ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
26 de Outubro de 1999 (1)
«Livre prestação de serviços Imposto comercial sobre o capital e lucro da
exploração Reintegração na matéria colectável do imposto Derrogação
inaplicável ao locatário de um bem cujo proprietário está estabelecido noutro
Estado-Membro e, portanto, não sujeito ao imposto»
No processo C-294/97,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do
artigo 177.° do Tratado (actual artigo 234.° CE), pelo Finanzgericht Münster
(Alemanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
Eurowings Luftverkehrs AG
e
Finanzamt Dortmund-Unna,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 59.° do Tratado CE
(que passou, após alteração, a artigo 49.° CE),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, J. C. Moitinho de Almeida
(relator), D. A. O. Edward e L. Sevón, presidentes de secção, P. J. G. Kapteyn,
C. Gulmann, J.-P. Puissochet, G. Hirsch, P. Jann, H. Ragnemalm e M. Wathelet,
juízes,
advogado-geral: J. Mischo,
secretário: H. A. Rühl, administrador principal,
vistas as observações escritas apresentadas:
em representação da Eurowings Luftverkehrs AG, por W. Tillmann,
consultor fiscal em Dortmund, W. Kaefer, consultor fiscal em
Aix-la-Chapelle, e G. Saß, director do departamento Europa,
em representação do Finanzamt Dortmund-Unna, por E. Scheidemantel,
Leitender Regierungsdirektor,
em representação do Governo alemão, por E. Röder, Ministerialrat no
Ministério federal da Economia, e C.-D. Quassowski, Regierungsdirektor no
mesmo ministério, na qualidade de agentes,
em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J. Sack,
consultor jurídico, e H. Michard, membro do Serviço Jurídico, na qualidade
de agentes,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações da Eurowings Luftverkehrs AG, do Governo alemão e da
Comissão, na audiência de 2 de Dezembro de 1998,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 26 de
Janeiro de 1999,
profere o presente
Acórdão
- 1.
- Por despacho de 28 de Julho de 1997, entrado no Tribunal de Justiça em 11 de
Agosto seguinte, o Finanzgericht Münster submeteu, ao abrigo do artigo 177.° do
Tratado (actual artigo 234.° CE), uma questão prejudicial relativa à interpretação
do artigo 59.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE).
- 2.
- Esta questão foi suscitada no âmbito de um litígio que opõe a Eurowings
Luftverkehrs AG (a seguir «Eurowings»), ao Finanzamt Dortmund-Unna (a seguir
«Finanzamt») acerca da obrigação de a Eurowings proceder a diversas
reintegrações na matéria colectável do imposto comercial sobre o capital e o lucro
de exploração, em conformidade com a Gewerbesteuergesetz (lei relativa ao
imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração, a seguir «GewStg»).
A legislação alemã
- 3.
- O artigo 2.° do GewStg de 21 de Março de 1991 (BGBI. I, p. 814), prevê que
qualquer estabelecimento industrial ou comercial fixo, explorado na Alemanha, está
sujeito ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração.
- 4.
- O imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração é um imposto real a
que estão sujeitos todos os estabelecimentos industriais ou comerciais,
independentemente da capacidade contributiva e da situação pessoal do
contribuinte proprietário do estabelecimento.
- 5.
- Em conformidade com o artigo 6.° da GewStg, a base de imposição é constituída
pelo lucro de exploração e pelo capital de exploração industrial e comercial. Desde
1 de Janeiro de 1998, a matéria colectável do imposto limita-se ao lucro de
exploração realizado pelo estabelecimento industrial ou comercial.
- 6.
- O lucro do estabelecimento industrial ou comercial é determinado em
conformidade com as disposições da lei relativa ao imposto sobre o rendimento ou
da lei relativa ao imposto sobre as sociedades, lucro a que se devem acrescentar
os elementos que devam ser reintegrados nos termos do artigo 8.° da GewStg e
deduzir as reduções previstas no artigo 9.° desta mesma lei. As reintegrações e
reduções têm por objecto determinar o lucro objectivo do estabelecimento
industrial ou comercial, independentemente da questão de saber se o referido lucro
resulta do investimento de capitais próprios ou pertencentes a um terceiro.
- 7.
