Language of document : ECLI:EU:T:2013:348

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública)

9 de julho de 2013 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal da Função Pública — Função pública — Pessoal do BEI — Reapreciação do acórdão do Tribunal da Função Pública — Recurso em primeira instância julgado inadmissível — Pensões — Aumento da contribuição para o regime de pensões — Prazo de recurso — Prazo razoável»

No processo T‑234/11 P‑RENV‑RX,

que tem por objeto um recurso do despacho do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Primeira Secção) de 4 de fevereiro de 2011, Arango Jaramillo e o./BEI (F‑34/10, ainda não publicado na Coletânea), destinado a obter a anulação desse despacho,

Oscar Orlando Arango Jaramillo, agente do Banco Europeu de Investimento, residente no Luxemburgo (Luxemburgo), e 34 outros agentes do Banco Europeu de Investimento cujos nomes figuram em anexo, representados por B. Cortese e C. Cortese, advogados,

recorrentes,

sendo a outra parte no processo

Banco Europeu de Investimento (BEI), representado por C. Gómez de la Cruz e T. Gilliams, na qualidade de agentes, assistidos por P.‑E. Partsch, advogado,

recorrido em primeira instância,

O TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública),

composto por: M. Jaeger, presidente, I. Pelikánová (relatora) e A. Dittrich, juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Acórdão

1        O presente processo surge na sequência do acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 28 de fevereiro de 2013, Reapreciação Arango Jaramillo e o./BEI (C‑334/12 RX‑II, ainda não publicado na Coletânea), no qual este, depois de ter declarado que o acórdão do Tribunal Geral (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública) de 19 de junho de 2012, Arango Jaramillo e o./BEI (T‑234/11 P, ainda não publicado na Coletânea, a seguir «acórdão objeto de reapreciação»), que tinha por objeto um recurso do despacho do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Primeira Secção) de 4 de fevereiro de 2011, Arango Jaramillo e o./BEI (F‑34/10, ainda não publicado na Coletânea, a seguir «despacho recorrido»), afetava a coerência do direito da União Europeia, anulou o acórdão objeto de reapreciação e remeteu o processo ao Tribunal Geral.

 Factos na origem do litígio

2        Resulta dos n.os 2 a 4 do despacho recorrido, referido no n.° 1, supra, que Oscar Orlando Arango Jaramillo e 34 outros recorrentes cujos nomes figuram em anexo são agentes do Banco Europeu de Investimento (BEI). A partir de 1 de janeiro de 2007, as folhas de vencimento dos agentes do BEI deixaram de ser editadas na sua apresentação tradicional em papel, passando a existir apenas em suporte eletrónico. Desde então, são introduzidas mensalmente no sistema informático Peoplesoft do BEI, podendo assim ser consultadas por cada agente, a partir do seu computador profissional.

3        No sábado, 13 de fevereiro de 2010, as folhas de vencimento do mês de fevereiro de 2010 foram introduzidas no sistema informático Peoplesoft. Essas folhas evidenciavam, por comparação com as folhas do mês de janeiro de 2010, um aumento da taxa das contribuições para o regime de pensões, aumento esse resultante de decisões tomadas pelo BEI no âmbito da reforma do regime de pensões dos seus agentes.

 Tramitação do processo em primeira instância e despacho recorrido

4        Em 26 de maio de 2010, os recorrentes interpuseram no Tribunal da Função Pública um recurso, registado sob a referência F‑34/10, que tinha por objeto, por um lado, a anulação das suas folhas de vencimento do mês de fevereiro de 2010, na medida em que revelavam as decisões do BEI de aumentar as respetivas contribuições para o regime de pensões, e, por outro, a condenação deste último a pagar‑lhes um euro simbólico, a título de reparação do dano moral que sofreram.

5        Por requerimento separado, dirigido à Secretaria do Tribunal da Função Pública, o BEI suscitou uma exceção de inadmissibilidade em aplicação do artigo 78.° do Regulamento de Processo desse Tribunal e pediu a este último que se pronunciasse sobre a inadmissibilidade do recurso, sem apreciar o mérito da questão.

