Language of document : ECLI:EU:T:2019:855

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

12 de dezembro de 2019 (*)

«Marca da União Europeia — Pedido de marca figurativa da União Europeia CANNABIS STORE AMSTERDAM — Motivo absoluto de recusa — Marca contrária à ordem pública — Artigo 7.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento (UE) 2017/1001 — Artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001»

No processo T‑683/18,

Santa Conte, residente em Nápoles (Itália), representada por C. Demichelis, E. Ortaglio e G. Iorio Fiorelli, advogados,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por L. Rampini, na qualidade de agente,

recorrido,

que tem por objeto um recurso da Decisão da Segunda Câmara de Recurso do EUIPO de 31 de agosto de 2018 (processo R 2181/2017‑2), relativa a um pedido de registo do sinal figurativo CANNABIS STORE AMSTERDAM como marca da União Europeia,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção),

composto por: V. Tomljenović, presidente, A. Marcoulli e A. Kornezov (relator), juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de novembro de 2018,

vista a resposta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de fevereiro de 2019,

após a audiência de 24 de setembro de 2019,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 19 de dezembro de 2016, a recorrente, S. Conte, apresentou um pedido de registo de marca da União Europeia no Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca [da União Europeia] (JO 2009, L 78, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1)].

2        A marca cujo registo foi pedido é o seguinte sinal figurativo:

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3        Os produtos e os serviços para os quais o registo foi pedido pertencem às classes 30, 32 e 43 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o Registo de Marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem, para cada uma dessas classes, à seguinte descrição:

–        classe 30: «Produtos de padaria, confeitaria, chocolate e sobremesas; sais, temperos, aromas e condimentos; gelo, gelados, iogurtes gelados e sorvetes; pastelaria salgada»;

–        classe 32: «Bebidas sem álcool; Cerveja e produtos de cervejaria; Preparações para fazer bebidas»;

–        classe 43: «Serviços de fornecimento de alimentos e bebidas».

4        Por Decisão de 7 de setembro de 2017, o examinador recusou o pedido de registo com fundamento no artigo 7.o, n.o 1, alíneas b) e c), e no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009 [atuais artigo 7.o, n.o 1, alíneas b) e c), e artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001].

5        Em 9 de outubro de 2017, a recorrente interpôs no EUIPO recurso da decisão do examinador, ao abrigo dos artigos 66.o a 68.o do Regulamento 2017/1001.

6        Depois de ter explicado, em resposta às observações da recorrente, que as Câmaras de Recurso dispunham da faculdade de suscitar um motivo absoluto de recusa não suscitado na decisão do examinador, sob reserva do respeito dos direitos de defesa, a Câmara de Recurso, por Decisão de 31 de agosto de 2018 (a seguir «decisão impugnada»), negou provimento ao recurso com base no artigo 7.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento 2017/1001, por entender que o sinal objeto do pedido de marca era contrário à ordem pública.

 Pedidos das partes

7        A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o EUIPO no pagamento das despesas, incluindo as incorridas no processo administrativo.

8        O EUIPO conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente no pagamento das despesas.

 Questão de direito

9        A recorrente invoca dois fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, à violação das disposições conjugadas do artigo 71.o, n.o 1, e do artigo 95.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001 e, o segundo, à violação do artigo 7.o, n.o 1, alínea f), e do artigo 7.o, n.o 2, do referido regulamento.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação das disposições conjugadas do artigo 71.o, n.o 1, e do artigo 95.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001

10      Segundo a recorrente, resulta da jurisprudência que, em conformidade com as disposições conjugadas do artigo 71.o, n.o 1, e do artigo 95.o, n.o 1, primeiro período, do Regulamento 2017/1001, no âmbito de um processo de registo de uma marca da União Europeia, o EUIPO tem a obrigação de conhecer oficiosamente dos factos pertinentes para o processo, entre os quais figura a apreciação do significado do sinal cujo registo é pedido como marca e a sua compreensão pelo público relevante. Ora, essa obrigação, que é a expressão do dever de diligência decorrente da disposição em questão, foi violada pela Câmara de Recurso.

11      O EUIPO contesta os argumentos da recorrente.

12      Há que recordar, a título preliminar, que, ao abrigo do artigo 71.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001, depois de analisar o mérito do recurso interposto de uma decisão de uma das instâncias a que se refere o artigo 66.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001, a Câmara de Recurso «pode exercer as competências da instância que tomou a decisão contestada, ou remeter o processo à referida instância, para lhe ser dado seguimento». Em conformidade com o artigo 95.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001, no decurso do processo, o EUIPO procede ao exame oficioso dos factos.

13      Como a recorrente refere acertadamente, resulta da jurisprudência, em primeiro lugar, que o significado do sinal cujo registo foi pedido e a sua compreensão pelo público da União Europeia fazem necessariamente parte dos factos que devem ser conhecidos oficiosamente pelo EUIPO [Acórdão de 25 de setembro de 2018, Medisana/EUIPO (happy life), T‑457/17, não publicado, EU:T:2018:599, n.o 11] e, em segundo lugar, que o artigo 95.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001 é uma expressão do dever de diligência, segundo o qual a instituição competente está obrigada a examinar com cuidado e imparcialidade todos os elementos de facto e de direito relevantes do caso em apreço [v. Acórdão de 25 de janeiro de 2018, SilverTours/EUIPO (billiger‑mietwagen.de), T‑866/16, não publicado, EU:T:2018:32, n.o 15 e jurisprudência referida]. Na medida em que, em terceiro lugar, a recorrente invoca a não consideração de factos notórios pela Câmara de Recurso, há que sublinhar, por um lado, que um recorrente tem o direito de apresentar, no Tribunal Geral, documentos para corroborar ou contestar perante este último a exatidão de um facto notório [v. Acórdão de 15 de janeiro de 2013, Gigabyte Technology/IHMI — Haskins (Gigabyte), T‑451/11, não publicado, EU:T:2013:13, n.o 22 e jurisprudência referida] e, por outro, que os factos notórios consistem em factos que podem ser conhecidos por qualquer pessoa ou que podem ser conhecidos através de fontes geralmente acessíveis [v. Acórdão de 10 de fevereiro de 2015, Boehringer Ingelheim International GmbH/IHMI — Lehning entreprise (ANGIPAX), T‑368/13, não publicado, EU:T:2015:81, n.o 89 e jurisprudência referida].

14      É à luz destes princípios que os argumentos da recorrente devem ser examinados.

