Language of document : ECLI:EU:T:2003:101

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

3 de Abril de 2003 (1)

«Concorrência - Concentrações - Admissibilidade - Compromissos assumidos durante a primeira fase de exame - Dúvidas sérias quanto à compatibilidade com o mercado comum - Remessa parcial às autoridades nacionais»

No processo T-119/02,

Royal Philips Electronics NV, com sede em Eindhoven (Países Baixos), representada por E. H. Pijnacker Hordijk e N. G. Cronstedt, advogados,

recorrente,

apoiada por

De'Longhi SpA, com sede em Treviso (Itália), representada por M. Merola, I. van Schendel, G. Crichlow e D. P. Domenicucci, advogados,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por V. Superti e K. Wiedner, na qualidade de agentes, assistidos por J. E. Flynn, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

SEB SA, com sede em Écully (França), representada por D. Voillemot e S. Hautbourg, advogados,

e por

República Francesa, representada por G. de Bergues e F. Million, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

intervenientes,

que tem por objecto, em primeiro lugar, a anulação da Decisão SG(2002) D/228078 da Comissão, de 8 de Janeiro de 2002, adoptada em aplicação do artigo 6.°, n.os 1, alínea b), e 2, do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 e do artigo 57.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de não se opor à concentração entre o grupo SEB e a sociedade Moulinex e que declara esta operação compatível com o mercado comum e com o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, sob reserva do cumprimento dos compromissos propostos (processo COMP/M.2621 - SEB/Moulinex) e, em segundo lugar, da decisão C (2002) 38 da Comissão, de 8 de Janeiro de 2002, adoptada em aplicação do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89, que remete, em parte, o exame desta concentração para as autoridades francesas,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, J. Azizi e M. Jaeger, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 9 de Outubro de 2002,

profere o presente

Acórdão

Regulamentação aplicável

1.
    Nos termos do seu artigo 1.°, o Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas [JO L 395, p. 1, rectificado no JO 1990, L 257, p. 13, e com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.° 1310/97 do Conselho, de 30 de Junho de 1997 (JO L 180, p. 1), a seguir «Regulamento n.° 4064/89»], aplica-se às operações de concentração de dimensão comunitária definidas no seu artigo 1.°, n.os 2 e 3.

2.
    Em aplicação do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, as operações de concentração devem ser previamente notificadas à Comissão.

3.
    Por outro lado, o artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89 dispõe que uma concentração não pode realizar-se antes de ser notificada nem antes de ter sido declarada compatível com o mercado comum. Todavia, nos termos do artigo 7.°, n.° 4, a Comissão pode, mediante pedido, conceder uma derrogação a esta obrigação de suspender a operação.

4.
    Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89, se a Comissão verificar que a operação de concentração notificada, apesar de abrangida pelo presente regulamento, não suscita dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado comum decidirá não se opor a essa operação de concentração e declará-la-á compatível com o mercado comum (a seguir «fase I»).

5.
    Se, em contrapartida, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), a Comissão verificar que a operação de concentração notificada está abrangida pelo Regulamento n.° 4064/89 e suscita dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidirá dar início ao processo (a seguir «fase II»).

6.
    O artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89 dispõe o seguinte:

«Se a Comissão verificar que, na sequência das alterações introduzidas pelas empresas em causa, uma operação de concentração notificada deixou de suscitar sérias dúvidas na acepção da alínea c) do n.° 1, pode decidir declarar a concentração compatível com o mercado comum nos termos da alínea b) do n.° 1.

A Comissão pode acompanhar a sua decisão tomada nos termos da alínea b) do n.° 1 de condições e obrigações destinadas a garantir que as empresas em causa cumpram os compromissos perante ela assumidos para tornar a concentração compatível com o mercado comum.»

7.
    Nos termos do artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 447/98 da Comissão, de 1 de Março de 1998, relativo às notificações, prazos e audições previstos no Regulamento n.° 4064/89 (JO L 61, p. 1), «os compromissos propostos à Comissão pelas empresas em causa nos termos do n.° 2 do artigo 6.° do Regulamento [...] n.° 4064/89, que os interessados pretendam que constitua a base de uma decisão ao abrigo do n.° 1, alínea b), do referido artigo, devem ser apresentados à Comissão, o mais tardar, três semanas após a data de recepção da notificação».

8.
    Na sua comunicação sobre as soluções passíveis de serem aceites nos termos do Regulamento n.° 4064/89 do Conselho e do Regulamento n.° 447/98 da Comissão (JO 2001, C 68, p. 3, a seguir «comunicação sobre as soluções») a Comissão define as suas orientações sobre os compromissos.

9.
    O artigo 21.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89 dispõe que a Comissão tem competência exclusiva para tomar as decisões previstas neste regulamento. O artigo 21.°, n.° 2, estipula que os Estados-Membros não podem aplicar a sua legislação nacional sobre a concorrência às operações de concentração de dimensão comunitária.

10.
    Todavia, o artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89 autoriza a Comissão a remeter aos Estados-Membros o exame de uma operação de concentração de dimensão comunitária. Este artigo dispõe, em particular:

«1.    A Comissão pode, por via de decisão, de que informará sem demora as empresas envolvidas e as autoridades competentes dos restantes Estados-Membros, remeter às autoridades competentes do Estado-Membro em causa um caso de concentração notificada, nas condições que seguem.

2.    No prazo de três semanas a contar da recepção da cópia da notificação, um Estado-Membro pode comunicar à Comissão, a qual informará do facto as empresas em causa, que:

    a)    Uma operação de concentração ameaça criar ou reforçar uma posição dominante que terá como consequência a criação de entraves significativos a uma concorrência efectiva num mercado no interior desse Estado-Membro que apresenta todas as características de um mercado distinto; ou

    b)    Uma operação de concentração afecta a concorrência num mercado no interior desse Estado-Membro que apresenta todas as características de um mercado distinto e não constitui uma parte substancial do mercado comum.

3.    Se considerar que, tendo em conta o mercado dos produtos ou serviços em causa e o mercado geográfico de referência na acepção do n.° 7, esse mercado distinto e esse risco existem, a Comissão:

    a)    Ocupar-se-á ela própria do caso tendo em vista preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva no mercado em causa; ou

    b)    Remeterá o caso, na sua totalidade ou em parte, para as autoridades competentes do Estado-Membro em causa com vista à aplicação da respectiva legislação nacional sobre concorrência.

    Se, ao contrário, considerar que esse mercado distinto ou esse risco não existem, a Comissão tomará uma decisão nesse sentido, que dirigirá ao Estado-Membro em causa.

    Se um Estado-Membro informar a Comissão de que uma operação de concentração afecta a concorrência num mercado distinto no seu território que não constitui uma parte substancial do mercado comum, a Comissão remeterá, na totalidade ou em parte, o caso relativo ao mercado distinto em causa, se considerar que esse mercado distinto é afectado.

    [...]

6.    A publicação dos relatórios ou o anúncio das conclusões do exame da operação em causa pelas autoridades competentes do Estado-Membro em causa terá lugar, o mais tardar, quatro meses após a remessa pela Comissão.

7.    O mercado geográfico de referência é constituído por um território no qual as empresas envolvidas intervêm na oferta e procura de bens e serviços, no qual as condições de concorrência são suficientemente homogéneas e que pode distinguir-se dos territórios vizinhos especialmente devido a condições de concorrência sensivelmente diferentes das que prevalecem nesses territórios. Nessa apreciação, é conveniente tomar em conta, nomeadamente, a natureza e as características dos produtos ou serviços em causa, a existência de barreiras à entrada, as preferências dos consumidores, bem como a existência, entre o território em causa e os territórios vizinhos, de diferenças consideráveis de partes de mercado das empresas ou de diferenças de preços substanciais.

8.    Para efeitos da aplicação do presente artigo, o Estado-Membro em causa só pode tomar as medidas estritamente necessárias para preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva no mercado em causa.

9.    Nos termos das disposições aplicáveis do Tratado, os Estados-Membros podem interpor recurso para o Tribunal de Justiça e pedir em especial a aplicação do artigo 186.°, para efeitos da aplicação da sua legislação nacional em matéria de concorrência.

[...]»

Matéria de facto

1. Empresas afectadas

11.
    Através do presente recurso, a Royal Philips Electronics NV (a seguir «Philips» ou «recorrente») pede a anulação, em primeiro lugar, da decisão da Comissão que aprova, sob determinadas condições, a concentração entre a SEB e a Moulinex [decisão SG (2002) D/228078 da Comissão, de 8 de Janeiro de 2002] e, em segundo lugar, da decisão da Comissão de remeter, em parte, o exame desta concentração para as autoridades francesas [decisão C (2002) 38 da Comissão, de 8 de Janeiro de 2002].

12.
    A recorrente é uma sociedade neerlandesa que, nomeadamente, desenvolve, fabrica e comercializa pequenos electrodomésticos. Os seus pequenos aparelhos eléctricos são comercializados na Europa sob a marca Philips.

13.
    A SEB é uma sociedade francesa que concebe, fabrica e comercializa pequenos electrodomésticos a nível mundial. A SEB comercializa os seus produtos sob duas marcas de dimensão mundial (Tefal e Rowenta) e quatro marcas locais (Calor e SEB em França e na Bélgica, Arno no Brasil e nos países do Mercosul, Samurai nos países do Pacto Andino).

14.
    A Moulinex é uma sociedade francesa activa no sector da concepção, fabrico e comercialização de pequenos aparelhos electrodomésticos a nível mundial. A Moulinex comercializa os seus produtos sob duas marcas internacionais (Moulinex e Krups) e uma marca local (Swan no Reino Unido).

2. Processo nacional

15.
    Em 7 de Setembro de 2001, o tribunal de commerce de Nanterre, em França, deu início a um processo de recuperação de empresas contra a Moulinex. Nos termos da lei francesa, os administradores judiciais nomeados pelo tribunal de commerce tiveram que determinar se a empresa em recuperação podia continuar a sua actividade, devia ser cedida a terceiros ou devia ser liquidada. Neste caso, tendo-se revelado impossível a continuação das actividades da Moulinex, os administradores judiciais tentaram arranjar um comprador para a totalidade ou parte das actividades da Moulinex.

16.
    Durante este processo, a SEB apresentou-se como candidata à retoma de certas actividades de «pequenos electrodomésticos» da Moulinex, a saber:

-    todos os direitos associados à exploração das marcas Moulinex, Krups e Swan, independentemente dos produtos em causa;

-    uma parte dos meios de produção (oito instalações industriais de um total de 18 e alguns equipamentos que se encontravam nas instalações não retomadas) que permitiam a produção de pelo menos alguns modelos de todos os produtos fabricados pela Moulinex, com excepção dos aspiradores e dos fornos micro-ondas;

-    certas sociedades de comercialização a saber, na Europa, apenas as sociedades alemã e espanhola.

17.
    Por cartas enviadas aos administradores (em 20 de Setembro de 2001) e ao presidente do tribunal de commerce (em 3 de Outubro de 2001), a recorrente apresentou propostas de compra da Moulinex, a saber, de todas as actividades exercidas sob a marca Krups. A recorrente considera que as suas propostas nunca foram tidas em conta pelos administradores. De qualquer modo, a Philips nunca recebeu uma resposta formal às propostas que tinha apresentado.

18.
    Por sentença de 22 de Outubro de 2001, o tribunal de commerce de Nanterre aceitou o plano de retoma proposto pela SEB.

3. Procedimento perante a Comissão

19.
    A pedido da SEB, a Comissão concedeu, em 27 de Setembro de 2001, uma derrogação com efeito suspensivo, tal como se prevê no artigo 7.°, n.° 4, do Regulamento n.° 4064/89. A decisão da Comissão fundava-se, principalmente, no facto de os administradores judiciais terem exigido a incondicionalidade de qualquer proposta de retoma. A derrogação concedida pela Comissão limitava-se à gestão dos activos retomados.

20.
    Em 13 de Novembro de 2001, a Comissão recebeu a notificação, nos termos do artigo 4.° do Regulamento n.° 4064/89, do projecto de retoma parcial, pela SEB, de certos activos da Moulinex.

21.
    Em 21 de Novembro de 2001, a Comissão publicou a notificação prevista no artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 no Jornal Oficial das Comunidades Europeias. No n.° 4 desta notificação, a Comissão solicitava «aos terceiros interessados que lhe apresent[assem] as observações que entende[ssem] sobre o projecto de concentração em causa».

22.
    Em 16 de Novembro de 2001, a Comissão enviou à recorrente um pedido de informações baseado no artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89. A Philips respondeu ao pedido da Comissão em 26 de Novembro de 2001.

23.
    Além disso, a recorrente encarregou a NERA de efectuar uma avaliação do impacto sobre a concorrência da operação projectada. O relatório escrito, datado de 4 de Dezembro de 2001, foi apresentado pela Philips à Comissão no decurso da instrução.

24.
    Em 5 de Dezembro de 2001, as partes na operação de concentração propuseram compromissos à Comissão.

25.
    A recorrente teve um contacto com a Comissão em 6 de Dezembro de 2001.

26.
    Em 7 de Dezembro de 2001, as autoridades francesas da concorrência apresentaram um pedido de remessa parcial do caso, fundado no artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89, na parte respeitante aos efeitos da operação de concentração sobre a concorrência em França, em certos mercados de venda de pequenos aparelhos electrodomésticos.

27.
    A recorrente apresentou à Comissão, em 10 e 19 de Dezembro de 2001, outros elementos de prova e de informação.

28.
    Em resposta às críticas expressas pela Comissão, as partes na concentração alteraram os seus compromissos iniciais em 18 de Dezembro de 2001.

29.
    Num segundo pedido de informações, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89, a Comissão pediu à Philips para comentar os compromissos propostos, na versão alterada. Na sua resposta de 21 de Dezembro de 2001, a Philips apresentou à Comissão as suas observações sobre as soluções propostas. A Philips explicava aí a razão pela qual as considerava insuficientes. Por outro lado, exortava a Comissão a recusar o pedido apresentado pelas autoridades francesas nos termos do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89.

30.
    Na sequência das observações de terceiros interessados, as partes na concentração alteraram novamente os seus compromissos.

31.
    Em 8 de Janeiro de 2002, a Comissão aprovou, sob determinadas condições, a operação de concentração entre a SEB e a Moulinex com base no artigo 6.°, n.os 1, alínea b) e 2, do Regulamento n.° 4064/89 e no artigo 57.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) (a seguir «decisão de aprovação»). Esta decisão não diz respeito, todavia, ao mercado francês, porque a Comissão deferiu, através de outra decisão de 8 de Janeiro de 2002 (a seguir «decisão de remessa»), o pedido de remessa parcial apresentado pelas autoridades francesas.

32.
    A decisão de aprovação foi comunicada à Philips em 7 de Fevereiro de 2002. A decisão de remessa não foi publicada nem comunicada à Philips.

Decisão de aprovação

1. Mercados de produtos em causa

33.
    Segundo o considerando 16 da decisão de aprovação, o sector económico afectado pela operação de concentração é o da venda de pequenos aparelhos electrodomésticos, que se divide em treze categorias de produtos: fritadeiras; minifornos; torradeiras; sanduicheiras e aparelhos para «gauffres»; aparelhos para refeições informais («pierrade», «wokparty», «raclette», «fondue», etc.); barbecues eléctricos e grelhadores de interior; arrozeiras e panelas a vapor; cafeteiras eléctricas para café de filtro; jarros eléctricos; máquinas de café expresso; misturadoras e robots de cozinha; ferros de engomar; aparelhos de cuidados pessoais (aparelhos de saúde e de beleza). As onze primeiras categorias de produtos são geralmente denominadas produtos da gama «cozinha».

34.
    A Comissão considera que cada categoria de pequenos aparelhos electrodomésticos pode constituir um mercado de produtos distinto, com excepção dos robots de cozinha, dos ferros de engomar com e sem caldeira e dos aparelhos de cuidados pessoais. Em contrapartida, a Comissão é de opinião que a questão de saber se estas categorias de produtos devem ser subdivididas pode ser deixada em aberto, uma vez que os resultados da análise concorrencial serão idênticos independentemente da definição que se der a estas categorias (considerando 25 da decisão de aprovação).

35.
    As conclusões da Comissão baseiam-se, essencialmente, numa análise da substituibilidade por parte da procura, na medida em que cada categoria tem uma função específica e se destina a uma utilização final distinta.

36.
    Por outro lado, a Comissão rejeita a substituibilidade por parte da oferta do fornecedor. Salienta que, mesmo admitindo que todos os fabricantes pudessem fabricar todos os pequenos aparelhos electrodomésticos, os custos e o tempo necessários para a entrada num novo mercado de produtos podem ser consideráveis.

2. Mercados geográficos em causa

37.
    Segundo a Comissão, «deve optar-se por uma definição nacional dos mercados geográficos em causa como sendo a mais verosímil no final da primeira fase» (considerando 30 da decisão de aprovação).

3. Importância das marcas

38.
    A Comissão declara que as marcas são um dos principais factores de escolha para os consumidores finais e que constituem, portanto, um dos elementos fundamentais da concorrência entre produtores de pequenos electrodomésticos (considerando 36 da decisão de aprovação).

39.
    Neste âmbito, sublinha que a SEB e a Moulinex investem montantes consideráveis na preservação da notoriedade das suas marcas (considerando 38 da decisão de aprovação). Refere também que as ofertas recebidas aquando da venda da Moulinex respeitavam quase exclusivamente às marcas deste grupo e não às unidades de produção (considerando 39 da decisão).

4. Análise da concorrência

40.
    No que respeita aos efeitos sobre a concorrência da operação em litígio, a Comissão começa por rejeitar o argumento segundo o qual os efeitos da concentração não são diferentes dos da situação de concorrência que teria resultado da liquidação do grupo Moulinex. Faz observar, a este respeito:

«No final da primeira fase da instrução, esta argumentação não pode ser aceite, uma vez que, a partir do momento em que o grupo Moulinex foi colocado em recuperação, um certo número de empresas comunicaram o seu interesse numa retoma das marcas detidas pelo grupo. Além disso, não se pode excluir que certos equipamentos ou propriedades industriais teriam sido retomados por terceiros que não a SEB. Dada a importância da marca nos mercados em causa, esses terceiros adquirentes teriam provavelmente podido restaurar, totalmente ou em parte, a capacidade concorrencial da Moulinex» (considerando 41 da decisão de aprovação).

41.
    No final da sua análise, a Comissão conclui que a operação notificada suscita dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado comum num certo número de mercados respeitantes à gama cozinha (considerando 44 da decisão de aprovação). No que respeita aos mercados geográficos examinados na decisão de aprovação, observa, fundamentalmente, que:

-    em Portugal, na Grécia, na Bélgica e nos Países Baixos, onde, antes da concentração, a SEB e a Moulinex detinham já posições muito consideráveis no sector dos pequenos electrodomésticos, a sua posição seria reforçada pela anexação da outra empresa e a transacção levaria a combinações de quotas de mercado em níveis por vezes elevados quanto a uma grande parte das categorias de produtos em causa. Segundo a Comissão, o poder da entidade conjunta seria acentuado por uma carteira de marcas única, ao passo que actores como a Philips, a Braun ou a Taurus dispõem apenas de uma única marca (considerandos 43 e 45 a 47 da decisão de aprovação);

-    na Alemanha, na Áustria, na Dinamarca, na Suécia e na Noruega, a transacção alteraria substancialmente as condições de concorrência num certo número de mercados de produtos (considerando 43 da decisão de aprovação);

-    por fim, nos outros Estados-Membros, a transacção só alteraria marginalmente as condições da concorrência (considerando 43 da decisão de aprovação).

42.
    Segundo a Comissão, a transacção notificada levanta, portanto, dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado comum nos seguintes mercados:

-    Alemanha: fritadeiras e barbecues-grelhadores;

-    Áustria: fritadeiras e refeições informais;

-    Bélgica: robots de cozinha, máquinas de café expresso, jarros eléctricos, torradeiras, refeições informais, barbecues-grelhadores e ferros de engomar com e sem caldeira;

-    Dinamarca: fritadeiras e fornos de bancada;

-    Grécia: fritadeiras, jarros eléctricos, sanduicheiras e aparelhos para «gauffres», máquinas de café expresso e robots de cozinha;

-    Noruega: fritadeiras e fornos de bancada;

-    Países Baixos: fritadeiras, máquinas de café expresso, minifornos, refeições informais, barbecues-grelhadores e ferros de engomar com e sem caldeira;

-    Portugal: fritadeiras, tostadeiras, cafeteiras, máquinas de café expresso, jarros eléctricos, minifornos, sanduicheiras e aparelhos para «gauffres», refeições informais, barbecues-grelhadores e robots de cozinha;

-    Suécia: fritadeiras.

43.
    Em contrapartida, a Comissão concluiu que a concentração notificada não levantava dúvidas sérias no que respeita aos mercados dos cuidados pessoais em que, independentemente dos países (com excepção da França) ou da definição do mercado de produtos adoptada, a quota de mercado conjunta das partes é inferior a 20% (considerando 44 da decisão de aprovação).

5. Compromissos das partes na concentração

44.
    Na sequência dos compromissos propostos pelas partes na concentração, a Comissão concluiu, todavia, que as dúvidas sérias quanto à compatibilidade da operação com o mercado comum podiam ser afastadas, uma vez que estes compromissos constituíam uma resposta directa e imediata aos problemas de concorrência identificados na decisão a respeito dos outros mercados que não o francês.

45.
    Inicialmente, os compromissos propostos pelas partes na concentração em 5 de Dezembro de 2001 previam a retirada de todo o Espaço Económico Europeu, por um período de dois anos, de todos os produtos da marca Moulinex nas seguintes categorias: fritadeiras, fornos de bancada, aparelhos para refeições informais, barbecues-grelhadores, ferros de engomar com e sem caldeira. Porém, segundo a Comissão, estes compromissos iniciais não teriam permitido substituir o grupo Moulinex por outro operador e não respeitavam à totalidade dos mercados em que a transacção era susceptível de levantar dúvidas sérias (considerando 135 da decisão de aprovação).

46.
    Em 18 de Dezembro de 2001, as partes melhoraram então «a sua proposta para a tornar praticável e efectiva» (considerando 135 da decisão de aprovação). Esta nova proposta previa uma licença exclusiva da marca Moulinex, pelo prazo de três anos (acompanhada de um compromisso de não-entrada sob a marca Moulinex durante mais um ano), para todas as categorias de produtos na Bélgica, na Grécia, nos Países Baixos e em Portugal e para a categoria das fritadeiras na Alemanha, na Áustria, na Dinamarca, na Noruega e na Suécia. Os beneficiários desta licença ficariam sujeitos a uma obrigação de abastecimento em torradeiras, cafeteiras, jarros eléctricos e robots de cozinha.

47.
    Todavia, os terceiros que foram inquiridos expressaram críticas, nomeadamente, sobre o prazo da licença e do período de não-entrada, a obrigação de abastecimento, a falta de correcção dos efeitos da transacção notificada sobre a concorrência em certos mercados, a falta de suficiente dimensão crítica para justificar economicamente a entrada de um novo actor nos mercados em causa, bem como sobre a falta de controlo efectivo do licenciado da marca Moulinex no âmbito das soluções que visavam especificamente as fritadeiras, mantendo a SEB o gozo desta marca para os outros produtos (considerando 136 da decisão de aprovação).

