Language of document : ECLI:EU:T:2023:204

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada)

19 de abril de 2023 (*)

«Função pública — Funcionários — Crise sanitária relacionada com a pandemia de COVID‑19 — Decisão que autoriza o exercício do trabalho a tempo parcial para cuidar de pessoas próximas fora do local de afetação — Impossibilidade de praticar o teletrabalho fora do local de afetação a tempo inteiro — Irregularidade do procedimento pré‑contencioso — Decisão que defere um pedido de trabalho a tempo parcial — Falta de interesse em agir — Inadmissibilidade — Remuneração — Suspensão do subsídio de expatriação — Artigos 62.o e 69.o do Estatuto — Violação do artigo 4.o do anexo VII do Estatuto»

No processo T‑39/21,

PP,

PQ,

PR,

PS,

PT,

representados por M. Casado García‑Hirschfeld, advogada,

recorrentes,

contra

Parlamento Europeu, representado por S. Seyr, D. Boytha e M. Windisch, na qualidade de agentes,

recorrido,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada),

composto, na deliberação, por: R. da Silva Passos, presidente, V. Valančius, I. Reine (relatora), L. Truchot e M. Sampol Pucurull, juízes,

secretário: H. Eriksson, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 14 de julho de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso baseado no artigo 270.o TFUE, os recorrentes, PP, PS, PQ, PR e PT pedem, em substância, por um lado, a anulação das Decisões do Parlamento Europeu de 14 de abril de 2020 que autorizaram PQ e PS a exercer a sua atividade a tempo parcial fora do seu local de afetação devido à pandemia de COVID‑19, de 18 de maio de 2020, que autorizou PP a exercer a sua atividade a tempo parcial fora do seu local de afetação devido à pandemia de COVID‑19 (a seguir, conjuntamente, «decisões que autorizaram o trabalho a tempo parcial»), de 7, 15 e 16 de abril e de 19 de maio de 2020, que suspenderam o pagamento do subsídio de expatriação dos recorrentes durante o período de trabalho fora do seu local de afetação (a seguir, conjuntamente, «decisões de suspensão do subsídio de expatriação»), bem como de 6 de maio de 2020, que procederam à recuperação dos montantes recebidos em excesso por PR e PT (a seguir, conjuntamente, «decisões de repetição do indevido»), e, por outro, a reparação dos prejuízos alegadamente sofridos devido a essas decisões.

I.      Antecedentes do litígio

2        Os recorrentes são funcionários no Parlamento Europeu. Aquando da sua entrada em funções, foi‑lhes concedido o subsídio de expatriação.

3        Em 11 de março de 2020, devido aos níveis alarmantes de propagação e gravidade da doença por coronavírus causada pelo vírus SARS‑CoV‑2, a saber, a COVID‑19, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que o surto de COVID‑19 constituía uma pandemia em razão do aumento rápido do número de casos fora da China e do número crescente de países afetados.

4        Por mensagem de correio eletrónico da mesma data, o secretário‑geral do Parlamento (a seguir «secretário‑geral») informou todos os membros do pessoal de que, atendendo à situação sanitária, tinha dado instruções aos diretores‑gerais para introduzirem o teletrabalho para todos os colegas cuja presença física nas instalações do Parlamento não fosse absolutamente indispensável, até um máximo de 70 % do tempo de trabalho. A mensagem de correio eletrónico especificava igualmente que essa medida entraria em vigor a 16 de março de 2020 e que, em função da evolução da situação, o teletrabalho poderia passar a 100 % do tempo de trabalho.

5        Em 16 de março de 2020, o secretário‑geral informou os membros do pessoal de que, tendo em conta a evolução da situação sanitária, o tempo de teletrabalho dos colegas cuja presença física nas instalações do Parlamento não era indispensável e que já estavam em regime de teletrabalho a 70 % passava a 100 %.

6        Em 19 de março de 2020, o secretário‑geral enviou uma mensagem de correio eletrónico a todos os membros do pessoal nos termos da qual, no contexto da pandemia de COVID‑19, estes últimos eram autorizados a trabalhar a tempo parcial para poderem prestar assistência aos seus familiares diretos. Contrariamente à prática habitual, este trabalho a tempo parcial podia ser efetuado a partir de qualquer Estado‑Membro da União Europeia em função da residência habitual dos familiares de que o funcionário ou agente desejava ocupar‑se. Esta decisão entrou em vigor imediatamente e devia ser aplicada enquanto durasse a pandemia de COVID‑19.

7        Em 31 de março de 2020, o secretário‑geral adotou uma nova decisão relativa ao trabalho temporário a tempo parcial fora do local de afetação por razões familiares em resposta à pandemia de COVID‑19 (a seguir «Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020»). Esta decisão, que substituiu a decisão relativa ao trabalho a tempo parcial de 19 de março de 2020, tinha a seguinte redação:

«[V]isto o artigo 234.o, n.o 2, do Regimento do Parlamento Europeu:

Os colegas que desejam prestar assistência de forma mais próxima aos membros da sua família direta, como os pais, filhos ou cônjuge, durante esta situação especial causada pela COVID‑19, são autorizados a trabalhar a tempo parcial (75 %).

Contrariamente à prática habitual, este trabalho a tempo parcial pode ser efetuado a partir de qualquer Estado‑Membro da União Europeia em função da residência habitual desses familiares e, até ao termo do período transitório, em 31 de dezembro de 2020, a partir do Reino Unido.

Para tal, devem apresentar um pedido formal ao vosso diretor de Recursos Humanos o mais rapidamente possível antes da data de início solicitada.

O pedido deve especificar o nome do familiar, o parentesco e o período solicitado.

Durante o período coberto pela autorização, o membro do pessoal terá direito a 75 % da sua remuneração. É aplicável o artigo 3.o do anexo IV‑A do Estatuto [dos Funcionários da União Europeia]. Não podem ser concedidos nem o subsídio de residência no estrangeiro nem o subsídio de expatriação previstos no artigo 4.o do anexo VII do Estatuto.

Esta decisão aplica‑se aos funcionários do Secretariado‑Geral do Parlamento.

Aplica‑se por analogia aos funcionários que tenham deixado o seu local de afetação e estejam em condições de trabalhar em regime de teletrabalho. Neste caso, a autoridade investida do poder de nomeação pode adotar uma decisão sem pedido formal.

No que respeita aos pedidos apresentados em conformidade com o artigo 6.o, n.o 2, das regras internas relativas ao trabalho a tempo parcial, a autoridade investida do poder de nomeação reserva‑se o direito de os recusar.

A autorização para trabalhar a tempo parcial é concedida por um período renovável de três meses.

A presente decisão entra em vigor em 1 de abril de 2020 e aplicar‑se‑á enquanto durar a pandemia de COVID‑19. Substitui a Decisão de 19 de março de 2020.»

A.      Quanto à situação de PP

8        PP é funcionário no Parlamento no Luxemburgo (Luxemburgo).

9        Em 14 de março de 2020, perante o encerramento iminente do colégio interno onde estudava o seu filho, PP viajou até à Hungria com a sua família para se juntar a ele.

10      Em 12 de maio de 2020, atendendo à Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020, PP apresentou um pedido de autorização para exercer a sua atividade a tempo parcial a 75 % a partir da Hungria, com efeitos retroativos a 1 de abril de 2020. Em 18 de maio de 2020, este pedido foi deferido para o período compreendido entre 1 de abril e 30 de junho de 2020.

