Language of document : ECLI:EU:T:2003:281

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

23 de Outubro de 2003 (1)

«Recurso de anulação - Concorrência - Artigos 85.° e 86.° do Tratado CE (actuais artigos 81.° CE e 82.° CE) - Gelados de impulso - Fornecimento de arcas congeladoras aos retalhistas - Cláusula de exclusividade - Barreiras à entrada no mercado - Direitos de propriedade - Artigo 222.° do Tratado CE (actual artigo 295.° CE)»

No processo T-65/98,

Van den Bergh Foods Ltd, anteriormente HB Ice Cream Ltd, estabelecida em Dublin (Irlanda), representada por M. Nicholson e M. Rowe, solicitors, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por W. Wils e A. Whelan, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

Masterfoods Ltd, estabelecida em Dublin (Irlanda), representada por P. G. H. Collins, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

e por

Richmond Frozen Confectionery Ltd, anteriormente Treats Frozen Confectionery Ltd, estabelecida em Northallerton (Reino Unido), representada por I. S. Forrester, QC, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 98/531/CE da Comissão, de 11 de Março de 1998, relativa a um processo de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CE (Processos IV/34.073, IV/34.395 e IV/35.436 - Van den Bergh Foods Limited) (JO L 246, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: R. García-Valdecasas, presidente, P. Lindh e J. D. Cooke, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 3 de Outubro de 2002,

profere o presente

Acórdão

Factos na origem do litígio

1.
    O presente recurso tem por fim a anulação da Decisão 98/531/CE da Comissão, de 11 de Março de 1998, relativa a um processo de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CE (Processos IV/34.073, IV/34.395 e IV/35.436 - Van den Bergh Foods Limited) (JO L 246, p. 1, a seguir «decisão controvertida»).

2.
    A Van den Bergh Foods Ltd (a seguir «HB»), filial a 100% do grupo Unilever, é o principal fabricante de gelados na Irlanda, em especial de gelados de impulso, vendidos em embalagem individual. Desde há vários anos que a HB fornece aos retalhistas de gelados, «a título gracioso» ou mediante um aluguer insignificante, arcas congeladoras cuja propriedade ela conserva, na condição de estas serem utilizadas exclusivamente para armazenar os gelados fornecidos pela HB (a seguir «cláusula de exclusividade»). Resulta das estipulações do contrato-tipo relativo às arcas congeladoras que tal contrato pode ser denunciado a qualquer momento por qualquer das partes, com um pré-aviso de dois meses. A HB procede à manutenção, à sua custa, das arcas congeladoras, salvo em caso de negligência do retalhista.

3.
    A Masterfoods Ltd (a seguir «Mars»), uma filial da sociedade americana Mars Inc., penetrou no mercado irlandês de gelados em 1989.

4.
    A partir do Verão de 1989, vários retalhistas que dispunham de arcas congeladoras fornecidas pela HB começaram a nelas conservar e apresentar os produtos da Mars, o que levou a HB a exigir o respeito da cláusula de exclusividade.

5.
    Em Março de 1990, a Mars intentou uma acção na High Court (Irlanda) destinada, nomeadamente, a obter a declaração de que a cláusula de exclusividade era nula por força do direito interno e dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CE (actuais artigos 81.° CE e 82.° CE). A HB, por seu lado, intentou uma outra acção destinada a que a Mars fosse intimada a não incitar os retalhistas a violar a cláusula de exclusividade.

6.
    Em Abril de 1990, a High Court proferiu uma decisão em processo de medidas provisórias, favorável à HB.

7.
    Em 28 de Maio de 1992, a High Court pronunciou-se sobre o mérito das acções intentadas pela Mars e pela HB. Julgou improcedente a acção da Mars e proferiu, a favor da HB, uma decisão que proibia a Mars de incitar os retalhistas a conservar os seus produtos nas arcas congeladoras pertencentes à HB.

8.
    A Mars interpôs recurso desta decisão para a Supreme Court (Irlanda), em 4 de Setembro de 1992. Este órgão jurisdicional decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça três questões prejudiciais (v. o n.° 30 infra), que foram objecto do acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2000, Masterfoods e HB (C-344/98, Colect., p. I-11369). À data do presente acórdão, o processo continua pendente na Supreme Court.

9.
    Paralelamente a estes processos nos órgãos jurisdicionais irlandeses, a Mars apresentou na Comissão, em 18 de Setembro de 1991, uma denúncia contra a HB, ao abrigo do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22). Esta denúncia era relativa ao fornecimento pela HB, a grande número de retalhistas, de arcas congeladoras destinadas a serem exclusivamente utilizadas para os produtos dessa marca.

10.
    Em 22 de Julho de 1992, a Valley Ice Cream (Ireland) Ltd fez também uma denúncia à Comissão, contra a HB.

11.
    Em 29 de Julho de 1993, numa comunicação de acusações que dirigiu à HB, a Comissão considerou que o sistema de distribuição desta sociedade infringia os artigos 85.° e 86.° do Tratado (a seguir «comunicação de acusações de 1993»).

12.
    Na sequência de reuniões tidas com a Comissão, a HB, embora continuando a contestar o ponto de vista da Comissão, propôs modificações, nomeadamente relativas ao seu sistema de distribuição, destinadas a permitir-lhe beneficiar de uma isenção a título do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado. Em 8 de Março de 1995, estas alterações foram notificadas à Comissão, que, num comunicado de imprensa de 10 de Março de 1995, considerou que, à primeira vista, elas poderiam permitir à HB beneficiar de uma isenção. Em 15 de Agosto de 1995, uma comunicação feita nos termos do n.° 3 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 foi publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JO C 211, p. 4).

13.
    Em 22 de Janeiro de 1997, considerando que as modificações não tinham produzido o resultado esperado em termos de livre acesso aos pontos de venda, a Comissão dirigiu à HB uma nova comunicação de acusações (a seguir «comunicação de acusações de 1997»). A HB exprimiu a sua posição sobre as acusações nela expressas.

14.
    Em 11 de Março de 1998, a Comissão adoptou a decisão controvertida.

A decisão controvertida

15.
    Na decisão controvertida, a Comissão considera que os acordos de distribuição que contêm a cláusula de exclusividade não são compatíveis com os artigos 85.° e 86.° do Tratado. Define o mercado de produtos de referência como o dos gelados de impulso vendidos em embalagem individual e considera que o mercado geográfico de referência é constituído pela Irlanda (considerandos 138 e 140). Declara que a posição da HB no mercado de referência é particularmente poderosa, do que é nomeadamente testemunho a parte que ela detém nesse mercado desde há muitos anos (v. n.° 21 infra). Este poder é também ilustrado pela importância da distribuição numérica (79%) e em valor (94%) dos produtos HB em questão no decurso dos meses de Agosto e Setembro de 1995, bem como pela notoriedade da marca e pela importância e popularidade da sua gama de produtos. A posição da HB neste mercado é além disso reforçada pelo poder da Unilever, não apenas nos outros mercados do gelado na Irlanda (gelado «familiar» e sector da restauração) mas também nos mercados internacionais do gelado e nos mercados dos produtos congelados e dos bens de consumo em geral (considerando 141).

16.
    A Comissão faz notar que o conjunto dos acordos de distribuição da HB relativos às arcas congeladoras instaladas nos pontos de venda têm por efeito restringir a possibilidade de os retalhistas contratantes armazenarem e colocarem à venda nos seus estabelecimentos produtos de impulso de fornecedores concorrentes, quando a ou as arcas congeladoras para a armazenagem de gelado de impulso existentes no estabelecimento tiverem sido fornecidas apenas pela HB, quando for pouco provável que a/as arcas congeladoras sejam substituídas por uma arca congeladora propriedade do retalhista ou de um concorrente e quando não for economicamente viável afectar espaço à instalação de uma outra arca congeladora. Considera que esta restrição tem por consequência que os fornecedores concorrentes são impedidos de vender os seus produtos a esses estabelecimentos, constituindo assim uma restrição à concorrência entre fornecedores no mercado de referência (considerando 143). A Comissão não teve em consideração o efeito restritivo de cada acordo individual, mas sim o efeito produzido pela categoria de acordos que preenchem as condições referidas e que constituem uma parte identificável da rede global de acordos relativos às arcas congeladoras da HB. Segundo a Comissão, a avaliação do efeito restritivo desta parte da rede da HB aplica-se assim, da mesma forma, a cada um dos acordos que integram essa parte. A apreciação deste efeito restritivo foi efectuada no contexto do efeito de redes semelhantes de acordos relativos a arcas congeladoras celebrados por outros fornecedores de gelados no mercado de referência, bem como tomando em consideração quaisquer outras condições de mercado relevantes (considerandos 144 e 145).

17.
    A Comissão quantificou seguidamente o efeito restritivo dos acordos de distribuição da HB, a fim de demonstrar a sua importância. A este respeito, faz notar que o efeito restritivo das redes de acordos de fornecimento de arcas congeladoras reservadas exclusivamente aos produtos do fornecedor são uma consequência das inevitáveis limitações de espaço registadas nos estabelecimentos retalhistas. O número médio de arcas congeladoras existentes nos estabelecimentos foi calculado em 1,5 por um estudo de mercado efectuado pela Lansdowne Market Research Ltd em 1996 (a seguir «estudo Lansdowne»), sendo que os retalhistas consideravam que o número ideal de arcas congeladoras num ponto de venda em período de ponta é da ordem de 1,57 (considerando 147).

18.
    A Comissão afirma que apenas uma pequena parte dos retalhistas na Irlanda, 17% segundo o estudo Lansdowne, possui arcas congeladoras não sujeitas a uma condição de exclusividade. Afirma que essas lojas podem ser qualificadas de pontos de venda «abertos», no sentido de que os retalhistas têm a liberdade de nelas armazenar gelados de impulso de qualquer fornecedor (considerando 148). No que se refere aos outros estabelecimentos, 83% segundo o estudo Lansdowne, nos quais os fornecedores instalaram arcas congeladoras, a Comissão considera que os outros fornecedores não lhes podem ter acesso directo para a venda dos seus produtos sem, em primeiro lugar, ultrapassarem barreiras significativas. Esclarece que «[d]esta forma, estes candidatos são excluídos do estabelecimento» e que «[e]mbora esta exclusão não seja absoluta, uma vez que o retalhista não está impedido contratualmente de vender produtos de outros fornecedores, pode afirmar-se que o estabelecimento está «encerrado», uma vez que a entrada nesse estabelecimento por parte de fornecedores concorrentes é extremamente difícil» (considerando 149).

19.
    A Comissão declara que em cerca de 40% de todos os estabelecimentos da Irlanda, a ou as únicas arcas congeladoras destinadas à armazenagem de gelado de impulso instaladas no estabelecimento foram fornecidas pela HB (considerando 156). Realça que «[u]m fornecedor que pretenda vender os seus gelados de impulso num estabelecimento retalhista (ou seja, um candidato a esse estabelecimento) que disponha, pelo menos, de uma arca congeladora exclusiva do fornecedor, apenas o poderá fazer se esse estabelecimento possuir uma ou mais arcas congeladoras não exclusivas [...] ou se conseguir persuadir o retalhista quer a substituir uma arca congeladora exclusiva do fornecedor in situ, quer a instalar uma nova arca congeladora juntamente com as arcas congeladoras exclusivas do fornecedor in situ» (considerando 157). Considera (considerandos 158 a 183), com base no estudo Lansdowne, que é pouco provável que os retalhistas tomem qualquer uma destas duas medidas se possuírem uma ou várias arcas congeladoras fornecidas pela HB e conclui que 40% dos estabelecimentos em questão estão, de facto, vinculados à HB (considerando 184). O acesso a estes estabelecimentos está em consequência fechado aos outros fornecedores, em violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

20.
    Declara-se, assim, na decisão controvertida que os acordos que contêm uma cláusula de exclusividade não podem ser isentos, ao abrigo do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, quando não contribuem para melhorar a distribuição dos produtos (considerandos 222 a 238), quando não reservam aos consumidores uma parte equitativa das vantagens obtidas (considerandos 239 a 240), quando não são indispensáveis para a obtenção das vantagens invocadas (considerando 241) e quando oferecem à HB a possibilidade de eliminar uma grande parte da concorrência no mercado de referência (considerandos 242 a 246).