48.
    Segundo a decisão de aprovação, a SEB «aperfeiçoou» assim os seus compromissos, alargando a licença da marca a todos os pequenos produtos electrodomésticos para a Alemanha, a Áustria, a Dinamarca, a Noruega e a Suécia. A SEB alinhou assim o compromisso quanto a estes cinco países pelo compromisso que já tinha proposto para a Bélgica, a Grécia, os Países Baixos e Portugal. A SEB elevou também o prazo da licença para cinco anos (e para três anos para a não-entrada) e eliminou a obrigação de abastecimento que recaía sobre o licenciado (considerando 137 da decisão de aprovação).

49.
    No considerando 146 da decisão de aprovação, os compromissos aceites pela Comissão para cada um dos nove países em causa (Bélgica, Grécia, Países Baixos, Portugal, Alemanha, Áustria, Dinamarca, Suécia e Noruega) resumem-se do seguinte modo:

«a)    compromisso de conceder uma licença exclusiva da marca Moulinex por um prazo de cinco anos para venda de aparelhos electrodomésticos das treze categorias de produtos referidas nesta decisão, tal como definido no ponto 1, alínea a), dos compromissos anexos à presente decisão;

b)    compromisso de não comercializar nos países em causa produtos da marca Moulinex durante o prazo do contrato de licença e por um período de três anos após o seu termo, tal como se dispõe no ponto 1, alínea c);

c)    compromisso de não comercializar nos países em causa, sob outra marca que não a Moulinex, modelos da marca Moulinex nos territórios para os quais o ou os licenciados tenham celebrado um contrato de abastecimento ou um contrato efectivo de licença de propriedade industrial tal como previsto no ponto 1, alínea e);

d)    compromisso de celebrar com qualquer licenciado que o requeira um contrato de fornecimento (a um preço de transmissão correspondente ao preço de custo industrial acrescido das despesas gerais associadas à produção e ao fornecimento dos produtos ao licenciado) e/ou um contrato de licença de propriedade industrial para todos os produtos em causa, com excepção dos robots de cozinha na Alemanha, tal como previsto no ponto 1, alínea d), dos compromissos;

e)    compromisso de prosseguir a política geral de desenvolvimento de novos modelos e de manter o pleno valor económico e concorrencial da marca Moulinex em cada um dos nove Estados-Membros em questão até à celebração dos contratos de licença, tal como previsto no ponto 1, alínea h, dos compromissos.»

50.
    Os pormenores dos compromissos propostos pela SEB constam do anexo da decisão de aprovação.

51.
    Na secção 2, alínea g), do anexo sobre os compromissos prevê-se o seguinte:

«Se a aprovação da presente operação por outra autoridade de concorrência for submetida a compromissos que entrem em contradição com os presentes compromissos ou levem a uma situação que exceda o que é necessário para a reposição duma situação concorrencial em cada um dos mercados em causa, o grupo SEB poderá então pedir à Comissão uma revisão dos presentes compromissos no sentido de eliminar essas contradições ou de liberar o grupo SEB, no todo ou em parte, das condições e obrigações contidas nos presentes compromissos que deixem de ser necessárias.»

Decisão de remessa

52.
    Por carta de 7 de Dezembro de 2001, as autoridades francesas pediram à Comissão a remessa da concentração em questão para análise dos efeitos da operação nos mercados das fritadeiras, das torradeiras, das cafeteiras eléctricas, das máquinas de café expresso, dos jarros eléctricos, dos fornos, dos aparelhos para «gauffres», das refeições informais, dos barbecues-grelhadores, das panelas de pressão, dos robots de cozinha e dos ferros a vapor em França.

53.
    O referido pedido baseia-se no artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89, considerando as autoridades francesas que, nos termos desta disposição, a concentração em questão «ameaça criar ou reforçar uma posição dominante que terá como consequência a criação de entraves significativos a uma concorrência efectiva num mercado no interior desse Estado-Membro que apresenta todas as características de um mercado distinto».

54.
    Em 8 de Janeiro de 2002, a Comissão deferiu o pedido de remessa das autoridades francesas e adoptou a decisão de remessa.

55.
    Nos considerandos 11 a 22 da decisão de remessa, a Comissão constata, antes de mais, que cada categoria de pequenos aparelhos electrodomésticos constitui um mercado de produtos distinto e que os mercados geográficos dos pequenos aparelhos electrodomésticos são de dimensão nacional.

56.
    Seguidamente, no final da análise efectuada nos considerandos 23 a 41, a Comissão conclui que «a operação em questão, prima facie, ameaça criar uma posição dominante que terá como consequência a criação de entraves significativos a uma concorrência efectiva nos mercados da venda de pequenos aparelhos electrodomésticos em França». A decisão de remessa faz notar a este respeito que, nos mercados em causa em França, por um lado, a nova entidade passará a dispor de uma dimensão inigualável (considerandos 29 a 32), de uma gama de produtos inigualável (considerandos 33 a 35) e de uma carteira de marcas inigualável (considerandos 36 a 38) e, por outro, que a concorrência actual e potencial é insuficiente (considerandos 39 a 41).

57.
    Nestas condições, a Comissão considera que o pedido das autoridades francesas é fundado e respeita as disposições do artigo 9.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89.

58.
    Segundo o dispositivo da decisão de remessa, a Comissão constata que:

«A concentração notificada, que consiste no projecto de aquisição de certas actividades da Moulinex pela SEB é, pela presente decisão e com base no artigo 9.°, n.° 3 do Regulamento n.° 4064/89 [...] de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas, remetida às autoridades competentes da República Francesa, no que respeita aos mercados franceses de pequenos aparelhos electrodomésticos, com vista à aplicação da legislação nacional.»

59.
    Em 8 de Julho de 2002, o Ministro francês dos Assuntos Económicos autorizou a operação de concentração, sem soluções correctivas, com base na «doutrina da empresa em dificuldades».

Tramitação processual e pedidos das partes

60.
    A recorrente interpôs o presente recurso mediante petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 17 de Abril de 2002.

61.
    Através de um requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal no mesmo dia, a recorrente pediu que o processo fosse julgado seguindo a tramitação acelerada prevista no artigo 76.°-A do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. O Tribunal deferiu este pedido em 2 de Julho de 2002.

62.
    Em 24 de Junho de 2002, a Comissão suscitou uma questão prévia de admissibilidade, nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo, na parte em que o recurso visa a decisão de remessa. Em 28 de Junho de 2002, a recorrente respondeu a uma questão escrita do Tribunal, que a convidava a justificar a admissibilidade do seu recurso quanto a esse aspecto. Em 15 de Julho de 2002, a recorrente apresentou as suas observações escritas sobre a questão prévia de admissibilidade suscitada pela Comissão.

63.
    Mediante requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal em 19 de Julho de 2002 e 27 de Agosto de 2002, a SEB e a República Francesa pediram para intervir em apoio da posição da Comissão. Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal em 8 de Agosto de 2002, a De'Longhi pediu para intervir em apoio da posição da recorrente. Estes pedidos foram deferidos por despacho do presidente da Terceira Secção de 19 de Setembro de 2002. A seu pedido, a SEB e a De'Longhi foram autorizadas, a primeira, a apresentar as suas alegações e a segunda, a apresentar certos documentos referidos no seu pedido de intervenção.

64.
    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) decidiu dar início à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo, convidou as partes a apresentar certos elementos e a responder a questões escritas. As partes responderam a estes pedidos dentro dos prazos estipulados.

65.
    As alegações das partes e as respostas que deram às questões orais foram ouvidas na audiência pública de 9 de Outubro de 2002.

Pedidos das partes

66.
    A recorrente, apoiada pela De'Longhi, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão de aprovação e condenar a Comissão nas despesas;

-    anular a decisão de remessa e condenar a Comissão nas despesas.

67.
    A Comissão, apoiada pela SEB e pela República Francesa, conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a Philips nas despesas.

Questão de direito

68.
    Visando a recorrente, através do presente recurso, obter a anulação quer da decisão de aprovação quer da decisão de remessa, há que examinar sucessivamente estes dois aspectos do pedido.

1. Quanto ao recurso na parte em que visa a anulação da decisão de aprovação

69.
    Resulta da petição que a recorrente invoca dois fundamentos de recurso no sentido da anulação da decisão de aprovação. O primeiro fundamento assenta na insuficiência dos compromissos propostos pela SEB no decurso da fase I. O segundo fundamento assenta no carácter tardio dos compromissos.

Quanto ao primeiro fundamento, assente na insuficiência dos compromissos propostos pela SEB no decurso da fase I

70.
    Através deste fundamento, a recorrente alega, essencialmente, que os compromissos aceites no decurso da fase I eram insuficientes para permitir à Comissão afastar todas as dúvidas sérias quanto à compatibilidade da concentração com o mercado comum, pelo que a Comissão deveria ter dado início à fase II.

71.
    Em apoio deste fundamento, a recorrente alega, na petição, que a insuficiência dos compromissos resulta dos seguintes elementos:

-    falta de protecção dos licenciados contra as importações paralelas de produtos comercializados pela SEB sob a marca Moulinex;

-    curto prazo das licenças e dos períodos de não utilização posterior da marca Moulinex;

-    exclusão dos mercados em causa em França do âmbito de aplicação dos compromissos;

-    não tomada em consideração dos efeitos negativos da dispersão geográfica das licenças;

-    possibilidade de concessão de licenças às empresas retalhistas;

-    possibilidade de existência de licenciados diferentes consoante os Estados-Membros em causa;

-    possibilidade de renegociação dos compromissos no termo do processo perante as autoridades francesas da concorrência.

72.
    Na audiência, na sequência de uma observação do Tribunal, a recorrente retirou, todavia, o argumento assente na possibilidade de concessão de licenças às empresas retalhistas.

73.
    A De'Longhi, por seu lado, sustentou na audiência que a insuficiência dos compromissos resulta dos seguintes elementos:

-    inexistência de licenças em Itália, em Espanha e na Finlândia;

-    existência de uma repartição do mercado da marca Moulinex;

-    falta de protecção dos licenciados contra as importações paralelas de produtos comercializados pela SEB sob a marca Moulinex.

a) Observações liminares

74.
    Para examinar este fundamento, há que recordar que, no final da fase I, a Comissão constatou a existência de dúvidas sérias em vários mercados de produtos dos pequenos electrodomésticos em nove Estados-Membros do EEE, a saber, Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Grécia, Noruega, Países Baixos, Portugal e Suécia.

75.
    Decorre da decisão de aprovação, nomeadamente do seu considerando 44, que as referidas dúvidas sérias resultam, essencialmente, do facto de a concentração levar, nestes nove Estados-Membros, a combinações de quotas de mercado que excedem os 40% dos mercados de produtos em causa, sendo estas combinações de quotas, em certos Estados-Membros, acentuadas pelo facto de a nova entidade passar a deter uma carteira de marcas única relativamente aos seus concorrentes («efeito de carteira»). Na sequência dos compromissos propostos pela SEB, a Comissão decidiu, todavia, não se opor à concentração e declará-la compatível com o mercado comum através de uma decisão adoptada no final da fase I. Os compromissos aceites pela Comissão prevêem, essencialmente, que a SEB tem a obrigação, em cada um dos nove Estados-Membros em causa, por um lado, de conceder, por um prazo de cinco anos, uma licença exclusiva da marca Moulinex para venda de treze categorias de produtos dos pequenos electrodomésticos [ponto 1, alínea a), primeiro parágrafo, dos compromissos] e, por outro, de não comercializar sob a marca Moulinex, nesses mesmos Estados-Membros, as referidas categorias de produtos, bem como outros aparelhos para utilização doméstica, durante o prazo do contrato de licença e durante um período de três anos após o seu termo [ponto 1, alínea c), primeiro parágrafo, dos compromissos]. Nos termos do ponto 1, alínea a), terceiro parágrafo, dos compromissos, «o objecto desta licença será autorizar a utilização da marca Moulinex associada a uma marca própria do licenciado, com o objectivo de lhe permitir, durante e após este período de ‘co-branding’, estabelecer ou reforçar a sua própria marca no mercado em causa».

76.
    Deve observar-se que, no âmbito do presente recurso, a recorrente não contesta as dúvidas sérias descritas na decisão de aprovação. Em especial, a recorrente não alega que a Comissão devia ter levantado outras dúvidas sérias além das descritas na referida decisão. Além disso, a recorrente não contesta que os compromissos aceites pela Comissão visam dissipar as dúvidas sérias descritas na decisão de aprovação. Em contrapartida, contesta, através deste fundamento, que os referidos compromissos fossem suficientes para permitir à Comissão dissipar as dúvidas sérias que levantou e sustenta que a Comissão devia ter dado início à fase II.

77.
    Observe-se que, embora a Comissão não tenha qualquer poder discricionário quanto à abertura da fase II quando se depara com dúvidas sérias sobre a compatibilidade da concentração com o mercado comum, prevendo o artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do regulamento, que, neste caso, a Comissão «decidirá dar início ao processo», goza, contudo, de uma certa margem de apreciação na investigação e no exame das circunstâncias do caso a fim de determinar se estas suscitam dúvidas sérias ou, quando lhe tenham sido propostos compromissos, se continuam a suscitá-las (v., por analogia, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Março de 2001, Prayon-Rupel/Comissão, T-73/98, Colect., p. II-867, n.os 45 a 47). Com efeito, ainda que o conceito de «dúvidas sérias» seja de carácter objectivo, a investigação da existência de tais dúvidas leva necessariamente a Comissão a efectuar apreciações económicas complexas, nomeadamente quando tem que apreciar se os compromissos propostos pelas partes na concentração são suficientes para dissipar tais dúvidas sérias.

78.
    Tendo em conta as complexas apreciações económicas que a Comissão é levada a efectuar no exercício do poder de apreciação de que goza, para avaliar os compromissos propostos pelas partes na concentração, incumbe, assim, ao recorrente provar a existência de um manifesto erro de apreciação cometido pela Comissão, para obter a anulação de uma decisão que aprova uma concentração com fundamento no facto de os compromissos serem insuficientes para dissipar essas dúvidas sérias.

79.
    Todavia, no âmbito do exercício da sua fiscalização jurisdicional, o Tribunal deve tomar em consideração o objectivo específico dos compromissos assumidos durante a fase I, os quais, ao contrário dos compromissos assumidos durante a fase II, não visam impedir a criação ou o reforço de uma posição dominante mas sim dissipar quaisquer dúvidas sérias a este respeito. Daqui resulta que os compromissos assumidos durante a fase I devem constituir uma resposta directa e suficiente, susceptível de afastar claramente as dúvidas sérias suscitadas.

80.
    Por conseguinte, quando o Tribunal examina se os compromissos assumidos durante a fase I, tendo em conta o seu alcance e o seu conteúdo, são susceptíveis de permitir à Comissão adoptar uma decisão de aprovação sem dar início à fase II, compete-lhe verificar se a Comissão podia considerar, sem cometer um manifesto erro de apreciação, que os referidos compromissos constituíam uma resposta directa e suficiente susceptível de dissipar claramente quaisquer dúvidas sérias.

81.
    É à luz destes princípios que se devem examinar as críticas e os argumentos apresentados pela recorrente em apoio do presente fundamento.

b) Licenças que permitem um comércio paralelo de produtos SEB sob a marca Moulinex

Argumentos das partes

82.
    A recorrente, apoiada pela De'Longhi, considera que, ao autorizar a concessão de licenças (exclusivas) temporárias em vez de desmantelar a marca Moulinex, a Comissão cometeu um manifesto erro de apreciação, uma vez que os licenciados da marca Moulinex não ficarão protegidos contra as importações paralelas de produtos com a marca Moulinex que tenham sido comercializados pela SEB fora do território abrangido pela licença.

83.
    A recorrente recorda que, em direito comunitário, as licenças não conferem ao seu titular uma protecção absoluta contra o proprietário da marca no território abrangido pela licença. De facto, quando os produtos com a marca em questão tenham sido comercializados pelo proprietário da marca nos territórios que este reservou para si, tais produtos devem poder circular livremente no interior da Comunidade e, portanto, também no território abrangido pela licença.

84.
    No caso em apreço, a recorrente considera que a falta de protecção do licenciado contra o comércio paralelo de produtos Moulinex comercializados pela SEB, mesmo durante o prazo de validade da licença, reduz seriamente o efeito da licença que consiste em permitir ao licenciado apropriar-se da imagem de marca associada à Moulinex passando, pouco a pouco, para a sua marca os produtos que vende sob a marca Moulinex, e torna mais plausível que a SEB readquira facilmente a clientela associada à marca Moulinex depois do período de não utilização imposto pelos compromissos.

85.
    A recorrente observa, a este respeito, que ainda que a Comissão tenha eventualmente analisado as actuais vendas transfronteiras de pequenos electrodomésticos, não levantou a questão de saber em que medida os compromissos propostos podem encorajar o comércio paralelo.

86.
    Na opinião da recorrente, a única maneira de conceder (e de justificar) uma protecção territorial completa é o desmantelamento integral e irrevogável da marca em questão para os territórios em que a aquisição da marca Moulinex levanta dúvidas sérias em matéria de concorrência.

87.
    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela SEB, conclui pedindo que os argumentos da recorrente quanto a este aspecto sejam julgados improcedentes.

Apreciação do Tribunal

88.
    Recorde-se que, na fase da definição dos mercados geográficos em causa, a Comissão constatou, nos termos do considerando 30 da decisão de aprovação, que «deve optar-se por uma definição nacional dos mercados geográficos em causa como sendo a mais verosímil no final da primeira fase».

89.
    Decorre do considerando 27 da decisão de aprovação que esta constatação assenta nos resultados da investigação conduzida pela Comissão durante a fase I, que revelou que as quotas de mercado detidas pelos actores presentes nestes mercados são muito heterogéneas consoante os Estados-Membros e consoante as categorias de produtos [considerando 27, alínea a)], que a penetração das marcas é muito diferente consoante as zonas geográficas [considerando 27, alínea b)], que as características dos produtos podem variar consoante os Estados-Membros, devido às particularidades e às preferências dos consumidores, [considerando 27, alínea c)], que as relações entre clientes e fornecedores se estabelecem principalmente numa base nacional [considerando 27, alínea d)], que os níveis de preços facturados aos distribuidores podem variar significativamente em função dos mercados nacionais e seguem uma tendência diferenciada [considerando 27, alínea e)], que as estruturas logísticas são nacionais [considerando 27, alínea f)] e que as estruturas de distribuição são nacionais, bem como que a importância relativa dos canais de distribuição é muito variável, em função dos Estados-Membros [considerando 27, alínea g)].

90.
    No que respeita, mais especificamente, às relações entre clientes e fornecedores, a Comissão constatou, no considerando 27, alínea d), que:

«As relações entre clientes e fornecedores estabelecem-se principalmente numa base nacional. Embora existam contratos mundiais com certos grupos da grande distribuição implantados internacionalmente, respeitam apenas a objectivos de venda anuais e globais. Os grupos em questão confirmaram, no âmbito da investigação da Comissão, que a sua política de fornecimento continua a ser nacional. São assim, contratos numa base nacional que contêm as cláusulas de referências de produtos, de preços, de fornecimento e de facturação.»

91.
    Há que observar que, através do presente recurso, a recorrente não contesta a dimensão nacional dos mercados em causa nem nenhuma das constatações efectuadas pela Comissão no considerando 27 da decisão de aprovação.

92.
    Pelo contrário, as conclusões da Comissão a este respeito resultam das respostas aos pedidos de informações que a Comissão enviou, em 16 de Novembro de 2001, aos concorrentes das partes na concentração, em conformidade com o artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89 (a seguir «questionário enviado aos concorrentes»). Assim, em resposta à questão 12 deste questionário, a própria recorrente sublinha que os mercados são de dimensão nacional. De igual modo, o relatório NERA transmitido pela recorrente à Comissão durante o procedimento administrativo conclui explicitamente, no seu ponto 2, que os mercados em causa são nacionais. Em apoio desta conclusão, tanto a recorrente como a NERA invocam, essencialmente, os factores a que se refere o considerando 27 da decisão de aprovação.

93.
    Verifica-se, consequentemente, que foi, nomeadamente, com base nas observações dos concorrentes, entre os quais a recorrente, que a Comissão rejeitou, no decurso da fase I, a definição dos mercados geográficos em causa proposta pelas partes na concentração, que sustentavam que tais mercados eram de dimensão mundial.

94.
    Ora, se é verdade que um dos factores identificados pela Comissão para concluir pela existência de mercados nacionais distintos, a saber, a existência de níveis de preços diferentes consoante os Estados-Membros, é susceptível de induzir o desenvolvimento de importações paralelas entre Estados-Membros, há que constatar que, em contrapartida, os outros factores identificados pela Comissão em apoio desta conclusão, a saber, o facto de as marcas dos produtos e as suas características variarem consoante os Estados-Membros e de as estruturas de abastecimento, de logística e de distribuição serem nacionais, são susceptíveis de constituir um obstáculo ao desenvolvimento de tais importações.

95.
    A recorrente admitiu, aliás, esta circunstância no decurso do procedimento administrativo quando indicou à Comissão, em resposta à questão 16 do questionário enviado aos concorrentes:

«Segundo a nossa experiência, há importações/exportações paralelas no seio da União Europeia mas não em grande escala, devido às diferentes características nacionais dos mercados nos diferentes países da União. Calculamos que, em média, um total de 5% dos produtos num determinado mercado seria importado, adicionalmente, de modo paralelo se os preços aumentassem mais de 10%.»

96.
    De igual modo, a De'Longhi, indicou, em resposta à mesma questão, que:

«A análise dos mercados em causa durante os cinco últimos anos mostra como as importações paralelas constituem um fenómeno raro. Não é previsível que tal se altere num futuro próximo.»

97.
    Por outro lado, nos termos de uma mensagem electrónica de 10 de Dezembro de 2001, dirigida à Comissão, a propósito da dimensão geográfica dos mercados em causa, e para sustentar uma definição nacional destes mercados, a recorrente declarou o seguinte:

«Remetemos, além disso, para as decisões da Comissão nos processos Kingfischer/BUT (IV/M.1248 de 1998) e Kingfischer/Grosslabor (IV/M.1282 de 1999), nas quais a Comissão confirmou que o comércio transfronteiras, nomeadamente, de torradeiras e de ferros de engomar é mínimo na Europa e que muitos fornecedores, sendo embora actores a nível mundial, têm uma política nacional de venda, devida às diferentes preferências dos consumidores.»

98.
    Nestas circunstâncias, há que concluir que é pacífico entre as partes que antes da concentração em questão as importações paralelas de produtos da marca Moulinex eram mínimas no território da União Europeia devido à dimensão nacional dos mercados em causa.

99.
    A recorrente sustenta, todavia, que a Comissão não examinou a questão de saber em que medida é que os compromissos aceites na decisão de aprovação poderiam estimular as importações paralelas. Durante a audiência, a recorrente e a De'Longhi explicaram a este respeito que a natureza dos compromissos poderia, por exemplo, levar a SEB a incitar os seus distribuidores nos territórios não abrangidos pelos compromissos a abastecer revendedores independentes nos Estados-Membros abrangidos pelos compromissos, o que poderia ter como efeito o desenvolvimento das importações paralelas em detrimento dos licenciados da marca Moulinex nestes últimos Estados.

100.
    Há que constatar, porém, que nem durante o procedimento administrativo nem durante o processo perante o Tribunal de Primeira Instância a recorrente ou a De'Longhi apresentaram o menor elemento de prova em apoio destas alegações, que não passam, assim, de alegações sem qualquer base.

101.
    Pelo contrário, em resposta à questão 16 do questionário enviado ao concorrente, a própria De'Longhi sublinhou explicitamente que «não é previsível» que o carácter marginal das importações paralelas «se altere num futuro próximo».