11      Em 18 de maio de 2020, PP retomou o seu trabalho a tempo inteiro no Luxemburgo.

12      Por Decisão de 19 de maio de 2020, na sequência do pedido de PP referido no n.o 10, supra, e como consequência direta da aplicação da Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020, o chefe da unidade de «Direitos Individuais» da Direção‑Geral (DG) de «Recursos Humanos» do Parlamento suspendeu o subsídio de expatriação deste último a partir de 1 de abril de 2020 e até ao final do período durante o qual tinha sido autorizado a trabalhar a tempo parcial na Hungria.

13      Em 12 de junho de 2020, PP apresentou uma reclamação contra, designadamente, as decisões referidas nos n.os 10 e 12, supra.

14      Em 27 de outubro de 2020, o secretário‑geral, na sua qualidade de autoridade investida do poder de nomeação (AIPN), indeferiu a reclamação de PP na parte em que tinha por objeto as decisões referidas nos n.os 10 e 12, supra.

B.      Quanto à situação de PQ

15      PQ é funcionária no Parlamento no Luxemburgo.

16      Em 10 de março de 2020, PQ viajou de avião até à Dinamarca, antes de serem impostas as primeiras restrições de viagem na União em razão da pandemia de COVID‑19. O seu regresso, previsto para 22 de março seguinte, não pôde ter lugar devido ao cancelamento de todos os voos entre o Luxemburgo e a Dinamarca. Tendo em conta o seu desejo de permanecer junto do seu marido, considerado pessoa de risco em relação ao vírus, PQ foi excecionalmente autorizada a trabalhar temporariamente a partir da Dinamarca, até à adoção pelo Parlamento de medidas gerais relativas à situação sanitária.

17      Em 6 de abril de 2020, tendo em conta a Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020, PQ apresentou um pedido com vista a obter autorização para exercer a sua atividade a tempo parcial a 75 % a partir da Dinamarca, por um período de três meses a contar de 1 de abril de 2020.

18      Em 14 de abril de 2020, o diretor‑geral da DG «Tradução» do Parlamento deferiu o pedido de PQ para trabalhar a tempo parcial a 75 % no período compreendido entre 1 de abril e 30 de junho de 2020.

19      Em 15 de abril de 2020, na sequência do pedido de PQ referido no n.o 17, supra, e como consequência direta da aplicação da Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020, o chefe da unidade de «Direitos Individuais» da DG de «Recursos Humanos» do Parlamento suspendeu o subsídio de expatriação desta última a partir de 1 de abril de 2020 e até ao final do período de trabalho a tempo parcial na Dinamarca que lhe tinha sido concedido.

20      Em 27 de maio de 2020, PQ apresentou uma reclamação contra as decisões referidas nos n.os 17 e 19, supra.

21      Em 1 de julho de 2020, PQ retomou o seu trabalho a tempo inteiro no Luxemburgo.

22      Em 16 de outubro de 2020, o secretário‑geral, na sua qualidade de AIPN, indeferiu a reclamação de PQ.

C.      Quanto à situação de PR

23      PR é funcionária no Parlamento no Luxemburgo.

24      Em 27 de março de 2020, viajou para França para cuidar dos seus pais.

25      Em 2 de abril de 2020, na sequência da adoção da Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020, PR apresentou um pedido com vista a obter autorização para exercer a sua atividade a tempo parcial a 75 % por um período de três meses, pedido que foi deferido por decisão do mesmo dia.

26      Por Decisão de 7 de abril de 2020, na sequência do pedido de PR referido no n.o 25, supra, e em consequência direta da aplicação da Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020, o chefe da unidade de «Direitos Individuais» da DG de «Recursos Humanos» do Parlamento suspendeu o subsídio de expatriação desta última a partir de 2 de abril de 2020 e até ao final do período de trabalho a tempo parcial que lhe tinha sido concedido.

27      Por mensagem de correio eletrónico de 6 de maio de 2020, PR foi informada de que, na sequência da alteração do seu horário de trabalho devido à pandemia de COVID‑19, tinha recebido indevidamente uma quantia de um montante de 2 173,40 euros e que esta seria recuperada mediante dedução efetuada na sua remuneração do mês de maio de 2020.

28      Em 3 de junho de 2020, PR apresentou uma reclamação contra a decisão de suspensão do seu subsídio de expatriação e a decisão de repetição do indevido, referidas respetivamente nos n.os 26 e 27, supra.

29      Em 1 de julho de 2020, PR regressou ao Luxemburgo.

30      Em 22 de outubro de 2020, o secretário‑geral, na sua qualidade de AIPN, indeferiu a reclamação de PR.

D.      Quanto à situação de PS

31      PS é funcionário no Parlamento no Luxemburgo.

32      No final de março de 2020, viajou até Malta para poder cuidar da sua filha.

33      Em 7 de abril de 2020, atendendo à Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020, PS apresentou um pedido de autorização para exercer a sua atividade a tempo parcial a 75 % em Malta. Este pedido foi deferido em 14 de abril de 2020, por um período de três meses compreendido entre 23 de março e 23 de junho de 2020.

34      Por Decisão de 15 de abril de 2020, na sequência do pedido de PS referido no n.o 33, supra, e como consequência direta da aplicação da Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020, o chefe da unidade de «Direitos Individuais» da DG de «Recursos Humanos» do Parlamento suspendeu o subsídio de expatriação deste último a partir de 23 de março de 2020, para o período em que este trabalhasse a tempo parcial em Malta.

35      Em 4 de julho de 2020, PS retomou o seu trabalho a tempo inteiro no Luxemburgo.

36      Em 13 de julho de 2020, PS apresentou uma reclamação contra as decisões referidas nos n.os 33 e 34, supra.

37      Por Decisão de 24 de novembro de 2020, enviada por correio a PS em 2 de dezembro, o secretário‑geral, na sua qualidade de AIPN, indeferiu a reclamação de PS.

E.      Quanto à situação de PT

38      PT é funcionária no Parlamento em Bruxelas (Bélgica).

39      Em 13 de março de 2020, PT viajou até à Irlanda para se juntar aos seus filhos.

40      Em 14 de abril de 2020, PT apresentou um pedido com vista a obter autorização para exercer a sua atividade a tempo parcial a 75 % na Irlanda, com base na Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020. Este pedido foi deferido no mesmo dia, para um período a contar de 15 de abril de 2020.

41      Por Decisão de 16 de abril de 2020, na sequência do pedido de PT referido no n.o 40, supra, e como consequência direta da aplicação da Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020, o chefe da unidade de «Direitos Individuais» da DG de «Recursos Humanos» do Parlamento suspendeu o subsídio de expatriação desta última a partir de 15 de abril de 2020, para o período em que esta trabalhasse a tempo parcial na Irlanda.

42      Por mensagem de correio eletrónico de 6 de maio de 2020, PT foi informada de que, na sequência da alteração do seu horário de trabalho devido à pandemia de COVID‑19, tinha recebido indevidamente uma quantia de um montante de 931,01 euros e que esta seria recuperada mediante uma dedução efetuada na sua remuneração do mês de maio de 2020.

43      Em 23 de junho de 2020, PT apresentou uma reclamação contra a decisão de suspensão do seu subsídio de expatriação, referida no n.o 41, supra, e pediu a anulação de todos os seus efeitos.