- Assim, o artigo 8.° da GewStg, intitulado «reintegração na matéria colectável»,
determina, no seu n.° 7, que é reintegrada no lucro do estabelecimento industrial
ou comercial
«metade das rendas pagas pela utilização e fruição de bens económicos fazendo
parte do capital imobilizado do estabelecimento sem lhe pertencerem em
propriedade e pertencendo a um terceiro. Isto não se aplica se as rendas forem
tributadas no rendimento da actividade industrial ou comercial do locador ou
senhorio, submetido a imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração,
salvo se um estabelecimento ou uma parte de um estabelecimento forem
arrendados e o montante da renda ultrapassar 250 000 DM. Há que tomar em
consideração o montante que o locatário deva pagar a um locador ou senhorio pela
utilização de bens económicos pertencentes a terceiros, afectos à unidade de
exploração situada no município».
- 8.
- A GewStg presume, portanto, que o produto líquido obtido do bem arrendado
corresponde a metade do montante das rendas pagas.
- 9.
- O capital de exploração industrial e comercial corresponde ao valor fiscal do
capital de exploração determinado em conformidade com a lei que rege o cálculo
da matéria colectável por avaliação administrativa, valor ao qual são adicionados
os elementos reintegrados nos termos do artigo 12.°, n.° 2, da GewStg e ao qual são
deduzidas as reduções previstas no artigo 12.°, n.° 3, da GewStg. Estas reintegrações
e reduções têm objectivo determinar os fundos próprios pertencentes a terceiros
objectivamente empregues no estabelecimento industrial ou comercial.
- 10.
- O artigo 12.° da GewStg, denominado «capital de exploração industrial e
comercial», dispõe assim, no seu n.° 2, ponto 2., que se deve reintegrar no valor
fiscal da unidade económica tributável
«o valor (funcional) dos bens económicos que não pertençam em propriedade ao
estabelecimento industrial e comercial e afectos a este, sendo propriedade de um
co-explorador ou de um terceiro, se o mesmo não estiver compreendido no valor
da unidade tributável do estabelecimento industrial e comercial. Isto não se aplica
se os bens económicos fizerem parte do capital da exploração do locador ou
senhorio, salvo se um estabelecimento ou uma parte de um estabelecimento forem
arrendados e os valores (funcionais) dos bens económicos locados no quadro do
estabelecimento (ou da parte do estabelecimento) incluídos no capital de
exploração do locador ou senhorio excederem 2,5 milhões de DM. As somas a
tomar em consideração são o total dos valores dos bens económicos que um
locador ou senhorio puser à disposição do locatário para efeitos de utilização num
estabelecimento industrial e comercial situado num município.»
- 11.
- Tal como o artigo 8.°, n.° 7, segundo período, no que concerne aos arrendamentos,
o artigo 12.°, n.° 2, ponto 2, segundo período, da GewStg prevê, quanto aos bens
económicos pertencentes a terceiros, a não reintegração do seu valor na medida
em que esses bens estejam já sujeitos, a nível do senhorio, ao imposto comercial
sobre o capital e o lucro de exploração.
- 12.
- Resulta das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça pela Eurowings que
o imposto comercial sobre o capital e lucro de exploração se calcula em duas
tapas: em primeiro lugar, o capital de exploração e o lucro de exploração são
multiplicados por um «coeficiente fiscal» fixado uniformemente para todo o
território alemão em 0,2% para o capital de exploração e em 5% para o lucro de
exploração realizado pelas sociedades de capitais; o «montante tributável
ponderado» assim obtido é, seguidamente, multiplicado por uma taxa fixada por
cada comuna. Esta taxa variou, em 1993, entre 0%, nomeadamente na comuna de
Norderfriedrichskoog (Schleswig-Holstein), e 515% em Frankfurt-am-Main. Em
Dortmund, a taxa aplicável em 1993 foi de 450%.
Os factos no processo principal
- 13.
- A Eurowings efectuou voos regulares e voos charter na Alemanha e na Europa. Em
1993, alugou, por 467 914 DM, uma aeronave à Air Tara Ltd, sociedade anónima
de direito irlandês com sede em Shannon. O valor funcional da aeronave era de
1 320 000 DM. Por decisão de 21 de Maio de 1996, o Finanzamt fixou o imposto
comercial sobre o capital e o lucro de exploração devido pelo ano de 1993,
reintegrando, em conformidade com o artigo 8.°, n.° 7, da GewStg, metade das
rendas efectivamente pagas, ou seja o montante de 233 957 DM, no lucro da
actividade industrial e comercial. Nos termos do artigo 12.°, n.° 2, da GewStg,
reintegrou igualmente o valor funcional da aeronave alugada, ou seja, o montante
de 1 320 000 DM, no capital de exploração.
