47 e jurisprudência referida, e Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no processo Repower/EUIPO, C‑281/18 P, EU:C:2019:426, n.o 65).

83      Todavia, a Comissão nunca sustentou que as decisões iniciais eram ilegais na medida em que visavam as aquisições indiretas de participações, o que lhe poderia, eventualmente, ter permitido, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 82, supra, invocar o princípio geral de direito que permite a revogação de uma decisão ilegal. Além disso, o Tribunal Geral e, em seguida, o Tribunal de Justiça negaram provimento aos recursos de anulação que impugnaram a legalidade das decisões iniciais.

84      Na realidade, e como o Reino de Espanha e os terceiros interessados já tinham, em substância, salientado no âmbito da fase administrativa (considerandos 82 e 90 da decisão impugnada), não está de modo nenhum em causa, no caso em apreço, a revogação de um ato ilegal, mas a revogação de duas decisões legais, a saber, as decisões iniciais, na medida em que estas visavam as aquisições indiretas de participações.

85      Ora, segundo jurisprudência constante, a revogação retroativa de um ato administrativo legal que confere direitos subjetivos ou benefícios similares é contrária aos princípios gerais de direito (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de março de 1961, Snupat/Alta Autoridade, 42/59 e 49/59, EU:C:1961:5, p. 149; de 22 de setembro de 1983, Verli‑Wallace/Comissão, 159/82, EU:C:1983:242, n.o 8 e jurisprudência referida, e de 12 de fevereiro de 2020, ZF/Comissão, T‑605/18, EU:T:2020:51, n.o 138 e jurisprudência referida).

86      A este respeito, e como foi indicado no n.o 75, supra, o Tribunal Geral constata que as decisões iniciais conferiram, sob condições e devido à existência de uma confiança legítima, um direito subjetivo ao Reino de Espanha de poder executar o regime de auxílios em causa, apesar de ter sido declarado incompatível, e, acessoriamente, às empresas beneficiárias desse regime a não terem de reembolsar certos auxílios ilegais. O Tribunal Geral constata igualmente que a decisão impugnada retirou posteriormente esse direito no que respeita às aquisições indiretas de participações.

87      Assim, além de violar o princípio da segurança jurídica, a decisão impugnada pôs em causa a confiança legítima que as autoridades espanholas e as empresas em causa puderam retirar das decisões iniciais no que respeita à aplicação destas últimas às aquisições indiretas de participações. A este respeito, basta recordar que as decisões iniciais faziam referência às aquisições de participações tanto diretas como indiretas (v. n.o 57, supra).

88      Por conseguinte, há que julgar procedente o terceiro fundamento e anular a decisão impugnada na sua totalidade, sem que seja necessário apreciar os outros argumentos apresentados pelas recorrentes no âmbito deste fundamento.

89      No entanto, para todos os efeitos úteis, o Tribunal Geral afirma que, mesmo que as decisões iniciais devam ser interpretadas no sentido de que dizem respeito tanto às aquisições diretas de participações como às aquisições indiretas de participações, à luz, nomeadamente, do artigo 21.o do TRLIS, que menciona expressamente as aquisições indiretas de participações, não deixa de ser verdade que, se for caso disso, caberá exclusivamente aos órgãos jurisdicionais espanhóis determinar se, no direito espanhol, este tipo de operação pode, ou não, beneficiar do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, nomeadamente à luz das disposições do artigo 15.o do Decreto Real n.o 1777/2004, que aprova o Regulamento do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades. Com efeito, como as recorrentes indicaram nos seus articulados, cabe aos órgãos jurisdicionais espanhóis, e em último lugar ao Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), ou mesmo ao legislador desse Estado, definir o alcance real do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS.

90      Além disso, admitindo que a Comissão tinha o direito de adotar a decisão impugnada, há que examinar, a título exaustivo, o quarto fundamento invocado pelas recorrentes.

 Quanto ao quarto fundamento

91      O quarto fundamento divide‑se em três partes, relativas, respetivamente, à violação do princípio da proteção da confiança legítima, do princípio de estoppel (ou dos atos próprios) e do princípio da segurança jurídica, que são suscetíveis de implicar a anulação do artigo 4.o, n.os 2 a 5, da decisão impugnada.