102.
    Além disso, a recorrente, tal como a De'Longhi, não contesta que os produtos em causa continuarão a fazer parte de mercados nacionais distintos após a realização da concentração.

103.
    Nestas circunstâncias, não se verifica que os compromissos sejam susceptíveis de aumentar substancialmente as importações paralelas. Pelo contrário, a circunstância de, nos termos dos compromissos, a marca Moulinex poder ser concedida a licenciados diferentes em cada um dos Estados-Membros em questão é susceptível de reforçar o carácter nacional dos mercados em causa. Com efeito, nestes casos, em vez de ser detida por um único operador económico, a referida marca será detida por operadores económicos distintos que dispõem do direito de utilizar a marca Moulinex no território que lhes foi concedido. Ora, na audiência, a De'Longhi sublinhou que tal sistema de licenças leva a uma repartição do mercado susceptível de criar obstáculos adicionais às trocas intracomunitárias.

104.
    Como tal, a argumentação da recorrente quanto à não tomada em consideração das importações paralelas não permite concluir que a Comissão cometeu um manifesto erro de apreciação sobre este aspecto.

c) Prazo manifestamente demasiado curto das licenças e do período suplementar de proibição de venda

Argumentos das partes

105.
    A recorrente, apoiada pela De'Longhi, alega que o prazo da licença exclusiva e do período de proibição de venda que se lhe segue são manifestamente demasiado curtos para permitir a um concorrente explorar a imagem de marca associada à marca Moulinex.

106.
    Segundo a recorrente, a introdução bem sucedida de novas marcas nos mercados de produtos em causa é absolutamente excepcional e uma passagem bem sucedida de produtos de uma marca para outra em mercados como os mercados em causa demora claramente mais de cinco anos.

107.
    A título de exemplo, a recorrente explica que, no Brasil, a Philips demorou mais de dez anos para passar a clientela da sua marca Walita para a sua marca Philips, no âmbito dos produtos de cuidados pessoais, num caso em que a marca «original» devia ser progressivamente eliminada por completo.

108.
    Por outro lado, ao contrário da situação no Brasil, no caso em apreço, a) a SEB manter-se-á nos mercados vizinhos como proprietária da marca cuja clientela deverá passar para o licenciado, b) a SEB reentrará sem dúvida no território sujeito a licença com a marca Moulinex após o termo do período de proibição de comercialização e, c) mesmo durante o prazo da licença, o licenciado não está protegido do comércio paralelo de produtos SEB contendo a marca Moulinex. A recorrente considera que esta situação afecta seriamente a probabilidade de uma transferência bem sucedida da imagem de marca associada à marca Moulinex para o licenciado desta marca, ao mesmo tempo que permite à SEB recuperar esta imagem de marca após o período de não utilização da marca associado aos compromissos assumidos.

109.
    A recorrente sublinha a este respeito que, ao contrário do que a Comissão parece pensar (considerando 140 da decisão de aprovação), não há qualquer relação entre a duração média da vida de um aparelho electrodoméstico (três anos) e o prazo da licença e do período adicional de não entrada, uma vez que a fidelidade à marca não está associada aos diferentes produtos.

110.
    Por fim, a recorrente considera que será relativamente fácil para a SEB reintroduzir a marca Moulinex após a proibição de venda, dada a solidez da sua posição actual no mercado e a sua carteira de marcas, tendo em conta o facto de que foi autorizada a manter uma actividade associada à marca Moulinex num número considerável de países CE/EEE não incluídos na proposta de soluções e dado que a marca Moulinex não é nova, sendo, antes pelo contrário, uma marca que gozava de uma posição muito forte até há apenas alguns anos nos Estados-Membros em que será reintroduzida.

111.
    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela SEB, conclui pedindo que a argumentação da recorrente quanto a este aspecto seja julgada improcedente.

Apreciação do Tribunal

112.
    Há que recordar, com vista à apreciação das críticas da recorrente quanto à duração dos compromissos, que, nos termos do ponto 1, alínea a), segundo parágrafo, dos compromissos, estes têm como objecto autorizar a utilização da marca Moulinex associada a uma marca própria do licenciado, com o objectivo de lhe permitir, durante e após este período de «co-branding», estabelecer ou reforçar a sua própria marca no mercado em causa. Para este efeito, durante o prazo das licenças da marca Moulinex, o licenciado será autorizado a utilizar imediatamente a marca Moulinex associada à sua marca própria, ou a utilizá-la por si só, temporariamente, para efectuar um «co-branding». Segundo esta mesma disposição, o licenciado será também livre de passar do «co-branding» para a sua própria marca em qualquer momento durante o prazo da licença.

113.
    Há também que recordar que, para assegurar este objectivo, os compromissos prevêem, nos termos do ponto 1, alínea g), terceiro parágrafo, que os licenciados devem dispor de uma marca própria que possa ser associada à marca Moulinex, com excepção dos operadores que tenham uma actividade principal de venda a retalho.

114.
    Daqui resulta que o objectivo dos compromissos não é permitir a exploração da marca Moulinex, como tal, por cada um dos licenciados, mas sim permitir-lhes, no decurso de um período transitório durante o qual terão o direito de utilizar a sua própria marca associada à marca Moulinex, assegurar a passagem da marca Moulinex para as marcas próprias dos licenciados, para que estas possam exercer uma concorrência efectiva sobre a marca Moulinex depois desse período transitório, quando a SEB tenha novamente o direito de utilizar a marca Moulinex nos nove Estados-Membros em causa.

115.
    Consequentemente, ao contrário do que a recorrente sustenta, os compromissos não visam introduzir uma nova marca nos nove Estados-Membros em questão, mas sim permitir aos licenciados estabelecer ou reforçar a sua marca própria como marca efectivamente concorrente da marca Moulinex.

116.
    Por outro lado, sendo o objectivo dos compromissos permitir aos licenciados estabelecer ou reforçar a sua marca própria como marca efectivamente concorrente da marca Moulinex, a circunstância alegada pela recorrente, segundo a qual, considerando a sua forte quota de mercado actual, a sua carteira de marcas e a notoriedade da marca Moulinex, a SEB poderá reintroduzir facilmente a marca Moulinex nos nove Estados-Membros em questão, carece de pertinência. Com efeito, a questão não é a de saber se a SEB poderá reintroduzir a marca Moulinex nos Estados-Membros em questão - o que, de resto, há que supor para verificar a suficiência dos compromissos aceites na decisão de aprovação - mas sim a de saber se os licenciados poderão estabelecer ou reforçar a sua própria posição como concorrentes efectivos da SEB.

117.
    Há que verificar, portanto, se a duração do período transitório instituído pelos compromissos é suficiente para atingir este objectivo.

118.
    A este respeito, há que observar, em primeiro lugar, que, nos termos do ponto 1, alínea c), primeiro parágrafo, dos compromissos, cada um dos contratos de licença da marca Moulinex nos nove Estados-Membros em questão terá um prazo de cinco anos. Por outro lado, nos termos da mesma disposição e do n.° 1, alínea c), segundo parágrafo, a SEB compromete-se, durante o prazo do contrato de licença e durante um período de três anos após o seu termo, a não comercializar sob a marca Moulinex, nos nove Estados-Membros em questão, pequenos aparelhos electrodomésticos que sejam abrangidos por qualquer uma das treze categorias de produtos em causa, bem como outros aparelhos de uso doméstico não incluídos nessas famílias de produtos, tais como aspiradores ou fornos micro-ondas.

119.
    Resulta destas disposições que, contrariamente ao que a recorrente sugere, a duração total dos compromissos por força dos quais a SEB não poderá comercializar produtos sob a marca Moulinex é não de cinco mas de oito anos, a saber, o prazo de cinco anos de um primeiro período durante o qual o licenciado terá o direito exclusivo de utilizar a marca Moulinex por si só ou associada à sua própria marca e o prazo de três anos de um segundo período, durante o qual a SEB se absterá de qualquer comercialização sob a marca Moulinex nos países em causa. Daqui decorre que, durante oito anos, a SEB não terá o direito de utilizar a marca Moulinex nesses Estados-Membros.

120.
    Resulta também das referidas disposições que qualquer utilização da marca Moulinex cessará, nos nove Estados-Membros em questão, durante um período mínimo de três anos e, pelo menos teoricamente, de oito anos no máximo. Com efeito, nos termos dos compromissos, cada licenciado é livre de escolher o momento em que decide passar do «co-branding» para a sua própria marca. Nas suas alegações de interveniente, a SEB indicou assim ao Tribunal que os actuais candidatos à concessão de uma licença tinham em vista passar do «co-branding» para a sua própria marca após um período de três a quatro anos, o que terá como consequência o desaparecimentos da marca Moulinex durante um período de cerca de cinco anos nos Estados-Membros em questão.

121.
    Esta inexistência de espaços de venda da marca Moulinex permitirá aos licenciados estabelecer de modo duradouro a notoriedade da sua própria marca. Além disso, esta inexistência implica também que a SEB não poderá recuperar as posições detidas pela Moulinex quando puder reintroduzir a marca nos mercados em causa após o período de congelamento.

122.
    Por outro lado, há que observar que, no considerando 140 da decisão de aprovação, a Comissão constatou, sem que a recorrente a contradissesse quanto a este aspecto, que a duração média da vida dos pequenos aparelhos electrodomésticos é da ordem dos três anos.

123.
    Verifica-se, assim, que a duração dos compromissos abrangerá praticamente um período correspondente a três ciclos de produtos, ao passo que o período durante o qual a marca Moulinex não será utilizada corresponde a pelo menos um ciclo de produtos.

124.
    Observe-se, a este respeito, que a Comissão sublinhou, sem que a recorrente a contradissesse quanto a este aspecto, que num mercado próximo do dos produtos em causa, a saber, o dos grandes electrodomésticos, a Whirlpool conseguiu a passagem da marca Philips para a marca Whirlpool em três anos, entre 1990 e 1993, o que corresponde ao ciclo de vida do produto. Esta passagem efectuou-se enquanto a marca Philips estava presente e era apoiada pela Philips em mercados adjacentes.

125.
    Há também que observar que, na sua comunicação relativa às restrições directamente relacionadas e necessárias às operações de concentração (JO 2001, C 188, p. 5, ponto 15), a Comissão indicou que, em caso de cessão de uma empresa, o prazo aceitável da proibição de concorrência imposta ao vendedor para assegurar a transferência para o comprador do valor completo dos activos cedidos é de um máximo de três anos quando a cessão da empresa abranja a clientela e o saber-fazer e de dois anos quando abranja unicamente a clientela. Ora, no caso em apreço, o período durante o qual a SEB se absterá de utilizar a marca Moulinex nos territórios dos licenciados será de oito anos.

126.
    Em segundo lugar, há que observar que, nos termos do ponto 1, alínea g), primeiro parágrafo, dos compromissos, os licenciados devem ser «operadores actualmente presentes no mercado ou potencialmente capazes de nele entrar, viáveis, independentes, sem qualquer relação com o grupo SEB, com a competência e a motivação necessárias para exercer uma concorrência activa e efectiva nos mercados em causa». Além disso, como já se recordou atrás, nos termos do ponto 1, alínea g), terceiro parágrafo, os licenciados devem dispor de uma marca própria que possa ser associada à marca Moulinex, com excepção dos operadores que tenham uma actividade principal de venda a retalho.

127.
    Há que constatar que estas disposições, ao limitarem a concessão das licenças a operadores já presentes no mercado, ou susceptíveis de nele penetrarem a curto prazo, e detentores de uma marca própria, são susceptíveis de contribuir de modo eficaz para que os licenciados se tornem concorrentes efectivos dentro do prazo previsto pelos compromissos. Tal é ainda reforçado pelo facto de os operadores com uma actividade principal de venda a retalho, apesar de disporem de marcas próprias, serem excluídos do círculo dos beneficiários potenciais de uma licença da marca Moulinex, nos termos do ponto 1, alínea g), terceiro parágrafo, dos compromissos. Com efeito, nos considerandos 27, alínea d) e 37, da decisão de aprovação, a Comissão constatou, sem que a recorrente a contradissesse quanto a este aspecto, que as marcas próprias destes operadores, a saber, as «marcas de distribuidores», têm uma presença diminuta nos mercados em causa.

128.
    Tendo em conta estas circunstâncias, há que concluir que a duração dos compromissos não se revela manifestamente insuficiente para permitir aos licenciados da marca Moulinex estabelecer ou reforçar a sua própria marca como marca efectivamente concorrente da marca Moulinex nos nove Estados-Membros em questão.

129.
    As críticas da recorrente quanto à duração dos compromissos devem, assim, ser julgadas improcedentes.

d) Exclusão da França onde as dúvidas são mais sérias em matéria de concorrência

Argumentos das partes

130.
    Segundo a recorrente, apoiada pela De'Longhi, a Comissão não impôs qualquer condição para o mercado nacional em que as condições de concorrência são mais seriamente afectadas pela aquisição da marca, a saber, a França, embora não haja dúvidas de que, enquanto os licenciados não tiverem uma certeza quanto à «solução» que vier a ser adoptada para o mercado francês e enquanto existir, por conseguinte, um risco sério de a posição da SEB no mercado francês reduzir a zero os compromissos impostos no que respeita aos outros Estados-Membros em questão, a SEB terá dificuldades em encontrar candidatos sérios e viáveis à obtenção de uma licença.

131.
    Segundo a recorrente, tal deve-se, antes de mais, ao facto de que, durante este período, a SEB continuará a administrar os negócios da Moulinex como se fossem os seus e continuará a poder explorar a marca Moulinex negociando com as redes de distribuição no conjunto da Comunidade. Em segundo lugar, o acesso que a SEB tem às informações comercialmente sensíveis relativas à produção (ou à não produção), à capacidade, à estratégia, e ao desempenho no mercado da Moulinex dará à SEB outra vantagem concorrencial, permitindo-lhe adaptar o seu comportamento no mercado em função de informações de que os seus concorrentes não dispõem.

132.
    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela SEB, conclui pedindo que a argumentação da recorrente quanto a este aspecto seja julgada improcedente.

Apreciação do Tribunal

133.
    Há que recordar que, através da decisão de 8 de Janeiro de 2002, adoptada com base no artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89, a Comissão remeteu às autoridades francesas da concorrência o exame dos efeitos da concentração nos mercados em causa em França. Consequentemente, tal como a Comissão indica explicitamente no considerando 43 da decisão de aprovação, os referidos mercados não são objecto da dita decisão.

134.
    Sendo a exclusão dos mercados em causa em França do exame efectuado no âmbito da decisão de aprovação consequência da decisão de remessa, a questão de saber se a Comissão tinha o direito de excluir tais mercados do âmbito de aplicação dos compromissos propostos pelas partes na concentração, com vista a permitir à Comissão dissipar quaisquer dúvidas sérias no final da fase I confunde-se com o exame da legalidade da decisão de remessa. Esta questão é examinada mais adiante no âmbito da apreciação do recurso, na parte que visa a anulação da decisão de remessa.

135.
    No âmbito da apreciação da parte do recurso que visa a anulação da decisão de aprovação, há que verificar apenas, por conseguinte, se, tal como a recorrente sustenta, a eficácia dos compromissos aceites pela Comissão em cada um dos nove Estados-Membros em questão é susceptível de ser afectada pelo facto de os mercados em causa em França serem objecto de um exame distinto por parte das autoridades francesas da concorrência, cujo resultado, no momento da adopção da decisão de aprovação, está pendente e é incerto.

136.
    A este respeito, há que sublinhar que, como já se constatou atrás, é pacífico entre as partes que os produtos em causa se integram em mercados nacionais distintos. Assim, no considerando 27 da decisão de aprovação, a Comissão constatou, nomeadamente, sem ser contestado pela recorrente, que as relações entre os clientes e os fornecedores, as estruturas logísticas e as estruturas de distribuição são organizadas a nível nacional.

137.
    Por outro lado, já se constatou atrás que as importações paralelas dos produtos em causa entre Estados-Membros são marginais.

138.
    Nestas circunstâncias, há que constatar que as incertezas que envolvem o resultado do processo em França não são susceptíveis de afectar a celebração de contratos de licença da marca Moulinex com licenciados sérios e viáveis noutros Estados-Membros. Com efeito, considerando a dimensão geográfica nacional dos mercados de produtos em causa e a inexistência de importações paralelas significativas entre Estados-Membros, os licenciados da marca Moulinex nos nove Estados-Membros em causa não estão em concorrência com o ou os operadores activos sob a marca Moulinex nos mercados em causa em França. Por maioria de razão, a situação dos licenciados fora de França não pode ser afectada pela incerteza quanto à identidade do futuro operador da marca Moulinex em França.

139.
    De qualquer modo, mesmo que a incerteza alegada pela recorrente fosse susceptível de dificultar a celebração de contratos de licença com operadores sérios e viáveis nos nove Estados-Membros em questão, deve observar-se que, tal como a Comissão alegou, com razão, a escolha dos licenciados efectuada pela SEB está, nos termos do ponto 1, alínea i), dos compromissos, dependente de aprovação da Comissão, a qual consiste em verificar, em conformidade com o ponto 1, alínea g), dos compromissos, que os licenciados devem ter a qualidade de «operadores actualmente presentes no mercado ou potencialmente capazes de nele entrar, viáveis, independentes, sem qualquer relação com o grupo SEB, com a competência e a motivação necessárias para exercer uma concorrência activa e efectiva nos mercados em causa».

140.
    Além disso, deve referir-se que os compromissos garantem que o prazo residual para a exploração da marca Moulinex pela SEB durante o período de negociação dos contratos de licença não ultrapassará o mínimo necessário para a celebração de tais contratos, porquanto, nos termos do ponto 1, alínea h), dos compromissos, no caso de a SEB não celebrar os contratos de licença dentro dos prazos estipulados, eventualmente prolongados devido a circunstâncias excepcionais, um mandatário independente aprovado pela Comissão substituir-se-á à SEB para realizar esta missão. Nos termos do ponto 2, alínea e), iv), dos compromissos, o mandatário terá um prazo para cumprir tal missão.

141.
    Por outro lado, a incerteza quanto ao resultado do processo em França é, em princípio, limitada pelo facto de as autoridades francesas deverem, em conformidade com o artigo 9.°, n.° 6, do Regulamento n.° 4064/89, pronunciar-se sobre a concentração num prazo máximo de quatro meses.

142.
    A recorrente alega ainda que, durante o período de exame da operação de concentração pelas autoridades francesas da concorrência, e uma vez que a SEB não poderá propor licenciados sérios e viáveis, esta empresa continuará a gerir as actividades da Moulinex e continuará a ter o direito de explorar a marca Moulinex, negociando com as redes de distribuição no conjunto da Comunidade. Por outro lado, a recorrente entende que a SEB terá acesso a informações comerciais sensíveis relativas à Moulinex, que lhe permitirão adaptar o seu comportamento no mercado em função de informações de que os seus concorrentes não dispõem.

143.
    Através destes argumentos, a recorrente critica assim a Comissão por ter permitido à SEB realizar a concentração sem condições, na medida em que, enquanto se aguarda a celebração de todos os contratos de licença, a SEB mantém o direito de explorar a marca Moulinex em todos os Estados-Membros, incluindo os visados pelos compromissos, o que lhe permite designadamente aceder a certas informações comercialmente sensíveis.

144.
    Além do facto de esta crítica não dizer respeito à exclusão dos mercados em causa em França do âmbito de aplicação dos compromissos, há que observar que a recorrente não sustentou que a SEB dispunha de um prazo demasiado longo para celebrar os contratos de licença.

145.
    Há que constatar, além disso, que a exploração da marca Moulinex pela SEB durante o período de negociação dos contratos de licença se justifica pela obrigação da SEB, decorrente do ponto 1, alínea h), quarto parágrafo, dos compromissos, de manter «o pleno valor económico e concorrencial da marca Moulinex em cada um dos nove Estados-Membros em questão até à data de celebração dos referidos contratos». Longe de afectar a eficácia dos compromissos, esta cláusula contribui incontestavelmente para a assegurar, uma vez que permite aos licenciados assumirem imediatamente uma posição de concorrentes efectivos. Não se pode negar, com efeito, que a celebração de contratos de licença em nove Estados-Membros diferentes é um processo relativamente complexo, e que a não exploração da marca Moulinex durante o mesmo seria susceptível de afectar a capacidade concorrencial da referida marca.

146.
    Resulta do que precede que, ao excluir os mercados em causa em França do âmbito de aplicação dos compromissos, a Comissão não cometeu um manifesto erro de apreciação.

e) Não tomada em consideração do impacto geográfico da difusão das licenças

Argumentos das partes

147.
    A recorrente, apoiada pela De'Longhi, alega que um compromisso de concessão de licenças temporárias que só abrange um número limitado de Estados-Membros - em certos casos, geograficamente isolados - não impõe à SEB uma obrigação adequada em matéria de concorrência.

148.
    Em especial, no que respeita à Espanha, a recorrente explica que a decisão de aprovação vai não só permitir à SEB adquirir uma posição dominante ou reforçá-la num certo número de mercados de produtos em Espanha como também cercar o mercado português, um dos mercados nacionais em que a posição conjunta da SEB e da Moulinex é mais forte. Nestas condições, a recorrente não entende de que modo, em condições económicas normais, um potencial licenciado temporário da marca Moulinex em Portugal pode ter uma perspectiva comercial suficientemente atractiva.

149.
    A recorrente alega que a aprovação sem reservas da transacção no que respeita ao mercado espanhol terá consequências substanciais para a eficácia dos compromissos propostos pela SEB para o território de Portugal. Acrescenta que a posição reforçada da SEB no mercado espanhol ameaça directamente a eficácia de qualquer medida que pudesse ser imposta no que respeita à França.

150.
    A recorrente observa que, ao não tomar em consideração aspectos transfronteiras da concorrência nos mercados em causa e, no caso em apreço, o seu impacto na eficácia das soluções impostas, a Comissão afastou-se da prática estabelecida, tal como esta foi exposta no processo COMP/M.1802 - Unilever/Amora-Maille de 8 de Março de 2000, no processo IV/M.1578 - Sanitec/Sphinx, de 1 de Dezembro de 1999, e no processo COMP/M.2283 - Schneider/Legrand, de 10 de Outubro de 2000.

151.
    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela SEB, conclui pedindo que a argumentação da recorrente quanto a este aspecto seja julgada improcedente.

Apreciação do Tribunal

152.
    Através desta crítica, a recorrente acusa, essencialmente, a Comissão de ter limitado os compromissos apenas aos Estados-Membros relativamente aos quais a Comissão concluiu pela existência de dúvidas sérias quanto à compatibilidade da concentração com o mercado comum, sem os estender aos outros Estados-Membros. Segundo a recorrente, a posição da SEB nestes últimos Estados é susceptível de afectar a eficácia dos compromissos assumidos quanto aos primeiros.

153.
    Há que observar, desde já, que, como a Comissão referiu, com razão, a recorrente se limita, nesta crítica, a fazer afirmações gerais sem qualquer base. Na petição, o único elemento concreto avançado pela recorrente em apoio desta crítica consiste em sustentar que «a Comissão devia, em particular, ter tomado em conta a situação da Espanha» essencialmente porque a SEB «poderá [...] cercar o mercado português, um dos mercados nacionais em que a posição conjunta das marcas SEB e Moulinex é de longe mais forte». A recorrente alega também, sem qualquer fundamentação da sua posição a este respeito, que a posição da SEB em Espanha ameaça a eficácia de qualquer medida que possa ser imposta no que respeita à França.

