Language of document : ECLI:EU:T:2006:292

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

4 de Outubro de 2006 (*)

«Inquérito do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) que diz respeito à divulgação de informações confidenciais – Suspeitas de corrupção e de violação do sigilo profissional – Comunicação a autoridades judiciárias nacionais de informações sobre factos susceptíveis de procedimento penal – Buscas no domicilio e no escritório de um jornalista – Recurso de anulação – Admissibilidade – Acção de indemnização – Nexo de causalidade – Violação suficientemente caracterizada»

No processo T‑193/04,

Hans‑Martin Tillack, residente em Bruxelas (Bélgica), representado por I. Forrester, QC, T. Bosly, C. Arhold, N. Flandin, J. Herrlinger, e J. Siaens, avocats,

recorrente,

apoiado por

International Federation of Journalists      (IFJ), estabelecida em Bruxelas (Bélgica), representada por A. Bartosch e T. Grupp, avocats,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por C. Docksey e C. Ladenburger, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto, por um lado, um pedido de anulação do acto através do qual, em 11 de Fevereiro de 2004, o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) comunicou às autoridades judiciárias alemãs e belgas informações relativas a suspeitas de violações do sigilo profissional e de corrupção e, por outro, um pedido de reparação do prejuízo moral sofrido pelo recorrente devido a essa comunicação de informações e à publicação de comunicados de imprensa pelo OLAF,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: H. Legal, presidente, P. Lindh e V. Vadapalas, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 de Maio de 2006,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), instituído pela Decisão 1999/35/CE, CECA, Euratom da Comissão, de 28 de Abril de 1999 (JO L 136, p. 20), está incumbido, designadamente, de fazer inquéritos administrativos internos destinados a investigar os factos graves, ligados ao exercício de actividades profissionais, que possam constituir incumprimentos às obrigações dos funcionários e agentes das Comunidades e ser objecto de processos disciplinares e, sendo o caso, penais.

2        O Regulamento (CE) n.° 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999, relativo aos inquéritos efectuados pelo OLAF (JO L 136, p. 1), regula os controlos, verificações e acções levados a cabo pelos agentes do OLAF no exercício das suas funções.

3        O considerando 13 do Regulamento n.° 1073/1999 dispõe:

«Considerando que compete às autoridades nacionais competentes ou, sendo caso disso, às instituições, órgãos e organismos decidir o seguimento a dar aos inquéritos concluídos, com base no relatório elaborado pel[o] [OLAF]; que convém, no entanto, prever a obrigação de o director d[o] [OLAF] transmitir directamente às autoridades judiciárias do Estado‑Membro em causa todas as informações que [o] [OLAF] tenha recolhido através de inquéritos internos sobre factos passíveis de processo penal».

4        O artigo 6.° do Regulamento n.° 1073/1999, epigrafado «Realização dos inquéritos», prevê, no n.° 6, que «[o]s Estados‑Membros zelarão por que as suas autoridades competentes, em conformidade com as disposições nacionais, prestem a necessária assistência aos agentes d[o] [OLAF], tendo em vista o cumprimento da sua missão».

5        O artigo 9.° do Regulamento n.° 1073/1999, sob a epígrafe «Relatório de inquérito e sequência dos inquéritos», está, no seu n.° 2, redigido nos seguintes termos:

«[…] Os relatórios serão elaborados tendo em conta os requisitos processuais exigidos pela legislação nacional do Estado‑Membro em causa. Os relatórios assim estabelecidos constituirão, nas mesmas condições e com o mesmo valor que os relatórios administrativos elaborados pelos inspectores administrativos nacionais, elementos de prova admissíveis nos processos administrativos ou judiciais do Estado‑Membro em que a sua utilização se revele necessária […]».

6        O artigo 10.° do Regulamento n.° 1073/1999, epigrafado «Transmissão de informações pel[o] [OLAF]», dispõe, no n.° 2:

«[…O] director d[o] [OLAF] transmitirá às autoridades judiciárias do Estado‑Membro em causa as informações colhidas pel[o] [OLAF], aquando de inquéritos internos, sobre factos susceptíveis de processo penal. Sob reserva das necessidades do inquérito, informará simultaneamente o Estado‑Membro em causa. […]»

 Factos na origem do litígio

7        O recorrente é jornalista e trabalha para a revista alemã Stern.

8        Por memorando de 31 de Agosto de 2001, M. Van Buitenen, funcionário da Comissão das Comunidades Europeias deu conta de possíveis irregularidades cometidas em vários serviços da Comissão (a seguir «memorando Van Buitenen»). Em 5 de Setembro de 2001 o OLAF recebeu cópia desse documento.

9        Em 23 de Outubro de 2001, o director do OLAF incumbiu a unidade «Magistrados e assessoria judiciária» de apreciar as alegações expostas no memorando Van Buitenen e formular recomendações quanto ao seguimento a dar‑lhes.

10      Em 31 de Janeiro de 2002, a unidade «Magistrados e assessoria judiciária» remeteu uma nota interna de carácter confidencial, que continha doze propostas e recomendações, entre as quais a instauração de inquéritos relativamente a algumas das alegações mencionadas no memorando. Com base nesse documento a referida unidade redigiu uma nota sucinta, datada de 14 de Fevereiro de 2002, que apresentava igualmente carácter confidencial.

11      O recorrente redigiu dois artigos, publicados na Stern respectivamente em 28 de Fevereiro e 7 de Março de 2002, nos quais relatou casos de irregularidades nas instituições europeias. Esses artigos baseavam‑se no memorando Van Buitenen e na nota do OLAF de 31 de Janeiro de 2002.

12      Em 12 de Março de 2002, o OLAF, suspeitando que as suas notas confidenciais de 31 de Janeiro e 14 de Fevereiro de 2002 tinham sido divulgadas de modo ilícito, instaurou um inquérito interno com vista a identificar os funcionários ou agentes das Comunidades Europeias na origem da fuga.

13      Em 22 de Março de 2002, o director da direcção «Inteligência, estratégia operacional e serviços de informação» do OLAF enviou uma nota ao director do OLAF para lhe assinalar que, segundo uma fonte de informação fidedigna, o recorrente entregou 8 000 EUR a um agente do OLAF a fim de obter vários documentos relacionados com o processo Van Buitenen. No mesmo dia, o porta‑voz do OLAF indicou ao director do OLAF que tinha tido um encontro com o Sr. G., porta‑voz da Comissão para o orçamento e a luta antifraude, e que este lhe tinha declarado que um jornalista da Stern o tinha informado de que o recorrente tinha pago dinheiro a um membro do OLAF a fim de obter documentos.

14      Em 27 de Março de 2002, o OLAF publicou um comunicado de imprensa, sob o título «Inquérito interno relativo a uma fuga de informações confidenciais», redigido do seguinte modo:

«[…] Na sequência de uma aparente fuga de informações confidenciais incluídas num relatório preparado pelo OLAF, o [OLAF] decidiu, em conformidade com o artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento […] n.° 1073/1999, instaurar um inquérito interno. Segundo as informações recebidas pelo [OLAF], um jornalista obteve vários documentos relativos ao processo nomeado ‘processo Van Buitenen’. Não está excluído que alguém do OLAF (ou de outra instituição) tenha recebido dinheiro para obter esses documentos […]

O [OLAF] continua a respeitar as mais elevadas normas éticas. Conduz os seus inquéritos com total independência. Todavia, é necessário sublinhar que a corrupção activa ou o pagamento de um agente pelo fornecimento de informações confidenciais é ilegal na Bélgica. Além disso, as informações obtidas pelo OLAF no desenrolar dos seus inquéritos estão protegidas pelas normas de direito belga nessa matéria. Se, na sequência do inquérito interno, for detectada uma actividade de natureza ilegal, é intenção do [OLAF] processar os autores, em conformidade com as disposições disciplinares e criminais aplicáveis […]»

15      Em resposta, a Stern publicou um comunicado de imprensa, em 28 de Março de 2002, no qual, por um lado, confirmou que tinha em seu poder o memorando Van Buitenen e, por outro, sublinhou que não tinha sido entregue dinheiro a um funcionário das Comunidades Europeias para obter documentos ligados a esse processo. Este comunicado cita o nome e as coordenadas do recorrente. A Stern escreveu também ao presidente do comité de fiscalização do OLAF, em 3 de Abril de 2002, insurgindo‑se contra as alegações do OLAF.

