Language of document : ECLI:EU:T:2023:52

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

8 de fevereiro de 2023 (*)

«Energia — Infraestruturas energéticas transeuropeias — Regulamento (UE) n.o 347/2013 — Regulamento delegado que altera a lista de projetos de interesse comum — Artigo 172.o, segundo parágrafo, TFUE — Decisão de um Estado‑Membro de não conceder a sua aprovação a um projeto de interligação elétrica com vista à atribuição do estatuto de projeto de interesse comum — Não inclusão do projeto pela Comissão na lista alterada — Dever de fundamentação — Princípio da boa administração — Igualdade de tratamento — Segurança jurídica — Confiança legítima — Proporcionalidade — Artigo 10.o do Tratado da Carta da Energia»

No processo T‑295/20,

Aquind Ltd, com sede em Wallsend (Reino Unido),

Aquind SAS, com sede em Rouen (França),

Aquind Energy Sàrl, com sede no Luxemburgo (Luxemburgo),

representadas por S. Goldberg, C. Davis, J. Bille, solicitadores, e E. White, advogada,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por O. Beynet e B. De Meester, na qualidade de agentes,

recorrida,

sendo intervenientes

a

República Federal da Alemanha, representada por J. Möller e S. Costanzo, na qualidade de agentes,

o

Reino de Espanha, representado por M. Ruiz Sánchez, na qualidade de agente,

e a

República Francesa, representada por A.‑L. Desjonquères, A. Daniel, W. Zemamta e R. Bénard, na qualidade de agentes,

intervenientes,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto, na deliberação, por V. Tomljenović, presidente, P. Škvařilová‑Pelzl e I. Nõmm (relator), juízes,

secretário: I. Kurme, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 6 de setembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, as recorrentes, Aquind Ltd, Aquind SAS e Aquind Energy Sàrl, pedem a anulação do Regulamento Delegado (UE) 2020/389 da Comissão, de 31 de outubro de 2019, que altera o Regulamento (UE) n.o 347/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito à lista da União de projetos de interesse comum (JO 2020, L 74, p. 1, a seguir «regulamento impugnado»).

 Antecedentes do litígio

2        As recorrentes são as promotoras de um projeto de interligação elétrica que liga as redes de transporte de eletricidade do Reino Unido e de França (a seguir, «projeto de interligação Aquind»).

3        O projeto de interligação Aquind foi inscrito na lista da União Europeia de «projetos de interesse comum» (a seguir, «projetos de interesse comum»), pelo Regulamento Delegado (UE) 2018/540 da Comissão, de 23 de novembro de 2017, que altera o Regulamento (UE) n.o 347/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito à lista da União de projetos de interesse comum (JO 2018, L 90, p. 38), e foi assim considerado um projeto fundamental quanto às infraestruturas necessárias à realização do mercado interno da energia. O estatuto de projeto de interesse comum da União permite a um promotor de projetos, em primeiro lugar, beneficiar de um procedimento de concessão de licenças racionalizado, coordenado e acelerado, em segundo lugar, submeter um pedido de investimento e de repartição dos custos transfronteiriços perante as autoridades reguladoras nacionais competentes, para que os custos de investimento eficientemente suportados sejam recuperados junto dos utilizadores da rede e, em terceiro lugar, solicitar um financiamento através do Mecanismo Interligar a Europa.

4        A lista estabelecida pelo Regulamento Delegado 2018/540 foi substituída pela lista estabelecida pelo regulamento impugnado. Na nova lista que figura no anexo ao regulamento impugnado, o projeto de interligação Aquind consta da tabela de projetos que deixaram de ser considerados projetos de interesse comum da União.

 Conclusões das partes

5        As partes concluem pedindo, em substância, que o Tribunal Geral se digne:

—        anular o regulamento impugnado na parte em que retira a interligação Aquind da lista de projeto de interesse comum da União;

—        subsidiariamente, anular o regulamento impugnado na sua íntegra;

—        condenar a Comissão Europeia nas despesas.

6        A Comissão e o Reino de Espanha concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        negar provimento ao recurso;

—        condenar as recorrentes nas despesas.

7        A República Francesa conclui pedido que o Tribunal Geral se digne negar provimento ao recurso.

8        A República Federal da Alemanha conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne negar provimento ao recurso, pelo menos, no que diz respeito ao artigo 10.o, n.o 1, do Tratado da Carta de Energia, assinado em Lisboa em 17 de dezembro de 1994 (JO 1994, L 380, p. 24), e clarificar a questão da inaplicabilidade do artigo 26.o da mesma Carta nas relações intra‑União.

 Questão de direito

9        Em apoio do seu recurso, as recorrentes invocam sete fundamentos baseados, o primeiro, na violação do dever de fundamentação, o segundo, na violação de requisitos substantivos e processuais nos termos do Regulamento (UE) n.o 347/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, 17 de abril de 2013, relativo às orientações para as infraestruturas energéticas transeuropeias e que revoga a Decisão n.o 1364/2006/CE e altera os Regulamentos (CE) n.o 713/2009, (CE) n.o 714/2009 e (CE) n.o 715/2009 (JO 2013, L 115, p. 39), em especial, do seu artigo 5.o, n.o 8, o terceiro, na violação do artigo 10.o, n.o 1, do Tratado da Carta da Energia, o quarto, na violação do direito a uma boa administração nos termos do artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir, «Carta»), o quinto, na violação do princípio da igualdade de tratamento, o sexto, na violação do princípio da proporcionalidade e o sétimo, na violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima.

10      O Tribunal Geral considera oportuno analisar em conjunto o quarto e quinto fundamentos, relativos à violação, respetivamente, do direito a uma boa administração e do princípio da igualdade de tratamento e analisar apenas em último lugar o terceiro fundamento, baseado na violação do artigo 10.o, n.o 1, do Tratado da Carta de Energia.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

11      No âmbito do primeiro fundamento, os recorrentes invocam o incumprimento do dever de fundamentação. Em seu entender, efetivamente, a retirada do projeto de interligação Aquind não é explicada nem no Regulamento impugnado, nem na respetiva exposição de motivos, nem sequer no documento de trabalho dos serviços da Comissão que acompanhava o regulamento impugnado.

12      A Comissão, apoiada pelo Reino de Espanha e pela República Francesa, contesta este fundamento.

13      Segundo a jurisprudência, desde logo, a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e ao contexto em que o mesmo foi adotado. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o ato diga direta ou individualmente respeito, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (Acórdão de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, EU:C:2011:620, n.o 150; v., igualmente, Acórdão de 15 de novembro de 2012, Conselho/Bamba, C‑417/11 P, EU:C:2012:718, n.o 53 e jurisprudência aí referida; Acórdão de 10 de junho de 2020, Spliethoff’s Bevrachtingskantoor/Comissão, T‑564/15 RENV, não publicado, EU:T:2020:252, n.o 108). Em especial, um ato lesivo está suficientemente fundamentado quando tiver sido adotado num contexto conhecido do interessado, que lhe permita compreender o alcance da medida adotada a seu respeito (Acórdão de 18 de outubro de 2018, Terna/Comissão, T‑387/16, EU:T:2018:699, n.o 53).

14      Além disso, o interesse que essas instituições possam ter em receber explicações deve também ser tido em conta ao avaliar a extensão do dever de fundamentar essas decisões (v., neste sentido, Acórdão de 28 de novembro de 2019, Portigon/CUR, T‑365/16, EU:T:2019:824, n.o 164). Com efeito, o dever de fundamentação constitui o corolário do princípio do respeito do direito de defesa. Assim, o dever de fundamentar um ato lesivo tem por finalidade, por um lado, fornecer ao interessado indicações suficientes para saber se o ato está efetivamente fundamentado ou se, eventualmente, enferma de um vício que permita contestar a sua validade perante o juiz da União e, por outro, permitir a este último o exercício da fiscalização da legalidade desse ato (Acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.o 462).

15      Por último, uma fundamentação pode ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões pelas quais as medidas em questão foram tomadas e ao Tribunal dispor dos elementos suficientes para exercer a sua fiscalização (Acórdão de 13 de julho de 2011, General Technic‑Otis e o./Comissão, T‑141/07, T‑142/07, T‑145/07 e T‑146/07, EU:T:2011:363, n.o 302).

16      É à luz destes elementos que o primeiro fundamento deve ser analisado.

17      Em primeiro lugar, importa determinar, por um lado, os motivos pelos quais a Comissão não incluiu no regulamento impugnado o projeto de interligação Aquind como projeto de interesse comum da União e, por outro, onde figuram tais motivos.

18      Primeiramente, os considerandos do regulamento impugnado contêm um breve resumo do conteúdo do Regulamento n.o 347/2013, mencionam que a Comissão fica habilitada a adotar os atos delegados com vista à criação de listas de projetos de interesse comum da União, lembram a obrigação de estabelecer uma nova lista de dois em dois anos e sublinham que os projetos propostos para serem incluídos na lista dos projetos de interesse comum da União foram avaliados por Grupos Regionais e que estes últimos confirmaram que os projetos em questão respeitam os requisitos enunciados no artigo 4.o, do Regulamento n.o 347/2013.

19      O Regulamento impugnado faz uma referência geral ao Tratado FUE e ao Regulamento n.o 347/2013 nas suas duas citações.

20      O considerando 5 do regulamento impugnado precisa que «os grupos regionais [tinham chegado] a um acordo sobre as listas regionais provisórias em reuniões técnicas» e que «[a]pós pareceres positivos da Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACRE), em 25 de setembro de 2019, sobre a coerência da aplicação dos critérios de avaliação e da análise de custos‑benefícios no universo das regiões, os órgãos de decisão dos grupos regionais adotaram as listas regionais a 4 de outubro de 2019». Também refere que «[e]m conformidade com o artigo 3.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento […] n.o 347/2013, antes da adoção das listas regionais, os projetos propostos [tinham sido] aprovados pelos Estados‑Membros em cujo território incidem».

21      A parte A do anexo VII do Regulamento n.o 347/2013 (conforme alterada pelo Regulamento impugnado), intitulada «Princípios aplicados na elaboração da lista [dos projetos de interesse comum] da União» contém um n.o 3, com a epígrafe «Projetos já não considerados projetos de interesse comum […]» Neste n.o 3, a Comissão referiu o seguinte:

«Vários projetos constantes das listas da União estabelecidas pelos Regulamentos (UE) n.o 1391/2013 e (UE) 2016/89 deixaram de ser considerados de interesse comum [da União] por uma ou mais das seguintes razões:

—        o projeto já entrou ou irá entrar em funcionamento num futuro próximo, pelo que não beneficiaria do disposto no Regulamento (UE) n.o 347/2013,

—        com base em novos dados, o projeto não satisfaz os critérios gerais,

—        o promotor não voltou a apresentar o projeto no processo de seleção da presente lista [dos projetos de interesse comum] da União; ou ainda

—        no processo de seleção, o projeto obteve classificação inferior à de outros projetos candidatos a projeto de interesse comum.

