Language of document : ECLI:EU:T:2021:723

Processo T240/18

Polskie Linie Lotnicze «LOT» SA

contra

Comissão Europeia

 Acórdão do Tribunal Geral (Décima Secção Alargada) de 20 de outubro de 2021

«Concorrência — Concentrações — Transporte aéreo — Decisão que declara a concentração compatível com o mercado interno e com o Acordo EEE — Mercado relevante — Apreciação dos efeitos da operação sobre a concorrência — Inexistência de compromisso — Dever de fundamentação»

1.      Concentração de empresas — Análise pela Comissão — Definição do mercado relevante — Premissas factuais relativas ao contexto da concentração — Controlo da exatidão material e da pertinência dos elementos apurados

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, artigos 2.° e 6.°)

(cf. n.os 29, 30, 32‑34)

2.      Concentração de empresas — Análise pela Comissão — Definição do mercado relevante — Delimitação material — Empresa em causa — Conceito — Transferência parcial dos ativos — Apreciação apenas em função dos ativos transferidos

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, artigos 2.°, 3.°, n.° 1, alínea b), e 5.°, n.° 2; Comunicação da Comissão 2008/C 95/01, n.° 136)

(cf. n.os 36‑39)

3.      Concentração de empresas — Análise pela Comissão — Definição do mercado relevante — Concentração de duas companhias aéreas que prevê a transferência de faixas horárias — Critérios — Substituibilidade dos produtos — Abordagem por aeroporto de ligação das faixas horárias em causa

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, artigo 2.°; Regulamento n.° 802/2004 da Comissão, Anexo I, secção 6; Comunicação da Comissão 97/C 372/03, n.os 13 a 17, 20, 21 e 24)

(cf. n.os 42, 43, 50‑53, 56‑58, 63)

4.      Concentração de empresas — Análise pela Comissão — Definição do mercado relevante — Concentração de duas companhias aéreas que prevê a transferência de faixas horárias — Ónus da prova a cargo da parte que contesta a definição do mercado relevante — Necessidade de apresentar indícios sérios que possam demonstrar de forma tangível a existência de um problema de concorrência que exija uma análise por parte da Comissão — Insuficiência dos elementos apresentados pela parte que contesta a abordagem adotada

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, artigos 2.° e 6.°)

(cf. n.os 44, 59‑62, 64)

5.      Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Análise pela Comissão — Apreciação dos efeitos da concentração sobre a concorrência — Apreciações de ordem económica — Poder discricionário de apreciação — Fiscalização jurisdicional — Alcance e limites

(Artigo 263.° TFUE; Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, artigos 2.° e 6.°)

(cf. n.os 68, 69)

6.      Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Análise pela Comissão — Apreciação dos efeitos da concentração sobre a concorrência — Efeitos horizontais — Cessação da atividade de uma das partes na operação adequada a excluir o risco de sobreposição das atividades em causa nos mercados pertinentes

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, artigo 2.°; Comunicação da Comissão 2004/C 31/03, n.° 5)

(cf. n.os 74 e 75)

7.      Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Concentração de duas companhias aéreas — Apreciação dos efeitos anticoncorrenciais — Efeitos verticais — Avaliação da possibilidade de um cenário de encerramento anticoncorrencial do acesso ao mercado dos fatores de produção — Respeito pelas orientações definidas pela Comissão — Tomada em consideração dos elementos de apreciação mencionados nas referidas orientações — Poder de apreciação da Comissão

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, artigo 2.°; Comunicação da Comissão2008/C 265/07, n.os 24 a 27 e 32)

(cf. n.os 78‑83)

8.      Concentração de empresas — Análise pela Comissão — Tomada em consideração dos dados fornecidos pelas partes na operação — Admissibilidade

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, artigos 2.° e 6.°)

(cf. n.os 87‑93)

9.      Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Critérios — Efeitos anticoncorrenciais — Alegado reforço de barreiras à entrada no mercado — Elemento insuficiente, por si só, para caracterizar um entrave significativo a uma concorrência efetiva

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, artigos 2.° e 6.°)

(cf. n.os 106‑109)

10.    Concentração de empresas — Análise pela Comissão — Adoção de uma decisão que declara a compatibilidade de uma operação de concentração com o mercado interno sem abertura da fase II — Requisito — Inexistência de sérias dúvidas — Margem de apreciação — Inexistência de erro manifesto de apreciação — Exame de eventuais ganhos de eficiência suscetíveis de resultar dessa concentração e de compromissos não propostos pelas empresas em causa — Falta de necessidade