44      Por Decisão de 27 de outubro de 2020, recebida por PT a 20 de dezembro, o secretário‑geral, na sua qualidade de AIPN, indeferiu a reclamação desta última.

II.    Pedidos das partes

45      Os recorrentes concluem pedindo, em substância, que o Tribunal Geral se digne:

—        anular, em primeiro lugar, as decisões que autorizaram o trabalho a tempo parcial, em segundo lugar, as decisões que suspenderam o subsídio de expatriação, e, em terceiro lugar, as decisões de repetição do indevido (a seguir, em conjunto, «decisões impugnadas»);

—        anular, se for caso disso, as decisões pelas quais o Parlamento indeferiu as reclamações que tinham apresentado contra as decisões impugnadas;

—        condenar o Parlamento a reparar o dano moral sofrido, avaliado ex aequo et bono em 1 000 euros por cada um deles;

—        condenar o Parlamento a reparar o prejuízo material sofrido, correspondente a 25 % dos seus vencimentos, bem como os juros compensatórios e de mora vencidos;

—        condenar o Parlamento nas despesas.

46      O Parlamento conclui pedindo, em substância, que o Tribunal Geral se digne:

—        julgar o pedido de indemnização do dano moral em parte inadmissível e em parte improcedente;

—        em todo o caso, negar provimento ao recurso;

—        condenar os recorrentes nas despesas.

III. Questão de direito

A.      Quanto aos pedidos de anulação

1.      Quanto ao objeto dos pedidos de anulação

47      Com o seu segundo pedido, os recorrentes solicitam a anulação, na medida do necessário, das decisões pelas quais o Parlamento indeferiu a sua reclamação.

48      Importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a reclamação administrativa, conforme prevista no artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto, e o seu indeferimento, expresso ou tácito, fazem parte integrante de um processo complexo e constituem apenas uma condição prévia da apresentação do pedido ao juiz. Nestas condições, um recurso, ainda que formalmente interposto contra o indeferimento da reclamação, tem por efeito submeter à apreciação do juiz o ato lesivo contra o qual foi apresentada a reclamação, salvo no caso de o indeferimento da reclamação ter um âmbito diferente do ato contra o qual foi apresentada essa reclamação (v. Acórdão de 24 de abril de 2017, HF/Parlamento, T‑584/16, EU:T:2017:282, n.o 70 e jurisprudência referida).

49      Com efeito, uma decisão expressa de indeferimento de uma reclamação pode, atendendo ao seu conteúdo, não ter caráter confirmativo do ato impugnado pelo recorrente. É o caso de uma decisão de indeferimento de uma reclamação na qual é feita uma reapreciação da situação do recorrente, em função de novos elementos de direito e de facto ou de uma decisão que altera ou completa a decisão inicial. Nestes casos, o indeferimento da reclamação constitui um ato sujeito a fiscalização judicial, que é tomado em consideração na apreciação da legalidade do ato impugnado, ou que é mesmo considerado um ato lesivo que substitui este último (v. Acórdão de 24 de abril de 2017, HF/Parlamento, T‑584/16, EU:T:2017:282, n.o 71 e jurisprudência referida).

50      No caso em apreço, a decisão que indeferiu a reclamação de PP, na medida em que tinha por objeto a Decisão de 18 de maio de 2020 que autorizava o trabalho a tempo parcial, e a Decisão de 19 de maio de 2020 que suspendia o subsídio de expatriação em relação ele, mais não faz do que confirmar estas duas decisões, dado que indefere a reclamação dirigida contra estas últimas.

51      Além disso, as decisões a indeferir as reclamações de PS, PR e PT limitam‑se a confirmar as decisões objeto de cada uma dessas reclamações, especificando os fundamentos em que estas se basearam.

52      Assim, os pedidos de anulação das decisões que indeferiram as reclamações de PP e PS, bem como de PR e PT são desprovidas de conteúdo autónomo à luz das decisões impugnadas referidas no n.o 50, supra, e que não há, portanto, que decidir especificamente sobre os mesmos. Todavia, na apreciação da legalidade de cada uma das decisões impugnadas, deve ser tomada em consideração a fundamentação constante da decisão de indeferimento da reclamação, uma vez que essa fundamentação deve coincidir com a da decisão impugnada em causa (v., neste sentido, Acórdão de 30 de abril de 2019, Wattiau/Parlamento, T‑737/17, EU:T:2019:273, n.o 43 e jurisprudência referida).

53      Na decisão de indeferimento da reclamação de PQ, o secretário‑geral examinou não só a reclamação dirigida, em substância, contra a Decisão de 14 de abril de 2020 que autorizou o seu trabalho a tempo parcial, mas também o pedido, formulado pela primeira vez na sua reclamação, destinado a obter autorização para exercer, no futuro, a sua atividade a tempo inteiro fora do seu local de afetação. Resulta da sistemática desta decisão que o secretário‑geral indeferiu esse pedido pelos mesmos motivos que invocou para fundamentar o indeferimento da reclamação.

54      Assim, na medida em que indefere o pedido de trabalho a tempo inteiro fora do local de afetação, a decisão de indeferimento da reclamação de PQ não pode ter caráter confirmativo do ato impugnado e constitui, consequentemente, um ato sujeito à fiscalização do Tribunal Geral.

2.      Quanto à admissibilidade

a)      Quanto à admissibilidade dos pedidos de anulação em geral

55      O Parlamento considera que a petição peca por falta de clareza no que respeita às decisões objeto dos diferentes fundamentos do pedido de anulação. Duvida, assim, que estejam preenchidos os requisitos de clareza impostos pelo artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

56      O Parlamento considera igualmente que, na réplica, os recorrentes alargaram o alcance da exceção de ilegalidade da Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020 ao segundo, terceiro e quarto fundamentos, invocados para contestar a legalidade das decisões impugnadas. Entende que tal clarificação na fase da réplica equivaleria a uma alteração da petição, o que seria inadmissível.

57      Cabe recordar que, em conformidade com o artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e com o artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo, a petição inicial deve conter uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Segundo a jurisprudência, estas indicações devem ser suficientemente claras e precisas para permitir à parte recorrida preparar a sua defesa e ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização, se for caso disso, sem nenhuma outra informação [v., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 2019, Fleig/SEAE, T‑492/17, EU:T:2019:211, n.o 41 (não publicado)].

58      Por outro lado, a exposição dos fundamentos pode ser suficiente, mais pela sua substância do que pela sua qualificação jurídica, desde que os referidos fundamentos decorram da petição com suficiente nitidez (Acórdão de 13 de maio de 2020, Agmin Italy/Comissão, T‑290/18, não publicado, EU:T:2020:196, n.o 96). Além disso, uma exceção de ilegalidade é implicitamente suscitada na medida em que resulte de maneira relativamente clara que a parte recorrente está a formular efetivamente essa crítica (v. Acórdão de 30 de junho de 2021, GY/BCE, T‑746/19, não publicado, EU:T:2021:390, n.o 21 e jurisprudência referida).

