Language of document : ECLI:EU:T:2005:253

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

28 de Junho de 2005 (*)

«Directiva 91/414/CEE – Produtos fitofarmacêuticos – Substâncias activas – Metalaxil – Procedimento de autorização – Processo sucinto e processo completo – Prazos – Princípio da proporcionalidade – Desvio de poder»

No processo T‑158/03,

Industrias Químicas del Vallés, SA, com sede em Mollet del Vallés (Espanha), inicialmente representada por C. Fernández Vicién, J. Sabater Marotias e P. González‑Espejo, e posteriormente por Fernández Vicién, Sabater Marotias e I. Moreno‑Tapia Rivas, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por S. Pardo Quintillán e B. Doherty, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2003/308/CE da Comissão, de 2 de Maio de 2003, relativa à não inclusão da substância activa metalaxil no anexo I da Directiva 91/414/CEE do Conselho e à revogação das autorizações dos produtos fitofarmacêuticos que a contenham (JO L 113, p. 8),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: J. Pirrung, presidente, N. J. Forwood e S. Papasavvas, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 8 de Dezembro de 2004,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        A Directiva 91/414/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1991, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO L 230, p. 1), define, nomeadamente, o regime comunitário aplicável à autorização de colocação no mercado dos produtos fitofarmacêuticos e à sua revogação. O artigo 4.° da Directiva 91/414 determina que «[o]s Estados‑Membros certificar‑se‑ão de que um produto fitofarmacêutico só é autorizado [...] se as suas substâncias activas constarem do anexo I [...]». As condições exigidas para a inclusão das substâncias activas no anexo I são precisadas pelo artigo 5.° da Directiva 91/414. Tal inclusão só é possível se, à luz dos conhecimentos científicos e técnicos existentes, for possível presumir que os produtos fitofarmacêuticos que contêm essa substância activa respeitam determinadas condições relativas à ausência de nocividade para a saúde humana e animal, bem como para o ambiente.

2        As substâncias activas que não são incluídas no anexo I da Directiva 91/414 podem beneficiar, em determinadas condições, de um regime derrogatório transitório. O artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 91/414 dispõe, assim, que «um Estado‑Membro pode, durante um prazo de doze anos a contar da data de notificação da presente directiva, autorizar a colocação no mercado, no seu território, de produtos fitofarmacêuticos que contenham substâncias activas não constantes do anexo I, que se encontrem já no mercado dois anos após a data de notificação da presente directiva». Esse período de doze anos, que expirou em 26 de Julho de 2003, foi prorrogado quanto a determinadas substâncias até 31 de Dezembro de 2005 pelo Regulamento (CE) n.° 2076/2002 da Comissão, de 20 de Novembro de 2002, que prolonga o período referido no n.° 2 do artigo 8.° da Directiva 91/414 e relativo à não inclusão de determinadas substâncias activas no anexo I da mesma e à retirada das autorizações dos produtos fitofarmacêuticos que as contenham (JO L 319, p. 3). Segundo este regulamento, o período de doze anos é prorrogado até 31 de Dezembro de 2005, «excepto se tiver sido tomada, ou for tomada antes de tal data, uma decisão de inclusão ou não inclusão da substância activa no anexo I da Directiva 91/414».

3        Durante esse período transitório, segundo o artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 91/414, as substâncias activas em causa devem ser objecto de um programa de avaliação, no termo do qual podem ser incluídas no anexo I da Directiva 91/414 ou, pelo contrário, não ser nele incluídas, se essas substâncias não satisfizerem as exigências de segurança definidas no artigo 5.° da Directiva 91/414 ou se as informações e os dados exigidos para a avaliação não tiverem sido apresentados «no período fixado». Finalmente, prevê‑se no artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 91/414 que as modalidades desse programa de avaliação sejam estabelecidas por um regulamento da Comissão.

4        O Regulamento (CEE) n.° 3600/92 da Comissão, de 11 de Dezembro de 1992, que estabelece normas de execução para a primeira fase do programa de trabalho referido no n.° 2 do artigo 8.° da Directiva 91/414 (JO L 366, p. 10), organiza o procedimento de avaliação de várias substâncias com vista à sua eventual inclusão no anexo I da Directiva 91/414. Entre estas substâncias figura o metalaxil, utilizado para a elaboração de fungicidas que servem para lutar contra várias doenças que incidem sobre as culturas agrícolas.

5        O procedimento instituído pelo Regulamento n.° 3600/92 inicia‑se por uma notificação de interesses, prevista no artigo 4.°, n.° 1, desse regulamento, segundo o qual «[q]ualquer produtor que pretenda que uma substância activa referida no anexo A do presente regulamento, ou quaisquer sais, ésteres ou aminas dessa substância, sejam incluídos no anexo I da [D]irectiva [91/414], notificará a Comissão nesse sentido, o mais tardar seis meses após a data de entrada em vigor do presente regulamento». O nono considerando do Regulamento n.° 3600/92 dispõe que, «para se evitar uma duplicação de trabalho, nomeadamente no que se refere à realização de experiências com vertebrados, têm de ser previstas disposições que estimulem os produtores a apresentarem processos colectivos».

6        Após exame das notificações, o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 3600/92 prevê que um Estado‑Membro relator seja designado para avaliar cada uma das substâncias activas em causa. No caso vertente, a República Portuguesa foi designada Estado‑Membro relator para o metalaxil, nos termos do Regulamento (CE) n.° 933/94 da Comissão, de 27 de Abril de 1994, que estabelece as substâncias activas dos produtos fitofarmacêuticos e designa os Estados‑Membros relatores com vista à aplicação do Regulamento n.° 3600/92 (JO L 107, p. 8). A República Portuguesa designou como autoridade competente para esta missão a Direcção‑Geral de Protecção das Culturas (a seguir «DGPC») do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

7        Uma vez designado o Estado‑Membro relator, cada notificante deve comunicar‑lhe, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 3600/92, um «processo sucinto» e um «processo completo», como definidos no artigo 6.°, n.os 2 e 3, do mesmo regulamento. O processo sucinto compreende, nomeadamente, uma cópia da notificação, as informações relativas às condições de utilização recomendadas e os resumos e resultados de ensaios relativos a cada ponto do anexo III da Directiva 91/414 relevante para a avaliação dos critérios referidos no artigo 5.° da mesma directiva. Estas informações dizem respeito a uma ou várias preparações representativas das condições de utilização recomendadas no quadro da inclusão da substância activa no anexo I da directiva. O processo completo contém os protocolos e os relatórios de estudos completos relativos a todas as informações acima referidas. Nos termos do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 3600/92, tal como completado pelo Regulamento (CE) n.° 2266/2000, de 12 de Outubro de 2000 (JO L 259, p. 27), «[c]om base nos dados apresentados relativamente a uma ou mais preparações, para uma gama limitada de utilizações representativas, o notificante deve demonstrar que são satisfeitas as exigências da [D]irectiva [91/414] relativas aos critérios estabelecidos no seu artigo 5.°».

8        A transmissão, pelos notificantes, do processo sucinto e do processo completo ao Estado‑Membro relator efectua‑se no prazo fixado pela Comissão. No caso do metalaxil, a data‑limite para a entrega destes processos foi fixada em 30 de Abril de 1995 pelo Regulamento n.° 933/94 e depois prorrogada até 31 de Outubro de 1995 pelo Regulamento (CE) n.° 2230/95 da Comissão, de 21 de Setembro de 1995, que altera o Regulamento n.° 933/94 (JO L 225, p. 1). Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 3600/92, os notificantes devem ainda enviar o processo sucinto e o processo completo a peritos de outros Estados‑Membros aceites pela Comissão, com vista a uma eventual consulta posterior.

9        O Estado‑Membro relator examina seguidamente o processo sucinto e o processo completo e, ao abrigo do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 3600/92, deve, «[i]mediatamente após a conclusão do exame de um processo, certificar‑se de que os notificantes enviam o processo sucinto actualizado aos outros Estados‑Membros e à Comissão». O artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 3600/92, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.° 1199/97 da Comissão, de 27 de Junho de 1997 (JO L 170, p. 19), prevê que, desde o início do seu exame, «o Estado‑Membro relator pode convidar os notificantes a melhorarem ou complementarem o processo», e «pode consultar peritos de outros Estados‑Membros ou solicitar informações técnicas ou científicas adicionais a outros Estados‑Membros, com o objectivo de apoiar a avaliação».

10      Um relatório de avaliação dos processos entregues é então redigido e enviado à Comissão pelo Estado‑Membro relator no prazo de doze meses a contar da recepção dos processos, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 3600/92. Este relatório deve conter, nomeadamente, uma recomendação sobre a oportunidade da inclusão da substância activa em causa no anexo I da Directiva 91/414.

11      A Directiva 91/414 comporta ainda duas disposições agrupadas sob a epígrafe «[p]rescrições em matéria de dados, protecção dos dados e confidencialidade», que são os artigos 13.° e 14.°

12      O artigo 13.° da Directiva 91/414 diz respeito aos pedidos de autorização de colocação no mercado dos produtos fitofarmacêuticos que contenham substâncias activas já incluídas no anexo I dessa directiva. Este artigo prevê a utilização dos dados de um outro requerente se este tiver dado a sua autorização. Assim, o artigo 13.°, n.° 3, determina nomeadamente que, «[a]o conceder as autorizações, os Estados‑Membros não utilizarão os dados referidos no anexo II em benefício de outros requerentes [...] [a] menos que o requerente tenha acordado com o primeiro requerente a possível utilização desses dados». Além disso, segundo o artigo 13.°, n.° 7, «[o](s) titular(es) das autorizações anteriores e o requerente efectuarão todas as diligências necessárias para chegarem a acordo sobre a utilização mútua dos dados, de modo a evitar a duplicação dos ensaios com vertebrados».

13      Ainda no âmbito de um pedido de autorização de colocação no mercado, o artigo 14.° da Directiva 91/414 determina que «os Estados‑Membros e a Comissão assegurarão que as indicações apresentadas pelos requerentes e que constituem segredo industrial ou comercial sejam mantidas confidenciais no caso de a pessoa interessada na inclusão de uma substância activa no anexo I ou o requerente da autorização de um produto fitofarmacêutico assim o solicitar e se o Estado‑Membro ou a Comissão aceitar a justificação fornecida». Esta confidencialidade é limitada, uma vez que o artigo 14.° determina o seguinte:

«A confidencialidade não se aplica:

–        às denominações e à composição da ou das substância(s) activa(s) nem à denominação do produto fitofarmacêutico,

–        [...]