15      Em primeiro lugar, segundo a recorrente, a apreciação da Câmara de Recurso, e nomeadamente a contida no n.o 29 da decisão impugnada, padece de um erro na medida em que considerou que o sinal cujo registo era pedido fazia referência ao «símbolo da folha de marijuana» e que o referido símbolo remetia para o produto psicotrópico. Ora, é notório que a marijuana não é uma planta, mas uma substância psicoativa obtida a partir não das folhas de canábis, mas das inflorescências secas das flores fêmeas de canábis. Além disso, o princípio ativo tetra‑hidrocanabinol (a seguir «THC») é apenas um dos cerca de 113 canabinoides presentes nas inflorescências das flores fêmeas da planta Cannabis sativa. No entanto, o EUIPO não atribuiu importância ao facto de os efeitos psicotrópicos derivados do THC estarem ligados unicamente à quantidade em percentagem desse princípio ativo nas flores de Cannabis sativa e não ao conteúdo das folhas dessa planta, representadas no sinal pedido. Trata‑se, portanto, de factos notórios que a Câmara de Recurso não tomou em consideração, violando assim o artigo 95.o, n.o 1, primeiro período, e o artigo 71.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001.

16      Importa observar a este respeito que é certo que a decisão impugnada contém, nos n.os 28 e 29, a expressão «folha de marijuana». Esta expressão é imprecisa, como admite o EUIPO na resposta, na medida em que a marijuana não é, stricto sensu, uma espécie vegetal e, por conseguinte, não pode ter folhas, mas designa, na realidade, uma substância psicotrópica extraída das inflorescências secas das plantas fêmeas da canábis.

17      Contudo, a decisão impugnada deve ser lida como um todo. Importa salientar, a este respeito, que, no n.o 27 desta, a Câmara de Recurso salientou que o sinal em causa continha «a representação de dez folhas de canábis» e que «a forma particular dessa folha [era] frequentemente utilizada como símbolo mediático da marijuana, entendida como a substância psicoativa, que se obtém de inflorescências secas das plantas fêmeas de canábis». Além disso, a recorrente não põe em causa, enquanto tal, a conclusão tecida pela Câmara de Recurso, segundo a qual a «forma particular d[a] folha [de canábis] é frequentemente utilizada como símbolo mediático da marijuana». Por conseguinte, tendo em conta a explicação detalhada e rigorosa prestada no n.o 27 da decisão impugnada, a inexatidão identificada pela recorrente não implica uma violação, pela Câmara de Recurso, da sua obrigação de proceder ao exame oficioso dos factos e, em particular, do significado do sinal cujo registo é pedido, de forma que a referida inexatidão não pode deixar de ser irrelevante para a legalidade da referida decisão.

18      Em segundo lugar, segundo a recorrente, ao não tomar em consideração um outro facto notório, concretamente que é o teor de THC que determina o caráter psicotrópico ou não dos produtos que contêm canábis e que a marijuana é extraída das flores de canábis e não das folhas, o raciocínio da Câmara de Recurso estava ferido de parcialidade.

19      Esta alegação deve, no entanto, ser afastada por carecer de base factual, uma vez que a Câmara de Recurso expôs efetivamente, no n.o 21 da decisão impugnada, que era unicamente a partir de um certo teor de THC, a saber, 0,2 %, que a canábis se tornava uma substância ilegal em numerosos países da União e, no n.o 23 da mesma decisão, que a referida substância provinha das flores fêmeas da canábis. A Câmara de Recurso dissociou claramente, portanto, a canábis dotada de efeitos psicotrópicos da que não o é, em função precisamente do teor de THC. Por conseguinte, se existe facto notório, a Câmara de Recurso identificou‑o expressamente.

20      Em terceiro lugar, a recorrente alega que a Câmara de Recurso fez uma apreciação, nomeadamente nos n.os 29 e 30 da decisão impugnada, que não pode ser qualificada de imparcial, por ter unicamente em consideração o seu próprio entendimento do elemento nominativo «canábis» e por associá‑lo, por um lado, a uma perceção errada da representação das folhas reproduzidas no sinal objeto do pedido de marca como sendo as folhas de uma planta que não existe, isto é, a marijuana, e, por outro, à indicação geográfica «Amesterdão».

21      Importa referir a este respeito que, como sublinha acertadamente o EUIPO na resposta, o critério determinante para efeitos de avaliar se um sinal é contrário à ordem pública é a perceção que o público pertinente terá da marca, a qual pode assentar em definições imprecisas de um ponto de vista científico ou técnico, o que implica que é a perceção concreta e atual do sinal que importa, independentemente da exaustividade das informações de que o consumidor dispõe. Assim, mesmo que essa perceção não corresponda, ou corresponda apenas parcialmente, à verdade científica, o facto de a representação da folha de canábis ser associada, no espírito do público relevante, à substância psicotrópica corresponde efetivamente ao que a Câmara de Recurso deve procurar nesse caso, isto é, a perceção do referido público. Ora, foi precisamente o que fez a Câmara de Recurso, como recordou o EUIPO tanto na resposta como na audiência, sublinhando que a «forma particular da folha de canábis [era] frequentemente utilizada como símbolo mediático da marijuana». É evidente que não se trata de um facto científico, mas da perceção do público relevante, no espírito do qual a referida folha se tornou «símbolo mediático» da marijuana. Por conseguinte, esta análise não é, de forma alguma, parcial.

22      Em quarto lugar, a recorrente alega que outra falta de imparcialidade e de cuidado fere o n.o 29 da decisão impugnada. Com efeito, as palavras «canábis», «cânhamo» e o termo inglês «hemp» designam indistintamente a planta de cânhamo. Além disso, outros termos ingleses, concretamente «store» e «Amsterdam», estão presentes no elemento nominativo do sinal objeto do pedido de marca, o que exprime uma exigência de continuidade lógica e idiomática e a preocupação de conferir o alcance mais internacional possível ao sinal em causa, sendo o inglês a língua principal do comércio mundial. Assim, a Câmara de Recurso procedeu a uma apreciação longe de ser imparcial ao salientar que a recorrente poderia ter utilizado outro termo que não o de «cannabis», nomeadamente a palavra italiana «canapa» (cânhamo) ou a palavra inglesa «hemp», para designar os produtos e os serviços em causa.

