Language of document : ECLI:EU:C:2018:836

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 17 de outubro de 2018 (1)

Processo C‑444/17

Préfet des Pyrénées‑Orientales

contra

Abdelaziz Arib,

Procureur de la République,

Procureur général près la cour d’appel de Montpellier

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França)]

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, de segurança e de justiça — Código das Fronteiras Schengen — Artigo 32.o — Controlo nas fronteiras internas — Diretiva 2008/115/CE — Âmbito de aplicação — Artigo 2.o, n.o 2, alínea a) — Entrada irregular de um nacional de um país terceiro — Exclusão da equiparação das fronteiras internas às fronteiras externas»






 Introdução

1.        Segundo jurisprudência já constante do Tribunal de Justiça, as disposições da Diretiva 2008/115/CE (2) opõem‑se, em princípio, à aplicação de uma pena de prisão a um nacional de um país terceiro apenas com fundamento na irregularidade da sua residência num Estado‑Membro. As únicas duas exceções, de natureza jurisprudencial, são a situação em que tenha sido aplicado o procedimento de regresso instituído pela Diretiva 2008/115 e o nacional continue a residir em situação irregular no território desse Estado‑Membro sem motivo justificado para o não regresso (3) e a situação em que tenha sido aplicado um procedimento de regresso e a pessoa em causa entre de novo nesse território em violação de uma proibição de entrada (4).

2.        A questão‑chave que se coloca no presente reenvio prejudicial apresentado pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França) é a de saber se deve ser admitida uma terceira exceção numa situação em que um nacional de um país terceiro em situação irregular tenha sido intercetado nas imediações de uma fronteira interna. Por conseguinte, não se trata de apurar a legalidade de uma reintrodução dos controlos nas fronteiras internas, mas apenas as consequências de tal reintrodução.

3.        Assim, no âmbito do presente processo, o Tribunal de Justiça é mais uma vez chamado a pronunciar‑se sobre a conformidade com a Diretiva 2008/115 de uma disposição de direito nacional que permite aplicar uma pena de prisão a um nacional de um país terceiro com fundamento apenas na irregularidade da sua situação.

4.        A minha análise levar‑me‑á a propor ao Tribunal de Justiça que responda a esta questão em sentido negativo. Nos termos das disposições da Diretiva 2008/115, não existe diferença entre uma interceção nas imediações da fronteira franco‑espanhola e uma interceção na avenida dos Campos Elísios. A este respeito, importa salientar que a reintrodução provisória dos controlos nas fronteiras internas, ao abrigo do Código das Fronteiras Schengen (5), em nada altera esta conclusão.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Código das Fronteiras Schengen

5.        O artigo 5.o do Código das Fronteiras Schengen dispõe:

«1.      As fronteiras externas só podem ser transpostas nos pontos de passagem de fronteira e durante as horas de abertura fixadas. As horas de abertura devem ser indicadas claramente nos pontos de passagem de fronteira que não estejam abertos 24 horas por dia.

Os Estados‑Membros notificam a Comissão da lista dos respetivos pontos de passagem de fronteira, em conformidade com o disposto no artigo 39.o

[…]

3.      Sem prejuízo das exceções previstas no n.o 2 e das suas obrigações em matéria de proteção internacional, os Estados‑Membros aplicam sanções, nos termos do respetivo direito nacional, no caso de passagem não autorizada das fronteiras externas fora dos pontos de passagem de fronteira e das horas de abertura fixadas. Essas sanções devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.»

6.        O artigo 13.o, n.o 1, do mesmo código prevê:

«A vigilância de fronteiras tem por objetivo principal impedir a passagem não autorizada da fronteira, lutar contra a criminalidade transfronteiriça e tomar medidas contra quem tiver atravessado ilegalmente a fronteira. Quem atravessar ilegalmente uma fronteira e não tiver direito a residir no território do Estado‑Membro em questão deve ser detido e ficar sujeito a procedimento por força da Diretiva 2008/115/CE.»

7.        Nos termos do artigo 14.o do referido código:

«1.      A entrada nos territórios dos Estados‑Membros é recusada a qualquer nacional de país terceiro que não preencha todas as condições de entrada, tal como definidas no artigo 6.o, n.o 1, e não pertença às categorias de pessoas referidas no artigo 6.o, n.o 5. Tal não prejudica a aplicação de disposições especiais relativas ao direito de asilo e de proteção internacional ou à emissão de vistos de longa duração.

2.      A entrada só pode ser recusada por decisão fundamentada que indique as razões precisas da recusa. A decisão deve ser tomada por uma autoridade competente nos termos do direito nacional e produz efeitos imediatos.

A decisão fundamentada indicando as razões precisas da recusa é notificada através do formulário uniforme de recusa de entrada na fronteira, reproduzido no anexo V, parte B, preenchido pela autoridade competente, nos termos do direito nacional, para recusar a entrada. O formulário uniforme preenchido é entregue ao nacional de país terceiro, que acusa a receção da decisão de recusa de entrada através do referido formulário.

3.      As pessoas a quem tenha sido recusada a entrada têm direito de recurso. Os recursos são tramitados em conformidade com o direito nacional. É também facultada ao nacional de país terceiro uma nota escrita indicando os pontos de contacto aptos a fornecer informações sobre os representantes habilitados a atuar em nome do nacional de país terceiro em conformidade com o direito nacional.

A interposição do recurso não tem efeito suspensivo na decisão de recusa de entrada.

Sem prejuízo de uma eventual indemnização concedida nos termos do direito nacional, o nacional de país terceiro, no caso de no recurso se concluir que a decisão de recusa de entrada não tem fundamento, tem direito a que o Estado‑Membro que lhe recusou a entrada proceda à correção do carimbo de entrada cancelado e de quaisquer outros cancelamentos ou aditamentos eventualmente efetuados.

4.      Os guardas de fronteira asseguram que o nacional de país terceiro a quem tenha sido recusada a entrada não entre no território do Estado‑Membro em causa.