–        aos dados físico‑químicos relativos à substância activa e ao produto fitofarmacêutico,

–        aos eventuais meios utilizados para tornar a substância activa ou o produto fitofarmacêutico inócuos,

–        ao resumo dos resultados dos ensaios para estabelecer a eficácia do produto e a sua inocuidade em relação ao homem, aos animais, aos vegetais e ao ambiente,

–        aos métodos e precauções recomendados para reduzir os riscos de manipulação, armazenagem, transporte, incêndio ou outros,

–        aos métodos de análise referidos no n.° 1, alíneas c) e d), do artigo 4.° e no n.° 1 do artigo 5.°,

–        [...]

Se o requerente revelar posteriormente informações antes mantidas confidenciais, deve informar do facto a autoridade competente.»

14      O relatório transmitido pelo Estado‑Membro relator à Comissão pode então ser submetido à consulta de peritos dos Estados‑Membros e a Comissão pode consultar um ou vários notificantes, ao abrigo do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 3600/92, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n.° 1199/97. A consulta dos peritos dos Estados‑Membros é qualificada de revisão pelos pares («peer review»). Os diversos trabalhos de coordenação e de administração relativos a esta revisão foram confiados à ECCO (European Commission Co‑ordination) com base num contrato celebrado com a Comissão. Aquando da referida revisão, o processo e o relatório do Estado‑Membro relator são examinados por peritos de vários Estados‑Membros, para confirmar a análise efectuada pelo Estado‑Membro relator e identificar as informações em falta. Este procedimento pode durar de seis a nove meses. Após a revisão e a eventual obtenção das informações em falta, o relatório do Estado‑Membro relator é examinado pelo Comité Permanente da Cadeia Alimentar e da Saúde Animal (a seguir «comité»), de acordo com a mesma disposição, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 62.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO L 31, p. 1).

15      O artigo 7.°, n.° 3‑A, do Regulamento n.° 3600/92, como inserido pelo Regulamento n.° 1199/97, determina que na sequência desse exame a Comissão apresentará ao comité quer um projecto de directiva para incluir a substância activa no anexo I da Directiva 91/414, quer um projecto de decisão para revogar as autorizações de produtos fitofarmacêuticos que contenham a substância activa, quer um projecto de decisão destinado a essa revogação mas ressalvando a possibilidade de se reconsiderar a sua inclusão no anexo I da referida directiva depois da apresentação de ensaios adicionais ou de informações suplementares, quer finalmente um projecto de decisão para adiar a inclusão da substância activa na pendência da apresentação de resultados de ensaios adicionais ou de informações suplementares.

16      O artigo 7.°, n.° 4, primeiro travessão, do Regulamento n.° 3600/92, completado pelo Regulamento n.° 2266/2000, determina que, no caso de, na sequência do exame do comité, ser necessária a apresentação dos resultados de ensaios adicionais ou de outras informações, a Comissão fixará o prazo de apresentação desses resultados ou informações. A disposição precisa:

«Esta data‑limite é fixada em 25 de Maio de 2002, excepto se a Comissão estabelecer uma data‑limite anterior para uma determinada substância activa, salvo para os resultados de estudos a longo prazo considerados necessários pelo Estado‑Membro relator e pela Comissão na sequência do exame do processo e que não se preveja estarem totalmente concluídos no prazo estabelecido, na condição de as informações fornecidas incluírem provas de que os referidos estudos foram solicitados e os seus resultados serão apresentados, o mais tardar, em 25 de Maio de 2003. Em casos excepcionais, em que o Estado‑Membro relator e a Comissão não tenham podido identificar tais estudos até 25 de Maio de 2001, pode ser estabelecida outra data‑limite para a conclusão dos mesmos, desde que o notificante faculte ao Estado‑Membro relator provas de que os referidos estudos foram solicitados nos três meses seguintes ao pedido de execução daqueles, bem como um protocolo e um relatório de acompanhamento dos estudos, até 25 de Maio de 2002.»

17      O artigo 7.°, n.° 5, do Regulamento n.° 3600/92 dispõe que «[a] Comissão apresentará ao comité um projecto de decisão relativa à não inclusão [da substância activa em causa] no anexo I, em conformidade com o n.° 2, último parágrafo, do artigo 8.° da [D]irectiva [91/414], nos casos em que [...] o Estado‑Membro relator tenha informado a Comissão de que os resultados referidos no n.° 4, primeiro travessão, não foram apresentados no prazo fixado».

18      Segundo o artigo 8.° do Regulamento n.° 3600/92, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n.° 2266/2000, depois de receber os resultados dos ensaios adicionais ou outras informações complementares, o Estado‑Membro relator deve examiná‑los, assegurar que esses resultados ou informações sejam enviados pelo notificante aos outros Estados‑Membros e à Comissão e comunicar, o mais tardar no prazo de seis meses após a recepção desses resultados ou informações, um relatório de avaliação de todo o processo, acompanhado de uma recomendação no sentido da inclusão ou da não inclusão da substância activa no anexo I da Directiva 91/414.

19      Nos termos do artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 3600/92, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n.° 2266/2000, depois de receber o relatório redigido pelo Estado‑Membro relator, a Comissão remete‑o ao comité, para que este o examine. Este artigo determina que, «[a]ntes de remeter o processo e o relatório ao comité, a Comissão enviará o relatório do Estado‑Membro relator aos outros Estados‑Membros, a título informativo, e poderá organizar uma consulta de peritos de um ou mais Estados‑Membros». Acrescenta‑se que «[a] Comissão pode, igualmente, consultar alguns ou a totalidade dos notificantes de substâncias activas sobre o relatório ou partes deste referentes à substância activa em causa», precisando que «[o] Estado‑Membro relator facultará a assistência técnica e científica necessária durante tais consultas». No termo do exame a que o comité procede, a Comissão sujeita a este finalmente um projecto de decisão relativo à inclusão ou à não inclusão da substância no anexo I da Directiva 91/414.

 Factos na origem do litígio

20      A recorrente, a Industrias Químicas del Vallés, SA (a seguir «IQV» ou «recorrente»), é uma sociedade de direito espanhol cujas actividades compreendem a produção e a comercialização de produtos fitofarmacêuticos, de alimentos para animais e de produtos químicos. Desde Fevereiro de 1994 que a IQV importa metalaxil para Espanha e comercializa produtos contendo esta substância activa na Itália, na Espanha, na Grécia e em Portugal, bem como em vários Estados terceiros. A empresa Rallis India Ltd (a seguir «Rallis») produz o metalaxil que a IQV importa.

21      A recorrente e a Ciba Geigy AG (que posteriormente se tornou na Novartis AG depois na Syngenta AG, a seguir «Syngenta»), uma empresa que então também comercializava produtos contendo metalaxil, notificaram individualmente a Comissão da sua intenção de apresentar um processo com vista à inclusão dessa substância no anexo I da Directiva 91/414. Antes de efectuar a notificação, a IQV e a Syngenta manifestaram o seu interesse na apresentação de um processo colectivo. De seguida, trocaram correspondência e organizaram reuniões com vista à criação de um grupo de trabalho («task force») a fim de elaborar um processo colectivo único. Contudo, a Syngenta decidiu seguidamente não proceder a uma notificação colectiva. A IQV sublinhou que a Syngenta se mostrara desde o início hostil à constituição de um processo colectivo.

22      Finalmente, a Syngenta e a recorrente apresentaram, separadamente, um processo às autoridades portuguesas, em respectivamente 19 e 26 de Abril de 1995, isto é, antes do termo do prazo, fixado em 31 de Outubro de 1995 pelo Regulamento n.° 2230/95.

23      Após ter estudado estes documentos, as autoridades portuguesas consideraram que o processo apresentado pela Syngenta estava «substancialmente completo», mas que o apresentado pela IQV não estava. A IQV foi disso informada por carta da DGPC datada de 22 de Março de 1996, tendo então decidido completar o seu processo de acordo com o calendário aprovado pelas autoridades portuguesas. Em 12 de Abril de 1996, a IQV referiu às autoridades portuguesas que a maioria dos dados identificados como estando em falta deveriam estar disponíveis antes do fim do mês de Junho de 1996. Em 27 de Maio de 1996, as autoridades portuguesas informaram a IQV do seu acordo quanto à data‑limite fixada para apresentação das informações que continuavam em falta, sublinhando ainda a necessidade de fixar uma data‑limite para a apresentação de determinadas outras informações.

24      Em 3 de Junho de 1997, as autoridades portuguesas dirigiram uma carta à IQV referindo que o seu processo continuava a não poder ser considerado completo. A DGPC esclareceu que faltavam estudos essenciais em quase todos os domínios previstos na Directiva 91/414, a saber, o método de análise dos resíduos, a toxicologia, os resíduos, o destino e o comportamento no ambiente, bem como a ecotoxicologia. A DGPC precisou quais eram esses estudos e identificou as informações em falta.

25      Em 30 de Setembro de 1997, a IQV indicou às autoridades portuguesas que a maior parte das informações exigidas deveriam poder ser fornecidas no prazo de nove meses, isto é, no mês de Junho de 1998 o mais tardar.

26      Em 11 de Maio de 1998, a Syngenta informou as autoridades portuguesas de que se retirava do processo de avaliação do metalaxil. A Syngenta requereu ainda, em 15 de Maio de 1998, que o processo sucinto e o processo completo que apresentara no decurso do procedimento lhe fossem restituídos. A IQV continuava, pois, a ser a única empresa a participar no procedimento de avaliação do metalaxil, mas nesta fase ainda não tinha completado o seu processo. Após se ter retirado do procedimento, a Syngenta obteve em 15 de Julho de 2002 o registo do metalaxil‑M, uma substância activa com características muito próximas das do metalaxil.

27      Em 27 de Julho de 1998, a IQV foi informada de que a Syngenta se retirava do procedimento de avaliação do metalaxil.

