Language of document : ECLI:EU:T:2011:589

DESPACHO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

12 de Outubro de 2011 

«Recurso de anulação – Nota de débito – Excepção de inadmissibilidade – Natureza contratual do litígio – Natureza do recurso – Qualidade de acto impugnável»

No processo T‑353/10,

Lito Maieftiko Gynaikologiko kai Cheirourgiko Kentro AE, com sede em Atenas (Grécia), representada por E. Tzannini, advogado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por D. Triantafyllou e A. Sauka, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação parcial de uma nota de débito emitida pela Comissão em 22 de Julho de 2010 para recuperar o montante de 109 415,20 euros pago à recorrente a título de contribuição financeira para apoio a um projecto de investigações médicas,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção),

composto por: I. Pelikánová (relatora), presidente, K. Jürimäe e M. van der Woude, juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Despacho

 Antecedentes do litígio

1        A recorrente, Lito Maieftiko Gynaikologiko kai Cheirourgiko Kentro AE, é uma maternidade especializada nas áreas da obstetrícia, da ginecologia e da cirurgia. A recorrente é membro de um consórcio que, em Dezembro de 2003, concluiu com a Comissão das Comunidades Europeias um contrato relativo a um projecto de investigações médicas, denominado Dicoems, nos termos do qual a Comissão se comprometeu a proceder à sua contribuição financeira através do pagamento de várias parcelas (a seguir «contrato»). O projecto em causa teve início em 1 de Janeiro de 2004 e ficou concluído em 30 de Junho de 2006, mas o contrato de que foi objecto continua em vigor, por a Comissão não ter ainda procedido ao pagamento da terceira e última parcela.

2        De acordo com o artigo 12.° do contrato, este rege‑se pelo direito belga. Além disso, por força do seu artigo 13.°, só o Tribunal Geral ou, de acordo com as circunstâncias do caso específico, o Tribunal de Justiça são competentes para decidir qualquer litígio entre a União Europeia e os membros do consórcio, relativo à validade, à aplicação ou a qualquer interpretação do contrato.

3        Por carta de 29 de Abril de 2009, a Comissão informou a recorrente de que esta iria ser sujeita a uma inspecção, sob a forma de uma auditoria financeira, devido à sua participação no projecto Dicoems. Resulta desta carta que a recorrente deveria apresentar, designadamente, por ocasião dessa inspecção, as folhas de presença do pessoal afecto ao projecto. Durante a auditoria, efectuada entre 3 e 6 de Agosto de 2009, constatou‑se que a recorrente não tinha entregue as folhas de presença com o registo das horas de trabalho do seu pessoal, cujo reembolso era por ela solicitado.

4        Em Outubro de 2009, a Comissão deu conhecimento à recorrente do projecto de relatório de auditoria, que indicava a falta das folhas de presença, e convidou‑a a apresentar as suas observações. Não tendo ficado convencida pelas observações enviadas pela recorrente por carta de 5 de Novembro de 2009, a Comissão, por carta de 23 de Dezembro de 2009, manteve as conclusões que tinham sido formuladas no relatório de auditoria.

5        Em 27 de Abril de 2010, a Comissão enviou à recorrente uma carta de informação prévia a um procedimento de reembolso, convidando‑a a reembolsar o montante de 109 415,20 euros. Em 26 de Maio de 2010, a recorrente pediu à Comissão que as suas observações anteriormente enviadas fossem novamente examinadas e aprovadas.

6        Considerando, todavia, que a resposta da recorrente não continha nenhum elemento novo, a Comissão enviou‑lhe, em 22 de Julho de 2010, uma nota de débito na qual lhe era pedido que pagasse o montante de 109 415,20 euros até 6 de Setembro de 2010 (a seguir «nota de débito»).

7        Além disso, a nota de débito continha, sob o título «Condições de pagamento», as seguintes indicações:

«1.      Todas as despesas bancárias são a seu cargo.