23      Ao contrário do que alega a recorrente, a Câmara de Recurso não pode ser acusada de ter adotado um raciocínio ferido de parcialidade. A este respeito, as suas críticas relativas à segunda frase do n.o 29 da decisão impugnada estão condenadas ao fracasso. Com efeito, nessa frase, a Câmara de Recurso sugeriu que a recorrente «poderia ter» completado o sinal em causa com elementos nominativos mais adequados para sublinhar as características de alimentos e de bebidas desprovidos de THC, por exemplo, a palavra «canapa» ou «hemp», e que poderia ter omitido a referência a Amesterdão ou o símbolo mediático da marijuana. Independentemente da questão de saber se as palavras «canábis», «cânhamo» e «hemp» são sinónimos, como a recorrente parece alegar, importa concluir que esta sugestão, feita pela Câmara de Recurso, é apenas um obiter dictum e não é, portanto, suscetível de ferir a decisão impugnada de ilegalidade [v., neste sentido, Acórdão de 9 de março de 2018, Recordati Orphan Drugs/EUIPO — Laboratorios Normon (NORMOSANG), T‑103/17, não publicado, EU:T:2018:126, n.o 78]. Com efeito, a Câmara de Recurso não tinha nenhuma obrigação de indicar à recorrente alternativas que pudessem eventualmente fazer cair as objeções formuladas contra o sinal em causa. Em todo o caso, esse obiter não revela nenhuma parcialidade ou falta de cuidado por parte da Câmara de Recurso, ao contrário do que alega a recorrente.

24      Em quinto e último lugar, segundo a recorrente, a escolha da palavra «Amsterdam» faz simplesmente referência à origem da canábis que utiliza e ao estilo e ambiente dessa cidade neerlandesa, na qual refere inspirar‑se para a prestação dos seus próprios serviços de restauração e, nomeadamente, para o planeamento dos seus pontos de venda. A afirmação da Câmara de Recurso segundo a qual os consumidores são levados pelo sinal objeto do pedido de marca a associar os produtos e os serviços que comercializa, perfeitamente lícitos, às substâncias vendidas nas «coffee shops» de Amesterdão revela uma apreciação parcial e inexata do significado do referido sinal, atendendo sobretudo ao número considerável e sempre crescente de empresas que produzem alimentos e bebidas à base de canábis e de lojas que os comercializam.

25      No entanto, a recorrente alega erradamente uma falta de imparcialidade ou de cuidado na afirmação da Câmara de Recurso segundo a qual a palavra «Amsterdam» é entendida pelo público relevante no sentido de que faz referência à cidade dos Países Baixos que tolera o uso de drogas e é conhecida pelas suas «coffee shops» (n.os 27 a 29 da decisão impugnada). Pelo contrário, a Câmara de Recurso examinou, com cuidado e imparcialidade, os argumentos apresentados pela recorrente. Quanto ao facto de a palavra «Amsterdam» poder também ser associada a outros significados, como os apresentados pela recorrente, basta recordar, por um lado, que a recorrente não contesta que a cidade de Amesterdão é conhecida pelos seus «coffee shops» autorizados a vender marijuana e «space cakes» e, por outro, que, segundo a jurisprudência, o registo de um sinal deve ser recusado se, pelo menos num dos seus sentidos potenciais, caracterizar a existência de um motivo absoluto de recusa [v. Acórdão de 2 de maio de 2018, Alpine Welten Die Bergführer/EUIPO (ALPINEWELTEN Die Bergführer), T‑428/17, EU:T:2018:240, n.o 27 e jurisprudência referida].

26      Por conseguinte, a Câmara de Recurso não violou as disposições conjugadas do artigo 71.o, n.o 1, e do artigo 95.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001, ao adotar a decisão impugnada, pelo que há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 7.o, n.o 1, alínea f), e do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001

27      A recorrente alega que a Câmara de Recurso cometeu erros na definição do público relevante, que esbateu, no entanto, na audiência (v. n.o 41, infra), bem como na identificação da perceção do sinal em causa pelo referido público,  e que o sinal cujo registo foi pedido não é contrário à ordem pública na aceção do artigo 7.o, n.o 1, al. f), e do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001.

28      O EUIPO contesta estas alegações.

29      Importa recordar que, nos termos do artigo 7.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento 2017/1001, é recusado o registo às marcas contrárias à ordem pública ou aos bons costumes. Segundo o n.o 2 do mesmo artigo, o n.o 1 é aplicável mesmo que os motivos de recusa apenas existam numa parte da União. Essa parte pode ser eventualmente constituída por um só Estado‑Membro [v. Acórdão de 20 de setembro de 2011, Couture Tech/IHMI (Representação do emblema soviético), T‑232/10, EU:T:2011:498, n.o 22 e jurisprudência referida].

30      Resulta da jurisprudência que o interesse geral subjacente ao motivo absoluto de recusa previsto no artigo 7.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento 2017/1001 é o de evitar o registo de sinais que são contrários à ordem pública ou aos bons costumes aquando da sua utilização no território da União [Acórdãos de 20 de setembro de 2011, Representação do emblema soviético, T‑232/10, EU:T:2011:498, n.o 29; e de 15 de março de 2018, La Mafia Franchises/EUIPO — Italie (La Mafia SE SIENTA A LA MESA), T‑1/17, EU:T:2018:146, n.o 25].

31      A análise do caráter contrário de um sinal à ordem pública ou aos bons costumes deve ser feita com referência à perceção desse sinal por parte do público relevante situado na União, ou numa parte desta, aquando da sua utilização enquanto marca [Acórdãos de 20 de setembro de 2011, Representação do emblema soviético, T‑232/10, EU:T:2011:498, n.o 50; e de 9 de março de 2012, Cortés del Valle López/IHMI (¡Que buenu ye! HIJOPUTA), T‑417/10, não publicado, EU:T:2012:120, n.o 12].

32      A apreciação da existência do motivo de recusa previsto no artigo 7.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento 2017/1001 não se pode basear na perceção da parte do público relevante à qual nada choca, nem, de resto, na perceção da parte do público relevante que se ofende muito facilmente, devendo antes ser feita com base nos critérios de uma pessoa razoável que tenha limiares médios de sensibilidade e de tolerância [Acórdãos de 9 de março de 2012, ¡Que buenu ye! HIJOPUTA, T‑417/10, não publicado, EU:T:2012:120, n.o 21; de 14 de novembro de 2013, Efag Trade Mark Company/IHMI (FICKEN LIQUORS), T‑54/13, não publicado, EU:T:2013:593, n.o 21, e de 11 de outubro de 2017, Osho Lotus Commune/EUIPO — Osho International Foundation (OSHO), T‑670/15, não publicado, EU:T:2017:716, n.o 103].