59      No caso em apreço, embora o corpo da petição nem sempre indique expressamente os atos contra os quais os diferentes fundamentos e argumentos são dirigidos, resulta, no entanto, claramente dos n.os 2 a 6 da petição e dos respetivos pedidos que as decisões objeto do pedido de anulação são as decisões impugnadas, tal como definidas no n.o 45, supra, bem como, na medida do necessário, em substância, as decisões que indeferem as reclamações de cada um dos recorrentes contra essas decisões. De resto, na réplica, os recorrentes confirmaram igualmente que estas decisões constituíam o objeto do litígio, o que o Parlamento teve em conta na tréplica.

60      Além disso, resulta de maneira suficientemente clara da petição e da réplica que o primeiro fundamento tem por objeto uma exceção de ilegalidade da Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020.

61      O segundo fundamento diz respeito tanto à legalidade da Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020 como à legalidade das decisões impugnadas. Embora se indique, na réplica, que a segunda parte do segundo fundamento só é invocada para o caso de a exceção de ilegalidade da Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020 ser julgada improcedente, não é menos verdade que os argumentos desenvolvidos nessa parte do fundamento também têm por objeto a legalidade da referida decisão.

62      Além disso, resulta dos argumentos invocados no âmbito do terceiro fundamento, tanto na petição como na réplica, que os recorrentes contestam a legalidade das decisões impugnadas por considerarem que foram adotadas em violação, por um lado, dos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, e, por outro, do princípio da boa administração e do dever de assistência. Como os recorrentes confirmaram na audiência, estas alegações visam, de maneira semelhante na petição e na réplica, a legalidade das decisões impugnadas.

63      Por outro lado, o quarto fundamento, relativo ao não cumprimento das condições previstas no artigo 85.o do Estatuto para a recuperação dos montantes indevidamente pagos a um funcionário ou a um agente, é invocado a título subsidiário, para o caso de os três primeiros fundamentos serem julgados improcedentes. Este fundamento respeita unicamente à legalidade das decisões de repetição do indevido.

64      Por conseguinte, contrariamente ao que o Parlamento alega, impõe‑se constatar que, no caso em apreço, os requisitos do artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo foram respeitados e que a réplica não contém nenhuma alteração do alcance da exceção de ilegalidade da Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020.

b)      Quanto à admissibilidade dos pedidos de anulação das decisões que autorizaram o trabalho a tempo parcial e da decisão de indeferimento da reclamação de PQ na medida em que indefere o seu pedido de trabalho a tempo inteiro

65      No âmbito das suas respostas às medidas de organização do processo, o Parlamento contesta a admissibilidade dos pedidos de anulação das decisões que autorizaram o trabalho a tempo parcial. Com efeito, o Parlamento considera, nomeadamente, que, ao adotar essas decisões, satisfez os pedidos de PP, PS e PQ, pelo que estes recorrentes não têm nenhum interesse em interpor recurso das referidas decisões.

66      A título preliminar, há que observar que só PP, PS e PQ pedem a anulação das decisões que autorizaram o trabalho a tempo parcial adotadas a seu respeito.

67      Importa recordar que a admissibilidade de um recurso de anulação está subordinada à condição de a pessoa singular ou coletiva que o interpõe ter um interesse efetivo e atual em que o ato impugnado seja anulado. Tal interesse só existe, nomeadamente, se o ato impugnado causar prejuízo à pessoa que interpôs o recurso e, portanto, se a anulação desse ato for suscetível de lhe conferir uma vantagem. Por conseguinte, um ato que satisfaz inteiramente essa pessoa não é, por definição, suscetível de lhe causar prejuízo e essa pessoa não tem interesse em pedir a sua anulação [v. Acórdão de 1 de fevereiro de 2012, mtronix/IHMI — Growth Finance, T‑353/09, não publicado, EU:T:2012:40, n.o 16 e jurisprudência referida; v. igualmente, neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2009, TF1/Comissão, T‑354/05, EU:T:2009:66, n.o 85 e jurisprudência referida].

68      No caso em apreço, importa constatar que as decisões que autorizaram o trabalho a tempo parcial de PP, PS e PQ foram adotadas a pedido destes, com base na Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020, a fim de poderem juntar‑se aos seus familiares próximos fora do seu local de afetação, e que o Parlamento deferiu estes pedidos na íntegra.

69      Uma vez que o Parlamento satisfez os pedidos dos recorrentes em causa, estes não têm nenhum interesse em pedir a anulação das decisões que autorizaram o trabalho a tempo parcial, pelo que os seus pedidos nesse sentido devem ser julgados inadmissíveis.

70      É verdade que os recorrentes alegaram que tinham sido obrigados a apresentar um pedido de trabalho a tempo parcial com base na Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020, uma vez que essa decisão constituía a única possibilidade de deixarem o seu local de afetação para se juntarem aos seus familiares próximos e continuarem a trabalhar.

71      Contudo, embora não existisse nenhuma decisão do secretário‑geral do Parlamento que oferecesse aos funcionários a possibilidade de apresentarem um pedido para poder trabalhar a tempo inteiro fora do seu local de afetação, não deixa de ser verdade que os recorrentes dispunham da possibilidade de submeter à AIPN um pedido nesse sentido, com base no artigo 90.o, n.o 1, do Estatuto, expondo os motivos específicos do seu pedido.

72      Por conseguinte, os pedidos de anulação das decisões que autorizaram o trabalho a tempo parcial devem ser julgados inadmissíveis.

73      Por outro lado, como resulta dos n.os 53 e 54, supra, na sua reclamação, PQ pediu ao Parlamento autorização para trabalhar a tempo inteiro fora do seu local de afetação. Por conseguinte, submeteu à AIPN um pedido que a convidava a tomar uma decisão a seu respeito, na aceção do artigo 90.o, n.o 1, do Estatuto, pedido que foi recusado na decisão de indeferimento da sua reclamação.

74      No entanto, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a admissibilidade de um recurso interposto no Tribunal Geral, nos termos do artigo 270.o TFUE e do artigo 91.o do Estatuto, está subordinada à regularidade da tramitação do procedimento pré‑contencioso e ao respeito dos prazos que prevê (v. Acórdão de 24 de abril de 2017, HF/Parlamento, T‑584/16, EU:T:2017:282, n.o 64 e jurisprudência referida). No essencial, qualquer recurso de um ato lesivo emanado da AIPN deve, regra geral, ser imperativamente precedido de uma reclamação pré‑contenciosa que seja objeto de uma decisão expressa ou tácita de indeferimento (v., neste sentido, Acórdão de 23 de março de 2000, Rudolph/Comissão, T‑197/98, EU:T:2000:86, n.o 53).

75      Ora, no caso em apreço, PQ não apresentou nenhuma reclamação contra a decisão de indeferimento do seu pedido de trabalho a tempo inteiro, como consta da decisão expressa de indeferimento da reclamação em causa. Uma vez que o procedimento pré‑contencioso obrigatório não foi respeitado, o recurso de anulação dessa decisão de indeferimento do seu pedido de trabalho a tempo inteiro é, portanto, manifestamente inadmissível.

76      Além disso, embora os recorrentes pretendam acusar o Parlamento de ter exercido pressão psicológica sobre eles para que solicitassem a aplicação da Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020, essa pressão não constitui um ato lesivo suscetível de ser objeto de um recurso de anulação, mas um comportamento do Parlamento desprovido de caráter decisório, que os concorrentes poderiam impugnar no âmbito de uma ação de indemnização.