2.      A Comissão reserva‑se o direito de, após informação prévia, proceder à cobrança por compensação, caso os valores em dívida sejam recíprocos, certos, líquidos e exigíveis.

3.      Caso o montante não seja creditado na conta da Comissão até à data‑limite, o valor em dívida determinado pelas Comunidades vence juros à taxa aplicada pelo Banco Central Europeu às suas principais operações de refinanciamento, conforme publicada no Jornal Oficial da [União Europeia], série C, em vigor no primeiro dia do mês da data‑limite, 09‑2010 + 3,5 pontos percentuais.

4.      Caso o montante não seja creditado na conta da Comissão até à data‑limite, a Comissão reserva‑se o direito de:

–        executar qualquer garantia financeira anteriormente prestada

–        proceder à execução coerciva, de acordo com o disposto no artigo 299.° TFUE

–        registar a falta de pagamento numa base de dados acessível aos gestores orçamentais do Orçamento da União, até que o pagamento seja recebido na totalidade.»

 Tramitação processual e pedidos das partes

8        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 31 de Agosto de 2010, a recorrente interpôs o presente recurso.

9        Por requerimento separado, apresentado em 8 de Outubro de 2010, a Comissão invocou uma excepção de inadmissibilidade.

10      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        condenar a recorrente nas despesas.

11      A recorrente conclui pedindo, em substância, que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar improcedente a excepção de inadmissibilidade invocada pela Comissão;

–        anular a nota de débito, na parte em que a Comissão lhe pede para efectuar o pagamento de um montante que excede aquele que, na sua carta de 5 de Novembro de 2009, ela própria reconhece dever‑lhe, e que recusa pagar, ou para compensar este último montante com aquele que a Comissão lhe deve, respeitante à terceira parcela do contrato;

–        condenar a Comissão nas despesas.

 Questão de direito

12      Nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, se uma das partes o pedir, o Tribunal Geral pode pronunciar‑se sobre a inadmissibilidade antes de conhecer do mérito da causa. De acordo com o n.° 3 do mesmo artigo, a tramitação ulterior do processo é oral, salvo decisão em contrário do Tribunal Geral. No presente caso, o Tribunal Geral considera que se encontra suficientemente esclarecido pelas peças dos autos, para se pronunciar sobre o pedido apresentado pela Comissão sem dar início à fase oral.

13      A Comissão invoca uma excepção de inadmissibilidade, relativa, por um lado, à natureza contratual do litígio que a opõe à recorrente, da qual decorre que o Tribunal Geral não é competente para se pronunciar sobre este no âmbito de um recurso de anulação, nos termos do artigo 263.° TFUE, e, por outro, ao carácter puramente informativo da nota de débito enviada à recorrente, que não constitui um acto impugnável na acepção do artigo 263.° TFUE.

 Argumentos das partes

14      A Comissão alega, em primeiro lugar, que a nota de débito foi emitida no âmbito do contrato, devido à insuficiente justificação das despesas efectuadas pela recorrente nos termos das suas obrigações contratuais. A execução incorrecta de um contrato constitui uma questão de responsabilidade contratual, e a troca de cartas, de interpelações e dos respectivos pagamentos não está sujeita à fiscalização da legalidade prevista no artigo 263.° TFUE. Se assim não fosse, o Tribunal Geral alargaria a sua competência para além dos limites definidos pelo Tratado FUE, que só lhe permite conhecer dos litígios contratuais com fundamento em cláusulas compromissórias específicas, nos termos do artigo 272.° TFUE, o que exclui, no entanto, a utilização paralela das outras vias de recurso.