92      No âmbito da primeira parte do quarto fundamento, as recorrentes alegam, em substância, que devem estar isentas da obrigação de reembolsar as deduções fiscais aplicadas nos termos do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS no que respeita às suas aquisições indiretas de participações e beneficiar da mesma confiança legítima que tinha sido reconhecida nas decisões iniciais. Com efeito, a Comissão deu garantias precisas, incondicionais e concordantes, nomeadamente através de declarações públicas anteriores às decisões iniciais, de que o artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS não constituía um auxílio de Estado, sem distinção entre o caráter direto ou indireto das aquisições. Além disso, as decisões iniciais já se referiam às aquisições indiretas de participações e, ao fazê‑lo, reconheceram uma confiança legítima às recorrentes.

93      A Comissão alega que as referências às aquisições indiretas de participações nas decisões iniciais se explicam pela reprodução da redação do artigo 21.o do TRLIS. A Comissão reitera igualmente a sua afirmação de que a interpretação administrativa inicial excluía as aquisições indiretas de participações do âmbito de aplicação do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS. Ora, as recorrentes tinham conhecimento desta interpretação administrativa inicial e sabiam, portanto, que, antes de 21 de março de 2012, as aquisições indiretas de participações não estavam abrangidas pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS. Por conseguinte, a confiança legítima reconhecida nas decisões iniciais não pode ser reconhecida retroativamente a operações que, no momento da adoção das referidas decisões, não estavam abrangidas pelo âmbito de aplicação do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS. Quanto às tomadas de posição públicas da Comissão, anteriores à adoção das decisões iniciais, estas não podem servir de fundamento a nenhum tipo de confiança legítima, pois a Comissão desconhecia a estrutura das entidades em causa e as operações que tinham realizado. Em especial, a Comissão não examinou se essas operações deviam ser qualificadas de aquisições de participações diretas ou indiretas. De qualquer modo, a Comissão não estava legalmente obrigada a proceder a uma análise detalhada dessas operações nessa fase do procedimento. Em qualquer caso, estas tomadas de posição públicas são anteriores à nova interpretação administrativa e não podem, por conseguinte, igualmente por essa razão, criar nenhum tipo de confiança legítima.

94      A este respeito, por força do artigo 14.o do Regulamento n.o 659/1999, nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado‑Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário, exceto se tal for contrário a um princípio geral do direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão, T‑207/10, EU:T:2018:786, n.os 35 e 36 e jurisprudência referida).

95      Quanto a este ponto, é facto assente que o princípio da proteção da confiança legítima constitui um princípio geral do direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão, T‑207/10, EU:T:2018:786, n.o 37 e jurisprudência referida).

96      No entanto, tendo em conta o caráter imperativo da fiscalização dos auxílios de Estado operada pela Comissão nos termos do artigo 108.o TFUE, por um lado, as empresas beneficiárias de um auxílio só podem, em princípio, invocar uma confiança legítima na regularidade desse auxílio se o mesmo tiver sido concedido em conformidade com o procedimento previsto nesse artigo e, por outro, um operador económico diligente deve normalmente estar em condições de se assegurar de que esse procedimento foi respeitado. Especialmente, quando um auxílio é concedido sem notificação prévia à Comissão, sendo assim ilegal por força do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, o beneficiário desse auxílio não pode, em princípio, invocar, nesse momento, uma confiança legítima na regularidade da sua concessão. É o caso tanto dos auxílios individuais como dos auxílios concedidos ao abrigo de um regime de auxílios (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de março de 2021, Comissão/Fútbol Club Barcelona, C‑362/19 P, EU:C:2021:169, n.o 120 e jurisprudência referida, e de 15 de novembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão, T‑207/10, EU:T:2018:786, n.o 41 e jurisprudência referida).

97      Por conseguinte, só em circunstâncias excecionais é que os beneficiários de um auxílio não notificado podem invocar o princípio da proteção da confiança legítima (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão, T‑207/10, EU:T:2018:786, n.os 40 a 43 e jurisprudência referida).