[…]»

22      As recorrentes sublinham corretamente que destes quatro motivos, o segundo, de acordo com o qual «com base em novos dados, o projeto não satisfaz os critérios gerais», é o único que teria podido eventualmente justificar a não inclusão do projeto de interligação Aquind na lista de projetos de interesse comum da União.

23      No entanto, o conceito de «critérios gerais» que figura no segundo motivo em questão é bastante vago. Não é fácil determinar se este conceito se limita ao constante do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 347/2013 e, por conseguinte, aos requisitos enumerados nesta disposição, que os projetos de interesse comum devem respeitar, ou se a expressão «critérios gerais» visa, além dos requisitos que figuram na disposição acima referida, o conjunto dos requisitos que um projeto deve respeitar para figurar na lista dos projetos de interesse comum da União.

24      Seguidamente, importa sublinhar que, nos seus articulados, a Comissão referiu que a razão pela qual não tinha incluído no Regulamento impugnado o projeto de interligação Aquind como projeto de interesse comum da União estava relacionada com a decisão da República Francesa de não conceder a sua aprovação à inclusão do referido projeto na lista de projetos de interesse comum da União. A Comissão precisou que a República Francesa justificou a sua recusa com a existência de um risco de excesso de capacidade devido à existência de vários projetos na mesma região e com o facto de o projeto de interligação Aquind ter sido considerado como um projeto mais incerto. Contudo, a Comissão admite que o regulamento impugnado não contém nenhuma referência à decisão de recusa da República Francesa nem, a fortiori, às razões pelas quais esta última se recusou a dar o seu acordo.

25      Importa, pois, em seguida, analisar se, apesar da ausência de menção expressa da razão da recusa da República Francesa no regulamento impugnado, as recorrentes podiam conhecer as razões pelas quais o seu projeto de interligação Aquind não tinha sido incluído na lista de projetos de interesse comum da União. Tal implica determinar se, na aceção da jurisprudência referida no número 13, supra, a não inclusão do referido projeto ocorreu num contexto conhecido pelas recorrentes que lhes permitisse compreender o alcance da medida adotada em relação às mesmas e se se pode considerar que existia uma motivação implícita no regulamento impugnado.

26      Em primeiro lugar, as recorrentes não podem ignorar o quadro normativo no qual foi adotado o regulamento impugnado. Este quadro normativo está definido no artigo 172.o, segundo parágrafo, TFUE, que prevê que as orientações e projetos de interesse comum que digam respeito ao território de um Estado‑Membro exigem a aprovação desse Estado‑Membro. O quadro normativo está igualmente definido no artigo 3.o, n.o 3, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.o 347/2013, que prevê a necessidade de aprovação de cada proposta relativa a um projeto de interesse comum pelos Estados‑Membros a que a mesma diga respeito, quando um Grupo elabora a sua lista regional e pelo artigo 3.o, n.o 4, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 347/2013, que prevê, em substância, que a Comissão fica habilitada a adotar os atos delegados que estabelecem a lista dos projetos de interesse comum da União, sob reserva da aprovação do Estado‑Membro a cujo território o projeto de interesse comum diga respeito.

27      Em segundo lugar, quanto ao contexto factual no qual o regulamento impugnado foi adotado, importa recordar que o referido regulamento foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia em 11 de março de 2020. Ora, vários elementos permitem concluir que as recorrentes tinham tomado conhecimento, antes da referida publicação, das reservas expressas pela República Francesa em relação ao projeto de interligação Aquind, bem como, in fine, da recusa da mesma em conceder a sua aprovação ao projeto.

28      Antes de mais, num correio eletrónico de 11 de julho de 2019, dirigido às recorrentes, a Comissão informou‑as de que a República Francesa tinha emitido reservas em relação ao projeto de interligação Aquind na reunião de caráter técnico do Grupo Regional, de 5 de julho de 2019, e sugeria‑lhes que contactassem o respetivo ministério para obter mais detalhes.

29      Em seguida, na reunião de 5 de dezembro de 2019 da Comissão de Indústria, Investigação e Energia do Parlamento Europeu, o comissário da Energia respondeu a uma pergunta formulada por dois eurodeputados nacionais do Reino Unido relativa às razões da retirada do projeto de interligação Aquind da lista de projetos de interesse comum da União. O comissário da Energia referiu, em primeiro lugar, que a República Francesa considerava que os quatro projetos que ligavam o Reino Unido e a França causariam um excesso de capacidade; em segundo lugar, que este Estado‑Membro entendia que o projeto de interligação Aquind era considerado o projeto mais incerto e, em terceiro lugar, que este Estado‑Membro tinha, por esse motivo, solicitado que o projeto em questão não figurasse na nova lista de projetos de interesse comum. O comissário da Energia precisou que os Estados‑Membros tinham o direito de aprovar os projetos relativos ao seu território e que a Comissão estava obrigada a respeitar este direito.

30      Na sua resposta a uma questão escrita formulada pelo Tribunal Geral, as recorrentes admitem ter tido conhecimento da resposta do comissário da Energia no próprio dia da reunião, ou seja, em 5 de dezembro de 2019.

31      Por último, em resposta a uma outra questão escrita formulada pelo Tribunal Geral, as recorrentes referiram que, em resposta à sua carta de 24 de outubro de 2019, o diretor‑geral adjunto da Direção‑Geral (a seguir, «DG») Energia da Comissão lhes referiu, por carta de 20 de fevereiro de 2020, que a Comissão não estava habilitada a incluir projetos na lista de projetos de interesse comum da União depois de as decisões dos Grupos Regionais terem sido adotadas e mencionou que a República Francesa tinha formulado objeções ao projeto de interligação Aquind.

32      Resulta do exposto que as recorrentes tiveram conhecimento da razão pela qual a Comissão não incluiu o projeto de interligação Aquind na lista de projetos de interesse comum da União no regulamento impugnado, estando esta razão relacionada com o facto de a República Francesa não ter aprovado o referido projeto. Além disso, as mesmas puderam perceber que, segundo este Estado‑Membro, existia um risco de excesso de capacidade em razão da existência de vários projetos e que o projeto de interligação Aquind era o mais incerto.

33      Em terceiro lugar, importa analisar o argumento das recorrentes segundo o qual a motivação da recusa da República Francesa em conceder a sua aprovação à inclusão do projeto de interligação Aquind na lista dos projetos de interesse comum da União e as explicações deste Estado‑Membro relativas ao risco de excesso de capacidade e ao facto de o projeto em questão ser o mais incerto, são insuficientes. As recorrentes alegam, no essencial, que a Comissão não se podia limitar a tal fundamentação, mas devia exigir do Estado‑Membro em causa uma maior justificação da sua recusa.

34      Para determinar se a fundamentação recordada no n.o 32, supra, é suficiente, é necessário conhecer previamente o nível de fundamentação exigido quando se decide a inclusão ou não de um projeto de interligação na lista dos projetos de interesse comum da União.

35      A análise desta questão implica a interrogação sobre a repartição e a extensão dos poderes respetivos dos Estados‑Membros e da Comissão no quadro do processo de adoção das listas de projetos de interesse comum da União. Com efeito, as recorrentes alegam que o artigo 172.o, segundo parágrafo, TFUE não confere aos Estados‑Membros um direito de veto totalmente discricionário em relação à inclusão de projetos de interesse comum na lista da União e que a Comissão goza, nos termos do Regulamento n.o 347/2013, de um poder discricionário para adotar a lista dos projetos de interesse comum da União. Por seu turno, a Comissão alega que não pode incluir o projeto de interligação Aquind na lista de projetos de interesse comum da União, uma vez que considera que não pode ignorar a recusa de aprovação de um Estado‑Membro.

36      A este respeito, importa recordar a jurisprudência constante segundo a qual na interpretação de uma disposição de direito da União, há que ter em conta não só os seus termos e os objetivos que prossegue mas também o seu contexto e o conjunto das disposições do direito da União [v. Acórdão de 8 de julho de 2019, Comissão/Bélgica (Artigo 260.o, n.o 3, TFUE — Redes de elevado débito), C‑543/17, EU:C:2019:573, n.o 49 e jurisprudência aí referida; Despacho de 24 de outubro de 2019, Liaño Reig/CUR, T‑557/17, não publicado, EU:T:2019:771, n.o 59]

37      No que respeita ao teor do artigo 172.o, segundo parágrafo, TFUE, importa salientar que uma leitura literal do mesmo advoga claramente a favor da posição da Comissão. Com efeito, o teor desta disposição não é, de modo algum, suscetível de ser interpretado de diversas maneiras e, por conseguinte, não apresenta nenhuma dificuldade de interpretação.

38      Tendo em conta o claro teor do artigo 172.o, segundo parágrafo, TFUE, há que considerar que este confere um poder discricionário, a saber, uma ampla margem de apreciação, ao Estado‑Membro em causa para conceder ou não a sua aprovação à inclusão de um projeto na lista dos projetos de interesse comum da União.

39      O mesmo é confirmado pelas interpretações teleológica e sistemática do artigo 172.o, segundo parágrafo, TFUE. Com efeito, a opção do legislador por instituir uma forma de direito de veto a favor do Estado‑Membro em causa explica‑se pelo facto de a política das redes transeuropeias integrar aspetos territoriais e, consequentemente, interessar, de algum modo, ao ordenamento do território que é um domínio que tradicionalmente é abrangido pela soberania dos Estados‑Membros (Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Reino Unido/Parlamento e Conselho, C‑121/14, EU:C:2015:526, n.os 157 e 158).

40      De resto, este também é o sentido das disposições do Regulamento n.o 347/2013, recordadas no n.o 26, supra. Por conseguinte, e contrariamente ao que defendem as recorrentes, a Comissão não estava habilitada a ignorar esta recusa de aprovação.

41      Tendo em conta o poder discricionário do Estado‑Membro, há que determinar em que medida a recusa do mesmo deve ser fundamentada. A este respeito, o artigo 3.o, n.o 3, segundo parágrafo, alínea a) e o anexo III, parte 2, ponto 10, do Regulamento n.o 347/2013 referem que quando um Grupo elabora a sua lista regional, o Estado‑Membro interessado que decida não dar a sua aprovação, deve fundamentar as razões dessa decisão ao referido Grupo Regional. Estas disposições precisam que o órgão de decisão de alto nível do Grupo Regional em causa pode analisar as referidas razões de recusa «a pedido de um Estado‑Membro» deste Grupo Regional. O legislador manifestou assim a sua vontade de que, em linha com o artigo 172.o, segundo parágrafo, TFUE, a questão da recusa de aprovação de um projeto que impeça a atribuição do estatuto de projeto de interesse comum da União é da competência dos Estados‑Membros interessados.

