Language of document : ECLI:EU:T:2023:618

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção alargada)

11 de outubro de 2023 (*)

«Função pública — Pessoal do BEI — Remuneração — Abono por filho a cargo — Abono escolar — Recuperação de pagamentos indevidos — Incompetência da autora do ato — Violação do prazo de prescrição»

No processo T‑529/22,

QT, representada por L. Levi, advogada,

recorrente,

contra

Banco Europeu de Investimento (BEI), representado por G. Faedo e J. Pawlowicz, na qualidade de agentes, assistidos por A. Glavasevic e V. Wellens, advogados,

recorrido,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção alargada),

composto por: J. Svenningsen, presidente, C. Mac Eochaidh, J. Laitenberger, J. Martín y Pérez de Nanclares (relator) e M. Stancu, juízes,

secretário: H. Eriksson, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 20 de junho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        No recurso que interpôs ao abrigo do artigo 270.o TFUE e do artigo 50.o‑A do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, a recorrente, QT, pede, por um lado, a anulação da Decisão do Banco Europeu de Investimento (BEI) de 28 de setembro de 2021 que procedeu à recuperação do montante de 61 186,61 euros pago indevidamente a título de abono escolar, abono por filho a cargo e benefícios conexos durante o período entre julho de 2014 e junho de 2017 (a seguir «decisão de recuperação»), bem como da Decisão do BEI de 20 de maio de 2022 que negou provimento ao seu recurso administrativo (a seguir «decisão que nega provimento ao recurso administrativo»), e, por outro, a reparação do prejuízo que sofreu devido a essas decisões.

 Antecedentes do litígio

2        A recorrente é agente do BEI desde 16 de março de 2006. Entre julho de 2014 e junho de 2017, inclusive, recebeu, nomeadamente, abono por filho a cargo e abono escolar (a seguir «abonos controvertidos») em relação ao seu filho a título de uma formação de mergulho em apneia que este último frequentou durante esse período, na Apnea Academy West Europe, em Adeje (Espanha).

3        Na sequência de uma informação recebida pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) por parte de um agente do BEI sobre potenciais irregularidades na concessão de abonos escolares e direitos derivados no BEI, este abriu, em novembro de 2017, um inquérito relativo a 70 agentes do BEI, entre os quais a recorrente.

4        Em 16 de abril de 2018, o OLAF informou a recorrente da abertura de um inquérito a seu respeito.

5        Em 7 de dezembro de 2020, o OLAF comunicou ao BEI o seu relatório final, elaborado em 4 de dezembro de 2020, que recomendava ao BEI que instaurasse, por um lado, um processo disciplinar contra a recorrente e, por outro, um processo de recuperação dos abonos controvertidos e dos benefícios derivados em relação ao período entre julho de 2014 e junho de 2017.

6        A recorrente foi informada, por carta de 29 de janeiro de 2021, da notificação ao BEI do relatório do OLAF que encerrou o seu inquérito e das recomendações deste último, indicando‑lhe igualmente que os dois processos seriam conduzidos separadamente pelo BEI.

7        Por mensagem de correio eletrónico de 21 de junho de 2021, o BEI explicou detalhadamente as quantias que constituem o montante total de 61 186,61 euros considerado pelo BEI com vista à recuperação do mesmo e convidou a recorrente a apresentar as suas observações, o que fez em 17 de agosto de 2021.

8        Em 28 de junho de 2021, o BEI notificou à recorrente o relatório final do OLAF e convocou‑a para uma audição pré‑disciplinar.

9        Por mensagem de correio eletrónico de 28 de setembro de 2021, o BEI adotou a decisão de recuperação, através de um plano de pagamento ao abrigo do qual a quantia de 565,79 euros é deduzida do salário mensal da recorrente a partir do mês de setembro de 2021 e até ao mês de dezembro de 2030.

10      Em 20 de maio de 2022, o BEI adotou a decisão que indeferiu o recurso administrativo interposto pela recorrente em 29 de novembro de 2021.