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, artigo 2.°, n.° 2, e artigo 6.°, n.° 1, alínea b); Regulamento n.° 802/2004 da Comissão, anexo I, secção 9; Comunicação da Comissão 2004/C 31/03, n.os 78 e 84 a 87)

(cf. n.os 124‑128)

11.    Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Critérios — Efeitos anticoncorrenciais — Não tomada em consideração do auxílio de emergência concedido ao cedente, nomeadamente para permitir a venda ordenada dos seus ativos — Ónus da prova a cargo da parte que contesta a decisão de compatibilidade da concentração — Apreciação

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, artigos 2.° e 6.°)

(cf. n.os 131‑137)

12.    Atos das instituições — Fundamentação — Dever — Alcance — Decisão da Comissão que declara uma operação de concentração compatível com o mercado interno

(Artigo 296.° TFUE; Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, artigos 2.° e 6.°)

(cf. n.os 140‑146)

Resumo

O Tribunal Geral nega provimento aos recursos interpostos pela companhia aérea Polskie Linie Lotnicze «LOT» das decisões da Comissão que autorizam as concentrações relativas à aquisição, respetivamente pela easyJet e pela Lufthansa, de certos ativos do Grupo Air Berlin

Confrontada com a degradação persistente da sua situação financeira, a companhia aérea Air Berlin plc implementou, em 2016, um plano de restruturação. Nesse âmbito, celebrou um acordo com a companhia aérea Deutsche Lufthansa AG (a seguir «Lufthansa»), com efeitos a partir de 16 de dezembro de 2016, que tinha por objeto a sublocação a esta última de diversas aeronaves e respetiva tripulação.

No entanto, a perda do apoio financeiro concedido à Air Berlin por um dos seus principais acionistas, sob a forma de empréstimos, forçou‑a a solicitar, em 15 de agosto de 2017, a abertura de um processo de insolvência. Nestas circunstâncias, a concessão pelas autoridades alemãs de um empréstimo com garantia, a título de auxílio de emergência, avalizado pela Comissão (1), deveria permitir‑lhe prosseguir a sua atividade pelo período de três meses destinado a possibilitar que procedesse à cessão dos seus ativos.

Esse objetivo traduziu‑se, em especial, na celebração de dois acordos. Por um lado, um acordo celebrado em 13 de outubro de 2017, que previa a aquisição, pela Lufthansa, nomeadamente de uma filial da Air Berlin, para a qual deveriam ser previamente transferidas diversas aeronaves e respetiva tripulação, bem como as faixas horárias (2) que esta detinha em alguns aeroportos, em especial os de Dusseldórfia, Zurique, Hamburgo, Munique, Estugarda e Berlim‑Tegel. Por outro lado, um acordo celebrado em 27 de outubro de 2017 com a companhia aérea easyJet plc destinado principalmente a transferir para esta última as faixas horárias que a Air Berlin detinha, nomeadamente, no aeroporto de Berlim‑Tegel. A Air Berlin cessou a sua atividade no dia seguinte, antes de ser declarada insolvente por decisão judicial de 1 de novembro de 2017.