98      Segundo jurisprudência constante, o direito de invocar a confiança legítima pressupõe que a instituição da União em causa tenha fornecido aos beneficiários dos auxílios garantias precisas, incondicionais e concordantes, mas igualmente em conformidade com as normas aplicáveis, suscetíveis de criar uma expectativa legítima no seu espírito (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de março de 2019, Eesti Pagar, C‑349/17, EU:C:2019:172, n.o 97 e jurisprudência referida, e de 15 de novembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão, T‑207/10, EU:T:2018:786, n.o 46 e jurisprudência referida).

99      No caso em apreço, o Tribunal Geral salienta, antes de mais, que, admitindo que possa ser reconhecida uma confiança legítima aos beneficiários, essa confiança legítima só diz respeito às deduções efetuadas nos termos do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS para aquisições de participações em sociedades estabelecidas no território de um Estado‑Membro da União ou em determinados Estados terceiros e anteriores a 21 de dezembro de 2007 ou mesmo, para certos tipos de operações, anteriores a 21 de maio de 2011 (v. n.o 16, supra).

100    A este respeito, o Tribunal Geral recorda que, em 2005 e 2006, vários deputados do Parlamento interrogaram a Comissão sobre a compatibilidade do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS com as regras em matéria de auxílios de Estado (perguntas escritas com as referências E‑4431/05, E‑4772/05, E‑5800/06 e P‑5509/06).

101    Na sua resposta de 19 de janeiro de 2006, dada à questão com a referência E‑4431/05, a Comissão indicou, nomeadamente, o seguinte:

«A Comissão não está em condições de confirmar se as elevadas ofertas das empresas espanholas se devem à legislação fiscal espanhola, que permite que as empresas amortizem o goodwill mais rapidamente do que as homólogas francesas ou italianas. A Comissão pode, contudo, confirmar que as referidas legislações nacionais não são abrangidas pelo âmbito de aplicação das regras em matéria de auxílios de Estado, pois constituem regras gerais de depreciação que são aplicáveis a todas as empresas com sede em território espanhol.»

102    Na sua resposta de 17 de fevereiro de 2006, dada à questão com a referência E‑4772/05, a Comissão indicou, nomeadamente, o seguinte:

«Segundo as informações de que a Comissão dispõe, tudo indica que as regras (fiscais) espanholas relativas à amortização de goodwill são aplicáveis a todas as empresas espanholas, públicas ou privadas, independentemente da sua dimensão, setor ou forma jurídica, pois constituem regras gerais de depreciação. Por conseguinte, não parecem estar abrangidas pelo âmbito de aplicação das regras em matéria de auxílios de Estado. A Comissão irá, certamente, proceder a uma investigação aprofundada sobre qualquer informação contrária que seja do seu conhecimento.»

103    Na sua resposta de 5 de fevereiro de 2007, dada à questão com a referência P‑5509/06, a Comissão indicou, nomeadamente, o seguinte:

«No caso em apreço, a Comissão não se pronunciou, até hoje, sobre a compatibilidade, na perspetiva dos auxílios de Estado, das disposições fiscais espanholas relativas à dedutibilidade fiscal do goodwill financeiro, que não parecem ser contrárias às disposições da Quarta Diretiva Contabilística. […] A Comissão deve, em todo o caso, assinalar que não se pode antecipar o resultado de qualquer procedimento posterior de fiscalização das eventuais medidas de auxílio a que se refere o Senhor Deputado. A este respeito, a Comissão recorda que pode, a título dos seus poderes em matéria de fiscalização dos auxílios de Estado, exigir a recuperação de qualquer medida de auxílio incompatível com o mercado interno e ilegalmente concedida para que o seu beneficiário perca a vantagem de que usufruiu no mercado em relação aos seus concorrentes e, deste modo, restabelecer a situação concorrencial anteriormente existente ao pagamento do auxílio.»

104    Na sua resposta de 9 de março de 2007, dada à questão com a referência E‑5800/06, a Comissão indicou, nomeadamente, o seguinte:

«Até à data, [a vantagem fiscal em causa] não foi analisada pela Comissão e a Espanha também não notificou o regime [instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS] para investigação no âmbito dos auxílios de Estado. No entanto, a Comissão acaba de iniciar uma investigação preliminar [deste] regime para determinar se essa medida pode ser considerada um auxílio de Estado e, se for esse o caso, se é compatível com o mercado comum.»