77      A este respeito, há que recordar que uma ação de indemnização destinada a obter a reparação de um prejuízo causado não por um ato lesivo cuja anulação é pedida, mas por um comportamento da Administração desprovido de caráter decisório, deve, sob pena de inadmissibilidade, ser precedida de um procedimento administrativo em duas etapas. Tal procedimento deve começar imperativamente pela submissão de um requerimento, na aceção do artigo 90.o, n.o 1, do Estatuto, em que se pede à AIPN que repare o prejuízo alegado, e prosseguir, se for caso disso, com a apresentação de uma reclamação, na aceção do artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto, contra a decisão de indeferimento do requerimento (v., neste sentido, Acórdão de 19 de maio de 1999, Connolly/Comissão, T‑214/96, EU:T:1999:103, n.o 34). Cabe aos funcionários ou aos agentes apresentar esse pedido à instituição num prazo razoável, a partir do momento em que tenham tomado conhecimento da situação de que se queixam. O caráter razoável do prazo deve ser apreciado em função das circunstâncias próprias de cada processo, designadamente da importância do litígio para o interessado, da complexidade do processo e do comportamento das partes em presença (v., neste sentido, Acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Réexamen Arango Jaramillo e o./BEI, C‑334/12 RX‑II, EU:C:2013:134, n.o 28).

78      Ora, no caso em apreço, os recorrentes não apresentaram um pedido de indemnização devido ao comportamento do Parlamento, que alegadamente os pressionou para apresentarem um pedido de trabalho a tempo parcial.

3.      Quanto ao mérito

79      Os recorrentes invocam quatro fundamentos de anulação, relativos, o primeiro, à ilegalidade da Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020, o segundo, à violação do artigo 4.o do anexo VII do Estatuto, à existência de um erro manifesto de apreciação, à interpretação manifestamente incorreta do conceito de «expatriação», à violação dos artigos 62.o e 69.o do Estatuto e à violação dos princípios da legalidade e da segurança jurídica, o terceiro, à violação dos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e à violação do princípio da boa administração e do dever de assistência, e, o quarto, à violação do artigo 85.o do Estatuto e do princípio da proteção da confiança legítima.

80      Desde logo, cabe referir que apenas os três primeiros fundamentos dizem respeito às decisões de suspensão do subsídio de expatriação, pelo que a legalidade dessas decisões será examinada à luz desses três fundamentos.

81      O quarto fundamento, que respeita às decisões de repetição do indevido, é aduzido a título subsidiário, para o caso de os pedidos de anulação das outras decisões impugnadas serem julgados improcedentes. Por conseguinte, haverá que examinar unicamente este quarto fundamento se e na medida em que os três primeiros fundamentos, que dizem respeito às outras decisões impugnadas, forem rejeitados.

a)      Quanto aos pedidos de anulação das decisões de suspensão do subsídio de expatriação

82      Como resulta dos n.os 79 e 80, supra, os recorrentes invocam três fundamentos para o seu pedido de anulação das decisões de suspensão do subsídio de expatriação.

83      Particularmente, no âmbito do primeiro fundamento, os recorrentes alegam que o secretário‑geral não podia invocar o artigo 234.o, n.o 2, do Regimento do Parlamento para alterar os direitos que lhes são conferidos pelas disposições estatutárias em matéria de subsídio de expatriação.

84      Além disso, na primeira parte do segundo fundamento, os recorrentes alegam que a suspensão generalizada do subsídio de expatriação, tal como prevista na Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020, é contrária ao artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do anexo VII do Estatuto. Com efeito, o direito ao subsídio de expatriação é apreciado em função da situação de cada funcionário ou agente na data da sua entrada ao serviço da União e é adquirido quando estão reunidas as condições previstas nessa disposição do Estatuto. Ora, no caso em apreço, não se verificou nenhum facto que alterasse substancialmente a situação dos recorrentes, permitindo ao Parlamento reexaminar a sua situação no que respeita à concessão do subsídio de expatriação.

85      Os recorrentes alegam ainda que, para ter direito ao subsídio de expatriação, o funcionário não é obrigado a residir no local da sua afetação. Quando muito, é‑lhe exigido que resida a uma distância tal que não cause estorvo ao exercício das suas funções, em conformidade com o artigo 20.o do Estatuto. Ora, aquando da adoção das decisões de suspensão do subsídio de expatriação, todo o pessoal estava sujeito a um regime de teletrabalho obrigatório, atendendo à situação sanitária. Assim, a distância tendo em conta o local a partir do qual um funcionário exerce as suas funções devia ser interpretada tendo em consideração as circunstâncias excecionais decorrentes da pandemia de COVID‑19.

86      O Parlamento responde que, embora o artigo 234.o, n.o 2, do seu Regimento não contenha nenhuma delegação de poderes que o autorize diretamente a adotar medidas específicas relativamente às condições de trabalho do pessoal do Secretariado‑Geral do Parlamento, o secretário‑geral está, no entanto, habilitado, por delegação da Mesa do Parlamento, a adotar regras internas relativas às condições de trabalho dos funcionários. Foi igualmente encarregado de o fazer por decisão do presidente do Parlamento, atendendo à rápida evolução da pandemia de COVID‑19.

87      O Parlamento acrescenta que a Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020 não prevê a supressão do subsídio de expatriação, mas apenas a sua suspensão durante o regime de trabalho a tempo parcial autorizado a pedido da pessoa interessada. O direito dos recorrentes ao subsídio de expatriação não tinha sido revisto, uma vez que nem o seu local de afetação nem o seu grau de integração no local de afetação tinham mudado.

88      Segundo o Parlamento, o pagamento do subsídio de expatriação destina‑se a compensar as consequências do afastamento do funcionário do seu local de origem. Por conseguinte, o pagamento deste subsídio deixava de se justificar para os funcionários que efetuavam teletrabalho fora do seu local de afetação.

89      Além disso, a obrigação de residir no local de afetação, prevista no artigo 20.o do Estatuto, aplica‑se a todos os funcionários, incluindo os recorrentes, que estão afetados à DG «Tradução», e aos que trabalham a tempo parcial, tal como previsto artigo 55.o‑A e no anexo IV‑A do Estatuto. Esta obrigação justifica‑se pela necessidade de assegurar o bom funcionamento da instituição. O teletrabalho também não constitui um direito estatutário nem dispensa os funcionários da sua obrigação de estar permanentemente à disposição da sua instituição. Ora, no início da crise sanitária, a proximidade dos funcionários do seu local de trabalho foi primordial para assegurar a continuidade dos trabalhos do Parlamento.

90      No caso em apreço, resulta da Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020 que, durante o período abrangido pela autorização para trabalhar a tempo parcial ao abrigo dessa decisão, o funcionário não receberia o subsídio de expatriação, previsto no artigo 4.o do anexo VII do Estatuto, a que normalmente tinha direito. Por conseguinte, essa decisão derroga esta disposição no que respeita aos membros do pessoal do Parlamento em causa.