21.
    No que se refere à aplicação do artigo 86.° do Tratado, a Comissão considera que a HB ocupa uma posição dominante no mercado de referência, nomeadamente por ter detido, durante um longo período, uma parte de mais de 75%, em volume e em valor, desse mercado (considerandos 259 e 261).

22.
    A Comissão considera que a «[a] HB abusa da sua posição dominante no mercado relevante [...] uma vez que incita os retalhistas [...] que não possuem uma ou mais arcas congeladoras para armazenagem de gelado de impulso, quer adquiridas por eles próprios, quer fornecidas por outro fornecedor de gelado que não a HB, a concluir acordos relativos às arcas congeladoras mediante uma condição de exclusividade» e que «[e]ste comportamento traduz-se na oferta do fornecimento de arcas congeladoras aos retalhistas e da respectiva manutenção, sem qualquer encargo directo para o retalhista» (considerando 263).

23.
    Pela decisão controvertida, a Comissão:

-    declara que a cláusula de exclusividade incluída nos acordos relativos às arcas congeladoras concluídos na Irlanda entre a HB e retalhistas, no que se refere à colocação de arcas congeladoras em estabelecimentos que apenas dispõem de uma ou mais arcas congeladoras fornecidas pela HB para armazenagem de unidades individuais de gelado de impulso e que não possuem uma ou mais arcas congeladoras, quer adquiridas por si próprios, quer fornecidas por outro fabricante de gelados que não a HB, constitui uma infracção ao n.° 1 do artigo 85.° do Tratado (artigo 1.° da parte decisória);

-    rejeita o pedido de isenção apresentado pela HB, ao abrigo do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, relativamente à cláusula de exclusividade descrita no artigo 1.° (artigo 2.° da parte decisória);

-    declara que a persuasão exercida pela HB sobre os retalhistas que, na Irlanda, não possuem uma ou mais arcas congeladoras, quer adquiridas por si próprios quer fornecidas por outro fabricante de gelado que não a HB, para que concluam acordos relativos às arcas congeladoras sujeitos a uma condição de exclusividade, ao propor-lhes fornecer uma ou mais arcas congeladoras para armazenagem de unidades embaladas individualmente de gelado de impulso e assegurar a manutenção das arcas congeladoras sem qualquer encargo directo, constitui uma infracção ao artigo 86.° do Tratado (artigo 3.° da parte decisória);

-    intima a HB a pôr imediatamente termo às infracções enumeradas nos artigos 1.° e 3.° e a abster-se de tomar qualquer medida com o mesmo objecto ou efeito (artigo 4.° da parte decisória);

-    intima a HB a, no prazo de três meses a contar da notificação da decisão controvertida, informar os retalhistas com os quais tenha actualmente acordos relativos às arcas congeladoras que constituem infracções ao n.° 1 do artigo 85.° do Tratado, tal como descritas no artigo 1.°, do teor integral dos artigos 1.° e 3.°, comunicando-lhes que as cláusulas de exclusividade são nulas (artigo 5.° da parte decisória).

Tramitação processual e pedidos das partes

24.
    Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 21 de Abril de 1998, a HB interpôs, ao abrigo do artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.°, quarto parágrafo, CE), um recurso destinado à anulação da decisão controvertida.

25.
    Por acto separado registado na Secretaria no mesmo dia, a HB formulou, ao abrigo do artigo 185.° do Tratado CE (actual artigo 242.° CE), um pedido de suspensão da execução dessa decisão até que o Tribunal se tenha pronunciado sobre o mérito da causa.

26.
    Por requerimentos que deram entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em, respectivamente, 29 de Abril e 8 de Maio de 1998, a Mars e a Treats Frozen Confectionery Ltd, que passou, no decurso da instância, a Richmond Frozen Confectionery Ltd (a seguir «Richmond»), pediram para ser admitidas a intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão.

27.
    Os pedidos de intervenção foram notificados às partes no processo principal, nos termos do artigo 116.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

28.
    Por telecópia que deu entrada na Secretaria em 13 de Maio de 1998, a HB declarou não ter objecções a fazer ao pedido de intervenção da Mars, mas, em contrapartida, opôs-se à intervenção da Richmond, por ausência de interesse suficiente por parte desta na resolução do litígio. A HB solicitou que apenas fosse comunicada às requerentes da intervenção uma versão expurgada da sua petição e da decisão controvertida. Para este efeito, enumerou as informações que, segundo ela, revestiam natureza secreta ou confidencial.

29.
    Por actos separados que deram entrada na Secretaria em 14 de Maio de 1998, a Comissão declarou não se opor aos pedidos de intervenção. No que respeita ao pedido de tratamento confidencial apresentado pela recorrente, a Comissão emitiu algumas reservas em 18 de Maio de 1998.

30.
    Por decisão de 16 de Junho de 1998, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 21 de Setembro seguinte, a Supreme Court submeteu, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), três questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 85.°, 86.° e 222.° do Tratado CE (actual artigo 295.° CE). Este processo foi registado sob o número C-344/98.

31.
    Pelo despacho de 7 de Julho de 1998, Van den Bergh Foods/Comissão (T-65/98 R, Colect., p. II-2641), o presidente do Tribunal de Primeira Instância suspendeu a execução da decisão controvertida até pronúncia do acórdão do Tribunal de Primeira Instância destinado a pôr termo à instância no presente processo, e reservou as despesas para final.

32.
    Por despacho do presidente da Quinta Secção do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Março de 1999, a Mars e a Richmond foram admitidas a intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão. Por este mesmo despacho, foram parcialmente deferidos os pedidos de tratamento confidencial apresentados pela HB. Foi entregue às intervenientes uma versão não confidencial das peças processuais.

33.
    Por despacho de 28 de Abril de 1999, o presidente da Quinta Secção do Tribunal de Primeira Instância suspendeu, ao abrigo do artigo 47.°, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, a instância do presente processo até pronúncia do acórdão do Tribunal de Justiça no processo C-344/98.

34.
    Em 14 de Dezembro de 2000, o Tribunal de Justiça proferiu o acórdão Masterfoods e HB, já referido. Por ofícios da Secretaria de 1 de Fevereiro de 2001, as partes foram convidadas a produzir as suas observações sobre as consequências desse acórdão sobre o presente processo. A Comissão e a HB entregaram as suas observações na Secretaria em, respectivamente, 15 e 27 de Fevereiro de 2001. Em 13 de Março de 2001, a Mars fez entrega na Secretaria das suas alegações de intervenção no presente processo, nelas incluindo observações sobre as consequências a extrair do acórdão do Tribunal de Justiça. A Richmond renunciou à entrega de alegações de intervenção.

35.
    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) decidiu dar início à fase oral do processo.

36.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas do Tribunal na audiência de 3 de Outubro de 2002.

37.
    A HB conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão controvertida na sua totalidade;

-    a título subsidiário, anular as passagens da decisão controvertida que o Tribunal entenda irregulares ou infundadas;

-    condenar a Comissão nas despesas.

38.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso, por infundado;

-    condenar a HB nas despesas.

39.
    A Mars conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso, por infundado;

-    condenar a HB nas despesas efectuadas pela Mars.

40.
    Na audiência, a Richmond concluiu pedindo que o Tribunal se dignasse:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a HB nas despesas.

Questão de direito

41.
    A HB invoca sete fundamentos de recurso, assentes, em primeiro lugar, em erros manifestos de apreciação dos factos que conduziram a erros de direito, em segundo lugar na violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, em terceiro lugar na violação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, em quarto lugar na violação do artigo 86.° do Tratado, em quinto lugar na violação do direito de propriedade, com desprezo pelos princípios gerais de direito e pelo artigo 222.° do Tratado, em sexto lugar na violação do artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE) e, em sétimo lugar, na violação dos princípios fundamentais do direito comunitário e na violação de formalidades essenciais. O Tribunal entende que deve examinar em conjunto os primeiro e segundo fundamentos.

Quanto aos primeiro e segundo fundamentos, assentes em erros manifestos de apreciação dos factos e na violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado

Argumentos das partes

42.
    A HB alega que a decisão controvertida está inquinada por erros manifestos de apreciação dos factos que conduziram a erros de direito. Considera que as partes não estão em desacordo no que respeita aos factos mas sim no que respeita às conclusões a tirar deles.

43.
    A HB considera que a exclusividade da arca congeladora não pode ser considerada uma exclusividade imposta ao estabelecimento (considerando 184 da decisão controvertida), uma vez que os retalhistas têm o direito de denunciar o contrato que os liga à HB ou de colocar novas arcas congeladoras, não pertencentes à HB, ao lado das que a esta pertencem, no caso de lhes serem propostos produtos novos e atraentes ou de já não estarem satisfeitos com a gama de produtos da HB ou com o nível dos seus serviços. Segundo a HB, resulta do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Junho de 1995, Langnese-Iglo/Comissão (T-7/93, Colect., p. II-1533), que a duração de um vínculo contratual é significativa para avaliar o grau de compartimentação do mercado. Ora, segundo a HB, os seus acordos relativos às arcas congeladoras não são acordos de duração indeterminada, uma vez que os retalhistas têm a possibilidade de os denunciar em qualquer momento. O facto de essa arcas serem raramente substituídas apenas prova que os retalhistas que dispõem de tais arcas estão satisfeitos com elas, e não que os estabelecimentos delas dependem.

44.
    Segundo a HB, todas as provas revelam que a grande maioria dos retalhistas, que a Comissão sustenta ser objecto de uma compartimentação em razão da exclusividade da arca congeladora HB, optaram, na realidade, de modo positivo por essa exclusividade, preferindo-a a qualquer outra configuração disponível para a armazenagem e venda dos gelados de impulso. Daqui resulta que a Comissão não deveria ter concluído que a cláusula de exclusividade relativa às arcas congeladoras leva a fechar o mercado de referência, em violação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado. Considera que a Comissão não fez prova da existência de um nexo de causalidade entre a exclusividade da arca congeladora HB e a popularidade dos seus produtos, no sentido de que um tal nexo reflecte a infiltração limitada dos produtos dos concorrentes no mercado de referência. Os retalhistas estão assim dispostos a abastecer-se de novos produtos, desde que os consumidores os procurem. Os factos demonstram no entanto que a infiltração limitada dos concorrentes da HB não é devida a um eventual encerramento do mercado decorrente da cláusula de exclusividade, mas ao facto de os produtos desses concorrentes não se terem revelado suficientemente atraentes para os consumidores.

45.
    A HB alega que a Comissão analisou incorrectamente a questão da compartimentação do mercado. Com efeito, deveria ter distinguido os estabelecimentos que estão privados de qualquer liberdade de opção em consequência das estipulações de um acordo de distribuição, daqueles que têm uma liberdade de opção comercial e a exerceram após avaliação dos méritos das ofertas feitas pelos concorrentes em presença. Só os primeiros são susceptíveis de serem considerados vinculados. Na realidade, a Comissão baseou-se na presunção de que os estabelecimentos que apenas têm arcas congeladoras HB, sem que o seu número tenha importância, estão vinculados. A HB precisa que não pretende justificar a alegada protecção territorial absoluta ou qualquer outra alegada restrição de concorrência em causa no caso vertente, mas que, pelo contrário, sustenta que todos os elementos de prova demonstram que a penetração limitada do mercado pelos seus concorrentes é devida ao facto de ela corresponder satisfatoriamente às necessidades dos retalhistas e dos consumidores. Ora, a Comissão não averiguou a existência de outras explicações para o insucesso relativo dos concorrentes da HB.

46.
    A HB considera que um outro elemento demonstra que o entendimento da Comissão sobre a compartimentação do mercado de referência está viciado. Na hipótese de a existência de um «vínculo» decorrente dos acordos entre a HB e os retalhistas relativamente às arcas congeladoras ser comprovado, a HB sustenta que seria então necessário ter em conta o facto de o grau de compartimentação do mercado não ser de 40%, como sustentado no estudo Lansdowne, mas no máximo de 6%. De qualquer modo, para proceder ao cálculo do grau de compartimentação do mercado de referência, a HB considera, apoiando-se em vários dados do estudo Lansdowne, que há que excluir do cálculo as três categorias de estabelecimentos seguintes:

-    os estabelecimentos dotados de pelo menos duas arcas congeladoras HB, que dispõem por definição do espaço necessário e para os quais uma segunda arca congeladora é rentável (6% dos estabelecimentos);

-    os estabelecimentos em que o retalhista não está interessado na armazenagem de uma marca de gelados diferente da HB, uma vez que neste caso não existe nexo de causalidade suficiente entre a prática da colocação à disposição de uma arca congeladora HB e o facto de um dado concorrente não conseguir obter o acesso ao mercado (27% dos estabelecimentos);

-    os estabelecimentos em que o retalhista está interessado na armazenagem de outras marcas de gelados para além da HB e tem condições para instalar uma outra arca congeladora, para substituir a arca HB por duas arcas mais pequenas ou para substituir a arca HB por uma arca congeladora que lhe pertença (2% a 5% dos estabelecimentos).