6        Nas suas observações sobre a exceção de inadmissibilidade, os recorrentes no processo principal alegaram designadamente que, atendendo às circunstâncias específicas do caso em apreço, especialmente à falta de uma disposição expressa relativa aos prazos de recurso dos agentes do BEI, a aplicação estrita do prazo de recurso de direito comum, de três meses e dez dias, tinha por efeito lesar o seu direito a um recurso efetivo (despacho recorrido, referido no n.° 1, supra, n.° 18).

7        No despacho recorrido, referido no n.° 1, supra, adotado em aplicação do artigo 78.° do Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública, o referido Tribunal, sem dar início à fase oral e sem deixar para final a decisão sobre a exceção de inadmissibilidade, julgou o recurso inadmissível por extemporaneidade.

 Recurso para o Tribunal Geral

8        Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de abril de 2011, os recorrentes interpuseram um recurso, ao abrigo do artigo 9.° do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, contra o despacho recorrido, referido no n.° 1, supra, registado sob a referência T‑234/11 P.

9        No âmbito desse recurso, os recorrentes pediram ao Tribunal Geral a anulação desse despacho, a rejeição da exceção de inadmissibilidade suscitada pelo BEI no processo F‑34/10 e a remessa do processo ao Tribunal da Função Pública, para que este se pronunciasse quanto ao mérito.

10      Tendo verificado que as partes não apresentaram um pedido de audiência no prazo de um mês a contar da notificação do encerramento da fase escrita, o Tribunal Geral julgou o recurso sem fase oral.

11      Em apoio do seu recurso, os recorrentes invocaram três fundamentos, o primeiro a título principal e os dois outros a título subsidiário. O primeiro fundamento era relativo a um erro de direito na interpretação do conceito de «prazo razoável» para a interposição do recurso em primeira instância, designadamente à violação do princípio da proporcionalidade e do direito a proteção jurisdicional efetiva. O segundo fundamento era relativo a um erro de direito na interpretação das regras processuais aplicáveis, designadamente as relativas à existência de caso fortuito. O terceiro fundamento era relativo à desvirtuação dos elementos apresentados ao Tribunal da Função Pública para provar a existência de caso fortuito e à violação das regras respeitantes às diligências de instrução e às medidas de organização do processo em primeira instância.

12      No acórdão objeto de reapreciação, referido no n.° 1, supra, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso, considerando que os fundamentos invocados pelos recorrentes eram, em parte, inadmissíveis e, quanto ao restante, improcedentes.

13      Para rejeitar o primeiro fundamento do recurso, invocado a título principal, o Tribunal Geral considerou que o Tribunal da Função Pública, no despacho recorrido, referido no n.° 1, supra, tinha aplicado corretamente à situação dos recorrentes uma regra segundo a qual, por analogia com o prazo de recurso previsto no artigo 91.°, n.° 3, do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), um prazo de três meses deve, em princípio, ser considerado razoável para a interposição, por um agente do BEI, de um recurso de anulação de um ato lesivo dos seus interesses (acórdão objeto de reapreciação, referido no n.° 1, supra, n.° 27). O Tribunal Geral declarou ainda que não se podia considerar que a obrigação de interpor recurso num prazo preciso, imposta aos agentes do BEI, infringisse o direito destes a um recurso efetivo ou o princípio da proporcionalidade (acórdão objeto de reapreciação, referido no n.° 1, supra, n.° 41).

 Reapreciação pelo Tribunal de Justiça

14      Na sequência da proposta do primeiro‑advogado‑geral, o Tribunal de Justiça (secção especial prevista no artigo 123.°‑B do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, na sua versão aplicável à data da proposta) considerou, por decisão de 12 de julho de 2012 (C‑334/12 RX, ainda não publicada na Coletânea), que havia que proceder à reapreciação. Nos termos desta última decisão, a reapreciação devia incidir sobre a questão de saber, por um lado, se o acórdão objeto de reapreciação, referido no n.° 1, supra, lesava a unidade ou a coerência do direito da União na medida em que o Tribunal Geral, como jurisdição de recurso, tinha interpretado o conceito de «prazo razoável», no contexto da interposição, pelos agentes do BEI, de um recurso de anulação contra um ato lesivo dos seus interesses, emanado deste último, como um prazo cuja ultrapassagem implicava a extemporaneidade e, portanto, a inadmissibilidade do recurso, sem que o juiz da União tenha tido de tomar em conta as circunstâncias específicas do caso concreto, e, por outro lado, se esta interpretação do conceito de «prazo razoável» não era suscetível de lesar o direito a um recurso jurisdicional efetivo, consagrado no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (JO 2010, C 83, p. 389).