15      A Comissão alega, em segundo lugar, que a nota de débito mais não é do que um simples acto preparatório de carácter informativo que não altera a situação jurídica da recorrente. Refere‑se, a este respeito, às disposições do Regulamento Financeiro e às Modalidades de execução do Regulamento Financeiro, bem como ao acórdão do Tribunal Geral de 17 de Abril de 2008, Cestas/Comissão (T‑260/04, Colect., p. II‑701, n.° 76). Segundo a Comissão, a situação jurídica da recorrente só pode ser alterada por uma decisão judicial que lhe atribua a quantia em dívida ou, a título subsidiário, por uma decisão executória definitiva por si adoptada nos termos do artigo 299.° TFUE.

16      A recorrente alega, em primeiro lugar, que o facto de submeter um litígio à competência do Tribunal Geral, através de uma cláusula compromissória, não exclui que se recorra ao Tribunal Geral ao abrigo do artigo 263.° TFUE. Também não resulta da cláusula compromissória que uma das vias de recurso é subsidiária relativamente a outra. Por outro lado, o presente litígio não resulta da interpretação ou da execução das cláusulas contratuais, mas está exclusivamente relacionado com a total inexistência de fundamentação da nota de débito. Além disso, a recorrente considera que o simples facto de um acto adoptado pela Comissão se inscrever no âmbito de um procedimento de natureza contratual não é suficiente para se concluir pela inadmissibilidade de um recurso de anulação que tenha por objecto esse acto, que tenha sido interposto por um particular abrangido por esse acto e a quem o mesmo é formalmente dirigido, se o referido acto for adoptado pela Comissão no exercício das suas competências próprias.

17      A recorrente alega, em segundo lugar, que a Comissão não cumpriu a sua obrigação de distinguir claramente um título executivo de um simples documento de informação. Por conseguinte, a nota de débito deve ser analisada em função do seu conteúdo. Em sua opinião, sendo aplicado este critério, a nota de débito constitui um acto definitivo que produz efeitos executórios, de acordo com o disposto no artigo 299.° TFUE. Tal decorre do seu próprio texto, que contém uma ameaça de execução coerciva em caso de não pagamento, bem como todos os elementos necessários à execução coerciva, tais como a quantia exacta, o prazo para pagamento, a data a partir da qual os juros começam a correr e a ameaça de sanções. Por outro lado, a recorrente entende que, no âmbito do processo de auditoria administrativa e contabilística interna, os actos que fixam de forma definitiva a posição da Comissão são actos susceptíveis de recurso. Ora, através da adopção da nota de débito, este processo ficou concluído e não cabe efectuar mais nenhum trâmite jurídico depois de a referida nota ter sido emitida.

 Apreciação do Tribunal Geral

 Quanto à natureza do presente recurso, conforme interposto pela recorrente

18      A título preliminar, deve recordar‑se que é à parte recorrente que cabe seleccionar o fundamento jurídico do seu recurso, e não ao juiz comunitário escolher ele próprio a base legal mais apropriada (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Março de 2005, Espanha/Eurojust, C‑160/03, Colect., p. I‑2077, n.° 35; despachos do Tribunal Geral de 26 de Fevereiro de 2007, Evropaïki Dynamiki/Comissão, T‑205/05, não publicado na Colectânea, n.° 38, e de 10 de Abril de 2008, Imelios/Comissão, T‑97/07, não publicado na Colectânea, n.° 19).

19      No presente caso, embora a petição não se baseie expressamente nas disposições que regulam o recurso de anulação, resulta dos articulados apresentados pela recorrente ao Tribunal Geral que o recurso, por meio do qual se pede a anulação da nota de débito, se baseia no artigo 263.° TFUE.