47.
    A HB considera, assim, que no cálculo do grau de compartimentação do mercado só há que ter em conta os estabelecimentos em que o retalhista pretende mudar de marca mas não pode fazê-lo. A abordagem sobre a aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado adoptada na decisão controvertida é, portanto, excessivamente simplista e está em contradição com o direito, tal como este se desenvolveu no decurso dos últimos anos. A HB alega ainda que a Comissão subestima as limitações de espaço dos retalhistas.

48.
    Além disso, a HB faz notar que o seu cálculo da compartimentação real do mercado é confortado por outros elementos de informação relativos à dinâmica do mercado de referência. Considera nomeadamente que o mercado de referência é ocupado por pelo menos cinco fabricantes e que outros, para além dela, incluindo alguns recém-chegados, conseguiram atingir um bom nível, absoluto e ponderado, de distribuição.

49.
    A HB contesta a conclusão da decisão controvertida segundo a qual a colocação à disposição de arcas congeladoras através de uma cláusula de exclusividade representa um obstáculo financeiro à entrada ou à expansão dos fornecedores e aumenta o custo do acesso dos concorrentes ao mercado de referência, na medida em que os recém-chegados deverão, também eles, fornecer e manter as arcas congeladoras. A HB sustenta que esta prática é necessária a fim de impedir os seus concorrentes de utilizarem as suas arcas congeladoras para armazenarem os produtos deles, sem investirem nas suas próprias arcas congeladoras.

50.
    Segundo a HB, o fornecimento, por meio de um aluguer independente, de arcas congeladoras à indústria dos gelados de impulso na Irlanda implicaria, portanto, a existência de requisitos, incidentes sobre os seus recursos logísticos e outros, insusceptíveis de serem quantificados em termos monetários. Além disso, a HB está prejudicada do ponto de vista concorrencial, uma vez que está obrigada a contabilizar as arcas congeladoras destinadas não apenas às suas próprias actividades mas ainda às dos seus retalhistas e concorrentes.

51.
    A HB contesta a afirmação da Comissão, feita no considerando 198 da decisão controvertida, de que a concorrência pelos preços pode ser prejudicada pelo facto de a concorrência, no sector dos produtos de consumo imediato, se exercer em larga medida no interior dos estabelecimentos e de, portanto, a concorrência intermarcas ser reduzida nos estabelecimentos que têm à venda uma única dessas marcas. De qualquer modo, observa que 44% dos estabelecimentos armazenam duas marcas de gelados.

52.
    A HB considera que uma correcta aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado necessita, face à jurisprudência do Tribunal de Justiça, da aplicação da regra da razoabilidade. Com efeito, considera que há que fazer uma distinção entre restrições de comportamento e restrições de concorrência. Qualquer acordo implica inevitavelmente uma certa forma de restrição de comportamento, que, no entanto, não dá necessariamente lugar a uma restrição de concorrência. É assim claro que a aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado inclui inevitavelmente uma apreciação qualitativa de qualquer restrição determinada do comportamento.

53.
    A HB alega ainda que, tendo em conta a análise baseada na regra da razoabilidade, o artigo 85.° do Tratado não é aplicável aos acordos relativos às arcas congeladoras celebrados com os retalhistas, uma vez que é claro que a cláusula de exclusividade é necessária para lhe permitir retirar todas as vantagens do sistema. Além disso, esta cláusula não é desarazoadamente restritiva da concorrência. Com efeito, a exclusividade apenas incide sobre as arcas congeladoras e o próprio acordo pode ser denunciado a qualquer momento (v. n.° 43 supra). Realça que o Tribunal de Justiça afirmou, no seu acórdão de 28 de Janeiro de 1986, Pronuptia (161/84, Colect., p. 353), que é possível tratar as formas particulares de distribuição, no caso um sistema de franquia da distribuição, na fase da decisão sobre a eventual aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. O direito comunitário reconheceu assim, desde há muito, que, no quadro do exame da aplicabilidade do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado a um determinado caso, é necessário ter em conta a natureza do produto regido pelo acordo (acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 1966, Société Technique Minière, 56/65, Colect. 1965-1968, p. 381).

54.
    A decisão controvertida reconheceu que o sistema de fornecimento gratuito de arcas congeladoras tinha vantagens tanto para o retalhista como para o fornecedor (considerando 224) e que a ele se recorria comummente na Europa (considerando 21). A HB sublinha ainda que a cláusula de exclusividade não confere exclusividade geográfica ao retalhista e não contribuiu para impedir o acesso da Mars ou de outros concorrentes ao mercado de referência. Esta cláusula de exclusividade não é pois abrangida pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, enquanto restrição acessória. A HB recorda que esta análise corresponde à que a High Court fez, no acórdão Masterfoods e HB, já referido, nos n.os 141 a 146 e 221 a 229, e mais especialmente no n.° 222. Do mesmo modo, a HB invoca o relatório da comissão britânica de monopólios e fusões, de Março de 1994, relativo à questão do monopólio no mercado dos gelados de impulso no Reino Unido, bem como vários acórdãos de órgãos jurisdicionais dos Estados Unidos, e considera que a abordagem em matéria de regras relativas aos equipamentos dos estabelecimentos é aí diferente da adoptada pela Comissão na decisão controvertida.

55.
    Na hipótese de a regra da razoabilidade não ser aplicada, a HB sustenta que a cláusula de exclusividade deixa de ser abrangida pelo âmbito do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado com base no elemento quantitativo, independentemente da tentativa, reflectida na decisão controvertida, de criar uma categoria artificialmente ampla de estabelecimentos vinculados. Considera que o acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro de 1991, Delimitis (C-234/89, Colect., p. I-935), e o acórdão Langnese-Iglo/Comissão, já referido, exigem um exame detalhado da abertura do mercado para decidir se um acordo particular, ou um feixe de acordos, produz ou não um grau de encerramento tal que o faça recair no âmbito da proibição do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Segundo a HB, os acórdãos Delimitis e Langnese-Iglo/Comissão, já referidos, exigem que estejam reunidas duas condições para que um mercado seja considerado aberto, consistentes, por um lado, na existência de um acesso ao número mínimo de estabelecimentos necessário para uma exploração rentável de um sistema de distribuição e, por outro, em os concorrentes disporem, em determinada medida, da possibilidade de ampliarem as suas actividades, isto é, de aumentarem a sua parte de mercado. Segundo a HB, «se o mercado pode ser aberto de modo a que o acesso não seja recusado aos recém-chegados, isto é, de modo a existirem possibilidades reais e específicas de entrada no mercado, não há encerramento susceptível de pôr em jogo o artigo 85.°, n.° 1». Além disso, a importância da rede de acordos similares que existe na indústria em causa não deve ser exagerada, uma vez que apenas constitui «um elemento entre outros».

56.
    A HB considera que o Tribunal deve examinar a questão do encerramento do acesso ao mercado, e da sua natureza aceitável ou não, presumindo que a Mars ou qualquer outro concorrente estão dispostos a realizar um investimento em arcas congeladoras comparável ao dos outros participantes no mercado. É o que resulta do n.° 21 do acórdão Delimitis, já referido, segundo o qual, antes de se concluir que um concorrente está privado de acesso ao mercado de modo não razoável, há que ter em conta as outras estratégias de penetração no mercado.

57.
    Segundo a HB, o mercado de referência não está fechado quando se faz aplicação do critério quantitativo. Em primeiro lugar, alega, no que respeita à duração da restrição, que, enquanto no acórdão Langnese-Iglo/Comissão, já referido, se determinou que os acordos em causa tinham sido celebrados por cinco anos e tinham uma duração média de dois anos e meio, os acordos sobre as arcas congeladoras são denunciáveis a qualquer momento (v. n.° 43 supra).

58.
    Em segundo lugar, a HB faz notar que, no acórdão Langnese-Iglo/Comissão, já referido, o Tribunal fundamentou a sua opinião sobre os efeitos dos acordos em causa no facto de estes excluírem totalmente os fornecedores concorrentes dos estabelecimentos pertinentes. Em contrapartida, a cláusula de exclusividade relativa às arcas congeladoras não tem um efeito similar. Na verdade, um concorrente pode convencer um retalhista dos méritos dos seus produtos e ter, assim, acesso ao seu estabelecimento.

59.
    Em terceiro lugar, a HB realça que o Tribunal aplicou, no n.° 105 do acórdão Langnese-Iglo/Comissão, já referido, um teste, englobando dois distintos aspectos e assentando num limite de dependência de 30%, para determinar se determinados acordos têm um efeito de encerramento do mercado. É assim necessário converter os critérios quantitativos desenvolvidos pelo acórdão Langnese-Iglo/Comissão, já referido, a propósito da exclusividade imposta ao estabelecimento, a fim de os aplicar à exclusividade imposta à arca congeladora. Segundo a HB, o método mais apropriado para converter os referidos critérios consiste em se concentrar na parte dos retalhistas que têm uma única arca congeladora HB e que não têm espaço para uma segunda arca congeladora ou consideram que o investimento numa arca congeladora não é economicamente viável. À luz do estudo Lansdowne, é viável para 47% dos estabelecimentos, que representam mais de 80% do volume dos negócios total relativo aos gelados, dispor de uma arca congeladora pertencente ao próprio retalhista.

60.
    A HB considera, assim, que a Comissão não demonstrou existir um nexo de causalidade entre a cláusula de exclusividade relativa às arcas congeladoras e os problemas que os fornecedores ou os recém-chegados têm para penetrar no mercado. Conclui daqui que, não estando o mercado encerrado na acepção dos critérios fixados na jurisprudência resultante do acórdão Langnese-Iglo/Comissão, já referido, não é necessário passar à segunda fase da apreciação, consistente em examinar os efeitos do acordo em causa no que toca à sua contribuição para o grau total de encerramento do mercado pertinente. Com efeito, o acórdão Langnese-Iglo/Comissão, já referido, vai no sentido de que a Comissão devia sublinhar os elementos económicos e jurídicos segundo ela conducentes a um encerramento significativo do mercado dos gelados.

61.
    A Comissão, apoiada pelas intervenientes, considera que a cláusula de exclusividade é contrária ao artigo 85.° do Tratado, na medida em que restrinje a liberdade dos retalhistas e obsta ao acesso ao mercado. Alega que esta cláusula cria como que um vínculo de facto para duas categorias de retalhistas, «os que podem acrescentar uma arca congeladora suplementar e os que podem substituir uma arca congeladora já existente». A decisão controvertida demonstrou a reticência dos retalhistas em instalar uma arca congeladora suplementar, em razão do espaço por esta exigido e do facto de ela poder ser utilizada para armazenar outros produtos. A decisão controvertida demonstrou, além disso, que os retalhistas que não dispõem de espaço mas que estão em situação de substituir uma arca congeladora já existente, quer por uma arca fornecida por outro fabricante quer por uma arca que lhes pertença, estão pouco dispostos a fazê-lo, uma vez que a arca acarretaria para eles responsabilidades suplementares, como a sua manutenção, quanto aos retalhistas que comprassem a sua própria arca, ou a perda dos produtos HB, quanto aos retalhistas que instalassem uma arca de outro fabricante de gelados.

62.
    Segundo a Comissão, a verdadeira questão que o Tribunal deve decidir é a de saber se ela fez prova suficiente da conclusão a que chegou no considerando 143 da decisão controvertida, segundo a qual «[e]sta restrição tem por consequência que os fornecedores concorrentes são impedidos de vender os seus produtos a esses estabelecimentos, constituindo assim uma restrição à concorrência entre fornecedores no mercado relevante». A Comissão considera, a este respeito, que a decisão controvertida expõe amplamente as dificuldades a que são confrontados os retalhistas que querem vender outras marcas de gelados.