28      Por carta de 15 de Janeiro de 1999, a IQV referiu à DGPC que esta tinha o dever de utilizar todas as informações e todos os documentos submetidos por todos os notificantes. Além disso, a IQV sublinhou que, se lhe fosse solicitado um processo completo, lhe deveria ser concedido um prazo suplementar a fim de que pudesse produzir e sintetizar toda a informação exigível. A IQV acrescentou desejar que a DGPC mantivesse a Comissão informada da sua posição.

29      Por cartas de, respectivamente, 5 de Fevereiro de 1999 e 15 de Março de 1999, a DGPC e a IQV solicitaram à Comissão o seu parecer sobre a utilização por um Estado‑Membro relator de estudos comunicados por um notificante que posteriormente se retirou do procedimento de reavaliação de uma substância activa. A IQV assinalou ainda à Comissão que o seu processo não estava completo e que se lhe fosse solicitado que fornecesse um processo completo, lhe deveria ser concedido um prazo suplementar.

30      Por carta de 19 de Julho de 1999, a Comissão informou as autoridades portuguesas de que, segundo ela, o facto de um notificante se retirar do procedimento de exame de uma substância activa não impedia o Estado‑Membro encarregado de instruir o processo de ter em conta todas as informações de que dispunha, incluindo as informações fornecidas por esse notificante. O ponto 6 da referida carta mencionava o seguinte:

«[N]o entanto, o notificante [na ocorrência o que mantém a sua notificação] está obrigado a dar um certo número de garantias ao Estado‑Membro relator:

–        assume a responsabilidade de submeter ao Estado‑Membro relator, aos demais Estados‑Membros, à Comissão e aos peritos referidos no artigo 7.°, n.° 2 (‘peer review’), um processo sucinto e, sendo caso disso, um processo completo, de acordo com o artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 3600/92;

–        deve responder de modo adequado às solicitações do Estado‑Membro relator no sentido de melhorar ou complementar o processo aquando da preparação do seu relatório de avaliação e [posteriormente], aquando do exame desse relatório ao nível da Comissão de acordo com o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 3600/92.»

31      Em 28 de Outubro de 1999, as autoridades portuguesas informaram a IQV de que estavam dispostas a preparar o relatório de avaliação do metalaxil baseando‑se no conjunto das informações disponíveis, incluindo as constantes do processo fornecido pela Syngenta. As autoridades portuguesas precisaram no entanto que, no caso de serem suscitadas questões complementares durante a avaliação ou de serem exigidos dados complementares, as questões e os pedidos de informação complementares deviam ser dirigidos à IQV. As autoridades portuguesas assinalaram que solicitariam à Syngenta uma confirmação da lista dos dados considerados protegidos.

32      Em 26 de Janeiro de 2001, as autoridades portuguesas enviaram à Comissão, em aplicação do artigo 7.° do Regulamento n.° 3600/92, o seu relatório de avaliação do metalaxil, redigido com base nos processos enviados pela Syngenta e pela IQV. Nesse relatório, as autoridades portuguesas referiam que determinadas informações complementares eram necessárias para ultimar a avaliação dessa substância e que, nessa fase, não lhes era pois possível propor a inclusão da referida substância no anexo I da Directiva 91/414.

33      Por carta de 9 de Fevereiro de 2001, a ECCO solicitou à IQV que preenchesse um quadro sobre o estado de adiantamento dos estudos. A IQV completou a coluna C desse quadro por correio electrónico de 9 de Março de 2001. De tal quadro, actualizado em 14 de Outubro de 2002, resultava que determinadas informações solicitadas só estariam disponíveis no mês de Setembro de 2004 (estabilidade em suspensão da substância) e que determinados estudos complementares relativos aos resíduos no solo, na água e no ar só poderiam ser apresentados no mês de Maio de 2003. Além disso, outros estudos só estariam disponíveis no fim do mês de Dezembro de 2002 (como, por exemplo, o relativo à toxicidade para os organismos aquáticos e as abelhas) ou no mês de Maio de 2003 (como, por exemplo, o relativo à toxicidade para os microrganismos terrestres).

34      Por cartas de 2 e 15 de Fevereiro de 2001, as autoridades portuguesas solicitaram à IQV que enviasse aos Estados‑Membros e à Comissão, até 15 de Março de 2001, um processo sucinto actualizado, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 3600/92, e, no caso de tal lhe ser solicitado, um processo completo relativo ao metalaxil.

35      Em 26 de Março de 2001, a Comissão informou a IQV de que, na medida em que esta não enviara o processo sucinto actualizado no prazo exigido, a Comissão e os Estados‑Membros não podiam proceder a um exame útil e chegar a uma conclusão a propósito do metalaxil. A Comissão assinalou que, de acordo com o artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 3600/92, os notificantes devem enviar um processo sucinto e um processo completo quanto tal lhes seja solicitado pela autoridade competente de cada Estado‑Membro. A Comissão referiu portanto que, na ausência de uma tal remessa, tencionava propor a adopção de uma decisão no sentido de não incluir o metalaxil no anexo I da Directiva 91/414.

36      Por carta de 4 de Maio de 2001 dirigida à Comissão, a IQV esclareceu que, para estar segura de cumprir o prazo que iria expirar no mês de Maio de 2002, analisava o custo e o tempo necessários para reproduzir determinados estudos apresentados pela Syngenta. A IQV precisou que a sua intenção nesse momento era a de adquirir unicamente os estudos da Syngenta que estavam protegidos. Além disso, a IQV perguntou à Comissão se a República Portuguesa seria encarregada de distribuir a documentação aos Estados‑Membros e, em caso afirmativo, se o faria a expensas da IQV.

37      Numa carta de 7 de Junho de 2001 dirigida à Comissão, a IQV forneceu a lista dos estudos do processo da Syngenta que estavam protegidos. Sublinhou também que era pouco provável que a Syngenta aceitasse vender‑lhe os seus estudos. A IQV esclareceu ainda que a reprodução dos referidos estudos podia ser efectuada com respeito pelo prazo que iria terminar no mês de Maio de 2002.

38      A fim de constituir um processo completo, a IQV contactou a Syngenta, em 7 de Junho de 2001, para lhe propor a aquisição de determinados estudos que esta efectuara no quadro da sua notificação (estudos contidos no seu processo sucinto e no seu processo completo).

39      Numa carta de 11 de Julho de 2001, a Comissão deu a entender que se a IQV não dispusesse do processo completo não poderia provavelmente responder num prazo razoável às questões suscitadas pelos peritos dos Estados‑Membros ou pela Comissão relativamente ao metalaxil. Além disso, a Comissão sublinhou que a decisão final relativa ao metalaxil devia ser adoptada até ao mês de Julho de 2003. No que se refere à questão relativa à distribuição, pelas autoridades portuguesas, da documentação aos Estados‑Membros, a Comissão considerou que esta possibilidade não era de excluir se tal distribuição apenas implicasse um trabalho administrativo para o Estado‑Membro relator.

40      Em 10 de Setembro de 2001, a Syngenta enviou uma carta à IQV através da qual a informava de que recusava vender‑lhe os estudos realizados para apresentar o seu processo relativo ao metalaxil.

41      Em 26 de Setembro de 2001, as autoridades portuguesas informaram a IQV de que recusavam assegurar a distribuição do processo sucinto ou completo da Syngenta aos Estados‑Membros e à Comissão.

42      Em 15 de Outubro de 2001, a Comissão referiu à IQV que, devido à recusa de a Syngenta vender os seus estudos a esta última e à recusa de as autoridades portuguesas copiarem e distribuírem o processo, se via na impossibilidade de efectuar as consultas aos peritos dos Estados‑Membros relativamente ao metalaxil.

43      Numa carta de 8 de Março de 2002, a Comissão informou a IQV de que a não inclusão do metalaxil no anexo I da Directiva 91/414 lhe parecia ser a única solução possível. Referiu que não prorrogaria a data‑limite de 25 de Julho de 2003 prevista na Directiva 91/414. A Comissão fazia referência à impossibilidade de os peritos nacionais procederem a um exame eficaz. Esclareceu que estava certa, pela sua experiência, de que, no quadro da revisão pelos pares, novos estudos ou novas clarificações seriam solicitados. A revisão pelos pares seria bloqueada, na medida em que a IQV não dispunha das informações contidas no processo da Syngenta. A IQV deveria então efectuar novos estudos, o que acarretaria prazos suplementares e uma certa incerteza. Esta incerteza resultava do facto de que, apesar de a apresentação de novos estudos preencher as lacunas do seu processo (fornecendo estudos não constantes do processo da Syngenta), a IQV não seria capaz de responder às questões dos peritos relativas aos estudos do processo da Syngenta, cujo conteúdo ela ignorava. Além disso, a Comissão acrescentou que as autoridades portuguesas haviam considerado que não lhes competia responder às questões suscitadas quando do exame dos peritos nacionais.

44      Por carta de 1 de Abril de 2002, a IQV informou a Comissão de que estava disposta a efectuar todos os estudos necessários para solicitar a inclusão do metalaxil, na condição de lhe ser concedido um novo período transitório no decurso do qual tal substância não seria retirada do mercado.

45      Em 12 de Abril de 2002, a IQV remeteu à Comissão um processo sucinto actualizado e confirmou a sua decisão de constituir um novo processo completo.

46      Por carta de 6 de Junho de 2002, a Comissão informou a IQV de que só as substâncias activas relativamente às quais estivessem disponíveis dados completos o mais tardar em 31 de Dezembro de 2003 poderiam ver a sua data‑limite de avaliação prorrogada para além do ano de 2003. Segundo a Comissão, era claro que o processo completo da IQV não podia estar disponível nessa data e que a retirada da Syngenta do processo de notificação não justificava um tratamento do metalaxil diferente do reservado às demais substâncias activas. Em consequência, a Comissão declarou‑se obrigada a propor a não inclusão do metalaxil no anexo I da Directiva 91/414. Indicou, contudo, que a IQV dispunha da possibilidade de entregar um processo com vista ao registo do metalaxil enquanto nova substância activa.