16      Em 4 de Abril de 2002, a revista Europelan Voice indicou que, segundo um porta‑voz do OLAF, esta dispunha «à primeira vista» de «provas» que indicavam que «podia ter havido um pagamento» e que esta questão era tratada seriamente.

17      Numa reunião realizada em 9 e 10 de Abril de 2002, o comité de fiscalização do OLAF pediu que fosse informado dos indícios que corroboravam as suspeitas de entrega de dinheiro neste processo.

18      Em 11 de Abril de 2002, o porta‑voz do OLAF enviou um correio electrónico a agentes do OLAF indicando o seguinte:

«[…] De momento, os únicos factos certos são que um documento confidencial do OLAF chegou às mãos da imprensa (e isso não deveria ter acontecido), [e] que circulavam ‘rumores’ sobre o OLAF e a Comissão […] segundo os quais estes documentos foram ‘pagos’ (com indicação de um montante…) […] É inadmissível que […] exista o risco de que a imprensa obtenha informações confidenciais do OLAF e que essas informações sejam obtidas por corrupção de um funcionário público [e que] o fundamento de suspeitas, ‘rumores’ ou ‘especulações’, como os que circularam acerca do [OLAF] nas semanas decorridas, fique por verificar sobre um serviço de inquérito […]».

19      Em 22 de Outubro de 2002, o recorrente apresentou uma queixa (1840/2002/GG) ao Provedor Europeu que visava o comunicado de imprensa do OLAF de 27 de Março de 2002.

20      Em 9 de Dezembro de 2002, os investigadores do OLAF ouviram oficialmente o Sr. G. Este afirmou que, segundo um dos seus antigos colegas da Stern, cujo nome se recusou a revelar, o recorrente recebeu 8 000 marcos alemães (DEM) ou 8 000 euros para obter informações a propósito da Comissão ou eventualmente do OLAF.

21      Em 18 de Junho de 2003, o Provedor sublinhou, no seu projecto de recomendação relativo à queixa do recorrente, que, ao alegar a existência de um crime de corrupção sem que o mesmo assente em elementos de facto simultaneamente suficientes e publicamente verificáveis, o OLAF tinha agido de maneira desproporcionada, o que constituía um caso de má administração. Recomendava ao OLAF que retirasse as alegações de corrupção publicadas, que podiam ser entendidas no sentido de visarem o queixoso.

22      Na sequência deste projecto de recomendação, o OLAF publicou um comunicado de imprensa, em 30 de Setembro de 2003, intitulado «Clarificação do OLAF a propósito de uma aparente fuga de informações», redigido nos seguintes termos:

«Em 27 de Março de 2002, o […] OLAF publicou um comunicado de imprensa anunciando que tinha sido instaurado um inquérito interno em conformidade com o Regulamento […] n.° 1073/1999 a propósito de uma aparente fuga de informações confidenciais incluídas num relatório elaborado no [OLAF].

Este comunicado indicava que, segundo informações que chegaram ao [OLAF], um jornalista tinha obtido vários documentos relativos ao processo dito ‘processo van Buitenen’ e que não estava excluído que alguém do OLAF (ou de outra instituição) tivesse recebido dinheiro para obter esses documentos.

O inquérito do OLAF sobre este assunto não está concluído, mas o [OLAF] não encontrou, até agora, provas de que esse pagamento existiu realmente.»

23      Em 12 de Novembro de 2003, o recorrente publicou no sítio Internet da Stern um artigo no qual se criticava a acção do director do OLAF.

24      Na sua decisão final de 20 de Novembro de 2003, relativa à queixa 1840/2002/GG, o Provedor reafirmou que o OLAF tinha cometido um acto de má administração e considerou que o OLAF, que tinha aceite o seu projecto de recomendação, não o tinha posto em prática de maneira satisfatória. Nestas circunstâncias, considerou que um comentário crítico da sua parte podia constituir uma reparação adequada para o queixoso.

25      O Sr. G., que tinha deixado a Comissão em Julho de 2003, foi novamente ouvido pelos investigadores do OLAF, em 6 de Janeiro de 2004. Por um lado, confirmou as declarações que tinha prestado na primeira audição e, por outro, revelou o nome da pessoa que o tinha informado.

26      Em 20 e 21 de Janeiro de 2004, numa reunião do comité de fiscalização do OLAF, o director comunicou ao comité os «desenvolvimentos de um processo em curso», indicando que estes implicavam contactos confidenciais com autoridades judiciárias nacionais. Segundo a acta da reunião, os membros do comité aceitaram, «tendo em conta as particularidades do caso evocado, receber uma informação diferida […], precisando‑se que caber[ia] ao OLAF, chegado o momento, fornecer informações suficientes à instituição interessada».

27      Em de 11 de Fevereiro de 2004, o OLAF comunicou às autoridades judiciárias de Bruxelas (Bélgica) e de Hamburgo (Alemanha), informações relativas a suspeitas de violação do sigilo profissional e de corrupção, fazendo referência ao artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1073/1999.

28      Com base em informações comunicadas, as autoridades judiciárias belgas, assim como as autoridades judiciárias alemãs, abriram instrução por corrupção presumida e, no caso das autoridades belgas, por violação do sigilo profissional.

29      Em 19 de Março de 2004, a pedido do juiz de instrução encarregue do processo, a polícia belga procedeu a buscas no domicílio e no escritório do recorrente e apreendeu e selou documentos profissionais assim como objectos pessoais.

30      O recorrente impugnou essa apreensão nos órgãos jurisdicionais belgas. No termo desse processo, a Cour de cassation belga negou provimento ao recurso em 1 de Dezembro de 2004.

31      Em 15 de Abril de 2004, o recorrente escreveu ao director do OLAF queixando‑se do procedimento seguido e pedindo acesso aos autos de inquérito na parte que a ele se referiam.

32      Em 7 de Maio de 2004, uma cópia da carta enviada às autoridades judiciárias belgas em 11 de Fevereiro de 2004, expurgada dos seus elementos confidenciais, foi remetida ao presidente do comité de fiscalização do OLAF. No final do mês, o recorrente obteve igualmente cópia dessa carta.

33      Em 12 de Maio de 2005, o Provedor enviou um relatório especial ao Parlamento Europeu relativo à queixa 2485/2004/GG, apresentada pelo recorrente. Segundo este relatório, o OLAF deveria reconhecer que tinha prestado declarações incorrectas e enganosas nos articulados que tinha remetido ao Provedor no âmbito do inquérito relativo à queixa 1840/2002/GG. O Provedor propôs igualmente que o Parlamento adoptasse essa recomendação como resolução.

 Tramitação processual e pedidos das partes

34      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 1 de Junho de 2004, o recorrente interpôs o presente recurso.

35      Por requerimento separado, registado na secretaria do Tribunal em 4 de Junho de 2004, o recorrente apresentou um pedido destinado a obter, no essencial, por um lado, a suspensão da execução de quaisquer medidas a tomar no âmbito da alegada queixa apresentada pelo OLAF em 11 de Fevereiro de 2004 às autoridades judiciárias belgas e alemãs e, por outro, que fosse ordenado ao OLAF que não obtivesse, inspeccionasse, examinasse ou escutasse o conteúdo de quaisquer documentos ou informações que se encontrem na posse das autoridades judiciárias belgas na sequência das buscas efectuadas no seu domicílio e no seu escritório em 19 de Março de 2004.

36      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal em 17 de Junho de 2004, a International Federation of Journalists (IFJ) apresentou um pedido de intervenção em apoio dos pedidos do recorrente.

37      Por despacho do presidente do Tribunal de 15 de Outubro de 2004, Tillack/Comissão (T‑193/04 R, Colect., p. II‑3575), o presidente do Tribunal indeferiu o pedido de medidas provisórias e reservou para final a decisão quanto às despesas.