91      O artigo 4.o, n.o 1, do anexo VII do Estatuto, na versão aplicável ao caso vertente (em 1 de janeiro de 2020), prevê o seguinte:

«O subsídio de expatriação do país igual a 16 % do montante total do vencimento‑base, bem como do abono de lar  e do abono por filho a cargo, pagos ao funcionário, é concedido:

a)      Ao funcionário:

–        que não tenha e não tiver tido nunca a nacionalidade do Estado em cujo território está situado o local da sua afetação, e

–        que não tenha, habitualmente, durante um período de cinco anos expirando seis meses antes do início de funções, residido ou exercido a sua atividade profissional principal no território europeu do referido Estado. Não serão tomadas em consideração, para efeitos desta disposição, as situações resultantes de serviços prestados a um outro Estado ou a uma organização internacional.

b)      Ao funcionário que, tendo ou tendo tido a nacionalidade do Estado em cujo território está situado o local da sua afetação, tenha, habitualmente, durante um período de dez anos expirando à data do início de funções, residido fora do território europeu do dito Estado, por motivo diferente do exercício de funções num serviço de qualquer Estado ou organização internacional.

O subsídio de expatriação não pode ser inferior a 567,38 [euros] por mês.»

92      A Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020 foi adotada com base no artigo 234.o, n.o 2, do Regimento do Parlamento. Nos termos desta disposição, o secretário‑geral chefia um secretariado cuja composição e organização são determinadas pela Mesa do Parlamento.

93      Importa recordar que o artigo 234.o, n.o 2, do Regimento do Parlamento não pode ser interpretado no sentido de que, mesmo em circunstâncias excecionais como as relacionadas com a pandemia de COVID‑19, o secretário‑geral tem o poder de adotar diretivas internas que derrogam disposições hierarquicamente superiores, como as disposições do Estatuto (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 20 de novembro de 2007, Ianniello/Comissão, T‑308/04, EU:T:2007:347, n.o 38, e de 20 de março de 2018, Argyraki/Comissão, T‑734/16, não publicado, EU:T:2018:160, n.os 66 e 67).

94      Além disso, o artigo 4.o, n.o 1, do anexo VII do Estatuto não prevê expressamente a possibilidade de se reexaminar o direito ao subsídio de expatriação à luz de uma alteração das circunstâncias ocorrida durante a carreira de um funcionário (Acórdão de 5 de outubro de 2020, Brown/Comissão, T‑18/19, EU:T:2020:465, n.o 36), nem, a fortiori, a de suspender o pagamento desse subsídio a um funcionário quando, no decurso da sua carreira, é obrigado a trabalhar temporariamente em regime de teletrabalho fora do seu local de afetação.

95      Todavia, não resulta de modo nenhum do disposto no artigo 4.o, n.o 1, do anexo VII do Estatuto que o direito ao subsídio de expatriação constitui um direito adquirido (v., neste sentido, Acórdão de 28 de setembro de 1993, Magdalena Fernández/Comissão, T‑90/92, EU:T:1993:78, n.o 32). Um funcionário pode ver os seus direitos pecuniários revistos pela instituição que o emprega em caso de concessão ou de manutenção irregular (v., neste sentido, Acórdão de 9 de março de 1978, Herpels/Comissão, 54/77, EU:C:1978:45, n.o 39).

96      Além disso, um subsídio é pago mensalmente aos funcionários que preencham as condições para o efeito. Por conseguinte, a Administração não pode continuar a pagá‑lo quando ocorre um evento que modifica substancialmente a situação da pessoa que dele beneficia, uma vez que tem incidência nas condições a que está sujeita a concessão desse subsídio. Com efeito, ao contrário de uma revogação retroativa de uma decisão, uma revogação para o futuro é sempre possível quando as circunstâncias que justificaram essa decisão tenham deixado de estar preenchidas (Acórdão de 5 de outubro de 2020, Brown/Comissão, T‑18/19, EU:T:2020:465, n.o 37).

97      Cabe, pois, verificar se, no caso em apreço, a prática temporária do teletrabalho fora do local de afetação no contexto da pandemia de COVID‑19 constituiu um facto suscetível de alterar substancialmente a situação de facto ou de direito do funcionário que beneficia de um subsídio de expatriação nos termos do artigo 4.o, n.o 1, do anexo VII do Estatuto.

98      A este respeito, o subsídio de expatriação previsto no artigo 69.o do Estatuto e cujas modalidades de concessão são definidas no artigo 4.o, n.o 1, do anexo VII do referido estatuto, destina‑se a compensar os encargos e desvantagens especiais resultantes da entrada em funções nas instituições da União de funcionários que, por este facto, são obrigados a transferir a sua residência do Estado do seu domicílio para o Estado de afetação e a integrar‑se num novo ambiente (v. Acórdãos de 2 de maio de 1985, De Angelis/Comissão, 246/83, EU:C:1985:165, n.o 13 e jurisprudência referida; de 29 de novembro de 2007, Salvador García/Comissão, C‑7/06 P, EU:C:2007:724, n.o 43 e jurisprudência referida, e de 24 de janeiro de 2008, Adam/Comissão, C‑211/06 P, EU:C:2008:34, n.o 38 e jurisprudência referida).

99      O conceito de «encargos e desvantagens especiais» foi clarificado na Nota informativa do Conselho GS/84/59, de 11 de dezembro de 1959, relativa ao subsídio de expatriação ou de separação. Como observou o Parlamento, decorre dessa nota, que faz parte dos trabalhos preparatórios relativos ao artigo 4.o do anexo VII do Estatuto, que o subsídio de «expatriação ou de separação» é concedido a título de compensação dos encargos materiais e dos inconvenientes de ordem moral resultantes do facto de o funcionário se encontrar afastado do seu local de origem e de, geralmente, manter relações familiares com a sua região de origem.

100    Atendendo às considerações anteriores, importa verificar se, no contexto da pandemia de COVID‑19, os funcionários que, como os recorrentes, mudaram temporariamente o seu local de residência efetivo para cuidar dos seus familiares, continuaram a suportar os encargos financeiros e as desvantagens de ordem moral resultantes do facto de o desempenho das suas funções na União ter lugar num novo ambiente.

101    No que diz respeito aos encargos financeiros, decorre dos autos que os recorrentes trabalharam fora do seu local de afetação durante um curto período, ao longo do qual continuaram a suportar os custos associados à sua residência nesse local de afetação, como a renda ou o reembolso de um empréstimo, as faturas de energia, de água ou de manutenção do condomínio. Estas despesas continuaram a ser suportadas por eles, uma vez que a Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020, que constituía uma medida excecional de caráter temporário, apenas lhes permitia trabalhar fora do seu local de afetação por um período inicial de três meses, durante a pandemia de COVID‑19 cuja duração ninguém podia prever.

102    Assim, nas circunstâncias excecionais associadas à pandemia de COVID‑19, o pagamento do subsídio de expatriação aos recorrentes não perdeu de modo nenhum a sua razão de ser.

103    É verdade que a concessão do subsídio de expatriação em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, do anexo VII do Estatuto está intrinsecamente ligada à obrigação de residência dos funcionários da União, prevista no artigo 20.o do Estatuto, nos termos do qual, por um lado, os funcionários são obrigados a residir na localidade da sua afetação ou a uma distância tal que não cause estorvo ao exercício das suas funções, e, por outro, devem notificar o seu endereço à AIPN e informá‑la imediatamente de qualquer alteração desse endereço.

104    No entanto, o artigo 20.o do Estatuto deve ser lido em conjugação com o artigo 55.o, n.o 1, do Estatuto, nos termos do qual os funcionários em situação de atividade estão permanentemente à disposição da instituição a que pertencem. Conclui‑se daqui que um funcionário que não resida no seu local de afetação deve, no entanto, poder deslocar‑se a qualquer momento ao seu local de trabalho, de acordo com as regras em matéria de organização do trabalho que lhe são aplicáveis, a fim de aí cumprir as tarefas que lhe são confiadas no interesse do serviço.