47      Por carta de 14 de Junho de 2002, a IQV referiu que continuava a efectuar os estudos necessários para preencher as lacunas identificadas no relatório das autoridades portuguesas. A IQV precisou que estes estudos deviam estar terminados no mês de Maio de 2003. No respeitante à apresentação de um processo de registo do metalaxil enquanto nova substância activa, a IQV precisou que a constituição de um tal processo não seria possível antes do termo do ano de 2005. A IQV acrescentou que o compromisso de constituir o referido processo representava um investimento financeiro importante. Assim, a IQV concluiu que realizaria um tal processo na condição de a Comissão lhe garantir um período transitório de autorização do metalaxil, a fim de não perder quotas de mercado durante o procedimento de avaliação.

48      Na sequência de uma solicitação feita pela ECCO em 9 de Fevereiro de 2001, a IQV completou um quadro, preparado com base no relatório do Estado‑Membro relator, que incorporava as informações solicitadas. A IQV completou ainda este quadro, de modo que as informações foram actualizadas em 14 de Outubro de 2002 (v. n.° 33 supra).

49      Na sua reunião de 18 e 19 de Outubro de 2002, o comité aprovou o projecto de decisão de não incluir o metalaxil no anexo I da Directiva 91/414. No seu relatório, o comité explicou nomeadamente que a IQV não tinha um processo suficientemente completo para lhe permitir participar numa avaliação detalhada do metalaxil nos termos do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 3600/92. A IQV não era capaz de responder às questões suscitadas pelos Estados‑Membros a propósito dos estudos da Syngenta, nem de apresentar estudos complementares.

50      Em 2 de Maio de 2003, a Comissão adoptou a Decisão 2003/308/CE relativa à não inclusão da substância activa metalaxil no anexo I da Directiva 91/414 (JO L 113, p. 8, a seguir «decisão impugnada»).

 Tramitação processual

51      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 9 de Maio de 2003, a recorrente interpôs recurso de anulação da decisão impugnada.

52      Por acto separado, registado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância no mesmo dia, a recorrente apresentou, ao abrigo do artigo 242.° CE, um pedido de suspensão da execução da decisão impugnada.

53      Por despacho de 5 de Agosto de 2003, Industrias Químicas del Vallés/Comissão (T‑158/03 R, Colect., p. II‑3041), o presidente do Tribunal de Primeira Instância indeferiu o pedido de suspensão da execução, reservando para final a decisão quanto às despesas.

54      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de Agosto de 2003, a IQV interpôs, ao abrigo do artigo 225.° CE e do artigo 57.°, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, recurso do despacho Industrias Químicas del Vallés/Comissão, já referido.

55      Por despacho de 21 de Outubro de 2003, Industrias Químicas del Vallés/Comissão [C‑265/03 P(R), Colect., p. I‑12389], o presidente do Tribunal de Justiça anulou o despacho de 5 de Agosto de 2003, Industrias Químicas del Vallés/Comissão, já referido, e ordenou a suspensão da execução da decisão impugnada, reservando para final a decisão quanto às despesas.

56      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância decidiu dar início à fase oral do processo. No quadro das medidas de organização do processo, o Tribunal convidou as partes, em 12 de Outubro de 2004, a responder a perguntas escritas. A recorrente e a recorrida entregaram as suas respostas às perguntas em, respectivamente, 5 e 8 de Novembro de 2004.

57      Foram ouvidas as alegações das partes na audiência que teve lugar a 8 de Dezembro de 2004. Em 22 de Fevereiro de 2005, o presidente da Segunda Secção deu por encerrada a fase oral do processo.

 Pedidos das partes

58      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

59      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao presente recurso por improcedente;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

60      A recorrente invoca três fundamentos de recurso. O primeiro assenta na ilegalidade da decisão impugnada, na medida em que decorre de uma interpretação errada e incoerente da Directiva 91/414 e do Regulamento n.° 3600/92. O segundo fundamento assenta na violação do princípio da proporcionalidade. O terceiro baseia‑se na existência de desvio de poder.

1.     Quanto ao primeiro fundamento, assente numa interpretação errada e incoerente da Directiva 91/414 e do Regulamento n.° 3600/92

61      A recorrente divide este fundamento em três partes distintas. Em primeiro lugar, a IQV alega que a decisão impugnada contradiz o exposto na Directiva 91/414 e no Regulamento n.° 3600/92, bem como as suas normas de execução. Em segundo lugar, a IQV sustenta que a decisão impugnada contradiz o espírito e o objectivo do sistema de reavaliação das substâncias activas. Estas duas partes serão examinadas em conjunto. Em terceiro lugar, a IQV considera que a decisão impugnada contradiz a interpretação dada pela Comissão relativa à questão da utilização dos estudos apresentados pela Syngenta para efeitos da elaboração do relatório pelo Estado‑Membro relator. Além disso, o Tribunal considera oportuno reagrupar determinados argumentos da recorrente numa quarta parte do fundamento, baseada no facto de a Comissão se ter fundado numa presunção injustificada e contrária à regulamentação aplicável.

 Contradição entre a decisão impugnada e, por um lado, o disposto na Directiva 91/414, no Regulamento n.° 3600/92 e nas suas normas de execução e, por outro, o espírito e o objectivo do sistema de reavaliação das substâncias activas

 Quanto à obrigação de a IQV constituir um processo completo

–       Argumentos das partes

62      A recorrente sustenta que é contrário ao direito que a Comissão exija um processo completo de cada um dos notificantes no caso de notificações colectivas de substâncias activas. Em particular, esta exigência de um processo completo é incompatível com a obrigação de apresentar preferencialmente processos colectivos prevista no artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 3600/92. É também incompatível com o nono considerando do Regulamento n.° 3600/92, que visa evitar qualquer duplicação de estudos ou ensaios que incidam sobre animais vertebrados (v. n.° 5 supra).

63      A recorrente acrescenta que o meio mais evidente de evitar as duplicações de trabalho consiste na criação de um mecanismo transparente que vincule tanto as grandes empresas como as empresas mais pequenas a comunicar os seus dados e estudos, como existe nos Estados Unidos e em vários Estados‑Membros, nomeadamente o Reino de Espanha.

64      A IQV faz ainda referência ao artigo 13.°, n.° 7, da Directiva 91/414, o qual, segundo ela, prossegue o mesmo objectivo (v. n.° 12 supra).

65      No que respeita às normas de execução publicadas pela Comissão a propósito de determinados aspectos do procedimento de reavaliação, a recorrente faz referência a um documento de trabalho datado de 1 de Julho de 2002, relativo ao número de cópias do processo sucinto e do processo completo pedido por cada Estado‑Membro. A recorrente esclarece que, segundo esse documento, nem todos os Estados‑Membros solicitam o envio de uma cópia do processo completo por cada substância activa. Assim, a colocação à disposição de todos os Estados‑Membros de uma cópia do processo completo não é indispensável ao procedimento de reavaliação de uma substância activa.

66      A recorrente precisa, na sua réplica, que, na carta de 19 de Julho de 1999 (v. n.° 30 supra), a Comissão esclareceu, baseando‑se nomeadamente no artigo 7.° do Regulamento n.° 3600/92, que o Estado‑Membro relator podia utilizar todos os dados disponíveis e não apenas os dados comunicados pelos notificantes ou pelas partes interessadas, a fim de preparar o relatório de avaliação do metalaxil. A recorrente sustenta que, na sua carta de 28 de Outubro de 1999, a DGPC não lhe exigiu que reproduzisse os estudos constantes do processo completo da Syngenta. A DGPC limitou‑se a assinalar‑lhe que a sua intervenção seria a de um interlocutor único no que se refere à resposta às perguntas e à comunicação de complementos de informação.

67      A recorrente considera ainda que esta exigência é contrária ao espírito e ao objectivo legítimo do sistema de reavaliação das substâncias activas. Este tem por objectivo garantir que as substâncias activas presentes no mercado europeu não ofereçam perigo e não sejam fonte de qualquer risco quer para a saúde humana e animal quer para o ambiente. Para conseguir este resultado, há que proceder a uma série de estudos científicos relativos à substância activa avaliada. A existência de um processo completo é indispensável, mas nem a Directiva 91/414 nem o Regulamento n.° 3600/92 dão particular importância à origem ou à propriedade destes estudos.

68      Segundo a IQV, o objectivo prosseguido pelo sistema de reavaliação das substâncias activas não pode ser o de privilegiar unicamente as grandes multinacionais que eram ou são titulares de direitos de propriedade industrial sobre estas substâncias activas. Com efeito, só estas multinacionais dispõem de processos completos que lhes permitam defender isoladamente as substâncias activas. Estas empresas detêm patentes em contrapartida da invenção e dos estudos realizados relativamente a uma determinada substância activa. O sistema de reavaliação das substâncias activas não pode ser transformado em instrumento que sirva para perpetuar os monopólios legais relacionados com a detenção das patentes. O monopólio legal da patente deve ser limitado no tempo e, sendo caso disso, deve seguidamente beneficiar os demais operadores económicos presentes no mercado.

69      A recorrente acrescenta que é contrário ao espírito do sistema de avaliação exigir da IQV um processo completo no contexto do presente processo, uma vez que isso levaria a privilegiar principalmente as grandes empresas, em detrimento das de menor dimensão, e a contribuir para a manutenção dos monopólios legais que essas patentes lhes conferem. A recorrente faz várias referências ao metalaxil‑M, uma substância activa, muito similar ao metalaxil, que foi objecto de uma notificação pela Syngenta e de inclusão no anexo I da Directiva 91/414 em 2002. A IQV sustenta que a autorização do metalaxil‑M, que é o substituto do metalaxil, permite à Syngenta adquirir uma posição dominante no mercado dos fungicidas curativos.

70      A Comissão opõe‑se a todos os argumentos aduzidos pela recorrente. Precisa que a decisão impugnada se baseia no facto de, não dispondo a IQV de um processo completo relativo ao metalaxil, a retirada da Syngenta do procedimento de avaliação e a sua recusa de vender à IQV os estudos contidos no seu próprio processo não terem permitido que se finalizasse a avaliação do metalaxil. Para mais, segundo a Comissão, a IQV não pôde apresentar as informações complementares solicitadas com base no relatório do Estado‑Membro relator, nem completar o seu processo nos prazos fixados, violando assim os seus compromissos sucessivamente assumidos na matéria.