42      No presente caso, as atas da reunião dos órgãos de decisão técnicos e da reunião do órgão de decisão de alto nível indicam que a República Francesa fundamentou a sua recusa em aprovar a inclusão da interligação Aquind na quarta lista dos projetos de interesse comum e que nenhum Estado‑Membro do Grupo Regional em causa pediu a análise da referida fundamentação.

43      Por conseguinte, a Comissão cumpriu o dever de fundamentação ao mencionar a recusa da República Francesa em dar a sua aprovação à inclusão do projeto de interligação Aquind na lista dos projetos de interesses comum da União. Do mesmo modo, não pode ser criticada por não ter pedido à República Francesa explicações sobre os motivos circunstanciados de tal recusa. A este respeito, o artigo 3.o, n.o 3, segundo parágrafo, alínea a) e o anexo III, parte 2, ponto 10, do Regulamento n.o 347/2013 não lhe permitem, de modo algum, interferir nos fundamentos invocados pela República Francesa. Há que acrescentar que as recorrentes não invocaram a ilegalidade destas disposições e que as mesmas não podem, assim, acusar a Comissão de violação do seu dever de fundamentação, uma vez que respeitou estas disposições (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 26 de setembro de 2014, Raffinerie Heide/Comissão, T‑631/13, não publicado, EU:T:2014:830, n.os 41 a 44, e Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi nos processos DK Recycling e Roheisen/Comissão, Arctic Paper Mochenwangen/Comissão, Raffinerie Heide/Comissão e Romonta/Comissão, C‑540/14 P, C‑551/14 P, C‑564/14 P e C‑565/14 P, EU:C:2016:147, n.os 90 e 91).

44      Neste contexto, o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 347/2013 que prevê que «[o]s poderes de decisão nos Grupos são reservados aos Estados‑Membros e à Comissão, que, para esse efeito, são designados por “órgãos de decisão dos Grupos” [regionais interessados]», bem como o artigo 3.o, n.o 4 e o artigo 16.o, do Regulamento n.o 347/2013, que habilitam a Comissão a adotar o regulamento impugnado, não podem ser interpretados no sentido de que a Comissão é responsável por uma eventual ilegalidade praticada por um Estado‑Membro quando este decida não conceder a sua aprovação a um projeto e, por conseguinte, deva responder por uma potencial violação do dever de fundamentação cometida pelo referido Estado‑Membro. Com efeito, tal abordagem seria contrária às normas que regem a repartição de competências entre os Estados‑Membros e a Comissão, tal como resulta do artigo 172.o, TFUE e se recorda no Regulamento n.o 347/2013.

45      Em face do exposto, há que concluir que a Comissão fundamentou suficientemente do ponto de vista do direito o regulamento impugnado e, em consequência, o primeiro fundamento improcede.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação de requisitos substantivos e processuais nos termos do Regulamento (UE) n.o 347/2013, especialmente, do seu artigo 5.o, n.o 8

46      No quadro do segundo fundamento, as recorrentes alegam a violação de regras processuais e substantivas. Este fundamento é, no essencial, composto por cinco acusações.

47      A Comissão, apoiada neste sentido pelo Reino de Espanha e pela República Francesa, contesta estas acusações e o fundamento na sua totalidade.

48      No quadro da primeira acusação, as recorrentes alegam que, enquanto órgão responsável pela adoção do regulamento impugnado, a Comissão devia ter garantido que a lista dos projetos de interesse comum da União fosse estabelecida em conformidade com todos os requisitos legais pertinentes. Ora, em seu entender, a Comissão violou o artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 347/2013, uma vez que, por várias razões, não foi observado o processo estabelecido no anexo III.2 desse mesmo regulamento.

49      Em primeiro lugar, as recorrentes invocam o facto de a ACRE ter referido que, devido a várias lacunas nas informações que lhe foram fornecidas, não tinha podido formular um parecer sobre a aplicação homogénea dos critérios e a análise dos custos e benefícios em todas as regiões. No entanto, as recorrentes não indicam em que medida as considerações constantes do parecer da ACRE teriam uma incidência efetiva sobre a legalidade do regulamento impugnado no que diz respeito ao projeto de interligação Aquind.

50      Com efeito, a Comissão não pôde incluir o projeto de interligação Aquind na nova lista de projetos de interesse comum da União, uma vez que a República Francesa não tinha concedido a sua aprovação por considerar que existia um risco de excesso de capacidade e que o projeto de interligação Aquind era considerado o mais incerto. Por conseguinte, a questão relativa à aplicação homogénea dos critérios e a análise de custos‑benefícios no universo das regiões não teve nenhuma incidência sobre a decisão de não incluir este projeto na lista dos projetos de interesse comum da União.

51      Em segundo lugar, o argumento das recorrentes segundo o qual o órgão de decisão a alto nível do Grupo Regional interessado e a Comissão não cumpriram os requisitos do anexo III, parte 2, ponto 13, do Regulamento n.o 347/2013, por não terem tomado em consideração o parecer da ACRE relativo à aplicação coerente dos critérios de avaliação e da análise de custos‑benefícios no universo das regiões, não é claro nem está fundamentado.

52      Desde logo, em termos gerais, o regulamento impugnado refere, no seu considerando 5, que o órgão de decisão a alto nível do Grupo Regional interessado teve efetivamente em conta o parecer da ACRE ao adotar a sua lista regional definitiva. Em seguida, o parecer da ACRE contém uma secção A.4.1.3 especificamente dedicada ao projeto de interligação Aquind, na qual são postas em evidência as divergências entre as autoridades reguladoras da República Francesa e do Reino Unido e os motivos pelos quais a autoridade reguladora francesa, a saber, a Commission de régulation de l’énergie (Comissão Reguladora da Energia, a seguir, «CRE»), se opunha à inclusão do referido projeto na lista regional definitiva. Por último, e em qualquer caso, importa recordar que a República Francesa se recusou a aprovar o referido projeto por motivos relacionados com o risco de excesso de capacidade e pelo facto de o projeto de interligação Aquind ter sido considerado como o mais incerto, que o órgão de decisão de nível superior do Grupo regional interessado e a Comissão estavam vinculados a tal recusa e que, nestas circunstâncias, não podem ser acusados de não terem tido em conta o parecer da ACRE.

53      Em terceiro lugar, as recorrentes acusam a Comissão de não ter garantido a coerência transregional em conformidade com o artigo 3.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 347/2013, alegando, no essencial, que um número significativo de projetos pouco avançados ou regularmente reprogramados tinha sido incluído na lista de projetos de interesse comum da União e que, por conseguinte, a alegação segundo a qual o projeto de interligação Aquind era o mais incerto não constituía um obstáculo à sua elegibilidade como projeto de interesse comum da União.

54      Esta argumentação não pode proceder. As recorrentes limitam‑se a repetir o conteúdo do parecer da ACRE a este respeito, mas não demonstram que o mesmo põe em causa a legalidade do regulamento impugnado no que respeita ao projeto de interligação Aquind.

55      Com efeito, importa sublinhar que a Comissão estava obrigada a tomar em consideração a recusa da República Francesa em conceder a sua aprovação à inclusão do projeto de interligação Aquind na lista de projetos de interesse comum da União e que não podia questionar os motivos pelos quais o referido projeto era o mais incerto. A este respeito, há que recordar que o artigo 3.o, n.o 3, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.o 347/2013 prevê que «quando um Grupo elabora a sua lista regional, cada proposta relativa a um projeto de interesse comum exige a aprovação dos Estados‑Membros a cujo território o projeto diga respeito». O anexo III, parte 2, ponto 10, do mesmo Regulamento precisa que se um Estado‑Membro deste Grupo Regional o solicitar, o órgão decisório de nível superior do referido Grupo deve analisar os referidos fundamentos. Por conseguinte, a Comissão não está habilitada a solicitar que a fundamentação exposta pela República Francesa fosse analisada e, consequentemente, não incorreu em nenhum erro a esse respeito. No caso em apreço, nenhum Estado‑Membro se manifestou para solicitar à República Francesa que explicasse as razões da sua recusa.

56      Supondo, tal como defendem as recorrentes, que a afirmação da República Francesa segundo a qual o projeto de interligação Aquind era o mais incerto resulta de um erro de apreciação, a Comissão não tinha competência para o retificar, nem tão pouco o Tribunal Geral tem competência para analisar ele próprio esta questão. A este respeito, há que precisar que, na audiência, e sem que tal fosse posto em causa pelas recorrentes, a República Francesa referiu que a sua recusa em dar a sua aprovação à inclusão do projeto de interligação Aquind na lista de projetos de interesse comum da União foi objeto de impugnação perante o tribunal administratif de Paris (Tribunal Administrativo de Paris, França).

57      No quadro da segunda acusação, as recorrentes acusam o Grupo Regional de ter violado o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 347/2013, por não ter adotado um regulamento interno.

58      O artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 347/2013 prevê que os Grupos aprovam o seu regulamento interno, tendo em conta as disposições estabelecidas no anexo III. Ora, resulta dos documentos juntos aos autos pelas próprias recorrentes que o regulamento interno tinha sido adotado sob a forma de mandato de vários Grupos Regionais de gás e eletricidade, entre os quais o da «Rede Elétrica Marítima nos Mares Setentrionais», a saber, o corredor e a área prioritários e a cobertura geográfica em que se inscreve o projeto de interligação Aquin. As próprias recorrentes referem que puderam tomar conhecimento deste regulamento interno através do portal de internet dos projetos de interesse comum da União e que o puderam descarregar.

59      O facto de o regulamento interno incluir a menção «Draft» é irrelevante para este efeito. Tal como as próprias recorrentes reconhecem nos seus articulados, as mesmas estavam perfeitamente conscientes de que, apesar da referida menção, se tratava da versão final do regulamento interno, sendo, além disso, o mesmo confirmado pelo facto de a denominação do ficheiro eletrónico conter o termo «Final». Nestas circunstâncias, não podem limitar‑se a afirmar de forma vaga e infundada que o Grupo Regional da Rede Elétrica Marítima nos Mares Setentrionais não tinha adotado um regulamento interno e, por conseguinte, o processo tinha carecido de transparência e não lhes tinha oferecido garantias mínimas.

60      A terceira acusação baseia‑se no facto de os atrasos na execução do projeto de interligação Aquind não poderem constituir um motivo para justificar a não inclusão do referido projeto na lista dos projetos de interesse comum da União. As recorrentes alegam que o Grupo Regional já tinha analisado esta questão, não tinha detetado nenhum problema relacionado com os referidos atrasos e, por outro lado, não as tinha convidado a justificar‑se sobre este ponto.