 Pedidos das partes

11      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão de recuperação e a decisão que nega provimento ao recurso administrativo (a seguir, em conjunto, «decisões impugnadas»);

–        condenar o BEI no reembolso das quantias recuperadas, acrescidas de juros de mora que correspondem à taxa de juro do Banco Central Europeu (BCE), acrescida de dois pontos percentuais;

–        condenar o BEI nas despesas.

12      O BEI conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente na totalidade das despesas.

 Questão de direito

 Quanto ao objeto dos pedidos de anulação

13      Resulta de jurisprudência constante que os pedidos de anulação, formalmente dirigidos contra a decisão de indeferimento de um pedido pré‑contencioso que contesta um ato lesivo, têm por efeito submeter à apreciação do Tribunal Geral este ato, quando forem, como tais, desprovidos de conteúdo autónomo (v., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2022, KL/BEI, T‑651/20, não publicado, EU:T:2022:512, n.o 36 e jurisprudência referida).

14      No entanto, uma decisão expressa de indeferimento de um pedido pré‑contencioso pode, atendendo ao seu conteúdo, não ter um caráter confirmativo do ato impugnado. É o caso de uma decisão de indeferimento do pedido pré‑contencioso na qual é feita uma reapreciação da situação do interessado, em função de novos elementos de direito e de facto ou de uma decisão que altera ou completa a decisão inicial. Nestes casos, o indeferimento do pedido pré‑contencioso constitui um ato sujeito a fiscalização judicial, que é tomado em consideração na apreciação da legalidade do ato impugnado, ou que é mesmo considerado um ato lesivo que substitui este último (v., neste sentido, Acórdão de 24 de abril de 2017, HF/Parlamento, T‑584/16, EU:T:2017:282, n.o 71 e jurisprudência referida).

15      No caso em apreço, a recorrente alega que os seus pedidos dirigidos contra a decisão que indeferiu o recurso administrativo são admissíveis na medida em que lhe foi comunicado um documento novo, a saber, a nota interna de 26 de abril de 2022, em anexo a essa decisão, como resposta a uma alegação relativa ao vício de incompetência da autora da decisão de recuperação.

16      Embora a decisão que indefere o recurso administrativo não altere o dispositivo da decisão de recuperação no que respeita ao seu montante e às suas modalidades, esta não é totalmente desprovida de conteúdo autónomo. Com efeito, ao mesmo tempo que confirma a decisão de recuperação, a decisão que indefere o recurso administrativo contém fundamentos suplementares, em resposta a esse recurso, os quais fornecem precisões e se pronunciam sobre as alegações invocadas pela recorrente, em especial a relativa à incompetência da autora da decisão de recuperação.

17      Nestas condições e tendo em conta o facto de que a recorrente não distingue na sua argumentação os seus argumentos em relação a cada uma das decisões impugnadas, há que examinar estas últimas em conjunto (v., neste sentido, Despacho de 18 de setembro de 2018, Dreute/Parlamento, T‑732/17, não publicado, EU:T:2018:582, n.o 42).

 Quanto ao mérito

 Quanto ao primeiro pedido da recorrente

18      A recorrente invoca quatro fundamentos para sustentar os seus pedidos de anulação. O primeiro é relativo à incompetência da autora da decisão de recuperação, o segundo, à violação da prescrição de cinco anos prevista no artigo 16.3 das disposições administrativas aplicáveis ao pessoal do BEI (a seguir «DA»), o terceiro, à violação desta mesma disposição no que respeita aos requisitos exigidos para a recuperação e, o quarto, à violação dos artigos 2.2.3 e 2.2.4 das DA, bem como a um erro manifesto de apreciação.

–       Quanto ao primeiro fundamento, relativo à incompetência da autora da decisão de recuperação

19      O primeiro fundamento contém, em substância, duas partes, sendo a primeira relativa à falta de subdelegação regular de poderes conferida à chefe da unidade «Direitos Individuais e Pagamentos» (a seguir «chefe de unidade») com vista à adoção da decisão de recuperação e, a segunda, à falta de dupla assinatura da referida decisão.