63.
    A Comissão recorda que a decisão controvertida visa unicamente devolver aos retalhistas a sua liberdade comercial e, assim, permitir a fabricantes rivais entrar em concorrência com base na qualidade dos seus produtos. Na realidade, há que saber se os retalhistas que pagam, em definitivo, pelas arcas congeladoras instaladas nos seus estabelecimentos, são livres de nelas armazenar gelados de uma marca de sua escolha. A decisão controvertida pôs com efeito em evidência o dilema a que deve fazer face o retalhista que queira armazenar gelados de marcas diferentes. Se, para vender gelados de outra marca que não a HB, o retalhista tem de instalar uma arca congeladora suplementar ou cessar de vender os produtos HB, ele não se inclinará a vender outras marcas. Em consequência, o estabelecimento estará encerrado a qualquer marca concorrente, qualquer que seja a qualidade do produto. A Comissão considera que este dilema é exactamente igual ao que ela identificara no acórdão Langnese-Iglo/Comissão, já referido, n.° 108, e no acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Junho de 1995, Schöller/Comissão (T-9/93, Colect., p. II-1611, n.° 84). Nestes acórdãos, o Tribunal deu razão à Comissão, considerando que uma cláusula de exclusividade relativa às arcas congeladoras constituía «um elemento que contribuia para tornar mais difícil o acesso ao mercado».

64.
    Segundo a Comissão, a HB explora este dilema em sua vantagem, ao utilizar a cláusula de exclusividade como obstáculo à entrada de novos concorrentes. As despesas da HB relativas às arcas congeladoras permitem-lhe excluir os outros fornecedores do mercado. Contesta os argumentos da HB segundo os quais os retalhistas estão satisfeitos do acordo que cada um celebrou com a HB e não têm qualquer interesse em vender outras marcas de gelados. A Comissão reconhece que a cláusula de exclusividade tem vantagens para as partes, mas observa que esta circunstância não implica que ela não contenha algum elemento anticoncorrencial.

65.
    No que se refere à possibilidade de os retalhistas denunciarem os seus acordos com a HB, a Comissão sublinha que deve ser tido em consideração, como elemento-chave, o efeito económico do acordo. Ora, o estudo Lansdowne mostra que os retalhistas que possuem uma arca congeladora HB raramente exercem o seu direito de a substituir por uma arca congeladora de outra marca ou de adquirir a sua própria arca congeladora.

66.
    A Comissão considera ainda que é possível dissociar o fornecimento dos gelados do fornecimento da arca congeladora. Assim, os fabricantes de gelados não necessitam possuir arcas congeladoras. A HB admite esta distinção, uma vez que em 1995 e 1996 dirigiu à Comissão duas propostas distintas, destinadas a permitir-lhe beneficiar de uma isenção a título do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, as quais separavam a propriedade das arcas do fornecimento dos gelados.

67.
    A Mars alega que, por ligar o sucesso no mercado ao sucesso na obtenção do acesso aos estabelecimentos retalhistas, a exclusividade da utilização da arca congeladora deforma o processo de concorrência, conferindo ao fornecedor existente uma vantagem desleal sobre os fornecedores de menor importância ou sobre os recém-chegados ao mercado, os quais provavelmente não dispõem de uma gama completa de produtos reconhecidos.

68.
    A Comissão contesta o argumento da HB de que estão fechados 6% do mercado de referência, em vez dos 40% referidos na decisão controvertida.

69.
    Esta mesma decisão mostra como é difícil para um recém-chegado ter acesso ao mercado de referência, em razão da existência da cláusula de exclusividade (considerandos 185 a 200). De qualquer modo, há um nexo de causalidade entre a prática consistente em fornecer arcas congeladoras para uso exclusivo da HB e a pequena parte de mercado detida pelos seus concorrentes (considerandos 185 a 194).

70.
    A Comissão contesta o argumento da HB de que os acordos celebrados com os retalhistas escapam à aplicação do artigo 85.° do Tratado, por motivo da aplicação da regra da razoabilidade, bem como do acórdão Pronuptia, já referido. As estipulações do acordo sujeito à apreciação do Tribunal de Justiça no acórdão Pronuptia, já referido, são, com efeito, diferentes.

71.
    Do mesmo modo, a Comissão contesta a interpretação do acórdão Delimitis, já referido, dada pela HB (v. n.° 55 supra). Faz assim notar que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça averiguou a possibilidade de um novo concorrente se infiltrar no feixe de contratos existente no mercado pertinente. Contrariamente ao que a HB pretende, o número mínimo de estabelecimentos necessário para obter lucro de uma rede de distribuição não é um critério utilizado pelo Tribunal de Justiça, mas sim um elemento para apreciar a existência destas concretas possibilidades de infiltração.

72.
    Assim, no acórdão Delimitis, já referido, o Tribunal de Justiça afirmou que é necessário, num primeiro momento, determinar se existe claramente «um feixe de contratos similares» no mercado de referência. Ora, na Irlanda, a maior parte das arcas congeladoras instaladas nos estabelecimentos são fornecidas pela HB (considerando 152 da decisão controvertida). Num segundo momento, é necessário examinar as possibilidades de penetração no mercado em causa. A Comissão contesta a existência de tais possibilidades no caso concreto. Num terceiro momento, o Tribunal de Justiça sugeriu, no acórdão Delimitis, já referido, que se tivesse em conta as condições em que se exerce o jogo da concorrência no mercado de referência. Ora, a decisão controvertida identificou as dificuldades causadas aos recém-chegados em razão do uso exclusivo das arcas congeladoras HB, o qual desencoraja os retalhistas de armazenar outros produtos e cria obstáculos logísticos e financeiros ao acesso ao mercado. A Comissão considera que o argumento da HB de que um recém-chegado deve concorrenciar os seus rivais «agindo de um modo que seja característico do sector em causa», não consta, por um lado, de qualquer dos acórdãos citados pela HB e seria, por outro, inaceitável se todo o sector em causa aplicasse práticas contrárias aos artigos 85.° e 86.° do Tratado.

73.
    A Comissão considera que o grau de dependência mencionado no acórdão Delimitis, já referido, é um simples elemento, entre outros, do contexto económico e jurídico no qual uma rede de contratos deve ser apreciada, e que isto resulta também dos acórdãos Langnese-Iglo/Comissão, já referido, e Schöller/Comissão, também já referido.

74.
    A análise do Tribunal de Primeira Instância nestes últimos acórdãos deve, segundo a Comissão, ser aplicada ao presente caso. A conclusão do Tribunal de que as cláusulas de exclusividade relativas às arcas congeladoras tornam o acesso ao mercado mais difícil é aplicável à cláusula de exclusividade em litígio, dado que o Tribunal afirmou que o facto de um recém-chegado necessitar de constituir uma rede de retalhistas constitui um obstáculo à entrada no mercado.

Apreciação do Tribunal

75.
    Através dos seus dois primeiros fundamentos, a HB acusa a Comissão de ter cometido uma série de erros manifestos na análise da existência e do grau de compartimentação do mercado de referência decorrentes dos acordos de distribuição em questão. Considera nomeadamente que a Comissão, ao sobrestimar sensivelmente o grau de compartimentação do mercado, violou o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

76.
    Á ÇÂ põe especialmente em causa a conclusão principal da Comissão, na decisão controvertida, de que 40% dos estabelecimentos da Irlanda estão, de facto, ligados à HB pela cláusula de exclusividade e o acesso a tais estabelecimentos está, em consequência, encerrado aos outros fornecedores (v., nomeadamente, os considerandos 143, 156 e 184). Considera que esta conclusão está fundamentalmente errada, tanto em direito como de facto, uma vez que a Comissão não aplicou correctamente o critério jurídico que permite apurar se o mercado de referência está compartimentado. A HB acusa a Comissão de não ter distinguido entre, por um lado, os retalhistas que estão contratualmente impedidos de armazenar os gelados de outros fornecedores e, por outro, aqueles que são livres de agir deste modo e que têm espaço disponível para esse efeito, mas que decidem, de acordo com a sua própria apreciação comercial, não o fazer. A HB considera que os retalhistas escolhem livremente armazenar os seus gelados, nomeadamente em razão da qualidade dos seus produtos. Sustenta que o facto de outros fabricantes terem dificuldade em se implantar no mercado de referência não é devido à cláusula de exclusividade, mas à circunstância de os seus gelados serem menos atractivos para os retalhistas e para os consumidores.

77.
    Resulta da decisão controvertida que a Comissão examinou não apenas as estipulações dos acórdãos de distribuição da HB, que não impedem formalmente a armazenagem, pelos retalhistas, dos gelados de outros fornecedores nos seus estabelecimentos, mas também a aplicação desses acordos no mercado de referência e as escolhas comerciais realmente abertas aos retalhistas por aplicação desses acordos. Após ter analisado as possibilidades de persuadir um retalhista a armazenar os gelados de um recém-chegado ao mercado de referência, a Comissão considerou que era «pouco provável», quanto a 40% dos estabelecimentos - a saber, os dotados unicamente de arcas congeladoras fornecidas pela HB para a armazenagem dos gelados e que não dispõem, portanto, nem das suas próprias arcas congeladoras nem de arcas congeladoras provenientes de outros fabricantes de gelados -, que os retalhistas tomassem as medidas necessárias para substituir as arcas congeladoras HB por uma arca que lhes pertencesse ou fosse fornecida por um fabricante concorrente, ou que arranjassem um determinado espaço para instalar uma arca congeladora suplementar. Concluiu daqui que a cláusula de exclusividade presente nos acordos de distribuição da HB operava, na realidade, como uma exclusividade imposta a estes 40% de estabelecimentos do mercado de referência e que a HB contribuíra de modo sensível para uma compartimentação deste mercado, em violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

78.
    Há que declarar que as partes se opõem sobre a questão de saber se a análise factual das especificidades do mercado de referência, feita pela Comissão na decisão controvertida, e a conclusão, assente nessa análise, de que a cláusula de exclusividade viola o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, são correctas.

79.
    Há ainda que realçar que, apesar dos argumentos muito precisos que aduziram nos seus articulados e na audiência a propósito da análise dos factos do presente caso e das conclusões a dela tirar, as partes não estão em real desacordo no que respeita a vários elementos factuais que caracterizam o mercado de referência (v. o n.° 42 supra), nomeadamente os seguintes:

-    os gelados de impulso devem ser mantidos a uma temperatura pouco elevada e, portanto, ser conservados numa arca congeladora nas instalações do retalhista;

-    os fabricantes e os distribuidores de gelados recorrem largamente, tanto na Irlanda como em toda a Europa, à prática que consiste em fornecer arcas congeladoras aos retalhistas em troca de uma cláusula de exclusividade. Em razão dessa cláusula de exclusividade, um retalhista que dispõe apenas de uma ou de várias arcas congeladoras HB e pretende vender gelados de outra marca deve substituir a(s) arca(s) congeladora(s) HB ou instalar uma arca suplementar;

-    contrariamente às cláusulas contidas nos acordos de fornecimento referidos nos acórdãos Langnese-Iglo/Comissão, já referido, e Schöller/Comissão, já referido, que obrigavam os retalhistas, na Alemanha, a só venderem nos seus estabelecimentos produtos directamente adquiridos às sociedades Langnese-Iglo e Schöller, a cláusula de exclusividade do caso vertente não impede os retalhistas de venderem gelados de outras marcas para além da HB, na condição de as arcas congeladoras postas à disposição deles por esta sociedade serem exclusivamente utilizadas para os seus produtos;

-    a HB detém desde há muito a posição de «líder do mercado» na Irlanda, no que se refere aos gelados de impulso. A sua gama de produtos é aí muito popular e tem um grande sucesso comercial. Adquiriu esta posição na sequência de investimentos consideráveis no desenvolvimento e na promoção de uma gama completa de gelados, cuja notoriedade é muito forte na Irlanda;

-    de acordo com as estipulações dos acordos de distribuição da HB, os retalhistas que celebraram um acordo para o fornecimento de uma arca congeladora podem denunciá-lo a qualquer momento, mediante um pré-aviso de dois meses. É pacífico que, na prática, a HB não impõe o cumprimento deste pré-aviso aos retalhistas que desejam denunciar o acordo a mais breve prazo ou imediatamente;

-    os gelados de impulso constituem, quanto à maior parte dos retalhistas da Irlanda, um produto marginal (na medida em que apenas representam uma pequena percentagem do seu volume de negócios e dos seus lucros), que se vende de modo sazonal. Os gelados estão em concorrência nos estabelecimentos, quanto à ocupação da superfície de venda, com toda uma série de outros produtos (quer estes sejam objecto de compra impulsiva quer não);

-    a HB faz parte do grupo Unilever. As sociedades deste grupo são os principais fornecedores de gelados na maior parte dos Estados-Membros. No sector dos gelados de impulso, estas sociedades ocupam o primeiro lugar em vários Estados-Membros.