61      Esta acusação não é pertinente. Com efeito, os atrasos na execução do projeto de interligação Aquind não foram invocados pela República Francesa enquanto motivos para recusar, no seio do órgão de decisão de alto nível do Grupo Regional da «Rede nos Mares Setentrionais», conceder a aprovação ao projeto de interligação Aquind.

62      É certo que do parecer da ACRE de 25 de setembro de 2019 resulta que a CRE mencionou o atraso na execução do projeto de interligação Aquind e que este é uma das razões pelas quais a CRE se opôs à inclusão do referido projeto na lista de projetos de interesse comum da União. No entanto, tal como sublinha, corretamente, a Comissão, a posição de uma autoridade reguladora nacional não pode ser interpretada como sendo a posição de um Estado‑Membro no seio do órgão de decisão de alto nível do Grupo Regional interessado. Além disso, não resulta de nenhum documento que a República Francesa tenha feito seus os motivos invocados pela referida autoridade reguladora nacional.

63      Portanto, carece igualmente de pertinência a alegação das recorrentes de que na reunião de 28 de maio de 2019 do Grupo Regional da Rede Elétrica Marítima nos Mares Setentrionais não foram formuladas observações sobre o atraso na execução do projeto de interligação Aquind e sobre o qual as recorrentes não tiveram de se justificar.

64      No que diz respeito à quarta acusação, referente às incoerências e às inexatidões que figuram no estudo Artelys relativo à análise custo‑benefício, carece de pertinência, tal como a terceira acusação.

65      Com efeito, o motivo pelo qual a Comissão não incluiu o projeto de interligação Aquind no Regulamento impugnado baseia‑se na oposição da República Francesa ao referido projeto, oposição essa que assenta em razões que não têm nenhuma relação com o estudo Artelys. A este respeito, resulta do ponto A.4.1.3 do parecer da ACRE de 25 de setembro de 2019 que é a CRE e não a República Francesa que se baseou, particularmente, neste estudo para justificar a sua oposição ao projeto de interligação Aquind.

66      No quadro de uma quinta acusação, as recorrentes alegam que o projeto Aquind só podia ser retirado da lista dos projetos de interesse comum da União no caso previsto no artigo 5.o, n.o 8, do Regulamento n.o 347/2013. As recorrentes alegam que o artigo 3.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 347/2013 obriga um Estado‑Membro que recusa uma proposta individual de projeto de interesse comum da União a fundamentar as «razões» dessa decisão, de modo que a sua decisão não pode ser meramente arbitrária. Ora, as recorrentes constatam que a República Francesa não fundamentou a sua recusa em aprovar o projeto de interligação Aquind e que, por conseguinte, a Comissão parece ter considerado que a retirada do projeto era possível por uma razão que não a prevista no artigo 5.o, n.o 8, do Regulamento n.o 347/2013, a saber, que o projeto de interligação Aquind já não contava com o apoio do Estado‑Membro em cujo território devia ser explorado.

67      Em primeiro lugar, o Regulamento n.o 347/2013, no seu artigo 5.o, n.o 8, refere‑se apenas aos casos em que um projeto já incluído na lista dos projetos de interesse comum da União é retirado da mesma, a saber, quando a sua inclusão na referida lista se tenha baseado em informações incorretas que tenham constituído um fator determinante para essa inclusão, ou se o projeto não cumprir a legislação em vigor na União. Por conseguinte, esta disposição não regula a inclusão de projetos na nova lista de dois em dois anos.

68      A este respeito, importa sublinhar que o projeto de interligação Aquind não foi «retirado» da lista de projetos de interesse comum da União, apenas não foi incluído na nova lista no final do procedimento de elaboração desta última. Em consequência, o artigo 5.o, n.o 8, do Regulamento n.o 347/2013 não é pertinente para o presente caso.

69      Esta conclusão é confirmada pelo considerando 24 do Regulamento n.o 347/2013. Este considerando refere inequivocamente que de dois em dois anos, deverá ser estabelecida uma « nova» lista de projetos de interesse comum da União, que os projetos de interesse comum existentes que devam ser incluídos na nova lista de projeto de interesse comum da União deverão figurar no mesmo processo de seleção para o estabelecimento de listas de projetos de interesse comum da União que os projetos propostos, e que os que já não cumpram os critérios e os requisitos estabelecidos no presente regulamento não deverão figurar na nova lista de projetos de interesse comum da União. Por conseguinte, os projetos já incluídos na lista anterior de projetos de interesse comum da União não beneficiam de nenhuma vantagem em relação aos novos projetos. O Regulamento n.o 347/2013 limita‑se a uma consideração pragmática, no seu considerando 24, ao referir que, para reduzir ao mínimo possível os encargos administrativos dos projetos antigos, há que utilizar, na medida do possível, as informações anteriormente apresentadas e ter em conta os relatórios anuais dos promotores de projetos antigos.

70      Em segundo lugar, as recorrentes invocam erroneamente o artigo 3.o, n.o 3, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.o 347/2013 para sustentar que o exercício de um direito de veto pelo Estado‑Membro relativamente à inclusão de um projeto na lista de projetos de interesse comum da União está apenas limitado à primeira inclusão do referido projeto nessa lista.

71      Com efeito, o artigo 3.o, n.o 3, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.o 347/2013 prevê que «[q]uando um Grupo elabora a sua lista regional[,] cada proposta relativa a um projeto de interesse comum exige a aprovação dos Estados‑Membros a cujo território o projeto diga respeito» e que «[s]e um Estado‑Membro decidir não dar a sua aprovação, deve fundamentar as razões dessa decisão ao Grupo [regional] em causa». O anexo III, parte 2, ponto 10, do mesmo Regulamento precisa que se um Estado‑Membro desse Grupo regional o solicitar, o órgão de decisão de alto nível do referido Grupo deve analisar aquela fundamentação.

72      Estas disposições do Regulamento n.o 347/2013 não estabelecem nenhuma distinção em função de um projeto ser pela primeira vez objeto de um pedido de inclusão ou de já ter sido incluído numa lista anterior. Por conseguinte, aplicam‑se sempre que é estabelecida uma nova lista e referem‑se assim a todos os projetos a que se oponha um Estado‑Membro.

73      O facto de um Estado‑Membro ter de apresentar as razões de recusa da aprovação de um projeto e de um órgão de decisão de alto nível do Grupo Regional interessado os dever examinar a pedido de outro Estado‑Membro do mesmo Grupo não significa, no entanto, que o direito de veto do Estado‑Membro só possa ser exercido com fundamento num critério previsto pelo Regulamento n.o 347/2013. Com efeito, por um lado, o Estado‑Membro dispõe de um poder discricionário nos termos do artigo 172.o, segundo parágrafo, TFUE, para recusar a sua aprovação à inclusão de um projeto na lista de projetos de interesse comum da União. Por outro lado, e neste sentido, não resulta do artigo 3.o, n.o 3, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.o 347/2013, nem de outras disposições do mesmo Regulamento, que os fundamentos com base nos quais o Estado‑Membro pode não dar a sua aprovação se limitam aos casos em que se constate uma falta de conformidade com o Regulamento n.o 347/2013, em particular, ou com o direito da União, em geral.

74      Além disso, contrariamente ao que defendem as recorrentes, não existe uma infração ao artigo 3.o, n.o 3, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.o 347/2013, uma vez que a Comissão declarou corretamente que, no presente caso, a República Francesa tinha apresentado as razões de recusa da aprovação da inscrição do projeto de interligação Aquind na lista dos projetos de interesse comum da União. Com efeito, as respetivas atas da reunião dos órgãos de decisão técnicos e da reunião do órgão de decisão de alto nível do Grupo Regional interessado mencionam que a República Francesa considerava que os quatro projetos de interligação que ligavam a França e o Reino Unido acarretariam um excesso de capacidade e que o projeto de interligação Aquind era o mais incerto de todos.

75      Resulta do exposto que improcede o segundo fundamento.

 Quanto ao quarto e ao quinto fundamentos relativos, respetivamente, à violação do direito a uma boa administração e da violação do princípio da igualdade de tratamento

76      O quarto e o quinto fundamentos dizem respeito, respetivamente, à violação do direito a uma boa administração e à violação do princípio da igualdade de tratamento. As recorrentes alegam que a Comissão está encarregada de modificar a lista de projetos de interesse comum da União e, por conseguinte, tem o direito e o dever de garantir o respeito pelos princípios da boa administração e da igualdade de tratamento, bem como pelos outros princípios gerais de direito da União. Sublinham que não tiveram a oportunidade de serem ouvidas nas reuniões do órgão de decisão técnico e do órgão de decisão de alto nível. Alegam igualmente que, enquanto membro de todos os órgãos de decisão, a Comissão deve adotar a lista de projetos de interesse comum da União em virtude de uma delegação de poder legislativo e que, por conseguinte, pode modificar as listas regionais propostas pelos órgãos.

77      A Comissão, apoiada pelo Reino de Espanha e pela República Francesa, contesta o quarto e quinto fundamentos.

78      Em primeiro lugar, importa recordar que o princípio geral da boa administração figura entre as garantias conferidas pela ordem jurídica da União nos procedimentos administrativos e que se encontra atualmente consagrado no artigo 41.o, n.o 1, da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 14 novembro de 2017, Alfamicro/Comissão, T‑831/14, não publicado, EU:T:2017:804, n.o 165 e jurisprudência aí referida). O artigo 41.o, n.o 1, da Carta prevê que «[t]odas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável». O artigo 41.o, n.o 2, da Carta enuncia que o direito a uma boa administração compreende nomeadamente o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente.

79      Além disso, a Comissão está obrigada a respeitar o princípio da igualdade de tratamento ou da não discriminação que exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a não ser que tal tratamento seja objetivamente justificado (Acórdão de 15 de abril de 2010, Gualtieri/Comissão, C‑485/08 P, EU:C:2010:188, n.o 70). O respeito do princípio da igualdade de tratamento deve ser conciliado com o respeito do princípio da legalidade (Acórdão de 17 de janeiro de 2013, Gollnisch/Parlamento Europeu, T‑346/11 e T‑347/11, EU:T:2013:23, n.o 109).

80      Em segundo lugar, a análise do quarto e quinto fundamentos implica determinar as funções atribuídas pelo Regulamento n.o 347/2013 a cada um dos participantes no procedimento de inclusão das propostas de projetos na lista de projetos de interesse comum da União, bem como o desenvolvimento do referido processo.