38      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 24 de Dezembro de 2004, o recorrente recorreu do despacho Tillack/Comissão, acima referido.

39      Por despacho de 26 de Janeiro de 2005, o presidente da quarta secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu a intervenção da IFJ no presente processo. A interveniente apresentou o seu articulado e as outras partes apresentaram as suas observações sobre o mesmo nos prazos fixados.

40      Por despacho de 19 de Abril de 2005, Tillack/Comissão [C‑521/04 P(R), Colect., p. I‑3103], o presidente do Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso no processo de medidas provisórias e condenou o recorrente nas despesas da instância.

41      Com base em relatório do juiz relator, o Tribunal (quarta secção) decidiu dar início à fase oral.

42      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal na audiência de 11 de Maio de 2006.

43      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão do OLAF de submeter às autoridades judiciárias alemãs e belgas a «queixa» de 11 de Fevereiro de 2004;

–        condenar a Comissão a indemnizá‑lo em montante que o Tribunal se digne determinar, acrescido de juros a fixar pelo Tribunal;

–        ordenar qualquer outra medida legal necessária;

–        condenar a Comissão nas despesas.

44      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        declarar inadmissíveis o recurso de anulação e o pedido de indemnização;

–        a título subsidiário, julgar o recurso e a acção improcedentes;

–        condenar o recorrente nas despesas.

45      A IFJ conclui pedindo ao Tribunal que anule a decisão do OLAF de 11 de Fevereiro de 2004 de «apresentar queixa» às autoridades judiciárias alemãs e belgas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade dos pedidos de anulação do acto através do qual o OLAF comunicou informações às autoridades judiciárias alemãs e belga

 Argumentos das partes

46      Sem suscitar formalmente uma excepção de inadmissibilidade, a Comissão alega que o recurso de anulação é manifestamente inadmissível, por não existir acto impugnável na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

47      Fazendo referência ao despacho do Tribunal de 18 de Dezembro de 2003, Gómez‑Reino/Comissão (T‑215/02, ColectFP, pp. I‑A‑345 e II‑1685, n.os 50 e 51), a Comissão sustenta que o acto através do qual o OLAF comunicou informações às autoridades judiciárias belgas e alemãs, em conformidade com a obrigação imposta pelo artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1073/1999, constitui um acto preparatório que, em si, não modifica a situação jurídica do recorrente. Com efeito, só às autoridades judiciárias nacionais cabe decidir do seguimento a dar às informações comunicadas optando ou não, de acordo com o seu direito nacional, instaurar inquérito judiciário, ordenar medidas de instrução e instaurar procedimentos penais. Seguidamente, compete ao órgão jurisdicional nacional condenar ou não a pessoa em causa.

48      A Comissão refere igualmente que, no acórdão de 15 de Janeiro de 2003, Philip Morris International e o./Comissão (T‑377/00, T‑379/00, T‑380/00, T‑260/01 e T‑272/01, Colect., p. II‑1), o Tribunal considerou que a decisão da Comissão de intentar uma acção cível num tribunal americano não podia ser objecto de recurso na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, uma vez que essa acção não modificava, em si, a situação jurídica do recorrido. Segundo a Comissão, esta jurisprudência deve aplicar‑se, por maioria de razão, ao caso vertente, no qual o OLAF não apresentou queixa nem interpôs recurso, tendo‑se limitado a comunicar informações factuais que podiam ou não incitar as autoridades competentes a instaurar um processo no qual nem o OLAF nem a Comissão têm, em princípio, a qualidade de parte.

49      Além disso, o dever de cooperação, previsto no artigo 10.  CE, não produz efeitos jurídicos vinculativos para as autoridades judiciárias nacionais ou para o recorrente. O artigo 6.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1073/1999 não se aplica aos actos praticados no decurso de inquéritos penais levados a cabo pelas autoridades judiciárias nacionais dos Estados‑Membros depois de estas terem recebido informações do OLAF. O Regulamento (Euratom, CE) n.° 2185/96 do Conselho, de 11 de Novembro de 1996, relativo às inspecções e verificações no local efectuadas pela Comissão para proteger os interesses financeiros das Comunidades Europeias contra a fraude e outras irregularidades (JO L 292, p. 2), não tem qualquer relação com o presente processo.

50      Além disso, o recorrente beneficiou de protecção jurisdicional efectiva. Em primeiro lugar, uma vez que o mandado de buscas belga constitui o único acto que afecta a liberdade de expressão do recorrente, a protecção jurisdicional contra este acto deveria ser assegurada pelos tribunais belgas. Em segundo lugar, mesmo quando um mandado de buscas nacional é emitido com base em informações comunicadas pelo OLAF, as vias de recurso nacionais garantem igualmente a protecção jurisdicional do queixoso, mesmo que o artigo 234.° CE pudesse ser aplicado quando o pleiteante alega no órgão jurisdicional nacional que o OLAF violou o direito comunitário no seu processo de inquérito. Em terceiro lugar, o facto de a comunicação de informações com base no artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1073/1999 não poder ser contestada através de um recurso de anulação não significa que uma acção com base em responsabilidade extracontratual nos órgãos jurisdicionais comunitários esteja a priori excluída.

51      Por fim, a Comissão declara que qualquer excepção às regras aplicáveis à admissibilidade de um recurso ao abrigo do artigo 230.° CE teria consequências nefastas para a eficácia, a confidencialidade e a independência dos inquéritos do OLAF. Considera que, mesmo que os órgãos jurisdicionais belgas tivessem declarado inadmissível qualquer fundamento relativo à violação das formalidades essenciais pelo OLAF, nem por isso o presente recurso de anulação seria admissível. O acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Março de 2004, Rothley e o./Parlamento (C‑167/02 P, Colect., p. I‑3149), não conduz a conclusão diferente.

52      O recorrente afirma que o seu recurso de anulação, interposto ao abrigo do artigo 230.° CE, é admissível.

53      Considera, em primeiro lugar, que a «queixa» do OLAF produziu efeitos jurídicos pois as autoridades nacionais instauraram seguidamente um inquérito. Com efeito, os Estados‑Membros são obrigados a cooperar com o OLAF, em conformidade com o artigo 10.° CE e com o Regulamento n.° 1073/1999, designadamente o seu artigo 6.°, n.° 6.

54      Seguidamente, os interesses do recorrente não estariam suficientemente protegidos se este tivesse de aguardar pela decisão final das autoridades belgas antes de poder contestar a «queixa» do OLAF. Em termos mais gerais, os jornalistas e os seus informadores seriam dissuadidos de revelar informações relativas às instituições comunitárias se corressem o risco de que as «queixas» apresentadas pelo OLAF levassem à instauração de procedimentos penais. A anulação da medida contestada contribuiria igualmente para restabelecer a reputação do recorrente, que foi seriamente atingida pelas reiteradas alegações caluniosas do OLAF.

55      Segundo o recorrente, pôr em causa a «queixa» constitui a única via eficaz para proibir a exploração ilegal das informações recolhidas pelas autoridades belgas durante a busca e que podem permitir a identificação das fontes do recorrente. Com efeito, o OLAF poderia constituir‑se parte cível no processo penal belga e, consequentemente, pedir acesso aos documentos apreendidos. Além disso, a anulação da «queixa» poderia, só por si, produzir consequências jurídicas, designadamente evitando que a Comissão reitere essa prática.

56      Quanto ao despacho Gómez‑Reino/Comissão, já referido, o recorrente considera que as circunstâncias que deram origem a esse processo eram muito diferentes das do caso vertente.

57      Além disso, o Regulamento n.° 1073/1999, bem como o Regulamento n.° 2185/96 conferem direitos especiais ao OLAF, o qual actua em estreita cooperação com as instituições nacionais de controlo.