105    Ora, relativamente às respostas de 19 de janeiro e 17 de fevereiro de 2006, referidas nos n.os 101 e 102, supra, o Tribunal Geral já declarou, no que respeita a todas as aquisições de participações anteriores a 21 de dezembro de 2007, que essas respostas da Comissão, embora vagas quanto ao regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS considerado no seu conjunto, eram, no entanto, suficientemente precisas para fundamentar uma confiança legítima quanto ao facto de o referido regime não ser seletivo e, portanto, não ser constitutivo de um auxílio de Estado (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão, T‑207/10, EU:T:2018:786, n.os 50 a 112).

106    Em especial, no n.o 111 do acórdão referido no n.o 105, supra, o Tribunal Geral declarou, nomeadamente, que a confiança legítima devidamente criada pelas respostas da Comissão de 19 de janeiro e 17 de fevereiro de 2006 não podia ter terminado com a resposta de 5 de fevereiro de 2007, referida no n.o 103, supra, uma vez que não resultava desta resposta nenhuma dúvida séria quanto à legalidade do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS.

107    A resposta de 9 de março de 2007, referida no n.o 104, supra, também não podia pôr termo a essa confiança legítima, devidamente criada pelas respostas da Comissão de 19 de janeiro e 17 de fevereiro de 2006. Com efeito, nessa ocasião, a Comissão não procedeu a nenhuma apreciação, mesmo sumária ou vaga, do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS considerado no seu conjunto, limitando‑se a precisar que acabava de dar início a uma investigação preliminar desse regime. Ora, uma vez que esta resposta não implicava o início de um procedimento formal de investigação do regime controvertido e, a fortiori, o resultado desse procedimento, não podia ser interpretada no sentido de que suscitava dúvidas sérias quanto à legalidade do regime em causa (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 15 de novembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão, T‑207/10, EU:T:2018:786, n.o 111).

108    A este respeito, o argumento da Comissão, exposto no considerando 197 da decisão impugnada, segundo o qual as respostas às perguntas parlamentares não se centravam na diferenciação entre aquisições diretas de participações e aquisições indiretas de participações, não pode pôr em causa o facto de as respostas de 19 de janeiro e 17 de fevereiro de 2006 terem devidamente criado, no espírito das recorrentes, uma confiança legítima quanto à falta de qualificação de auxílio de Estado no que respeita à totalidade das aquisições de participações anteriores a 21 de dezembro de 2007.

109    Com efeito, por um lado, essas questões incidiam precisamente sobre aquisições indiretas de participações, nomeadamente a aquisição da O2 pela Telefónica, S. A., e a da Scottish Power pela Iberdrola, S. A., o que a Comissão não podia ignorar, pelo menos no que respeita à aquisição da Scottish Power pela Iberdrola, uma vez que tinha autorizado a operação de concentração em causa numa Decisão de 26 de março de 2007 (COMP/M.4517 Iberdrola/Scottish Power).

110    Por outro lado, as respostas acima referidas da Comissão às perguntas parlamentares foram formuladas de tal forma, que nada sugeria que a falta de caráter seletivo do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS apenas dissesse respeito às aquisições diretas de participações. A falta de menção do termo «indiretas» não pode conduzir a outra conclusão, uma vez que essas respostas também não fizeram referência às aquisições «diretas» de participações.

111    Daqui resulta que, com estas declarações ao Parlamento, a Comissão ofereceu garantias precisas, incondicionais e concordantes que fizeram surgir nos beneficiários do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, quer a título das suas aquisições diretas de participações quer das suas aquisições indiretas, expectativas fundadas no facto de o regime de auxílios em causa ser legal, no sentido de que não estava abrangido pelo âmbito de aplicação das regras em matéria de auxílios de Estado, e que, por conseguinte, nenhuma das vantagens decorrentes do referido regime podia ser posteriormente objeto de um processo de recuperação.