15      No acórdão Reapreciação Arango Jaramillo e o./BEI, referido no n.° 1, supra, o Tribunal de Justiça anulou o acórdão objeto de reapreciação, referido no n.° 1, supra, depois de ter considerado que este, efetivamente, lesava a coerência do direito da União na medida em que o Tribunal Geral, na qualidade de jurisdição de recurso, tinha interpretado o conceito de «prazo razoável», no contexto da interposição, por agentes do BEI, de um recurso de anulação contra um ato lesivo dos seus interesses, emanado deste último, como um prazo de três meses cuja ultrapassagem implicava automaticamente a extemporaneidade e, portanto, a inadmissibilidade do recurso, sem que o juiz da União tenha tido de tomar em conta as circunstâncias específicas do caso concreto.

16      No entanto, considerando que a solução definitiva da questão da admissibilidade do recurso dos recorrentes, em particular a questão de saber se este recurso tinha sido interposto num prazo razoável, na aceção da jurisprudência que é conforme com o princípio do direito a um recurso efetivo, não resultava das constatações de facto em que se baseava o acórdão objeto de reapreciação, referido no n.° 1, supra, o Tribunal de Justiça considerou que ele próprio não podia decidir definitivamente o litígio, em aplicação do artigo 62.°‑ B do Estatuto do Tribunal de Justiça. Consequentemente, pronunciando‑se sobre as despesas respeitantes ao processo de reapreciação, o Tribunal de Justiça remeteu o processo ao Tribunal Geral, para que este apreciasse, tendo em conta o conjunto das circunstâncias próprias do mesmo, o caráter razoável do prazo em que os recorrentes interpuseram o recurso para o Tribunal da Função Pública.

 Quanto ao processo remetido após reapreciação

 Processo

17      Em conformidade com o artigo 121.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o acórdão Reapreciação Arango Jaramillo e o./BEI, referido no n.° 1, supra, teve por efeito submeter de novo o presente processo ao Tribunal Geral.

18      Por carta de 1 de março de 2013, a Secretaria do Tribunal Geral, em aplicação do artigo 121.°‑C, n.° 1, do Regulamento de Processo, convidou as partes a apresentarem, no prazo de um mês a contar da notificação do acórdão Reapreciação Arango Jaramillo e o./BEI, referido no n.° 1, supra, as suas observações escritas sobre as conclusões a tirar deste último para a solução do litígio.

19      Em 22 de março e 16 de abril de 2013, respetivamente, o BEI e os recorrentes apresentaram observações na Secretaria do Tribunal Geral.

20      Nas suas observações, o BEI conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        a título principal, remeter o processo ao Tribunal da Função Pública;

–        a título subsidiário, negar provimento ao recurso, depois de confirmar a inadmissibilidade, por extemporaneidade, do recurso interposto pelos recorrentes perante o Tribunal da Função Pública, dado ter sido interposto dentro de um prazo que não se afigura razoável tendo em conta as circunstâncias específicas do processo, e condenar os recorrentes nas despesas relativas ao processo de recurso.

21      Nas suas observações, os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        acolher o primeiro fundamento de recurso e, por este motivo, anular o despacho recorrido, referido no n.° 1, supra, dado o recurso perante o Tribunal da Função Pública ter sido interposto dentro de um prazo razoável tendo em conta todas as circunstâncias específicas do processo;

–        remeter o processo ao Tribunal da Função Pública, para que este se pronuncie quanto ao mérito e quanto às despesas relativas ao processo em primeira instância;

–        condenar o BEI nas despesas relativas ao processo de recurso.