5.      Os Estados‑Membros recolhem estatísticas sobre o número de pessoas às quais tenha sido recusada a entrada, sobre os motivos da recusa, sobre a nacionalidade das pessoas cuja entrada tenha sido recusada e sobre o tipo de fronteira (terrestre, aérea ou marítima) em que lhes foi recusada a entrada, e apresentam‑nas anualmente à Comissão (Eurostat) nos termos do Regulamento (CE) n.o 862/2007 (6).

6.      As regras pormenorizadas relativas à recusa de entrada figuram no anexo V, parte A.»

8.        O artigo 23.o do Código das Fronteiras Schengen, que tem por epígrafe «Controlos no interior do território», enuncia:

«A ausência do controlo nas fronteiras internas não prejudica:

a)      O exercício das competências de polícia pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros, ao abrigo do direito nacional, na medida em que o exercício dessas competências não tenha efeito equivalente a um controlo de fronteira, o mesmo se aplicando nas zonas fronteiriças. Na aceção do primeiro período, o exercício das competências de polícia não pode considerar‑se equivalente ao exercício de controlos de fronteira, nomeadamente nos casos em que essas medidas policiais:

i)      não tiverem como objetivo o controlo fronteiriço,

ii)      se basearem em informações policiais de caráter geral e na experiência em matéria de possíveis ameaças à ordem pública e se destinarem particularmente a combater o crime transfronteiras,

iii)      forem concebidas e executadas de forma claramente distinta dos controlos sistemáticos de pessoas nas fronteiras externas,

iv)      forem aplicadas com base em controlos por amostragem;

[…]»

9.        O artigo 25.o do mesmo código dispõe:

«1.      Em caso de ameaça grave à ordem pública ou à segurança interna de um Estado‑Membro no espaço sem controlos nas fronteiras internas, esse Estado‑Membro pode reintroduzir, a título excecional, o controlo em todas ou algumas partes específicas das suas fronteiras internas, por um período limitado não superior a 30 dias, ou pelo período de duração previsível da ameaça grave se a duração desta exceder 30 dias. O alcance e a duração da reintrodução temporária do controlo nas fronteiras internas não devem exceder o estritamente necessário para dar resposta à ameaça grave.

2.      O controlo nas fronteiras internas só pode ser reintroduzido em último recurso e de acordo com os artigos 27.o, 28.o e 29.o Os critérios enumerados, respetivamente, nos artigos 26.o e 30.o devem ser tidos em conta caso seja prevista uma decisão sobre a reintrodução do controlo nas fronteiras internas ao abrigo, respetivamente, dos artigos 27.o, 28.o ou 29.o

3.      Se a ameaça grave à ordem pública ou à segurança interna no Estado‑Membro em causa persistir para além do período previsto no n.o 1 do presente artigo, esse Estado‑Membro pode prolongar o controlo nas suas fronteiras internas, no respeito pelos critérios a que se refere o artigo 26.o e de acordo com o artigo 27.o, com base nas mesmas razões que as previstas no n.o 1 do presente artigo e, tendo em conta eventuais novos elementos, por períodos renováveis não superiores a 30 dias.

4.      A duração total da reintrodução do controlo nas fronteiras internas, incluindo quaisquer prorrogações previstas no n.o 3 do presente artigo, não pode exceder seis meses. Em circunstâncias excecionais, como referido no artigo 29.o, esse período total pode ser prorrogado pelo prazo máximo de dois anos nos termos do n.o 1 desse artigo.»

10.      O artigo 32.o deste código enuncia:

«Caso seja reintroduzido o controlo nas fronteiras internas, aplicam‑se, com as necessárias adaptações, as disposições aplicáveis do título II.»

11.      Os artigos 5.o, 13.o e 14.o do referido código fazem parte do seu título II, intitulado «Fronteiras externas», ao passo que os artigos 23.o, 25.o e 32.o fazem parte do título III, intitulado «Fronteiras internas».

 Diretiva 2008/115

12.      O objeto da Diretiva 2008/115 é descrito no seu artigo 1.o da seguinte forma:

«A presente diretiva estabelece normas e procedimentos comuns a aplicar nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, no respeito dos direitos fundamentais enquanto princípios gerais do direito comunitário e do direito internacional, nomeadamente os deveres em matéria de proteção dos refugiados e de direitos do Homem.»

13.      O artigo 2.o da Diretiva 2008/115, que tem por epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe:

«1.      A presente diretiva é aplicável aos nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro.

2.      Os Estados‑Membros podem decidir não aplicar a presente diretiva aos nacionais de países terceiros que:

a)      Sejam objeto de recusa de entrada nos termos do artigo 13.o do Código das Fronteiras Schengen ou sejam detidos ou intercetados pelas autoridades competentes quando da passagem ilícita das fronteiras externas terrestres, marítimas ou aéreas de um Estado‑Membro e não tenham posteriormente obtido autorização ou o direito de permanência nesse Estado‑Membro;

b)      Estejam obrigados a regressar por força de condenação penal ou em consequência desta, nos termos do direito interno, ou sejam objeto de processo de extradição.