112    Por conseguinte, admitindo que tinha o direito de adotar a decisão impugnada, a Comissão não podia, sem cometer um erro de direito, recusar reconhecer, nessa decisão, uma confiança legítima aos beneficiários do regime de auxílios em causa a título das suas aquisições indiretas de participações efetuadas antes de 21 de dezembro de 2007, ou mesmo antes de 21 de maio de 2011, nos mesmos termos que nas decisões iniciais.

113    Esta conclusão impõe‑se especialmente, porque, na sua redação, o artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, em conjugação com o artigo 21.o do TRLIS, não excluía expressamente as aquisições indiretas de participações. Este ponto é, aliás, confirmado pelo facto de a Autoridade Tributária espanhola ter adotado a nova interpretação administrativa com base nessas mesmas disposições legais, apesar de estas se terem mantido substancialmente inalteradas desde a sua adoção.

114    Além disso, e não obstante o facto de as recorrentes não poderem ignorar que o artigo 15.o do Decreto Real n.o 1777/2004 se referia unicamente às aquisições diretas de participações, no que dizia respeito às informações que deviam ser fornecidas às autoridades espanholas para poderem aplicar o artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS (considerandos 40 e 159 da decisão impugnada), nenhum dos argumentos apresentados pela Comissão no âmbito dos presentes recursos, que correspondem, em substância, ao conteúdo dos considerandos 189 a 200 da decisão impugnada, é suscetível de pôr em causa esta conclusão.

115    Antes de mais, ao contrário do que a Comissão considerou, em substância, no considerando 193 da decisão impugnada, o facto de as recorrentes terem tido conhecimento da interpretação administrativa inicial, que excluía as aquisições indiretas de participações do âmbito de aplicação do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, não priva de legitimidade a confiança que retiraram das declarações da Comissão segundo as quais o regime do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, no que respeita tanto às aquisições diretas de participações como às aquisições indiretas de participações, não constituía um auxílio de Estado.

116    Com efeito, segundo a jurisprudência, só as declarações e comportamentos que provêm da Comissão devem ser tidos em conta para apreciar a confiança legítima dos beneficiários do regime de auxílios controvertido (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão, T‑207/10, EU:T:2018:786, n.o 71).

117    Assim, da mesma forma que, segundo a jurisprudência, o comportamento de uma autoridade nacional responsável pela aplicação do direito da União, que está em contradição com este último, não pode dar origem, para um operador económico, a uma confiança legítima em beneficiar de um tratamento contrário ao direito da União (v. Acórdão de 4 de outubro de 2007, Comissão/Itália, C‑217/06, não publicado, EU:C:2007:580, n.o 23 e jurisprudência referida), a interpretação das autoridades tributárias nacionais quanto ao âmbito de aplicação do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS não pode afetar o alcance da confiança legítima decorrente de declarações feitas, ao nível da União, pela Comissão.

118    Por conseguinte, e tendo em conta a jurisprudência recordada no n.o 116, supra, é irrelevante o facto de as recorrentes terem tido, ou não, conhecimento de que a interpretação administrativa inicial excluía as aquisições indiretas de participações do âmbito de aplicação do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, uma vez que tinham recebido garantias precisas por parte da Comissão de que o regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, considerado na sua globalidade e sem mais precisões, não constituía um auxílio de Estado.

119    Do mesmo modo, admitindo que a Comissão tenha ignorado, à data das suas declarações, que o regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS abrangia tanto as aquisições diretas de participações como as aquisições indiretas de participações, tal circunstância é irrelevante para efeitos do reconhecimento de uma confiança legítima aos beneficiários desse regime no caso em apreço. Apenas importa o facto de, com as suas declarações públicas, a Comissão ter dado a entender que este regime não constituía um auxílio de Estado, sem mais precisões.

120    Além disso, como as recorrentes admitiram na audiência, estas tinham conhecimento da interpretação administrativa inicial, mas tinham optado deliberadamente por não a seguir, uma vez que a consideravam errada.