33      Por outro lado, o público relevante não pode ser limitado, para efeitos da análise do motivo de recusa previsto no artigo 7.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento 2017/1001, ao público ao qual são diretamente destinados os produtos e os serviços cujo registo é pedido. Com efeito, importa ter em conta o facto de que os sinais visados por esse motivo de recusa chocarão não só o público a que se destinam os produtos e os serviços designados pelo sinal, mas também outras pessoas que, não sendo visadas pelos referidos produtos e serviços, estarão na presença desse sinal a título incidental na sua vida quotidiana [Acórdãos de 14 de novembro de 2013, FICKEN LIQUORS, T‑54/13, não publicado, EU:T:2013:593, n.o 22; e de 11 de outubro de 2017, OSHO, T‑670/15, não publicado, EU:T:2017:716, n.o 104].

34      Deve igualmente recordar‑se que os sinais suscetíveis de serem apreendidos como contrários à ordem pública ou aos bons costumes não são os mesmos em todos os Estados‑Membros, nomeadamente por razões linguísticas, históricas, sociais e culturais (v. Acórdão de 15 de março de 2018, La Mafia SE SIENTA A LA MESA, T‑1/17, EU:T:2018:146, n.o 28 e jurisprudência referida).

35      Daqui decorre que, na aplicação do motivo absoluto de recusa previsto no artigo 7.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento 2017/1001, há que ter em consideração tanto as circunstâncias comuns a todos os Estados‑Membros da União como as circunstâncias particulares de cada Estado‑Membro, individualmente considerado, suscetíveis de influenciar a perceção do público relevante situado no seu território (Acórdãos de 20 de setembro de 2011, Representação do emblema soviético, T‑232/10, EU:T:2011:498, n.o 34; e de 15 de março de 2018, La Mafia SE SIENTA A LA MESA, T‑1/17, EU:T:2018:146, n.o 29).

36      No caso em apreço, o sinal que é objeto do pedido de marca da União Europeia, reproduzido no n.o 2, supra, contém um elemento nominativo, composto pelos termos «cannabis», «store» e «Amsterdam», e um elemento figurativo, concretamente três fileiras de folhas verdes estilizadas, que correspondem à representação usual da folha de canábis, num fundo preto contornado por duas bordas verde fluorescentes, na parte superior e na parte inferior do motivo. As três palavras acima mencionadas também contribuem para a dimensão figurativa do sinal em questão, na medida em que aparecem em letras maiúsculas, estando a palavra «cannabis» representada em carateres de cor branca, muito maiores do que as outras duas palavras e sobressaindo em relação a estas no centro do sinal. À luz destas considerações, há que concluir que a Câmara de Recurso não cometeu um erro ao considerar, no n.o 20 da decisão impugnada, que o elemento nominativo «cannabis» era dominante, tanto pelo espaço que ocupava como pela sua posição central no sinal que é objeto do pedido de marca. Isto não foi, de resto, contestado.

37      É à luz destas considerações que importa examinar as duas partes apresentadas pela recorrente no âmbito do seu segundo fundamento.

 Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa a erros cometidos pela Câmara de Recurso na definição do público relevante e à perceção do sinal em causa por este último

38      A recorrente alega que o sinal em causa é constituído por uma expressão inglesa que será apreendida em todos os Estados‑Membros da União e pelo público relevante que conhece e compreende a língua inglesa no sentido de que faz referência a uma denominação que significa «loja de canábis (proveniente) de Amesterdão». Ora, o termo «cannabis» não remete para nenhum produto estupefaciente ilícito, mas designa simplesmente o cânhamo na linguagem corrente, tanto em inglês como em italiano. A Câmara de Recurso também não atribuiu a importância adequada às duas outras palavras inglesas «Amsterdam» e «store».

39      Além disso, a recorrente sustenta que a Câmara de Recurso não se baseou nos critérios de uma pessoa razoável que tenha uma sensibilidade e uma tolerância normais, medianamente informada e razoavelmente prudente e sensata.  Consequentemente, a apreciação da perceção do sinal que é objeto do pedido de marca pelo referido público é errada e não reflete a evolução da conceção cultural e social, na União, da canábis e do seu uso para fins industriais e lícitos, o que é atualmente reconhecido na legislação da União. A Câmara de Recurso, além do mais, não analisou o sinal em questão no contexto do seu uso normal, isto é, o da venda ou da utilização lícitas, nas lojas da recorrente, de alimentos ou de bebidas à base de cânhamo.

40      Em primeiro lugar, quanto ao erro alegadamente cometido pela Câmara de Recurso na definição do público relevante e, consequentemente, à sua apreciação errada da perceção que o referido público tem do sinal objeto do pedido de marca, deve notar‑se que a Câmara de Recurso, embora concordando com a análise do examinador segundo a qual o sinal em causa continha vocábulos ingleses, atribuiu particular importância à presença dominante da palavra «cannabis», proveniente do latim, amplamente utilizado e incluído em numerosas línguas da União para além do inglês, por exemplo o dinamarquês, o alemão, o espanhol, o francês, o italiano, o húngaro, o polaco, o português, o romeno e o sueco, pelo que esta circunstância, reforçada pela presença de folhas de canábis estilizadas que compõem o referido sinal, permitiu concluir que o público relevante não era apenas constituído por consumidores anglófonos, mas pela totalidade dos consumidores da União capazes de compreender o significado do termo «cannabis» associado a esse elemento figurativo.

41      À questão de saber se, com a primeira parte do segundo fundamento, a recorrente procurava definir o público relevante como sendo exclusivamente o público anglófono, esta, na audiência, respondeu negativamente e admitiu que o referido público devia ser entendido de forma mais ampla. Indicou assim que, em seu entender, o público de referência devia ser entendido como a totalidade da União com bons conhecimentos de inglês. Importa, a este respeito, tendo em conta o conjunto das características do sinal que é objeto do pedido de marca, confirmar a apreciação efetuada pela Câmara de Recurso, uma vez que o referido sinal inclui, pelo menos, duas palavras suscetíveis de serem entendidas por um público bem mais vasto que o anglófono, nomeadamente, como salientou a Câmara de Recurso, a palavra de origem latina «cannabis», mas também a palavra «Amsterdam», que designa uma cidade dos Países Baixos internacionalmente conhecida, e que o elemento figurativo presente no referido sinal, como corretamente salientou a Câmara de Recurso, pode ser reconhecido como a representação mediática da marijuana.