[…]»

14.      Nos termos do artigo 3.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições»:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

2)      “Situação irregular”, a presença, no território de um Estado‑Membro, de um nacional de país terceiro que não preencha ou tenha deixado de preencher as condições de entrada previstas no artigo 5.o do Código das Fronteiras Schengen ou outras condições aplicáveis à entrada, permanência ou residência nesse Estado‑Membro;

3)      “Regresso”, o processo de retorno de nacionais de países terceiros, a título de cumprimento voluntário de um dever de regresso ou a título coercivo:

–        ao país de origem, ou

–        a um país de trânsito, ao abrigo de acordos de readmissão comunitários ou bilaterais ou de outras convenções, ou

–        a outro país terceiro, para o qual a pessoa em causa decida regressar voluntariamente e no qual seja aceite;

4)      “Decisão de regresso”, uma decisão ou ato administrativo ou judicial que estabeleça ou declare a situação irregular de um nacional de país terceiro e imponha ou declare o dever de regresso;

5)      “Afastamento”, a execução do dever de regresso, ou seja, o transporte físico para fora do Estado‑Membro;

[…]»

15.      O artigo 4.o, n.o 4, da mesma diretiva dispõe:

«No que diz respeito aos nacionais de países terceiros excluídos do âmbito de aplicação da presente diretiva por força da alínea a) do n.o 2 do artigo 2.o, os Estados‑Membros devem:

a)      Assegurar que o seu tratamento e nível de proteção não sejam menos favoráveis do que os previstos nos n.os 4 e 5 do artigo 8.o (restrições à utilização de medidas coercivas), na alínea a) do n.o 2 do artigo 9.o (adiamento do afastamento), nas alíneas b) e d) do n.o 1 do artigo 14.o (cuidados de saúde urgentes e tomada em consideração das necessidades das pessoas vulneráveis) e nos artigos 16.o e 17.o (condições de detenção); e

b)      Respeitar o princípio da não‑repulsão.»

16.      Nos termos do artigo 6.o («Decisão de regresso»), n.o 1, desta mesma diretiva, «[s]em prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 a 5, os Estados‑Membros devem emitir uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território.»

17.      Nos termos do artigo 16.o da mesma diretiva:

«1.      Regra geral, a detenção tem lugar em centros de detenção especializados. Se um Estado‑Membro não tiver condições para assegurar aos nacionais de países terceiros a sua detenção num centro especializado e tiver de recorrer a um estabelecimento prisional, os nacionais de países terceiros colocados em detenção ficam separados dos presos comuns.

2.      Os nacionais de países terceiros detidos são autorizados, a pedido, a contactar oportunamente os seus representantes legais, os seus familiares e as autoridades consulares competentes.

3.      Deve atribuir‑se especial atenção à situação das pessoas vulneráveis e ser prestados cuidados de saúde urgentes e o tratamento básico de doenças.

4.      As organizações, os órgãos nacionais e internacionais e as organizações e os órgãos não governamentais relevantes e competentes têm a possibilidade de visitar os centros de detenção a que se refere o n.o 1, na medida em que estes estejam a ser utilizados para a detenção de nacionais de países terceiros de acordo com o presente capítulo. Essas visitas podem ser sujeitas a autorização.

5.      Aos nacionais de países terceiros detidos são sistematicamente fornecidas informações que expliquem as regras aplicadas no centro de detenção e indiquem os seus direitos e deveres. Essas informações incluem, nomeadamente o direito de, nos termos do direito nacional, contactarem as organizações e órgãos referidos no n.o 4.»

 Direito francês

18.      O artigo L. 621‑2 do code de l’entrée et du séjour des étrangers et du droit d’asile (Código de Entrada e Permanência de Estrangeiros e do Direito de Asilo), com a redação resultante da Lei n.o 2012‑1560, de 31 de dezembro de 2012, relativa à retenção para verificação do direito de permanência, que altera o delito de auxílio à permanência irregular com o fim de excluir as ações humanitárias e desinteressadas (7) (a seguir «Ceseda»), dispõe:

«É punido com pena de prisão de um ano e multa de 3 750 euros o estrangeiro que, não sendo nacional de um Estado‑Membro da União Europeia:

1°      Tiver entrado no território metropolitano sem preencher as condições previstas no artigo 5.o, n.o 1, alíneas a), b) e c), do Regulamento (CE) n.o 562/2006 [(8)] do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, que estabelece o código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) [(9)], e sem ter sido admitido no território ao abrigo do artigo 5.o, n.o 4, alíneas a) e c), deste mesmo regulamento [(10)]; o mesmo é aplicável se o estrangeiro estiver indicado para efeitos de não admissão em aplicação de uma decisão executória de outro Estado parte na convenção assinada em Schengen, em 19 de junho de 1990;

2°      Ou, vindo diretamente de um Estado parte nesta convenção, tiver entrado no território metropolitano sem cumprir o disposto nos seus artigos 19.o, n.os 1 ou 2, 20.o, n.o 1, e 21.o, n.os 1 ou 2, com exceção das condições referidas no artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento [n.o 562/2006], já referido, e na alínea d), quando a indicação para efeitos de não admissão não resulte de uma decisão executória de outro Estado parte na convenção;

[…]

Para efeitos do presente artigo, a ação penal só pode ser exercida quando os factos tenham sido verificados nas circunstâncias previstas no artigo 53.o do code de procédure pénale [(Código de Processo Penal)].»

19.      O artigo 53.o do Código de Processo Penal dispõe:

«É flagrante delito o crime ou delito que esteja a ser cometido ou que tenha acabado de ser cometido. Reputa‑se também flagrante delito o caso em que o suspeito for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objetos ou apresente vestígios ou indícios que mostrem que participou no crime ou no delito.

Na sequência da verificação de flagrante delito, o inquérito, levado a cabo sob a fiscalização do Procurador da República nas condições previstas no presente capítulo, pode ser prosseguido, sem interrupções, durante oito dias.

Quando as investigações necessárias ao apuramento da verdade quanto a um crime ou um delito punido com pena de prisão igual ou superior a cinco anos não possam ser adiadas, o Procurador da República pode decidir da prorrogação do inquérito, nas mesmas condições, por um período máximo de oito dias.»

20.      O artigo 62.o‑2 do Código de Processo Penal enuncia:

«A detenção é uma medida coerciva decidida por um oficial da polícia judiciária, sob a fiscalização da autoridade judiciária, pela qual uma pessoa contra quem existam razões plausíveis para suspeitar que cometeu ou tentou cometer um crime ou um delito punido com pena de prisão é mantida à disposição dos investigadores.