154.
    Em resposta a uma questão escrita do Tribunal pedindo à recorrente que especificasse o alcance da sua crítica quanto a este aspecto, esta explicou que, através desta crítica, não contestava a análise concorrencial dos mercados em causa em Espanha em si mesma mas apenas o facto de a Comissão não ter examinado as eventuais interacções entre os diferentes mercados nacionais. Além das interacções referidas na petição entre os mercados em causa em Espanha, por um lado, e os mercados em causa em Portugal e em França, por outro, a recorrente mencionou, nas suas respostas, a situação da Finlândia relativamente aos países escandinavos. Nas suas respostas, a recorrente repetiu que, na sua opinião, para que os compromissos permitam a um concorrente independente estabelecer-se com sucesso, a Comissão devia ter incluído no âmbito de aplicação dos compromissos os Estados-Membros relativamente aos quais não foi constatada nenhuma dúvida séria.

155.
    Para examinar esta crítica, há que recordar, antes de mais que, nos termos dos compromissos, a SEB obriga-se a celebrar com um terceiro uma licença exclusiva da marca Moulinex em nove Estados-Membros, a saber, Áustria, Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Grécia, Noruega, Países Baixos, Portugal e Suécia. Em contrapartida, os compromissos não prevêem uma obrigação da SEB de celebrar tal contrato de licença nos outros Estados-Membros, a saber, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália e Reino Unido.

156.
    É assim com razão que a recorrente observa, no único exemplo que fundamenta na petição, que os compromissos prevêem a celebração de um contrato de licença de marca para Portugal mas não para Espanha.

157.
    Seguidamente, há que constatar que, se os compromissos abrangem os mercados afectados na Áustria, na Alemanha, na Bélgica, na Dinamarca, na Grécia, na Noruega, nos Países Baixos, em Portugal e na Suécia, foi porque a Comissão constatou que em vários mercados de produtos em causa nestes Estados-Membros a concentração levantava dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado comum.

158.
    Em contrapartida, tendo a Comissão remetido às autoridades francesas da concorrência o exame dos efeitos da concentração nos mercados em causa em França, estes mercados não são abrangidos pelos compromissos. Quanto aos mercados em causa em Espanha, na Finlândia, na Irlanda, em Itália e no Reino Unido, a Comissão entendeu, nos termos da análise efectuada nos considerandos 83 a 127 da decisão de aprovação, que a concentração só alteraria marginalmente as condições da concorrência nesses países. Por conseguinte, concluiu que a concentração não levantava aí dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado comum.

159.
    Assim, no que respeita aos mercados em causa em Espanha, a Comissão constatou, nos termos dos considerandos 115 a 117 que, apesar da forte posição de mercado da SEB e da Moulinex em dois mercados de produtos, a saber, o dos jarros eléctricos e o dos fornos de bancada, os clientes revendedores dispõem de marcas alternativas com grande renome e presentes em toda a gama dos pequenos electrodomésticos, em substituição das marcas das partes. Nestas circunstâncias, a Comissão considerou que «[q]ualquer tentativa de comportamento anticoncorrencial nestes mercados seria, portanto, punida através de menos compras dos produtos da SEB e da Moulinex nos outros mercados em que a entidade agrupada realiza [85% a 95%] do seu volume de negócios, o que poderia retirar a rentabilidade a qualquer aumento de preços pelas partes». Em resposta a uma questão escrita do Tribunal, a recorrente confirmou que não contestava estas apreciações.

160.
    Recorde-se, por outro lado, que, como já se constatou atrás, é pacífico entre as partes que os produtos em causa se integram em mercados nacionais distintos. Cabe recordar, a este respeito, tal como se referiu atrás nos n.os 91 e seguintes, que a própria recorrente defendeu a dimensão geográfica nacional dos mercados em causa no decurso do procedimento administrativo perante a Comissão.

161.
    Pode, assim, considerar-se provado que os mercados em causa em Espanha e os mercados em causa em Portugal são, tal como os mercados em causa nos outros Estados-Membros, mercados nacionais distintos.

162.
    Por fim, tal como já se constatou atrás, a própria recorrente admitiu que nos mercados em causa as importações paralelas são marginais.

163.
    Nestas circunstâncias, há que concluir que a concessão de uma licença da marca Moulinex num dos nove Estados-Membros abrangidos pelos compromissos em caso algum poderá ser afectada pela situação prevalecente noutro Estado-Membro, mesmo que este seja, como no caso dos mercados em causa em Espanha, um Estado limítrofe. Com efeito, uma vez que a recorrente admite, por um lado, que não existe risco de criação ou reforço de uma posição dominante nos mercados em causa em Espanha e, por outro, que os mercados em causa em Espanha constituem mercados nacionais distintos dos mercados em causa em Portugal e que as importações paralelas entre estes mercados são marginais, há que deduzir que a recorrente reconhece que não havia razões para impor a celebração de uma contrato de licença em Espanha e que a situação concorrencial prevalecente em Espanha não é susceptível de afectar a posição concorrencial do licenciado da marca Moulinex em Portugal.

164.
    Quanto à circunstância, salientada pela recorrente, de a posição das marcas da Moulinex e da SEB em Portugal estar entre as mais fortes, há que observar que, longe de demonstrar que uma licença para os mercados em causa em Portugal seria pouco atractiva, esta circunstância é, pelo contrário, susceptível de incitar um operador a pedir uma licença para estes mercados, tanto mais que a elevada quota de mercado neste Estado-Membro é detida pela Moulinex e não pela SEB.

165.
    Por iguais razões, as mesmas considerações são aplicáveis no que respeita aos pretensos efeitos do reforço da posição da SEB em Espanha sobre os compromissos eventualmente impostos em França ou no que respeita aos pretensos efeitos do reforço da posição da SEB na Finlândia sobre compromissos impostos na Suécia, na Noruega e na Dinamarca.

166.
    Há que esclarecer, por fim, que as conclusões anteriores também não podem ser postas em causa pelo facto de a Comissão, devido ao «efeito de carteira», ter alargado a licença de marca em cada um dos nove Estados-Membros abrangidos pelos compromissos a todos os produtos em causa, incluindo aqueles em que a concentração não cria nem reforça uma posição dominante.

167.
    Resulta, com efeito, do considerando 141 da decisão de aprovação que a extensão dos compromissos à totalidade dos produtos em causa é fundada na preocupação da Comissão de impedir que a SEB possa utilizar a marca Moulinex em concorrência com o licenciado nos nove Estados-Membros em questão. Ora, há que constatar que, inversamente, o facto de a SEB poder continuar a utilizar a marca Moulinex nos mercados nacionais não abrangidos pelos compromissos não a coloca em concorrência com os licenciados nos Estados-Membros relativamente aos quais a Comissão levantou dúvidas sérias, uma vez que os licenciados dispõem aí de uma licença exclusiva. Consequentemente, os fundamentos subjacentes ao considerando 141 da decisão impugnada não exigiam que a Comissão alargasse os compromissos a todos os Estados-Membros.

168.
    Por conseguinte, esta alegação da recorrente não permite concluir que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação. Deve portanto ser julgada improcedente.

f) Possibilidade de ter diferentes licenciados para diferentes Estados-Membros

Argumentos das partes

169.
    A recorrente, apoiada pela De'Longhi, alega que a possibilidade, no âmbito dos compromissos, de haver diferentes licenciados para diferentes Estados-Membros afectará seriamente a eficácia das soluções na situação do mercado, reforçando o risco de os licenciados encontrados pela SEB não serem, na realidade, concorrentes viáveis.

170.
    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela SEB, conclui pedindo que a argumentação da recorrente quanto a este aspecto seja julgada improcedente.

Apreciação do Tribunal

171.
    Recorde-se que, nos termos do ponto 1, alínea a), primeiro parágrafo, dos compromissos, a SEB obriga-se a celebrar um contrato de licença exclusiva da marca Moulinex em cada um dos nove Estados-Membros em questão. Nos termos dos compromissos, nomeadamente do ponto 1, alínea c), último parágrafo, estes contratos de licença podem ser celebrados com um ou mais licenciados.

172.
    Com vista à apreciação da crítica da recorrente, há que sublinhar novamente que é pacífico entre as partes que os produtos em causa se integram em mercados nacionais distintos. Por outro lado, sendo as licenças previstas pelos compromissos exclusivas, será designado apenas um licenciado da marca Moulinex em cada um dos Estados-Membros em questão. Nos termos do ponto 1, alínea c), último parágrafo, cada um dos licenciados deve, aliás, obrigar-se a só comercializar os produtos com a marca Moulinex no ou nos territórios que lhe tenham sido concedidos e aos quais os produtos se destinam. Por conseguinte, há que constatar que os licenciados da marca Moulinex não estarão, em princípio, directamente em concorrência uns com os outros.

173.
    Seguidamente, deve recordar-se, como já foi dito atrás, que as importações paralelas dos produtos em causa entre Estados-Membros são marginais. Por conseguinte, as importações paralelas dos produtos da marca Moulinex colocados no mercado por cada um dos licenciados nos seus respectivos territórios exercerão uma concorrência marginal relativamente aos outros licenciados.

174.
    Nestas circunstâncias, a existência de licenciados diferentes consoante os Estados-Membros não pode de modo algum pôr em perigo a viabilidade dos licenciados. De qualquer modo, deve recordar-se que, nos termos do ponto 1, alíneas g) e i), os compromissos prevêem que os licenciados devem apresentar certas qualidades, condição esta cuja observância está sujeita a fiscalização por parte da Comissão.

175.
    Consequentemente, deve concluir-se que a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação. Como tal, a crítica da recorrente deve ser julgada improcedente.

g) Possibilidade de renegociar os compromissos depois da apreciação por parte das autoridades francesas

Argumentos das partes

176.
    A recorrente, apoiada pela De'Longhi, alega que a Comissão cometeu um grave erro de apreciação ao aceitar a reserva contida no ponto 2, alínea g) dos compromissos.

177.
    Segundo a recorrente, esta reserva tem como efeito, no caso de as autoridades francesas proporem uma solução que contrarie ou ultrapasse o necessário para o restabelecimento de uma situação concorrencial normal nos mercados fora da França, que a SEB poderá pedir à Comissão uma revisão dos compromissos subscritos (ou seja, a desvinculação dos mesmos).

178.
    A recorrente alega que essa reserva cria uma possibilidade muito realista de as autoridades francesas, ao aceitarem outros compromissos que não os aceites pela Comissão, reduzirem a zero as soluções impostas pela Comissão ou darem à SEB a possibilidade de renegociar os compromissos assumidos perante a Comissão.

179.
    A recorrente considera que a mera existência de tal risco afecta seriamente a estabilidade das condições de que a Comissão fez depender a aprovação da aquisição nos Estados-Membros que não a França. Além disso, esta reserva retira todo o interesse comercial às licenças a conceder pela SEB para os outros Estados-Membros, devido à incerteza dos compromissos propostos pela SEB à Comissão.

180.
    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela SEB, conclui pedindo que a argumentação da recorrente quanto a este aspecto seja julgada improcedente.

Apreciação do Tribunal

181.
    Recorde-se que, nos termos do ponto 2, alínea g), dos compromissos, se prevê que:

«Se a aprovação da presente operação por outra autoridade de concorrência for submetida a compromissos que entrem em contradição com os presentes compromissos ou levem a uma situação que exceda o que é necessário para a reposição de uma situação concorrencial em cada um dos mercados em causa, o grupo SEB poderá então pedir à Comissão uma revisão dos presentes compromissos no sentido de eliminar essas contradições ou de liberar o grupo SEB, no todo ou em parte, das condições e obrigações contidas nos presentes compromissos que deixem de ser necessárias.»

182.
    Em resposta a uma questão escrita do Tribunal quanto a este aspecto, a Comissão precisou que o objectivo desta disposição era evitar uma situação em que as partes na concentração se veriam obrigadas a propor compromissos às autoridades francesas da concorrência, às quais a Comissão remeteu o exame dos efeitos da concentração nos mercados em causa em França, cujo conteúdo fosse desproporcionado ao objectivo de restabelecer uma concorrência efectiva. Assim, explicou a Comissão nas suas respostas, os compromissos impostos pelas autoridades francesas da concorrência «entrariam em contradição» com os compromissos aceites pela Comissão, por exemplo, se previssem a obrigação da SEB de ceder unidades de produção. Em tal caso, a SEB deixaria, de facto, de poder celebrar, a pedido dos licenciados, um contrato de fornecimento de todos ou parte dos produtos em causa, tal como se prevê no ponto 1, alínea d), primeiro parágrafo, dos compromissos.

183.
    Deve reconhecer-se que, como a recorrente alega, o ponto 2, alínea g), dos compromissos (a seguir «cláusula de renegociação») é susceptível de afectar os compromissos aceites na decisão de aprovação. Com efeito, tal como resulta do exemplo dado pela Comissão para ilustrar a hipótese em que os compromissos «entrariam em contradição», a aplicação dessa cláusula pode levar a Comissão a rever os compromissos aceites na decisão de aprovação, no sentido de tomar em conta o resultado do processo perante as autoridades francesas da concorrência. Assim, no caso que a Comissão cita como exemplo, esta poderia, em aplicação da referida cláusula, revogar a obrigação da SEB, prevista no ponto 1, alínea d), primeiro parágrafo, dos compromissos, de fornecimento dos licenciados, a pedido destes.

184.
    Há, assim, que concluir que a eficácia dos compromissos aceites na decisão de aprovação é susceptível de ser duplamente afectada pela cláusula de renegociação. Por um lado, esta cláusula é susceptível de levar a uma revisão posterior dos referidos compromissos, afectando assim os direitos adquiridos dos licenciados com base nos compromissos aceites na decisão de aprovação. Por outro lado, pelo simples facto de prever uma possibilidade de revisão posterior dos compromissos, a cláusula de renegociação é susceptível de dissuadir os operadores de pedir uma licença da marca Moulinex.

185.
    As críticas e os argumentos da recorrente devem ser examinadas tendo em conta esta dupla perspectiva.

186.
    Em primeiro lugar, quanto ao facto de, através desta crítica, a recorrente censurar a Comissão por ter aceite a dita cláusula de renegociação que é susceptível de implicar a revisão dos compromissos previstos pela decisão de aprovação, deve recordar-se que as autoridades francesas da concorrência, por decisão de 8 de Julho de 2002 sobre o processo remetido, aprovaram a concentração em causa sem impor compromissos.

187.
    Nestas circunstâncias, há que constatar que, como a Comissão observa, com razão, nas suas respostas às questões escritas do Tribunal, a SEB não poderá invocar a aplicação do ponto 2, alínea g), dos compromissos, uma vez que este exige, para a sua aplicação, que a aprovação pelas autoridades francesas da concorrência seja submetida a compromissos.

188.
    Consequentemente, tendo a crítica da recorrente deixado de ter objecto no momento em que o Tribunal é chamado a decidir, não há que decidir sobre a mesma.

189.
    De qualquer modo, ainda que as autoridades francesas da concorrência tivessem aprovado a concentração impondo compromissos, deve observar-se que, uma vez que a revisão dos compromissos aceites na decisão de aprovação exige, nos termos do ponto 2, alínea g), dos compromissos, um pedido prévio da SEB, a situação jurídica da recorrente não teria sido afectada na fase do presente recurso, pelo que a crítica seria inadmissível.

190.
    Com efeito, só na hipótese de a SEB ter apresentado um pedido de renegociação, na sequência do qual a Comissão tivesse revisto os compromissos previstos na decisão de aprovação, é que a situação jurídica da recorrente teria sido afectada. Nesse caso, teria incumbido à recorrente apresentar, eventualmente, um recurso de anulação perante o Tribunal. Deve sublinhar-se, a este respeito, que esse recurso incidiria não sobre o ponto 2, alínea g), dos compromissos, mas sim sobre a nova decisão adoptada pela Comissão no sentido de alterar os compromissos previstos na decisão de aprovação.

191.
    Em segundo lugar, quanto ao facto de, através desta crítica, a recorrente acusar a Comissão de ter aceite a cláusula de renegociação, na medida em que esta, pelo simples facto de estar prevista na decisão de aprovação, é susceptível de dissuadir os operadores de pedir uma licença, há que examinar a natureza e os efeitos da referida cláusula sobre esses operadores no momento da adopção da decisão de aprovação.

192.
    Observe-se, a este respeito, que, no momento da adopção da decisão de aprovação, a afectação, pela cláusula de renegociação, da situação jurídica dos potenciais requerentes de uma licença da marca Moulinex, consistia no facto de existir, nesse momento, uma incerteza quanto ao resultado do processo perante as autoridades francesas da concorrência.

193.
    Esta incerteza estava, todavia, destinada a ser dissipada pela adopção da decisão das autoridades francesas da concorrência. Nestas circunstâncias, verifica-se, portanto, que a cláusula de renegociação não tinha como efeito impedir mas, quando muito, atrasar a celebração dos contratos de licença da marca Moulinex até ao momento em que os operadores nela interessados pudessem tomar conhecimento do resultado do processo em França.

194.
    Ora, deve observar-se que o atraso que afecta a celebração dos contratos de licença não era ilimitado. Com efeito, nos termos do artigo 9.°, n.° 6, do Regulamento n.° 4064/89, a publicação dos relatórios ou o anúncio das conclusões do exame da operação em causa pelas autoridades competentes do Estado-Membro em causa deve ter lugar, o mais tardar, quatro meses após a remessa pela Comissão. Acresce que, nos termos do ponto 1, alínea h), dos compromissos, a celebração de contratos de licença pela SEB está sujeita à observância de certos prazos, os quais podem ser prolongados, em circunstâncias excepcionais. Na audiência, as partes informaram o Tribunal de que tal prolongamento tinha precisamente sido concedido no sentido de permitir aos candidatos à concessão de uma licença tomar conhecimento do resultado do processo perante as autoridades francesas da concorrência. Por fim, nos termos do ponto 2, alínea e), iv), caso a SEB não celebre os contratos de licença dentro dos prazos previstos pelo ponto 1, alínea h), será substituída, no exercício dessa missão, por um mandatário.

195.
    Por conseguinte, o ponto 2, alínea g), dos compromissos não era susceptível de afectar a eficácia dos compromissos no momento da adopção da decisão. A crítica da recorrente quanto a este aspecto é, portanto, infundada.

h) Quanto à inexistência de licenças em Itália, em Espanha e na Finlândia

Argumentos das partes

196.
    A De'Longhi alegou na audiência que os compromissos não permitiam dissipar as dúvidas sérias quanto à compatibilidade da concentração em certos mercados em causa em Itália, em Espanha e na Finlândia.

197.
    Assim, no que respeita aos mercados em causa em Itália, a De'Longhi observa que, nos termos da decisão de aprovação, a nova entidade terá quotas de mercado superiores a 40% em três mercados de produtos em causa, a saber, o dos robots de cozinha, o das refeições informais e o dos jarros eléctricos. Ora, a De'Longhi observa que a Comissão não impôs nenhum compromisso neste Estado-Membro. Com efeito, depois de ter entendido, no considerando 121 da decisão, que a concentração teria um efeito reduzido sobre a concorrência no mercado dos robots de cozinha, estando a nova entidade sujeita à concorrência, nomeadamente, da Braun (de 10% a 20%), da Philips (de 0% a 10%) e da De'Longhi (de 0% a 10%), a Comissão concluiu, no considerando 123, que a concentração não levantava dúvidas sérias nos mercados dos jarros eléctricos e das refeições informais, porquanto, na medida em que cada um destes mercados representava apenas cerca de 0% a 5% do valor da totalidade da família «cozinha» dos pequenos electrodomésticos, os clientes revendedores teriam a possibilidade de punir qualquer tentativa de comportamento anticoncorrencial nestes mercados através de menores compras dos produtos da SEB/Moulinex nos outros mercados em que a entidade combinada realiza 90% a 100% do seu volume de negócios. Segundo a Comissão, esta possibilidade retira a rentabilidade a qualquer aumento de preço por parte das partes nos dois mercados em causa.

198.
    A De'Longhi indica que é seguido um raciocínio idêntico no que respeita aos mercados em causa em Espanha (considerandos 115 a 117) e na Finlândia (considerandos 118 a 120).

199.
    Segundo a De'Longhi, tal raciocínio não assenta em qualquer fundamento. Considera, pelo contrário, que, em vez de adoptarem medidas de retorsão, os revendedores activos no domínio da grande distribuição preferirão cooperar com a SEB no sentido de expulsar desta forma de distribuição os fornecedores concorrentes da SEB que não possam oferecer as mesmas condições de fornecimento que esta última.

200.
    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela SEB, conclui pedindo que a argumentação da De'Longhi seja julgada improcedente.

Apreciação do Tribunal

201.
    Recorde-se que resulta da resposta da recorrente a uma questão escrita do Tribunal no sentido de pedir à recorrente para especificar a sua crítica assente na falta de compromissos em certos Estados-Membros que, com esta crítica, não contestava a análise dos mercados em causa em Itália, em Espanha e na Finlândia mas apenas o facto de a Comissão não ter examinado as interacções entre os diferentes mercados nacionais.

202.
    Ora, com a argumentação atrás exposta, a De'Longhi visa, precisamente, contestar a análise efectuada pela Comissão no que respeita aos mercados em causa em Itália, em Espanha e na Finlândia.

203.
    Há que constatar que, deste modo, a De'Longhi altera o quadro do litígio, tal como é definido na petição. Ora, se os artigos 37.°, terceiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça e 116.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, não impedem que a interveniente apresente novos argumentos ou argumentos diferentes dos da parte que apoia, sob pena de a sua intervenção se limitar a repetir os argumentos invocados na petição, não se pode admitir que estas disposições lhe permitam alterar ou deformar o quadro do litígio definido pela petição, invocando novos fundamentos (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 1961, De Gezamenlijke Steenkolenmijnen in Limburg/Alta Autoridade, 30/59, Colect. 1954-1961, p. 551; de 24 de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C-313/90, Colect., p. I-1125, n.° 22; e de 8 de Julho de 1999, Chemie Linz/Comissão, C-245/92 P, Colect., p. I-4643, n.° 32; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Junho de 1995, Siemens/Comissão, T-459/93, Colect., p. II-1675, n.° 21; de 25 de Junho de 1998, British Airways e o./Comissão, T-371/94 e T-394/94, Colect., p. II-2405, n.° 75; de 1 de Dezembro de 1999, Boehringer/Conselho e Comissão, T-125/96 e T-152/96, Colect., p. II-3427, n.° 183; e de 28 de Fevereiro de 2002, Atlantic Container Line e o./Comissão, T-395/94, Colect., p. II-875, n.° 382).

204.
    Assim, há que considerar que, devendo os intervenientes, por força do artigo 116.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, aceitar o processo no estado em que este se encontra no momento da sua intervenção e não podendo as conclusões do seu pedido de intervenção, por força do artigo 37.°, quarto parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, ter outro objecto senão o apoio das conclusões de uma das partes principais, a De'Longhi, como interveniente, não tem legitimidade para invocar o presente fundamento assente na inexistência de licenças em Itália, em Espanha e na Finlândia. Por conseguinte, o presente fundamento invocado pela interveniente deve ser julgado inadmissível.

205.
    Por outro lado, deve referir-se que, se o Tribunal examinasse este fundamento e, eventualmente, o julgasse procedente, poderia daí resultar uma violação do direito de defesa na fase do processo jurisdicional. Com efeito, uma vez que, no âmbito da presente tramitação acelerada, com base no artigo 76.°-A do Regulamento de Processo, esse fundamento não foi, nos termos do n.° 2 dessa disposição, objecto de alegações, na acepção do artigo 116.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, e que foi apresentado, necessária e indiscutivelmente, pela primeira vez na audiência perante o Tribunal, é susceptível de afectar o direito da Comissão de, nos termos do princípio do contraditório, tomar utilmente posição sobre este aspecto (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2002, Plant e o./Comissão e South Wales Small Mines, C-480/99 P, Colect., p. I-277, n.os 24 e 33, e de 14 de Maio de 1998, Conselho/De Nil e Impens, C-259/96 P, Colect., p. I-2915, n.° 31).