20      Assim, na primeira página da sua petição inicial, a recorrente identifica o seu recurso como estando «destinado a obter a anulação da nota de débito». Do mesmo modo, nos pedidos apresentados na página 22 da petição, requer, designadamente, que o Tribunal Geral se digne «anular a nota de débito impugnada» e «anular, igualmente, a decisão impugnada na parte ao abrigo da qual não foi creditada a terceira parcela [dos pagamentos da Comissão]». Além disso, no n.° 18 das suas observações sobre a excepção de inadmissibilidade, depois de ter recordado que, «no âmbito de um recurso de anulação, o Tribunal aprecia a legalidade dos actos […] destinados a produzir efeitos jurídicos vinculativos em relação a terceiros, alterando substancialmente a sua situação jurídica», a recorrente sublinha que «[a] nota de débito deve ser considerada como um desses actos». Também, no mesmo n.° 18, a recorrente indica que, «em todo o caso, o [presente] litígio não resulta da interpretação ou da execução das cláusulas contratuais, mas diz exclusivamente respeito à total inexistência de fundamentação da nota de débito».

21      Por conseguinte, o presente recurso deve ser analisado como um recurso de anulação.

 Quanto à admissibilidade do presente recurso como recurso de anulação ao abrigo do artigo 263.° TFUE

22      Deve recordar‑se que, por força do artigo 263.° TFUE, os órgãos jurisdicionais da União fiscalizam a legalidade dos actos adoptados pelas instituições destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 9, e acórdão do Tribunal Geral de 15 de Janeiro de 2003, Philip Morris International e o./Comissão, T‑377/00, T‑379/00, T‑380/00, T‑260/01 e T‑272/01, Colect., p. II‑1, n.° 81).

23      Segundo jurisprudência constante, esta competência diz apenas respeito aos actos referidos no artigo 288.° TFUE que estas instituições são levadas a adoptar nas condições previstas no Tratado FUE, no âmbito do exercício das suas prerrogativas de poder público (v., neste sentido, despacho do Tribunal Geral de 10 de Maio de 2004, Musée Grévin/Comissão, T‑314/03, Colect., p. II‑1421, n.os 62, 63 e 81, e despacho Evropaïki Dynamiki/Comissão, referido no n.° 18, supra, n.° 39).

24      Em contrapartida, os actos adoptados pelas instituições que se inscrevem num quadro puramente contratual de que são indissociáveis não figuram, por força da sua própria natureza, entre os actos referidos no artigo 288.° TFUE, cuja anulação pode ser requerida ao abrigo do artigo 263.° TFUE (despachos do Tribunal Geral, Musée Grévin/Comissão, referido no n.° 23, supra, n.° 64; Evropaïki Dynamiki/Comissão, referido no n.° 18, supra, n.° 40; Imelios/Comissão, referido no n.° 18, supra, n.° 22; de 6 de Outubro de 2008, Austrian Relief Program/Comissão, T‑235/06, não publicado na Colectânea, n.° 35; e acórdão do Tribunal Geral de 17 de Junho de 2010, CEVA/Comissão, T‑428/07 e T‑455/07, Colect., p. II‑0000, n.° 52).

25      Por conseguinte, o Tribunal Geral só pode ser legitimamente chamado a decidir o presente recurso ao abrigo do artigo 263.° TFUE se a nota de débito se destinar a produzir efeitos jurídicos vinculativos que excedem aqueles que derivam do contrato e que implicam o exercício das prerrogativas de poder público conferidas à Comissão na sua qualidade de autoridade administrativa.

26      A este respeito, resulta dos elementos dos autos que a nota de débito se inscreve no contexto do contrato que liga a Comissão à recorrente, dado que tem por objecto a recuperação de um valor em dívida que tem o seu fundamento nas cláusulas do contrato.

27      Com efeito, primeiro, a Comissão pagou à recorrente um montante de 117 306,85 euros ao abrigo do contrato. Segundo, por força do artigo II.31, n.° 1, das condições gerais que constam do anexo II do referido contrato, a Comissão tem o direito de pedir a um membro do consórcio o reembolso de qualquer quantia indevidamente recebida ou cuja recuperação se justifique ao abrigo do contrato, o que fez por carta de 27 de Abril de 2010, na qual pediu à recorrente o reembolso do montante de 109 415,20 euros (v. n.° 5, supra). Terceiro, nos termos da nota de débito que remete, por outro lado, para as cartas da Comissão de 27 de Abril e 13 de Julho de 2010, a Comissão pediu à recorrente o «reembolso do montante de 109 415,20 euros relativo à participação [da recorrente] no projecto 507760 [Dicoems] e à implementação do resultado da auditoria [efectuada à recorrente]».