20      Em primeiro lugar, o BEI sustenta que a decisão de recuperação foi efetivamente adotada pela chefe de unidade ao abrigo de uma subdelegação de poderes, confirmada a posteriori pela nota interna de 26 de abril de 2022. Em segundo lugar, afirma que a mensagem de correio eletrónico que continha essa decisão foi enviada fora do âmbito de subdelegação definido pelas suas regras, as quais não mencionam as decisões de recuperação na sequência de inquéritos do OLAF.

21      A título preliminar, há que salientar que as partes concordam que a autoridade competente do BEI para adotar decisões de recuperação de quantias indevidas é, em princípio, a diretora‑geral do pessoal. É igualmente facto assente que a autora da decisão de recuperação controvertida não é a diretora‑geral do pessoal, mas a chefe de unidade. Em contrapartida, segundo o BEI, esta última recebeu para esse efeito uma subdelegação regular de poderes por parte da referida diretora.

22      Em primeiro lugar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a delegação de poderes não se presume e que, mesmo habilitada a delegar os seus poderes, a autoridade delegante deve tomar uma decisão expressa e a delegação só pode incidir sobre poderes de execução, exatamente definidos (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade, 9/56, EU:C:1958:7, pp. 42 a 44, 46 e 47; e de 26 de maio de 2005, Tralli/BCE, C‑301/02 P, EU:C:2005:306, n.o 43).

23      No caso em apreço, o BEI precisou na audiência que a subdelegação de poderes por força da qual a chefe de unidade adotou a decisão de recuperação era uma subdelegação não escrita. Esta subdelegação resulta, contudo, da carta da diretora‑geral do pessoal à recorrente, de 29 de janeiro de 2021, em que anuncia a esta última a sua intenção de proceder à recuperação, bem como do acordo da referida diretora explicitamente mencionado na decisão de recuperação.

24      Ora, não se pode deixar de observar que os elementos dos autos não permitem sustentar a existência dessa subdelegação.

25      Com efeito, o conteúdo da carta de 29 de janeiro de 2021 da diretora‑geral do pessoal não demonstra que esta última tenha decidido subdelegar a execução material da recuperação dos abonos controvertidos nos serviços colocados sob a sua direção, entre os quais a unidade «Direitos Individuais e Pagamentos». Esta carta limita‑se a informar a recorrente das recomendações do OLAF na sequência do inquérito que lhe dizia respeito, da intenção do BEI de lhes dar seguimento o mais rapidamente possível e de implementar essas recomendações separadamente.

26      Além disso, a menção, na decisão de recuperação, de que a diretora‑geral do pessoal concorda com essa decisão não pode ser considerada equivalente a uma decisão expressa, na aceção da jurisprudência referida no n.o 22, supra, tomada pela referida diretora‑geral de transferir para a chefe de unidade o poder de proceder ao processo de recuperação recomendado pelo OLAF. Além disso, esta diretora‑geral não figura entre os destinatários em cópia da mensagem de correio eletrónico através da qual foi adotada a decisão de recuperação.

27      Quanto à nota interna de 26 de abril de 2022 através da qual a diretora‑geral do pessoal confirmou ter subdelegado na chefe de unidade o poder de adotar a decisão de recuperação, o próprio BEI reconheceu, nos seus articulados e na audiência, que esta não podia constituir uma subdelegação regular de poderes, uma vez que tinha sido redigida após a referida decisão.

28      Por conseguinte, na medida em que a subdelegação de poderes não foi provada, há que concluir que a decisão de recuperação foi adotada por uma autoridade incompetente.

29      Em segundo lugar, é certo que resulta da jurisprudência que uma decisão proferida por uma autoridade incompetente devido ao incumprimento das regras de repartição dos poderes que lhe são atribuídos só pode ser anulada se o incumprimento das referidas regras violar uma das garantias concedidas aos funcionários pelo Estatuto dos Funcionários da União Europeia ou as regras da boa administração em matéria de gestão do pessoal (Acórdãos de 30 de maio de 1973, Drescig/Comissão, 49/72, EU:C:1973:58, n.o 13; de 7 de fevereiro de 2007, Caló/Comissão, T‑118/04 e T‑134/04, EU:T:2007:37, n.o 68; e de 17 de novembro de 2017, Teeäär/BCE, T‑555/16, não publicado, EU:T:2017:817, n.o 52).