80.
    A título liminar, há que realçar que a cláusula de exclusividade não prevê que os retalhistas se comprometam a só vender, nos seus estabelecimentos, produtos HB. Deste modo, tal cláusula não constitui formalmente uma obrigação de compra exclusiva tendo por objectivo restringir o jogo da concorrência no mercado de referência. Incumbe, pois, ao Tribunal examinar, para começar, se a Comissão provou suficientemente, nas circunstâncias particulares do mercado de referência, que a cláusula de exclusividade relativa às arcas congeladoras opera na realidade como uma exclusividade imposta a determinados estabelecimentos e se ela quantificou correctamente o grau de compartimentação. O Tribunal deve seguidamente verificar, sendo caso disso, se o grau de compartimentação é suficientemente elevado para constituir uma violação ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. A este respeito, deve recordar-se que a fiscalização jurisdicional dos actos da Comissão que implicam apreciações económicas complexas deve limitar-se à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, bem como à verificação da exactidão material dos factos e da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 1987, BAT e Reynolds/Comissão, 142/84 e 156/84, Colect., p. 4487, n.° 62, e de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão, C-225/91, Colect., p. I-3203, n.os 23 e 25; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 1993, Asia Motor France e o./Comissão, T-7/92, Colect., p. II-669, n.° 33).

81.
    Há que realçar que a quantificação do grau de compartimentação do mercado de referência, na decisão controvertida, se funda principalmente nas informações e nos dados estatísticos contidos no estudo Lansdowne. Além disso, a decisão refere-se frequentemente a um estudo do mercado de referência encomendado pela HB e realizado em 1996 pela Behaviour & Attitudes Ltd, uma sociedade de estudos do mercado (a seguir «estudo B & A») e a um estudo realizado em 1996 pela Rosslyn Research Ltd para a Mars (a seguir «estudo Rosslyn»). Estes estudos contêm dois tipos de informação, a saber, por um lado, informações puramente factuais relativas ao número de estabelecimentos na Irlanda, ao número de arcas congeladoras por estabelecimento e ao cálculo do número de arcas congeladoras pertencentes aos retalhistas ou fornecidas pelos fabricantes de gelados, e, por outro, informações abarcando avaliações estatísticas de dados fornecidos aquando de uma sondagem a uma amostra representativa de retalhistas, na Irlanda. A Comissão funda a sua conclusão, no considerando 156 da decisão controvertida, na análise das informações e dos dados pertinentes desses estudos, segunda a qual em 40% dos estabelecimentos do mercado de referência a ou as arcas congeladoras destinadas à armazenagem de gelados de impulso instaladas no estabelecimento tinham sido fornecidas pela HB (v. os considerandos 87 a 125 e 146 a 156 da decisão controvertida). Há pois que realçar que as partes não contestam a exactidão global deste número e que a HB, nas suas observações sobre a comunicação de acusações de 1997, confirmou aceitar este número.

82.
    No quadro do exame da justeza da apreciação feita pela Comissão sobre a existência e o grau de compartimentação do mercado de referência, o Tribunal não pode limitar-se, referindo-se unicamente às restrições contratuais impostas pelos acordos de distribuição HB aos retalhistas individuais, aos efeitos da cláusula de exclusividade considerados isoladamente.

83.
    Com efeito, quanto à questão de saber se os acordos de distribuição da HB são abrangidos pela proibição do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, há que analisar, de acordo com a jurisprudência, se do conjunto dos acordos similares celebrados no mercado de referência e dos outros elementos do contexto económico e jurídico em que se enquadram os acordos em causa resulta que esses acordos têm por efeito cumulativo fechar o acesso a esse mercado aos novos concorrentes. Se a análise mostrar que não é esse o caso, os acordos individuais que compõem o feixe de acordos não podem constituir um obstáculo à concorrência, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Pelo contrário, se a análise revelar que o mercado em causa é dificilmente acessível, convém em seguida apreciar em que medida os acordos litigiosos contribuem para o efeito cumulativo produzido, sendo certo que apenas são proibidos os contratos que contribuem de modo significativo para uma eventual compartimentação do mercado (v. acórdãos Delimitis, já referido, n.os 23 e 24, e Langnese-Iglo/Comissão, já referido, n.° 99).

84.
    Daqui resulta que, contrariamente ao que sustenta a HB, as restrições contratuais impostas aos retalhistas devem ser examinadas não apenas de modo puramente formal, do ponto de vista jurídico, mas ainda tendo em conta o contexto económico específico em que os acordos em causa se inscrevem, incluindo as especificidades do mercado de referência que possam, na prática, reforçar tais restrições e assim falsear o jogo da concorrência nesse mercado, em violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

85.
    A este respeito, há que recordar que a cláusula de exclusividade constante dos acordos de distribuição da HB fazia parte de um conjunto de acordos similares celebrados pelos fabricantes no mercado de referência e constituía uma prática corrente, não apenas na Irlanda mas ainda noutros países (v. n.° 79 supra).

86.
    Assim, não é contestado pela HB que, em 1996, cerca de 83% dos estabelecimentos comerciais de retalho da Irlanda possuíam arcas congeladoras fornecidas por fabricantes e estavam sujeitos a condições análogas às previstas pela cláusula de exclusividade. A consequência prática desta rede de acordos reside no facto de os fabricantes de gelados que não têm arcas congeladoras instaladas em qualquer um destes 83% de estabelecimentos não lhes poderão aceder directamente para vender os seus produtos, a menos que o retalhista substitua uma arca congeladora já existente pela sua própria arca congeladora ou por uma arca fornecida pelo novo fornecedor, ou instale uma outra arca congeladora que lhe pertença ou que pertença ao novo fornecedor. Com efeito, um retalhista não pode, sem violar o acordo de fornecimento da arca congeladora em questão, armazenar nesse congelador gelados de outro fabricante, ao lado dos do fornecedor da arca congeladora, mesmo que exista procura para essas outras marcas. Daqui resulta que apenas 17% dos estabelecimentos dispunham de arcas congeladoras pertencentes aos retalhistas e tinham, em consequência, a capacidade de armazenar os gelados de qualquer fornecedor. Além disso, segundo o estudo Lansdowne, 61% das arcas congeladoras fornecidas por um fabricante de gelados no mercado de referência provinham da HB, 11% da Mars, 9% da Valley e 8% da Nestlé (v. considerando 88 da decisão controvertida). Segundo o estudo Rosslyn, 64% das arcas congeladoras fornecidas por um fabricante de gelados no mercado de referência provinham da HB, 14% da Mars e 4% da Valley (v. considerando 107 da decisão controvertida).

87.
    Resulta dos autos que os estabelecimentos que registam vendas mais importantes de gelados de impulso são geralmente pequenos e que o espaço de que dispõem é restrito (v. considerando 43 da decisão controvertida). O Tribunal considera que o argumento da HB mencionado no n.° 47 supra, de que a Comissão sobrestimou os problemas de espaço dos retalhistas, não pode ser aceite. Com efeito, mesmo que o número de arcas congeladoras, na Irlanda, tenha aumentado de cerca de 16% entre 1991 e 1996, como a HB sustenta nos seus articulados, isso não significa que no momento da adopção da decisão controvertida tais problemas não existissem. Ora, a legalidade da decisão controvertida deve ser apreciada, nomeadamente, em função dos elementos de facto existentes à data da sua adopção. A este respeito, há que observar que a HB não contesta a declaração da Comissão de que, em 1996 (v. considerando 147), isto é, logo após o aumento, referido pela HB, do número de arcas congeladoras na Irlanda e dois anos antes da adopção da decisão controvertida, o número ideal de arcas congeladoras necessárias num estabelecimento em período de ponta, segundo a percepção dos retalhistas, tinha sido quase atingido. Além disso, segundo o estudo Lansdowne, 87% dos retalhistas consideravam que não era economicamente viável consagrar espaço à instalação de uma arca congeladora suplementar (v. considerando 97 da decisão controvertida).

88.
    Para mais, não pode negar-se que o mercado de produtos em causa se caracteriza pela necessidade de cada retalhista possuir pelo menos uma arca congeladora - de sua propriedade ou fornecida por um fabricante de gelados - para armazenar e expor os gelados (v. n.° 79 supra). Assim, o retalhista que vende produtos de consumo imediato, como as guloseimas, as batatas fritas e as bebidas gasosas, é levado a tomar uma decisão diferente quando, por um lado, um fabricante de gelados lhe propõe vender os seus produtos em substituição ou em complemento de uma gama já existente e, por outro, um fabricante de outros produtos, como cigarros ou chocolates, que não necessitam de arca congeladora por estarem normalmente colocados em prateleiras, lhe faz uma proposta similar. Com efeito, um retalhista não pode contentar-se com armazenar durante um período de ensaio uma nova gama de gelados ao lado de outros produtos já existentes, a fim de comprovar se existe procura suficiente para essa gama. Deve começar por tomar uma decisão comercial, para determinar se os investimentos, os riscos e as outras desvantagens associadas à instalação de uma arca congeladora ou de uma arca congeladora suplementar, incluindo as deslocações e a diminuição das vendas de outras marcas de gelados e de outros produtos, serão compensados por rendimentos suplementares. Daqui resulta que um retalhista racional só atribuirá espaço a uma arca congeladora para nela armazenar gelados de uma marca determinada se a venda desse produto for mais rentável que a venda dos gelados de outras marcas e de outros produtos de consumo imediato.

89.
    O Tribunal realça que, nas circunstâncias expostas, nomeadamente, nos n.os 85 a 88 supra, a colocação à disposição de uma arca congeladora «a título gracioso», a popularidade evidente dos gelados HB, a amplitude da sua gama de produtos e os lucros associados à sua venda são considerações muito importantes aos olhos dos retalhistas quando examinam a possibilidade de instalar uma arca congeladora suplementar para vender uma segunda gama, mesmo reduzida, de gelados ou, a fortiori, de denunciar o seu acordo de distribuição com a HB, a fim de substituir a arca congeladora a esta pertencente pela sua própria arca congeladora ou por uma arca congeladora pertencente a outro fornecedor, que seria, com toda a verosimilhança, sujeita a uma condição de exclusividade.

90.
    Além disso, há que recordar que a HB dispõe desde há vários anos de uma posição dominante no mercado de referência. Com efeito, ela detinha, aquando da adopção da decisão controvertida, uma parte correspondente a 89% do mercado de referência, tanto em volume como em valor, sendo o resto repartido entre vários pequenos fornecedores (v. a apreciação do Tribunal nos n.os 155 e 156 infra). Esta posição é ainda ilustrada pela notoriedade da marca HB, bem como pela importância e pela popularidade da sua gama de produtos na Irlanda. A este respeito, o Tribunal considera que a Comissão podia legitimamente ter em consideração, aquando da avaliação dos efeitos da cláusula de exclusividade no mercado de referência, o facto de a HB neste deter uma posição dominante, a fim de apreciar as condições em vigor no mercado, e que essa avaliação não era portanto, contrariamente ao que a HB sustenta, «deformada». Com efeito, de acordo com a jurisprudência constante na matéria, a verificação da existência de uma posição dominante não implica, em si, qualquer censura relativamente à empresa em questão (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 57, e de 16 de Março de 2000, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, C-395/96 P e C-396/96 P, Colect., p. I-1365, n.° 37).

91.
    Assim, a Comissão, ao tomar deste modo em consideração a popularidade dos gelados da HB e a posição desta sociedade no mercado de referência, não a penaliza pelo seu legítimo êxito comercial. A Comissão identificou simplesmente a dependência efectiva dos retalhistas criada pela presença, nos estabelecimentos, das arcas congeladoras fornecidas pela HB, a posição dominante desta no mercado de referência, a popularidade da sua gama dos seus produtos, os problemas relativos à falta de espaço que caracterizam os estabelecimentos típicos e as desvantagens e os riscos associados à armazenagem de uma segunda gama de gelados, considerando que todos estes elementos faziam parte do contexto económico do caso vertente.