206.
    Como tal, o presente fundamento deve ser julgado improcedente.

i) Quanto à repartição do mercado relativamente à marca Moulinex

Argumentos das partes

207.
    Na audiência, a De'Longhi alegou, pela primeira vez, que os compromissos aceites na decisão de aprovação levam a uma repartição de mercado da marca Moulinex. Salienta que esta repartição do mercado é reforçada pelo ponto 1, alínea c), último parágrafo, dos compromissos, o qual proíbe os licenciados de exportar os produtos que comercializam sob a marca Moulinex para os territórios dos outros licenciados e para os da SEB.

208.
    Segundo a De'Longhi, tal repartição de mercado não é abrangida pelo Regulamento (CE) n.° 240/96 da Comissão, de 31 de Janeiro de 1996, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo [81.°] do Tratado a certas categorias de acordos de transferência de tecnologia (JO L 31, p. 2) e, consequentemente, é proibida pelo artigo 81.°, n.° 1.

209.
    Tendo a De'Longhi chamado a atenção da Comissão para esta problemática durante o procedimento administrativo, considera que a Comissão devia ter verificado se os compromissos não levantavam dúvidas sérias a este respeito.

210.
    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela SEB, conclui pedindo que a argumentação da De'Longhi seja julgada improcedente.

Apreciação do Tribunal

211.
    Há que observar que, ao sustentar que os compromissos operam uma repartição do mercado da Moulinex, a De'Longhi invoca um fundamento que não foi invocado pela recorrente.

212.
    Ora, se os artigos 37.°, terceiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça e 116.°, n.° 3, do Regulamento de Processo não impedem que um interveniente apresente novos argumentos ou argumentos diferentes dos da parte que apoia, sob pena de a sua intervenção se limitar a repetir os argumentos invocados na petição, não se pode admitir que estas disposições lhe permitam alterar ou deformar o quadro do litígio definido pela petição, invocando novos fundamentos (v., neste sentido, acórdãos De Gezamenlijke Steenkolenmijnen in Limburg/Alta Autoridade, CIRFS e o./Comissão, n.° 22, Chemie Linz/Comissão, n.° 32, Siemens/Comissão, n.° 21, British Airways e o./Comissão, n.° 75, Boehringer/Conselho e Comissão, n.° 183, e Atlantic Container Line e o./Comissão, n.° 382, já referidos).

213.
    Como tal, há que considerar que, devendo os intervenientes, por força do artigo 116.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, aceitar o processo no estado em que este se encontra no momento da sua intervenção e não podendo as conclusões do seu pedido de intervenção, por força do artigo 37.°, quarto parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, ter outro objecto senão o apoio das conclusões de uma das partes principais, a De'Longhi, como interveniente, não tem legitimidade para invocar o presente fundamento assente na repartição de mercado operada pelos compromissos. Consequentemente, o presente fundamento invocado pela interveniente deve ser julgado inadmissível.

214.
    De qualquer modo, mesmo que fosse admissível, o fundamento invocado pela interveniente seria improcedente.

215.
    Resulta do artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, que, quando a Comissão aprecia, no âmbito do seu exame da compatibilidade de uma operação com o mercado comum, se uma operação de concentração cria ou reforça uma posição dominante, na acepção do n.° 2 desta disposição, deve «[ter em conta] a necessidade de preservar e desenvolver uma concorrência efectiva no mercado comum, atendendo, nomeadamente, à estrutura de todos os mercados em causa e à concorrência real ou potencial de empresas situadas no interior ou no exterior da Comunidade».

216.
    É verdade, consequentemente, como a De'Longhi alegou, que, no âmbito do procedimento de aplicação do Regulamento n.° 4064/89, a Comissão não pode aceitar compromissos que sejam contrários às regras da concorrência instituídas pelo Tratado, por afectarem a preservação ou o desenvolvimento de uma concorrência efectiva no mercado comum. Neste contexto, a Comissão deve apreciar a compatibilidade destes compromissos, nomeadamente, à luz dos critérios do artigo 81.°, n.os 1 e 3, CE (que, por referência ao artigo 83.° CE, constitui uma das bases jurídicas do Regulamento n.° 4064/89) (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Novembro de 2002, Lagardère/Comissão, T-251/00, Colect., p. II-4825, n.° 85).

217.
    Todavia, no caso em apreço, há que recordar, em primeiro lugar, que, nos termos do ponto 1, alínea c), último parágrafo, dos compromissos, se prevê que «o ou os licenciados se obrigam a só comercializar os produtos com a marca Moulinex no ou nos territórios que lhe tenham sido concedidos e aos quais os produtos se destinam». Ao contrário do que a De'Longhi sustenta, não resulta dos termos desta cláusula que os compromissos imponham explicitamente uma proibição de exportação aos licenciados da marca Moulinex para os outros Estados-Membros. Esta cláusula pode, com efeito, ser interpretada no sentido de que se limita a obrigar os licenciados a comercializar os produtos com a marca Moulinex no território que lhes foi concedido. Ora, uma cláusula que obriga um licenciado a concentrar a venda dos produtos abrangidos pela licença no seu território não tem, em princípio, por objectivo ou por efeito restringir a concorrência, na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE.

218.
    Em segundo lugar, há que constatar que, mesmo que a cláusula em litígio devesse ser interpretada, como a recorrente sustenta, no sentido de que proíbe aos licenciados exportar os produtos com a marca Moulinex para outros Estados-Membros, a De'Longhi não provou que esta cláusula fosse contrária, no caso em apreço, ao artigo 81.°, n.° 1, CE. Com efeito, a De'Longhi não explica de que modo, considerando a dimensão geográfica nacional dos mercados de produtos em causa e a inexistência de importações paralelas significativas entre Estados-Membros, a cláusula em litígio seria susceptível de restringir de modo considerável a concorrência no mercado em causa na Comunidade ou de afectar de modo significativo o comércio entre os Estados-Membros, na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE. Ora, segundo jurisprudência constante, mesmo um acordo que contém uma protecção territorial absoluta escapa à proibição do artigo 81.°, n.° 1, CE, quando só afecta o mercado de modo insignificante (acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 1998, Javico, C-306/96, Colect., p. I-1983, n.° 17; de 7 de Junho de 1983, Musique diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 85; e de 9 de Julho de 1969, Völk/Vervaeke, 5/69, Colect. 1969-1970, p. 95, n.° 7).

219.
    Além disso, a De'Longhi não demonstra que um licenciado da marca Moulinex que não fosse protegido contra a concorrência, pelo menos activa, por parte de outros licenciados para o espaço territorial que lhe foi concedido poderia ser levado a aceitar o risco da comercialização dos produtos com a referida marca em «co-branding» com a sua própria marca. Deve recordar-se a este respeito que o objectivo dos compromissos é permitir aos licenciados, no decurso de um período transitório durante o qual terão o direito de utilizar a sua própria marca associada à marca Moulinex, assegurar a passagem da marca Moulinex para as marcas próprias dos licenciados, para que estes possam exercer uma concorrência efectiva sobre a marca Moulinex depois desse período transitório, quando a SEB tiver novamente o direito de utilizar a marca Moulinex nos nove Estados-Membros em questão. Ora, há que admitir que, em tal contexto, a inexistência de qualquer protecção dos licenciados contra a concorrência, pelo menos activa, dos outros licenciados poderia ser prejudicial para o reforço das marcas concorrentes da marca Moulinex e poderia, assim, afectar a concorrência no mercado em causa no território da Comunidade. Consequentemente, não se pode considerar que as disposições da cláusula em litígio, quando proíbem as vendas activas, têm necessariamente um carácter restritivo da concorrência, na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 1982, Nungesser e Eisele/Comissão, 258/78, Recueil p. 2015, n.° 57, e de 6 de Outubro de 1982, Coditel e o., 262/81, Recueil p. 3381, n.° 15).

220.
    Decorre destas considerações que a argumentação da De'Longhi assente na repartição de mercado operada pelos compromissos deve ser julgada improcedente.

j) Conclusão quanto ao primeiro fundamento

221.
    Resulta de todas as considerações anteriores que nenhuma das críticas nem dos argumentos suscitados pela recorrente é susceptível de demonstrar que, ao aceitar os compromissos propostos pela SEB no final da fase I, a Comissão tenha cometido um manifesto erro de apreciação.

222.
    Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser integralmente julgado improcedente.

Quanto ao segundo fundamento assente no carácter tardio dos compromissos

a) Argumentos das partes

223.
    A recorrente, apoiada pela De'Longhi, alega que a Comissão não devia ter autorizado a SEB a inserir alterações substanciais à sua proposta de soluções depois da análise do mercado, devendo sim, em vez disso, ter adoptado uma decisão assente no artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 4064/89.

224.
    A recorrente alega que as soluções da fase I só podem sofrer alterações ligeiras depois da análise do mercado, porque estes compromissos «se destinam a proporcionar uma resposta clara a uma preocupação de concorrência facilmente identificável» (n.° 37 da comunicação sobre as soluções). No caso em apreço, os compromissos inicialmente propostos pela SEB na fase I eram, na opinião da recorrente, grave e manifestamente insuficientes.

225.
    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela SEB, conclui pedindo que a argumentação da recorrente quanto a este aspecto seja julgada improcedente.

b) Apreciação do Tribunal

226.
    Deve recordar-se que as partes na concentração propuseram, por três vezes, compromissos à Comissão durante a fase I, a saber, em 5 de Dezembro de 2001, em 18 de Dezembro de 2001 e numa data posterior, não especificada, antes da adopção da decisão de aprovação em 8 de Janeiro de 2002.

227.
    No essencial, o teor de cada um destes compromissos era o seguinte:

-    na versão inicial de 5 de Dezembro de 2001 (a seguir «versão inicial dos compromissos»), os compromissos previam a retirada de todo o EEE e durante dois anos de cinco categorias de produtos da marca Moulinex;

-    na versão alterada de 18 de Dezembro de 2001 (a seguir «versão alterada dos compromissos»), os compromissos previam uma licença exclusiva da marca Moulinex, pelo prazo de três anos, acompanhada de um compromisso de não-entrada sob a marca Moulinex durante mais um ano após o termo da licença para todas as categorias de produtos na Bélgica, na Grécia, nos Países Baixos e em Portugal e para a categoria das fritadeiras na Alemanha, na Áustria, na Dinamarca, na Noruega e na Suécia, bem como uma obrigação de abastecimento a cargo dos licenciados em quatro categorias dos produtos em causa;

-    por fim, na versão final aceite na decisão de aprovação (a seguir «versão final dos compromissos»), os compromissos previam uma licença exclusiva da marca Moulinex com uma duração de cinco anos, acompanhada de um compromisso de não entrada sob a marca Moulinex durante três anos adicionais após o termo da licença, de todas as categorias de pequenos produtos electrodomésticos na Áustria, na Alemanha, na Bélgica, na Dinamarca, na Grécia, na Noruega, nos Países Baixos, em Portugal e na Suécia, bem como uma obrigação de abastecimento a cargo do licenciado na Alemanha, pelo prazo de dois anos numa das categorias de produtos em causa.

228.
    Deve observar-se que, nos termos do artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98:

«Os compromissos propostos à Comissão pelas empresas em causa nos termos do n.° 2 do artigo 6.° do Regulamento [...] n.° 4064/89, que os interessados pretendam que constitua a base de uma decisão ao abrigo do n.° 1, alínea b), do referido artigo, devem ser apresentados à Comissão, o mais tardar, três semanas após a data de recepção da notificação.»

229.
    No caso em apreço, tendo a notificação da operação de concentração sido efectuada em 13 de Novembro de 2001, o prazo para propor compromissos à Comissão durante a fase I terminava, aplicando o método de contagem de prazos definido nos artigos 6.° a 9.° e 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 447/98, em 5 de Dezembro de 2001. Daqui resulta que a versão inicial dos compromissos foi apresentada à Comissão dentro dos prazos previstos pelo artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98.

230.
    É pacífico, todavia, que a versão inicial dos compromissos não é a que veio a ser aceite pela Comissão na decisão de aprovação. Nos termos do considerando 135 da decisão de aprovação, a versão inicial dos compromissos não permitia, com efeito, à Comissão dissipar todas as dúvidas sérias quanto à compatibilidade da concentração com o mercado comum, porque não teria permitido a um operador substituir-se à Moulinex e não respeitava à totalidade dos mercados em que a concentração era susceptível de levantar dúvidas sérias.

231.
    Ora, é pacífico que tanto a versão alterada dos compromissos como a sua versão final foram apresentadas pelas partes na concentração fora do prazo de três semanas previsto pelo artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98. Nestas circunstâncias, há que examinar se a Comissão tinha o direito de aceitar tais compromissos sem violar esta última disposição.

232.
    Para efectuar este exame, há que ter em conta, antes de mais, os termos das disposições aplicáveis dos Regulamentos n.° 4064/89 e n.° 447/98.

233.
    Observe-se que, nos termos do artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98, as partes na concentração devem comunicar à Comissão, num prazo de três semanas, os compromissos que «pretendam que constituam a base» de uma decisão adoptada no termo da fase I.

234.
    De igual modo, nos termos do artigo 10.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89, prevê-se que a fase I é alargada a seis semanas se depois da notificação de uma operação de concentração, as empresas em causa apresentarem compromissos em aplicação do n.° 2 do artigo 6.° do mesmo regulamento «com o objectivo, para as partes, de serem tomados em consideração» numa decisão no termo da fase I.

235.
    Resulta dos termos destas disposições que o prazo de três semanas previsto pelo artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98 é concebido como um prazo vinculativo para as partes na concentração, no sentido de que, se estas apresentarem compromissos fora desse prazo, a Comissão não é obrigada a tomá-los em consideração durante a fase I. Em contrapartida, não resulta dos termos das disposições acima referidas que a Comissão esteja proibida de tomar em consideração esses compromissos tardios.

236.
    Para determinar se o artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98 deve, todavia, ser interpretado neste sentido, há que examinar os termos dessa disposição à luz dos objectivos que prossegue.

237.
    Observe-se, a este respeito, que a referida disposição foi inserida pelo Regulamento n.° 447/98, que revogou o Regulamento (CE) n.° 3384/94 da Comissão, de 21 de Dezembro de 1994, relativo às notificações, prazos e audições previstos no Regulamento n.° 4064/89 (JO L 377, p. 1), na sequência da adopção do Regulamento n.° 1310/97. Este último introduziu no Regulamento n.° 4064/89 um quadro regulamentar para a proposta de compromissos no decurso da fase I. Nos termos do considerando 16 do Regulamento n.° 447/98, a Comissão indica que os prazos para a apresentação dos compromissos previstos pelo dito regulamento são necessários para «permitir à Comissão efectuar uma apreciação adequada dos compromissos destinados a tornar a operação de concentração compatível com o mercado comum e assegurar uma consulta apropriada dos outros interessados directos, de terceiros e das autoridades dos Estados-Membros».

238.
    Resulta, assim, deste considerando que, através da introdução do prazo previsto pelo artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98, a Comissão pretendeu assegurar-se de que disporia do tempo necessário para avaliar os compromissos e consultar os terceiros. Ora, se a prossecução deste objectivo exige necessariamente que o prazo previsto pela referida disposição seja vinculativo para as partes na concentração, para que estas fiquem privadas da possibilidade de apresentar compromissos antes do termo da fase I, num prazo que não permita à Comissão dispor do tempo necessário para os avaliar e para consultar os terceiros, não exige de modo algum, em contrapartida, que seja também vinculativo para a Comissão, podendo esta perfeitamente considerar que, tendo em conta as circunstâncias do caso, um prazo mais curto é suficiente para proceder a essas avaliações e consultas.

239.
    Daqui decorre que o artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98 deve ser entendido no sentido de que, se as partes numa concentração não podem obrigar a Comissão a ter em conta compromissos e alterações dos mesmos apresentados depois do prazo de três semanas, a Comissão, em contrapartida, se considerar ter tempo suficiente para os examinar, deve poder autorizar a concentração tendo em conta esses compromissos, ainda que se verifiquem alterações depois do prazo de três semanas.

240.
    Resulta, assim, do acima exposto que a Comissão tinha o direito de aceitar a versão alterada dos compromissos e a sua versão final fora do prazo de três semanas previsto pelo artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98, uma vez que este prazo não é vinculativo para a Comissão.

241.
    De qualquer modo, há que constatar que, contrariamente ao que a recorrente alega, ao aceitar esses compromissos a Comissão respeitou os princípios que expôs nessa matéria na comunicação sobre as soluções.

242.
    Deve sublinhar-se, liminarmente, que, ao contrário do que a Comissão sugere na sua contestação, essa comunicação não é desprovida de obrigações jurídicas vinculativas. Com efeito, a Comissão tem de respeitar as comunicações que adopta em matéria de controlo das concentrações na medida em que não se afastem das normas do Tratado e do Regulamento n.° 4064/89 (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Junho de 2002, Países Baixos/Comissão, C-382/99, Colect., p. I-5163, n.° 24, e de 26 de Setembro de 2002, Espanha/Comissão, C-351/98, Colect., p. I-8031, n.° 53). Por outro lado, a Comissão não se pode afastar das regras que se impôs (v., nomeadamente, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991, Hercules Chemicals/Comissão, T-7/89, Colect., p. II-1711, n.° 53).

243.
    Ora, nos termos da comunicação sobre as soluções, a Comissão indicou que:

«37    Se a apreciação revelar que os compromissos propostos não são suficientes para dissipar as preocupações de concorrência suscitadas pela concentração, as partes serão informadas desse facto. Dado que as soluções propostas na fase I se destinam a proporcionar uma resposta clara a uma preocupação de concorrência facilmente identificável, só podem ser aceites pequenas alterações aos compromissos propostos. Tais alterações, apresentadas como uma resposta imediata ao resultado das consultas, incluem clarificações, precisões e/ou outras melhorias que assegurarão que os compromissos são viáveis e efectivos.»

244.
    No caso em apreço, no que respeita às alterações introduzidas pela versão final dos compromissos na versão alterada, é manifesto, e não contestado pela recorrente, que constituem pequenas alterações, na acepção do ponto 37 da comunicação sobre as soluções. Relativamente à versão anterior, a versão final dos compromissos limita-se, com efeito, a prolongar a duração da licença exclusiva e da posterior obrigação de não-entrada, a alargar a mais cinco Estados-Membros o princípio adoptado para os quatro primeiros, segundo o qual a licença abrangerá todos os pequenos produtos electrodomésticos e, por fim, a reduzir o alcance da obrigação de abastecimento. Respeitando estas alterações apenas ao campo de aplicação, em termos de tempo, de produtos e de geografia, de obrigações previstas na versão alterada dos compromissos, podem ser consideradas pequenas alterações destinadas a melhorar ou a precisar a versão alterada dos compromissos, na acepção do ponto 37 da comunicação sobre as soluções.

245.
    No que respeita às alterações introduzidas pela versão alterada na versão inicial dos compromissos, que consistiam em transformar uma obrigação de retirada da marca Moulinex numa obrigação de concessão de uma licença exclusiva da referida marca, há que constatar que, tal como a retirada da marca, a concessão de uma licença exclusiva tem como efeito privar o titular da marca Moulinex, a SEB, neste caso, do direito de utilizar essa marca nos territórios em questão. Nesta medida, o facto de a concessão de uma licença exclusiva permitir, além disso, a terceiros utilizar a marca pode considerar-se uma «melhoria» relativamente à mera retirada.

246.
    Por outro lado, no caso em apreço, a versão alterada dos compromissos previa, no ponto 1, n.° 1, alínea b), primeiro parágrafo, e no ponto 1, n.° 2, alínea b), primeiro parágrafo, que a SEB se absteria de utilizar a marca Moulinex durante um prazo de um ano após o termo dos contratos de licença. Além disso, previa-se, no ponto 1, n.° 1, alínea a), segundo parágrafo, e no ponto 1, n.° 2, alínea a), terceiro parágrafo, que os licenciados poderiam deixar de utilizar a marca Moulinex em qualquer momento durante o prazo da licença, que era de três anos, para passarem definitivamente para a sua própria marca. Em aplicação destas disposições, a marca Moulinex teria sido retirada do mercado durante um período de, pelo menos, um ano e, pelo menos teoricamente, de um máximo de quatro anos. Na sequência da adopção da versão final dos compromissos, o prazo da licença foi alargado para cinco anos e a obrigação da SEB de não utilizar a marca Moulinex após o termo do contrato de licença foi elevada para três anos, pelo que a marca Moulinex será retirada do mercado durante um período de, pelo menos em teoria, um máximo de oito anos. Daqui resulta que, ao contrário do que a recorrente sustenta, a versão alterada e a versão final dos compromissos não se limitaram a substituir a retirada da marca Moulinex prevista na versão inicial pela concessão de licenças da dita marca, tendo sim reforçado esta retirada, obrigando a SEB a conceder uma licença. Também por esta razão, a versão alterada e a versão final dos compromissos apresentam-se como uma «melhoria» relativamente à versão inicial dos mesmos.

247.
    Além disso, ainda que os terceiros não tivessem, ao que parece, sido explicitamente consultados quanto à versão inicial dos compromissos, esta melhoria pode ser considerada «uma resposta imediata ao resultado das consultas» de terceiros destinada a tornar os compromissos «viáveis e efectivos». Com efeito, em resposta à questão 25 do questionário enviado aos concorrentes, a própria recorrente sublinhou que, «para assegurar uma posição sustentável em cada mercado nacional em causa, há dois critérios que têm uma importância fundamental: a fidelidade à marca e o acesso estrutural às diferentes redes de distribuição». Tendo em conta estes elementos de resposta, a Comissão podia deduzir logicamente da consulta dos terceiros que uma licença da marca Moulinex constituía uma resposta imediata aos problemas por eles identificados, uma vez que, ao contrário da mera retirada da marca, tal licença permite que um operador que disponha de uma marca notória e tenha acesso aos canais de distribuição se substitua à Moulinex.

248.
    Resulta, aliás, dos presentes autos que, numa nota datada de 17 de Dezembro de 2001 «sobre os eventuais compromissos da SEB», a De'Longhi indicou explicitamente à Comissão que «como alternativa à cessão, poderia conceber-se uma obrigação, por parte da SEB, de conceder licenças da marca Moulinex a terceiros adquirentes em todos os mercados nacionais em que a operação implique efeitos anticoncorrenciais particularmente sérios». Ainda que, como alegou na audiência, a De'Longhi tenha reformulado esta tomada de posição na sua resposta ao questionário sobre os compromissos, datada de 3 de Janeiro de 2002, não deixa de ser verdade que esta constitui um indício susceptível de confirmar que a Comissão podia considerar que um compromisso de licença constituía uma resposta imediata às consultas dos terceiros, uma vez que a própria De'Longhi preconizou esta opção antes de a mesma ser proposta pela SEB.

249.
    Por todas estas razões, a versão alterada dos compromissos e a sua versão final podem ser consideradas pequenas alterações que, nos termos do ponto 37 da comunicação sobre as soluções, podem ser aceites pela Comissão fora do prazo previsto pelo artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98.