30      Todavia, há também que recordar que as regras da boa administração em matéria de gestão do pessoal exigem, nomeadamente, que a repartição de competências no seio das instituições seja claramente definida e publicada. A mesma obrigação aplica‑se aos órgãos do BEI, que não estão, de modo nenhum, numa situação diferente da dos órgãos de direção dos outros organismos e instituições da União nas respetivas relações com os seus agentes (v., neste sentido, Acórdão de 17 de novembro de 2017, Teeäär/BCE, T‑555/16, não publicado, EU:T:2017:817, n.o 53 e jurisprudência referida).

31      Ora, como resulta dos n.os 22 a 28, supra, a alegada competência da autora da decisão de recuperação não foi claramente definida nem publicada.

32      Daqui resulta que a decisão de recuperação está ferida de um vício de incompetência que violou as regras da boa administração em matéria de gestão do pessoal, e que a referida decisão deve ser anulada na sua totalidade. Consequentemente, a decisão que nega provimento ao recurso administrativo da recorrente também padece de um erro de direito, na medida em que concluiu que a chefe de unidade era competente para adotar a decisão de recuperação.

33      Por conseguinte, há que julgar procedente a primeira parte do primeiro fundamento, não sendo necessário analisar a segunda parte relativa à dupla assinatura.

34      O Tribunal Geral considera no entanto que é oportuno, para garantir uma boa administração da justiça, que se examine também o segundo fundamento.

–       Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação da prescrição de cinco anos

35      A recorrente alega, em substância, que o BEI violou o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 16.3 das DA ao proceder à recuperação dos abonos controvertidos que lhe foram pagos entre julho de 2014 e junho de 2017. Com efeito, em aplicação da prescrição de cinco anos acima referida, a recuperação não poderia estar relacionada com as quantias pagas antes de 28 de setembro de 2016, ou seja, cinco anos antes da data de adoção da decisão de recuperação.

36      O BEI alega, pelo contrário, que a abertura de um inquérito pelo OLAF implicou necessariamente a interrupção do prazo de prescrição para a recuperação dos abonos controvertidos, desde a data em que a recorrente foi informada da abertura de um inquérito contra si, em 16 de abril de 2018, até ao relatório final do OLAF, em 4 de dezembro de 2020, que lhe foi notificado em 7 de dezembro de 2020.

37      A título preliminar, há que recordar que, de forma análoga ao que prevê o artigo 85.o do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), o artigo 16.3 das DA dispõe o seguinte:

«16.3 Recuperação dos montantes indevidamente pagos

Os montantes indevidamente pagos a um membro do pessoal ou aos seus sucessores a título das presentes [DA] dão lugar a recuperação se o beneficiário tinha conhecimento da irregularidade do pagamento ou se a mesma fosse tão evidente que dela não poderia deixar de ter conhecimento.

A recuperação pode ser repartida em vários meses. Não deve exceder, por mês, um quinto do vencimento de base do membro do pessoal.

A recuperação deve ser efetuada no prazo de cinco anos a contar da data em que o montante foi indevidamente pago, a menos que o [BEI] possa provar que o beneficiário induziu deliberadamente a administração em erro a fim de obter o pagamento do montante em causa. Nesse caso, mesmo que o prazo de cinco anos tenha expirado, o pedido de recuperação permanece válido.»

38      No caso em apreço, por um lado, importa precisar que o BEI não sustenta que o caso em apreço está abrangido pela exceção à aplicação do prazo de prescrição previsto no artigo 16.3, n.o 3, segundo período, das DA. Por outro, o BEI recorda nos seus articulados que a questão de saber se a recorrente o induziu deliberadamente em erro a fim de obter o pagamento dos abonos controvertidos deve ser decidida no âmbito de um eventual processo disciplinar conduzido separadamente ao da recuperação. Na audiência, o BEI indicou ao Tribunal Geral ter dado início a esse processo, que ainda estava em curso nessa data.