[…]»

21.      O artigo 78.o‑2 do Código de Processo Penal, na redação decorrente da Lei de 3 de junho de 2016, dispõe:

«Os oficiais da polícia judiciária e, sob as ordens e responsabilidade destes, os agentes da polícia judiciária e os agentes adjuntos da polícia judiciária referidos nos artigos 20 e 21‑1 podem pedir a comprovação da identidade, por quaisquer meios, a qualquer pessoa de quem haja razões plausíveis para suspeitar:

‑ que cometeu ou tentou cometer uma infração;

‑ ou que se prepara para cometer um crime ou um delito;

‑ ou que pode fornecer informações úteis para o inquérito, em caso de crime ou de delito;

‑ ou que violou as obrigações ou proibições a que está sujeita no âmbito de um controlo judiciário, de uma medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, de uma pena ou de uma medida seguida pelo tribunal de aplicação das penas;

‑ ou que é objeto de investigações ordenadas por uma autoridade judiciária.

Mediante promoção, por escrito, do Procurador da República, para efeitos de investigação e procedimento contra as infrações por ele indicadas, pode ser igualmente controlada a identidade de qualquer pessoa, segundo as mesmas modalidades, nos locais e pelo período de tempo determinados por este magistrado. Não constitui causa de nulidade dos procedimentos incidentais o facto de o controlo de identidade revelar infrações diferentes das referidas na promoção do Procurador da República.

Pode ser igualmente controlada a identidade de qualquer pessoa, independentemente do seu comportamento, segundo as modalidades previstas no primeiro parágrafo, a fim de prevenir qualquer infração à ordem pública, designadamente à segurança das pessoas ou dos bens.

Numa zona compreendida entre a fronteira terrestre da França com os Estados Partes na Convenção assinada em Schengen, em 19 de junho de 1990, e uma linha traçada a 20 quilómetros dessa fronteira, bem como nas zonas, acessíveis ao público, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias abertos ao tráfego internacional e designados por portaria, para a prevenção e deteção das infrações relacionadas com a criminalidade transfronteiriça, a identidade de qualquer pessoa pode também ser objeto de controlo, segundo as modalidades previstas no primeiro parágrafo, tendo em vista verificar o respeito das obrigações de posse, porte e apresentação dos títulos e documentos previstos na lei. Quando este controlo for feito num comboio que efetue uma ligação internacional, pode ter lugar durante a parte do trajeto entre a fronteira e a primeira paragem situada para além dos 20 quilómetros da fronteira. No entanto, no caso de linhas ferroviárias que efetuem uma ligação internacional e apresentem características especiais de serviço, o controlo pode igualmente ter lugar entre essa paragem e uma outra situada dentro dos 50 quilómetros seguintes. Estas linhas e paragens são designadas por portaria ministerial. Quando houver um troço de autoestrada com início na zona referida no primeiro período do presente parágrafo e a primeira portagem se situar para além da linha de 20 quilómetros, o controlo pode ainda ter lugar, até esta primeira portagem, nas áreas de estacionamento, bem como na própria portagem e nas áreas de estacionamento contíguas a esta. As portagens abrangidas por esta disposição são designadas por portaria. Não constitui causa de nulidade dos procedimentos incidentais o facto de o controlo de identidade revelar uma infração diferente do não respeito das obrigações acima referidas. Para efeitos da aplicação do presente parágrafo, o controlo das obrigações de posse, porte e apresentação dos títulos e documentos previstos na lei só pode ser praticado por um período não superior a seis horas consecutivas num mesmo local e não pode consistir num controlo sistemático das pessoas presentes ou que circulam nas zonas ou locais referidos no mesmo parágrafo.

[…]»

 Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

22.      Depois de ter entrado no território francês em data desconhecida, Abdelaziz Arib, de nacionalidade marroquina, deixou a França na sequência de uma medida de afastamento que lhe tinha sido notificada em 10 de agosto de 2013.

23.      Em 15 de junho de 2016, A. Arib foi sujeito a um controlo em Boulou (Pirenéus Orientais, França), na zona compreendida entre a fronteira terrestre que separa a França da Espanha e uma linha traçada a vinte quilómetros da mesma, em aplicação do artigo 78.o‑2, parágrafo 9, do Código de Processo Penal, quando se encontrava num autocarro proveniente de Marrocos. Não comprovou possuir um visto ou outro título que o autorizasse a permanecer no território francês.

24.      Sendo suspeito de ter entrado irregularmente no território francês, delito previsto no artigo L. 621‑2 do Ceseda, foi detido.

25.      Em 16 de junho de 2016, o préfet des Pyrénées‑Orientales (prefeito dos Pirenéus Orientais, França) emitiu contra A. Arib uma ordem de abandono do território francês e ordenou a sua colocação em detenção administrativa.

26.      Por despacho de 21 de junho de 2016, o juge des libertés et de la détention do Tribunal de grande instance de Perpignan (juiz competente em matéria de liberdades e de detenção do Tribunal de Primeira Instância de Perpignan, França) declarou a nulidade da detenção de A. Arib e de todo o processo subsequente, incluindo a detenção administrativa, com fundamento em que aquela detenção não podia ser aplicada. Com efeito, A. Arib, estrangeiro em situação irregular, tinha acabado de atravessar uma fronteira interna entre a França e a Espanha, o que, segundo aquele juiz, devia levar à aplicação da Diretiva 2008/115, que não permite aplicar uma pena de prisão em circunstâncias como as do caso em apreço.

27.      O prefeito dos Pirenéus Orientais interpôs recurso.

28.      Por despacho de 22 de junho de 2016, o primeiro presidente da Cour d’appel de Montpellier (Tribunal de Recurso de Montpellier, França) confirmou a decisão de primeira instância do juge des libertés et de la détention do Tribunal de grande instance de Perpignan (juiz competente em matéria de liberdades e de detenção do Tribunal de Primeira Instância de Perpignan).