58      Em resposta à afirmação da Comissão segundo a qual o OLAF nunca pediu às autoridades judiciárias alemãs ou belgas que tomassem medidas específicas, o recorrente considera essa afirmação inexacta. Em primeiro lugar, na «queixa» apresentada às autoridades belgas, o OLAF recomendou uma acção rápida devido à alegada mudança próxima do recorrente para Washington (Estados Unidos). Seguidamente, os investigadores do OLAF já contactaram funcionários nacionais em 13 e 16 de Janeiro de 2004, com o objectivo de coordenar as medidas de inquérito. Por fim, o OLAF solicitou às autoridades nacionais que se procedesse a buscas no domicílio e no escritório do recorrente a fim de reunir provas no âmbito do seu inquérito interno, o que confirma uma declaração do presidente do comité de fiscalização do OLAF ao House of Lords Select Committee on the Europelan Union (Comissão especial sobre a União Europeia da Câmara dos Lordes, Reino Unido), em 19 de Maio de 2004. O juiz de instrução não agiu, portanto, com total independência, mas com base em pedidos do OLAF.

59      O recorrente observa igualmente que as autoridades nacionais têm de confiar nos relatórios de inquérito do OLAF, que constituem elementos de prova admissíveis nos tribunais, segundo o artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1073/1999. A este respeito, o recorrente alega que a violação do sigilo profissional por um funcionário das Comunidades Europeias não constitui um delito em direito belga. Assim, em seu entender, o OLAF só se pôde constituir parte cível devido às relações privilegiadas que tem com as autoridades belgas, que estavam dispostas a agir com base na «queixa».

60      Resulta dos elementos precedentes que a «queixa» do OLAF não pode ser comparada à decisão da Comissão de intentar uma acção cível no processo que deu lugar ao acórdão Philip Morris International e o./Comissão, já referido, no qual a posição da Comissão era comparável à de qualquer particular. Por outro lado, o despacho do Tribunal de 13 de Julho de 2004, Comunidad Autónoma de Andalucía/Comissão (T‑29/03, Colect., p. II‑2923), tem em vista um contexto diferente na medida em que dizia respeito a um relatório final num processo de inquérito externo. Além disso, o Tribunal teve em conta o facto de que entretanto o procurador tinha arquivado o processo, pelo que o relatório já não podia produzir efeitos jurídicos desfavoráveis.

61      Por fim, fazendo referência ao acórdão Rothley e o./Parlamento, já referido, o recorrente considera que o artigo 230.° CE deve ser aplicado à luz do direito a uma protecção jurisdicional efectiva. Ora, no caso vertente, o recorrente não dispõe de nenhuma outra via de recurso para contestar as actuações do OLAF. Não lhe é possível pedir a um órgão jurisdicional nacional que recorra ao Tribunal de Justiça a título prejudicial, pois a ilegalidade das actuações do OLAF não prejudica a ilegalidade das medidas tomadas pelas autoridades judiciárias nacionais. Só os órgãos jurisdicionais comunitários podem julgar o OLAF e não os órgãos jurisdicionais nacionais ou, em última instância, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Consequentemente, um processo nacional não permite garantir um controlo jurisdicional efectivo. Segundo o recorrente, não é admissível que, num processo que ponha em causa a liberdade de imprensa, ele dispõe unicamente de uma acção de indemnização no Tribunal.

62      A IFJ sustenta que a petição é admissível na medida em que as «queixas» apresentadas às autoridades judiciárias alemãs e belgas constituem decisões na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE. A este respeito, o recurso de anulação não pode ter por objecto as buscas efectuadas pelas autoridades belgas, mas sim uma decisão do OLAF que produz efeitos jurídicos sobre a pessoa do recorrente.

63      Contrariamente ao processo que deu origem ao despacho Gómez‑Reino/Comissão, já referido, o presente processo diz respeito a uma «queixa» que, em relação ao recorrente, se traduz em consequências jurídicas directas e não em simples medidas preparatórias.

64      Fazendo referência ao acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1988, Hamill/Comissão (180/87, Colect., p. 6141), a IFJ sublinha que mesmo simples informações prestadas às autoridades judiciárias nacionais podem ser controladas pelos órgãos jurisdicionais comunitários.

65      Por fim, segundo a IFJ, a acção de anulação é igualmente admissível com base no direito a uma protecção jurisdicional efectiva. Com efeito, o artigo 230.° CE deve ser interpretado no espírito de uma comunidade de direito a fim de que o recorrente obtenha a protecção da justiça contra as actuações do OLAF. A este respeito, os tribunais belgas não podem controlar caso a caso, de maneira exaustiva e aprofundada, se os actos adoptados por instituições comunitárias são conformes com o direito comunitário.

 Apreciação do Tribunal

66      No caso vertente, o recurso de anulação é dirigido contra o acto através do qual o OLAF, com fundamento no artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1073/1999, comunicou às autoridades judiciárias alemãs e belgas informações relativas a suspeitas de violação do sigilo profissional e de corrupção em que o recorrente estivesse envolvido.

67      Segundo jurisprudência constante, constituem actos ou decisões susceptíveis de recurso de anulação, na acepção do artigo 230.° CE, as medidas que produzam efeitos jurídicos vinculativos de natureza a afectar os interesses do recorrente, modificando de forma caracterizada a situação jurídica deste (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Colect., p. 2639, n.° 9, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 2006, Camós Grau/Comissão, T‑309/03, ainda não publicado na Colectânea, n.° 47).

68      Ora, há que concluir que, no caso vertente, o acto impugnado não modifica de maneira caracterizada a situação jurídica do recorrente.

69      Resulta das disposições do Regulamento n.° 1073/1999, em particular do considerando 13 e do artigo 9.° deste regulamento, que as conclusões do OLAF contidas num relatório final não podem conduzir de forma automática à instauração de inquéritos judiciários ou disciplinares, uma vez que as autoridades competentes têm liberdade para decidir do seguimento a dar ao relatório final e, portanto, só elas podem proferir decisões susceptíveis de afectar a situação jurídica das pessoas contra as quais o relatório recomendou a instauração de tais procedimentos (despacho Comunidad Autónoma de Andalucía/Comissão, já referido, n.° 37, e acórdão Camós Grau/Comissão, já referido, n.° 51).

70      Do mesmo modo, o artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1073/1999 limita‑se a prever uma comunicação de informações às autoridades judiciárias nacionais, que continuam a ter liberdade, no âmbito dos poderes que lhes são próprias, para apreciar o conteúdo e o alcance das referidas informações e, portanto, o seguimento que, sendo o caso, lhes deve ser dado. Por conseguinte, a eventual instauração de um processo judiciário na sequência da comunicação de informações pelo OLAF, bem como os actos jurídicos subsequentes, é da única e inteira responsabilidade das autoridades nacionais.

71      Nenhum dos argumentos apresentados pelo recorrente e pelo interveniente é de molde a pôr em causa esta conclusão.

72      Em primeiro lugar, o princípio da cooperação leal obriga os Estados‑Membros a tomarem todas as medidas adequadas a garantir o alcance e a eficácia do direito comunitário e impõe às instituições comunitárias deveres recíprocos de cooperação leal com os Estados‑Membros (acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 2002, First e Franex, C‑275/00, Colect., p. I‑10943, n.° 49, e de 4 de Março de 2004, Alemanha/Comissão, C‑344/01, Colect., p. I‑2081, n.° 79). Este princípio implica que as autoridades judiciárias nacionais, quando o OLAF lhes comunica informações em aplicação do artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1073/1999, devem examinar atentamente as referidas informações e delas extrair as consequências adequadas para assegurar o respeito do direito comunitário instaurando, se for o caso, processos judiciais se considerarem que isso é justificado. Essa obrigação de exame atento não impõe, no entanto, que a referida disposição seja dada uma interpretação que confira carácter vinculativo às comunicações em causa, no sentido de as autoridades nacionais serem obrigadas a tomar medidas específicas, pois essa interpretação modificaria a repartição das tarefas e das responsabilidades tal como está prevista para efeitos de execução do Regulamento n.° 1073/1999 (despacho de 19 de Abril de 2005, Tillack/Comissão, já referido, n.° 33).