 Questão de direito

22      Em consequência do acórdão Reapreciação Arango Jaramillo e o./BEI, referido no n.° 1, supra, o recurso referido no n.° 8, supra, foi novamente submetido ao Tribunal Geral, que deve reapreciar os três fundamentos invocados pelos recorrentes em apoio deste último recurso, recordados no n.° 11, supra, retirando todas as conclusões que o referido acórdão impõe para a solução do litígio.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro de direito na interpretação do conceito de «prazo razoável» para a interposição do recurso em primeira instância, designadamente à violação do princípio da proporcionalidade e do direito a proteção jurisdicional efetiva

23      O primeiro fundamento, no essencial, está articulado em duas partes. A primeira parte é relativa a um erro de direito na interpretação do conceito de «prazo razoável» para a interposição do recurso em primeira instância. A segunda parte é relativa a uma violação do princípio da proporcionalidade e do direito a proteção jurisdicional efetiva.

24      Com a primeira parte do primeiro fundamento, os recorrentes acusam o Tribunal da Função Pública de, no despacho recorrido, referido no n.° 1, supra, ter cometido um erro de direito na medida em que julgou o recurso inadmissível, por motivo de, em substância, o prazo de três meses, dez dias e alguns segundos, para a entrega da petição em primeira instância na Secretaria do Tribunal da Função Pública, não ser um prazo razoável. Deste modo, o Tribunal da Função Pública atribuiu à jurisprudência relativa aos prazos de recurso dos agentes do BEI (acórdãos do Tribunal Geral de 23 de fevereiro de 2001, De Nicola/BEI, T‑7/98, T‑208/98 e T‑109/99, ColetFP, pp. I‑A‑49 e II‑185, n.° 99, e de 6 de março de 2001, Dunnett e o./BEI, T‑192/99, Colet., p. II‑813, n.os 53 e 58) um alcance que esta não tinha, ao abandonar de facto o princípio da observância do prazo razoável, por natureza flexível e aberto à ponderação concreta dos interesses em jogo, substituindo‑o por um prazo fixo, de aplicação estrita e generalizada, de três meses. Além disso, segundo os recorrentes, o Tribunal da Função Pública não teve em conta os documentos ou depoimentos que lhe foram apresentados, que demonstravam que, por um lado, no prazo de três meses e dez dias, foram recebidas cópias autenticadas da petição em primeira instância, através de correio eletrónico, por outros destinatários ligados a servidores distintos do do envio, e que, por outro, ocorreu uma avaria elétrica nas instalações profissionais dos seus advogados, na noite do envio da petição em primeira instância, que terminou cerca de dez minutos antes da meia‑noite, atrasando o referido envio. Acresce que o Tribunal da Função Pública não tomou em consideração circunstâncias específicas do caso concreto, designadamente o facto de o BEI, culposamente, não ter exercido a sua responsabilidade regulamentar de fixação de um prazo de recurso preciso e fiável e de ter adotado as decisões impugnadas, sob a forma de folhas de vencimento do mês de fevereiro de 2010, ao abrigo de uma regulamentação que ainda não tinha sido publicada e que ainda não o estava na data da interposição do recurso.

25      Com a segunda parte do primeiro fundamento, os recorrentes alegam que, no despacho recorrido, referido no n.° 1, supra, o Tribunal da Função Pública desrespeitou o seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva e violou o princípio da proporcionalidade que deve inspirar a aplicação das disposições ou dos princípios de direito quando estes restringem o direito de acesso a um tribunal. Ao afastar‑se da sua jurisprudência anterior, baseada numa aplicação, flexível e favorável aos recorrentes, do princípio do respeito de um prazo de recurso razoável, o Tribunal da Função Pública desrespeitou a exigência fundamental de uma ponderação adequada do direito do litigante a uma proteção jurisdicional efetiva e da exigência de segurança jurídica. Esta contradição manifesta‑se de forma evidente, segundo os recorrentes, nas circunstâncias específicas do caso em apreço, conforme descritas no n.° 24, supra. À luz destas circunstâncias específicas, a aplicação estrita e generalizada de um prazo preciso de três meses, que não é fixado em nenhum diploma legal nem resulta de jurisprudência clara e assente, constitui uma restrição excessiva dos seus direitos de acesso a um tribunal, garantido pelo artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais. Além disso, é desproporcionada relativamente ao objetivo prosseguido pelo princípio do respeito de um prazo razoável, a saber, assegurar a estabilidade dos atos do BEI.