29.      O prefeito dos Pirenéus Orientais interpôs recurso de cassação deste despacho para o órgão jurisdicional de reenvio. Invoca, como fundamento de recurso, a violação dos artigos 2.o, 14.o, 25.o, 27.o e 32.o do Código das Fronteiras Schengen, bem como do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), e dos artigos 8.o e 15.o da Diretiva 2008/115. Alega, nomeadamente, que, em caso de ameaça grave para a ordem pública ou a segurança interna, um Estado‑Membro pode excecionalmente reintroduzir o controlo nas suas fronteiras internas, paralisando, assim, parcialmente, a aplicação da Diretiva 2008/115, e que, nestas circunstâncias, uma vez que as medidas protetoras da Diretiva 2008/115 não são aplicáveis, uma pessoa que tenha entrado irregularmente em França pode ser controlada em conformidade com as disposições do artigo 78.o‑2, parágrafo 9, do Código de Processo Penal e, se estiver em situação irregular, pode então ser condenada em pena de prisão e ser detida.

30.      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se o controlo reintroduzido numa fronteira interna de um Estado‑Membro é equiparável ao controlo numa fronteira externa, aquando da sua passagem por um nacional de um país terceiro sem direito de entrada, sendo o controlo efetuado em flagrante delito. Levanta, portanto, a questão de saber se um Estado‑Membro que tenha reintroduzido o controlo nas fronteiras internas pode invocar o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/115 para subtrair o referido nacional de um país terceiro à aplicação desta diretiva. Em caso de resposta afirmativa, coloca‑se ainda a questão de saber se o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115 deve ser interpretado no sentido de que não obsta à prisão de um nacional de um país terceiro, nas circunstâncias do caso em apreço.

31.      Foi nestas circunstâncias que a Cour de cassation (Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      O artigo 32.o do [Código das Fronteiras Schengen], que prevê que, caso seja restabelecido o controlo nas fronteiras internas, as disposições aplicáveis do título II (sobre as fronteiras externas) aplicam‑se com as necessárias adaptações, deve ser interpretado no sentido de que o controlo reintroduzido numa fronteira interna de um Estado‑Membro é equiparável a um controlo realizado numa fronteira externa, aquando da sua passagem por um nacional de um país terceiro privado do direito de entrada?

2.      Nas mesmas circunstâncias de restabelecimento do controlo nas fronteiras internas, este [código] e a Diretiva [2008/115], permitem aplicar à situação de um nacional de país terceiro, que passa uma fronteira onde o controlo foi restabelecido, a faculdade prevista no artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da [Diretiva 2008/115], que confere aos Estados‑Membros a possibilidade de continuarem a aplicar os procedimentos de regresso nacionais simplificados nas suas fronteiras externas?

3.      Em caso de resposta afirmativa a esta última questão, as disposições do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), e do artigo 4.o, n.o 4, da [Diretiva 2008/115] opõem‑se a uma regulamentação nacional como o artigo L. 621‑2 do [Ceseda], que pune com pena de prisão a entrada irregular no território nacional de um nacional de país terceiro para o qual o procedimento de regresso estabelecido nesta diretiva não foi ainda concluído?»

32.      Foram apresentadas observações escritas pelo prefeito dos Pirenéus Orientais, pelos Governos francês e alemão, bem como pela Comissão Europeia. Os Governos francês e alemão, bem como a Comissão, foram ouvidos na audiência que se realizou em 12 de junho de 2018.

 Análise

33.      Embora o presente processo seja já o terceiro que tem por objeto, no âmbito do litígio no processo principal, a conformidade do artigo 621.o do Ceseda com as disposições da Diretiva 2008/115 (11), a sua particularidade reside na articulação das disposições desta diretiva com as do Código das Fronteiras Schengen.

 Primeira e segunda questões

34.      Com a primeira e segunda questões, que devem ser abordadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se decorre do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/115 e do artigo 32.o do Código das Fronteiras Schengen que as autoridades de um Estado‑Membro podem decidir não aplicar a Diretiva 2008/115 à situação de um nacional de um país terceiro detido ou intercetado quando da passagem irregular de uma fronteira interna em que os controlos tenham sido restabelecidos nos termos do artigo 25.o do Código das Fronteiras Schengen (12).

35.      A questão que se coloca é, portanto, a de saber se as disposições da Diretiva 2008/115 se aplicam obrigatoriamente a uma situação em que um Estado‑Membro tenha reintroduzido temporariamente controlos nas fronteiras internas, ao abrigo do artigo 25.o do Código das Fronteiras Schengen.

36.      Nos termos do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), segunda hipótese (13), da Diretiva 2008/115, os Estados‑Membros podem decidir não aplicar esta diretiva aos nacionais de países terceiros que tenham sido detidos ou intercetados pelas autoridades competentes quando da passagem ilícita das fronteiras externas terrestres, marítimas ou aéreas de um Estado‑Membro e não tenham posteriormente obtido autorização ou o direito de permanência nesse Estado‑Membro.

 Passagem de uma fronteira

37.      A. Arib foi detido durante um controlo em Boulou (Pirenéus Orientais), ou seja, a menos de vinte quilómetros da fronteira franco‑espanhola (14). Uma vez que, fisicamente, este controlo foi efetuado no interior do território francês, importa levantar a questão de saber se A. Arib foi detido quando da passagem de uma fronteira.

38.      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a expressão «quando da passagem ilícita» de uma fronteira (externa) implica um nexo temporal e espacial estreito com a passagem da fronteira e pressupõe que sejam assim visados os nacionais dos países terceiros que tenham sido detidos ou intercetados pelas autoridades competentes no próprio momento da passagem ilícita da fronteira (externa) ou após essa passagem na proximidade dessa fronteira (15).

39.      No presente processo, existe efetivamente, na minha opinião, um nexo temporal e espacial estreito com a passagem da fronteira franco‑espanhola (16).

40.      A questão que então se coloca é a de saber se, no caso em apreço, se trata de uma fronteira externa também para efeitos da Diretiva 2008/115 e, mais precisamente, do seu artigo 2.o, n.o 2, alínea a).