28      Não obstante o contexto contratual em que se inscreve a relação jurídica que constitui o objecto do litígio, a recorrente considera que a nota de débito impugnada é de natureza administrativa. Recordou correctamente, a este respeito, que o acto adoptado por uma instituição num contexto contratual deve ser considerado como sendo destacável deste último, quando tiver sido adoptado por essa instituição no exercício das suas prerrogativas de poder público (v., neste sentido, despacho Imelios/Comissão, referido no n.° 18, supra, n.° 28).

29      Ora, no presente caso, nenhum elemento permite concluir que a Comissão agiu no exercício das suas prerrogativas de poder público. Com efeito, como resulta dos n.os 26 e 27, supra, a nota de débito destina‑se a invocar direitos que a Comissão considera decorrerem das cláusulas do contrato que a liga à recorrente. Em contrapartida, não visa produzir efeitos jurídicos, em relação à recorrente, que têm origem no exercício, por parte da Comissão, de prerrogativas de poder público de que esta é titular nos termos do direito da União. Assim, no presente caso, deve considerar‑se que a nota de débito é indissociável das relações contratuais existentes entre a Comissão e a recorrente.

30      Como foi salientado no n.° 7, supra, é certo que a nota de débito contém, sob o título «Condições de pagamento», indicações relativas aos juros que o valor em dívida determinado vencerá caso o pagamento não seja efectuado até à data‑limite, ao possível reembolso através de compensação ou por via de execução de uma eventual garantia anteriormente prestada, bem como às possibilidades de execução coerciva e de registo numa base de dados acessível aos gestores orçamentais do orçamento comunitário. Contudo, ainda que estejam redigidas de uma forma que pode dar a impressão de que se trata de um acto definitivo da Comissão, essas indicações só podem, em qualquer hipótese e por natureza, ser preparatórias de um acto da Comissão relativo à execução do valor em dívida determinado, uma vez que, na nota de débito, a Comissão não toma posição sobre os meios que tenciona accionar para recuperar o referido valor em dívida, acrescido dos juros de mora a contar da data‑limite de pagamento fixada na nota de débito (v., neste sentido, acórdão Cestas/Comissão, referido no n.° 15, supra, n.os 71 a 74).

31      Resulta do que precede que, em conformidade com as considerações expostas no n.° 25, supra, a referida nota de débito, pela sua própria natureza, não figura entre os actos cuja anulação pode ser pedida aos órgãos jurisdicionais da União ao abrigo do artigo 263.° TFUE.

32      Daqui decorre que, seja como for, o presente recurso deve ser julgado inadmissível.

 Quanto à possibilidade de requalificar o presente recurso como recurso interposto ao abrigo de uma cláusula compromissória, nos termos do artigo 272.° TFUE

33      Atendendo à cláusula compromissória constante do artigo 13.° do contrato, que prevê a competência dos órgãos jurisdicionais da União para decidir qualquer litígio relativo à validade, à aplicação ou a qualquer interpretação do contrato, há que examinar se o presente recurso pode ser requalificado de recurso interposto ao abrigo do artigo 272.° TFUE.

34      Segundo jurisprudência assente, sempre que lhe é apresentado um recurso de anulação ou uma acção de indemnização, quando o litígio é, na realidade, de natureza contratual, o Tribunal Geral requalifica o recurso se estiverem preenchidas as condições para tal (acórdão do Tribunal Geral de 19 de Setembro de 2001, Lecureur/Comissão, T‑26/00, Colect., p. II‑2623, n.° 38; despachos do Tribunal Geral, Musée Grévin, referido no n.° 23, supra, n.° 88, e de 9 de Junho de 2005, Helm Düngemittel/Comissão, T‑265/03, Colect., p. II‑2009, n.° 54; e acórdão CEVA/Comissão, referido no n.° 24, supra, n.° 57).