73      Além disso, o artigo 6.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1073/1999, que diz respeito aos inquéritos efectuados pelo OLAF, e o Regulamento n.° 2185/96, relativo às inspecções e verificações no local efectuadas pela Comissão para proteger os interesses financeiros das Comunidades Europeias contra a fraude e outras irregularidades, reportam‑se aos poderes de inquérito próprios do OLAF e da Comissão. A cooperação leal que se espera dos Estados‑Membros quando esses poderes de inquérito próprios são exercidos, embora implique que as autoridades nacionais competentes dêem o seu contributo para a acção levada a cabo em nome da Comunidade, não tem relação com as prerrogativas próprias das referidas autoridades, designadamente judiciárias, e não interfere com as competências destes últimos.

74      Em segundo lugar, no que respeita ao argumento do recorrente segundo o qual o OLAF poderia constituir‑se parte cível no processo penal belga a fim de ter acesso aos documentos apreendidos no domicílio e no escritório do interessado, há que observar que mesmo que essa possibilidade tivesse existido ela não teria relevância sobre o carácter impugnável ou não do acto através do qual o OLAF comunica informações a autoridades judiciárias nacionais.

75      Em terceiro lugar, o acórdão Hamill/Comissão, já referido, que tem por objecto uma acção de indemnização e não um recurso de anulação, não indica de modo nenhum que uma comunicação de informações pelo OLAF ao abrigo do artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1073/1999 produziria efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os interesses do recorrente.

76      Em quarto lugar, os elementos de facto invocados pelo recorrente, que provam, em seu entender, que as autoridades judiciárias belgas não agiram com total independência mas de acordo com os pedidos do OLAF, não podem ser acolhidos.

77      No que respeita, por um lado, à declaração do presidente do comité de fiscalização do OLAF no House of Lords Select Committee on the Europelan Union em 19 de Maio de 2004, o recorrente não apresenta qualquer elemento que permita ao Tribunal verificar o conteúdo dessa declaração e, por conseguinte, não há que a tomar em consideração.

78      No que respeita, por outro lado, ao relatório intercalar anexo à carta dirigida às autoridades judiciárias belgas, os seus n.os 2.2 e 2.3 estão redigidos, respectivamente, nos seguintes termos:

«Conforme já foi discutido com o Ministério Público de Hamburgo […], em 13 de Janeiro de 2004 e com o Ministério Público de Bruxelas […], em 16 de Janeiro de 2004, a comunicação de informações às duas autoridades judiciárias revela‑se necessária a fim de instaurar processos independentes mas coordenados;

[…]

«Uma acção rápida é desejável visto que M. Tillack, segundo informações de que dispomos, deixará Bruxelas durante o mês de Março deste ano para se tornar correspondente da Stern em Washington […] Com a sua partida de Bruxelas, documentos probatórios importantes poderiam desaparecer definitivamente.»

79      No entanto, no que respeita ao n.° 2.2 do relatório intercalar, o recorrente não contesta a afirmação da Comissão segundo a qual os contactos entre o OLAF e os Ministérios Públicos nacionais incidiram sobre aspectos meramente formais como a questão de saber a quem o recorrente deveria comunicar as informações. Quanto ao n.° 2.3, embora se deva concluir que o OLAF exprimiu efectivamente o desejo de um tratamento rápido do processo em causa, esse desejo não é, de modo nenhum vinculativo para as autoridades judiciárias belgas. Com efeito, não pode ser equiparado a um pedido, feito às autoridades belgas, destinado à instauração de processo judiciário ou à adopção de qualquer outra medida. De resto, o artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1073/1999, relativo à comunicação, às autoridades nacionais competentes, das informações obtidas ao longo dos inquéritos por ele efectuados limita‑se a prever a comunicação dessas informações às autoridades nacionais, às quais incumbe, no exercício das suas próprias competências, decidir do seguimento que lhes deve ser dado.

80      Por fim, é inoperante o argumento relativo à inexistência de protecção jurisdicional efectiva. Com efeito, este argumento não permite, só por si, servir de base à admissibilidade de um recurso (despachos do Tribunal de 19 de Setembro de 2005, Aseprofar e Edifa/Comissão, T‑247/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 59, e de 28 de Novembro de 2005, EEB e Stichting Natuur en Milieu/Comissão, T‑236/04 e T‑241/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 68). De resto, resulta dos autos e dos debates na audiência que o recorrente interpôs para os órgãos jurisdicionais belgas, e seguidamente para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, recurso de medidas tomadas pelas autoridades judiciárias belgas na sequência da comunicação de informações pelo OLAF em 11 de Fevereiro de 2004. Além disso, o recorrente tinha possibilidade de convidar os órgãos jurisdicionais nacionais, que não têm competência para declarar eles próprios a invalidade do acto através do qual o OLAF comunicou informações às autoridades judiciárias belgas (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 1987, Foto‑Frost, 314/85, Colect., p. 4199, n.° 20), a interrogarem, a este respeito, o Tribunal de Justiça pela via da questão prejudicial.

81      Resulta do exposto que a comunicação de informações ao abrigo do artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1073/1999, uma vez que não produz, no caso vertente, efeitos jurídicos vinculativos, não pode ser considerada um acto susceptível de afectar a situação jurídica do recorrente.

82      Por conseguinte, os pedidos destinados a obter a anulação do acto através do qual o OLAF comunicou, em 11 de Fevereiro de 2004, informações às autoridades judiciárias alemãs e belgas são inadmissíveis.

 Quanto aos pedidos de reparação do prejuízo alegado

 Quanto à admissibilidade

–       Argumentos das partes

83      A Comissão considera que a acção de indemnização contém dois pedidos diferentes. Esses pedidos têm por objecto a indemnização do prejuízo alegadamente causado, por um lado, pela «queixa» do OLAF e, por outro, pelos comunicados de imprensa do OLAF de Março de 2002 e de Setembro de 2003, bem como por outras declarações públicas do OLAF.

84      A acção é inadmissível na íntegra pois não respeita as condições previstas no artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal.

85      Além disso, o pedido de indemnização relativo à «queixa» do OLAF é inadmissível, uma vez que esta acção destinada a obter reparação está estreitamente ligada a um recurso de anulação declarado, ele próprio, inadmissível.

86      O recorrente considera, em primeiro lugar, que o pedido de indemnização relativo à «queixa» do OLAF é admissível. Sublinha que as actuações erradas do OLAF não podem escapar ao controlo do órgão jurisdicional.

87      Contesta, seguidamente, o argumento segundo o qual uma acção destinada a obter reparação é inadmissível se a causa do prejuízo for objecto de uma acção de anulação que é ela própria inadmissível.

88      Por fim, considera que o pedido preenche as condições de inadmissibilidade impostas pelo Regulamento de Processo e é suficientemente clara para permitir à recorrida preparar a sua defesa. Com efeito, o pedido descreve o comportamento ilícito do OLAF, o prejuízo sofrido e os motivos pelos quais existe nexo de causalidade entre o comportamento ilícito e o referido prejuízo.

–       Apreciação do Tribunal

89      Segundo jurisprudência constante, por força do artigo 21.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 53.°, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto, e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a petição deve indicar o objecto do litígio e fazer uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Esta indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir à parte demandada preparar a sua defesa e ao Tribunal decidir a causa, sendo o caso, sem outras informações. A fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça é necessário, para que uma acção seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que a acção se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de um modo coerente e compreensível, do texto da própria petição (acórdãos do Tribunal de 10 de Julho de 1997, Guérin automobiles/Comissão, T‑38/96, Colect., p. II‑1223, n.° 41, e de 16 de Março de 2004, Danske Busvognmænd/Comissão, T‑157/01, Colect., p. II‑917, n.° 45)

90      Para preencher estes requisitos, a petição de reparação dos danos alegadamente causados por uma instituição comunitária deve conter os elementos que permitam identificar o comportamento que o demandante censura à instituição, as razões por que considera existir nexo de causalidade entre o comportamento e o prejuízo que alega ter sofrido, bem como a natureza e a extensão desse prejuízo (acórdãos do Tribunal de 18 de Setembro de 1996, Asia Motor France e o./Comissão, T‑387/94, Colect., p. II‑961, n.° 107, e de 10 de Fevereiro de 2004, Calberson GE/Comissão, T‑215/01, T‑220/01 e T‑221/01, Colect., p. II‑587, n.° 176).