 Quanto ao artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/115: uma fronteira externa?

41.      A própria Diretiva 2008/115 não comporta definições dos termos «fronteira interna» ou «fronteira externa». Contudo, na medida em que refere várias vezes o Código das Fronteiras Schengen, parece‑me claro que a definição dada por este Código é aplicável (17).

42.      Assim, nos termos do artigo 2.o, ponto 1, do Código das Fronteiras Schengen, para efeitos deste código, entende‑se por «fronteiras internas» as fronteiras comuns terrestres (18) dos Estados‑Membros [alínea a)], os aeroportos dos Estados‑Membros, no que respeita aos voos internos [alínea b)], e os portos marítimos, fluviais e lacustres dos Estados‑Membros, no que diz respeito às ligações regulares internas por ferry. Quanto às «fronteiras externas», são definidas como as fronteiras terrestres (19) e as fronteiras marítimas, bem como os aeroportos, portos fluviais, portos marítimos e portos lacustres dos Estados‑Membros, desde que não sejam fronteiras internas.

43.      Importa esclarecer que a expressão «Estados‑Membros» inclui apenas os Estados‑Membros da União Europeia que participam no acervo de Schengen, bem como os Estados terceiros que nele participam (20).

44.      A fronteira franco‑espanhola em questão constitui efetivamente uma fronteira interna à luz destas definições.

45.      Com base na letra do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/115, a análise deveria terminar aqui. A República Francesa não pode decidir não aplicar a Diretiva 2008/115 a A. Arib.

46.      É também o que resulta claramente da interpretação do artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 feita pelo Tribunal de Justiça no acórdão Affum (21). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça salientou, com efeito, que as duas situações visadas no artigo 2.o, n.o 2, alínea a), desta diretiva dizem exclusivamente respeito à passagem de uma fronteira externa de um Estado‑Membro, conforme definida no artigo 2.o, ponto 2, do Código das Fronteiras Schengen, e, portanto, não dizem respeito à passagem de uma fronteira comum a Estados‑Membros que fazem parte do espaço Schengen. O Tribunal de Justiça considerou que a referida disposição não pode, por conseguinte, permitir aos Estados‑Membros não aplicar a Diretiva 2008/115 a nacionais de países terceiros em situação irregular devido à sua entrada irregular por uma fronteira interna (22).

 Quanto à reintrodução dos controlos nas fronteiras internas

47.      Importa determinar as eventuais consequências da reintrodução dos controlos nas fronteiras internas sobre a aplicabilidade da Diretiva 2008/115.

48.      A este respeito, segundo a República Francesa e a República Federal da Alemanha, resulta do artigo 32.o do Código das Fronteiras Schengen que a fronteira franco‑espanhola deve, no caso em apreço, ser considerada uma fronteira externa.

49.      Não posso partilhar desta opinião.

50.      Embora, nos termos do artigo 32.o do Código das Fronteiras Schengen, caso seja reintroduzido o controlo nas fronteiras internas, aplicam‑se, com as necessárias adaptações, as disposições aplicáveis do título II deste código (fronteiras externas), tal não significa precisamente que a expressão «fronteira externa» substitua na íntegra a expressão «fronteira interna» (para efeitos do Código das Fronteiras Schengen ou de outros instrumentos jurídicos, como a Diretiva 2008/15).

51.      O título III do Código das Fronteiras Schengen rege as fronteiras internas. A regra geral, que constitui a razão de ser e a disposição fundamental deste código, é formulada, no título III, no artigo 22.o: as fronteiras internas podem ser transpostas em qualquer local sem que se proceda ao controlo das pessoas (23). Para além da ausência de controlos nas fronteiras internas, o título III do Código das Fronteiras Schengen (capítulo I ‑ artigos 22.o a 24.o) trata da reintrodução temporária do controlo nas fronteiras internas (capítulo II ‑ artigos 25.o a 35.o).

52.      É a este respeito que o artigo 32.o do Código das Fronteiras Schengen prevê que, caso seja reintroduzido o controlo nas fronteiras internas, se aplicam, com as necessárias adaptações, as disposições aplicáveis do título II. Esta disposição refere‑se, portanto, claramente às outras disposições do Código das Fronteiras Schengen. A Diretiva 2008/115 não é aqui mencionada de modo algum.

53.      A redação do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/115 é clara: esta disposição menciona efetivamente uma fronteira externa.

54.      Esta redação parece‑me corroborada pelo objeto e pela finalidade desta disposição. A exceção prevista no artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/115 está igualmente subordinada ao objetivo geral desta diretiva, que consiste, nos termos do seu artigo 1.o, em estabelecer normas e procedimentos comuns a aplicar nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (24). Por conseguinte, embora os Estados‑Membros possam decidir não aplicar a Diretiva 2008/115, tal é para expulsar (ainda) mais eficazmente o nacional do país terceiro.

55.      Se os Estados‑Membros exercem esta faculdade (25), prevista no artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/115, de não aplicar esta diretiva aos nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro, é porque é muito mais fácil expulsar um nacional de um país terceiro a partir de uma fronteira externa.

56.      Com efeito, como o órgão jurisdicional de reenvio salienta, e como o Tribunal de Justiça já declarou (26), o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/115 permite aos Estados‑Membros continuar a aplicar nas suas fronteiras externas procedimentos de regresso nacionais simplificados, sem ter de seguir todas as etapas dos procedimentos previstos pela referida diretiva, a fim de poder afastar mais rapidamente os nacionais dos países terceiros intercetados quando da passagem dessas fronteiras.

57.      Contudo, a situação de um nacional de um país terceiro que já se encontre no espaço Schengen distingue‑se claramente da situação referida no artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/115.

58.      Acresce que os Estados‑Membros não protegem os mesmos interesses jurídicos nas fronteiras externas e nas fronteiras internas.