26      O BEI contesta os argumentos aduzidos pelos recorrentes e, em substância, conclui pedindo que o primeiro fundamento, considerado nas suas duas partes, seja julgado inadmissível e, em todo o caso, improcedente. Ao abrigo do primeiro fundamento, o BEI considera que os recorrentes pretendiam submeter à fiscalização do juiz de recurso apreciações do Tribunal da Função Pública relativas aos factos que figuram no despacho recorrido, referido no n.° 1, supra, o que não é da competência deste juiz. De qualquer forma, o primeiro fundamento não é procedente. Com efeito, resulta da jurisprudência que o prazo razoável para a interposição de um recurso por um agente do BEI é um prazo fixo de três meses, acrescido de um prazo fixo, em razão da distância, de dez dias, que resulta, por analogia, das disposições do Estatuto relativas às vias de recurso. Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e da do juiz da União que as regras que fixam prazos de recurso podem ser conciliadas tanto com o princípio da proporcionalidade como com o direito a uma proteção jurisdicional efetiva.

27      Na medida em que o BEI contesta a admissibilidade do primeiro fundamento, considerado nas suas duas partes, recorde‑se que, segundo jurisprudência constante, só o juiz de primeira instância é competente para, por um lado, apurar a matéria de facto, exceto no caso de a inexatidão material das suas constatações resultar dos documentos do processo que lhe foram apresentados, e, por outro, para apreciar esses factos. Quando o juiz de primeira instância tiver apurado ou apreciado os factos, o juiz de recurso é competente para fiscalizar a qualificação jurídica desses factos e as consequências jurídicas daí retiradas pelo juiz de primeira instância (acórdão do Tribunal Geral de 2 de julho de 2010, Kerstens/Comissão, T‑266/08 P, ainda não publicado na Coletânea, n.° 37; v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 6 de abril de 2006, General Motors/Comissão, C‑551/03 P, Colet., p. I‑3173, n.° 51, e de 21 de setembro de 2006, JCB Service/Comissão, C‑167/04 P, Colet., p. I‑8935, n.° 106).

28      Com o primeiro fundamento, os recorrentes não contestam as constatações de facto do Tribunal da Função Pública no despacho recorrido, referido no n.° 1, supra, relativas ao prazo de interposição do recurso em primeira instância, mas as conclusões que o referido Tribunal retirou destas últimas constatações, a saber, que o prazo em que o recurso foi interposto não podia ser qualificado de «razoável». Ora, a questão de saber se o Tribunal da Função Pública concluiu acertadamente, a partir dos factos do caso em apreço, que os recorrentes não tinham interposto o recurso dentro de um prazo razoável constitui uma questão de direito que está submetida à fiscalização do juiz de recurso.

29      Consequentemente, a exceção de inadmissibilidade aduzida pelo BEI relativamente ao primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

30      Para efeitos da apreciação quanto ao mérito da primeira parte do primeiro fundamento, relativa a um erro de direito na interpretação do conceito de «prazo razoável» para a interposição do recurso em primeira instância, saliente‑se que nem o Tratado FUE nem o Regulamento do Pessoal do BEI, aprovado pelo seu conselho de administração, em conformidade com o artigo 29.° do Regulamento Interno do BEI, contêm indicações sobre o prazo de recurso aplicável aos litígios entre o BEI e os seus agentes. A conciliação entre, por um lado, o direito a uma proteção jurisdicional efetiva, que constitui um princípio geral do direito da União e requer que o litigante disponha de um prazo suficiente para avaliar a legalidade do ato lesivo dos seus interesses e, eventualmente, preparar a sua petição, e, por outro, a exigência da segurança jurídica, que requer que, após o decurso de um certo prazo, os atos adotados pelas instâncias da União se tornem definitivos, impõe, todavia, que estes litígios sejam submetidos ao juiz da União, dentro de um prazo razoável (v. acórdãos De Nicola/BEI, referido no n.° 24, supra, n.os 97 a 99 e jurisprudência referida, e Dunnett e o./BEI, referido no n.° 24, supra, n.os 51 a 53 e jurisprudência referida; despacho do presidente do Tribunal Geral de 6 de dezembro de 2002, D/BEI, T‑275/02 R, ColetFP, pp. I‑A‑259 e II‑1295, n.os 31 e 32).