250.
    Por conseguinte, o segundo fundamento deve ser julgado integralmente improcedente.

Conclusão sobre o recurso na parte em que visa a anulação da decisão de aprovação

251.
    Resulta de todas as considerações anteriores que deve ser negado provimento ao recurso da recorrente na parte em que visa a anulação da decisão de aprovação, por ser improcedente.

2. Quanto ao recurso na parte em que visa a anulação da decisão de remessa

252.
    Tendo a admissibilidade do recurso, na parte em que visa a anulação da decisão de remessa, sido contestada pela Comissão, há que examinar, antes de mais, se a recorrente tem legitimidade para contestar a referida decisão.

Quanto à admissibilidade

253.
    A Comissão suscita a questão prévia da admissibilidade do recurso por dois motivos. Em primeiro lugar, alega que a decisão de remessa não diz directa e individualmente respeito à recorrente. Em segundo lugar, sustenta que a petição, na parte em que visa a anulação da decisão de remessa, não respeita as exigências de forma do Regulamento de Processo.

a) Quanto ao facto de a decisão dizer directa e individualmente respeito à recorrente

Argumentos das partes

254.
    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela SEB, alega, nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo, que o recurso é totalmente inadmissível na parte em que respeita à decisão de remessa, que não é dirigida à Philips e que não diz directa e individualmente respeito a esta empresa.

255.
    A Comissão sublinha que a decisão de remessa só é dirigida à República Francesa pelo que, não sendo destinatária desta decisão, a Philips deve provar que ela lhe diz directa e individualmente respeito, em conformidade com o artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

256.
    A Comissão considera que uma decisão de remessa adoptada nos termos do artigo 9.° constitui uma «decisão» na acepção do artigo 230.° CE. Excede as medidas de natureza meramente preparatória num procedimento administrativo, porquanto transfere definitivamente a responsabilidade da avaliação dos aspectos da concentração notificada, que são objecto da remessa, da Comissão para as autoridades do Estado-Membro em questão.

257.
    Todavia, a Comissão alega que, ao contrário de uma decisão tomada nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89 (v., por exemplo, os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Março de 1999, Assicurazioni Generali e Unicredito/Comissão, T-87/96, Colect., p. II-203, e de 19 de Maio de 1994, Air France/Comissão, T-2/93, Colect., p. II-323), uma decisão adoptada com base no artigo 9.° do mesmo regulamento, como a decisão de remessa, não tem efeitos sobre a situação jurídica de terceiros como a Philips. Na opinião da Comissão, uma decisão deste tipo tem efeitos sobre a situação jurídica do Estado-Membro ao qual a concentração é remetida. A Comissão não apresenta observações quanto à questão de saber se a decisão pode ter efeitos sobre a situação jurídica das partes notificantes.

258.
    Em primeiro lugar, a Comissão sublinha que, no âmbito de uma decisão adoptada nos termos do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89, os aspectos da operação remetida devem obrigatoriamente ser objecto de um exame por parte das autoridades nacionais. Explica, a este respeito, que uma decisão deste tipo só pode ser tomada nas circunstâncias referidas no artigo 9.°, n.° 2, alíneas a) e b), que pressupõem que existe efectivamente uma questão de concorrência para cujo tratamento as autoridades nacionais em questão estão bem colocadas. A Comissão acrescenta que a remessa é feita «com vista à aplicação da respectiva legislação nacional sobre concorrência» [artigo 9.°, n.° 3, alínea b)], e que o artigo 9.°, n.° 8, prevê que «o Estado-Membro em causa só pode tomar as medidas estritamente necessárias para preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva no mercado em causa». Segundo a Comissão, daí decorre que a questão de concorrência apresentada no pedido de remessa deve ser examinada e não prejudica nem predetermina de modo algum o resultado do processo nacional de apreciação.

259.
    Em segundo lugar, a Comissão sublinha que os terceiros não desempenham qualquer papel no procedimento do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89, o qual é exclusivamente bilateral entre a Comissão e o Estado-Membro requerente. Na sua opinião, tal constitui um forte indício de que o legislador pretendia que tais decisões não tivessem efeitos sobre a situação jurídica dos terceiros, pois, caso contrário, ter-se-ia provavelmente previsto que lhes fosse pedido para apresentarem observações.

260.
    Por outro lado, a Comissão afirma que a situação jurídica da Philips só será afectada pela decisão final tomada pelas autoridades francesas. Na sua opinião, a avaliação dos efeitos da operação no mercado francês está, assim, completamente em aberto e qualquer acção da Philips quanto à situação neste mercado é, portanto, prematura e, segundo a Comissão, mal orientada. Acrescenta que a Philips disporá das possibilidades oferecidas pelo direito francês de contestar a posição adoptada pelas autoridades francesas em caso de desacordo.

261.
    Por conseguinte, a Comissão rejeita todos os argumentos invocados pela recorrente em apoio da admissibilidade do seu recurso.

262.
    No que respeita à participação activa da Philips no tratamento do caso, a Comissão recorda que os terceiros não desempenham qualquer papel no procedimento comunitário que leva à decisão de remessa. O facto de a Philips ter exortado a Comissão a não aceitar o pedido das autoridades francesas não altera a situação. Na medida em que a Philips se refere à sua participação no procedimento conduzido pelas autoridades francesas, a Comissão entende que tal facto pode ser pertinente para uma eventual acção que a empresa queira intentar em França contra esse procedimento, mas não tem qualquer interesse no âmbito de um recurso interposto de uma decisão adoptada por outra autoridade, a saber, a Comissão.

263.
    No que respeita ao facto de a Comissão ter avaliado a situação em matéria de concorrência tendo particularmente em conta a situação da Philips como principal concorrente das partes na concentração, a Comissão sublinha que a Philips associa expressamente este argumento à decisão de aprovação. A Comissão retira daí a conclusão que a Philips não tem a intenção de o invocar no que respeita à admissibilidade do recurso interposto contra a decisão de remessa. A Comissão considera que a Philips tem manifestamente razão em não se basear nos termos da decisão de aprovação em relação a um mercado cuja análise a Comissão confiou a outra autoridade.

264.
    No que respeita ao facto de a Philips ter sido um dos candidatos malogrados a certas actividades da Moulinex e de a sua situação no mercado ser sensivelmente afectada pela decisão do ministro francês e pelas condições impostas pela Comissão com base no artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, a Comissão alega novamente que, na medida em que estes argumentos se referem à decisão a tomar pelas autoridades francesas, podem ser pertinentes no âmbito de qualquer acção que seja empreendida pela Philips contra essa decisão. Em contrapartida, a Comissão sublinha que a decisão de remessa não teve qualquer efeito sobre a situação da Philips no mercado francês.

265.
    Por todas estas razões, a Comissão conclui que o recurso deve ser julgado inadmissível na parte em que visa a decisão de remessa. A Comissão pede ao Tribunal para decidir especificamente quanto à admissibilidade deste aspecto do processo, que constitui o seu fundamento principal no que respeita à decisão de remessa e que é uma questão de importância considerável para a Comissão, dado que contestações como as da Philips poderiam, se fossem julgadas admissíveis, afectar seriamente o rápido e eficaz tratamento dos processos no âmbito deste regulamento.

266.
    A recorrente, apoiada pela De'Longhi, considera que a decisão de remessa lhe diz directa e individualmente respeito e que, por conseguinte, o seu recurso, na parte em que visa a anulação da decisão de remessa, é admissível.

Apreciação do Tribunal

267.
    Através da questão prévia de admissibilidade, a Comissão não contesta que a decisão de remessa tem o carácter de uma decisão susceptível de recurso de anulação. Em contrapartida, sustenta que o recurso não é admissível por a recorrente não demonstrar que tal decisão lhe diz directa e individualmente respeito.

268.
    Recorde-se que, nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, «qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito».

269.
    A recorrente não é destinatária de decisão de remessa, que é dirigida pela Comissão ao Estado-Membro que apresentou um pedido de remessa em aplicação do artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89. Nestas condições, há que examinar se a referida decisão diz directa e individualmente respeito à recorrente.

- Quanto ao interesse directo

270.
    Nos termos da sua questão prévia de admissibilidade, a Comissão sustenta que a decisão de remessa, se produz efeitos jurídicos para o Estado-Membro em causa, não os produz para os terceiros, porque tal decisão não prejudica de modo algum a decisão final a proferir quanto ao mérito, pelas autoridades francesas da concorrência, sobre os aspectos da concentração que lhe foram remetidos. Só esta decisão será, segundo a tese da Comissão, susceptível de afectar a posição concorrencial da recorrente nos mercados em causa em França.

271.
    A Comissão contesta, assim, através desta tese, que a decisão de remessa diga directamente respeito à recorrente.

272.
    Segundo jurisprudência constante, para que um acto diga directamente respeito a um particular recorrente deve produzir efeitos directos na situação jurídica do particular e a sua aplicação deve revestir um carácter puramente automático e decorrer apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras regras intermediárias (v., nomeadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, Dreyfus/Comissão, C-386/96 P, Colect., p. I-2309, n.° 43, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Novembro de 2001, Mitteldeutsche Erdöl-Raffinerie/Comissão, T-9/98, Colect., p. II-3367, n.° 47).

273.
    É esse o caso, nomeadamente, quando a possibilidade de os destinatários não implementarem o acto é puramente teórica, não existindo quaisquer dúvidas de que pretendem retirar consequências conformes ao referido acto (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1985, Piraiki-Patraiki e o./Comissão, 11/82, Recueil, p. 207, n.os 8 a 10; e Dreyfus/Comissão, já referido, n.° 44).

274.
    Há que verificar, portanto, se a decisão de remessa é susceptível de produzir efeitos jurídicos directos e automáticos para a recorrente ou se, pelo contrário, tais efeitos resultarão da decisão adoptada pelas autoridades francesas da concorrência no processo remetido.

275.
    A este respeito, há que concordar com a Comissão que a decisão de remessa não é susceptível de afectar directamente a posição concorrencial da recorrente nos mercados em causa em França. Com efeito, tendo em conta a decisão de remessa, a Comissão não tomou posição, na decisão de aprovação, sobre a compatibilidade da concentração com o mercado comum no que respeita aos efeitos sobre os mercados em causa em França, tendo remetido o exame desta questão às autoridades francesas da concorrência, que lho pediram em 7 de Dezembro de 2001. Nos termos do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89, estas ficam incumbidas do exame dos efeitos da concentração nos mercados em causa em França, à luz do seu direito nacional da concorrência. As únicas obrigações que são impostas a este respeito pelo Regulamento n.° 4064/89 às autoridades francesas da concorrência são, por um lado, nos termos do artigo 9.°, n.° 6, que estas devem decidir num prazo máximo de quatro meses após a remessa pela Comissão e, por outro, nos termos do artigo 9.°, n.° 8, que só podem tomar «as medidas estritamente necessárias para preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva no mercado em causa». Não sendo estas obrigações, todavia, susceptíveis de determinar de modo preciso e certo o resultado do exame de mérito efectuado pelas autoridades francesas da concorrência, há que admitir que a decisão de remessa não é susceptível de afectar directamente a posição concorrencial da recorrente nos mercados em causa em França, uma vez que apenas a decisão final adoptada pelas autoridades francesas da concorrência pode ter tal efeito.

276.
    Porém, esta circunstância não chega para demonstrar que a decisão de remessa não diz directamente respeito à recorrente. Com efeito, a questão de saber se um acto comunitário de que um terceiro não é destinatário lhe diz directamente respeito deve ser apreciada à luz do objecto de tal acto. Ora, o objecto de uma decisão de remessa não é decidir sobre os efeitos da concentração nos mercados em causa que são objecto da remessa mas sim transferir a responsabilidade do exame de certos aspectos dessa concentração para as autoridades nacionais que o requereram, para que estas decidam, aplicando o seu direito nacional da concorrência. Tendo em conta tal objecto, é irrelevante, no caso em apreço, que a decisão de remessa não afecte directamente a posição concorrencial da recorrente nos mercados em causa em França.

277.
    Para apreciar se a decisão de remessa diz directamente respeito à recorrente há apenas que verificar se essa decisão, na medida em que tem por objecto remeter o exame de uma parte da concentração às autoridades francesas da concorrência, produz efeitos jurídicos directos e automáticos para a recorrente.

278.
    Recorde-se, a este respeito, que, nos termos dos artigos 1.°, n.° 1, e 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, este regulamento, em princípio, só é aplicável às concentrações de dimensão comunitária, tal como estas são definidas no artigo 1.°, n.os 2 e 3, deste mesmo regulamento. Assim, nos termos do artigo 21.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89, as concentrações de dimensão comunitária escapam, em princípio, à aplicação das legislações dos Estados-Membros sobre a concorrência.

279.
    Ora, no caso em apreço, ao remeter o exame de certos aspectos da concentração em questão às autoridades francesas da concorrência, a Comissão pôs termo ao procedimento de aplicação do Regulamento n.° 4064/89, iniciado pela notificação do acordo que previa a aquisição parcial pela SEB de activos detidos pela Moulinex, ao constatar que se verificavam as condições de remessa previstas no artigo 9.°, n.° 2, alínea a), deste regulamento, a saber, que «a operação de concentração ameaça criar ou reforçar uma posição dominante que terá como consequência a criação de entraves significativos a uma concorrência efectiva num mercado no interior desse Estado-Membro que apresenta todas as características de um mercado distinto». Com efeito, nos termos do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89, quando, depois de ter constatado a existência de tal mercado distinto e de tal ameaça, a Comissão remete a totalidade ou parte de uma concentração de dimensão comunitária às autoridades competentes do Estado-Membro em questão, estas últimas aplicam o seu direito nacional da concorrência.

280.
    Daqui resulta que a decisão de remessa objecto do presente recurso tem como consequência, por um lado, excluir a aplicação do Regulamento n.° 4064/89 à parte da concentração que é objecto da remessa e, por outro, submeter esta parte da concentração ao controlo exclusivo das autoridades francesas da concorrência, que decidem com base no seu direito nacional da concorrência.

281.
    Há que constatar que, deste modo, a decisão de remessa afecta a situação jurídica da recorrente.

282.
    Com efeito, ao determinar, através da remessa para o direito nacional da concorrência, os critérios de apreciação da regularidade da operação de concentração em questão, bem como o procedimento e as eventuais sanções que lhe são aplicáveis, a decisão de remessa altera a situação jurídica da recorrente, privando-a da possibilidade de ser a Comissão a examinar a regularidade da operação em questão na perspectiva do Regulamento n.° 4064/89 (v., por analogia, o acórdão Assicurazioni Generali e Unicredito/Comissão, já referido, n.os 37 a 44).

283.
    Ora, o controlo de uma operação de concentração, efectuado com base numa legislação nacional, não pode equiparar-se, no seu alcance e nos seus efeitos, ao exercido pela Comissão nos termos do Regulamento n.° 4064/89 (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Março de 1994, Air France/Comissão, T-3/93, Colect., p. II-121, n.° 69).

284.
    Por outro lado, ao pôr termo ao procedimento previsto pelo Regulamento n.° 4064/89, a decisão de remessa tem como efeito privar os terceiros dos direitos processuais que lhes são conferidos pelo artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento n.° 4064/89 e que teriam podido exercer no caso de a Comissão ter dado início à fase II.

285.
    Por fim, através da referida decisão, a Comissão impede os terceiros de se fazerem valer da protecção jurisdicional que lhes é conferida pelo Tratado. Com efeito, ao remeter o exame dos efeitos da concentração nos mercados em causa em França às autoridades francesas da concorrência, para estas decidirem com base no seu direito nacional da concorrência, a Comissão priva os terceiros da possibilidade de contestarem posteriormente, perante o Tribunal de Primeira Instância, com base no artigo 230.° CE, as apreciações efectuadas pelas autoridades nacionais sobre essa questão, ao passo que, não havendo remessa, as apreciações efectuadas pela Comissão teriam podido ser objecto de tal contestação.

286.
    Por conseguinte, tendo a decisão de remessa como efeito privar a recorrente da aplicação do Regulamento n.° 4064/89 e dos direitos processuais nele previstos a favor dos terceiros, bem como da protecção jurisdicional prevista pelo Tratado, deve considerar-se que a decisão de remessa é susceptível de afectar a situação jurídica da recorrente.

287.
    Ora, há que considerar que esta afectação é directa quando a decisão de remessa não exige qualquer medida de execução adicional para que a remessa se torne efectiva. Com efeito, a partir do momento em que a decisão de remessa é adoptada pela Comissão, a remessa é imediata para o Estado-Membro em causa, que se torna, deste modo, competente para apreciar a parte da concentração que é objecto da remessa à luz do seu direito nacional da concorrência.

288.
    Recorde-se, além disso, que, nos termos do artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, foram as autoridades francesas que pediram à Comissão que lhes remetesse o exame dos efeitos da concentração sobre os mercados em causa em França. Nestas circunstâncias, estava fora de questão que as autoridades francesas não dessem seguimento à decisão de remessa, o que, de resto, se confirmou, no caso em apreço, pelo facto de as autoridades francesas da concorrência terem adoptado, em 8 de Julho de 2002, a sua decisão final sobre os aspectos da concentração que lhe foram remetidos.

289.
    Por conseguinte, há que admitir que a decisão de remessa diz directamente respeito à recorrente.

290.
    Esta conclusão não pode ser questionada pelo facto, sublinhado pela Comissão, de a recorrente poder interpor recurso da decisão da autoridade nacional segundo as vias de recurso internas e, eventualmente, requerer, nesse âmbito, uma decisão prejudicial, em conformidade com o artigo 234.° CE. Com efeito, a eventual existência de vias de recurso internas perante o órgão jurisdicional nacional não pode excluir a possibilidade de impugnar directamente, perante o órgão jurisdicional comunitário, a legalidade de uma decisão adoptada por uma instituição comunitária, com base no artigo 230.° CE (acórdão Air France/Comissão, já referido, n.° 69).

- Quanto ao interesse individual

291.
    Recorde-se que as pessoas que não sejam destinatárias de uma decisão só podem alegar que esta lhes diz individualmente respeito se as atingir em virtude de certas qualidades que lhes são específicas ou de uma situação de facto que as caracteriza em relação a qualquer outra pessoa, individualizando-as, por isso, de forma idêntica à de um destinatário (v., nomeadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962-1964, pp. 279, 283, e de 25 de Julho de 2002, Union de Pequeños Agricultores/Conselho, C-50/00 P, Colect., p. I-6677, n.° 36).

292.
    No caso em apreço, a Comissão não contesta que a decisão de aprovação diz individualmente respeito à recorrente. É pacífico, com efeito, que a recorrente é um dos principais concorrentes actuais das partes na concentração nos mercados em causa. No considerando 32, a decisão de aprovação menciona, assim, a recorrente como um dos operadores que oferece, do mesmo modo que a SEB, a Moulinex, a Bosch, a Braun e a De'Longhi, uma ampla gama de produtos no sector dos pequenos electrodomésticos e que tem uma presença pan-europeia. Por outro lado, na decisão de aprovação, a Comissão aprecia por várias vezes, designadamente nos considerandos 51, 57, 65 e 75, a concentração, tendo em conta, nomeadamente, a posição da recorrente. Por fim, a recorrente participou activamente no procedimento administrativo único que levou à adopção da decisão de aprovação e formulou observações que podem ter influenciado a apreciação que a Comissão fez da concentração e dos compromissos propostos para solucionar os problemas de concorrência que esta levantava.

293.
    A Comissão alega, todavia, que estes elementos, embora susceptíveis de individualizar a recorrente no âmbito do seu recurso na parte em que visa a anulação da decisão de aprovação, não são pertinentes em fase de exame da admissibilidade da parte do recurso que visa a anulação da decisão de remessa.

294.
    Esta tese não merece acolhimento.

295.
    Com efeito, posto que, à luz dos elementos não contestados atrás referidos, a decisão de aprovação diz individualmente respeito à recorrente, há que admitir que, não havendo remessa, a recorrente teria sido admitida a contestar, no âmbito de um recurso de anulação baseado no artigo 230.° CE, as apreciações efectuadas pela Comissão quanto aos efeitos da concentração sobre os mercados em causa em França.

296.
    Sublinhe-se, a este respeito, que, se a Comissão alega que a decisão de aprovação não respeita à posição da recorrente nos mercados em causa em França, não sustenta, em contrapartida, que a recorrente não seja um dos actuais e principais concorrentes das partes na concentração nesses mercados. Na decisão de remessa, a Comissão indicou explicitamente, aliás, no considerando 34, que a recorrente detinha, nos mercados em causa em França, a maior gama de produtos a seguir às partes na concentração. De igual modo, no pedido de remessa, as autoridades francesas referem que a marca Philips é a «principal» marca concorrente da SEB e da Moulinex em França.

297.
    Tendo a decisão de remessa como efeito privar a recorrente da possibilidade de contestar perante o Tribunal de Primeira Instância as apreciações que teria sido admitida a contestar se não houvesse remessa, há que reconhecer que a referida decisão de remessa diz individualmente respeito à recorrente da mesma maneira que a decisão de aprovação lhe diria respeito se não houvesse remessa (v., por analogia, o acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 1996, T. Port, C-68/95, Colect., p. I-6065, n.° 59).

298.
    Por conseguinte, deve considerar-se que a decisão de remessa diz individualmente respeito à recorrente.

- Conclusão

299.
    Resulta das considerações anteriores que a decisão de remessa diz directa e individualmente respeito à recorrente.

300.
    Como tal, é admitida a contestar a legalidade da referida decisão com base no artigo 230.° CE.

b) Quanto à conformidade da petição com as exigências de forma do Regulamento de Processo

Argumentos das partes

301.
    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela SEB, observa que a Philips, apesar da sua intenção de interpor este recurso e de pedir a sua tramitação acelerada, nos termos do artigo 76.°-A do Regulamento de Processo, nunca pediu à Comissão uma cópia (nem uma versão não confidencial) da decisão de remessa. Esta falta de diligência da sua parte levou-a a interpor um recurso irregular, na medida em que não é acompanhado do acto que visa impugnar, ao contrário do que exige o artigo 44.°, n.° 4, do Regulamento de Processo.

302.
    Na audiência, em resposta a uma questão do Tribunal sobre este ponto, a Comissão confirmou que invocava inadmissibilidade por vício de forma.

Apreciação do Tribunal

303.
    Em conformidade com o artigo 21.°, segundo parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, aplicável ao Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 44.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, a petição é acompanhada, se for caso disso, do acto cuja anulação é pedida.

304.
    No caso em apreço, é pacífico que a decisão de remessa não foi junta à petição.

305.
    Todavia, há que observar, em primeiro lugar, que o Regulamento de Processo não prevê que a falta de junção do acto impugnado à petição implique automaticamente a inadmissibilidade desta. Com efeito, o artigo 44.°, n.° 4, do Regulamento de Processo prevê apenas que a petição seja acompanhada, «se for caso disso» do acto impugnado. Além disso, nos termos do artigo 44.°, n.° 6, do Regulamento de Processo, se a petição não preencher os requisitos previstos pelo artigo 44.°, n.os 3 a 5, o secretário deve fixar ao recorrente um prazo razoável para regularizar a petição. Na falta de regularização, o Tribunal decide se a inobservância daqueles requisitos importa o não recebimento da petição por vício de forma. Ora, no caso em apreço, o secretário não convidou a recorrente a regularizar a petição.