91      No caso vertente, há que referir, em primeiro lugar, os pedidos constantes da petição destinada a obter reparação do prejuízo alegado são bastante sucintos. No entanto, permitem identificar dois comportamentos alegadamente faltosos do OLAF, que, segundo o recorrente, lhe causaram prejuízo. O primeiro diz respeito à «queixa» do OLAF às autoridades judiciárias belgas. O segundo é constituído pelos comunicados de imprensa do OLAF de 27 de Março de 2002 e de 30 de Setembro de 2003, bem como pelas declarações do porta‑voz do OLAF publicadas na Europelan Voice em 4 de Abril de 2002 e pelas declarações do director‑geral do OLAF difundidas na Stern TV em 24 de Março de 2004.

92      Seguidamente, resulta da petição que o prejuízo que o recorrente afirma ter sofrido devido a alegados diferentes comportamentos faltosos do OLAF consiste num atentado à sua reputação e à sua honorabilidade profissional. A petição permite igualmente identificar a extensão do prejuízo pretensamente causado pelo OLAF.

93      Por fim, o recorrente menciona a existência de nexo de causalidade entre o prejuízo invocado e os diferentes comportamentos faltosos censurados ao OLAF.

94      Além disso, resulta da argumentação apresentada pela Comissão sobre o bem‑fundado da acção, que ela pôde utilmente preparar a sua defesa sobre as condições de imputação da responsabilidade extracontratual da Comunidade.

95      Há pois, que rejeitar a alegação da Comissão relativa à falta de conformidade da petição com o prescrito no artigo 44, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo.

96      A Comissão sustenta igualmente que, no que respeita ao pedido de indemnização relativo à «queixa» do OLAF, esse pedido é inadmissível uma vez que está estreitamente ligado a um recurso de anulação ele próprio inadmissível.

97      A este respeito, há que recordar que a acção de responsabilidade é uma via de recurso autónoma, com uma função particular no quadro do sistema das vias de recurso e está subordinada a condições de exercício concebidas em atenção ao seu objecto específico. Enquanto os recursos de anulação e por omissão visam punir a ilegalidade de um acto juridicamente vinculativo ou a inexistência desse acto, a acção de responsabilidade tem por objecto o pedido de reparação de um prejuízo decorrente de um acto ou de um comportamento ilícito imputável a uma instituição ou a um órgão comunitário (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Março de 2004, Provedor/Lamberts, C‑234/02 P, Colect., p. I‑2803, n.° 59, e jurisprudência referida).

98      Assim, aqueles que, em razão de condições de admissibilidade visadas no artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, não podem atacar directamente determinados actos ou medidas comunitárias podem, no entanto, pôr em causa um comportamento desprovido de carácter decisório, que não é, por essa razão, passível de recurso de anulação, intentando a acção de responsabilidade extracontratual prevista no artigo 235.° CE e no artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, desde que esse comportamento permita imputar a responsabilidade à Comunidade (acórdão Philip Morris International e o./Comissão, já referido, n.° 123, e acórdão Camós Grau/Comissão, já referido, n.° 78).

99      Consequentemente, a acção de indemnização intentada pelo recorrente com vista à reparação do prejuízo moral que para ele resultaria dos comportamentos censurados ao OLAF deve, no que diz respeito à sua admissibilidade, ser considerada independentemente do recurso de anulação.

100    Resulta do exposto que os pedidos do recorrente destinados a obter a reparação do prejuízo causado pelos comportamentos alegadamente faltosos do OLAF são admissíveis.

 Quanto ao mérito

–       Argumentos das partes

101    O recorrente considera que os actos administrativos faltosos consistem, em primeiro lugar, na «queixa» que o OLAF apresentou às autoridades judiciárias belgas. Esta queixa é, em seu entender, ilegal porque violou várias regras de forma bem como o direito fundamental que constitui a liberdade de imprensa. O recorrente visa igualmente os comunicados de imprensa do OLAF de Março de 2002 e de Setembro de 2003. A este respeito, segundo o recorrente, o Provedor declarou que o comunicado de imprensa de Março de 2002, assente em rumores, constituía um acto manifesto de má administração e violava o princípio da proporcionalidade. Este comunicado deve, portanto, enquanto tal, ser considerado um acto administrativo ilícito. O comunicado de imprensa de Setembro de 2003 constitui, também ele, um acto de má administração e viola o princípio da proporcionalidade, ao reiterar alegações contidas no comunicado de imprensa de Março de 2002. Por fim, o recorrente faz referência às declarações do porta‑voz do OLAF, conforme publicadas na revista Europelan Voice de 4 de Abril de 2002, e às declarações do director do OLAF difundidas na Stern TV em 24 de Março de 2004. Essas declarações são susceptíveis de atentar contra a reputação do recorrente e, assentes em meros rumores, violam igualmente o princípio da boa administração.

102    O recorrente sustenta igualmente que o OLAF ultrapassou a margem de apreciação de que goza. Tendo em conta a gravidade das faltas cometidas, o comportamento do OLAF deve ser considerado constitutivo de violação suficientemente caracterizada de uma norma de direito comunitário.

103    Alega que sofreu um prejuízo moral importante que consiste num atentado à sua reputação e à sua honorabilidade profissional. Por um lado, é‑lhe muito mais difícil obter informações junto de fontes que ele explora para exercer a sua profissão. Por outro lado, a venda dos seus artigos a jornais e revistas é fortemente obstruída. Assim, as acções do OLAF prejudicaram seriamente as possibilidades de evolução de carreira do recorrente. Além disso, a existência de um prejuízo moral está particularmente caracterizada quando as acusações falsas conduzem à instauração de inquéritos penais, as buscas e a apreensões, como é o caso presente. O recorrente pede que o Tribunal fixe o montante exacto da condenação pecuniária, que possa ao mesmo tempo indemnizá‑lo e ser dissuasivo para a Comissão. O recorrente propõe provisoriamente um montante de 250 000 EUR.

104    Quanto ao nexo de causalidade, o recorrente afirma que o prejuízo para a sua reputação foi causado pelos comunicados de imprensa do OLAF e pelas declarações que se lhe seguiram, sendo o ponto culminante a queixa do OLAF às autoridades judiciárias belgas, a qual esteve na origem das buscas no seu domicílio e no seu escritório. A este respeito, os investigadores do OLAF aconselharam as autoridades judiciárias e comunicaram‑lhes, na queixa, informações susceptíveis de as induzir em erro quanto à urgência e à necessidade de agir. Segundo o recorrente, o facto de as autoridades belgas terem agido com uma certa ligeireza não atenta contra o bem‑fundado da petição.

105    No que respeita aos comunicados de imprensa e às restantes declarações públicas do OLAF, o recorrente sublinha que é excepcional que o OLAF publique comunicados que anunciem a instauração de um inquérito. Além disso, em seu entender, todos quantos se interessassem pelo inquérito identificaram‑no imediatamente como sendo o jornalista que corrompeu um funcionário das Comunidades. Além do mais, os factos, conforme são hoje conhecidos, são bastante mais graves do que os investigados pelo Provedor em 2003. Com efeito, o OLAF prestou informações erradas ao Provedor ao afirmar que tinha sido informado através de fonte segura, designadamente membros do Parlamento Europeu, quando a sua única fonte foi o Sr. G.

106    Na réplica, o recorrente sublinha que as alegações públicas do OLAF não só constituem um acto de má administração mas também uma violação dos princípios da boa administração, da presunção de inocência, bem como do direito a um processo equitativo. A publicação dos comunicados de imprensa é igualmente constitutiva de violação do artigo 8.° do Regulamento n.° 1073/1999, uma vez que as informações comunicadas e obtidas no âmbito dos inquéritos internos estão cobertas pelo sigilo profissional.