31      Segundo a jurisprudência, o caráter «razoável» de um prazo, quer se trate da duração de um procedimento administrativo ou jurisdicional quer de uma questão de prazo que, como no presente caso, influencia diretamente a admissibilidade de um recurso, deve sempre ser apreciado em função das circunstâncias do caso concreto e, designadamente, da importância do litígio para o interessado, da complexidade do processo e do comportamento das partes em presença (v. acórdão Reapreciação Arango Jaramillo e o./BEI, referido no n.° 1, supra, n.os 28 a 37 e jurisprudência referida). Consequentemente, em geral, o conceito de prazo razoável não pode ser entendido como um prazo de caducidade específico e, em particular, o prazo de três meses previsto no artigo 91.°, n.° 3, do Estatuto não se pode aplicar por analogia, enquanto prazo de caducidade, aos agentes do BEI, quando interpõem um recurso de anulação contra um ato que emana deste último e que é lesivo dos seus interesses (v. acórdão Reapreciação Arango Jaramillo e o./BEI, referido no n.° 1, supra, n.° 39 e jurisprudência referida).

32      Por conseguinte, o simples facto de um agente do BEI ter interposto um recurso de anulação de um ato deste último que é lesivo dos seus interesses, num prazo superior a três meses e dez dias, não basta para concluir pela extemporaneidade deste recurso, devendo o juiz da União, em quaisquer circunstâncias, verificar o caráter razoável do prazo em função das circunstâncias específicas do processo.

33      O simples facto de, nos acórdãos De Nicola/BEI, referido no n.° 24, supra (n.os 118 a 120), e Dunnett e o./BEI, referido no n.° 24, supra (n.os 57 e 58), o Tribunal Geral ter considerado que prazos não superiores a três meses e dez dias eram razoáveis não implica que prazos mais longos não pudessem ser qualificados de «razoáveis», tendo em conta as circunstâncias próprias dos processos em causa, uma vez que o juiz da União apenas se pronunciou sobre os casos concretos que lhe foram submetidos, sem analisar a questão de saber se prazos mais longos ainda poderiam ter sido considerados razoáveis. Inversamente, o facto de, no despacho D/BEI, referido no n.° 30, supra (n.os 38 a 40), o presidente do Tribunal Geral ter considerado que, atendendo às circunstâncias do processo, um prazo de cinco meses não era razoável não permite concluir que um prazo mais curto, mas que, todavia, excedesse o prazo de três meses e dez dias, não pudesse ser qualificado de «razoável» ou, a fortiori, que, noutras circunstâncias, esse prazo não pudesse ser considerado razoável.

34      No presente caso, o Tribunal da Função Pública decidiu que o recurso em primeira instância não foi interposto dentro de um prazo razoável e, consequentemente, devia ser julgado inadmissível por extemporaneidade, apenas porque foi interposto alguns segundos ou frações de segundo após o termo de um prazo de três meses, acrescido do prazo fixo, em razão da distância, de dez dias, previsto no artigo 100.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal da Função Pública, que correspondia, por analogia, ao prazo de recurso previsto no artigo 91.°, n.° 3, do Estatuto. Ao interpretar deste modo o conceito de «prazo razoável», no contexto da interposição, por agentes do BEI, de um recurso de anulação contra um ato deste último que é lesivo dos seus interesses, como um prazo de três meses e dez dias cuja ultrapassagem implicava automaticamente a extemporaneidade do recurso e, portanto, a inadmissibilidade do mesmo, sem tomar em consideração, como era sua obrigação legal, as circunstâncias do caso concreto, designadamente a importância do litígio para os interessados, a complexidade do processo e o comportamento do BEI e dos recorrentes, o Tribunal da Função Pública cometeu um erro de direito no despacho recorrido, referido no n.° 1, supra (v., neste sentido e por analogia, acórdão Reapreciação Arango Jaramillo e o./BEI, referido no n.° 1, supra, n.os 22, 27, 28, 46 e 54).