59.      Um Estado‑Membro que, por força do Código das Fronteiras Schengen, é responsável pelo controlo das fronteiras externas desse espaço, atua no interesse de todos os Estados‑Membros do espaço Schengen. Pelo contrário, um Estado‑Membro que decida reintroduzir controlos nas fronteiras internas fá‑lo no seu próprio interesse.

60.      Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à primeira e segunda questões que o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/115 e o artigo 32.o do Código das Fronteiras Schengen devem ser interpretados no sentido de que as autoridades de um Estado‑Membro não podem decidir não aplicar a Diretiva 2008/115 à situação de um nacional de um país terceiro detido ou intercetado quando da passagem ilícita de uma fronteira interna em que os controlos foram restabelecidos, nos termos do artigo 25.o do Código das Fronteiras Schengen.

 Terceira questão

61.      Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, em caso de resposta afirmativa à segunda questão, as disposições do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), e do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115 se opõem a uma regulamentação nacional como o artigo L. 621‑2 do Ceseda, que pune com pena de prisão a entrada irregular no território nacional de um nacional de um país terceiro relativamente ao qual o procedimento de regresso estabelecido por esta diretiva não tenha ainda sido concluído.

62.      Atendendo à minha resposta à primeira e segunda questões, esta questão é hipotética. Por conseguinte, examiná‑la‑ei apenas para o caso de o Tribunal de Justiça discordar do meu entendimento quanto à resposta a dar às duas primeiras questões do órgão jurisdicional de reenvio.

63.      Importa salientar, desde já, que, em princípio, numa hipótese como a formulada nesta questão, nos termos do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/115, esta diretiva não é aplicável a um nacional de um país terceiro. Contudo, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115, os Estados‑Membros devem assegurar que o tratamento e o nível de proteção reservado aos nacionais de países terceiros não sejam menos favoráveis do que os previstos, designadamente, nos artigos 16.o e 17.o (condições de detenção) (27).

64.      Como o Tribunal de Justiça salientou no Acórdão Affum, a finalidade do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/115, conforme resulta da génese desta diretiva, consiste em permitir aos Estados‑Membros continuar a aplicar nas suas fronteiras externas procedimentos de regresso nacionais simplificados, sem ter de seguir todas as etapas dos procedimentos previstos pela referida diretiva, a fim de poder afastar mais rapidamente os nacionais dos países terceiros intercetados quando da passagem dessas fronteiras (28). Tal explica, além disso, a razão de ser do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115, que, segundo o Tribunal de Justiça, «prev[ê] de forma detalhada o enquadramento do exercício pelos Estados‑Membros da faculdade prevista no seu artigo 2.o, n.o 2, alínea a)» (29) e que «visa, neste contexto, garantir que esses procedimentos nacionais simplificados respeitam as garantias mínimas previstas pela Diretiva 2008/115» (30).

65.      Na minha opinião, resulta desta análise que, para o legislador da União, o exercício por um Estado‑Membro da faculdade prevista no artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/15 pressupõe logicamente que esse Estado‑Membro aplique um procedimento nacional de regresso simplificado.

66.      Por conseguinte, é tentador transpor a jurisprudência resultante do Acórdão Affum para a situação prevista no artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/115 e considerar que é impossível a prisão de um nacional de um país terceiro.

67.      Contudo, não considero que esta interpretação possa ser acolhida, dado que excede a letra do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/115, acrescentando‑lhe uma condição adicional. Com efeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à privação de liberdade de um nacional de um país terceiro em situação irregular (31), orientada principalmente por considerações relativas ao efeito útil da Diretiva 2008/115 (32), em especial do artigo 6.o, n.o 1 (33), e do artigo 8.o, n.o 1 (34), refere‑se precisamente ao âmbito de aplicação desta diretiva. Ora, quando um Estado‑Membro aplica o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/115, a situação desse nacional deixa de ser regida por esta diretiva e já não se pode recorrer a considerações relativas ao seu efeito útil.

68.      Por conseguinte, mesmo que se possa legitimamente duvidar que uma detenção possa contribuir para um afastamento mais rápido da pessoa visada, esta questão não se coloca, por não ser abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/115.

69.      É por esta razão que responderia à terceira questão (hipotética) que as disposições do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), e do artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115 não se opõem a uma legislação nacional como o artigo L. 621‑2 do Ceseda, que pune com pena de prisão a entrada irregular no território nacional de um nacional de um país terceiro relativamente ao qual o procedimento de regresso estabelecido por esta diretiva não tenha ainda sido concluído.

 Conclusão

70.      À luz das considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pela Cour de Cassation (Tribunal de Cassação, França), do seguinte modo:

71.      O artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, e o artigo 32.o do Regulamento (UE) 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, que estabelece o código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen), devem ser interpretados no sentido de que as autoridades de um Estado‑Membro não podem decidir não aplicar a Diretiva 2008/115 à situação de um nacional de um país terceiro detido ou intercetado aquando da passagem ilícita de uma fronteira interna em que os controlos foram restabelecidos, nos termos do artigo 25.o do Código das Fronteiras Schengen.


1      Língua original: francês.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO 2008, L 348, p. 98).


3      V. Acórdão de 6 de dezembro de 2011, Achughbabian (C‑329/11, EU:C:2011:807, n.o 50 e segundo travessão do dispositivo).


4      V. Acórdão de 1 de outubro de 2015, Celaj (C‑290/14, EU:C:2015:640, n.o 28 e dispositivo).


5      Regulamento (UE) 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, que estabelece o código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO 2016, L 77, p. 1).


6      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo às estatísticas comunitárias sobre migração e proteção internacional e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 311/76 do Conselho relativo ao estabelecimento de estatísticas sobre trabalhadores estrangeiros (JO 2007, L 199, p. 23).


7      JORF, de 1 de janeiro de 2013, p. 48.


8      Que corresponde ao artigo 6.o, n.o 1, alíneas a), b) e c), do Código das Fronteiras Schengen.


9      JO 2006, L 105, p. 1.


10      Que corresponde ao artigo 6.o, n.o 5, alíneas a) e c), do Código das Fronteiras Schengen.


11      V. Acórdãos de 6 de dezembro de 2011, Achughbabian (C‑329/11, EU:C:2011:807); e de 7 de junho de 2016, Affum (C‑47/15, EU:C:2016:408).