107    A Comissão alega que nenhum dos pedidos de indemnização é fundado.

108    No que respeita, em primeiro lugar, ao pedido de indemnização que visava a comunicação das informações às autoridades judiciárias belgas e alemãs, a Comissão sustenta que o OLAF não infringiu nenhuma norma jurídica. Além disso, o recorrente não demonstrou nenhuma violação suficientemente caracterizada dos limites que se impõem ao poder de apreciação do OLAF.

109    No que diz respeito à realidade do prejuízo alegado, a petição não fornece informações concretas sobre a especial situação profissional do recorrente. Este trabalha para a revista Stern e a sua reputação não foi atingida pelas buscas ou pela apreensão feita pelas autoridades belgas.

110    Sobretudo, o recorrente não estabeleceu o nexo de causalidade entre a comunicação das informações pelo OLAF e o prejuízo que alega ter sofrido. Com efeito, dois actos soberanos e discricionários das autoridades belgas romperiam qualquer nexo de causalidade: a instauração de um inquérito judiciário, a busca e a apreensão. Só as duas últimas constituem a causa directa e determinante do prejuízo alegado. Segundo a Comissão, não havendo buscas, que dependem do poder discricionário das autoridades nacionais, não há risco de atentar contra o anonimato dos informadores do recorrente. Se o recorrente considera que sofreu um prejuízo devido às buscas, é ao Estado belga que deve pedir reparação.

111    No que respeita, em segundo lugar, ao pedido de indemnização que tem por objecto os comunicados de imprensa e outras declarações públicas, a Comissão considera que o OLAF não infringiu nenhuma norma jurídica que afecte o recorrente, designadamente a sua reputação. Em especial, o comunicado de imprensa de 27 de Março de 2002 não cita o nome de um jornalista ou de um órgão da imprensa. Foi unicamente num comunicado da Stern, publicado em 28 de Março de 2002, que esta revista afirmou que detinha, em exclusividade, os documentos divulgados e que foi revelado o nome do jornalista. Além disso, o comunicado de 27 de Março de 2002 descreveu da maneira mais neutra possível o objecto principal do inquérito interno instaurado. Nada tem de contrário à verdade e também não é desproporcionado. Afirmar que o seu porta‑voz foi demasiado longe nas suas declarações equivale a privar o OLAF de qualquer direito de publicar um comunicado de imprensa confirmando que tinha sido instaurado um inquérito e indicando o seu objecto. A título subsidiário, a Comissão observa que o OLAF não violou de maneira grave e manifesta os limites que se impõem ao seu poder de apreciação na gestão das suas relações com os media.

112    Além disso, a Comissão afirma que não existe, de qualquer forma, nenhum nexo de causalidade entre o comunicado de imprensa de 27 de Março de 2002 e um eventual prejuízo para a reputação do recorrente. Segundo a recorrida, mesmo supondo que o comunicado do OLAF tenha podido, a partir da sua publicação, ser interpretado pelo público no sentido de fazer referência ao recorrente, o comunicado da Stern publicado no dia seguinte rompeu qualquer nexo de causalidade.

113    Por fim, no que respeita às conclusões do Provedor, a Comissão alega que os factos nos quais baseou a sua recomendação de 2003 eram diferentes daqueles que a Comissão submete ao Tribunal no presente processo. Além disso, a identificação de um acto de má administração pelo Provedor não equivale à declaração judicial de violação dos direitos do recorrente pela Comissão. Em especial, o Provedor não examinou a questão de saber se o OLAF tinha cometido uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica. Além disso, o Provedor aplicou regras relativas ao ónus da prova diferentes das que regem a acção de responsabilidade extracontratual ao abrigo do artigo 235.° CE e do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE. Com efeito, o Provedor e o juiz comunitário aplicam critérios e métodos de apreciação diferentes, que reflectem a sua natureza e funcionamento bastante distintos.

114    A IFJ considera que o OLAF excedeu manifestamente os limites da sua margem de discricionariedade ou de apreciação fornecendo informações às autoridades judiciárias alemãs e belgas com base em simples rumores e especulações. Essa apreciação deveria ter sido feita tendo em conta, em particular disposições do Regulamento n.° 1073/1999 e dos direitos e liberdades das pessoas em questão.

115    O interveniente considera que o OLAF violou a liberdade de imprensa, o direito ao respeito da vida privada e do domicílio, o Tratado CE, a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o Regulamento n.° 1073/1999, bem como determinadas normas processuais.

–       Apreciação do Tribunal

116    Resulta de jurisprudência constante que a imputação da responsabilidade extracontratual à Comunidade por comportamento ilícito dos seus órgãos, na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, está subordinada ao preenchimento de um conjunto de condições, ou seja, a ilegalidade do comportamento censurado às instituições, a realidade do dano, e a existência de nexo de causalidade entre o comportamento alegado e o prejuízo invocado (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1982, Oleifici Mediterranei/CEE, 26/81, Colect., p. 3057, n.° 16; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Julho de 1996, International Procurement Services/Comissão, T‑175/94, Colect., p. II‑729, n.° 44; de 16 de Outubro de 1996, Efisol/Comissão, T‑336/94, Colect., p. II‑1343, n.° 30, e de 11 de Julho de 1997, Oleifici Italiani/Comissão, T‑267/94, Colect., p. II‑1239, n.° 20).

117    Quanto à primeira das condições, a jurisprudência exige que seja demonstrada uma violação suficientemente caracterizada de uma norma de direito que tenha por objecto conferir direitos aos particulares (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, Colect., p. I‑5291, n.° 42). No que respeita ao requisito de a violação dever ser suficientemente caracterizada, o critério determinante que permite considerar que esse requisito está preenchido é o da violação manifesta e grave, pela instituição comunitária em causa, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação. Quando essa instituição dispõe apenas de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infracção ao direito comunitário pode ser suficiente para demonstrar a existência de uma violação suficientemente caracterizada (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2002, Comissão/Camar e Tico, C‑312/00 P, Colect., p. I‑11355, n.° 54, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 2001, Comafrica e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, T‑198/95, T‑171/96, T‑230/97, T‑174/98 e T‑225/99, Colect., p. II‑1975, n.° 134).

118    Quanto à condição relativa ao nexo de causalidade, a Comunidade só pode ser declarada responsável pelo prejuízo que decorre de maneira suficientemente directa do comportamento irregular da instituição em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 1979, Dumortier Frères e o./Conselho, 64/76 e 113/76, 167/78 e 239/78, 27/79, 28/79 e 45/79, Colect., p. 3091, n.° 21, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Fevereiro de 2003, Meyer/Comissão, T‑333/01, Colect., p. II‑117, n.° 32). Em contrapartida, não compete à Comunidade reparar qualquer consequência prejudicial, mesmo afastada, de comportamentos dos seus órgãos (v., neste sentido, acórdão Dumortier Frères e o./Conselho, já referido, n.° 21).

119    Uma vez que uma das condições não está preenchida, o recurso deve ser rejeitado na sua totalidade sem que seja necessário examinar as restantes condições (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 1994, KYDEP/Conselho e Comissão, C‑146/91, Colect., p. I‑4199, n.os 19 e 81, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Fevereiro de 2002, Förde‑Reederei/Conselho e Comissão, T‑170/00, Colect., p. II‑515, n.° 37).

120    É à luz desta jurisprudência que há que apreciar se os diferentes argumentos invocados pelo recorrente têm fundamento.

121    A título preliminar, há que referir que a protecção da vida privada e do domicílio, a liberdade de imprensa, o princípio da presunção de inocência e o direito a um processo equitativo, que constituem direitos fundamentais, conferem aos particulares direitos cujo respeito é garantido pelo juiz comunitário. A este propósito, o recorrente invoca dois comportamentos alegadamente faltosos do OLAF que, uma vez que são de natureza distinta, devem ser examinados separadamente.

122    Em primeiro lugar, no que respeita ao pedido de reparação do prejuízo que alegadamente decorre da «queixa» do OLAF, concluiu‑se que incumbia às autoridades judiciárias apreciar o seguimento a dar às informações comunicadas pelo OLAF com fundamento no artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1073/1999 mesmo que essa comunicação não tenha carácter vinculativo para essas autoridades (v. n.° 70, supra). Consequentemente, o comportamento das autoridades nacionais judiciárias nacionais, que decidiram, no âmbito das suas prerrogativas próprias, instaurar um processo judicial e seguidamente proceder à investigação, está na origem do prejuízo alegado pelo recorrente.