–       Apreciação do Tribunal

71      A título liminar, há que declarar que, no caso vertente, a IQV e a Syngenta não efectuaram uma notificação colectiva. Foram feitas duas notificações individuais, uma vez que a tentativa de notificação colectiva fracassou. A existência de uma notificação colectiva pressupõe um acordo prévio entre as partes. Ora, no caso vertente, a IQV e a Syngenta não chegaram a um acordo que permitisse conjugar os seus esforços para permitir a avaliação da substância activa metalaxil. Assim, as disposições relativas às notificações colectivas não devem ser aplicadas ao presente caso.

72      A existência de duas notificações individuais implica a exigência de um processo completo por parte de cada notificante. A este respeito, o Regulamento n.° 3600/92 comporta disposições precisas.

73      O artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 3600/92 determina que, no prazo fixado no artigo 5.°, n.° 4, os autores da notificação devem enviar ao Estado‑Membro relator o processo sucinto e o processo completo. Resulta desta disposição e do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), bem como do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), que o encargo de preparar um processo sucinto e um processo completo incide sobre o autor de cada notificação. O facto de a Syngenta se ter retirado do procedimento não modifica, portanto, as obrigações da IQV. Esta apreciação não é posta em causa pelo facto de o Regulamento n.° 3600/92 prever uma preferência pela apresentação de processos colectivos. Com efeito, o artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 3600/92 não impõe a obrigação de apresentar processos colectivos, apenas constituindo um incitamento a fazê‑lo. Esta constatação permite também afastar o argumento da recorrente baseado no nono considerando do Regulamento n.° 3600/92. O argumento da recorrente assente na obrigação de apresentar os processos colectivos deve, portanto, ser rejeitado.

74      Quanto ao argumento da recorrente baseado no artigo 13.°, n.° 7, da Directiva 91/414, há que notar que esta disposição apenas visa a autorização dos produtos fitofarmacêuticos que contêm substâncias activas já incluídas no anexo I da Directiva 91/414. A aplicação ao caso vertente do referido artigo deve, portanto, ser afastada.

75      O argumento da IQV assente no documento de trabalho da Comissão de 1 de Junho de 2002, já referido, também não é pertinente. A Comissão esclareceu, sem ser contraditada a este respeito, que, na prática, os Estados‑Membros pedem geralmente uma cópia do processo completo. Para mais, este documento não pode alterar a obrigação regulamentar de apresentar um processo completo.

76      No que respeita ao espírito e ao objectivo do sistema de reavaliação, há que considerar que se trata de apreciar os efeitos nocivos das substâncias activas sobre a saúde humana e animal, bem como sobre o ambiente. No entanto, como acertadamente a Comissão sublinha, o ónus da prova da inocuidade da substância activa incide sobre o notificante, que tem a obrigação de apresentar um processo sucinto e um processo completo. Uma vez que a IQV não tinha acesso ao processo da Syngenta, por esta lhe recusar vender os seus estudos, a única solução para a IQV formar um processo completo consistia em apresentar ela própria tais estudos.

77      No que se refere à argumentação da recorrente relativa aos monopólios legais relacionados com a detenção de patentes, há que sublinhar que nem a Directiva 91/414 nem o Regulamento n.° 3600/92 fazem referência à necessidade de proteger a concorrência e evitar perpetuar os monopólios legais ligados à detenção de patentes. Além disso, esta regulamentação não contém base jurídica que permita à Comissão obrigar as empresas a partilhar os seus estudos ou as suas informações.

78      Resulta do que precede que os argumentos da recorrente destinados a contestar a obrigação de apresentar um processo completo devem ser rejeitados.

 Quanto à ilegalidade dos prazos concedidos à IQV para apresentar o seu processo

–       Argumentos das partes

79      A recorrente esclarece que é contrário ao direito que a Comissão exija à IQV a comunicação do seu processo completo no prazo previsto no artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 3600/92. Segundo a recorrente, foi a própria Comissão que colocou a IQV numa situação tal que lhe era impossível respeitar este prazo. Num primeiro momento, a Comissão esclareceu, na carta de 19 de Julho de 1999 dirigida à DGPC (v. n.° 30 supra), que o Estado relator podia utilizar todas as informações disponíveis para efectuar a sua avaliação. Na sequência desta carta, a DGPC informou a IQV, em 28 de Outubro de 1999, que continuaria a avaliação a partir de qualquer informação disponível e que a IQV seria o seu interlocutor único no que respeita às respostas às perguntas e à comunicação de complementos de informação. A IQV adquiriu, portanto, a convicção de que um novo processo completo não lhe seria posteriormente reclamado, uma vez que ela própria tinha comunicado à Comissão, no decurso do mês de Março de 1999, que o seu processo não estava completo. No entanto, num segundo momento, no mês de Fevereiro de 2001, a Comissão e a DGPC reclamaram à IQV o processo completo. Ao alterar a sua linha de conduta, a Comissão tornou impossível o respeito do prazo previsto no artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 3600/92.

80      A recorrente considera que é contrário ao espírito da regulamentação exigir a apresentação de um processo completo num prazo impossível de respeitar e recusar prorrogá‑lo. A este respeito, a adopção do Regulamento n.° 2076/2002 pela Comissão é reveladora, na medida em que constitui a prova tangível de que a Comissão poderia ter flexibilizado os prazos de procedimento, prorrogando‑os, o que fez no que respeita a outras substâncias activas.

81      Além disso, a retirada da Syngenta do procedimento criou uma situação excepcional, que o Regulamento n.° 3600/92, as linhas directrizes e os documentos de orientação relativos ao procedimento de reavaliação não previam. A recusa da Comissão de prorrogar o prazo previsto no Regulamento n.° 2076/2002 é discriminatória.

82      Finalmente, a IQV acusa a Comissão de não lhe ter assinalado que o Regulamento n.° 2076/2002 era aplicável ao metalaxil e que era, portanto, possível prorrogar o prazo até 31 de Dezembro de 2005.

83      A Comissão responde que o procedimento de avaliação das substâncias activas existentes está sujeito a prazos que os notificantes, o Estado‑Membro relator e a Comissão estão obrigados a respeitar. Para mais, em 2001, num relatório ao Parlamento Europeu, a Comissão comprometeu‑se a velar por que o maior número possível de decisões fosse adoptado até ao mês de Julho de 2003 e que qualquer prorrogação do prazo que se mostrasse necessária fosse tão breve quanto possível.

84      A Comissão refuta o argumento de que a IQV não pôde respeitar os prazos prescritos pela regulamentação comunitária por causa de uma alegada mudança de orientação da Comissão. Segundo a Comissão, a DGPC recordou por várias vezes à IQV, desde o procedimento de avaliação, que ela devia completar o processo apresentado, por faltarem estudos importantes. Além disso, a IQV comprometeu‑se por várias vezes a realizar os estudos necessários para completar o seu processo. Os prazos que ela mencionou nunca foram, porém, respeitados.

85      Segundo a Comissão, a IQV sabia desde 1998 que era o único notificante e, desde 1999, a Comissão e a DGPC insistiram nas obrigações em matéria de informação e de prova que a esse título lhe incumbiam. Ora, se a IQV tivesse começado a preparar o processo completo quando a Syngenta anunciou oficialmente a sua retirada em 1998, ou mesmo quando recebeu a confirmação do prosseguimento da revisão em 1999, todas as informações teriam podido ser recolhidas, segundo um cálculo aceite pela recorrente, o mais tardar em 2002 e 2003, portanto nos prazos estabelecidos pela regulamentação.

86      A Comissão sublinha que a IQV não dispunha, no mês de Maio de 2002, de um processo completo relativo ao metalaxil e continuava a não dispor dele no momento da redacção da contestação, apesar de se tratar de uma condição essencial para que uma decisão pudesse ser adoptada o mais tardar em 2005.

87      A Comissão considera, por fim, que a posição da IQV é contraditória. Por um lado, a IQV sustenta ter‑se encontrado numa situação excepcional que a Comissão deveria ter tido em conta, e depois, por outro lado, a IQV compara a situação do metalaxil à das outras substâncias activas abrangidas pelo Regulamento n.° 2076/2002. No que se refere a uma alegada discriminação, a Comissão recorda que mais de 400 substâncias activas foram retiradas por razões relacionadas com o procedimento de avaliação, em especial por causa de falta de notificação ou de apresentação de um processo completo nos prazos fixados.

–       Apreciação do Tribunal

88      Como a Comissão correctamente observou, existem disposições regulamentares precisas relativas à duração do procedimento geral de avaliação das substâncias activas e aos prazos de apresentação de um processo completo e das informações complementares.

89      O Regulamento n.° 3600/92, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n.° 2266/2000, prevê que estes últimos prazos terminaram, em princípio, em 25 de Maio de 2002, no que se refere à apresentação dos resultados dos ensaios suplementares, e em 25 de Maio de 2003, no que se refere aos estudos a longo prazo.

90      O período transitório para a autorização de colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos à base de substâncias activas deveria terminar, em princípio, em Julho de 2003, mas foi prorrogado até 31 de Dezembro de 2005, pelo Regulamento n.° 2076/2002, a menos que uma decisão de incluir ou, como no caso vertente, de não incluir a substância activa no anexo I tenha sido ou seja tomada antes dessa data.

91      Há que verificar se a Comissão tinha o direito de recusar prorrogar o prazo destinado à continuação do procedimento de avaliação do metalaxil.

92      A este respeito, resulta do artigo 7.°, n.° 4, do Regulamento n.° 3600/92 (v. n.° 16 supra) que a Comissão só pode prorrogar o prazo em casos excepcionais, em que o Estado‑Membro relator e a Comissão não tenham podido identificar, até 25 de Maio de 2001, os estudos a longo prazo considerados necessários para o exame do processo. Além disso, o notificante deve facultar ao Estados‑membro relator provas de que os referidos estudos foram solicitados nos três meses seguintes ao pedido de execução deles, e deve apresentar um protocolo e um relatório de acompanhamento dos estudos até 25 de Maio de 2002.