12      Parece‑me, com efeito, que a primeira questão, por si só, ultrapassa o litígio no processo principal, na medida em que tem por objeto uma série de situações hipotéticas.


13      A primeira hipótese, que respeita a nacionais de países terceiros que sejam objeto de recusa de entrada nos termos do artigo 13.o do Código das Fronteiras Schengen, não é aplicável no caso em apreço, dado que tal recusa não se verificou.


14      Com base no antigo artigo 78.o‑2, parágrafo 4, do Código de Processo Penal, atual artigo 78.o‑2, parágrafo 9, do referido código.


15      V. Acórdão de 7 de junho de 2016, Affum (C‑47/15, EU:C:2016:408, n.o 72); e Conclusões que apresentei nesse processo (C‑47/15, EU:C:2016:68, n.o 71).


16      Por outro lado, o Tribunal de Justiça, no âmbito do antigo Código das Fronteiras Schengen (Regulamento n.o 562/2006), declarou que os controlos de identidade efetuados com base no artigo 78.o‑2, parágrafo 4, do Código de Processo Penal (atual artigo 78.o‑2, parágrafo 9, desse mesmo código) podiam ter um efeito equivalente ao dos controlos de fronteira [v. Acórdão de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli (C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.os 71 a 75)]. Contudo, uma vez que o Tribunal de Justiça já interpretou a expressão «quando da passagem ilícita» de uma fronteira no âmbito da Diretiva 2008/115, deixa de ser necessário recorrer a esta jurisprudência no âmbito do artigo 23.o do Código das Fronteiras Schengen (antigo artigo 21.o do Regulamento n.o 562/2006).


17      V. Conclusões que apresentei no processo Affum (C‑47/15, EU:C:2016:68, n.o 42).


18      Incluindo fluviais e lacustres.


19      Inclusive as fronteiras fluviais e as lacustres.


20      V. considerandos 37 a 44 do Código das Fronteiras Schengen.


21      Acórdão de 7 de junho de 2016 (C‑47/15, EU:C:2016:408).


22      V. Acórdão de 7 de junho de 2016, Affum (C‑47/15, EU:C:2016:408, n.o 69).


23      «[I]ndependentemente da sua nacionalidade», como esta mesma disposição não deixa de precisar com uma lógica implacável. Com efeito, a passagem das fronteiras sem qualquer controlo só é possível se respeitar a todas as pessoas. A supressão dos controlos nas fronteiras internas que esta disposição visa alcançar é necessariamente extensiva aos nacionais de países terceiros em razão da natureza da ausência de controlos. V., a este respeito, Hoppe, M., em C. O. Lenz K.‑D. Borchardt (eds.), EUVerträge Kommentar, Bundeanzeiger Verlag, Colónia, 6.a ed, 2013, Artikel 77 AEUV, ponto 5, e Müller‑Graff, P.‑Chr., em M. Pechstein, C. Nowak, U. Häde (ed.), Frankfurter Kommentar zu EUV, GRC und AEUV, Band II, Mohr Siebeck, Tübingen, 2017, Artikel 77 AEUV, ponto 1.


24      No respeito dos direitos fundamentais e do direito internacional, nomeadamente os deveres em matéria de proteção dos refugiados e de direitos do Homem.


25      O Tribunal de Justiça refere‑se, evidentemente, a uma «exceção» [v. Acórdão de 7 de junho de 2016, Affum (C‑47/15, EU:C:2016:408, n.o 73)], o que, na minha opinião, implica que a disposição em causa deve ser interpretada de forma estrita. V., neste sentido, igualmente, S. Peers, EU Justice and Home Affairs Law (Volume I: EU Justice and Home Affairs Law), 4a edição, OUP, Oxford, 2016, p. 504.


26      V. Acórdão de 7 de junho de 2016, Affum (C‑47/15, EU:C:2016:408, n.o 74).


27      Bem como no artigo 8.o, n.os 4 e 5 (restrições à utilização de medidas coercivas), no artigo 9.o, n.o 2, alínea a) (adiamento do afastamento) e no artigo 14.o, n.o 1, alíneas b) e d) (cuidados de saúde urgentes e tomada em consideração das necessidades das pessoas vulneráveis).


28      V. Acórdão de 7 de junho de 2016, Affum (C‑47/15, EU:C:2016:408, n.o 74).


29      V. Acórdão de 7 de junho de 2016, Affum (C‑47/15, EU:C:2016:408, n.o 74).


30      Ibidem.


31      Para uma síntese da jurisprudência do Tribunal de Justiça, v. as Conclusões que apresentei no processo Affum (C‑47/15, EU:C:2016:68, n.os 48 a 56).


32      V., designadamente, Acórdão Achughbabian (C‑329/11, EU:C:2011:807, n.o 33). V., igualmente, as Conclusões que apresentei no processo Celaj (C‑290/14, EU:C:2015:285, n.o 60). V., igualmente, Bartolini, S., Bombois, Th., «Immigration Detention before the CJEU: The Interrelationship between the Returns Directive and the Recast Reception Conditions Directive and their Impact on the Rights of Third Country Nationals», European Human Rights Law Review, 2016, pp. 518 a 529 e, em especial, p. 523.


33      Que prevê que os Estados‑Membros devem emitir uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território, sem prejuízo de certas exceções.


34      Que dispõe que os Estados‑Membros tomam todas as medidas necessárias para executar a decisão de regresso (se não tiver sido concedido qualquer prazo para a partida voluntária, nos termos do n.o 4 do artigo 7.o da Diretiva 2008/115 ou se a obrigação de regresso não tiver sido cumprida dentro do prazo para a partida voluntária concedido nos termos do artigo 7.o desta diretiva).