92.
    Há que considerar que as medidas adoptadas pela HB para garantir o cumprimento da cláusula de exclusividade têm o efeito de os retalhistas actuarem relativamente aos produtos dela diferentemente do que actuam relativamente aos gelados de outras marcas e de um modo que é susceptível de falsear o jogo da concorrência no mercado de referência. Estes efeitos são claramente demonstrados pelo facto de os retalhistas armazenarem gelados de outras marcas ao lado dos da HB, na mesma arca congeladora, quando consideram que têm a liberdade de o fazer.

93.
    Resulta dos autos e da decisão controvertida (v. considerando 48) que a Mars, desde da sua entrada no mercado de referência, em 1989, conquistou uma parte dele, mas que a reacção da HB e a sua insistência quanto ao cumprimento da cláusula de exclusividade pelos retalhistas inverteram esta evolução. Com efeito, de acordo com a decisão proferida em processo de medidas provisórias pela Hight Court, em 1990, contra a Mars, que a proibiu de incitar os retalhistas a armazenarem os gelados dela nas arcas congeladoras HB, a distribuição numérica dos gelados de impulso da Mars na Irlanda caiu de 42% para menos de 20%. Este facto indica por si só que existe uma procura no mercado de referência para os produtos fabricados pelos concorrentes da HB e que a cláusula de exclusividade tem influência sobre a possibilidade de os seus concorrentes nele penetrarem e nele se estabelecerem.

94.
    O estudo B & A mostra ainda que uma proporção significativa [...] (2) % (mais de 35%) dos retalhistas está disposta a armazenar uma gama maior de produtos se as cláusulas de exclusividade cessarem de existir nos acordos de distribuição dos fornecedores de gelados (v. considerando 120 da decisão controvertida), o que revela, aliás, que, contrariamente aos argumentos da HB (v. n.° 51 supra), estas cláusulas podem ter o efeito de reduzir não apenas as opções dos consumidores mas ainda a concorrência pelos preços entre fornecedores. Do mesmo modo, contrariamente ao que aduz a HB, o facto de cerca de 44% dos estabelecimentos venderem duas marcas de gelados não demonstra que a concorrência intermarcas não seja afectada pela cláusula de exclusividade.

95.
    Além disso, nos supermercados irlandeses que não praticam a exclusividade em termos de arcas congeladoras, os gelados de fornecedores diferentes da HB são vendidos ao lado dos produtos da HB. Na audiência, a Richmond alegou que fornece, na Irlanda, 65% dos supermercados mas apenas 8% dos retalhistas. Além disso, há que notar que no Reino Unido, onde o sistema de distribuição dos gelados de impulso é diferente, a Richmond adquiriu uma parte de mercado de 24%, enquanto a sua parte do mercado de referência não ultrapassa 2%. Todos estes elementos confirmam que, quando lhes é possível armazenar uma segunda marca de gelados numa única arca congeladora, um número importante de retalhistas estão dispostos a fazê-lo. O facto de não o fazerem resulta da prevalência das cláusulas de exclusividade no mercado de referência.

96.
    Convém ainda notar que a conclusão da Comissão de que a entrada no mercado de referência dos concorrentes da HB é entravada pela existência da cláusula de exclusividade é confirmada pela avaliação, feita pela própria HB, das vantagens desta cláusula. Com efeito, resulta da decisão controvertida que o grupo Unilever, por ocasião da entrada da Mars no mercado europeu, no final dos anos 80, atribuiu uma importância particular ao fornecimento de arcas congeladoras destinadas ao uso exclusivo das suas sociedades (v. considerandos 64 a 68 da decisão controvertida), tendo ele próprio considerado que esta prática podia ter o efeito de impor uma exclusividade aos estabelecimentos em questão. Num documento do grupo Unilever de 1989, intitulado «Estratégia de comercialização dos gelados na Europa», faz-se referência à importância da cláusula de exclusividade e à manutenção do regime de propriedade das arcas congeladoras, nos seguintes termos:

«Devemos conservar a propriedade das arcas congeladoras, nomeadamente quando a distribuição é garantida por terceiros, a fim de guardar, na medida do possível, graças a contratos de exclusividade, o monopólio de utilização dos aparelhos e, de facto, o monopólio das vendas de gelado(s) no estabelecimento.»

97.
    Face ao que precede, o Tribunal considera que a Comissão demonstrou suficientemente, em termos de direito, que, não obstante a notoriedade dos produtos da HB no mercado de referência e o facto de ela oferecer uma gama completa de gelados, alguns dos quais são muito populares junto dos consumidores, há índices objectivos e precisos que revelam a existência de uma procura na Irlanda para os gelados de outros fabricantes, quando disponíveis, mesmo que esses fabricantes disponham de gamas de gelados mais reduzidas, como os gelados dos fabricantes que, como a Mars, ocupam nichos de mercado bem precisos. A Comissão demonstrou, a este respeito, que um número considerável de retalhistas está disposto a armazenar gelados de impulso provenientes de vários fabricantes, na condição de poderem armazená-los numa única arca congeladora, e que estão pouco inclinados a fazê-lo quando são obrigados a instalar uma arca congeladora suplementar que lhes pertença ou que pertença a outro fabricante. Por consequência, o argumento da HB, de que a reticência dos retalhistas a vender produtos de outros fabricantes de gelados não deve ser atribuída à cláusula de exclusividade mas sim ao facto de não haver procura no mercado de referência para esses produtos, não deve ser aceite.

98.
    Há ainda que declarar que foi correctamente que a Comissão considerou que, tendo em conta as especificidades do produto em causa e o contexto económico do caso vertente, a rede de acordos de distribuição da HB e o fornecimento de arcas congeladoras «a título gracioso» sujeito à condição de exclusividade exercem um efeito considerável de dissuasão sobre os retalhistas, quanto à instalação da sua própria arca congeladora ou da de outro fabricante, e operam, de facto, como um vínculo quanto aos estabelecimentos que apenas dispõem de arcas congeladoras HB, que são 40% dos estabelecimentos do mercado de referência. Com efeito, apesar de os retalhistas que dispõem apenas de arcas congeladoras HB terem teoricamente a possibilidade de vender gelados de outros fabricantes, a cláusula de exclusividade tem por efeito restringir a liberdade comercial dos retalhistas de escolherem os produtos que querem vender nos seus estabelecimentos.

99.
    A HB considera, no entanto, que, na hipótese de o Tribunal vir a considerar que a cláusula de exclusividade opera como um vínculo, de facto, relativamente aos estabelecimentos, o grau de compartimentação resultante dos seus acordos de distribuição não ultrapassa 6% da totalidade dos estabelecimentos no mercado de referência, não acarretando uma restrição sensível da concorrência nesse mercado. Considera, portanto, que a conclusão da Comissão de que 40% dos estabelecimentos do mercado de referência são, de facto, compartimentados, é manifestamente errónea. A HB realça, em especial, que esta percentagem é demasiado elevada, nomeadamente por incluir três categorias de estabelecimentos que não deviam ter sido consideradas compartimentadas (v. n.° 46 supra). Afirma, a este respeito, que para calcular o grau de compartimentação do mercado de referência só há que ter em consideração os estabelecimentos em que os retalhistas pretendem mudar de fornecedor de gelados mas não podem fazê-lo.

100.
    O Tribunal considera que estes argumentos devem ser rejeitados.

101.
    Contrariamente ao que a HB sustenta (v. n.os 46 e 47 supra), nos 6% de estabelecimentos dotados de mais de uma arca congeladora HB (e que dispõem, portanto, de lugar para instalar mais de uma arca congeladora), os retalhistas só substituirão uma arca congeladora HB se considerarem que esta substituição e a venda de outra marca de gelados lhes permitirão obter pelo menos um volume de negócios igual ao que anteriormente realizavam com os gelados HB. Ora, resulta dos autos que, na realidade, os retalhistas só raramente escolhem substituir uma das arcas congeladoras fornecidas pela HB por uma arca que lhes pertença ou que pertença a outro fabricante, nomeadamente em razão da posição e da popularidade da HB no mercado de referência.

102.
    O Tribunal considera que os 6% dos estabelecimentos em questão e os 27% dos estabelecimentos que dispõem de uma arca congeladora HB e cujos retalhistas não estão alegadamente interessados na armazenagem de uma marca de gelados diferente da HB (segundo a análise feita pela HB dos dados contidos no estudo Lansdowne) não devem ser excluídos do grau de cálculo de compartimentação do mercado de referência. Com efeito, estes retalhistas, em razão do funcionamento da cláusula de exclusividade, estão confrontados com uma situação que falseia as suas opções comerciais. Tendo nomeadamente em conta a posição da HB no mercado de referência, bem como o facto de nenhum dos seus concorrentes possuir uma gama de produtos tão conhecida e completa como a dela, e ainda os problemas de espaço já evocados no n.° 87 supra, a possibilidade de os retalhistas em causa venderem produtos de outros fabricantes, sobretudo quando estes dispõem de uma gama de produtos limitada, não os incita suficientemente, em geral, a substituir as arcas congeladoras HB ou a instalar outra arca congeladora (v., por analogia, acórdão Langnese-Iglo/Comissão, já referido, n.° 108).

103.
    No que se refere à terceira categoria de estabelecimentos, a saber, aqueles em que os retalhistas estão alegadamente interessados na armazenagem de outras marcas de gelados e em condições de o fazer, mas não o fazem, o seu número varia - segundo os dados apresentados pela HB e baseados na sua análise do estudo Lansdowne - entre 2% e 5%. Além de esta categoria não estar claramente definida pela HB, ela apenas representa, portanto, uma parte ínfima do total dos 40% e não é susceptível de infirmar a conclusão da Comissão, que se contém na decisão controvertida, de que a parte identificada da rede de acordos da HB dizia respeito a cerca de 40% da totalidade dos estabelecimento do mercado de referência.

104.
    Além disso, no que respeita às duas últimas categorias de estabelecimentos, o Tribunal realça ainda que os números apresentados pela HB, baseados na sua análise do estudo Lansdowne, não são susceptíveis de infirmar a apreciação da Comissão sobre o grau de compartimentação do mercado de referência. Com efeito, na ausência de qualquer indicação por parte da HB das razões pelas quais, por um lado, 27% dos estabelecimentos em questão não estão interessados na armazenagem de uma marca de gelados diferente da HB e, por outro lado, 2% a 5% dos estabelecimentos em questão, que estão interessados na armazenagem de outras marcas de gelados, não efectuarem no entanto as diligências necessárias para o fazer, o Tribunal considera que é inteiramente possível que estas circunstâncias sejam atribuíveis aos factores identificados pela Comissão (v., nomeadamente, considerandos 157 a 184 da decisão controvertida), que reforçam as restrições ao jogo da concorrência no mercado de referência resultante da cláusula de exclusividade e criam efectivamente uma dependência comercial dos retalhistas relativamente à HB.

105.
    Quanto ao argumento da HB de que a exclusividade da arca congeladora imposta pela cláusula de exclusividade não pode ser considerada uma exclusividade imposta aos estabelecimentos, uma vez que os retalhistas dispõem da faculdade de denunciarem a qualquer momento os acordos de distribuição que celebraram com a HB, o Tribunal considera que esta faculdade de modo algum obsta à aplicação efectiva dos acordos em questão, enquanto não tiver sido feito uso dela. Assim, para avaliar os efeitos dos acordos de distribuição sobre o mercado de referência, o Tribunal deve ter em consideração a duração efectiva deles (v., por analogia, acórdão Langnese-Iglo/Comissão, já referido, n.° 111). A HB sublinha com razão que, contrariamente à situação existente noutros Estados-Membros, onde a cláusula de exclusividade é combinada com um compromisso contratual de vários meses ou mesmo de vários anos, a situação do caso presente abre aos retalhistas a possibilidade, que a Comissão reconhece, de denunciar a cláusula de exclusividade com um pré-aviso muito curto, quando não quase imediatamente. Um tal argumento poderia ser convincente se esta faculdade se confirmasse na prática e se os estabelecimentos ficassem, portanto, regularmente disponíveis para recém-chegados ao mercado de referência. Ora, como a Comissão demonstrou, não é este o caso, uma vez que os acordos de distribuição da HB são denunciados, em média, ao fim de oito anos. Daqui resulta que o argumento assente na possibilidade de denunciar os acordos de distribuição da HB não é convincente, uma vez que esta possibilidade não tem, na realidade, qualquer papel na diminuição do grau de compartimentação do mercado de referência.