- 14.
- Em 13 de Junho de 1996, a Eurowings apresentou uma reclamação contra a
decisão do Finanzamt, que a indeferiu por decisão de 8 de Julho de 1996.
- 15.
- Eurowings interpôs então, em 11 de Junho de 1996, recurso para o Finanzgericht
Münster, alegando que os artigos 8.°, n.° 7, e 12.°, n.° 2, da GewStg são
incompatíveis com os artigos 59.° e seguintes do Tratado.
- 16.
- O Finanzgericht refere que, em virtude do direito comunitário, a Eurowings pode
alegar uma discriminação proibida pelo artigo 59.° do Tratado, mesmo que essa
discriminação não a afecte directamente, mas afecte a sociedade locadora de
direito irlandês.
- 17.
- O Finanzgericht salienta igualmente que as sociedades ditas «Limited» de direito
irlandês podem ser equiparadas a sociedades de capitais de direito alemão na
acepção do artigo 1.° da lei relativa ao imposto sobre as sociedades e que, se essas
sociedades alugarem aeronaves na Alemanha, serão consideradas como exercendo
uma actividade industrial e comercial por inteiro, nos termos do artigo 2.° da
GewStg.
- 18.
- O Finanzgericht salienta que o mecanismo de reintegração da matéria colectável
do imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração tem por origem a
vontade do legislador de garantir que os meios de produção de que o
estabelecimento industrial ou comercial estabelecido na Alemanha dispõe sejam
tributados uma única vez, independentemente da questão de saber se esses meios
foram objecto de financiamento próprios ou externos e se o capital de exploração
é detido em propriedade na acepção do direito civil. É, por conseguinte, inerente
a um tal sistema a previsão de uma excepção para o caso de as rendas ou os bens
económicos em causa já terem sido sujeitos ao impostos comercial sobre o capital
e o lucro de exploração a nível do locador.
- 19.
- O Finanzgericht constata, todavia, que o tratamento fiscal do locatário que aluga
um bem a um locador estabelecido noutro Estado-Membro é menos favorável que
se o locatário alugar esse bem a um locador estabelecido na Alemanha, o que pode
constituir uma discriminação disfarçada contrária ao artigo 59.° do Tratado.
- 20.
- O Finanzgericht duvida de que o objectivo de coerência fiscal possa justificar as
disposições em causa da GewStg. Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal
de Justiça (acórdãos de 11 de Agosto de 1995, Wielockx, C-80/94, Colect.,
p. I-2493, e de 14 de Novembro de 1995, Svensson e Gustavsson, C-484/93, Colect.,p. I-3955), o objectivo consistente em assegurar a coerência do regime fiscal só
pode justificar uma diferença de tratamento entre residentes e não residentes na
condição de o inconveniente fiscal imposto ao nacional de um Estado-Membro ser
compensado por uma vantagem fiscal correspondente em relação a esse mesmo
nacional, de modo que este último não sofra qualquer discriminação. Uma simples
conexão indirecta entre o benefício fiscal concedido a um contribuinte e o
tratamento fiscal desfavorável imposto a um outro contribuinte não pode justificar
uma discriminação entre residentes e não residentes. A este respeito, o
Finanzgericht indica que, num despacho de 30 de Dezembro de 1996 (BStBl. II
1997, p. 466), o Bundesfinanzhof considerou ser duvidoso que as disposições em
matéria de reintegração na matéria colectável, constantes dos artigos 8.°, ponto 7,
segundo período, e 12.°, n.° 2, ponto 2, segundo período, da GewStg sejam
compatíveis com a proibição de discriminação enunciada nos artigos 59.° e
seguintes do Tratado, embora este mesmo órgão jurisdicional tenha admitido essa
compatibilidade numa decisão mais antiga (acórdão de 15 de Junho de 1983, BStBl.
II 1984, p. 17).
- 21.
- Finalmente, o Finanzgericht pergunta se é preciso ter em conta o facto de a
sociedade locadora de direito irlandês não pagar qualquer imposto comparável ao
imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração e beneficiar dos
«privilégios de Shannon» sob a forma de um imposto sobre as sociedades de 10%.