39      Em contrapartida, o BEI considera que o prazo de prescrição de cinco anos que se aplica ao caso em apreço foi interrompido durante o inquérito do OLAF. Tal interrupção pode ser deduzida das disposições do Regulamento (UE, Euratom) n.o 883/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de setembro de 2013, relativo aos inquéritos efetuados pelo OLAF e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (Euratom) n.o 1074/1999 do Conselho (JO 2013, L 248, p. 1), em especial do artigo 5.o, n.o 3. Sustenta que, por força da referida disposição, enquanto o OLAF realiza um inquérito interno, os órgãos, organismos ou agências em causa não instauram um inquérito paralelo sobre os mesmos factos. Além disso, alega que o OLAF lhe pediu formalmente, por mensagem de correio eletrónico de 14 de junho de 2018, para se abster de realizar inquéritos paralelos enquanto o referido inquérito não estivesse concluído. Assim, alega que estava totalmente impossibilitado de agir, pelo que o prazo de prescrição não podia ter corrido no que lhe diz respeito.

40      O BEI alega igualmente que a interrupção da prescrição de cinco anos pela abertura de um inquérito do OLAF é exigida por força do princípio da boa administração e do princípio da cooperação leal que decorre do artigo 13.o TUE. Em seu entender, uma solução contrária equivaleria a privá‑lo da possibilidade de recuperar as quantias indevidamente pagas aos seus agentes sempre que as referidas quantias fossem objeto de um inquérito longo e complexo por parte do OLAF.

41      Por último, o BEI considera que o princípio de uma interrupção da prescrição de cinco anos em caso de inquérito do OLAF foi aceite pela jurisprudência com base nas disposições do Regulamento (UE, Euratom) 2018/1046 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de julho de 2018, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União, que altera os Regulamentos (UE) n.o 1296/2013 (UE) n.o 1301/2013 (UE) n.o 1303/2013 (UE) n.o 1304/2013 (UE) n.o 1309/2013 (UE) n.o 1316/2013 (UE) n.o 223/2014 e (UE) n.o 283/2014, e a Decisão n.o 541/2014/UE, e revoga o Regulamento (UE, Euratom) n.o 966/2012 (JO 2018, L 193, p. 1, a seguir «Regulamento Financeiro»). Em seu entender, é, portanto, pouco relevante que tenha ou não adotado uma norma de direito positivo que preveja essa interrupção.

42      A este respeito, importa recordar que, segundo a jurisprudência, um prazo de prescrição tem por função garantir a segurança jurídica e que esta exigência fundamental se opõe a que a administração possa atrasar indefinidamente o exercício das suas competências (Acórdão de 9 de junho de 2021, DI/BCE, T‑514/19, EU:T:2021:332, n.o 58).

43      Ora, para cumprir a sua função que visa garantir a segurança jurídica, um prazo de prescrição deve ser fixado previamente e a fixação da sua duração e das respetivas modalidades de aplicação é da competência do legislador da União (Acórdão de 15 de julho de 1970, ACF Chemiefarma/Comissão, 41/69, EU:C:1970:71, n.os 19 e 20; v., igualmente, Acórdão de 17 de março de 2021, EJ/BEI, T‑585/19, não publicado, EU:T:2021:142, n.o 33 e jurisprudência referida). Com efeito, a prescrição, ao impedir que sejam indefinidamente postas em causa situações consolidadas pelo decurso do tempo, destina‑se a reforçar a segurança jurídica, mas pode igualmente permitir a consolidação de situações que eram, pelo menos inicialmente, contrárias à lei. Consequentemente, a medida na qual se recorre à prescrição resulta de uma ponderação entre as exigências da segurança jurídica e as da legalidade em função das circunstâncias históricas e sociais que prevalecem na sociedade numa dada época. Por esta razão, depende apenas da escolha do legislador e, uma vez fixado um prazo de prescrição por este, o juiz não o pode substituir por outro prazo num determinado processo (v., por analogia, Acórdão de 23 de março de 2022, ON/Comissão, T‑730/20, não publicado, EU:T:2022:155, n.o 34 e jurisprudência referida).