123    Além disso, o recorrente não explica como é que uma comunicação de informações a autoridades judiciárias nacionais, de natureza confidencial e cuja confidencialidade se sustentou não ter sido respeitada, poderia atentar contra a sua reputação e a sua honorabilidade profissional.

124    Daqui resulta que o recorrente não demonstrou a existência de um nexo de causalidade suficientemente directo entre a comunicação das informações feita pelo OLAF às autoridades judiciárias belgas ao abrigo do artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1073/1999 e o prejuízo alegado.

125    Assim, não estando, no caso vertente, preenchida a condição para que seja imputada a responsabilidade extracontratual à Comunidade, relativa ao nexo de causalidade entre o prejuízo alegado e o comportamento do OLAF, o pedido de indemnização relativo à «queixa» do OLAF deve ser indeferido sem que haja que examinar as restantes condições de imputação dessa responsabilidade.

126    Em segundo lugar, no que respeita ao pedido de reparação do prejuízo pretensamente decorrente dos comunicados de imprensa do OLAF, há que referir que o recorrente remete para o projecto de recomendação do Provedor de 10 de Junho de 2003 e para sua recomendação de 20 de Novembro de 2003, concluindo que se tratava de um acto de má administração, para daí inferir que o comunicado de imprensa de 27 de Março de 2002 constitui, «enquanto tal», num «acto administrativo ilícito» e que o comunicado de imprensa de 30 de Setembro de 2003 representa um novo acto de má administração, violando, também ele, o princípio da proporcionalidade, ao reiterar as alegações do anterior comunicado.

127    A este respeito, há que referir, em primeiro lugar, que o princípio da boa administração, o único cuja violação é invocada neste âmbito, não confere, por si próprio, direitos aos particulares (acórdão do Tribunal de 6 de Dezembro de 2001, Area Cova e o./Conselho e Comissão, T‑196/99, Colect., p. II‑3597, n.° 43), excepto quando constitui a expressão de direitos específicos como o de ver os seus processos tratados de forma imparcial, equitativa e dentro de um prazo razoável, o direito de ser ouvido, o direito de aceso aos autos, o direito à fundamentação das decisões, na acepção do artigo 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia proclamada em 7 de Dezembro de 2000 em Nice (JO 2000, C 364, p. 1), o que não é o caso no presente processo.

128    A título superabundante, a qualificação como «acto de má administração» pelo Provedor não significa, em si, que o comportamento do OLAF constitui uma violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito, na acepção da jurisprudência. Com efeito, através da instituição de um Provedor, o Tratado concedeu aos cidadãos da União, e mais particularmente aos funcionários e outros agentes da Comunidade, uma via de recurso alternativa ao recurso para o juiz comunitário a fim de defender os seus interesses. Esta via alternativa extrajudicial preenche critérios específicos e não tem necessariamente o mesmo objectivo que o de um recurso judicial (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Abril de 2002, Lamberts/Provedor, T‑209/00, Colect., p. II‑2203, n.° 65).

129    Deve igualmente, tendo em conta a autonomia conferida ao OLAF pelo Regulamento n.° 1073/1999 e o objectivo de interesse geral de informação do público por comunicados de imprensa, considerar que o OLAF dispõe de margem de apreciação quanto à oportunidade e ao conteúdo dos comunicados relativos às suas actividades de investigação.

130    Além disso, resulta do exame dos termos do comunicado de imprensa de 27 de Março de 2002 que a única passagem eventualmente prejudicial está redigido nos seguintes termos:

«Segundo as informações recebidas pelo [OLAF], um jornalista recebeu vários documentos relativos ao processo nomeado ‘processo Van Buitenen’. Não está excluído que alguém do OLAF (ou de outra instituição) tenha recebido dinheiro para obter esses documentos […]»

131    Mesmo supondo que as pessoas com conhecimento do processo pudessem fazer ligação com o recorrente, essas alegações, formuladas de forma hipotética, sem indicação do nome do recorrente e da revista para a qual ele trabalhava, não constituem uma violação grave e manifesta pelo OLAF, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação. Além disso, foi a própria Stern que, no seu comunicado de imprensa de 28 de Março de 2002, citou o nome do recorrente. A revelação da identidade deste último, posta em relação com as investigações do OLAF, não se deve a facto do OLAF mas a facto da revista Stern, para a qual o recorrente trabalhava. Por conseguinte, os prejuízos alegados resultantes de atentado à reputação e à honorabilidade profissional, ligados a esta publicidade, não podem ser imputados ao OLAF. Consequentemente, o controvertido comunicado de imprensa não revela qualquer violação suficientemente caracterizada do direito comunitário por parte do OLAF.

132    Por sua vez, o comunicado de imprensa do OLAF de 30 de Setembro de 2003, publicado na sequência do projecto de recomendação do Provedor de 18 de Junho de 2003, visa atenuar as alegações contidas no comunicado de imprensa de 27 de Março de 2002. Indica o seguinte:

«[…] o inquérito do OLAF a este propósito não está encerrado mas o [OLAF] até agora não encontrou provas de que esse pagamento teve efectivamente lugar». Assim, há que considerar que esse comunicado não constitui, tal como o anterior comunicado, uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica.

133    À mesma conclusão se deve chegar quanto à declaração do porta‑voz do OLAF, citada pela revista Europelan Voice de 4 de Abril de 2002, segundo a qual o OLAF «dispunha, à primeira vista, de provas de que um pagamento podia ter existido», não podendo a prudência dos termos utilizados demonstrar a existência de uma violação suficientemente caracterizada do direito comunitário. Quanto à declaração do director do OLAF na Stern TV em 24 de Março de 2004, o recorrente não apresenta nenhum elemento que permita verificar o seu conteúdo.

134    Aliás, o recorrente não apresenta, na sua petição nenhuma argumentação jurídica que permita apreciar em que é que a publicação dos comunicados de imprensa e de outras declarações públicas do OLAF poderia ser qualificada de «violação suficientemente caracterizada» de uma norma jurídica.

135    Resulta do exposto que o recorrente não demonstrou a existência de uma violação suficientemente caracterizada do direito comunitário imputável ao OLAF susceptível de lhe causar prejuízo. Consequentemente, há que indeferir o seu pedido de indemnização no que respeita aos comunicados de imprensa e às restantes declarações públicas do OLAF, sem que seja necessário apreciar a realidade da consistência do prejuízo alegado.

136    Consequentemente, a acção de indemnização deve ser julgada improcedente na íntegra.

 Quanto ao pedido de apresentação de documentos

137    O recorrente pede ao Tribunal que ordene à Comissão que apresente cópia integral das «queixas» dirigidas pelo OLAF às autoridades judiciárias alemãs e belgas.

138    A este respeito, há que referir que a Comissão apresentou, no processo no Tribunal as cartas dirigidas às autoridades judiciárias alemãs e belgas, em 11 de Fevereiro de 2004, numa versão não expurgada.

139    Assim, não há que decidir sobre este pedido o qual ficou privado de objecto.

140    Resulta das considerações precedentes que o recurso deve ser rejeitado na sua totalidade.

 Quanto às despesas

141    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se tal for requerido. Tendo o recorrente sido vencido há que condená‑lo nas suas próprias despesas e nas despesas efectuadas pela Comissão, incluindo nas relativas ao processo de medidas provisórias, em conformidade com os pedidos da Comissão.

142    Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, terceiro parágrafo, do Regulamento de Processo, a IFJ, interveniente, suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      Não há que conhecer do pedido de apresentação de documentos.

3)      O recorrente é condenado a suportar as suas próprias despesas bem como as despesas efectuadas pela Comissão, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

4)      A International Federation of Journalists suportará as suas próprias despesas.

Legal

Lindh

Vadapalas

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 4 de Outubro de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      H. Legal


* Língua do processo: inglês.