Tais vantagens fiscais podem, no processo principal, neutralizar o prejuízo teórico
à livre prestação de serviços e ter por consequência que, se a sociedade locadora
beneficiasse das mesmas derrogações em matéria de reintegração que os locadores
estabelecidos na Alemanha, estes últimos seriam vítimas de discriminação. O
Finanzgericht duvida de que tal argumentação possa ser aceite, uma vez que o
tribunal decidiu também que a compensação de um tratamento fiscal desfavorável
com outras vantagens fiscais para justificar discriminações não pode ser aceite
(acórdãos de 28 de Janeiro de 1986, Comissão/França, 270/83, Colect., p. 273,
n.° 21, e de 27 de Junho de 1996, Asscher, C-107/94, Colect., p. I-3089).
- 22.
- Nestas condições, o Finanzgericht Münster decidiu suspender a instância e
submeter ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial seguinte:
«As disposições relativas à determinação da matéria colectável, constantes dos
artigos 8.°, n.° 7, segundo período, e 12.°, n.° 2, ponto 2, segundo período, da
Gewerbesteuergesetz (lei alemã relativa ao imposto sobre os rendimentos
industriais e comerciais) são compatíveis com o imperativo da livre prestação de
serviços que resulta do artigo 59.° do Tratado da União Europeia, de 7 de
Fevereiro de 1992?»
Quanto à questão prejudicial
- 23.
- Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta,
essencialmente, se o artigo 59.° do Tratado se opõe a uma legislação nacional
relativa ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração, tal como a
que está em causa no processo principal.
- 24.
- O Governo alemão alega que os artigos 8.°, ponto 7, e 12.°, n.° 2, da GewStg não
implicam qualquer discriminação directa ou indirecta em relação aos prestadores
de serviços estabelecidos noutros Estados-Membros.
- 25.
- O Governo alemão salienta, em primeiro lugar, que a obrigação de proceder às
reintegrações previstas por estas últimas disposições se aplica desde que o locador
não esteja sujeito ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração,
quer esteja estabelecido na Alemanha, quer noutro Estado-Membro. O locatário
deve igualmente proceder às referidas reintegrações se alugar um bem a um
locador, estabelecido na Alemanha, que não esteja sujeito a esse imposto.
- 26.
- Assim, o locatário que arrenda uma farmácia a um farmacêutico estabelecido na
Alemanha que tenha cessado a sua actividade e deixado de estar, por essa razão,
sujeito ao imposto comercial sobre o lucro de exploração deve reintegrar no lucro
da sua actividade metade das rendas pagas pelas instalações da farmácia.
- 27.
- O mesmo sucede no caso de um locatário que aluga um bem a um locador
estabelecido na Alemanha, mas que está isento do imposto comercial sobre o
capital e o lucro de exploração ou que, à semelhança do Bund, dos Länder ou das
comunas, não está sujeito a este imposto na sua qualidade de órgão de soberania.
Assim, uma sociedade com uma actividade portuária que aluga uma grua a uma
vila portuária deve reintegrar no lucro das suas actividades metade das rendas
pagas pela grua.
- 28.
- Seguidamente, o Governo alemão, tal como, de resto, o Finanzamt, alega que, na
falta de harmonização dos impostos indirectos, a situação de um locador
estabelecido noutro Estado-Membro que não está sujeito ao imposto comercial
sobre o capital e o lucro de exploração não pode ser comparada à de um locador
estabelecido na Alemanha e sujeito a esse imposto, de modo que podem ser
aplicadas a estas situações regras diferentes.
- 29.
- Com efeito, um locador estabelecido noutro Estado-Membro pode, pelo facto de
não estar sujeito ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração,
pedir ao locatário uma renda menos elevada. Em contrapartida, um locador
estabelecido na Alemanha e sujeito ao imposto comercial sobre o capital e lucro
de exploração integra essa carga fiscal no montante da renda, repercutindo-o,
assim, no locatário.
- 30.
- As reintegrações previstas nos artigos 8.°, ponto 7, e 12.°, n.° 2, ponto 2, da GewStg
compensam, a nível do locatário, a renda menos elevada paga ao locador
estabelecido noutro Estado-Membro. Este último não sofre, todavia, qualquer
desvantagem concorrencial devida a essas reintegrações. Com efeito, nos dois casos,
o encargo económico que o imposto comercial sobre o capital e o lucro de
exploração representa é idêntico e é suportado, em definitivo, pelo locatário
estabelecido na Alemanha.