106.
    No que se refere ao argumento da HB relativo à aplicação da regra da razoabilidade ao caso concreto, há que sublinhar que a existência de uma tal regra em direito comunitário da concorrência não pode ser admitida. De resto, a interpretação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado preconizada pela HB revela-se dificilmente conciliável com a estrutura normativa do artigo 85.°

107.
    O artigo 85.° do Tratado prevê explicitamente, no seu n.° 3, a possibilidade de isentar acordos restritivos da concorrência quando estes satisfaçam um certo número de condições, nomeadamente quando sejam indispensáveis à realização de certos objectivos e não dêem às empresas a possibilidade de eliminarem a concorrência em relação a uma parte substancial dos produtos em causa. É apenas no âmbito preciso desta disposição que uma ponderação dos aspectos pró-concorrenciais e anticoncorrenciais de uma restrição pode ter lugar (v., neste sentido, acórdão Pronuptia, já referido, n.° 24; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Julho de 1994, Matra Hachette/Comissão, T-17/93, Colect., p. II-595, n.° 48; e de 15 de Setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T-374/94, T-375/04, T-384/94 e T-388/94, Colect, p. II-3141, n.° 136). O artigo 85.°, n.° 3, do Tratado perderia grande parte do seu efeito útil se um tal exame já devesse ter sido efectuado no âmbito do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Montecatini/Comissão, C-235/92 P, Colect., p. I-4539, n.° 133; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, Montedipe/Comissão, T-14/89, Colect. p. II-1155, n.° 265; e de 6 de Abril de 1995, Tréfilunion/Comissão, T-148/89, Colect., p. II-1063, n.° 109; e v., ainda, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 2001, M6 e o./Comissão, T-112/99, Colect., p. II-2459, n.os 72 a 74).

108.
    Além disso, não pode deduzir-se, com certeza, do simples facto de a parte identificada da rede de acordos da HB dizer respeito a cerca de 40% dos estabelecimentos do mercado, que tal parte é automaticamente susceptível de impedir, restringir ou falsear sensivelmente a concorrência. Este facto implica, como a HB referiu na audiência, que 60%, e portanto uma maioria, dos estabelecimentos do mercado de referência não estão compartimentados em razão da cláusula de exclusividade.

109.
    Para apreciar os efeitos de uma tal rede de acordos de distribuição, há que ter em consideração o contexto económico e jurídico em que ela se situa e onde pode, em conjunto com outros, contribuir para um efeito cumulativo sobre a concorrência (v. acórdãos Delimitis, já referido, n.° 14, e Langnese-Iglo/Comissão, já referido, n.° 100).

110.
    No caso vertente, a Comissão teve em consideração, na decisão controvertida, os efeitos sobre a concorrência, não apenas dos acordos de distribuição da HB mas ainda das diferentes redes de acordos relativas a arcas congeladoras sujeitas a uma cláusula de exclusividade, geridas por outros fornecedores do mercado de referência. Resulta da decisão controvertida que 55% dos estabelecimentos possuíam apenas uma ou duas arcas congeladoras HB, 14% uma arca congeladora HB e uma outra Mars, e 7% uma arca congeladora HB e uma outra proveniente de outro fabricante que não a Mars (v. considerando 108). A Comissão fez ainda notar que a condição de exclusividade, aplicável às arcas congeladoras em 83% dos estabelecimentos do mercado de referência (v. n.os 18 e 86 supra), constituía um obstáculo prático e financeiro importante à entrada no mercado e à expansão de outros fornecedores (v. considerandos 185 a 194).

111.
    Há que declarar que, dado que outros fornecedores, para além da HB, põem também arcas congeladoras à disposição dos retalhistas em condições muito similares (v., nomeadamente, n.° 85 supra) e com as mesmas limitações em termos de espaço, foi com razão que a Comissão considerou, na decisão controvertida, que as dificuldades encontradas nos estabelecimentos dotados unicamente de arcas congeladoras HB para persuadir os retalhistas a substituir as arcas HB existentes ou instalar arcas suplementares para gelados de impulso são também válidas quanto a qualquer arca congeladora sujeita a uma condição de exclusividade, ainda que os outros fornecedores não tenham a mesma posição e a mesma popularidade que a HB no mercado de referência. O acesso do fornecedor concorrente ao mercado de referência é impedido por uma série de factores, nomeadamente o encargo que para os retalhistas representam a compra e a manutenção de uma arca congeladora, o medo do risco e as reticências deles em pôr fim às relações estabelecidas com os seus fornecedores. Daqui resulta que as redes de acordos instituídas no mercado de referência afectam 83% dos estabelecimentos do mercado.

112.
    No entanto, o grau de dependência que decorre de uma rede de acordos, embora tenha certa importância para a apreciação da compartimentação do mercado, apenas constitui, porém, um elemento, entre outros, do contexto económico e jurídico no âmbito do qual a rede de acordos deve ser apreciada (v. acórdãos Delimitis, já referido, n.os 19 e 20, e Langnese-Iglo/Comissão, já referido, n.° 101). É ainda necessário analisar as condições em vigor no mercado e, nomeadamente, as possibilidades reais e concretas dos novos concorrentes nele penetrarem, apesar da existência de tais redes.

113.
    O Tribunal considera ainda que foi com razão que a Comissão considerou, na decisão controvertida, que a colocação à disposição dos retalhistas de arcas congeladoras sujeitas a uma condição de exclusividade, bem como os custos de manutenção corrente dessas arcas, representavam um obstáculo financeiro à entrada de novos fornecedores no mercado em causa e à expansão dos fornecedores existentes. A este respeito, há que considerar que não existe uma relação objectiva entre o fornecimento das arcas congeladoras sob condição de exclusividade e a venda dos gelados. Ora, resulta da decisão controvertida que os retalhistas não estão inclinados a aceitar arcas congeladoras de fornecedores que não ofereçam condições pelo menos tão vantajosas como as oferecidas pelos fornecedores cujas arcas congeladoras já estão instaladas nos estabelecimentos em causa ou como as oferecidas pelos fornecedores desse mercado em geral. No quadro do mercado de referência, isto significa que o fornecedor deve estar disposto a propor «graciosamente» uma arca congeladora e a garantia da sua manutenção. Daqui resulta que, de acordo com o que a Comissão sustentou na decisão controvertida (v., nomeadamente, considerando 189), o investimento que representa a aquisição de um parque de arcas congeladoras destinadas a ser instaladas em estabelecimentos para garantir níveis viáveis de distribuição aos produtos de um fornecedor torna o acesso ao mercado em causa e a manutenção nesse mercado muito difíceis, nomeadamente para as pequenas empresas e para os fornecedores de gelados de impulso que ocupam nichos de mercado bem precisos, uma vez que é difícil justificar o investimento em arcas congeladoras por parte de fornecedores que se limitam a oferecer uma gama reduzida de produtos. Além disso, quanto ao argumento da HB exposto no n.° 59 supra, de que seria viável, para 47% dos estabelecimentos, dispor de uma arca congeladora pertencente ao próprio retalhista, o Tribunal considera que não pode ser aceite, uma vez que, atendendo à prática, não apenas da HB mas também de outros fornecedores, de pôr à disposição dos retalhistas arcas congeladoras a título «gracioso», estes não têm qualquer razão para adquirir a sua própria arca congeladora.

114.
    O Tribunal considera ainda que a HB não comprovou suficientemente, em termos jurídicos, que não seria prático impor um aluguer independente para o fornecimento de arcas congeladoras (v. n.° 50 supra). A este respeito, resulta da decisão controvertida que, na Irlanda do Norte, a HB factura aos retalhistas um aluguer anual e aplica uma redução de preços aos produtos que fornece aos retalhistas que possuem a sua própria arca congeladora (v. considerando 127). Daqui resulta que, tendo em atenção a possibilidade de impor um aluguer independente para o fornecimento de arcas congeladoras noutro mercado geográfico, a cláusula de exclusividade não pode ser considerada necessária para que um dado fornecedor impeça os seus concorrentes de utilizarem as suas arcas congeladoras para armazenar os seus produtos. Por esta mesma razão, não pode pretender-se que a HB esteja obrigada, sem que para isso seja remunerada, a contabilizar arcas congeladoras destinadas não apenas às suas próprias actividades mas ainda às dos seus retalhistas e concorrentes (v. n.os 49 e 50 supra).

115.
    Além disso, se não se contesta que a colocação à disposição dos retalhistas de arcas congeladoras apresenta algumas vantagens económicas e práticas para os fornecedores de gelados e os retalhistas, há que declarar que, quando o fornecimento de arcas congeladoras aos retalhistas está sujeito a uma cláusula de exclusividade, no contexto existente do mercado de referência, as vantagens económicas desta prática são contrabalançadas pelos seus efeitos negativos sobre a concorrência. Daqui resulta que o argumento, invocado pela HB nos seus articulados, de que esta prática só deveria ser criticada se não tivesse justificações comerciais objectivas, não pode ser aceite.

116.
    Além disso, resulta dos autos que o facto de a venda independente por grosso de gelados de impulso não estar desenvolvida na Irlanda implica que o acesso à distribuição através destes intermediários independentes se tenha tornado mais difícil. Além disso, o peso das marcas existentes no mercado de referência e a fidelidade que lhes testemunham os consumidores representam um obstáculo considerável para os recém-chegados (v. considerando 195 da decisão controvertida).

117.
    Quanto ao argumento da HB de que o mercado de referência é disputado por pelo menos cinco fabricantes, resulta dos autos que os outros fornecedores de gelados de impulso apenas detêm partes muito limitadas do mercado de referência. Com efeito, no que respeita à Mars, o maior concorrente da HB no mercado, deve notar-se que no decurso do período de Junho-Julho de 1997 a sua parte de mercado se elevava apenas a, respectivamente, 4% e 5%, em volume e em valor. Além disso, a parte de mercado detida pela Mars, pela Valley e pela Leadmore diminuiu durante os anos que precederam a adopção da decisão controvertida (v. considerandos 32 a 37). Há pois que considerar que as pequenas partes detidas pelos concorrentes da HB são, pelo menos parcialmente, atribuíveis à prática dessa sociedade de colocar arcas congeladoras à disposição, a título gracioso.

118.
    Face a tudo o que precede, o Tribunal considera que resulta do exame do conjunto dos acordos de distribuição similares celebrados no mercado de referência, bem como dos outros elementos do contexto económico e jurídico em que tais acordos se inscrevem, que os acordos de distribuição celebrados pela HB são susceptíveis de afectar de modo sensível a concorrência, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, e contribuem de modo significativo para uma compartimentação do mercado.

119.
    Há pois que rejeitar os primeiro e segundo fundamentos, assentes em erros manifestos de apreciação dos factos e na violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

Quanto ao terceiro fundamento, assente em erros de direito no que respeita ao artigo 85.°, n.° 3, do Tratado

Argumentos das partes

120.
    A HB alega que a cláusula de exclusividade é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado e que pode ser objecto de uma isenção. Contesta a afirmação da Comissão, feita na decisão controvertida, de que os efeitos restritivos da sua rede de acordos de colocação à disposição de arcas congeladoras são mais importantes do que as vantagens que decorrem da eficácia da distribuição que destes resulta. Do mesmo modo, contesta a alegação de que essas vantagens só aproveitam a ela e aos seus retalhistas e não são, à luz de um interesse geral compreendido de um modo mais amplo, susceptíveis de compensar os inconvenientes que tais acordos comportam no plano da concorrência. Finalmente, a HB põe em causa a conclusão que se contém no considerando 234 da decisão controvertida, segundo a qual a vantagem que consiste em cobrir todo o território e que resulta da cláusula de exclusividade não pode contrabalançar os inconvenientes do encerramento do mercado, também devido à rede de acordos da HB relativos às arcas congeladoras.

121.
    A HB alega, mais especialmente, que a decisão controvertida está inquinada por três erros de direito relativamente ao artigo 85.°, n.° 3, do Tratado.

122.
    Em primeiro lugar, sustenta que a decisão controvertida comporta um erro lógico fundamental no que respeita à relação entre o artigo 85.°, n.° 1, e o artigo 85.°, n.° 3, do Tratado. Indica que, segundo a decisão controvertida, o artigo 85.°, n.° 3, do Tratado exige uma ponderação, por um lado, da restrição de concorrência, e por outro, da possibilidade de dispor de vantagens susceptíveis de justificar uma isenção (v. considerandos 222 a 225). Resulta da decisão controvertida que, pelo facto de fazer concorrência de um modo demasiado eficaz, proporcionando vantagens aos retalhistas e aos consumidores, a HB restringe a concorrência, em violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado (v. considerando 226). Dado que tais vantagens acarretam alegadamente uma restrição de concorrência, já não podem ser tidas em conta para efeitos da concessão de uma isenção a título do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado. O raciocínio da Comissão está, pois, inquinado por «um ciclo vicioso».