81      Em primeiro lugar, conforme prevê o artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 347/2013, cabe ao Grupo Regional interessado elaborar a lista regional de propostas de projetos de interesse comum. A este respeito, importa recordar que o Grupo em questão é composto por representantes dos Estados‑Membros, entidades reguladoras nacionais, dos operadores de redes de transporte, bem como da Comissão, da ACRE e da REORT de eletricidade (v. anexo III, parte 1, ponto 1, do Regulamento n.o 347/2013).

82      Os promotores de projetos eventualmente suscetíveis de ser selecionados como projetos de interesse comum devem apresentar um pedido de seleção como projeto de interesse comum ao Grupo (v. anexo III, parte 2, ponto 1, do Regulamento n.o 347/2013). Em relação às propostas de projetos tais como a do projeto de interligação elétrica, as entidades reguladoras nacionais e, caso necessário, a ACRE verificam a coerência da aplicação dos critérios/da metodologia de análise dos custos e benefícios e avaliam a sua importância transfronteiriça, apresentando o resultado da sua avaliação ao Grupo (v. anexo III, parte 2, ponto 7, do Regulamento n.o 347/2013).

83      Importa recordar que a regulamentação prevê, no essencial que ao elaborar a sua lista regional de propostas de projeto de interesse comum da União, o Grupo Regional interessado deve ter em conta o facto de cada proposta individual de projeto de interesse comum exigir a aprovação dos Estados‑Membros a cujo território o projeto diga respeito. Se um Estado‑Membro decidir não dar a sua aprovação, deve fundamentar as razões dessa decisão ao Grupo em causa [v. artigo 3.o, n.o 3, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.o 347/2013]. Neste contexto, prevê‑se que, a pedido um Estado‑Membro do Grupo, o órgão de decisão de alto de nível do referido grupo deverá examinar a fundamentação apresentada pelo Estado‑Membro para justificar a sua decisão de recusa de aprovação de um projeto de interesse comum que diga respeito ao seu território (v. anexo III, parte 2, ponto 10, do Regulamento n.o 347/2013).

84      Os projetos de listas regionais de propostas de projetos elaborados pelo Grupo devem ser comunicados à ACRE. Esta avalia o referido projeto de listas e apresenta um parecer sobre o mesmo relativo, nomeadamente, à coerência da aplicação dos critérios e da análise dos custos e benefícios nas regiões [v. artigo 3.o, n.o 3, segundo parágrafo, alínea a), e anexo III, parte 2, ponto 12, do Regulamento n.o 347/2013].

85      Na sequência do parecer da ACRE, o órgão de decisão de alto nível do Grupo Regional interessado «adota» a lista regional final de propostas de projeto de interesse comum da União com base na proposta do Grupo e tendo em conta o parecer da ACRE e a avaliação das entidades regulatórias nacionais competentes. O referido órgão apresenta a lista regional final à Comissão.

86      Em virtude de uma delegação de poderes, a Comissão está habilitada a adotar os atos delegados que estabelecem a lista de projetos de interesse comum da União. Não obstante, o considerando 23 do Regulamento n.o 347/2013 refere que a delegação à Comissão do poder de adotar e reavaliar esta lista em conformidade com o artigo 290.o TFUE se opera sem prejuízo do «direito dos Estados‑Membros de aprovarem os projetos de interesse comum relacionados com o seu território». Neste sentido, o artigo 3.o, n.o 4, primeiro parágrafo, deste Regulamento recorda que o poder de adotar um ato que fixa a lista de projetos de interesse comum da União é exercido «sem prejuízo do artigo 172.o, segundo parágrafo, do TFUE». O artigo 172.o, segundo parágrafo, TFUE prevê que os projetos de interesse comum da União que digam respeito ao território de um Estado‑Membro exigem a aprovação desse Estado‑Membro.

87      Em segundo lugar, podem retirar‑se as seguintes conclusões da descrição das diferentes etapas do procedimento previsto pelo Regulamento n.o 347/2013.

88      Antes de mais, nem o órgão de decisão técnico do Grupo Regional interessado (que elabora a lista regional de propostas de projetos de interesse comum da União), nem o órgão de decisão de alto nível deste Grupo Regional (que adota a lista regional das propostas de projeto de interesse comum da União), nem ainda a Comissão (que adota o ato delegado que fixa definitivamente a lista de projetos de interesse comum da União) podem incluir nas listas uma proposta individual de projeto que não tenha recebido a aprovação do Estado‑Membro em cujo território o projeto deva ser realizado.

89      Em seguida, e conforme resulta do acima exposto, a Comissão não goza de um poder discricionário para elaborar de maneira definitiva a lista de projetos de interesse comum da União, contrariamente ao que defendem, no essencial, as recorrentes.

90      Com efeito, os poderes delegados da Comissão, conferidos pelos artigos 3.o, n.o 4, e 16.o, do Regulamento n.o 347/2013, considerados conjuntamente, para adotar definitivamente a lista de projetos de interesse comum da União, devem ser exercidos dentro dos limites das disposições do Tratado FUE e do Regulamento n.o 347/2013. Ora, tal como já foi sublinhado no n.o 86, supra, a habilitação da Comissão para adotar atos delegados é exercida «sem prejuízo do artigo 172.o, segundo parágrafo, TFUE». Assim, a Comissão não dispõe de nenhum poder para acrescentar à lista em questão um projeto que tenha sido objeto de uma decisão de recusa de aprovação por um Estado‑Membro no território do qual o referido projeto deveria ser realizado.

91      No mesmo sentido, resulta tanto do artigo 3.o, n.o 4, segundo parágrafo, como do artigo 3.o, n.o 5, do Regulamento n.o 347/2013 que a função de garantir o estabelecimento, de dois em dois anos, da lista de projetos de interesse comum da União e a de adotar a referida lista, que incumbem à Comissão, são realizadas «com base nas listas regionais» de propostas de projetos de interesse comum da União.

92      No quadro desta função, as competências da Comissão são definidas precisamente como as de «[a]ssegura[r] que só sejam incluídos [na lista de projetos de interesse comum da União] os projetos que preenchem os critérios referidos no artigo 4.o [do Regulamento n.o 347/2013]» [artigo 3.o, n.o 5, alínea a), do Regulamento n.o 347/2013], de «[a]ssegura[r] a coerência transregional, tendo em conta o parecer da [ACRE]» [artigo 3.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 347/2013] e de «[p]rocura[r] assegurar a inclusão de um número total gerível de [projetos] [projetos de interesse comum] na lista da União» [artigo 3.o, n.o 5, alínea d), do Regulamento n.o 347/2013].

93      Ora, as três competências acima referidas que foram conferidas à Comissão só podem logicamente ser exercidas em relação aos projetos que figurem nas listas regionais de propostas de projetos de interesse comum da União. Com efeito, a Comissão só pode apreciar o respeito pelos critérios aplicáveis aos projetos de interesse comum, referidos no artigo 4.o, do Regulamento n.o 347/2013, em relação aos projetos que figurem nas referidas listas. A apreciação do cumprimento de tais critérios não pode dizer respeito a um projeto que, dada a recusa a montante do Estado‑Membro no território do qual o referido projeto deveria ser realizado, nem sequer foi examinado à luz destes critérios pelos órgãos de decisão do Grupo Regional interessado. A Comissão não pode, pois, por definição, apreciar o cumprimento destes critérios em relação a um projeto que nunca chegou a ser examinado.

94      Pode extrair‑se uma conclusão semelhante no que diz respeito à competência da Comissão para garantir a coerência transregional tendo em conta o parecer da ACRE. Uma tal competência só pode, logicamente, ser exercida pela Comissão em relação aos projetos que figuram nas listas elaboradas pelos órgãos de decisão dos Grupos Regionais. Assim, a mesma não pode referir‑se a um projeto que não tenha sido incluído nas referidas listas em razão da recusa de aprovação por um Estado‑Membro no território do qual o referido projeto se deveria realizar.

95      Quanto à competência que consiste em verificar se o número total de projetos é gerível, o anexo III, parte 2, do Regulamento n.o 347/2013 sublinha no seu ponto 14 que a Comissão pode examinar a possibilidade de não incluir determinados projetos na lista de projetos de interesse comum da União, se considerar que o número total de propostas de projetos de interesse comum da lista da União excede um número gerível. Em contrapartida, nenhuma disposição do Regulamento n.o 347/2013 lhe confere competência para acrescentar projetos que não tenham sido selecionados pelos órgãos de decisão dos Grupos Regionais nem, consequentemente, os que não tenham sido aprovados pelo Estado‑Membro em cujo território o referido projeto se deveria realizar.

96      Por último, no que diz respeito aos fundamentos invocados pelo Estado‑Membro em apoio da sua recusa de aprovação, o legislador da União reservou unicamente aos Estados‑Membros pertencentes ao Grupo Regional interessado a possibilidade de solicitar o exame da referida fundamentação, excluindo assim todas as restantes partes que compõem o Grupo Regional, a saber, as entidades reguladoras nacionais, os operadores de redes de transporte, assim como representantes da Comissão, da ACRE e da REORT de eletricidade. O legislador pretendeu assim que, em linha com o artigo 172.o, segundo parágrafo, TFUE, a questão da recusa de aprovação de um projeto permanecesse no âmbito da competência dos Estados‑Membros.

97      Em terceiro lugar, no plano factual, é de reconhecer que a República Francesa recusou a inclusão do projeto de interligação Aquind na lista dos projetos de interesse comum da União e apresentou os motivos desta recusa ao Grupo interessado (v. n.o 74, supra).

98      Resulta igualmente dos elementos do processo que nenhum outro Estado‑Membro do Grupo Regional pediu o exame dos fundamentos invocados pela República Francesa. A este respeito, não assiste razão às recorrentes quando invocam o correio eletrónico de 20 de novembro de 2019, dirigido pelo órgão competente do Reino Unido à Comissão, para afirmar, no essencial, que este antigo Estado‑Membro se tinha oposto à retirada do projeto de interligação Aquind e, desta forma, tinha obrigado o Grupo a examinar a fundamentação. Com efeito, este correio contém um pedido de introdução de determinadas modificações na ata da reunião de 4 de outubro de 2019 do órgão de decisão de alto nível, mas não contém nenhum pedido, nem sequer implícito, ao Grupo Regional interessado para que examinasse as razões invocadas pela República Francesa para recusar a inclusão do projeto de interligação Aquind na lista dos projetos de interesse comum da União. Este correio contém apenas uma tomada de posição do Reino Unido mediante a qual o mesmo indica o seu ponto de vista sobre os quatro projetos de interligação entre si e a França.

99      Resulta do acima exposto que a Comissão só podia exercer as suas competências em relação à lista de projetos adotada pelo órgão de decisão de alto nível do Grupo Regional interessado, que não podia pedir um exame das razões pelas quais a República Francesa tinha recusado aprovar o projeto de interligação Aquind e que tampouco podia acrescentar o referido projeto de interligação Aquind à lista de projetos de interesse comum da União.