- 31.
- Finalmente, o Governo alemão indica que as reintegrações previstas nos artigos 8.°,
ponto 7, e 12.°, n.° 2, da GewStg têm por objectivo garantir que as rendas e o valor
dos bens económicos alugados não estejam sujeitos mais do que uma vez ao
imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração, independentemente da
questão de saber se o locador está estabelecido na Alemanha ou noutro
Estado-Membro. Uma reintegração do montante das rendas e do valor dos
elementos do património alugados na matéria colectável do locatário, quando o
locador está sujeito ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração
levaria a uma dupla tributação das rendas e dos elementos do património.
- 32.
- Deve dizer-se, antes demais, que, embora, no estado actual do direito comunitário,
a matéria dos impostos directos não se encontre, como tal, incluída na esfera de
competências da Comunidade, não é menos certo que os Estados-Membros devem
exercer as competências que detêm respeitando o direito comunitário (v.,
nomeadamente, o acórdão de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker, C-279/93,
Colect., p. I-225, n.° 21).
- 33.
- Constituindo o leasing um serviço na acepção do artigo 60.° do Tratado CE (actual
artigo 50.° CE), deve recordar-se, seguidamente, que, em conformidade com
jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 59.° do Tratado exige, não apenas
a eliminação de qualquer discriminação do prestador em razão da sua
nacionalidade, mas também a supressão de qualquer restrição à livre prestação de
serviços imposta com fundamento no facto de o prestador estar estabelecido num
Estado-Membro que não aquele em que a prestação é efectuada (acórdão de 4 de
Dezembro de 1986, Comissão/Alemanha, 205/84, Colect., p. 3755, n.° 25, e de 26
de Fevereiro de 1991, Comissão/Itália, C-180/89, Colect., p. I-709, n.° 15).
- 34.
- Além disso, segundo uma jurisprudência constante, o artigo 59.° do Tratado confere
direitos, não apenas ao próprio prestador de serviço, mas também ao destinatário
desses serviços (v., designadamente, acórdãos de 31 de Janeiro de 1984, Luisi e
Carbone, 286/82 e 26/83, Recueil, p. 377, e Svensson e Gustavsson, já referido). A
Eurowings pode, portanto, como destinatário dos serviços de leasing, invocar os
direitos subjectivos que esta disposição lhe confere.
- 35.
- A este respeito, deve dizer-se que, no processo principal, a obrigação de proceder
às reintegrações previstas nos artigos 8.°, ponto 7, e 12.°, n.° 2, da GewStg se aplica
sempre às empresas alemãs que alugam bens a locadores estabelecidos noutro
Estado-Membro, nunca estando estes sujeitos ao imposto comercial sobre o capital
e o lucro de exploração, ao passo que a obrigação de proceder às referidas
reintegrações não se aplica, na maior parte dos casos, às empresas alemães que
alugam bens a locadores estabelecidos na Alemanha, estando estes últimos
normalmente sujeitos ao referido imposto, salvo nas raras hipóteses mencionadas
nos n.os 26 a 28 do presente acórdão.
- 36.
- A legislação em causa no processo principal fixa, portanto, um regime fiscal
diferente, na grande maioria dos casos, consoante o prestador de serviços está
estabelecido na Alemanha ou noutro Estado-Membro.
- 37.
- Além disso, tal como salientou o órgão jurisdicional de reenvio, esta legislação
prevê, para as empresas alemãs que tomam de locação bens de locadores
estabelecidos noutros Estados-Membros, um regime fiscal menos favorável,
susceptível de os dissuadir de recorrerem a esses locadores.
- 38.
- Com efeito, tal como indicou a Eurowings, sem ser contraditada neste ponto pelo
Governo alemão, o locatário, no âmbito dum leasing alemão, está, regra geral,
isento pelo simples facto da sujeição do locador ao imposto comercial sobre o
capital e o lucro de exploração, quaisquer que sejam as possibilidades que este
último tenha de escapar a uma tributação efectiva. Resulta do processo principal
que o locador dispõe de diversos meios para reduzir o imposto efectivamente pago,
tais como, nomeadamente, a tomada em conta do valor contabilístico e não do
valor comercial dos bens, a reintegração de metade e não da totalidade das dívidas
a longo prazo, o recurso ao financiamento pré-determinado da compra de bens,
com vista a reduzir o capital de exploração, e a tomada em conta apenas do lucro
real efectuado a partir de bens alugados na Alemanha e não da metade das rendas.