35      Assim, há que acolher a primeira parte do primeiro fundamento, relativa a um erro de direito cometido pelo Tribunal da Função Pública, no despacho recorrido, referido no n.° 1, supra, na interpretação do conceito de «prazo razoável» para a interposição do recurso em primeira instância.

36      Consequentemente, e sem que seja necessário pronunciar‑se sobre a segunda parte do primeiro fundamento e sobre o segundo e terceiro fundamentos, há que dar provimento ao recurso e anular o despacho recorrido, referido no n.° 1, supra.

 Quanto à remessa do processo ao Tribunal da Função Pública

37      Em conformidade com o disposto no artigo 13.°, n.° 1, do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal Geral anula a decisão do Tribunal da Função Pública e decide do litígio. Remete o processo para o Tribunal da Função Pública, se não estiver em condições de ser julgado.

38      No despacho recorrido, referido no n.° 1, supra, o Tribunal da Função Pública não efetuou todas as apreciações legalmente exigidas para se pronunciar sobre o caráter razoável do prazo de recurso e, portanto, sobre a admissibilidade desse recurso. Por esta mesma razão, a solução definitiva da questão da admissibilidade do recurso dos recorrentes não resulta das apreciações de facto em que o despacho recorrido, referido no n.° 1, supra, se baseou. Nestas circunstâncias, o presente litígio não está em condições de ser julgado. Cumpre, pois, remeter o processo ao Tribunal da Função Pública, para que este se pronuncie de novo sobre o recurso.

 Quanto às despesas

39      Sendo o processo remetido ao Tribunal da Função Pública, há que reservar para final a decisão quanto às despesas relativas ao presente processo de recurso.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública)

decide:

1)      É anulado o despacho do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Primeira Secção) de 4 de fevereiro de 2011, Arango Jaramillo e o./BEI.

2)      O processo é remetido ao Tribunal da Função Pública.

3)      Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

Jaeger

Pelikánová

Dittrich

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de julho de 2013.

Assinaturas

Anexo

María Esther Badiola, residente no Luxemburgo (Luxemburgo),

Marcella Bellucci, residente no Luxemburgo,

Stefan Bidiuc, residente em Grevenmacher (Luxemburgo),

Raffaella Calvi, residente em Schuttrange (Luxemburgo),

Maria José Cerrato, residente no Luxemburgo,

Sara Confortola, residente em Verona (Itália),

Carlos D’Anglade, residente no Luxemburgo,

Nuno da Fonseca Pestana Ascenso Pires, residente no Luxemburgo,

Andrew Davie, residente em Medernach (Luxemburgo),

Marta de Sousa e Costa Correia, residente em Itzig (Luxemburgo),

Nausica Di Rienzo, residente no Luxemburgo,

José Manuel Fernandez Riveiro, residente em Sandweiler (Luxemburgo),

Eric Gällstad, residente em Rameldange (Luxemburgo),

Andres Gavira Etzel, residente no Luxemburgo,

Igor Greindl, residente no Luxemburgo,

José Doramas Jorge Calderón, residente no Luxemburgo,

Monica Lledó Moreno, residente em Sandweiler,

Antonio Lorenzo Ucha, residente no Luxemburgo,

Juan Antonio Magaña‑Campos, residente no Luxemburgo,

Petia Manolova, residente em Bereldange (Luxemburgo),

Ferran Minguella Minguella, residente em Gonderange (Luxemburgo),

Barbara Mulder‑Bahovec, residente no Luxemburgo,

István Papp, residente no Luxemburgo,

Stephen Richards, residente em Blaschette (Luxemburgo),

Lourdes Rodriguez Castellanos, residente em Sandweiler,

Daniela Sacchi, residente em Mondorf‑les‑Bains (Luxemburgo),

Maria Teresa Sousa Coutinho da Silveira Ramos, residente em Almargem do Bispo (Portugal),

Isabelle Stoffel, residente em Mondorf‑les‑Bains,

Fernando Torija, residente no Luxemburgo,

María del Pilar Vargas Casasola, residente no Luxemburgo,

Carolina Vento Sánchez, residente no Luxemburgo,

Pé Verhoeven, residente em Bruxelas (Bélgica),

Sabina Zajc, residente em Contern (Luxemburgo),

Peter Zajc, residente em Contern.


* Língua do processo: francês.