42      Por conseguinte, é à luz não apenas do público anglófono, mas mais amplamente do público da União que deve ser fiscalizada a legalidade do exame do caráter contrário do sinal objeto do pedido de registo à ordem pública efetuado pela Câmara de Recurso, recordando‑se que, em conformidade com a jurisprudência mencionada no n.o 35, supra, há que ter em consideração tanto as circunstâncias comuns a todos os Estados‑Membros da União como as circunstâncias particulares de cada Estado‑Membro, individualmente considerado, suscetíveis de influenciar a perceção do público relevante situado no seu território.

43      Em segundo lugar, importa observar que, com esta primeira parte, a recorrente pretende igualmente referir‑se à composição do público relevante e ao nível de atenção deste último. Interrogada sobre este ponto na audiência, especificou que o público relevante era maioritariamente um público jovem, entre os 20 e os 30 anos, que estava certamente informado de todos os conhecimentos disponíveis respeitantes à canábis. Entendeu que não havia que distinguir, de entre o referido público, o público que se encontra no território de Estados‑Membros com uma legislação que proíbe a substância psicotrópica derivada da canábis do situado no território de Estados‑Membros com uma abordagem menos estrita.

44      A este respeito, não se contesta que os produtos e os serviços referidos no pedido de marca se destinam aos consumidores, pelo que o público relevante é constituído pelo grande público da União. Ora, é evidente que este não dispõe necessariamente de conhecimentos científicos ou técnicos específicos respeitantes aos estupefacientes em geral, e ao proveniente da canábis em particular, mesmo que esta situação possa variar em função dos Estados‑Membros em cujo território se encontra o referido público e, em particular, dos debates que possam eventualmente ter conduzido à adoção de legislação ou regulamentação que autorize ou tolere o uso terapêutico ou recreativo de produtos com um teor de THC suficiente para produzir efeitos psicotrópicos.

45      Além disso, uma vez que a recorrente, no pedido de marca, refere produtos e serviços de consumo corrente, destinados ao grande público sem distinção em função da idade, não existe qualquer razão válida para limitar, como preconizou a recorrente na audiência, o público relevante apenas ao público jovem, entre os 20 e os 30 anos. De igual modo, importa acrescentar que, como salientou corretamente o EUIPO, no âmbito específico do artigo 7.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento 2017/1001, o público relevante não é só o público ao qual são se destinam diretamente os produtos e os serviços cujo registo é pedido, mas é também composto por outras pessoas que, não sendo visadas pelos referidos produtos e serviços, estarão na presença desse sinal a título incidental na sua vida quotidiana (v. n.o 33, supra), o que leva a afastar, por este mesmo motivo, a asserção formulada pela recorrente na audiência segundo a qual o referido público é principalmente um público jovem, composto por pessoas com idades entre os 20 e os 30 anos.

46      Em terceiro lugar, quanto ao nível de atenção do público relevante, embora seja verdade que a decisão impugnada não contém precisões explícitas a este respeito, da mesma resulta, ainda assim, que a Câmara de Recurso não pôs em causa a definição do examinador segundo a qual, tratando‑se de produtos de consumo corrente, como os referidos no pedido de marca, estes se destinavam principalmente ao consumidor médio, medianamente informado e razoavelmente prudente e sensato (n.o 3 da decisão impugnada), o que corresponde, em substância e mutatis mutandis, a um público composto por pessoas razoáveis que têm limiares médios de sensibilidade e de tolerância, o qual deve ser tomado em conta para efeitos da aplicação do artigo 7.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento 2017/1001, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 32, supra. Tendo em conta os produtos e os serviços em causa, a definição do público relevante e do seu nível de atenção que a Câmara de Recurso acolheu afigura‑se, portanto, isenta de erro.

47      Em quarto lugar, a recorrente acusa igualmente a Câmara de Recurso de não ter tido em conta a evolução da conceção cultural e social, na União, da canábis e do seu uso para fins lícitos, de forma que não apreciou corretamente a perceção do público relevante (n.o 40 da petição inicial). Cita, a este respeito, dois regulamentos em matéria agrícola relativos ao cultivo do cânhamo, concretamente o Regulamento Delegado (UE) 2017/1155 da Comissão, de 15 de fevereiro de 2017, que altera o Regulamento Delegado (UE) n.o 639/2014 no que se refere às medidas de controlo relativas ao cultivo do cânhamo, a determinadas disposições relativas ao pagamento por ecologização, ao pagamento para os jovens agricultores que exercem controlo sobre uma pessoa coletiva, ao cálculo do montante por unidade no quadro do apoio associado voluntário, às frações de direitos ao pagamento e a determinadas exigências de notificação relativas ao regime de pagamento único por superfície e ao apoio associado voluntário e que altera o anexo X do Regulamento (UE) n.o 1307/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2017, L 167, p. 1), e o Regulamento (UE) n.o 1307/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece regras para os pagamentos diretos aos agricultores ao abrigo de regimes de apoio no âmbito da política agrícola comum e que revoga o Regulamento (CE) n.o 637/2008 do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 73/2009 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 608).

48      A este respeito, importa sublinhar que é certo que atualmente decorrem numerosas reflexões tanto sobre a utilização de produtos derivados da canábis cujo teor de THC não os torna estupefacientes como sobre a sua utilização, quando são estupefacientes, para fins terapêuticos ou mesmo recreativos. A este respeito, com efeito, a própria legislação de alguns Estados‑Membros já evoluiu ou está em vias de evoluir.

49      Não é menos verdade, como a Câmara de Recurso salientou com pertinência no n.o 21 da decisão impugnada, que, «em numerosos países da União Europeia (a título de exemplos não exaustivos: Bulgária, Finlândia, França, Hungria, Irlanda, Polónia, Eslováquia, Suécia e Reino Unido)», os produtos derivados da canábis que apresentam um teor de THC superior a 0,2 % são considerados estupefacientes ilícitos.

50      Por sua vez, o direito da União não regula o uso dos produtos derivados da canábis quando constituem estupefacientes. Com efeito, o artigo 168.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TFUE dispõe que a ação da União será complementar da ação empreendida pelos Estados‑Membros na redução dos efeitos nocivos da droga sobre a saúde, nomeadamente através da informação e da prevenção. Quanto ao Regulamento n.o 1307/2013, o seu artigo 32.o, n.o 6, enuncia que as superfícies utilizadas para a produção de cânhamo só são elegíveis se o teor de THC das variedades utilizadas não for superior a 0,2 %. Com o Regulamento Delegado 2017/1155, a Comissão adotou a regulamentação que permite a aplicação desta disposição.