Em 31 de outubro de 2017, a Lufthansa notificou a Comissão, em conformidade com as prerrogativas desta em matéria de controlo das concentrações (3), da operação de concentração prevista no acordo de 13 de outubro de 2017. Em 7 de novembro de 2017, a easyJet, do mesmo modo, notificou a operação prevista no acordo de 27 de outubro de 2017 (a seguir, juntamente com a operação notificada pela Lufthansa, «concentrações em causa»). A Comissão concluiu pela compatibilidade da concentração notificada pela Lufthansa, tendo em conta os compromissos assumidos por esta última (4), através da Decisão C(2017) 9118 final, de 21 de dezembro de 2017, e pela compatibilidade da concentração notificada pela easyJet, através da Decisão C(2017) 8776 final, de 12 de dezembro de 2017 (a seguir, designadas conjuntamente, «decisões impugnadas»). Com efeito, tinha chegado à conclusão de que as concentrações em causa não suscitavam sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno. Nessa ocasião, pela primeira vez em processos relativos aos serviços de transportes aéreos de passageiros, a Comissão não definiu os mercados relevantes por pares de cidades, entre um ponto de origem e um ponto de destino (a seguir «mercados O & D»). Efetivamente, por um lado, constatou que a Air Berlin tinha cessado a sua atividade antes dessas concentrações e independentemente delas. Deduziu desse facto que a Air Berlin se retirou de todos os mercados O & D em que estava anteriormente presente. Por outro lado, considerou que as concentrações em causa incidiam principalmente sobre a transferência de faixas horárias e declarou que essas faixas não estavam afetas a nenhum mercado O & D em concreto. Em consequência, entendeu ser preferível agregar, para efeitos da sua análise, a globalidade dos mercados O & D com partida ou destino a cada um dos aeroportos aos quais estavam associadas essas faixas horárias. Ao fazê‑lo, definiu, portanto, os mercados relevantes como os mercados de serviços de transporte aéreo de passageiros com partida ou destino aos referidos aeroportos. Em seguida, verificou que as referidas concentrações não eram suscetíveis de criar «um entrave significativo a uma concorrência efetiva», no caso em apreço, nomeadamente ao conferir, respetivamente à easyJet e à Lufthansa, a capacidade e o interesse em bloquear o acesso a esses mercados.

Por considerar que a análise assim efetuada pela Comissão estava errada, tanto do ponto de vista da sua metodologia como dos resultados, a companhia aérea Polskie Linie Lotnicze «LOT» (a seguir «recorrente»), que se apresenta como uma concorrente direta das partes na concentração em causa, interpôs dois recursos no Tribunal Geral para a anulação, respetivamente, das duas decisões impugnadas.

Nos seus Acórdãos de 20 de outubro de 2021, o Tribunal Geral nega provimento a esses recursos, admitindo assim, em especial, que seja suficiente para a Comissão analisar a globalidade dos mercados O & D com partida ou destino aos aeroportos a que estavam associadas as faixas horárias da Air Berlin em vez de analisar individualmente cada um dos mercados O & D em que a Air Berlin e, respetivamente, a Lufthansa e a easyJet, estavam presentes.

Apreciação do Tribunal Geral

Em primeiro lugar, no que diz respeito ao fundamento relativo a uma errada definição dos mercados relevantes, o Tribunal Geral começa por considerar que a recorrente contesta em vão a exatidão material da apresentação das concentrações em causa e do respetivo contexto, feita pela Comissão. Neste âmbito, o Tribunal observa, nomeadamente, que a Comissão tinha razões para considerar que a atividade da Air Berlin tinha cessado antes das concentrações em causa e independentemente destas e que, por conseguinte, a Air Berlin já não estava presente em nenhum mercado O & D. Em seguida, na medida em que as faixas horárias da Air Berlin não estavam associadas a nenhum mercado O & D, o Tribunal considerou que a Comissão salientou corretamente que essas faixas horárias podiam ser utilizadas, respetivamente, pela Lufthansa e pela easyJet noutros mercados O & D que não aqueles em que a Air Berlin operava. Em consequência, declara que, diversamente do que sucede com as concentrações que envolvem companhias aéreas ainda em atividade, não é certo, neste caso específico, que as concentrações em causa tivessem qualquer efeito na concorrência sobre os mercados O & D em que a Air Berlin estava presente antes da cessação da sua atividade. Por último, o Tribunal declara que a recorrente não forneceu indícios sérios de que uma análise individual dos mercados O & D que identificou podia ter demonstrado a existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva, o que a definição de mercado feita pela Comissão não podia evidenciar.