93      Ora, a apreciação do carácter excepcional de uma situação depende das circunstâncias do caso concreto e está abrangida pelo poder de apreciação da Comissão. No caso vertente, a recorrente sabia que lhe seria exigido um processo completo a título do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 3600/92. A DGPC informou‑a, pelo menos desde 3 de Junho de 1997 (v. n.° 24 supra), que o seu processo não estava completo. A IQV foi informada desde o mês de Julho de 1998 da retirada da Syngenta, o que em nada modificou a sua obrigação de apresentar um processo completo nos prazos devidos. Esta conclusão não pode ser afectada pelo facto de nenhuma disposição reger a situação de retirada de um dos dois notificantes. Além disso, na sequência da comunicação pela Comissão no mês de Maio de 2002 da sua intenção de apresentar ao comité um projecto de não inclusão do metalaxil no anexo I da Directiva 91/104, a IQV suspendeu por sua própria iniciativa todos os estudos que podiam ser suspensos e, nomeadamente, aqueles cujo custo era mais elevado. Nestas condições, a situação da IQV não pode considerar‑se excepcional.

94      O argumento da recorrente de que não foi possível respeitar os prazos na sequência de uma mudança de posição da Comissão é destituído de pertinência. Com efeito, os termos da carta de 19 de Julho de 1999 relativos às obrigações incidentes sobre a IQV são muito claros: «[O notificante] assume a responsabilidade de submeter ao Estado‑Membro relator, aos demais Estados‑Membros e aos peritos referidos no artigo 7.°, n.° 2 (‘peer review’), um processo sucinto e, sendo caso disso, um processo completo.» Ainda que a carta da DGPC à IQV, datada de 28 de Outubro de 1999, não tenha retomado esta passagem, é evidente que a posição da Comissão de modo algum foi alterada. Assim, a situação da IQV não pode ser qualificada de excepcional devido ao comportamento da Comissão.

95      O poder de conceder uma prorrogação aparenta‑se ao poder de apreciação que depende das circunstâncias do caso vertente. Com efeito, há que recordar que as instituições comunitárias dispõem, em matéria de política agrícola comum, como sucede no caso vertente, de um amplo poder de apreciação quanto à definição dos objectivos prosseguidos e à escolha dos instrumentos de acção adequados. Neste contexto, a fiscalização do órgão jurisdicional comunitário quanto ao mérito deve limitar‑se a examinar se o exercício de tal poder de apreciação não está viciado por erro manifesto ou desvio de poder ou ainda se as instituições comunitárias não ultrapassaram manifestamente os limites do seu poder de apreciação (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Setembro de 2002, Alpharma/Conselho, T‑70/99, Colect., p. II‑3495, n.os 177 a 180). Há que verificar se, ao recusar prorrogar os prazos, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação.

96      Uma prorrogação indefinida do prazo de avaliação de uma substância activa seria contrária ao objectivo prosseguido pela Directiva 91/414 que consiste em garantir um nível elevado de protecção da saúde humana e animal, bem como do ambiente. É certo que a Comissão já concedeu prorrogações de prazos para a avaliação de determinadas substâncias activas, alegando aliás a IQV que a ausência de prorrogação do prazo relativo ao metalaxil era discriminatória. No entanto, como a Comissão referiu, a prorrogação do prazo concedido para outras substâncias activas nunca excedeu 31 de Dezembro de 2003. Ora, de acordo com o quadro do estado de adiantamento dos estudos da IQV, actualizado em 14 de Outubro de 2002, alguns estudos só estariam terminados no mês de Setembro de 2004.

97      Além disso, há que ter em conta o facto de, em 2001, num relatório dirigido ao Parlamento Europeu, a Comissão se ter comprometido a velar por que o maior número possível de decisões fosse tomado antes do mês de Julho de 2003 e que qualquer prorrogação do prazo que se revelasse necessária fosse tão breve quanto possível. Face a estes elementos, a Comissão não cometeu erro manifesto de apreciação ao recusar prorrogar o prazo relativo ao metalaxil.

98      No que respeita ao argumento da recorrente de que o Estado‑Membro relator teria podido encarregar‑se da distribuição do processo completo da Syngenta, de modo a ganhar tempo e a permitir abrir a fase de revisão pelos peritos nacionais («peer review»), basta recordar que não existem disposições regulamentares que obriguem o Estado‑Membro relator a efectuar essa distribuição. Além disso, o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 3600/92 determina que seja o notificante a distribuir os processos.

99      Na medida em que a recorrente invoca o espírito e o objectivo legítimo do sistema de reavaliação para contestar o prazo de apresentação de um processo completo, há que declarar que é a regulamentação em vigor que determina os prazos e que a prorrogação deles é uma simples faculdade concedida à Comissão (v. n.os 95 a 97 supra).

100    Daqui resulta que os argumentos da recorrente destinados a contestar os prazos não são fundados e devem ser rejeitados. Resulta de tudo o que precede que as primeira e segunda partes do primeiro fundamento não são precedentes.

 Contradição entre a decisão impugnada e a posição da Comissão sobre a utilização dos estudos apresentados pela Syngenta com vista à elaboração do relatório pelo Estado‑Membro relator

 Argumentos das partes

101    A recorrente acusa a Comissão de ter feito prova de incoerência ao indicar, na sua carta de 19 de Julho de 1999, que nada se opunha a que o Estado‑Membro relator procedesse à elaboração do seu relatório com base em todas as informações de que dispunha, exigindo simultaneamente da IQV a produção de um processo completo que implicava a aquisição dos estudos da Syngenta ou a reprodução dos estudos já existentes. Segundo a recorrente, a Comissão sabia desde o início que a IQV não dispunha de um processo completo e que, para dele poder dispor, devia reproduzir os estudos constantes do processo da Syngenta.

102    Na opinião da recorrente, face às lacunas existentes na regulamentação aplicável, a Comissão deveria ter autorizado a IQV a prosseguir o trabalho de reavaliação do metalaxil optando por várias soluções: em primeiro lugar, utilizar na medida do possível o processo já existente, com vista à reavaliação do metalaxil, e confiar à IQV a missão de responder às perguntas que lhe fossem colocadas e de proceder aos estudos inéditos ou complementares indispensáveis para tranquilizar os demais Estados‑Membros no que respeita à substância activa em causa; em segundo lugar, se isto não fosse feito, identificar, no processo da Syngenta, entre os estudos protegidos, aqueles cuja reprodução era necessária para a defesa do metalaxil e que a IQV se declarara pronta a reproduzir; em terceiro lugar, autorizar a IQV a realizar estes estudos num prazo aceitável na prática, como anteriormente fizera quanto a outras substâncias activas.

103    A Comissão considera que a decisão impugnada é coerente com a interpretação da regulamentação aplicável exposta na carta da Comissão de 19 de Julho de 1999. Nessa carta, a Comissão explicava, com efeito, que nada se opunha a que o Estado‑Membro relator procedesse à elaboração do seu relatório com base em todas informações de que dispunha. Segundo a Comissão, contudo, dado que o ónus da prova incumbe ao notificante, compete a este apresentar todas as informações necessárias para demonstrar a ausência de efeitos nocivos ou inaceitáveis dessa substância activa.

 Apreciação do Tribunal

104    Basta recordar que a posição da Comissão não mudou na matéria (v. n.° 94 supra). A Comissão não se contradisse ao exigir um processo completo em 2001, uma vez que, já em Julho de 1999, o parecer jurídico dirigido à DGPC mencionava essa obrigação.

105    O artigo 7.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 3600/92 dispõe que o Estado‑Membro relator deve «[e]xaminar os processos referidos nos n.os 2 e 3 do artigo 6.° [isto é, o processo sucinto e o processo completo] bem como quaisquer [...] outras informações disponíveis». A interpretação dada pela Comissão no seu parecer de 19 de Julho de 1999 não é incompatível com o Regulamento n.° 3600/92. Há que declarar, aliás, que o facto de a Comissão não ter previsto explicitamente, na regulamentação, as consequências do caso específico da retirada de um pedido de autorização de colocação no mercado de uma substância quando um outro pedido de autorização relativo à mesma substância não é retirado, não é constitutivo de uma lacuna legislativa. Assim, o argumento da recorrente deve ser rejeitado. Deste modo, esta parte do primeiro fundamento deve ser rejeitada na sua integralidade.

 Ilegalidade da presunção da Comissão

 Argumentos das partes

106    A recorrente sustenta que a Comissão se baseou numa presunção que é injustificada e não conforme com a regulamentação. De acordo com esta presunção, a IQV não poderia responder às perguntas formuladas pelos peritos aquando da revisão pelos pares («peer review») nem apresentar dados relativos a determinadas perguntas. A recorrente sublinha que a Comissão se refere nos considerandos da decisão impugnada à insuficiência de dados para efectuar a avaliação, quando, em primeiro lugar, a IQV apresentou estudos que não foram tidos em conta pela Comissão e desde há vários anos tem preenchido as lacunas do processo por meio de novos estudos, em segundo lugar, a IQV esteve sempre disposta a apresentar os estudos necessários e, em terceiro lugar, a própria Comissão não foi capaz de determinar e definir quais os estudos que considerava indispensáveis para a defesa da substância activa nem quais os estudos do processo da Syngenta que beneficiavam de uma protecção.

107    Além disso, a IQV sustenta que a Comissão devia ter tido em conta o facto de por detrás dela estar a empresa Rallis, que produzia o metalaxil que a IQV importava. A Rallis teria estado excepcionalmente bem colocada, em razão da sua competência técnica e da sua profunda experiência, para responder à maior parte das perguntas que podiam ser feitas a propósito do metalaxil. Finalmente, a recorrente sublinha que a presunção da Comissão se baseia na sua experiência dos procedimentos de reavaliação. Ora, o procedimento de reavaliação de cada substância activa é diferente e suscita problemas distintos e não comparáveis em cada caso concreto.

108    A Comissão afirma que determinadas questões essenciais, nomeadamente a ecotoxicidade do metalaxil ou dos seus componentes, se mantêm sem resposta. Além disso, a IQV contradisse‑se ao comprometer‑se a completar o seu processo e ao proceder seguidamente a uma selecção entre, por um lado, os estudos essenciais que ela devia realizar e, por outro, os que eram protegidos no processo da Syngenta.

109    A Comissão insiste no facto de, contrariamente ao que a IQV sustenta, o processo apresentado pela Syngenta para efeitos da preparação do relatório do Estado‑Membro relator não estar completo. As conclusões do referido relatório da DGPC revelam importantes lacunas no processo da Syngenta. Além disso, uma vez que a IQV não teve acesso aos estudos constantes deste processo, não poderia remeter os participantes na avaliação para estudos que não conhecia nem fazer face às perguntas ou críticas dos peritos dos Estados‑Membros. A Comissão acrescenta que o ónus da prova não incumbia ao Estado‑Membro relator nem a qualquer outra empresa, como a Rallis. Além disso, se a Rallis tivesse disposto de informações pertinentes, nada lhe teria impedido de as transmitir à recorrente.