51      Daqui resulta que, atualmente, não se extrai nenhuma tendência unanimemente aceite na União, nem sequer preponderante, respeitante à licitude do uso ou do consumo de produtos derivados da canábis com um teor de THC superior a 0,2 %.

52      Nestas circunstâncias, por um lado, há que observar, no caso em apreço, que a Câmara de Recurso teve em conta as evoluções descritas nos n.os 47 e 48, supra, tanto a nível legislativo como a nível societal, ao sublinhar as possibilidades reconhecidas de utilização lícita da canábis, sujeitas, no entanto, a condições particularmente estritas, e ao recordar o quadro regulamentar da União que rege a matéria (n.o 11, sexto e décimo travessões, e n.o 25 da decisão impugnada). Por outro lado, a Câmara de Recurso, também acertadamente, tomou em consideração o facto de a legislação de numerosos Estados‑Membros qualificar de ilícito o consumo da canábis, desde que os produtos dela derivados contenham THC em quantidade superior a 0,2 %. Com efeito, os sinais suscetíveis de serem apreendidos como contrários à ordem pública ou aos bons costumes não são os mesmos em todos os Estados‑Membros, nomeadamente por razões linguísticas, históricas, sociais e culturais (v. Acórdão de 15 de março de 2018, La Mafia SE SIENTA A LA MESA, T‑1/17, EU:T:2018:146, n.o 28 e jurisprudência referida). Foi, portanto, em conformidade com a jurisprudência que a Câmara de Recurso invocou a legislação desses Estados‑Membros, uma vez que, no contexto do artigo 7.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento 2017/1001, estes elementos foram tidos em consideração não em razão do seu valor normativo, mas enquanto indícios factuais que permitem apreciar a perceção do sinal em causa, por parte do público relevante situado nos Estados‑Membros em questão (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2011, Representação do emblema soviético, T‑232/10, EU:T:2011:498, n.o 37).

53      Em quinto e último lugar, e como alega o EUIPO, a questão do teor real de THC dos produtos comercializados pela recorrente não é relevante, uma vez que a apreciação que a Câmara de Recurso tinha de fazer na matéria devia ser independente do comportamento da recorrente e baseado apenas na perceção do público relevante [v., neste sentido, Acórdãos de 9 de abril de 2003, Durferrit/IHMI — Kolene (NU‑TRIDE), T‑224/01, EU:T:2003:107, n.o 76; e de 13 de setembro de 2005, Sportwetten/IHMI — Intertops Sportwetten (INTERTOPS), T‑140/02, EU:T:2005:312, n.o 28].

54      Por último, a questão de saber se o público relevante apreende o sinal em causa no sentido de que faz referência ao uso lícito do cânhamo, como sustenta a recorrente, ou, pelo contrário, no sentido de que faz referência à canábis enquanto estupefaciente ilícito, como resulta da decisão impugnada, é objeto da segunda parte do segundo fundamento e será examinada em seguida.

55      O conjunto destas considerações permite demonstrar que a Câmara de Recurso não cometeu os erros que lhe são imputados pela recorrente.

56      Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte do segundo fundamento.

 Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa ao facto de o sinal cujo registo foi pedido não ser contrário à ordem pública

57      Em primeiro lugar, segundo a recorrente, o sinal cujo registo é pedido não remete para um produto estupefaciente ilícito. Mesmo supondo que tal seja o caso, esta circunstância não basta para fundamentar a recusa de registo do referido sinal como marca da União Europeia. Com efeito, a simples remissão ou a indicação direta de um produto ilícito não são suficientes para declarar um pedido de marca contrário à ordem pública, pois seria necessário, além disso, que o sinal em causa consistisse numa incitação, numa banalização ou numa aprovação do uso ou do consumo do produto estupefaciente ilícito. Ora, no caso em apreço, o sinal que é objeto do pedido de marca não contém nenhuma denominação e não possui nenhum significado que, no âmbito da sua utilização normal para os produtos e os serviços referidos nesse pedido, incite, banalize ou veicule a aprovação do uso de um produto estupefaciente ilícito.

58      Em segundo lugar, o caráter infundado do motivo absoluto de recusa que a Câmara de Recurso opôs à recorrente resulta igualmente de forma clara dos modos de consumo, por um lado, dos produtos e dos serviços referidos no pedido de marca e, por outro, de produtos estupefacientes como a marijuana, os quais, normalmente, se fumam. A recorrente invoca, a este respeito, a Decisão da Divisão de Anulação de 20 de março de 2009, no processo 2665 C, relativa ao pedido de registo como marca nominativa do sinal COCAINE para produtos incluídos nas classes 3, 25 e 32 e em particular para cerveja, na qual se salientou nomeadamente que o modo de consumo dos produtos em causa era relevante para efeitos da aplicação do artigo 7.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento n.o 2017/1001 e que o simples efeito perturbador ou a imagem negativa que pode derivar da perceção de uma marca não eram relevantes para determinar a sua contrariedade à ordem pública.

59      O EUIPO contesta estes argumentos.

60      Em primeiro lugar, há que examinar se a Câmara de Recurso concluiu corretamente que o sinal cujo registo era pedido seria apreendido no seu conjunto pelo público relevante como remetendo para um produto estupefaciente ilícito.

61      A este respeito, a Câmara de Recurso recordou, no n.o 23 da decisão impugnada, que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Geral [Acórdão de 19 de novembro de 2009, Torresan/IHMI — Klosterbrauerei Weissenohe (CANNABIS), T‑234/06, EU:T:2009:448, n.o 19], o termo «cannabis» reveste três significados possíveis. Em primeiro lugar, o termo «cannabis» faz referência a uma planta têxtil cuja organização comum de mercado está regulada no quadro da União e cuja produção está submetida a uma legislação muito estrita no que toca ao teor de THC, que não pode exceder o limite máximo de 0,2 %. Em segundo lugar, o termo «cannabis» faz referência a uma substância estupefaciente proibida num grande número, hoje maioritário, de Estados‑Membros. Em terceiro lugar, designa uma substância cujo possível uso terapêutico é presentemente objeto de discussão.

62      A Câmara de Recurso retirou daí a consequência, no n.o 24 da decisão impugnada, de que, em conformidade com o entendimento da recorrente, este termo não devia ser entendido automaticamente como referindo‑se ao estupefaciente, a menos que existissem «outros indícios» nesse sentido. A Câmara de Recurso integrou perfeitamente, portanto, o facto de a substância ilícita apenas corresponder a uma das aceções do termo «cannabis» e a recorrente não tem assim fundamento para sustentar que o EUIPO ignorou, a este respeito, a existência do «facto notório» de o THC, isto é, a substância psicoativa, ser apenas um dos canabinoides presentes na canábis e o facto de esta substância apenas se tornar ilícita a partir de um determinado limite.