306.
    Em segundo lugar, embora a recorrente tenha reconhecido nas suas respostas às questões escritas do Tribunal não ter pedido à Comissão uma cópia da decisão de remessa, referiu-se na audiência a uma carta pela qual teria apresentado tal pedido, em resposta à qual a Comissão lhe teria enviado, em 7 de Fevereiro de 2002, uma cópia da decisão de aprovação mas não da decisão de remessa. A Comissão não contestou esta alegação. Ora, a própria Comissão indicou na audiência que, se tal pedido tivesse sido feito e se tivesse sido recusado pela Comissão, a não junção da decisão de remessa não seria susceptível de viciar a petição.

307.
    Como tal, a questão prévia de admissibilidade suscitada pela Comissão quanto a este aspecto deve ser julgada improcedente.

c) Conclusão quanto à admissibilidade

308.
    Resulta do que precede que o recurso, na parte em que visa a anulação da decisão de remessa, é admissível.

Quanto ao mérito

309.
    A recorrente invoca quatro fundamentos de anulação da decisão de remessa. O primeiro fundamento assenta numa violação dos princípios subjacentes ao artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89. O segundo fundamento assenta no facto de a Comissão se ter afastado de modo desrazoável da prática estabelecida no âmbito do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89. O terceiro fundamento assenta na violação do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), e do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, por a decisão de remessa afectar a decisão de aprovação. O quarto fundamento assenta numa falta de fundamentação ou numa violação do princípio da boa administração.

310.
    Em resposta a uma questão escrita do Tribunal, a recorrente precisou que o ponto 87 da sua petição, intitulado «abuso de poder e de responsabilidades nos termos do Regulamento n.° 4064/89» não constituía um fundamento distinto, destinando-se apenas a resumir os quatro fundamentos precedentes. Por conseguinte, não há que tratar este ponto da petição como fundamento distinto.

a) Quanto aos primeiro e segundo fundamentos assentes, por um lado numa violação dos princípios subjacentes ao artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89 e, por outro, numa contradição desrazoável com a prática estabelecida no âmbito desta disposição

Argumentos das partes

311.
    Em primeiro lugar, a recorrente, apoiada pela De'Longhi, alega que, apesar dos termos do artigo 9.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 - que dão a entender que, respeitado o critério do artigo 9.°, n.° 2, a Comissão é livre de se ocupar ela própria do procedimento ou de remeter a parte pertinente do mesmo às autoridades competentes do Estado-Membro em causa - esta liberdade de escolha de que a Comissão goza não é ilimitada.

312.
    A recorrente observa que, quando o Regulamento n.° 4064/89 foi adoptado (e alterado), o Conselho e a Comissão declararam:

«[Q]uando um mercado distinto constitui uma parte substancial do mercado comum, o processo de [remessa] previsto no artigo 9.° deve ser aplicado apenas em casos excepcionais. Dever-se-á com efeito partir do princípio de que uma concentração que cria ou reforça uma posição dominante numa parte substancial do mercado comum deverá ser declarada incompatível com este último. O Conselho e a Comissão consideram que tal aplicação do artigo 9.° deverá ser circunscrita aos casos em que os interesses de concorrência do Estado-Membro interessado não possam ser satisfatoriamente protegidos de outro modo.» (in «Controlo das operações de concentração na União Europeia», Comissão Europeia, Bruxelas-Luxemburgo, 1998, p. 54).

313.
    No caso em apreço, a recorrente considera que nada leva a crer que os interesses da França não possam ser correctamente protegidos sem uma remessa para as autoridades francesas.

314.
    A recorrente sublinha, a este respeito, que a Comissão não indica na decisão de aprovação (considerando 27) que as características estruturais dos diferentes mercados nacionais de produtos em causa no caso em apreço eram diferentes e, por outro lado, que, em processos recentes, a Comissão demonstrou ser capaz de tratar os problemas de concorrência surgidos no mercado francês (v., por exemplo, o processo COMP/M.2283 - Schneider/Legrand, de 10 de Outubro de 2001, e o processo COMP/M.1628 - TotalFina/Elf, de 9 de Fevereiro de 2000).

315.
    Em segundo lugar, a recorrente alega que a decisão de remessa se afasta da prática estabelecida da Comissão, dado que a situação nos mercados nacionais em causa no caso em apreço não é estruturalmente diferente da que se verifica noutros mercados.

316.
    A recorrente alega que, quando em todos os mercados nacionais de todos os Estados-Membros as marcas são a chave do sucesso e em todos os mercados nacionais a carteira de marcas da SEB/Moulinex é inigualável, o único aspecto dos mercados franceses que os pode distinguir dos outros é o facto de darem origem às dúvidas mais sérias em matéria de concorrência, o que é mais uma questão de grau do que de natureza. A recorrente alega que tal não pode constituir um fundamento válido de remessa parcial.

317.
    Pelo contrário, a recorrente sustenta que as questões que levantam tão sérias dúvidas num grande número de mercados nacionais como o caso em apreço não devem ser repartidas, uma vez que tal fragmentação só põe em perigo a apreciação coerente do processo e a aplicação de soluções eficazes. A título de exemplo, a recorrente remete para o processo Carnival Corporation/P & O Princess, em que a Comissão declarou:

«A Comissão ponderou cuidadosamente os argumentos a favor e contra tal remessa, em especial o facto de a oferta concorrente de aquisição da P&O Princess, lançada pela Royal Caribbean, estar actualmente a ser investigada no Reino Unido. Contudo, uma vez que a investigação preliminar da Comissão revelou que a operação projectada pela Carnival suscitava igualmente preocupações em matéria de concorrência noutros Estados-Membros, a Comissão considera que, nas presentes circunstâncias, é mais adequado não fragmentar o processo e não realizar investigações paralelas na Europa.» (Comunicado de imprensa de 11 de Abril de 2002, IP/02/552).

318.
    Durante a audiência, a De'Longhi sublinhou que o procedimento de remessa instituído pelo artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89 constitui uma derrogação ao princípio da competência exclusiva da Comissão em matéria de concentrações de dimensão comunitária. Sustenta que, sob pena de ter de constatar uma grave lacuna no sistema de controlo comunitário das operações de concentração, esta disposição deve ser interpretada de modo a que o procedimento de remessa não afecte a aplicação uniforme do direito comunitário e a eficácia das soluções adoptadas pela Comissão no sentido de assegurar um sistema de concorrência não falseada na União Europeia. Segundo a De'Longhi, longe de demonstrar que a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação, o facto de, quando se verificam as condições do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), a Comissão poder, nos termos do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, ocupar-se ela própria da concentração ou remetê-la às autoridades nacionais indica, pelo contrário, que a Comissão deve aplicar com prudência o procedimento de remessa, que não é imposto pelo artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo.

319.
    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela SEB, conclui pedindo que o fundamento seja julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal

320.
    Recorde-se liminarmente que, nos termos do artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, a remessa pode ser efectuada em dois casos distintos.

321.
    No primeiro caso, previsto pelo artigo 9.°, n.° 2, alínea a), o Estado-Membro em causa deve demonstrar no seu pedido de remessa que «uma operação de concentração ameaça criar ou reforçar uma posição dominante que terá como consequência a criação de entraves significativos a uma concorrência efectiva num mercado no interior desse Estado-Membro que apresenta todas as características de um mercado distinto». Nos termos do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89, se a Comissão considerar que, tendo em conta o mercado dos produtos ou serviços em causa e o mercado geográfico de referência, esse mercado distinto e esse risco existem, a Comissão, em conformidade com a disposição da alínea a), «ocupar-se-á ela própria do caso tendo em vista preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva no mercado em causa» ou, em conformidade com a disposição da alínea b), «remeterá o caso, na sua totalidade ou em parte, para as autoridades competentes do Estado-Membro em causa com vista à aplicação da respectiva legislação nacional sobre concorrência».

322.
    No segundo caso, previsto pelo artigo 9.°, n.° 2, alínea b), o Estado-Membro em causa deve demonstrar no seu pedido de remessa que «uma operação de concentração afecta a concorrência num mercado no interior desse Estado-Membro que apresenta todas as características de um mercado distinto e não constitui uma parte substancial do mercado comum». Nos termos do artigo 9.°, n.° 3, segundo parágrafo, «[se] um Estado-Membro informar a Comissão de que uma operação de concentração afecta a concorrência num mercado distinto no seu território que não constitui uma parte substancial do mercado comum, a Comissão remeterá, na totalidade ou em parte, o caso relativo ao mercado distinto em causa, se considerar que esse mercado é afectado».

323.
    No caso em apreço, é pacífico que as autoridades francesas pediram a remessa parcial da concentração em questão para examinar os seus efeitos nos mercados de produtos em causa em França, com base no artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89. Nos termos da decisão de remessa, a Comissão constatou que as condições previstas por esta disposição se verificavam e, em aplicação do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, alínea b), decidiu não se ocupar ela própria do exame dos efeitos da concentração nos mercados em causa em França, mas remeter este exame às autoridades francesas da concorrência, para estas decidirem com base no direito nacional da concorrência.

324.
    Através dos seus primeiro e segundo fundamentos, a recorrente censura a Comissão essencialmente por ter procedido à remessa em violação do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89. Em resposta a uma questão do Tribunal na audiência, a recorrente confirmou que, através destes fundamentos, alega que a decisão de remessa é contrária, simultaneamente, ao artigo 9.°, n.° 2, alínea a), e ao artigo 9.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89.

325.
    Por conseguinte, para verificar se estes fundamentos são procedentes, há que examinar, em primeiro lugar, se, no caso em apreço, se verificavam as condições de remessa previstas pelo artigo 9.°, n.° 2, alínea a), e, em segundo lugar, se a Comissão aplicou correctamente o artigo 9.°, n.° 3, ao decidir remeter às autoridades francesas da concorrência o exame dos efeitos da concentração nos mercados em causa em França, em vez de se ocupar ela própria desta questão.

326.
    No tocante, em primeiro lugar, ao respeito das condições previstas pelo artigo 9.°, n.° 2, alínea a), deve observar-se liminarmente que as condições de remessa previstas por esta disposição são de carácter jurídico e devem ser interpretadas com base em elementos objectivos. Por essa razão, o órgão jurisdicional comunitário deve, tendo em conta tanto os elementos concretos do litígio que lhe foi submetido como o carácter técnico ou complexo das apreciações feitas pela Comissão, exercer uma fiscalização integral no tocante à questão de saber se uma concentração é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 9.°, n.° 2, alínea a).

327.
    Há que constatar, a este propósito que, para que uma concentração possa ser objecto de uma remessa com base no artigo 9.°, n.° 2, alínea a), devem verificar-se duas condições cumulativas, nos termos desta disposição. Em primeiro lugar, a concentração deve ameaçar criar ou reforçar uma posição dominante que terá como consequência a criação de entraves significativos a uma concorrência efectiva num mercado no interior desse Estado-Membro. Em segundo lugar, esse mercado deve apresentar todas as características de um mercado distinto.

328.
    Quanto à primeira condição, verifica-se que, na decisão de remessa, a Comissão concluiu, no considerando 41, que a concentração, «prima facie, ameaça criar uma posição dominante que terá como consequência a criação de entraves significativos a uma concorrência efectiva nos mercados da venda de pequenos aparelhos electrodomésticos em França».

329.
    Resulta da decisão de remessa que a Comissão se baseia, a este respeito, em quatro elementos:

-    o primeiro elemento respeita ao facto de, nos mercados em causa em França, a nova entidade passar a dispor de uma dimensão inigualável. Nos considerandos 29 a 32, a Comissão anota, em particular, que as partes deterão quotas de mercado que excedem os 60% em onze mercados de produtos em causa, que a nova entidade representará o quádruplo do seu concorrente mais próximo e que ambas as partes na concentração detinham já posições muito consideráveis antes da operação. Segundo a Comissão, decorre daqui que a concentração não constitui uma fusão de dois actores de dimensão média que alcançam o primeiro lugar do sector mas sim o reforço substancial do líder existente e leva à eliminação de um concorrente imediato;

-    o segundo elemento respeita à gama de produtos inigualável que será detida pela nova entidade nos mercados em causa em França. Nos considerandos 33 a 35, a Comissão observa, especialmente, que a concentração permitirá à nova entidade, não completar a sua gama, mas sim tornar-se líder em todos os produtos da sua gama existente, reforçando, deste modo, o seu poder de negociação face aos clientes revendedores;

-    o terceiro elemento respeita à carteira de marcas inigualável detida pela nova entidade nos mercados em causa em França. Nos considerandos 36 a 38, a Comissão realça nomeadamente que as partes na concentração detêm sete marcas, duas das quais, a SEB e a Calor, são sobretudo vendidas em França;

-    por fim, o quarto elemento reside no facto de a concorrência actual e potencial ser insuficiente em França. Nos considerandos 39 a 41, a Comissão constata essencialmente que as barreiras à entrada serão consideravelmente reforçadas, tendo em conta a dimensão da nova entidade no conjunto dos mercados em causa em França, a sua gama de produtos e a sua carteira de marcas.

330.
    Há que admitir, o que não foi contestado, aliás, que estes elementos são aptos a demonstrar que a concentração ameaça criar ou reforçar uma posição dominante nos mercados em causa em França, na acepção do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89. Foi, assim, com razão que a Comissão concluiu pela existência de tal ameaça na decisão de remessa. Como tal, deve considerar-se preenchida a primeira condição de remessa prevista pelo artigo 9.°, n.° 2, alínea a).

331.
    Seguidamente, há que examinar se estava também preenchida a segunda condição, relativa à existência de um mercado distinto.

332.
    Observe-se, a este respeito, que, nos termos do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89, a existência de um mercado distinto é determinada pela Comissão «tendo em conta o mercado dos produtos ou serviços em causa e o mercado geográfico de referência na acepção do n.° 7», citado no n.° 10 supra.

333.
    Resulta, assim, da leitura conjugada do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, e do artigo 9.°, n.° 7, do Regulamento n.° 4064/89, que, para determinar se um Estado-Membro constitui um mercado distinto na acepção do artigo 9.°, n.° 2, deste regulamento, a Comissão deve ter em conta os critérios enunciados no artigo 9.°, n.° 7, deste Regulamento, que respeitam, nomeadamente, à natureza e às características dos produtos ou serviços em causa, à existência de barreiras à entrada, às preferências dos consumidores, bem como à existência de diferenças consideráveis de partes de mercado ou de preços entre territórios.

334.
    Ora, no caso em apreço, como já se constatou no âmbito do exame do pedido de anulação da decisão de aprovação, não se contesta que os produtos em causa se inserem em mercados nacionais distintos.

335.
    Assim, na decisão de remessa, a Comissão indica, no considerando 22, que, para concluir pela existência de mercados nacionais distintos, teve em conta, «nomeadamente, o facto de que i) as quotas de mercado são heterogéneas quer ao nível dos Estados-Membros quer das categorias de produtos, ii) a penetração das marcas é muito diferente consoante os mercados, iii) os níveis de preços podem variar significativamente em função dos mercados nacionais e, além disso, seguir uma tendência diferenciada, iv) as políticas comerciais e de marketing são nacionais para ter em conta as particularidades e as preferências dos consumidores, variáveis de um Estado-Membro para outro, v) as estruturas logísticas são nacionais, vi) as estruturas de distribuição são nacionais e a importância relativa dos diferentes canais de distribuição (grande distribuição, cadeias especializadas, grandes armazéns...) é muito variável em função dos Estados-Membros e vii) as relações clientes/fornecedores estabelecem-se principalmente numa base nacional, mesmo quando se trata de grupos da grande distribuição implantados internacionalmente».

336.
    Há que admitir que estes critérios são susceptíveis de demonstrar, nos termos do artigo 9.°, n.° 7, do Regulamento n.° 4064/89, que as condições da concorrência nos mercados em causa em cada Estado-Membro, incluindo a França, são «sensivelmente diferentes» das que dominam nos mercados em causa nos outros Estados-Membros.

337.
    No tocante aos mercados em causa em França, resulta, por outro lado, do considerando 20 da decisão de remessa que, segundo as autoridades francesas, os mercados em causa em França apresentam condições de concorrência específicas, em razão «i) das quotas de mercado muito elevadas da nova entidade em França e menores nos outros países, ao passo que o nível de importação e os reduzidos custos de transporte deviam ter favorecido a sua homogeneização, ii) da carteira de marcas inigualável que a nova entidade deterá, que cria barreiras à entrada, específicas do mercado francês, e iii) de uma estrutura de distribuição específica em torno da grande distribuição em França, ao contrário dos outros países, e de contratos de abastecimento que continuam a ser celebrados a nível nacional».

338.
    À luz destes elementos, a recorrente não pode sustentar que os mercados em causa em França não apresentam diferenças estruturais relativamente aos dos outros Estados-Membros. Com efeito, o facto de a nova entidade deter em França uma quota de mercado mais elevada do que nos outros Estados-Membros, de as barreiras à entrada serem significativas e de a revenda a retalho dos produtos em causa ser feita essencialmente através da grande distribuição, é susceptível de conferir aos mercados em causa em França uma estrutura concorrencial distinta da que predomina nos outros Estados-Membros.

339.
    A recorrente admite explicitamente, por outro lado, que os mercados em causa em França se distinguem dos mercados dos outros Estados-Membros pelo facto de suscitarem as dúvidas «mais sérias» em matéria de concorrência. Contrariamente ao que a recorrente sustenta, tal diferença, que respeita não à natureza mas à intensidade da concorrência, é susceptível de individualizar um Estado-Membro na acepção do artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89. Com efeito, entre os critérios enunciados no artigo 9.°, n.° 7, para o qual remete o artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, figura expressamente «a existência, entre o território em causa e os territórios vizinhos, de diferenças consideráveis de partes de mercado das empresas».

340.
    Por todas estas razões, há que admitir, portanto, que os mercados em causa em França são mercados distintos na acepção do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89. Como tal, estando preenchida a segunda condição de remessa prevista por esta disposição, foi com razão que a Comissão entendeu que a concentração em causa era susceptível de ser objecto de uma remessa, em aplicação do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo.

341.
    Contudo, em segundo lugar, deve ainda verificar-se se, ao remeter efectivamente o exame dos efeitos da concentração nos mercados em causa em França às autoridades francesas da concorrência, a Comissão procedeu a uma aplicação correcta desta disposição. Com efeito, tal como a De'Longhi correctamente sublinha, nos termos do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, se a Comissão considerar que estão preenchidas as condições de remessa, não é obrigada a remeter o exame da concentração às autoridades competentes do Estado-Membro em causa, podendo também decidir ocupar-se ela própria da questão.

342.
    Deste ponto de vista, é certo que resulta dos termos do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, que a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação no exercício desta escolha. Contudo, como a própria Comissão reconheceu na sua contestação, este poder de apreciação não é ilimitado. Deve observar-se, com efeito, que o artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, alínea a), precisa que a Comissão pode decidir ocupar-se ela própria do caso «tendo em vista preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva no mercado em causa». Por outro lado, o artigo 9.°, n.° 8, prevê que o Estado-Membro em causa «só pode tomar as medidas estritamente necessárias para preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva no mercado em causa».

343.
    Resulta destas disposições que, embora o artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo do Regulamento n.° 4064/89 confira à Comissão um amplo poder de apreciação quanto à decisão de remeter ou não uma concentração, não pode decidir proceder à remessa se, no momento do exame do pedido de remessa comunicado pelo Estado-Membro em causa, se verificar, com base num conjunto de indícios precisos e concordantes, que tal remessa não é susceptível de permitir preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva nos mercados em causa.

344.
    Assim, há que considerar que a fiscalização efectuada pelo órgão jurisdicional comunitário quanto à questão de saber se a Comissão fez um uso correcto do seu poder de apreciação, ao decidir remeter ou não uma concentração, é uma fiscalização restrita que, à luz dos termos do artigo 9.°, n.os 3 e 8, do Regulamento n.° 4064/89, se deve limitar a verificar se a Comissão podia considerar, sem cometer um manifesto erro de apreciação, que a remessa às autoridades nacionais da concorrência permitia preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva no mercado em causa, pelo que não era necessário ocupar-se ela própria do caso.

345.
    No caso em apreço, há que constatar que, ao contrário da Comissão, que só aprovou a concentração em causa após a proposta de compromissos relativos à marca Moulinex, as autoridades francesas da concorrência, por decisão de 8 de Julho de 2002, aprovaram a referida concentração, no que respeita aos seus efeitos sobre os mercados em causa em França, sem impor compromissos, baseando-se na teoria dita da «empresa em dificuldades».

346.
    Deve recordar-se, todavia, que a legalidade de um acto deve ser apreciada no momento da sua adopção. Assim, no caso em apreço, e sem que seja necessário pronunciarmo-nos sobre a compatibilidade da decisão das autoridades francesas da concorrência com a decisão de aprovação da Comissão, que rejeita explicitamente, no considerando 41, a aplicação da teoria da «empresa em dificuldades», para verificar se a Comissão fez um uso correcto do poder de apreciação que lhe é reconhecido pelo artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89, há apenas que determinar se, no momento em que a Comissão adoptou a decisão de remessa, podia considerar que tal remessa permitiria preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva nos mercados em causa.

347.
    Ora, a este respeito deve observar-se, e a recorrente não o contesta, que o Estado-Membro em causa dispõe de uma legislação específica sobre o controlo das concentrações bem como de órgãos especializados com vista a assegurar a sua aplicação, sob a fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais. Por outro lado, no seu pedido de remessa, as autoridades francesas identificaram com precisão os problemas de concorrência suscitados pela concentração nos mercados em causa em França.

348.
    Nestas circunstâncias, há que admitir que a Comissão podia razoavelmente considerar que as autoridades francesas da concorrência adoptariam, na decisão a proferir sobre o processo remetido, medidas que permitiriam preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva nos mercados em causa. Tal é tanto mais verdade quanto, contrariamente ao que a recorrente alega, uma vez que os produtos em causa se inserem em mercados nacionais distintos, a remessa às autoridades francesas da concorrência não era susceptível de afectar a decisão de aprovação e os compromissos que esta aceita.

349.
    A circunstância, sublinhada pela recorrente, e, na audiência, pela De'Longhi, de que a remessa às autoridades francesas da concorrência teve como efeito a fragmentação do exame da concentração, colocando assim em perigo uma apreciação coerente da mesma, não põe em causa esta conclusão.

350.
    É certo que tal fragmentação não é desejável, à luz do princípio do «balcão único» em que o Regulamento n.° 4064/89 se baseia, ao abrigo do qual a Comissão dispõe de uma competência exclusiva para examinar as concentrações de dimensão comunitária. Não pode negar-se, com efeito, que a remessa sistemática de concentrações de dimensão comunitária que respeitam a produtos inseridos em mercados nacionais distintos poderia esvaziar este princípio da sua substância. Na sua contestação, a Comissão indicou até que, num caso como o caso em apreço, em que cada Estado-Membro constitui um mercado nacional distinto, poderia ser levada a remeter o exame de uma concentração a todos os Estados-Membros que o pedissem.

351.
    Ora, no momento da adopção do Regulamento n.° 4064/89, o Conselho e a Comissão sublinharam, nos termos da declaração citada no n.° 312 supra, que «[a] aplicação do artigo 9.° se deve limitar aos casos em que os interesses de concorrência do Estado-Membro em causa não possam ser suficientemente protegidos de outro modo.»