 Apreciação do Tribunal

110    Há que considerar, tendo em conta os elementos do presente processo e a prática na matéria, que foi acertadamente que a Comissão declarou que, por não ter acesso aos estudos do processo da Syngenta, a IQV não poderia responder às perguntas dos peritos sobre esses estudos. A este respeito, no sétimo considerando da decisão impugnada, a Comissão refere‑se à insuficiência de dados para efectuar uma avaliação. Além disso, as autoridades portuguesas, que detinham o processo da Syngenta, haviam considerado que não lhes competia responder às perguntas suscitadas quando do exame dos peritos nacionais.

111    No que respeita à afirmação da recorrente de que sempre esteve disposta a apresentar os estudos necessários, há que recordar ainda que ela não respeitou por diversas vezes os prazos para completar o seu processo. Como correctamente faz notar a Comissão, a IQV contribuiu assim para a sua própria situação, ao não respeitar os prazos para apresentar as informações complementares, e portanto para a não apresentação de um processo completo.

112    Há que acrescentar que, mesmo supondo que fosse pertinente admitir que a Rallis estava excepcionalmente bem colocada para responder à maior parte das perguntas formuladas pelos peritos no decurso da revisão, é pacífico que a IQV continuava a não dispor de um processo completo e que determinadas questões essenciais, nomeadamente as relativas à ecotoxicidade do metalaxil ou dos seus componentes, se mantinham sem resposta. A este respeito, há que observar que todos os estudos essenciais que não existiam no processo da IQV também não se encontravam no processo da Syngenta (v. ainda o n.° 137 infra).

113    Por último, a própria recorrente indicou, na sua carta de 4 de Maio de 2001 dirigida à Comissão, que tinha dificuldade em responder às perguntas dos Estados‑Membros sem ter à sua disposição os estudos da Syngenta.

114    Assim, o argumento assente na ilegalidade da presunção da Comissão deve ser rejeitado.

115    Daqui resulta que o primeiro fundamento deve ser considerado improcedente na sua totalidade.

2.     Quanto ao segundo fundamento, assente na violação do princípio da proporcionalidade

 Argumentos das partes

116    A recorrente sustenta que a Comissão violou o princípio da proporcionalidade ao decidir a não inclusão da substância activa metalaxil no anexo I da Directiva 91/414 e a retirada do mercado de todos os produtos fitofarmacêuticos contendo o referido metalaxil (artigos 1.° e 2.° da decisão impugnada). De acordo com a recorrente, o objectivo prosseguido pela Directiva 91/414 e pelo Regulamento n.° 3600/92 é o de que se reavaliem todas as substâncias activas que as empresas pretendam defender, sempre que existam estudos que o permitam, e que só subsistam nos mercados as substâncias sem perigo. A recorrente articula o seu fundamento em três partes distintas, que serão tratadas em conjunto pelo Tribunal.

 Natureza inadequada e contra‑indicação da decisão impugnada para alcançar o objectivo prosseguido

117    A recorrente sustenta que a decisão impugnada viola o princípio da proporcionalidade, uma vez que retirou do mercado europeu uma substância quando a sua análise científica ainda não estava terminada. Esta retirada foi ordenada apesar de, por um lado, o Estado‑Membro relator dispor de todos os estudos necessários para a avaliação da substância activa em causa e de, por outro, existir uma empresa, a IQV, interessada em assumir a comercialização dessa substância activa e pronta a participar no trabalho destinado a tornar a registá‑la. A decisão impugnada resulta da incapacidade da Comissão de resolver por um método interpretativo lógico um problema para o qual o Regulamento n.° 3600/92 não previu uma solução clara e evidente.

118    Além disso, a recorrente considera que a Comissão não dispõe de qualquer motivo sério que justifique a adopção da decisão impugnada. Alega que uma substância activa muito similar ao metalaxil, o metalaxil‑M, foi recentemente incluída no anexo I da Directiva 91/414 e foi defendida pela Syngenta pela utilização de estudos que concordam em 80% com os estudos necessários para a defesa do metalaxil. Além disso, o metalaxil foi comercializado a nível mundial sem dificuldade durante vários anos e sem qualquer problema para a saúde pública.

119    Segundo a recorrente, a decisão da Comissão é devida à precipitação de que fez prova no que se refere a completar o mais rapidamente possível a reavaliação das substâncias que se englobam na primeira fase do programa de novo registo das substâncias activas. A recorrente precisa que a decisão impugnada foi adoptada por razões processuais e de gestão administrativa que de modo algum são irrefutáveis. Ao acelerar os trabalhos de reavaliação das substâncias activas, a Comissão aumentou a lista das substâncias activas condenadas a desaparecer do mercado.

120    A recorrente acrescenta que a decisão é contra‑indicada porque dela não decorre qualquer vantagem para a saúde ou o interesse geral, nem para o mercado europeu. Com efeito, da decisão impugnada só resultaram inconvenientes para o mercado, os consumidores (redução das suas possibilidades de opção) e a concorrência. O metalaxil será assim substituído pelo metalaxil‑M, que pertence à multinacional Syngenta e que é o perfeito substituto daquele. O desaparecimento do metalaxil permite à Syngenta adquirir uma posição dominante no mercado dos fungicidas curativos. A recorrente acrescenta que outros produtores e proprietários de substâncias consideradas pela Comissão como produtos susceptíveis de substituir o metalaxil, por exemplo, a Bayer ou a Aventis, não aproveitaram a adopção da decisão impugnada para fazerem a promoção dos seus produtos e se apropriarem da parte de mercado até agora reservada ao metalaxil.

121    A recorrente sublinha que o projecto da Syngenta de aplicar a mesma estratégia monopolista de exclusão do metalaxil do mercado e de dominação do mercado utilizando o metalaxil‑M foi rejeitado pelas autoridades americanas, que estão dotadas de um sistema suficientemente flexível para controlar ou evitar este tipo de situação problemática.

122    A Comissão sublinha que os objectivos prosseguidos pela directiva não são nem a protecção do mercado nem a da concorrência, mas antes a protecção da saúde humana e animal e do ambiente (quarto e nono considerandos da Directiva 91/414). Este objectivo está em conformidade com o princípio de precaução tal como definido na jurisprudência, que consagra a primazia da protecção da saúde e do ambiente sobre os interesses económicos.

123    A Comissão acrescenta que a recorrente foi informada, desde 1996, de que faltavam no seu processo estudos essenciais. A recorrente sustentou, em Junho de 2002, que precisava de pelo menos três anos para poder dispor de um processo completo. Assim, a Comissão concluiu que a sua decisão não era uma medida precoce ou adoptada de forma urgente.

 Possibilidade de atingir o objectivo prosseguido pela adopção de uma medida menos restritiva

124    A recorrente alega que a Comissão podia escolher diversas outras soluções menos carregadas de consequências antes de se pronunciar a favor da não inclusão do metalaxil no anexo I da Directiva 91/414 e pelo desaparecimento total do mercado dos produtos fitofarmacêuticos que o contêm. A Comissão teria podido:

–        prosseguir o trabalho de reavaliação, obrigando as autoridades portuguesas a distribuir o processo completo sobre o metalaxil aos Estados‑Membros que o solicitassem, confiando à recorrente a tarefa de efectuar os estudos complementares necessários para afastar as dúvidas sobre a substância activa;

–        (ela própria ou o Estado‑Membro relator) precisar que estudos eram indispensáveis e que estudos estavam protegidos;

–        conceder um prazo suficiente à recorrente para proceder à reprodução dos estudos.

125    A recorrente sublinha que a Comissão devia ter exposto na sua decisão a razão pela qual tinha decidido não lhe conceder quanto ao metalaxil um prazo que fosse para além do ano de 2003, quando o Regulamento n.° 2076/2002 permitia uma prorrogação até ao mês de Dezembro de 2005.

126    Finalmente, a recorrente esclarece que a abertura de um procedimento destinado à inclusão do metalaxil enquanto substância nova era uma solução não viável.

127    A Comissão recorda que o objectivo do sistema de avaliação instaurado pela Directiva 91/414 é o de obter uma avaliação adequada das substâncias activas em questão com base nas informações fornecidas pelo notificante.

 Violação do princípio da proporcionalidade em sentido estrito

128    Em primeiro lugar, a recorrente sustenta, em substância, que a decisão impugnada não preenche a condição da proporcionalidade no sentido estrito, na medida em que os prejuízos causados aos direitos dos particulares prevalecem amplamente sobre as vantagens criadas a favor do interesse geral. Com efeito, a substância está a ponto de ser eliminada do mercado apesar de não ter sido demonstrado que levanta problemas ou acarreta um risco, por menor que seja, para a saúde pública.

129    Em segundo lugar, a recorrente acrescenta que a decisão da Comissão acarreta uma redução da concorrência (redução das importações de produtos agrícolas tratados com produtos contendo metalaxil) e das possibilidades de escolha dos consumidores.

130    Em terceiro lugar, segundo a recorrente, a Syngenta é a única a beneficiar da retirada do metalaxil, uma vez que comercializa o metalaxil‑M, substituto natural do metalaxil. Além disso, em momento algum a Syngenta procurou desviar a atenção do consumidor a favor de produtos diferentes do metalaxil‑M, de que ela também é titular e que são considerados pela Comissão como passíveis de substituir o metalaxil.

131    A Comissão refuta estes argumentos ao considerar que é a própria directiva que, ao estabelecer obrigações de prova estritas que incumbem ao notificante, subordina o interesse individual deste ao interesse geral. Trata‑se de autorizar as substâncias e os produtos que não apresentam riscos para a saúde humana ou animal ou para o ambiente.

132    Segundo a Comissão, os efeitos que a não inclusão no anexo I da Directiva 91/414 poderia ter sobre as importações em questão não resultam da decisão impugnada, antes sendo objecto de um procedimento que está em curso e que implica consultas no quadro do comité das medidas sanitárias e fitossanitárias da Organização Mundial do Comércio.