63      Por conseguinte, há que determinar, para responder ao primeiro argumento da recorrente, se, ao considerar que existiam «outros indícios» que demonstram que o público relevante associa o sinal pedido ao estupefaciente ilícito, o que é contestado pela recorrente, concretamente as palavras «Amsterdam» e «store», bem como a representação estilizada de folhas de canábis, a Câmara de Recurso cometeu um erro de apreciação.

64      A Câmara de Recurso entendeu, corretamente, que importava, nomeadamente, definir qual seria a perceção do público relevante em relação ao conjunto dos elementos que compunham o sinal objeto do pedido de marca (n.os 26 e 27 da decisão impugnada). Entendeu que a combinação da presença, no sinal em questão, da representação estilizada da folha de canábis, símbolo mediático da marijuana, e da palavra «Amsterdam», que se refere ao facto de a cidade de Amesterdão ter numerosos pontos de venda do estupefaciente derivado da canábis, dado o caráter tolerado, em determinadas condições, da comercialização deste nos Países Baixos, tornava muito provável que o consumidor interpretasse, nas circunstâncias do caso em apreço, a palavra «cannabis» no sentido de que faz referência à substância estupefaciente, ilícita em «numerosos países da União Europeia» (v. n.o 49, supra).

65      Há que corroborar esta interpretação, por maioria de razão tendo em conta a menção, no sinal objeto do pedido de marca, da palavra «store», que significa habitualmente «estabelecimento» ou «loja», de forma que o referido sinal, cujo elemento dominante é o termo «canábis» (v. n.o 36, supra), será apreendido pelo público relevante anglófono no sentido de que significa «loja de canábis em Amesterdão» e pelo público relevante não anglófono no sentido de «canábis em Amesterdão», o que, nos dois casos, reforçado pela imagem das folhas de canábis, símbolo mediático da marijuana, constitui uma alusão clara e inequívoca ao produto estupefaciente aí comercializado. O referido público poderia, portanto, esperar que os produtos e os serviços comercializados pela recorrente correspondessem aos que proporia uma dessas lojas.

66      As explicações da recorrente, relativas ao facto de a palavra «Amsterdam» designar a origem da canábis que utiliza no fabrico dos seus produtos e o estilo de vida e ambiente que caracterizam a cidade de Amesterdão, não podem invalidar esta análise. Com efeito, essa não será a primeira perceção do público relevante quando se deparar com os termos «Amsterdam» e «cannabis» associados ao símbolo mediático da marijuana, dado que os Países Baixos, e esta cidade em especial, são conhecidos por terem adotado uma regulamentação que tolera, em certas condições, o uso desse estupefaciente.

67      Também não convencem os argumentos de que o motivo estilizado que representa a folha de canábis é igualmente utilizado por todos os setores industriais, designadamente o setor têxtil e farmacêutico, que utilizam canábis. Com efeito, a Câmara de Recurso não fundamentou a sua conclusão na perceção, pelo público relevante, do motivo estilizado que representa a folha de canábis, considerado isoladamente, mas na conjugação dos diferentes elementos que compõem o sinal em questão, a qual conduz efetivamente à conclusão, recordada pela Câmara de Recurso no n.o 29 da decisão impugnada, de que a recorrente atraiu a atenção, mesmo que involuntariamente, para o conceito de canábis como produto estupefaciente.

68      Embora a recorrente alegue, contudo, que os produtos e os serviços referidos no pedido de marca não estão em nada relacionados com os estabelecimentos de Amesterdão do tipo «coffee shop» (n.o 31 da petição inicial) e que os modos de consumo dos produtos que comercializa diferem dos estupefacientes, que normalmente se fumam (n.o 53 da petição inicial), há que recordar de novo que resulta da leitura conjugada das diferentes alíneas do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001 que estas se referem às qualidades intrínsecas do sinal que é objeto do pedido de marca e não a circunstâncias relativas ao comportamento do requerente da marca (Acórdãos de 9 de abril de 2003, NU‑TRIDE, T‑224/01, EU:T:2003:107, n.o 76; de 13 de setembro de 2005, INTERTOPS, T‑140/02, EU:T:2005:312, n.o 28, e de 15 de março de 2018, La Mafia SE SIENTA A LA MESA, T‑1/17, EU:T:2018:146, n.o 40). Em todo o caso, não foi contestado que a canábis, como estupefaciente, também pode ser ingerida, através de bebidas ou de alimentos, por exemplo nos «cakes», o que corresponde a alguns dos produtos referidos no pedido de marca.

69      Resulta do exposto que a Câmara de Recurso considerou corretamente que o sinal em causa seria apreendido no seu todo pelo público relevante no sentido de que faz referência a uma substância estupefaciente proibida num grande número de Estados‑Membros.

70      Em segundo lugar, há que examinar se o sinal cujo registo é pedido é contrário à ordem pública na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento 2017/1001, lido em conjugação com o artigo 7.o, n.o 2, do mesmo regulamento, sendo que a Câmara de Recurso adotou este motivo absoluto de recusa.

71      A este respeito, importa salientar que o Regulamento 2017/1001 não contém uma definição do conceito de «ordem pública». Nestas circunstâncias, e tendo em conta o estado atual do direito da União, descrito no n.o 50, supra, e a redação do artigo 7.o, n.o 2, do referido regulamento, nos termos do qual o n.o 1 do mesmo artigo é aplicável mesmo que os motivos de recusa apenas existam numa parte da União, deve concluir‑se que o direito da União não impõe uma escala uniforme de valores e reconhece que as exigências da ordem pública podem variar de um país para outro e de uma época para outra, continuando os Estados‑Membros, no essencial, a ser livres de determinar o conteúdo destas exigências em conformidade com as suas necessidades nacionais. Deste modo, as exigências da ordem pública, embora não possam compreender interesses económicos, nem a simples prevenção da perturbação da ordem social que implica qualquer infração à lei, podem englobar a proteção de diversos interesses que o Estado‑Membro em causa considere fundamentais segundo o seu próprio sistema de valores [v., por analogia, Conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe nos processos apensos K. e H. (Direito de residência e alegações de crimes de guerra), C‑331/16 e C‑366/16, EU:C:2017:973, n.os 60 e 63 e jurisprudência referida].