Em segundo lugar, no que respeita ao fundamento relativo a um erro manifesto de apreciação dos efeitos das concentrações em causa, o Tribunal começa por recordar que, no exercício das competências que lhe são conferidas pelo Regulamento CE relativo às concentrações, a Comissão dispõe de um certo poder discricionário, nomeadamente no que respeita às apreciações económicas complexas que é chamada a fazer para o efeito. Por conseguinte, a fiscalização exercida pelo juiz da União sobre o exercício desse poder deve ter em conta a margem de apreciação reconhecida desse modo à Comissão. Prestado este esclarecimento, o Tribunal considera que a análise dos efeitos das concentrações em causa nos mercados de serviços de transporte aéreo de passageiros com origem ou destino aos aeroportos em questão não revela nenhum erro manifesto de apreciação, tendo em conta, nomeadamente, a taxa de congestionamento pouco elevada destes últimos ou o efeito limitado dessas concentrações no aumento das quotas‑partes de faixas horárias detidas pela Lufthansa e pela easyJet. No que respeita mais concretamente à concentração notificada pela Lufthansa, a recorrente também não tem fundamento para sustentar que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação dos efeitos do acordo de 16 de dezembro de 2016, dado que, nomeadamente, esse acordo já permitia à Lufthansa explorar aeronaves e as respetivas tripulações durante seis anos antes de as adquirir definitivamente no âmbito da referida concentração. Por último, no que se refere à concentração notificada pela easyJet, o Tribunal salienta que as faixas horárias são necessárias para a prestação de serviços de transporte aéreo de passageiros. Deduz desse facto que existe uma relação «vertical» entre a atribuição dessas faixas horárias e a prestação desses serviços e que a Comissão tinha, em consequência, fundamento para se referir à Orientações relativas às concentrações «não horizontais» (5).

Em terceiro lugar, o Tribunal rejeita as acusações relativas a uma pretensa insuficiência dos compromissos assumidos pela Lufthansa no âmbito da concentração que notificou, bem como da inexistência de tais compromissos, no que respeita à concentração notificada pela easyJet, pelo facto de a recorrente não ter base para sustentar que essas concentrações eram manifestamente suscetíveis de constituir um entrave significativo a uma concorrência efetiva. Por essa razão, julga igualmente infundadas as acusações feitas pela recorrente contra a Comissão por esta não ter tido em conta eventuais ganhos de eficiência que poderiam ter resultado das referidas concentrações.

Em quarto lugar, o Tribunal observa que a recorrente não logrou demonstrar que o apoio financeiro de que a Air Berlin tinha beneficiado no âmbito do auxílio de emergência fazia parte dos ativos transferidos, respetivamente, para a easyJet e para a Lufthansa no âmbito das concentrações em causa e, por conseguinte, rejeita as acusações segundo as quais a Comissão devia ter tido em conta esse auxílio na sua análise. Além disso, no que diz respeito à violação do artigo 8.°‑A, n.° 2, do Regulamento n.° 95/93 (6), igualmente alegada pela recorrente num dos seus recursos, o Tribunal salienta que a Comissão não era competente para aplicar essa disposição.

Uma vez que, em último lugar, julgou infundada a alegação de falta de fundamentação invocada pela recorrente, e julgou, assim, improcedentes todos os fundamentos invocados em ambos os processos, o Tribunal nega provimento aos dois recursos, não se pronunciando, nestas circunstâncias, sobre a sua admissibilidade.


1      Decisão C(2017) 6080 final, de 4 de setembro de 2017, relativa ao auxílio de Estado SA.48937 (2017/N) — Alemanha, relativo ao auxílio de emergência à Air Berlin (JO 2017, C 400, p. 7).


2      As faixas horárias são autorizações, dadas a uma companhia aérea, para utilizar toda a gama de infraestruturas aeroportuárias necessárias para a prestação de serviços de transporte aéreo, numa data e horário específicos, com partida ou destino a esse aeroporto.


3      No caso em apreço, trata‑se das prerrogativas a que se refere o Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas («Regulamento CE relativo às concentrações») (JO 2004, L 24, p. 1).


4      No caso em apreço, para dissipar todas as dúvidas quanto à compatibilidade da concentração notificada ligada à sua posição no aeroporto de Dusseldórfia, a Lufthansa tinha proposto à Comissão, ao abrigo do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento CE relativo às concentrações, uma redução significativa da quantidade de faixas horárias que lhe seriam transferidas no âmbito dessa concentração.


5      Orientações para a apreciação das concentrações não horizontais nos termos do Regulamento CE relativo às concentrações (JO 2008, C 265, p. 6). Além disso, o Tribunal rejeita a acusação da recorrente relativa à violação destas orientações, salientando que o facto de ter um poder de mercado significativo num dos mercados relevantes não basta, por si só, para demonstrar a existência de problemas de concorrência.


6      Trata‑se, mais precisamente, do Regulamento (CEE) n.° 95/93 do Conselho, de 18 de janeiro de 1993, relativo às normas comuns aplicáveis à atribuição de faixas horárias nos aeroportos da Comunidade (JO 1993, L 14, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 545/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de junho de 2009 (JO 2009, L 167, p. 24).