100    Neste contexto, improcede o argumento das recorrentes relativo à alegada violação do seu direito de audiência. Com efeito, resulta das constatações precedentes que a Comissão estava obrigada, sem dispor de nenhuma margem de discricionariedade, a não incluir o projeto de interligação Aquind na lista dos projetos de interesse comum da União e que se conformou com as regras estabelecidas no Regulamento n.o 347/2013.

101    A este respeito importa sublinhar que as recorrentes não invocaram em momento algum a ilegalidade das disposições pertinentes do Regulamento n.o 347/2013, particularmente, do artigo 3.o, n.o 3, segundo parágrafo, alínea a), e do anexo III, parte 2, ponto 10, do mesmo Regulamento. Por conseguinte, não podem alegar nenhuma violação do seu direito de audiência (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 26 de setembro de 2014, Raffinerie Heide/Comissão, T‑631/13, não publicado, EU:T:2014:830, n.os 41 a 44, e Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi nos processos DK Recycling e Roheisen/Comissão, Arctic Paper Mochenwangen/Comissão, Raffinerie Heide/Comissão e Romonta/Comissão, C‑540/14 P, C‑551/14 P, C‑564/14 P e C‑565/14 P, EU:C:2016:147, n.os 90 e 91).

102    Além disso, para que uma violação do direito de audiência pudesse dar lugar à anulação do regulamento impugnado, incumbia às recorrentes demonstrar que, na ausência de tal irregularidade, as mesmas teriam podido invocar elementos suscetíveis de pôr em causa a posição da Comissão e, portanto, teriam podido influenciar, de uma maneira ou de outra, as apreciações feitas por esta última na eventual decisão de não inclusão do projeto de interligação Aquind na lista de projetos de interesse comum da União (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2010, Knauf Gips/Comissão, C‑407/08 P, EU:C:2010:389, n.o 23 e jurisprudência aí referida). Ora, nenhum elemento podia influenciar de forma alguma a posição da Comissão, tendo em conta a recusa da República Francesa em conceder a sua aprovação à inclusão do projeto de interligação Aquind na lista de projetos de interesse comum da União.

103    Nestas circunstâncias a Comissão não pode ser acusada de violação do direito a uma boa administração.

104    A Comissão também não pode ser acusada de violação do princípio da igualdade de tratamento. Na aceção da jurisprudência referida no n.o 79, supra, não pôde tratar de maneira desigual o projeto de interligação Aquind por referência aos projetos concorrentes, uma vez que aquele não figurava na lista das propostas de projetos de interesse comum da União elaborada pelo Grupo Regional interessado, com base na qual a mesma exerceu as suas competências delegadas e, por conseguinte, não se encontrava numa situação comparável à dos projetos concorrentes que figuravam na referida lista.

105    Mais concretamente, por um lado, as recorrentes defendem, sem razão, que a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento porque os projetos de interligação entre a França e o Reino Unido (entre os quais, o projeto de interligação Aquind) respondiam às mesmas necessidades dos mesmos clientes e que os resultados do estudo Artelys, com base nos quais a Comissão supostamente recusou aprovar o referido projeto, não se referiam a este último em particular, mas aos três outros projetos concorrentes.

106    Com efeito, importa recordar que a Comissão só podia limitar‑se a tomar nota da decisão da República Francesa de não conceder a sua aprovação à inclusão do projeto de interligação Aquind na lista de projetos de interesse comum da União. Além disso, resulta do exame do primeiro fundamento relativo à violação do dever de fundamentação que os resultados do estudo Artelys não constituem uma razão pela qual o projeto de interligação Aquind não foi incluído na lista de propostas elaborada pelo Grupo de decisão interessado, nem a razão pela qual a Comissão não incluiu o referido projeto na lista de projetos de interesse comum da União.

107    Por outro lado, as recorrentes fundamentam sem razão o seu quinto fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento, no facto de o projeto de interligação Aquind ter sido mais bem classificado do que os projetos concorrentes na classificação das propostas de projetos de interesse comum efetuada de acordo com o método de avaliação e de, não obstante, não ter sido incluído na lista de projetos de interesse comum da União.

108    Com efeito, sem prejuízo do facto de o projeto de interligação Aquind não figurar na lista regional adotada pelo Grupo de decisão e de, por conseguinte, a Comissão não o poder ter em conta, a classificação que as recorrentes invocam carece, em qualquer caso, de pertinência. O Regulamento n.o 347/2013 refere inequivocamente, no seu artigo 4.o, n.o 4 e no seu anexo III, parte 2, ponto 14, que a classificação dos projetos se destina apenas a ser utilizada no seio do grupo, que nem a lista regional nem a lista dos projetos de interesse comum da União contém nenhuma classificação e que a mesma não deve ser utilizada para nenhum outro fim subsequente, exceto quando a Comissão exerça a competência recordada no n.o 95, supra, que consiste em verificar se o número total de projetos é gerível.

109    Neste contexto, há que examinar o argumento das recorrentes relativo ao Acórdão de 11 de março de 2020, Baltic Cable (C‑454/18, EU:C:2020:189). Recordam que o Tribunal de Justiça declarou no referido Acórdão que os poderes conferidos às entidades reguladoras nacionais devem ser interpretados e aplicados de maneira a respeitarem os princípios gerais do direito da União, mesmo quando o regulamento não confere expressamente à entidade em causa poderes para adotar as medidas necessárias para evitar qualquer discriminação. As recorrentes alegam, no essencial, que, do mesmo modo, os poderes conferidos à Comissão para adotar as listas de projetos de interesse comum da União devem ser interpretados e aplicados no respeito pelos princípios gerais do direito da União, no presente caso, o princípio da igualdade de tratamento, ainda que o Regulamento n.o 347/2013 não lhe confira expressamente o poder para adotar as medidas necessárias a este respeito.

110    No entanto, este argumento não pode vingar. Por um lado, as recorrentes partem da premissa errónea de que a situação das entidades reguladoras nacionais a que se refere o Acórdão de 11 de março de 2020, Baltic Cable (C‑454/18, EU:C:2020:189), é a mesma em que a Comissão se encontra no presente processo. Ora, existe uma diferença fundamental entre as duas situações em causa que se deve ao facto de, nos termos do artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento (CE) n.o 714/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, relativo às condições de acesso à rede para o comércio transfronteiriço de eletricidade e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1228/2003 (JO 2009, L 211, p. 15), a entidade reguladora nacional ter poderes para adotar uma decisão sobre a utilização das receitas do operador da rede de transporte em causa. No presente caso, a Comissão não tinha competência para incluir o projeto de interligação Aquind na lista de projetos de interesse comum da União, uma vez que a República Francesa exerceu o seu direito de não aprovar o referido projeto de interligação Aquind, em conformidade com o artigo 172.o, segundo parágrafo, TFUE e com o artigo 3.o, n.o 3, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.o 347/2013.

111    Por outro lado, importa sublinhar que se a Comissão, em nome do princípio da igualdade de tratamento, tivesse tomado a iniciativa de incluir o projeto de interligação Aquind na lista de projetos de interesse comum da União, a sua atuação teria infringido a legislação da União e, em particular, o próprio Tratado FUE.

112    Tendo em conta todo o acima exposto, o quarto e quinto fundamentos, relativos, respetivamente, à violação do direito a uma boa administração e à violação do princípio da igualdade de tratamento, devem ser julgados improcedentes.

 Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

113    No quadro do sexto fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade, as recorrentes alegam, desde logo, que a oportunidade e a necessidade de retirar o projeto de interligação Aquind da lista de projetos de interesse comum da União deveriam ter sido avaliadas de maneira mais estrita e tendo devidamente em conta a natureza deste projeto e as consequências desta retirada. Em seguida, afirmam que, dada a falta de informação sobre as razões da retirada do projeto da lista, não é possível avaliar a proporcionalidade do regulamento impugnado. Além disso, acusam a Comissão de, na sua compreensão das garantias processuais e no seu modo de respeitar os princípios fundamentais, não ir suficientemente longe na interpretação do Regulamento n.o 347/2013, para alcançar os objetivos deste. Por último, as recorrentes alegam que o Regulamento n.o 347/2013 tem por objeto facilitar a realização dos projetos de interesse comum e que a interpretação que dele faz a Comissão é incompatível com o princípio da proporcionalidade, uma vez que um período de dois anos é insuficiente para que um projeto possa beneficiar do procedimento de investimento e de distribuição transfronteiriça dos custos previsto no artigo 12.o do referido Regulamento.

114    A Comissão, apoiada pelo Reino de Espanha e pela República Francesa, contesta este fundamento.

115    Segundo jurisprudência constante, o princípio da proporcionalidade faz parte dos princípios gerais do direito da União. Por força deste princípio, os atos das instituições da União não devem ultrapassar os limites do adequado e necessário à realização dos objetivos legitimamente prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando existe uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos rígida e os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos pretendidos (Acórdãos de 13 de novembro de 1990, Fedesa e o., C‑331/88, EU:C:1990:391, n.o 13; de 5 de maio de 1998, Reino Unido/Comissão, C‑180/96, EU:C:1998:192, n.o 96, e de 23 de setembro de 2020, BASF/Comissão, T‑472/19, não publicado, EU:T:2020:432, n.o 108).

116    Por outro lado, a apreciação da proporcionalidade de uma medida deve ser conciliada com o respeito da margem de apreciação eventualmente reconhecida às instituições da União quando da sua adoção (v. Acórdãos de 12 de dezembro de 2006, Alemanha/Parlamento e Conselho, C‑380/03, EU:C:2006:772, n.o 145, e de 16 de maio de 2017, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, T‑122/15, EU:T:2017:337, n.o 68).

117    É à luz desta jurisprudência que o sexto fundamento deve ser analisado.

118    Desde logo, há que ter em conta o facto de a Comissão não dispor de nenhuma margem de discricionariedade quanto à não inclusão do projeto em causa na sequência da recusa da República Francesa em conceder a sua aprovação à inclusão do projeto de interligação Aquind na lista de projetos de interesse comum da União e que, portanto, a mesma apenas podia limitar‑se a tomar nota desta recusa.

119    Em seguida, importa recordar que, de acordo com o considerando 43 do Regulamento n.o 347/2013, «[a]tendendo a que o objetivo do presente regulamento, a saber, o desenvolvimento e a interoperabilidade das redes transeuropeias de energia e a ligação a essas redes, não pode ser suficientemente atingido pelos Estados‑Membros e pode, pois, ser mais bem realizado a nível da União, esta pode tomar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade estabelecido no artigo 5.o [TUE]. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade consagrado no mesmo artigo, o presente regulamento não excede o necessário para atingir aquele objetivo».