121    Ora, como foi constatado no n.o 67, supra, no direito espanhol, as empresas em causa podiam, e continuam a poder, estar em desacordo com a Autoridade Tributária espanhola quanto à interpretação correta do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS, até que esta questão seja decidida pelos órgãos jurisdicionais deste Estado e, em último lugar, pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), ou mesmo pelo legislador desse Estado. Ora, como já foi salientado nos n.os 69 e 89, supra, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) ainda não decidiu esta questão, pelo que o âmbito de aplicação do regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS carece, ainda hoje, de precisão e de clareza, como sublinhou a Comissão na decisão impugnada (considerandos 184 e 195 da referida decisão) e na audiência.

122    A este respeito, embora seja verdade que, como alega a Comissão, as recorrentes não apresentaram provas de que as aquisições indiretas de participações eram aceites pelas autoridades espanholas antes de 21 de dezembro de 2007, a Comissão também não demonstrou que essas aquisições de participações estavam excluídas do âmbito de aplicação do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS pelos órgãos jurisdicionais espanhóis antes dessa data.

123    Nestas circunstâncias, não se pode exigir às recorrentes que demonstrem mais diligência do que a própria Comissão, como indica o considerando 166 da primeira decisão, para o qual remete o n.o 89 do Acórdão de 15 de novembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑207/10, EU:T:2018:786).

124    Assim, as recorrentes, enquanto operadores económicos razoavelmente prudentes, sensatos e diligentes (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão, T‑207/10, EU:T:2018:786, n.o 69 e jurisprudência referida), puderam legitimamente considerar, com base nas respostas da Comissão às perguntas parlamentares, que o regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS não constituía um auxílio de Estado, no que dizia respeito tanto às aquisições diretas de participações como às aquisições indiretas de participações.

125    Tendo em conta estes elementos, e admitindo que a Comissão tinha o direito de adotar a decisão impugnada, há que considerar que a Comissão cometeu um erro de direito ao recusar reconhecer uma confiança legítima aos beneficiários do regime de auxílios em causa a título das suas aquisições indiretas de participações na decisão impugnada.

126    Esta conclusão é igualmente corroborada pelo facto de as recorrentes não terem conhecimento do conteúdo da carta das autoridades espanholas de 4 de junho de 2007, à qual a Comissão faz referência várias vezes na decisão impugnada (considerandos 33, 97, 136 e 145, nomeadamente, da decisão impugnada), da qual resulta que, no âmbito do procedimento administrativo que conduziu à adoção das decisões iniciais, as autoridades espanholas lhe tinham explicado que a interpretação administrativa inicial autorizava unicamente a dedução do goodwill financeiro em caso de aquisições diretas de participações em empresas operacionais. Com efeito, mesmo admitindo que essa carta pudesse servir de fundamento para considerar, à semelhança da Comissão na decisão impugnada, que as decisões iniciais apenas abrangiam as aquisições diretas de participações, não poderia servir de fundamento para negar uma confiança legítima quanto à legalidade do regime de auxílios em causa às empresas beneficiárias do referido regime, que dele não tinham conhecimento.

127    Por último, o facto de as decisões iniciais já terem declarado ilegal e incompatível com o mercado interno o regime instituído pelo artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS (considerando 195 da decisão impugnada) é irrelevante, uma vez que, por um lado, a confiança legítima dos beneficiários não tem origem nas referidas decisões, mas sim nas respostas acima referidas da Comissão às perguntas parlamentares (v. n.o 111, supra) e que, por outro, essas decisões são posteriores a 21 de dezembro de 2007, data em que essa confiança legítima termina, salvo para determinadas operações referidas na segunda decisão (v. n.os 16 e 99, supra).

128    Por conseguinte, admitindo que a Comissão tinha o direito de adotar a decisão impugnada, há que julgar procedente o quarto fundamento, suscetível de conduzir à anulação do artigo 4.o, n.os 2 a 5, da decisão impugnada.

 Quanto às despesas

129    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos das recorrentes.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      Os processos T12/15, T158/15 e T258/15 são apensados para efeitos do acórdão.

2)      É anulada a Decisão (UE) 2015/314 da Comissão, de 15 de outubro de 2014, relativa ao auxílio estatal SA.35550 (13/C) (ex 13/NN) (ex 12/CP) concedido pela Espanha — Regime de amortização fiscal do goodwill financeiro em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras.

3)      A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

Svenningsen

Mac Eochaidh

Pynnä

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de setembro de 2023.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.