44      No caso em apreço, resulta da redação clara do artigo 16.3 das DA que o BEI deve proceder à recuperação das quantias indevidamente pagas a um dos seus agentes no prazo de cinco anos a contar do seu pagamento, salvo se se demonstrar a intenção de o agente em causa o induzir em erro para obter esse pagamento.

45      Em contrapartida, o artigo 16.3 das DA não contém nenhuma referência relativa à interrupção ou à suspensão do prazo de prescrição para proceder à recuperação em caso de abertura de um inquérito pelo OLAF sobre os factos na origem dessa recuperação.

46      Por conseguinte, a segurança jurídica opõe‑se a que o BEI possa invocar a abertura do inquérito do OLAF contra um agente para alegar a interrupção ou a suspensão do prazo de prescrição.

47      Quanto ao artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 883/2013, este dispõe que «enquanto o [OLAF] realiza um inquérito interno, as instituições, órgãos, organismos ou agências em causa não instauram um inquérito paralelo sobre os mesmos factos, salvo acordo em contrário com o [OLAF]».

48      Ora, importa sublinhar que a adoção de uma decisão de recuperação de quantias indevidamente pagas não pode ser equiparada a um inquérito.

49      No que respeita ao argumento do BEI relativo aos princípios da boa administração e da cooperação leal e, mais especificamente, à alegada injunção feita ao BEI pelo OLAF na mensagem de correio eletrónico de 14 de junho de 2018, há que observar que o conteúdo dessa mensagem de correio eletrónico não permite deduzir que o OLAF tinha expressamente pedido ao BEI para não proceder à recuperação dos abonos controvertidos. Além disso, na audiência, em resposta a uma questão do Tribunal Geral, o BEI indicou que não tinha consultado o OLAF a este respeito.

50      Nestas circunstâncias, nada impedia o BEI de proceder à recuperação das quantias que considerava ter indevidamente pago à recorrente antes do fim do inquérito do OLAF a seu respeito.

51      Assim, contrariamente ao que alega o BEI, a inexistência de efeito interruptivo ou suspensivo dos inquéritos do OLAF sobre o prazo de prescrição previsto no artigo 16.3 das DA não tem por efeito privar o BEI da possibilidade de recuperar as quantias indevidamente pagas em caso de um longo e complexo inquérito do OLAF sobre a legalidade desses pagamentos e não viola o imperativo de preservação dos interesses financeiros da União.

52      Em todo o caso, cabia ao BEI adotar uma regra que previsse essa interrupção ou essa suspensão no seu quadro regulamentar.

53      Decorre do que precede que, a menos que o princípio da segurança jurídica seja violado, não pode prosperar o argumento do BEI segundo o qual os princípios da cooperação leal e da boa administração justificavam que procedesse à recuperação dos abonos controvertidos além do prazo de cinco anos previsto pelo artigo 16.3 das DA.

54      Por conseguinte, no dia em que a decisão de recuperação foi adotada, o BEI já não tinha, em princípio, o direito de recuperar as quantias que, a título dos abonos controvertidos, foram pagas à recorrente até 28 de setembro de 2016. Os outros argumentos do BEI não são suscetíveis de pôr em causa esta conclusão.

55      Com efeito, deve ser afastada a argumentação do BEI segundo a qual a recorrente tinha conhecimento, antes do termo do prazo de prescrição de cinco anos, de que a sua elegibilidade para beneficiar dos abonos controvertidos estava a ser posta em causa pela administração, uma vez que o artigo 16.3 das DA não prevê uma interrupção ou suspensão do prazo de prescrição em tal hipótese. Por outro lado, resulta sem ambiguidade da referida disposição que o início da contagem do prazo de cinco anos para a recuperação das quantias indevidas é o seu pagamento e não a data em que o beneficiário tomou conhecimento do seu caráter irregular.