352.
    Contrariamente ao que a Comissão sustenta na fase do presente recurso, estas declarações continuam a ser pertinentes depois de o Regulamento n.° 1310/97 ter alterado o Regulamento n.° 4064/89. Com efeito, as alterações introduzidas pelo Regulamento n.° 1310/97 não incidem, quanto ao essencial, nas condições de remessa previstas no artigo 9.°, n.° 2, alínea a), que se mantêm essencialmente inalteradas desde a adopção do Regulamento n.° 4064/89, mas sim nas condições de remessa previstas no artigo 9.°, n.° 2, alínea b), que não está em questão no caso em apreço. Assim, no «Livro Verde» que precedeu a adopção do Regulamento n.° 1310/97 [«Livro Verde» da Comissão relativo à revisão do regulamento das concentrações, COM(96) 19 final, de 31 de Janeiro de 1996], a Comissão recordou o objectivo prosseguido pelo procedimento de remessa nos termos seguintes:

«94    Entende que, especialmente na hipótese em que os limites não sejam reduzidos, qualquer alteração do artigo 9.° deve ser limitada de modo a evitar comprometer o frágil equilíbrio estabelecido pelas disposições actuais em matéria de remessa e anular as vantagens do princípio do ‘balcão único’. Uma utilização demasiado ampla do artigo 9.° implicaria o risco de reduzir a segurança jurídica oferecida às empresas e não pode conceber-se sem uma harmonização das principais características dos sistemas nacionais de controlo das operações de concentração».

353.
    De igual modo, no considerando 10 do Regulamento n.° 1310/97, o Conselho indica que «[as regras que regulam o reenvio] protegem de forma adequada os interesses dos Estados-Membros quanto à concorrência e tomam em devida consideração a necessidade de segurança jurídica e o princípio do ‘balcão único’».

354.
    Há que constatar que estas declarações indicam claramente que, segundo a intenção do Conselho e da Comissão, as condições de remessa previstas pelo artigo 9.°, n.° 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 4064/89 devem ser interpretadas restritivamente, de modo que as remessas de concentrações de dimensão comunitária às autoridades nacionais se limitem a casos excepcionais.

355.
    Porém, quando, conforme se declarou atrás, os termos do artigo 9.°, n.os 2 e 7, do Regulamento n.° 4064/89 permitem à Comissão remeter o exame de uma concentração às autoridades nacionais quando estão em causa mercados nacionais distintos, há que constatar que o risco de as concentrações de dimensão comunitária serem objecto, em muitos casos, de uma análise fragmentada que afecta o princípio do «balcão único» é inerente ao procedimento de remessa, tal como este se encontra actualmente previsto pelo Regulamento n.° 4064/89.

356.
    Ora, contrariamente ao que a De'Longhi alega, não compete ao Tribunal, nem sequer no âmbito da fiscalização do exercício, pela Comissão, do poder de apreciação que detém ao abrigo do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89, substituir-se ao legislador para colmatar as eventuais lacunas que afectam o mecanismo de remessa instituído pelo artigo 9.° deste regulamento.

357.
    De igual modo, a circunstância alegada pela recorrente de que, no caso em apreço, a Comissão não teria seguido a sua prática anterior sobre a matéria, o que a Comissão, aliás, reconhece explicitamente nas suas respostas às questões escritas do Tribunal, não é relevante quando a prática seguida na decisão de remessa objecto do presente recurso respeita o quadro legal definido pelo artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89, em particular os seus n.os 2, alíneas a) e b) e 3, primeiro parágrafo. Quanto à alegação de que a Comissão, no âmbito da concentração Carnival/P & O, teria recusado a remessa pedida pelo Reino Unido, por ser preferível «não fragmentar o processo e não realizar investigações paralelas na Europa», deve também ser afastado por ser impertinente, uma vez que os mercados em causa nesse processo eram diferentes dos que estão em questão no caso em apreço.

358.
    Resulta, assim, de todas as considerações anteriores que, por um lado, se verificavam, no caso em apreço, as condições de remessa previstas pelo artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89 e, por outro, que a Comissão procedeu a uma aplicação correcta do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, deste regulamento ao remeter o exame dos efeitos da concentração nos mercados em causa em França às autoridades francesas da concorrência.

359.
    Por conseguinte, os primeiro e segundo fundamentos devem ser julgados totalmente improcedentes.

b) Quanto ao terceiro fundamento assente numa violação do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), e do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, na medida em que a decisão de remessa afecta a decisão de aprovação

Argumentos das partes

360.
    A recorrente, apoiada pela De'Longhi, alega que a decisão de remessa retira à Comissão qualquer possibilidade de intervenção se as autoridades francesas aceitarem compromissos - ou mesmo aprovarem a compra sem condições - que reduzam a zero os compromissos aceites pela Comissão e/ou não afastem completamente os sérios problemas de concorrência que existem em França.

361.
    Dadas as quotas de mercado extremamente elevadas e a sólida carteira da SEB/Moulinex em França, a recorrente é de opinião de que o único compromisso adequado é obrigar a SEB a ceder a marca Moulinex a um concorrente com vista à sua utilização no mercado francês. Na sua opinião, qualquer outro compromisso de menor alcance reduziria a zero os compromissos relativos aos outros nove Estados-Membros e não solucionaria os sérios problemas de concorrência suscitados pela concentração SEB/Moulinex no mercado francês.

362.
    Em particular, a recorrente considera que um compromisso na mesma linha que os aceites pela Comissão quanto a outros mercados nacionais não constituiria uma medida suficiente e adequada, pois, mesmo que a SEB pudesse encontrar um concorrente viável que quisesse ter uma licença da marca Moulinex durante um prazo limitado, um período de cinco anos mais três anos nunca é suficiente para que a fidelidade do consumidor passe da bem conhecida marca Moulinex para a marca do concorrente.

363.
    Por fim, a recorrente observa que, ao aceitar a possibilidade de renegociar os compromissos no final do processo em França, a Comissão não só transferiu a responsabilidade primária do processo para estas autoridades como também criou um risco sério de a solução final escolhida pelo ministro francês vir, mais tarde, a afectar os compromissos já assumidos pela SEB em relação aos outros Estados-Membros. Se as autoridades francesas impusessem soluções que fossem além das que a Comissão aceitou relativamente aos outros Estados-Membros, a SEB poderia pedir a renegociação destes compromissos por serem contraditórios ou excessivos.

364.
    A De'Longhi salientou, durante a audiência, que, tendo em conta o facto de o procedimento de remessa instituído pelo artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89 constituir uma derrogação do princípio da competência exclusiva da Comissão quanto às concentrações de dimensão comunitária, cabe à Comissão aplicar este procedimento com prudência e rigor. Assim, em primeiro lugar, a De'Longhi entende que a Comissão podia ter consultado previamente a autoridade nacional. Em segundo lugar, observa que a Comissão podia ter dado início à fase II no que respeita aos aspectos da concentração que não foram objecto de remessa a fim de manter a possibilidade de uma colaboração com as autoridades francesas da concorrência. Por fim, em terceiro lugar, alega que, como o artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89 só permite a remessa se a concentração ameaçar criar ou reforçar uma posição dominante, ao adoptar a decisão de remessa com base nesta disposição, a Comissão excluiu necessariamente que as autoridades francesas da concorrência pudessem aprovar a concentração com base na teoria dita da «empresa em dificuldades», uma vez que esta visa uma situação em que a concentração não é a causa da ameaça da criação ou reforço da posição dominante (acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão, C-68/94 e 30/95, Colect., p. I-1375, n.° 110).

365.
    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela SEB, conclui pedindo que este fundamento seja julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal

366.
    Deve precisar-se liminarmente que, na parte em que, através do presente fundamento, a recorrente acusa a Comissão de ter previsto, nos termos dos compromissos aceites na decisão de aprovação, a possibilidade de renegociar os compromissos no final do processo perante as autoridades francesas da concorrência, que esta crítica foi já afastada na fase do exame da parte do recurso que visa a anulação da decisão de aprovação.

367.
    Através do presente fundamento, a recorrente alega também, todavia, que a remessa parcial da concentração às autoridades francesas da concorrência é susceptível de originar decisões contraditórias sem possibilidade de intervenção por parte da Comissão.

368.
    Recorde-se, a este respeito, que, como já se declarou no âmbito da apreciação da questão prévia de admissibilidade suscitada pela Comissão, ao remeter o exame de certos aspectos da concentração em causa às autoridades francesas da concorrência, com base no artigo 9.°, n.° 2, alínea a), e do artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89, a Comissão pôs termo ao procedimento de aplicação do Regulamento n.° 4064/89 e transferiu-o para as autoridades francesas da concorrência, para estas decidirem com base no seu direito nacional da concorrência.

369.
    Nos termos do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89, as obrigações impostas às autoridades francesas da concorrência no exercício das suas competências são, por um lado, nos termos do n.° 6 desta disposição, que devem decidir no prazo máximo de quatro meses após a remessa pela Comissão e, por outro, nos termos do seu n.° 8, que só podem tomar «as medidas estritamente necessárias para preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva no mercado em causa».

370.
    Por outro lado, deve recordar-se que, em conformidade com o artigo 10.° CE, os Estados-Membros devem tomar todas as medidas capazes de assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes do Tratado ou resultantes de actos das instituições da Comunidade e devem abster-se de quaisquer medidas susceptíveis de pôr em perigo a realização dos objectivos do Tratado.

371.
    Desde que respeitem estas condições, as autoridades francesas da concorrência são, todavia, livres de decidir quanto ao mérito da concentração que lhes foi remetida, com base num exame próprio efectuado em aplicação do direito nacional da concorrência.

372.
    Por conseguinte, ao contrário do que a De'Longhi sustenta, a Comissão não estava de modo algum obrigada a consultar previamente as autoridades francesas da concorrência, para evitar a adopção de decisões contraditórias. Com efeito, tendo a Comissão, através da adopção da decisão de remessa, posto termo ao procedimento de aplicação do Regulamento n.° 4064/89, no que respeita aos aspectos da concentração objecto da remessa, e transferido a competência exclusiva para o seu exame para as autoridades francesas da concorrência, que decidem com base no seu direito nacional, fica, por isso mesmo, sem qualquer competência para se ocupar desses aspectos. Não pode, portanto, ser admitida a intervir no processo decisório das autoridades francesas da concorrência.

373.
    De igual modo, contrariamente ao que a De'Longhi alega, a Comissão não era obrigada a dar início à fase II no que respeita aos aspectos da concentração que não eram objecto da remessa, com o único objectivo de manter a possibilidade de colaboração com as autoridades francesas da concorrência. Com efeito, quando a Comissão constata que os compromissos propostos pelas partes notificantes durante a fase I são suficientes para dissipar quaisquer dúvidas sérias quanto à compatibilidade da concentração com o mercado comum, pode, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, aprovar a concentração no final da fase I sem dar início à fase II. De qualquer modo, mesmo que a Comissão tivesse decidido dar início à fase II no que respeita aos aspectos da concentração que não eram objecto da remessa, como se referiu acima, teria ficado desprovida de qualquer competência para se ocupar dos aspectos remetidos às autoridades nacionais, uma vez que, através da adopção da decisão de remessa, a Comissão os transferiu para as autoridades francesas da concorrência.

374.
    Por fim, a De'Longhi não tem razão ao sustentar que o facto de a decisão de remessa se basear no artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89 impedia as autoridades francesas da concorrência de aprovar a concentração com base na teoria dita da «empresa em dificuldades».

375.
    É certo que, para proceder a uma remessa com base no artigo 9.°, n.° 2, alínea a), a Comissão tem de constatar que a concentração em causa ameaça criar ou reforçar uma posição dominante. Ora, ao aprovar a concentração com base na teoria dita da «empresa em dificuldades», as autoridades francesas da concorrência consideraram necessariamente, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão França e o./Comissão, já referido, n.° 110), que essa concentração, do ponto de vista dos seus efeitos nos mercados em causa em França, não era a causa da ameaça de criação ou reforço da posição dominante.

376.
    Todavia, tal como se sublinhou na fase do exame da questão prévia de admissibilidade suscitada pela Comissão, a decisão de remessa não tem como objecto decidir da compatibilidade da concentração quanto ao mérito mas sim remeter esse exame às autoridades nacionais que pediram a remessa para que estas decidam, em conformidade com o artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, alínea b), aplicando o seu direito nacional. Através da adopção desta decisão de remessa, a Comissão pôs assim termo ao procedimento de aplicação do Regulamento n.° 4064/89 no que respeita aos aspectos da concentração objecto da remessa e transferiu a competência exclusiva para o seu exame para as autoridades francesas da concorrência.

377.
    Assim, no âmbito do exame das condições de remessa previstas no artigo 9.°, n.° 2, alínea a), a Comissão não pode, sob pena de retirar toda a substância ao artigo 9.°, n.° 3, primeiro parágrafo, alínea b), dedicar-se a um exame da compatibilidade da concentração susceptível de vincular as autoridades nacionais em causa quanto ao mérito, devendo limitar-se a verificar, na sequência de um exame prima facie, com base nos elementos de que dispõe no momento da apreciação do mérito do pedido de remessa, se a concentração objecto do pedido de remessa ameaça criar ou reforçar uma posição dominante nos mercados em causa.

378.
    Ora, no caso em apreço, há que constatar que nem a recorrente nem a De'Longhi contestam que a concentração ameaçava criar uma posição dominante nos mercados em causa em França. De igual modo, as autoridades francesas sublinharam extensamente no seu pedido de remessa, para a justificar, as numerosas razões pelas quais a concentração ameaçava criar ou reforçar uma posição dominante nestes mercados.

379.
    Nestas circunstâncias, e tal como já se declarou no âmbito do exame dos primeiro e segundo fundamentos, não se pode, portanto, criticar a Comissão por ter concluído, no final de um exame prima facie efectuado com base nos elementos de que dispunha no momento da apreciação do mérito do pedido de remessa, pela existência de tal ameaça no considerando 41 da decisão de remessa. É irrelevante, neste contexto, que, após um exame aprofundado efectuado posteriormente com base no direito nacional, as autoridades francesas da concorrência tenham chegado à conclusão de que a concentração não era a causa dessa ameaça, uma vez que o exame por elas efectuado tinha um objecto diferente do efectuado pela Comissão.

380.
    É verdade que, tendo em conta os factos do presente processo e, em especial, o teor da decisão das autoridades francesas da concorrência adoptada em 8 de Julho de 2002, pode ser desejável, com vista a evitar decisões contraditórias, que o Regulamento n.° 4064/89 imponha obrigações mais vinculativas aos Estados-Membros que peçam e obtenham uma remessa. Porém, tal como já se declarou no âmbito do exame dos primeiro e segundo fundamentos, não cabe ao Tribunal substituir-se ao legislador para colmatar as eventuais lacunas que afectam o mecanismo de remessa instituído pelo artigo 9.° desse regulamento.

381.
    Consequentemente, na fase actual, o Tribunal só pode constatar que, na hipótese de uma remessa parcial às autoridades nacionais, o risco de a decisão destas últimas ser contraditória, ou mesmo inconciliável, com a decisão adoptada pela Comissão é inerente ao mecanismo de remessa instituído pelo artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89.

382.
    Nestas circunstâncias, não se pode, portanto, criticar a Comissão por não poder intervir no processo decisório das autoridades nacionais.

383.
    Quando muito, se o Estado-Membro em causa violasse as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 10.° CE e do artigo 9.°, n.os 6 e 8, do Regulamento n.° 4064/89, a Comissão poderia, eventualmente, decidir instaurar contra esse Estado-Membro o recurso previsto no artigo 226.° CE. Quanto aos particulares, dispõem da possibilidade de contestar a decisão proferida pelas autoridades nacionais sobre o processo remetido, em conformidade com as vias de recurso internas previstas pelo direito nacional.

384.
    Resulta de todas as considerações anteriores que o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

c) Quanto ao quarto fundamento assente numa violação do artigo 253.° CE, ou, em alternativa, no princípio da boa administração

Argumentos das partes

385.
    A recorrente, apoiada pela De'Longhi, alega que, ao não fornecer qualquer fundamento para a sua decisão de autorizar a remessa às autoridades francesas, a Comissão violou o artigo 253.° CE ou, subsidiariamente, o princípio da boa administração.

386.
    Na opinião da recorrente, como a prática de não publicar as decisões tomadas nos termos do artigo 9.°, n.os 3 e 4, do Regulamento n.° 4064/89, afecta seriamente a possibilidade de os interessados (quer as partes que notificam quer os seus concorrentes) se fazerem valer da protecção judicial adequada contra tais decisões, a Comissão devia ter compensado um pouco esta falta de clareza apresentando uma exposição dos fundamentos na decisão que aprova a concentração notificada na parte em que esta não foi objecto de remessa, tal como no comunicado de imprensa relativo à decisão de remessa.

387.
    A recorrente observa que a falta de fundamentação quanto à questão da remessa se afasta da prática normal da Comissão (v. comunicados de imprensa relativos a remessas parciais no processo COMP/M.2389 - Shell/DEA, no processo COMP/M.2533 - BP/E.ON, IP/01/1222 e IP/01/1247, e no processo COMP/M.2706 - Carnival Corporation/P & O Princess, IP/02/552).

388.
    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela SEB, conclui pedindo que o presente fundamento seja julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal

389.
    Recorde-se que, segundo a jurisprudência, o dever de fundamentar uma decisão individual tem por finalidade fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se a decisão é fundada ou se está eventualmente afectada por um vício que permita contestar a sua validade e permitir ao juiz comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade da decisão, esclarecendo-se que o alcance dessa obrigação depende da natureza do acto em causa e do contexto em que o mesmo foi adoptado (v., nomeadamente, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Dezembro de 1996, Van Megen Sports/Comissão, T-49/95, Colect., p. II-1799, n.° 51).

390.
    Nos termos da petição, a recorrente visava, essencialmente, a constatação pelo Tribunal de que, na decisão de aprovação, a remessa não tem suficiente fundamentação jurídica.

391.
    Todavia, dependendo a fundamentação de um acto da sua natureza, e não tendo a decisão de aprovação como objecto remeter o exame da concentração às autoridades nacionais, com base no artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89, há que considerar que a observância do artigo 253.° CE não impunha à Comissão que nela indicasse os fundamentos subjacentes à decisão de remessa. Tanto mais que, se é certo que o artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89 não prevê a notificação aos terceiros das decisões de remessa, nada impedia a recorrente de pedir à Comissão uma versão não confidencial da decisão de remessa, com vista à interposição do presente recurso. Aliás, na audiência, a recorrente referiu-se, sem que a Comissão a contradissesse quanto a este aspecto, a uma carta que comprovava tal pedido.

392.
    Quanto à alegada falta de fundamentação da remessa no comunicado de imprensa relativo à concentração em causa, basta constatar que tal falta é irrelevante, visto que a recorrente não sustenta que esse comunicado continha a decisão de remessa. Com efeito, como o comunicado de imprensa relativo à concentração em causa não continha uma decisão susceptível de ser objecto de recurso de anulação com base no artigo 230.° CE, não pode ser criticado por não conter a fundamentação do acto impugnado.

393.
    Há que examinar, portanto, se a decisão de remessa, tal como foi apresentada pela Comissão a pedido do Tribunal, está suficientemente fundamentada. Na audiência, a recorrente indicou, aliás, que, tendo em conta a decisão apresentada no âmbito das medidas de organização do processo, o seu fundamento devia ser entendido neste sentido.

394.
    Recorde-se, a este propósito, que a decisão de remessa foi adoptada com base no artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89. Já se constatou atrás, no âmbito do exame dos primeiro e segundo fundamentos que, para que uma concentração possa ser objecto de uma remessa com base nesta disposição, devem verificar-se duas condições. Em primeiro lugar, a concentração deve ameaçar criar ou reforçar uma posição dominante que teria como consequência a criação de entraves significativos a uma concorrência efectiva num mercado no interior desse Estado-Membro. Em segundo lugar, esse mercado deve apresentar todas as características de um mercado distinto.

395.
    Deve considerar-se, portanto, que, para respeitar o dever de fundamentação previsto no artigo 253.° CE, uma decisão de remessa adoptada com base no artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89 deve conter uma indicação suficiente e pertinente dos elementos tomados em consideração para determinar a existência, por um lado, de uma ameaça de criação ou de reforço de uma posição dominante que teria como consequência a criação de entraves significativos a uma concorrência efectiva num mercado no interior desse Estado-Membro e, por outro, de um mercado distinto.

396.
    Quanto à primeira condição, há que constatar que a decisão de remessa expõe claramente, nos considerandos 27 a 41, os fundamentos pelos quais a Comissão considera, à primeira vista, que a operação em questão ameaça criar uma posição dominante que teria como consequência a criação de entraves significativos a uma concorrência efectiva nos mercados da venda de pequenos aparelhos electrodomésticos em França. Estes fundamentos assentam no facto de que, nos mercados em causa em França, por um lado, a nova entidade passaria a dispor de uma dimensão inigualável (considerandos 29 a 32), de uma gama de produtos inigualável (considerandos 33 a 35) e de uma carteira de marcas inigualável (considerandos 36 a 38) e, por outro, de que a concorrência actual e potencial é insuficiente (considerandos 39 a 41).

397.
    Quanto à segunda condição, há também que constatar que a decisão de remessa expõe claramente, no considerando 22, os fundamentos pelos quais considera que os mercados em causa em França são mercados nacionais distintos. Nos termos deste considerando, a Comissão constata, com efeito que «uma grande parte dos clientes e dos concorrentes das partes indicam claramente a existência de mercados nacionais para os pequenos produtos electrodomésticos, tendo em conta, nomeadamente, o facto de que i) as quotas de mercado são heterogéneas quer ao nível dos Estados-Membros quer das categorias de produtos, ii) a penetração das marcas é muito diferente consoante os mercados, iii) os níveis de preços podem variar significativamente em função dos mercados nacionais e, além disso, seguir uma tendência diferenciada, iv) as políticas comerciais e de marketing são nacionais para ter em conta as particularidades e as preferências dos consumidores, variáveis de um Estado-Membro para outro, v) as estruturas logísticas são nacionais, vi) as estruturas de distribuição são nacionais e a importância relativa dos diferentes canais de distribuição (grande distribuição, cadeias especializadas, grandes armazéns...) é muito variável em função dos Estados-Membros e vii) as relações clientes/fornecedores estabelecem-se principalmente numa base nacional, mesmo quando se trata de grupos da grande distribuição implantados internacionalmente».

398.
    Nestas condições, deve concluir-se que a decisão de remessa está suficientemente fundamentada.

399.
    Quanto à alegação da violação do princípio da boa administração, na medida em que visa criticar a Comissão por uma falta de fundamentação, já se constatou atrás que a decisão de remessa está suficientemente fundamentada. Na medida em que a recorrente pretende, através desta alegação, invocar um fundamento autónomo quanto ao mérito, bastará observar que esta alegação não é de modo algum suportada pela petição e, como tal, deve ser rejeitada.

400.
    Com tal, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

401.
    Resulta de todas as considerações anteriores que deve ser negado provimento ao recurso na parte em que visa a anulação da decisão de remessa.

Quanto às despesas

402.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se assim tiver sido requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que decidir que suportará, além das suas próprias despesas, as da Comissão e as da SEB, interveniente, de acordo com o que estas requereram.

403.
    Em conformidade com o artigo 87.°, n.° 4, terceiro parágrafo, do Regulamento de Processo, a De'Longhi, interveniente, suportará as suas próprias despesas.

404.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, os Estados-Membros intervenientes num processo suportam as suas próprias despesas. Por conseguinte, a República Francesa suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1.
    É negado provimento ao recurso.

2.
    A recorrente suportará as suas próprias despesas, bem como as da Comissão e do grupo SEB SA.

3.
    A De'Longhi SpA suportará as suas próprias despesas.

4.
    A República Francesa suportará as suas próprias despesas.

Lenaerts
Azizi
Jaeger

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 3 de Abril de 2003.

O secretário

O presidente

H. Jung

K. Lenaerts


1: Língua do processo: inglês.