72      No que respeita, mais concretamente, à interpretação deste conceito no âmbito do artigo 7.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento 2017/1001, o advogado‑geral M. Bobek, no n.o 76 das suas Conclusões no processo Constantin Film Produktion/EUIPO (C‑240/18 P, EU:C:2019:553), pôs em evidência que a ordem pública exprimia uma visão normativa de valores e de objetivos, definidos pelas autoridades públicas em causa e que deviam ser prosseguidos atual e futuramente, ou seja, uma visão prospetiva. Daí decorria, conforme prosseguiu o advogado‑geral, que a ordem pública era uma expressão das vontades do regulador público em matéria de normas que deviam ser respeitadas em sociedade.

73      Tendo em conta o que precede, a recorrente tem fundamento para sustentar, em substância, que um ato contrário à lei não equivale necessariamente a um ato contrário à ordem pública na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento 2017/1001, lido em conjugação com o artigo 7.o, n.o 2, do referido regulamento. Com efeito, é ainda necessário que esse ato contrário à lei afete um interesse considerado fundamental pelo ou pelos Estados‑Membros em causa segundo os seus próprios sistemas de valores.

74      No caso em apreço, há que constatar que, nos Estados‑Membros em que o consumo e a utilização da substância estupefaciente derivada da canábis continuam a ser proibidos, a luta contra a sua propagação reveste uma especial sensibilidade, que responde a um objetivo de saúde pública destinado a combater os efeitos nocivos dessa substância. Esta proibição destina‑se assim a proteger um interesse que esses Estados‑Membros consideram fundamental segundo os seus próprios sistemas de valores, de forma que o regime aplicável ao consumo e à utilização da referida substância é abrangido pelo conceito de «ordem pública» na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento 2017/1001, lido em conjugação com o artigo 7.o, n.o 2, deste regulamento.

75      Além disso, a importância que reveste a proteção deste interesse fundamental é acentuada pelo artigo 83.o TFUE, nos termos do qual o tráfico de droga constitui um dos domínios de criminalidade particularmente graves com dimensão transfronteiriça, nos quais está prevista a intervenção do legislador da União, bem como pelo artigo 168.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TFUE, nos termos do qual a ação da União será complementar da ação empreendida pelos Estados‑Membros na redução dos efeitos nocivos da droga sobre a saúde, nomeadamente através da informação e da prevenção.

76      Por conseguinte, a Câmara de Recurso entendeu acertadamente, ao examinar se o sinal em questão era contrário à ordem pública em relação à totalidade dos consumidores na União capazes de compreender o seu significado, e dado que a perceção destes últimos se inscreve necessariamente no contexto mencionado nos n.os 74 e 75, supra, que o sinal em causa, que é apreendido pelo público relevante como uma indicação de que os alimentos e as bebidas referidos pela recorrente no pedido de marca, bem como os serviços relacionados, continham substâncias estupefacientes ilícitas em vários Estados‑Membros, era contrário à ordem pública na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento 2017/1001, lido em conjugação com o artigo 7.o, n.o 2, do referido regulamento.

77      A recorrente não pode invalidar esta conclusão ao alegar que a Câmara de Recurso também não examinou se o sinal em causa incitava, banalizava ou veiculava a aprovação do uso de um produto estupefaciente ilícito. Com efeito, o facto de esse sinal ser apreendido pelo público relevante como uma indicação de que os alimentos e as bebidas referidos pela recorrente no pedido de marca, bem como os serviços relacionados, continham substâncias estupefacientes ilícitas, em vários Estados‑Membros basta para concluir pela sua contrariedade à ordem pública na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea f), do Regulamento 2017/1001, lido em conjugação com o artigo 7.o, n.o 2, do referido regulamento, como a Câmara de Recurso observou acertadamente, tendo em conta o interesse fundamental posto em evidência nos n.os 74 e 75, supra. Em todo o caso, uma vez que uma das funções de uma marca consiste em identificar a origem comercial do produto ou do serviço para assim permitir que o consumidor que adquire o produto ou o serviço que a marca designa faça, no momento de uma aquisição posterior, a mesma escolha se a experiência for positiva ou outra escolha se a experiência for negativa [v. Acórdão de 5 de março de 2003, Alcon/IHMI — Dr. Robert Winzer Pharma (BSS), T‑237/01, EU:T:2003:54, n.o 48 e jurisprudência referida], o referido sinal, na medida em que será apreendido da forma acima descrita, incita, implícita mas necessariamente, à compra desses produtos e serviços ou, pelo menos, banaliza o seu consumo.

78      Por último, a recorrente também não se pode basear na existência de marcas da União Europeia que contêm termos como «canábis» ou «cocaína» para infirmar esta conclusão.

79      A este respeito, a recorrente invoca a Decisão da Divisão de Anulação de 20 de março de 2009, relativa ao pedido de registo como marca nominativa do sinal COCAINE (v. n.o 58, supra) e, na audiência, fez igualmente referência ao seu pedido de marca CANNABIS STORE AMSTERDAM ORIGINAL AMSTERDAM, em relação à qual o examinador recentemente retirou as suas objeções. Todavia, resulta da jurisprudência que as referências feitas às decisões adotadas em primeira instância pelo EUIPO não vinculam nem as Câmaras de Recurso deste nem, a fortiori, o juiz da União [Acórdão de 25 de janeiro de 2018, Brunner/EUIPO — CBM (H HOLY HAFERL HAFERL SHOE COUTURE), T‑367/16, não publicado, EU:T:2018:28, n.o 103]. Seria, em particular, contrário à missão de fiscalização da Câmara de Recurso, como definida no considerando 30 e nos artigos 66.o a 71.o do Regulamento 2017/1001, que a sua competência seja reduzida ao respeito das decisões proferidas por órgãos de primeira instância do EUIPO [v. Acórdão de 8 de maio de 2019, Battelle Memorial Institute/EUIPO (HEATCOAT), T‑469/18, não publicado, EU:T:2019:302, n.o 52 e jurisprudência referida], de forma que a recorrente não pode utilmente invocar as referidas decisões.

80      Resulta do exposto que a Câmara de Recurso não violou as disposições conjugadas do artigo 7.o, n.o 1, alínea f), e do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001. Por conseguinte, há que julgar improcedente o segundo fundamento de recurso e, consequentemente, negar provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

81      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos do EUIPO.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Santa Conte é condenada nas despesas.

Tomljenović

Marcoulli

Kornezov

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de dezembro de 2019.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.