56      Sucede o mesmo em relação à analogia feita pelo BEI com as disposições do Regulamento Financeiro. Com este argumento, o BEI remete para o Acórdão de 19 de julho de 2016, HG/Comissão (F‑149/15, EU:F:2016:155), que admitiu o princípio da interrupção do prazo de prescrição de cinco anos em caso de inquérito do OLAF, sem ser diretamente posto em causa pelo Tribunal Geral no Acórdão de 15 de dezembro de 2021, HG/Comissão (T‑693/16 P RENV‑RX, EU:T:2021:895). Ora, não se pode deixar de observar que o Tribunal Geral considerou que o prazo de prescrição previsto no artigo 85.o do Estatuto era inaplicável ao litígio no referido processo. Com efeito, a origem deste litígio não residia no pagamento de quantias indevidas ao funcionário em questão, mas no prejuízo financeiro que tinha causado à administração pelo seu comportamento. Além disso, resulta inequivocamente do referido acórdão que o Tribunal Geral considerou que o prazo de prescrição de cinco anos aplicável aos créditos da União sobre terceiros por força do Regulamento Financeiro, que corre a partir do apuramento desse crédito e é interrompido por qualquer ato que vise a sua cobrança, não se podia aplicar, quer por aplicação direta quer mesmo como parâmetro do prazo razoável. Esta constatação baseia‑se no facto de a prescrição prevista nessas disposições só poder dizer respeito a uma fase posterior ao apuramento do crédito, e não a uma fase anterior, como o período durante o qual ocorreram os factos geradores desse crédito (v., neste sentido, Acórdão de 15 de dezembro de 2021, HG/Comissão, T‑693/16 P RENV‑RX, EU:T:2021:895, n.os 129 e 130).

57      Por conseguinte, há que concluir que as decisões impugnadas foram adotadas em violação do prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 16.3 das DA, no que respeita às quantias pagas à recorrente até 28 de setembro de 2016.

58      Resulta de tudo o que precede que há também que julgar procedente o segundo fundamento. Por conseguinte, há que anular as decisões impugnadas.

 Quanto ao segundo pedido da recorrente

59      Com o seu segundo pedido, a recorrente pede o reembolso das quantias recuperadas por força das decisões impugnadas, acrescidas de juros de mora fixados à taxa do BCE, acrescida de dois pontos percentuais. Na audiência, a recorrente precisou que o seu pedido se destinava a que o Tribunal Geral exercesse a competência de plena jurisdição conferida pelo artigo 91.o, n.o 1, do Estatuto.

60      O BEI contesta o caráter necessário do exercício pelo Tribunal Geral da sua competência de plena jurisdição na medida em que as medidas que uma anulação das decisões impugnadas implica se traduzem no reembolso das quantias recuperadas por força das referidas decisões.

61      Há que salientar, no caso em apreço, que o Tribunal Geral não pode exercer a competência que lhe confere o artigo 91.o, n.o 1, do Estatuto sem privar de efeito útil a obrigação do BEI, por força do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, de tomar as medidas necessárias à execução do presente acórdão. Com efeito, da anulação das decisões impugnadas resulta que cabe ao BEI adotar uma nova decisão, que pode assumir diferentes formas, o que o Tribunal Geral não pode antecipar ao decidir sobre o segundo pedido da recorrente.

62      Nestas condições, há que julgar improcedente o pedido de indemnização da recorrente.

 Quanto às despesas

63      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

64      Tendo o BEI sido vencido no essencial dos seus pedidos, há que condená‑lo nas despesas, em conformidade com os pedidos da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção alargada)

decide:

1)      São anuladas a Decisão do Banco Europeu de Investimento (BEI) de 28 de setembro de 2021 relativa à recuperação de uma quantia de 61 186,61 euros paga indevidamente a QT, a título de abono escolar, abono por filho a cargo e benefícios conexos no período entre julho de 2014 e junho de 2017, bem como a Decisão do BEI de 20 de maio de 2022 que indefere o seu recurso administrativo.

2)      O pedido de indemnização é julgado improcedente.

3)      O BEI é condenado nas despesas.

Svenningsen

Mac Eochaidh

Laitenberger

Martín y Pérez de Nanclares

 

      Stancu

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de outubro de 2023.

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