 Apreciação do Tribunal

133    Contrariamente ao que a recorrente sustenta, o sexto considerando do Regulamento n.° 2076/2002 não faz referência à protecção da concorrência. Como a Comissão sublinha, os objectivos prosseguidos pela Directiva 91/414 não são a protecção do mercado ou da concorrência, mas a protecção da saúde humana e animal, bem como do ambiente. Este objectivo está em conformidade com o princípio da precaução e corresponde à jurisprudência que consagra a primazia da protecção da saúde e do ambiente sobre os interesses económicos.

134    É jurisprudência bem assente que a importância do objectivo prosseguido, ou seja, a protecção da saúde humana, pode justificar consequências económicas negativas, mesmo consideráveis, para alguns operadores económicos. Neste contexto, à protecção da saúde pública deve ser atribuída uma importância preponderante relativamente às considerações económicas (despacho do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1996, Reino Unido/Comissão, C‑180/96 R, Colect., p. I‑3903, n.° 93, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Setembro de 2002, Pfizer Animal Health/Conselho, T‑13/99, Colect., p. II‑3305, n.os 456 e 457).

135    De acordo com jurisprudência constante, o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito comunitário, exige que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do adequado e necessário à realização dos objectivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos rígida, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos pretendidos (v., nomeadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Novembro de 1987, Maizena e o., 137/85, Colect., p. 4587, n.° 15, e acórdão Pfizer Animal Health/Conselho, já referido, n.° 411).

136    Em matéria agrícola, no entanto, nomeadamente no que se refere a medidas tomadas ao abrigo do artigo 43.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 37.° CE), a fiscalização jurisdicional do princípio da proporcionalidade é especial, na medida em que o Tribunal de Justiça reconhece ao legislador comunitário, nesse domínio, um amplo poder de apreciação que implica opções de natureza política, económica e social, bem como apreciações complexas (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, National Farmers’ Union e o., C‑157/96, Colect., p. I‑2211, n.° 61). Por conseguinte, só o carácter manifestamente inadequado de uma medida adoptada nesse domínio, em relação ao objectivo que a instituição competente pretende prosseguir, pode afectar a legalidade de tal medida (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2001, Jippes e o., C‑189/01, Colect., p. I‑5689, n.° 82; acórdãos Pfizer Animal Health/Conselho, já referido, n.° 412, e Alpharma/Conselho, já referido, n.os 177 a 180).

137    No caso vertente, a Directiva 91/414 tem por base jurídica o artigo 43.° do Tratado CE. Deste modo, trata‑se de examinar se a Comissão adoptou uma decisão manifestamente inadequada para alcançar o objectivo previsto pelo sistema de reavaliação instituído por essa directiva, ou seja, a protecção da saúde humana e animal, bem como do ambiente. Não tendo acesso aos estudos da Syngenta, a IQV não teria podido responder às perguntas feitas por ocasião da revisão pelos pares («peer review»). Assim, não teria sido possível provar a inocuidade da substância activa e, portanto, o objectivo destinado à protecção da saúde humana e animal bem como do ambiente não poderia ter sido alcançado. Apesar de a recorrente ter indicado, em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal, que só dois estudos [«Estudos laboratoriais relativos aos efeitos do metalaxil sobre os artrópodes não visados, com excepção das abelhas» («laboratory studies to cover the effects of metalaxyl to non‑target arthropods other than bees») e «Dados médicos suplementares sobre o pessoal de vigilância e fabril, os casos clínicos e os incidentes de envenenamento» («more medical data on surveillance and manufacturing plant personnel, clinical cases and poisoning incidents»)] não estavam cobertos pelos seus estudos e pelos da Syngenta e que esses estudos estavam terminados quando da adopção da decisão impugnada, há que realçar que, na audiência, a IQV reconheceu que só os projectos de relatório, e não os estudos definitivos, estavam já terminados na data em que a decisão impugnada foi adoptada, em Maio de 2003.

138    Há, pois, que rejeitar o argumento da recorrente de que a decisão impugnada é contrária ao princípio da proporcionalidade na medida em que é inadequada e contra‑indicada para alcançar o objectivo da protecção da concorrência.

139    Tendo em conta tudo o que precede, o fundamento assente na violação do princípio da proporcionalidade improcede em qualquer das suas três partes, pelo que não pode ser acolhido.

3.     Quanto ao terceiro fundamento, assente na existência de desvio de poder

 Argumentos das partes

140    A recorrente considera, em substância, que a decisão impugnada constitui um desvio de poder na medida em que, ao adoptar essa decisão, a Comissão prosseguiu objectivos totalmente estranhos aos objectivos previstos pela regulamentação comunitária relativa ao novo registo das substâncias activas.

141    Mais precisamente, a recorrente considera que a decisão impugnada resulta de pressões exercidas pela Syngenta junto da Comissão e que tem por objectivo favorecer esta empresa.

142    A recorrente expõe três elementos neste sentido. Em primeiro lugar, a decisão impugnada é desprovida de fundamento científico e foi adoptada numa altura em que existiam todos os estudos que tornavam possível a avaliação do metalaxil e em que a IQV estava disposta a assumir a responsabilidade da sua comercialização na União Europeia e a concluir o novo registo susceptível de ser exigido (procedendo aos estudos complementares necessários ou respondendo às perguntas feitas pelos Estados‑Membros e pela Comissão). Em segundo lugar, a Comissão preferiu retirar do mercado o metalaxil, optando por uma das soluções mais restritivas, sem mesmo ter seriamente em conta outras possibilidades menos restritivas, como a prorrogação do prazo. Em terceiro lugar, a Comissão alterou no decurso do procedimento a sua opinião e a sua interpretação sobre a utilização dos estudos apresentados pela Syngenta.

143    A Comissão sustenta que não adoptou a decisão impugnada no interesse da Syngenta mas sim respeitando a legislação comunitária em vigor, a saber, a Directiva 91/414 que prevê a não inclusão de uma substância activa quando as informações necessárias não tiverem sido fornecidas em tempo útil.

144    A Comissão considera que resulta claramente da correspondência trocada entre a IQV e as autoridades portuguesas que não houve qualquer contradição na apreciação feita sobre o processo da IQV pelo Estado‑Membro relator desde o momento da sua apresentação. Também não houve contradição na atitude dos serviços da Comissão que sempre fizeram uma distinção nítida entre os processos com base nos quais a DGPC podia elaborar o seu relatório e as obrigações incidentes sobre a IQV quanto à apresentação de informações.

145    Segundo a Comissão, a IQV agradeceu por várias vezes aos serviços da Comissão a sua cooperação e os seus esforços na procura de uma solução apropriada. Finalmente, a IQV reconhece na sua correspondência que os serviços da Comissão lhe propuseram alternativas, esclarecendo‑a de que tinha ainda a possibilidade de pedir a inclusão de metalaxil no anexo I da Directiva 91/414, de acordo com o procedimento aplicável à autorização de novas substâncias activas.

 Apreciação do Tribunal

146    Segundo jurisprudência constante, o conceito de desvio de poder tem um alcance preciso em direito comunitário, visando a situação em que uma autoridade administrativa usa dos seus poderes com um fim diferente daquele para o qual eles lhe foram confiados. Uma decisão apenas está afectada de desvio de poder quando se concluir, com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, que foi tomada para alcançar fins diversos dos invocados (acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 1997, Itália/Comissão, C‑285/94, Colect., p. I‑3519, n.° 52, e 14 de Maio de 1998, Windpark Groothusen/Comissão, C‑48/96 P, Colect., p. I‑2873, n.° 52; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Setembro de 1999, Fruchthandelsgesellschaft Chemnitz/Comissão, T‑254/97, Colect., p. II‑2743, n.° 76, e Cordis/Comissão, T‑612/97, Colect., p. II‑2771, n.° 41).

147    No caso vertente, a recorrente pede ao Tribunal que adopte medidas de organização do processo a fim de poder comprovar o referido desvio de poder, sem no entanto esclarecer de que modo poderiam as pressões ter sido exercidas pela Syngenta. Além disso, a recorrente não trouxe aos autos qualquer indício probatório destinado a demonstrar que a Comissão adoptou a decisão na sequência de tais pressões. Ora, não compete ao Tribunal produzir a prova de alegações tão imprecisas. Além disso, os documentos pedidos ao Tribunal não são pertinentes para a solução do litígio. Face a estes elementos, o fundamento assente na existência de desvio de poder deve ser considerado improcedente.

148    Resulta de tudo o que precede que o pedido de anulação da recorrente deve ser julgado improcedente na sua integralidade.

 Quanto às despesas

149    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Industrias Químicas del Vallés, SA, suportará as despesas da instância, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

Pirrung

Forwood

Papasavvas

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de Junho de 2005.

O secretário

 

      O presidente

H. Jung

 

      J. Pirrung

Índice

Quadro jurídico

Factos na origem do litígio

Tramitação processual

Pedidos das partes

Questão de direito

1.  Quanto ao primeiro fundamento, assente numa interpretação errada e incoerente da Directiva 91/414 e do Regulamento n.° 3600/92

Contradição entre a decisão impugnada e, por um lado, o disposto na Directiva 91/414, no Regulamento n.° 3600/92 e nas suas normas de execução e, por outro, o espírito e o objectivo do sistema de reavaliação das substâncias activas

Quanto à obrigação de a IQV constituir um processo completo

–  Argumentos das partes

–  Apreciação do Tribunal

Quanto à ilegalidade dos prazos concedidos à IQV para apresentar o seu processo

–  Argumentos das partes

–  Apreciação do Tribunal

Contradição entre a decisão impugnada e a posição da Comissão sobre a utilização dos estudos apresentados pela Syngenta com vista à elaboração do relatório pelo Estado‑Membro relator

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Ilegalidade da presunção da Comissão

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

2.  Quanto ao segundo fundamento, assente na violação do princípio da proporcionalidade

Argumentos das partes

Natureza inadequada e contra‑indicação da decisão impugnada para alcançar o objectivo prosseguido

Possibilidade de atingir o objectivo prosseguido pela adopção de uma medida menos restritiva

Violação do princípio da proporcionalidade em sentido estrito

Apreciação do Tribunal

3.  Quanto ao terceiro fundamento, assente na existência de desvio de poder

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas


* Língua do processo: espanhol.