120    O Regulamento n.o 347/2013 não prevê que os promotores de projetos recebam esclarecimentos por parte dos Grupos regionais e possam formular observações previamente à adoção das listas regionais pelos referidos Grupos ou à adoção dos atos delegados mediante os quais a Comissão fixa definitivamente a lista de projetos de interesse comum da União. Ora, as recorrentes não invocaram nenhuma exceção de ilegalidade das disposições do referido regulamento relativas ao procedimento de adoção da lista de projetos de interesse comum da União. Por conseguinte, as recorrentes não podem basear‑se nestes elementos para defender que talvez fosse possível avaliar se a retirada do projeto de interligação Aquind da lista de projetos de interesse comum da União era proporcionada. Neste contexto, as mesmas também não podem, no essencial, acusar a Comissão de não lhes ter dado esclarecimentos prévios nem ter garantido o respeito pelo princípio da proporcionalidade durante o procedimento de elaboração da lista. Com efeito, por um lado, a Comissão conformou‑se com as disposições do Regulamento n.o 347/2013 quando adotou o regulamento impugnado. Por outro lado, a possibilidade de pôr em causa as razões invocadas por um Estado‑Membro para recusar conceder a sua aprovação a um projeto está reservada unicamente aos representantes dos restantes Estados‑Membros do Grupo Regional interessado e, por conseguinte, a Comissão não podia interferir a este respeito.

121    Além disso, as recorrentes acusam erroneamente a Comissão de não ter avaliado a oportunidade e a necessidade de retirar o projeto de interligação Aquind da lista de projetos de interesse comum da União de uma maneira mais estrita e tendo em conta a natureza do referido projeto. Com efeito, a análise dos fundamentos precedentes, particularmente, a análise realizada nos números 87 a 96, supra, colocou em evidência a impossibilidade de a Comissão ignorar a recusa da República Francesa e assim incluir o projeto de interligação Aquind, que não figurava na lista regional adotada pelo Grupo interessado, na lista de projetos de interesse comum da União. À luz da jurisprudência recordada no número 116, supra, deve ter‑se em conta o facto de a Comissão não dispor de uma margem de apreciação quanto à inclusão do projeto de interligação Aquind na lista de projetos de interesse comum da União. Nestas circunstâncias, a Comissão não pode ser acusada de violação do princípio da proporcionalidade por não ter incluído este projeto na lista de projetos de interesse comum da União.

122    Por último, as recorrentes afirmam, no essencial, que a interpretação que a Comissão faz, no regulamento impugnado, do Regulamento n.o 347/2013, é contrária ao objetivo prosseguido por este regulamento, nomeadamente, de facilitar a realização dos projetos, porquanto é evidente que um período de dois anos não é suficiente para que um projeto possa beneficiar do procedimento de investimento e de repartição transfronteiriça dos custos previsto no artigo 12.o do referido Regulamento. Tal argumento não pode vingar. Com efeito, conforme sublinha corretamente a Comissão, o desenvolvimento de projetos de infraestruturas não depende de os mesmos serem ou não projetos de interesse comum da União.

123    Em face do exposto, improcede o sexto fundamento.

 Quanto ao sétimo fundamento, relativo à violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima

124    No quadro do sétimo fundamento, relativo à violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, os recorrentes alegam, em primeiro lugar, que o artigo 172.o TFUE e o Regulamento n.o 347/2013 não podem ser interpretados no sentido de que o estatuto de projeto de interesse comum da União é totalmente precário. Sublinham que ninguém tinha podido prever como «provável» a retirada discriminatória do estatuto de projeto de interesse comum da União ao projeto de interligação Aquind. Em seguida, alegam que a retirada arbitrária, ao fim de dois anos, do projeto de interligação Aquind da lista de projetos de interesse comum da União violou as suas expectativas legítimas. Com efeito, em sua opinião, o objetivo de fomentar os investimentos dos projetos prioritários previstos pelo Regulamento n.o 347/2013, a inclusão inicial do projeto de interligação Aquind como projeto de interesse comum da União, os esforços consideráveis realizados e os investimentos significativos das mesmas davam‑lhes garantias de uma certa estabilidade do estatuto deste projeto. Além disso, sublinham que a recusa da ACRE, em 2018, de conceder uma isenção nos termos do artigo 17.o, do Regulamento n.o 714/2009 baseava‑se no facto de a interligação Aquind figurar na lista de projetos de interesse comum da União e beneficiar, por esse motivo, das vantagens previstas no artigo 12.o, do Regulamento n.o 347/2013. Em seu entender, com esta decisão, a União dava‑lhes garantias de que o projeto de interligação Aquind não seria arbitrariamente retirado da referida lista. Por último, as recorrentes consideram que a República Francesa afirmou erroneamente que não podiam ter expectativas legítimas, uma vez que os quatro projetos de interligação entre França e o Reino Unido concorriam entre si. Com efeito, alegam que a retirada do projeto de interligação Aquind da lista de projetos de interesse comum da União reduziu diretamente a pressão concorrencial exercida sobre os restantes projetos e conferiu a estes últimos uma vantagem, levando a um resultado oposto ao de «deixar o mercado determinar qual o projeto de interesse comum que deve ser executado».

125    A Comissão, apoiada pelo Reino de Espanha e pela República Francesa, contesta este fundamento.

126    Desde logo, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o princípio da segurança jurídica, que tem por corolário o princípio da proteção da confiança legítima, exige, por um lado, que as normas de direito sejam claras e precisas e, por outro, que a sua aplicação seja previsível para os cidadãos (Acórdãos de 7 de junho de 2005, VEMW e o., C‑17/03, EU:C:2005:362, n.o 80, e de 10 de setembro de 2009, Plantanol, C‑201/08, EU:C:2009:539, n.o 46).

127    É igualmente jurisprudência assente que o princípio da proteção da confiança legítima faz parte dos princípios fundamentais da União. O direito de invocar este princípio estende‑se a todo o particular a quem uma instituição da União tenha feito surgir esperanças fundadas. Constituem garantias suscetíveis de fazer surgir tais esperanças, qualquer que seja a forma como são comunicadas, as informações precisas, incondicionais e concordantes que emanam de fontes autorizadas e fiáveis. Em contrapartida, não se pode invocar uma violação deste princípio na falta de garantias precisas que lhe tenham sido fornecidas pela Administração. Do mesmo modo, quando um operador económico prudente e avisado estiver em condições de prever a adoção de uma medida da União suscetível de afetar os seus interesses, não pode, quando essa medida for adotada, invocar o princípio da proteção da confiança legítima (Acórdãos de 14 de março de 2013, Agrargenossenschaft Neuzelle, C‑545/11, EU:C:2013:169, n.os 23 a 26, e de 26 de setembro de 2014, B&S Europe/Comissão, T‑222/13, não publicado, EU:T:2014:837, n.o 47).

128    Resulta igualmente da jurisprudência que a possibilidade de invocar o princípio da proteção da confiança legítima é reconhecida a qualquer operador económico em cuja esfera jurídica uma autoridade nacional tenha feito surgir esperanças fundadas. No entanto, os operadores económicos não têm fundamento para depositar a sua confiança legítima na manutenção de uma situação existente que pode ser alterada no quadro do poder de apreciação das autoridades nacionais (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de setembro de 2009, Plantanol, C‑201/08, EU:C:2009:539, n.o 53, e de 11 de julho de 2019, Agrenergy e Fusignano Due, C‑180/18, C‑286/18 e C‑287/18, EU:C:2019:605, n.o 31).

129    É à luz desta jurisprudência que se deve determinar se, no quadro da adoção da lista de propostas elaborada pelo Grupo regional interessado e da lista de projetos de interesse comum da União, se pode imputar à Comissão a violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima das recorrentes na manutenção do estatuto de projeto de interesse comum da União do projeto de interligação Aquind.

130    Em primeiro lugar, importa recordar que a Comissão não dispunha de nenhuma margem de discricionariedade quanto à não inclusão do projeto em causa na sequência da recusa da República Francesa em conceder a sua aprovação à inclusão do projeto de interligação Aquind na lista de projetos de interesse comum da União e que, portanto, só podia tomar nota da referida recusa.

131    Em segundo lugar, conforme foi sublinhado, nomeadamente, nos n.os 69 a 71, supra, resulta claramente da legislação aplicável que de dois em dois anos é elaborada uma nova lista de projetos de interesse comum da União, que todos os projetos, incluindo os que figuram na lista em vigor de projetos de interesse comum da União, estão sujeitos ao mesmo procedimento de seleção, que os projetos que já foram incluídos na lista anterior de projetos de interesse comum da União não beneficiam, portanto, de nenhuma vantagem em relação aos novos projetos e que os projetos de interesse comum da União relativos ao território de um Estado‑Membro requerem a aprovação deste último.

132    O teor inequívoco do Regulamento n.o 347/2013 não permite que se considere que o seu objetivo, que visa no essencial incentivar os investimentos nos projetos prioritários, e a inclusão do projeto de interligação Aquind na lista de projeto de interesse comum da União teriam constituído para as recorrentes uma garantia de que o referido projeto seria automaticamente incluído na nova lista de projetos de interesse comum da União.

133    Em terceiro lugar, as recorrentes alegam que a decisão da Comissão de Recurso da ACRE de 17 de outubro de 2018, que indeferiu o seu pedido de concessão de uma isenção nos termos do artigo 17.o, do Regulamento n.o 714/2009 para o projeto de interligação Aquind constituía uma garantia por parte da União de que o projeto de interligação Aquind não seria arbitrariamente retirado da lista da União enquanto preenchesse os requisitos de inclusão.

134    A este respeito, convém recordar que, de acordo com o artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009, a isenção do regime regulamentado pode ser concedida se «o nível de risco associado ao investimento deve ser tal que o investimento não se realizaria se não fosse concedida uma isenção». As recorrentes salientam que a recusa da ACRE em conceder‑lhes a isenção se devia ao facto de o projeto de interligação Aquind estar incluído na lista de projetos de interesse comum da União e de, por esse motivo, o mesmo beneficiar das vantagens previstas no artigo 12.o, do Regulamento n.o 347/2013.

135    Embora seja certo que para indeferir o pedido de isenção apresentado nos termos do artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009, a ACRE fez referência ao estatuto de projeto de interesse comum da União do projeto de interligação Aquind (e à repartição transfronteiriça dos custos de que o projeto em questão podia eventualmente beneficiar devido a tal estatuto), esta referência não constituía em caso algum uma garantia suscetível de criar nas recorrentes a esperança de que o projeto de interligação Aquind seria automaticamente incluído na nova lista de projetos de interesse comum da União. A abordagem da ACRE deve antes ser compreendida no sentido de que, se o projeto em questão deixar de estar incluído na lista de projetos de interesse comum da União, se abriria a possibilidade de solicitar novamente uma isenção nos termos do artigo acima referido.