105    Ora, nas circunstâncias excecionais da pandemia de COVID‑19, as regras internas relativas ao teletrabalho e à presença física do pessoal nas instalações do Parlamento deixaram temporariamente de ser aplicáveis, como demonstram as várias decisões tomadas pelo secretário‑geral no início da pandemia, mencionadas nos n.os 4 a 7, supra. Com efeito, todos os membros do pessoal cuja presença não era considerada indispensável estavam obrigatoriamente em regime de teletrabalho a tempo inteiro desde 16 de março de 2020, incluindo os recorrentes, como se depreende do n.o 5, supra.

106    Por conseguinte, o Parlamento não pode afirmar que a «suspensão generalizada» do pagamento, incluindo aos recorrentes, do subsídio de expatriação, prevista pela Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020, estava ligada ao incumprimento da obrigação de residência prevista no artigo 20.o do Estatuto.

107    Além disso, o Estatuto não contém nenhuma disposição que permita a uma instituição, um órgão ou um organismo da União suspender o pagamento do subsídio de expatriação, mesmo em circunstâncias excecionais como as relacionadas com a pandemia de COVID‑19.

108    Assim, a suspensão do subsídio de expatriação prevista na Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020 é contrária ao artigo 4.o, n.o 1, do anexo VII do Estatuto.

109    Além disso, importa observar que, embora a Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020 não tenha retirado definitivamente o direito ao subsídio de expatriação, mas o tenha apenas suspendido por um período limitado, esta suspensão teve, contudo, por efeito reduzir a remuneração dos recorrentes durante esse período, sem possibilidade de a recuperar.

110    Por conseguinte, o facto de a Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020 se limitar a prever a suspensão do subsídio de expatriação dos funcionários do Parlamento em causa, como os recorrentes, e não a supressão desse subsídio, não é suscetível de excluir a ilegalidade dessa decisão.

111    Atendendo às considerações anteriores, deve concluir‑se que a Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020 foi adotada em violação de disposições hierarquicamente superiores, pelo que o secretário‑geral excedeu os limites dos seus poderes nesta matéria. A referida decisão viola o artigo 4.o, n.o 1, do anexo VII do Estatuto, uma vez que prevê a suspensão do pagamento do subsídio de expatriação aos funcionários que trabalham temporariamente em regime de teletrabalho fora do seu local de afetação para cuidar dos seus familiares no contexto da pandemia de COVID‑19.

112    Consequentemente, as decisões de suspensão do subsídio de expatriação carecem de base jurídica, pelo que devem ser anuladas, sem que seja necessário apreciar os outros fundamentos e argumentos invocados pelos recorrentes em apoio do seu pedido de anulação dessas decisões.

b)      Quanto ao pedido de anulação das decisões de repetição do indevido

113    Importa observar que só PT e PR pedem a anulação das decisões de repetição do indevido objeto do presente recurso de anulação.

114    No âmbito do quarto fundamento, que é o único fundamento invocado em apoio do pedido de anulação das decisões de repetição do indevido, os recorrentes alegam, a título subsidiário, para o caso de o pedido de anulação das outras decisões impugnadas ser julgado improcedente, que não estão preenchidos os requisitos previstos no artigo 85.o do Estatuto para a repetição do indevido. Acrescentam que, quando a Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020 foi adotada, PT e PR já tinham tomado providências para se deslocar para junto das suas famílias fora do seu local de afetação, pelo que tinham confiança legítima de que manteriam a totalidade da sua remuneração.

115    O Parlamento contesta os argumentos dos recorrentes.

116    No caso em apreço, como resulta do n.o 112, supra, as decisões de suspensão do subsídio de expatriação são desprovidas de base jurídica e devem ser anuladas. Em contrapartida, o pedido de anulação das decisões que autorizaram o trabalho a tempo parcial foi julgado inadmissível, tal como o recurso da decisão que indeferiu o pedido de trabalho a tempo inteiro de PQ. Uma vez que o quarto fundamento é invocado apenas a título subsidiário, para o caso de o pedido de anulação das outras decisões impugnadas ser julgado improcedente, este fundamento só deve ser examinado na medida em que diz respeito à recuperação da parte da remuneração de PT e PR resultante da limitação do seu tempo de trabalho a 75 %.

117    A este respeito, em primeiro lugar, há que recordar que o artigo 85.o, primeiro parágrafo, do Estatuto prevê que qualquer importância recebida indevidamente dá lugar a reposição se o beneficiário tiver tido conhecimento da irregularidade do pagamento ou se a mesma fosse tão evidente que dela não poderia deixar de ter conhecimento.

118    Ora, no caso em apreço, resulta claramente da Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020 que os funcionários a quem foi concedido o regime derrogatório instaurado por essa decisão receberiam uma remuneração calculada numa base proporcional ao tempo de trabalho, ou seja, 75 %. Portanto, PR e PT, que solicitaram o regime instaurado por essa decisão, não podiam desconhecer, pelo menos, as consequências financeiras da autorização que lhes seria concedida.

119    Em segundo lugar, no que respeita à alegada violação do princípio da proteção da confiança legítima, importa recordar que o direito de invocar essa proteção pressupõe a satisfação de três condições cumulativas. Em primeiro lugar, a Administração da União deve fornecer ao interessado garantias precisas, incondicionais e concordantes, provenientes de fontes fiáveis. Em segundo lugar, essas garantias devem criar uma expectativa legítima no espírito daquele a quem se destinam. Em terceiro lugar, as garantias oferecidas devem estar em conformidade com as normas aplicáveis (Acórdão de 12 de fevereiro de 2020, ZF/Comissão, T‑605/18, EU:T:2020:51, n.o 151).

120    Ora, no caso vertente, os recorrentes não apresentam nenhum elemento suscetível de demonstrar que o Parlamento tinha dado a PR ou a PT garantias precisas, incondicionais e concordantes que permitissem criar uma confiança legítima na manutenção da sua remuneração integral durante o período de trabalho a tempo parcial fora do seu local de afetação. Além disso, essa manutenção seria contrária ao disposto no artigo 3.o, primeiro parágrafo, do anexo IV‑A do Estatuto, que prevê que o funcionário tem direito, durante o período em que esteja autorizado a trabalhar a tempo parcial, a uma percentagem da sua remuneração correspondente à percentagem do tempo de trabalho normal.

121    Por conseguinte, o quarto fundamento é improcedente.

122    Consequentemente, os pedidos de anulação das decisões de repetição do indevido, que se baseiam no quarto fundamento, devem ser julgados improcedentes, sem que seja necessário examinar a admissibilidade desses pedidos uma vez que foram apresentados por PT.

4.      Conclusão sobre os pedidos de anulação

123    Resulta das considerações anteriores que o pedido de anulação das decisões de suspensão do subsídio de expatriação deve ser julgado procedente com base na primeira parte do segundo fundamento.

124    Em contrapartida, o pedido de anulação das decisões que autorizaram o trabalho a tempo parcial é julgado inadmissível e o pedido de anulação da decisão de indeferimento da reclamação de PQ, na medida em que rejeita o seu pedido de trabalho a tempo inteiro, é julgado manifestamente inadmissível. Além disso, o pedido de anulação das decisões de repetição do indevido deve, em todo o caso, ser julgado improcedente.