De resto, «fundos de leasing» propostos pelos bancos alemães permitem nunca ter
que pagar imposto sobre o lucro de exploração e de só pagar imposto sobre o
capital de exploração relativamente a uma fracção da duração do contrato.
Finalmente, o locador de aeronaves, não estando ligado a uma cidade que tenha
um aeroporto, pode estabelecer-se numa comuna que fixe uma taxa de imposto
muito fraca, ou mesmo uma taxa zero, para o cálculo do imposto comercial sobre
o capital e o lucro de exploração.
- 39.
- Nestas condições, o encargo económico que o imposto comercial sobre o capital
e o lucro de exploração representa para as empresas alemãs que alugam bens a
locadores estabelecidos na Alemanha não corresponde necessariamente,
contrariamente ao que sustenta o Governo alemão, ao encargo económico que esse
mesmo imposto representa para as empresas alemãs que alugam bens a locadores
estabelecidos noutro Estado-Membro.
- 40.
- Ora, uma regulamentação de Estado-Membro que, tal como a que está em causa
no processo principal, reserve uma vantagem fiscal à maior parte das empresas que
alugam bens a locadores estabelecidos nesse Estado, quando priva sempre dela os
que alugam bens a locadores estabelecidos noutro Estado-Membro, implica uma
diferença de tratamento baseada no lugar de estabelecimento do prestador de
serviços, proibida pelo artigo 59.° do Tratado.
- 41.
- Esta diferença de tratamento não pode ser justificada por razões ligadas à
coerência do regime fiscal.
- 42.
- Com efeito, tal como salientou o Bundesfinanzhof num despacho de 30 de
Dezembro de 1996 mencionado pelo órgão jurisdicional de reenvio, um simples
nexo indirecto entre uma vantagem fiscal concedida a um contribuinte, tal como
a falta de obrigação, para as empresas alemãs que alugam bens a locadores
estabelecidos na Alemanha, de proceder às reintegrações em litígio, e o tratamento
fiscal desfavorável imposto a um outro contribuinte, tal como a sujeição dos
referidos locadores ao imposto comercial sobre o capital e o lucro de exploração,
não pode justificar o facto de as empresas alemãs estarem sujeitas a um tratamento
fiscal diferente consoante aluguem bens a locadores estabelecidos na Alemanha ou
noutros Estados-Membros.
- 43.
- Contrariamente ao que sustenta o Finanzamt, tal diferença de tratamento também
não pode ser justificada pelo facto de o locador estabelecido noutro
Estado-Membro estar aí sujeito a uma fiscalidade mais elevada.
- 44.
- Uma eventual vantagem fiscal resultante, para os prestadores de serviços, da
fiscalidade pouco elevada a que estão sujeitos no Estado-Membro em que estão
estabelecidos não pode permitir que um Estado-Membro justifique um tratamento
fiscal menos favorável dos destinatários dos serviços estabelecidos neste último
Estado-Membro [v., no que diz respeito ao artigo 52.° do Tratado CE (que passou,
após alteração, a artigo 43.° CE), os acórdãos já referidos Comissão/França, n.° 21,
e Asscher, n.° 53].
- 45.
- Tal como salientou correctamente a Comissão, essas cobranças fiscais
compensatórias atentam contra os próprios fundamentos do mercado interno.
- 46.
- Deve, por conseguinte, responder-se ao órgão jurisdicional nacional que o artigo
59.° do Tratado se opõe a uma legislação nacional relativa ao imposto comercial
sobre o capital e o lucro de exploração, tal como a que está em causa no processo
principal.
Quanto às despesas
- 47.
- As despesas efectuadas pelo Governo alemão e pela Comissão das Comunidades
Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis.
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente
suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às
despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Finanzgericht Münster, por
despacho de 28 de Julho de 1997, declara:
O artigo 59.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE) opõe-se
a uma legislação nacional relativa ao imposto comercial sobre o capital e o lucro
de exploração, tal como a que está em causa no processo principal.
Rodríguez IglesiasMoitinho de Almeida
Edward
Sevón Kapteyn Gulmann Puissochet
Hirsch Jann Ragnemalm Wathelet
|
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 26 de Outubro de 1999.
O secretário
O presidente
R. Grass
G. C. Rodríguez Iglesias