136    Neste sentido, conforme sublinha a Comissão, as recorrentes não podiam pretender «congelar» a sua situação jurídica resultante da inclusão inicial do seu projeto nas listas de projetos de interesse comum da União, uma vez que o quadro jurídico previa a possibilidade de alterações. Tampouco ignoravam que a decisão relativa a uma isenção nos termos do artigo 17.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009 e a de adotar a lista de projetos de interesse comum da União eram tomadas por órgãos diferentes e independentes entre si.

137    Em quarto lugar, as recorrentes não podiam alegar em caso algum que a assinatura do Tratado sobre a Carta de Energia lhes criou garantias precisas, incondicionais e concordantes de que o projeto de interligação Aquind inicialmente inscrito na lista de projetos de interesse comum da União iria ser automaticamente incluído na nova lista da União. Com efeito, sem prejuízo do facto de este argumento não ter nenhum fundamento, a assinatura do referido Tratado não pode conferir, por si só, uma garantia aos promotores de um determinado projeto de interligação em relação ao estatuto de projeto de interesse comum da União do seu projeto. Tanto mais que a existência do referido Tratado não permitia ignorar a exigência da aprovação inicial da República Francesa, nos termos do artigo 172.o, TFUE, segundo parágrafo, para que o projeto de interligação Aquind pudesse ser incluído na nova lista regional do Grupo Regional. Ora, as recorrentes sabiam que tal aprovação não existia no presente caso.

138    Em quinto lugar, é pacífico que, no âmbito da adoção da nova lista regional de propostas de projetos e da nova lista de projetos de interesse comum da União, o projeto de interligação Aquind concorria com outros projetos de interligação entre o Reino Unido e a França. Neste contexto, as recorrentes estavam perfeitamente cientes de que um só ou vários destes projetos podiam bastar para cumprir os objetivos do Regulamento n.o 347/2013 e que tanto o Reino Unido como a República Francesa dispunham de uma ampla margem de discricionariedade por força do artigo 172.o, segundo parágrafo e do artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 347/2013 para conceder ou não a sua aprovação a um ou outro destes projetos.

139    A este respeito, as recorrentes não se podem basear na classificação obtida pelo projeto de interligação Aquind (superior à atribuída aos outros projetos) para afirmar que a sua confiança legítima foi defraudada. Tal como já foi recordado no n.o 108, supra, nem a lista regional nem a lista dos projetos de interesse comum da União devem conter qualquer classificação e a classificação das propostas de projeto de interesse comum efetuada segundo o método de avaliação só pode ser utilizada pela Comissão no exercício da competência que consista em verificar se o número total de projetos é gerível.

140    Em face do acima exposto, improcede o sétimo fundamento.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 10.o, n.o 1, do Tratado da Carta da Energia

141    No quadro do terceiro fundamento, as recorrentes invocam a violação do artigo 10.o, n.o 1, do Tratado da Carta da Energia. Em primeiro lugar, alegam que esta disposição tem efeito direto em virtude de, por um lado, a natureza e a estrutura do Tratado da Carta da Energia, considerado no seu conjunto, o tornam apto a conferir direitos executórios e, por outro lado, a própria Carta ser suficientemente clara e precisa e não dever ser objeto de medidas de aplicação adicionais. Em segundo lugar, alegam que esta disposição rege o tratamento que cada parte contratante deve dispensar aos investidores das outras partes contratantes, que a União e cada um dos seus Estados‑Membros são partes contratantes do Tratado da Carta da Energia e que os investidores de um Estado‑Membro são investidores de uma parte contratante distinta da União, pelo que podem invocar a referida disposição contra a União. Em terceiro lugar, as recorrentes consideram que as proteções previstas pelo Tratado da Carta da Energia são, em todo o caso, pertinentes para a interpretação do Regulamento n.o 347/2013 e para a aplicação dos princípios gerais do direito da União de que devem beneficiar todos os investidores dos Estados‑Membros.

142    A Comissão, apoiada pela República Federal da Alemanha, pelo Reino Unido e pela República Francesa, contesta este fundamento.

143    A título preliminar, importa recordar que o Tratado da Carta da Energia é um acordo multilateral no qual são partes tanto a maioria dos Estados‑Membros como a própria União.

144    O artigo 10.o, do Tratado da Carta da Energia, com a epígrafe «Promoção, proteção e tratamento de investimentos» estabelece o seguinte, no seu n.o 1:

«Em conformidade com as disposições do presente Tratado, cada parte contratante incentivará e criará condições estáveis, equitativas, favoráveis e transparentes para que investidores de outras partes contratantes realizem investimentos no seu território. Essas condições incluirão o compromisso de concessão de um tratamento justo e equitativo, em todos os momentos, a investimentos de investidores de outras partes contratantes. Esses investimentos devem também gozar da mais constante proteção e segurança e nenhuma parte contratante deve, de forma alguma, prejudicar, através de medidas desproporcionadas ou discriminatórias, a sua gestão, manutenção, uso, fruição ou alienação. […]»

145    Em primeiro lugar, importa sublinhar que, no essencial, o artigo 10.o, n.o 1, do Tratado da Carta da Energia enumera os princípios gerais de direito que existem no direito da União, a saber, os princípios da boa administração, da igualdade de tratamento, da segurança jurídica, da proteção da confiança legítima e da proporcionalidade. Ora, resulta da análise do quarto a sétimo fundamentos que, ao não considerar, no regulamento impugnado, o projeto de interligação Aquind como projeto de interesse comum da União, a Comissão não pode ser acusada de violação destes princípios. Por conseguinte, tampouco pode ser acusada de violação do artigo 10.o, n.o 1, do Tratado da Carta da Energia.

146    Em seguida, é em vão que as recorrentes alegam que a obrigação de garantir condições transparentes e equitativas não foi respeitada devido à violação do dever de fundamentação e dos requisitos processuais e materiais, invocada no âmbito do primeiro e segundo fundamentos, os quais foram considerados improcedentes. Por conseguinte, na medida em que se baseia nas razões expostas nos referidos fundamentos, o argumento relativo à violação do artigo 10.o, n.o 1, do Tratado da Carta da Energia deve ser julgado improcedente.

147    Por último, importa recordar que os Tratados Fundadores, que constituem a carta constitucional de base da União (v., neste sentido, Acórdão de 23 de abril de 1986, Os Verdes/Parlamento Europeu, C‑294/83, EU:C:1986:166, n.o 23), instauraram, contrariamente aos tratados internacionais ordinários, uma nova ordem jurídica, dotada de instituições próprias, a favor da qual os seus Estados‑Membros limitaram, em domínios cada vez mais amplos, os seus direitos soberanos e cujos sujeitos são não só os Estados‑Membros mas também os seus nacionais [v. Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.o 157 e jurisprudência aí referida].

148    Segundo jurisprudência constante, a autonomia do direito da União, no que respeita tanto ao direito dos Estados‑Membros como ao direito internacional, justifica‑se pelas características essenciais da União e do seu direito, relativas, nomeadamente, à estrutura constitucional na União, bem como à própria natureza do referido direito. Com efeito, o direito da União caracteriza‑se pelo facto de emanar de uma fonte autónoma, constituída pelos Tratados, pelo seu primado relativamente aos direitos dos Estados‑Membros, bem como pelo efeito direto de uma série de disposições aplicáveis aos seus nacionais e aos próprios Estados‑Membros. Estas características deram origem a uma rede estruturada de princípios, de regras e de relações jurídicas mutuamente interdependentes que vinculam, reciprocamente, a própria União e os seus Estados‑Membros, e estes entre si [v., neste sentido, Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.os 165 a 167 e 201; v., igualmente, Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea, C‑284/16, EU:C:2018:158, n.o 33 e jurisprudência aí referida].

149    Em particular, relativamente às normas que vinculam reciprocamente a própria União e os Estados‑Membros, o artigo 172.o, segundo parágrafo, TFUE confere um poder discricionário ao Estado‑Membro em causa de conceder ou de recusar a sua aprovação à inclusão de um projeto na lista de projetos de interesse comum da União, tal como resulta da análise dos fundamentos precedentes (v., particularmente, n.os 38 a 40, 45, 56, 110 e 111).

150    Por conseguinte, o Tratado FUE estabeleceu limites claros à competência da União no âmbito dos projetos de interesse comum da União, já que a Comissão está impedida de incluir, na lista dos referidos projetos de interesse comum da União, um projeto que não tenha recebido a aprovação do Estado‑Membro em cujo território se deve realizar.

151    A este respeito, é em vão que as recorrentes tentam pôr em causa a repartição das competências entre os Estados‑Membros e a União no domínio dos projetos de interesse comum da União. Com efeito, acusam essencialmente a Comissão por não ter ignorado a recusa da República Francesa em conceder a sua aprovação à inclusão do projeto de interligação Aquind na lista de projetos de interesse comum da União e, em consequência, ter violado o artigo 10.o, do Tratado da Carta da Energia.

152    Ora, tendo em conta a autonomia do direito da União e a existência de uma rede estruturada de princípios, normas e relações jurídicas mutuamente interdependentes que vinculam, reciprocamente, a própria União e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a existência de um poder discricionário do Estado‑Membro em causa reconhecido pelo direito da União, por outro, há que considerar que o artigo 10.o, n.o 1, do Tratado da Carta da Energia não pode ter um alcance tal que obrigue a Comissão a não ter em conta a repartição de competências prevista no artigo 172.o, segundo parágrafo, TFUE e, portanto, a infringir esta disposição.

153    Por conseguinte, a Comissão respeitou o artigo 172.o, segundo parágrafo, TFUE. Assim, não pode ser acusada de ter infringido o artigo 10.o, n.o 1, do Tratado da Carta da Energia.

154    Consequentemente, improcede o terceiro fundamento.

155    Em face do exposto, improcede o recurso no seu conjunto.

 Quanto às despesas

156    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido

157    Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las a suportar as suas próprias despesas, assim como as despesas da Comissão, em conformidade com os pedidos desta.

158    A República Federal da Alemanha, o Reino de Espanha e a República Francesa suportarão as respetivas despesas, nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Aquind Ltd, a Aquind SAS e a Aquind Energy Sàrl suportarão as despesas.

3)      A República Federal da Alemanha, o Reino de Espanha e a República Francesa suportarão as respetivas despesas.

Tomljenović

Škvařilová‑Pelzl

Nõmm

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de fevereiro de 2023.

Assinaturas


Índice



*      Língua do processo: inglês.