35      O exame da jurisprudência revela que, perante um litígio de natureza contratual, o Tribunal Geral se considera na impossibilidade de requalificar um recurso de anulação, quer quando a vontade expressa da parte recorrente em não basear o seu pedido no artigo 272.° TFUE se opõe a essa requalificação (v., neste sentido, despachos do Tribunal Geral, Musée Grévin/Comissão, referido no n.° 23, supra, n.° 88, e de 2 de Abril de 2008, Maison de l’Europe Avignon Méditerranée/Comissão, T‑100/03, não publicado na Colectânea, n.° 54; e acórdão CEVA/Comissão, referido no n.° 24, supra, n.° 59) quer quando o recurso não assenta num fundamento relativo à violação das regras que regem a relação contratual em causa, independentemente de se tratar das cláusulas contratuais ou das disposições da lei nacional indicada no contrato (v., neste sentido, despachos Evropaïki Dynamiki/Comissão, referido no n.° 18, supra, n.° 57, e Imelios/Comissão, referido no n.° 18, supra, n.° 33; e acórdão CEVA/Comissão, referido no n.° 24, supra, n.° 59).

36      No presente caso, há que constatar que, no seu pedido de anulação da nota de débito, a recorrente invoca quatro fundamentos, relativos, respectivamente, à falta de fundamentação da nota de débito, à não tomada em consideração das folhas de presença elaboradas ex post pela recorrente, à não tomada em consideração dos argumentos de facto apresentados pela recorrente e à violação do princípio da protecção da confiança legítima.

37      Ora, estes quatro fundamentos, que assentam exclusivamente em considerações que resultam de uma relação de direito administrativo, são característicos de um recurso de anulação. Por outro lado, nas suas observações relativas à excepção de inadmissibilidade, a recorrente não pede, nem expressa nem implicitamente, a requalificação do seu recurso. Por fim, ao contrário do previsto no artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, a recorrente não expõe, nem sequer de forma sumária, nenhum fundamento, argumento ou crítica relativo à violação das disposições do contrato ou das disposições do direito belga, ao qual o mesmo está submetido por força do seu artigo 12.°

38      Por conseguinte, de acordo com a jurisprudência citada no n.° 35, supra, não é possível requalificar o presente recurso de recurso interposto ao abrigo do artigo 272.° TFUE.

39      Resulta do exposto que a excepção de inadmissibilidade invocada pela Comissão deve ser julgada procedente e que, por conseguinte, o presente recurso deve ser julgado inadmissível.

 Quanto às despesas

40      Nos termos do artigo 87.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, se cada parte obtiver vencimento parcial, ou perante circunstâncias excepcionais, o Tribunal Geral pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

41      No presente caso, embora a recorrente tenha sido vencida nos seus pedidos, o Tribunal Geral considera que a Comissão não utilizou uma formulação clara e inequívoca na redacção da nota de débito. Com efeito, certos elementos da nota, designadamente a referência à eventual adopção de uma decisão que constitua título executivo, na acepção do artigo 299.° TFUE, podiam causar a impressão, no espírito da recorrente, de que se tratava de um acto definitivo adoptado no exercício das suas competências próprias. Tendo em conta esta circunstância, far‑se‑á uma apreciação justa das circunstâncias do caso, decidindo que a Comissão suportará as suas próprias despesas bem como as despesas efectuadas pela recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

decide:

1)      O recurso é julgado inadmissível.

2)      A Comissão Europeia é condenada a suportar as suas próprias despesas bem como as despesas efectuadas pela Lito Maieftiko Gynaikologiko kai Cheirourgiko Kentro AE.

Feito no Luxemburgo, em 12 de Outubro de 2011.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      I. Pelikánová