B.      Quanto ao pedido de indemnização

125    No âmbito dos seus pedidos de indemnização, os recorrentes solicitam, por um lado, a reparação do prejuízo material, correspondente a 25 % da sua remuneração, acrescida de juros compensatórios e de mora entretanto vencidos, e, por outro, a reparação do dano moral sofrido, que avaliam ex aequo et bono em 1 000 euros por cada um deles.

126    Os recorrentes alegam que estes prejuízos resultam da falta de base jurídica e da ilegalidade da Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020, bem como da má administração e da falta de assistência do Parlamento a seu respeito. Invocam igualmente a violação do seu direito a condições de trabalho que deveriam ter respeitado a sua saúde e a sua dignidade, bem como a existência de uma falta cometida pelo Parlamento, por não lhes ter atribuído um trabalho a tempo inteiro.

127    O Parlamento contesta os argumentos dos recorrentes.

128    A título preliminar, importa recordar que a validade de uma ação de indemnização proposta ao abrigo do artigo 270.o TFUE está subordinada à reunião de um conjunto de requisitos, a saber, a ilegalidade do comportamento censurado às instituições, a realidade do prejuízo e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento e o prejuízo invocado (Acórdãos de 1 de junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o., C‑136/92 P, EU:C:1994:211, n.o 42, e de 21 de fevereiro de 2008, Comissão/Girardot, C‑348/06 P, EU:C:2008:107, n.o 52). Estes três requisitos são cumulativos, pelo que a falta de um deles é suficiente para uma ação de indemnização ser julgada improcedente.

1.      Quanto ao prejuízo material

129    No que diz respeito ao prejuízo material alegado, importa observar que os recorrentes pedem apenas a reparação de um prejuízo material correspondente a 25 % da sua remuneração, acrescido de juros compensatórios e de mora, entretanto vencidos. Este prejuízo está ligado, em substância, à redução do seu tempo de trabalho para 75 % na sequência da adoção das decisões que autorizaram o trabalho a tempo parcial.

130    Segundo jurisprudência constante em matéria de função pública, os pedidos de reparação de um prejuízo devem ser julgados improcedentes na medida em que estejam estreitamente ligados a pedidos de anulação que tenham sido, eles próprios, rejeitados por inadmissibilidade ou por falta de fundamento (Acórdão de 30 de setembro de 2003, Martínez Valls/Parlamento, T‑214/02, EU:T:2003:254, n.o 43; v. igualmente, neste sentido, Acórdão de 9 de abril de 2019, Aldridge e o./Comissão, T‑319/17, não publicado, EU:T:2019:231, n.o 64).

131    Ora, no caso vertente, os pedidos de indemnização do prejuízo material estão intimamente ligados aos pedidos de anulação das decisões que autorizaram o trabalho a tempo parcial, que foram julgados inadmissíveis, e aos pedidos de anulação da decisão de indeferimento da reclamação de PQ, na medida em que esta rejeita o seu pedido de trabalho a tempo inteiro, que foram julgados manifestamente inadmissíveis.

132    Por outro lado, os recorrentes não apresentam nenhum argumento que permita compreender de que forma a Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020, que autoriza os funcionários a trabalharem junto dos seus familiares no contexto da pandemia de COVID‑19, violou o seu direito a condições de trabalho que respeitassem a sua saúde e a sua dignidade.

133    Por conseguinte, o pedido de indemnização do prejuízo material deve ser julgado improcedente.

2.      Quanto ao dano moral

134    Os pedidos de indemnização do dano moral decorrente da adoção das decisões que autorizaram o trabalho a tempo parcial devem ser julgados improcedentes pelos motivos expostos nos n.os 130 a 132, supra.

135    No que diz respeito à indemnização do dano moral sofrido na sequência da adoção das decisões de suspensão do subsídio de expatriação, resulta do n.o 112, supra, que essas decisões devem ser anuladas pelo facto de a Decisão do secretário‑geral de 31 de março de 2020, em que se baseiam, ser ilegal. O requisito relativo à ilegalidade do comportamento da Administração, referido no n.o 128, supra, está, portanto, preenchido.

136    No entanto, cabe recordar que a anulação de um ato que enferma de ilegalidade pode constituir, em si mesma, a reparação adequada e, em princípio, suficiente de qualquer dano moral que esse ato possa ter causado, salvo quando o recorrente demonstre ter sofrido um dano moral dissociável da ilegalidade em que se baseia a anulação e que não é suscetível de ser integralmente reparado por essa anulação (Acórdão de 28 de abril de 2021, Correia/CESE, T‑843/19, EU:T:2021:221, n.o 86).

137    No caso em apreço, os recorrentes sustentam que a anulação das decisões de suspensão do subsídio de expatriação não constitui uma reparação adequada e suficiente do dano moral, tendo em conta o dano causado à sua dignidade e à qualidade da sua vida profissional, bem como a angústia e os problemas de saúde sofridos, nomeadamente, por PP. Na réplica, os recorrentes acrescentam que a perda de uma parte da sua remuneração lhes provocou insónias e ataques de stress.

138    Contudo, há que constatar que os recorrentes não apresentam nenhum elemento de prova suscetível de sustentar as suas alegações. Também não explicam de que modo é que as decisões de suspensão do subsídio de expatriação afetaram a sua dignidade e a qualidade da sua vida profissional.

139    Por conseguinte, o pedido de indemnização do prejuízo material e do dano moral deve ser julgado improcedente.

IV.    Quanto às despesas

140    Nos termos do artigo 134.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

141    No caso em apreço, os pedidos de anulação foram julgados procedentes no que respeita às decisões de suspensão do subsídio de expatriação. Em contrapartida, foram julgados improcedentes na medida em que diziam respeito às decisões que autorizaram o trabalho a tempo parcial e às decisões de repetição do indevido e uma vez que diziam respeito à decisão de indeferimento do pedido de trabalho a tempo inteiro de PQ que figurava na decisão de indeferimento da sua reclamação. Os pedidos de indemnização foram igualmente julgados improcedentes.

142    Nas circunstâncias do caso em apreço, os recorrentes deverão suportar metade das suas próprias despesas. O Parlamento suportará, além das suas próprias despesas, metade das despesas dos recorrentes.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada)

decide:

1)      É anulada a Decisão do Parlamento Europeu de 19 de maio de 2020, que suspendeu o subsídio de expatriação de PP.

2)      É anulada a Decisão do Parlamento de 7 de abril de 2020 que suspendeu o subsídio de expatriação de PR.

3)      É anulada a Decisão do Parlamento de 15 de abril de 2020 que suspendeu o subsídio de expatriação de PQ.

4)      É anulada a Decisão do Parlamento de 15 de abril de 2020 que suspendeu o subsídio de expatriação de PS.

5)      É anulada a Decisão do Parlamento de 16 de abril de 2020 que suspendeu o subsídio de expatriação de PT.

6)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

7)      PP, PS, PR, PQ e PT suportarão metade das suas despesas.

8)      O Parlamento suportará, além das suas próprias despesas, metade das despesas de PP, PS, PR, PQ e PT. 

da Silva Passos

Valančius

Reine

Truchot

 

       Sampol Pucurull

Apresentado em audiência pública no Luxemburgo, em 19 de abril de 2023.

Assinaturas


*      íngua do processo: francês.