123.
    Em segundo lugar, segundo a HB, as diferentes condições de aplicação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado são cumulativas por natureza, no sentido de que cada uma delas deve estar preenchida para que possa ser concedida uma isenção. A questão de saber se estas condições estão preenchidas deve, no entanto, ser objecto de uma apreciação distinta para cada uma delas. Assim, a Comissão não pode sustentar que as vantagens resultantes dos acordos da HB relativos às arcas congeladoras são automaticamente neutralizadas pelos efeitos restritivos dos referidos acordos, devendo a questão da eliminação substancial da concorrência ser abordada separadamente da questão das vantagens que decorrem dos acordos em causa. O Tribunal de Primeira Instância impôs claramente esta exigência de uma análise separada no n.° 122 do acórdão Matra Hachette/Comissão, já referido. A HB realça que a Comissão considera que a melhoria da distribuição ao nível dos retalhistas, em termos de redução dos custos de transporte e de fornecimento regular, a melhoria da distribuição a nível do fornecedor, em termos de planificação e de logística, e a estimulação da procura pela maximização da disponibilidade e da visibilidade dos produtos podem ser ignoradas, em razão de alegados efeitos negativos sobre a concorrência no mercado de referência. Contrariamente ao que alega a Comissão (v. n.° 130 infra), quando são identificadas vantagens objectivas decorrentes de um acordo, a questão da compartimentação do mercado só é pertinente, segundo o artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, quanto aos critérios de eliminação substancial da concorrência. O n.° 180 do acórdão Langnese-Iglo/Comissão, já referido, citado pela Comissão, não contradiz os argumentos da HB a este respeito (v., de novo, o n.° 130 infra).

124.
    Em terceiro lugar, a HB sustenta que a Comissão cometeu um erro no exame efectuado a título do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, por se ter baseado no facto de o mercado de referência ser fechado. Com efeito, o grau real de compartimentação desse mercado não é superior a 6%.

125.
    A HB alega ainda que a aplicação detalhada pela Comissão de determinadas condições do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado é juridicamente errónea. Realça, a este respeito, que a decisão controvertida (v. considerando 227) reconhece que a existência de arcas congeladoras num grande número de estabelecimentos, cobrindo a totalidade do mercado geográfico e provindo em grande parte da rede de arcas congeladoras da HB, pode ser considerada uma vantagem objectiva, nomeadamente em matéria de distribuição, e que a cláusula de exclusividade contribui para a realização destas vantagens. A Comissão pretende, no entanto, negar tal vantagem, presumindo que a HB continuará, com vista a maximizar os seus lucros, a fornecer arcas congeladoras sem cláusula de exclusividade. Ora, a Comissão não está autorizada a presumir a continuação do fornecimento das arcas congeladoras pela HB na ausência da cláusula de exclusividade. Além disso, a HB alega que a Comissão, contrariamente ao que afirmou nos considerandos 232 e 233 da decisão controvertida, não pode presumir que existam fornecedores concorrentes susceptíveis de fabricar uma gama de produtos comparável à da HB e a custos tão eficazes como os da HB, que lhes permita distribuir esses produtos em estabelecimentos que tenham um volume de negócios demasiado pequeno para a interessar e a retalhistas que, na hipótese de deixarem de ser abastecidos em gelados pela HB, estariam em condições de fornecer as suas próprias arcas congeladoras. Do mesmo modo, sustenta que não está provado que um revendedor independente possa fornecer um serviço de distribuição a um custo inferior e de modo mais eficaz que a HB nem que a emergência de um novo tipo empresarial de grossista independente seja impedida pela simples natureza dos acordos da HB relativos às arcas congeladoras.

126.
    A HB sustenta que, no contexto da distribuição, o termo «indispensável» não significa que não exista outro sistema de distribuição dos produtos, mas simplesmente que as restrições são necessárias para realizar a política de distribuição adoptada pelo fabricante, geradora de vantagens na acepção do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado. Considera que, embora a exclusividade imposta ao estabelecimento possa ser considerada indispensável para realizar as referidas vantagens, como as isenções por categoria dos acordos de distribuição e dos acordos de abastecimento exclusivo claramente admitem, isso deve também ser exacto para as cláusulas de exclusividade ligadas às arcas congeladoras.

127.
    A HB acrescenta que, se a cláusula de exclusividade fosse censurada, isso teria claramente um impacto negativo sobre a sua situação, bem como sobre os seus acordos de distribuição. Em primeiro lugar, ela sofreria uma desvantagem concorrencial consistente no facto de um concorrente poder ser autorizado a utilizar os seus activos sem ter de investir no fornecimento de uma arca congeladora aos estabelecimentos em causa e poderia simultaneamente excluir a HB das arcas congeladoras que tivesse fornecido. Em segundo lugar, não seria possível apresentar a mesma oferta, igualmente completa, de produtos HB na arca congeladora, o que acarretaria perdas de vendas. As despesas de colocação à disposição e de manutenção da arca congeladora não poderiam ser cobertas pro tanto, uma vez que essas despesas são recuperadas através das vendas de gelados HB. Em terceiro lugar, o custo da distribuição dos gelados aumentaria nos estabelecimentos abrangidos pela decisão controvertida, tal como nos outros.

128.
    A HB considera que o seu sistema de distribuição traz vantagens aos consumidores, como referido no artigo 85.°, n.° 3, do Tratado. Se esse não tivesse sido o caso, a Comissão não se teria, com efeito, declarado satisfeita quando adoptou a comunicação baseada no artigo 19.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 (v. n.° 12 supra), precisando que se justificava uma isenção. Na realidade, uma grande parte da lógica da isenção por categorias resultante do Regulamento (CEE) n.° 1984/83 da Comissão, de 22 de Junho de 1983, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado a certas categorias de acordos de compra exclusiva (JO L 173, p. 5) também está caduca.

129.
    A HB acrescenta que os seus acordos de distribuição não permitem eliminar a concorrência quanto a uma parte substancial dos produtos em causa, uma vez que, mesmo segundo a tese da Comissão, 60% do mercado de referência não está compartimentado. Realça ainda que a referência, no considerando 245 da decisão controvertida, ao facto de a estrutura concorrencial do mercado de referência não ter sofrido qualquer alteração sensível desde há vários anos, é incorrecta do ponto de vista factual, uma vez que a decisão controvertida não tem em conta as recentes chegadas ao mercado de grandes fornecedores inovadores, tais como a Mars, a Nestlé e a Häagen-Dazs.

130.
    A Comissão considera que a decisão controvertida não está inquinada por qualquer erro lógico fundamental. Com efeito, uma isenção só pode ser concedida após uma ponderação dos efeitos restritivos do acordo e das vantagens que ele fornece. As referidas vantagens «não podem ser identificadas com qualquer vantagem que os contraentes retirem do acordo». Sustenta ainda que a decisão controvertida examina separadamente cada uma das condições do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado. Realça que concluiu, na decisão controvertida, que os acordos da HB não preenchiam essas condições, uma vez que não contribuiam para melhorar a distribuição dos produtos, não reservavam aos consumidores uma parte equitativa do lucro resultante desse sistema, não eram indispensáveis para conseguir essas vantagens e deixavam à HB a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa. A Comissão, referindo-se mais especialmente ao n.° 180 do acórdão Langnese-Iglo/Comissão, já referido, e ao n.° 142 do acórdão Schöller/Comissão, já referido, considera que a sua análise da primeira das quatro condições enunciadas no artigo 85.°, n.° 3, do Tratado não está inquinada por qualquer erro de direito.

131.
    Segundo a Comissão, a petição da HB focaliza-se num único dos quatro critérios que devem ser satisfeitos para se obter uma isenção, consistente na melhoria da distribuição dos produtos ou na promoção do progresso técnico ou económico, não abordando os demais critérios em pormenor. Além disso, a HB não demonstrou a razão pela qual as vantagens resultantes do seu sistema de distribuição, supondo que existem, decorrem da cláusula de exclusividade, e não de outros factores.

132.
    A Comissão sustenta que todas as condições impostas pelo artigo 85.°, n.° 3, do Tratado devem ser preenchidas simultaneamente. Considera ainda que a HB não contestou, nem mesmo pôs em questão, as conclusões que se contêm nos considerandos 239 e 240 da decisão controvertida, segundo as quais a cláusula de exclusividade reduz a escolha dos consumidores e não garante que qualquer economia em termos de eficiência seja repercutida neles. A Comissão contesta a afirmação da HB de que a cláusula de exclusividade podia beneficiar de uma isenção por analogia com as isenções por categoria em matéria de distribuição exclusiva e compra exclusiva. Considera que o equilíbrio entre as restrições e as suas vantagens, para a apreciação do qual é importante o conceito de carácter indispensável, é diferente no caso dos gelados de impulso. Se, quanto a muitos produtos, as restrições verticais da liberdade dos retalhistas seriam aceitáveis, por estimularem a concorrência entre marcas, uma concorrência intermarcas seria no entanto menos provável quanto aos produtos de consumo imediato, uma vez que os consumidores não entram, em geral, num estabelecimento com o fim de adquirir tais produtos e não têm a intenção de os comparar entre os vários estabelecimentos. Além disso, os benefícios das isenções por categoria em questão poderiam perder-se se houvesse uma concorrência insuficiente quanto a tais produtos, situação que se verificou no processo Langnese-Iglo/Comissão, já referido. Além disso, o facto de a HB poder sofrer um prejuízo no caso de abandonar uma dada prática comercial não significa que esta prática seja indispensável.

133.
    No que se refere à condição enumerada no artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, relativa à possibilidade de eliminar a concorrência, a Comissão sustenta que a HB não se pronunciou sobre os considerandos 242 a 246 da decisão controvertida, relativos à falta de concorrência no mercado de referência e aos obstáculos à entrada de novos fornecedores. A este respeito, a Comissão realça que a HB contesta simplesmente a sua análise segundo a qual a estrutura concorrencial do mercado de referência não sofreu qualquer modificação sensível desde há vários anos (considerando 245 da decisão controvertida). Reafirma que o mercado de referência continua, de facto, a ser dominado, ao nível de 80%, pela HB.

134.
    A Comissão considera que a argumentação da HB exposta no n.° 128 supra é inexacta e constitui um fundamento novo que não foi invocado na petição e que, portanto, é inadmissível, por força do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo.

Apreciação do Tribunal

135.
    É de jurisprudência constante que a fiscalização exercida pelo Tribunal sobre as apreciações económicas complexas efectuadas pela Comissão no exercício do poder de apreciação que lhe confere o artigo 85.°, n.° 3, do Tratado relativamente a cada uma das quatro condições que ele contém deve limitar-se à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, bem como da exactidão material dos factos, da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Fevereiro de 1994, CB e Europay/Comissão, T-39/92 e T-40/92, Colect., p. II-49, n.° 109; Matra Hachette/Comissão, já referido, n.° 104; e de 21 de Fevereiro de 1995, SPO e o./Comissão, T-29/92, Colect., p. II-289, n.° 288). Não compete ao Tribunal substituir a apreciação da Comissão pela sua própria.

136.
    Resulta, além disso, de uma jurisprudência bem assente que, caso seja pretendida uma isenção nos termos do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado compete, em primeiro lugar, às empresas interessadas apresentarem à Comissão os elementos de prova susceptíveis de mostrar que o acordo preenche as condições impostas por esta disposição (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1984, VBVB e VBBB/Comissão, 43/82 e 63/82, Recueil, p. 19, n.° 52, e de 11 de Julho de 1985, Remia e o./Comissão, 42/84, Recueil, p. 2545, n.° 45, e acórdão Langnese-Iglo/Comissão, já referido, n.° 179).

137.
    O facto de a Comissão proferir uma decisão individual de isenção supõe que o acordo ou a decisão de associação de empresas preencha cumulativamente as quatro condições enunciadas no artigo 85.°, n.° 3, do Tratado. Basta que uma das quatro condições não se verifique para que a isenção deva ser recusada (v., neste sentido, acórdão VBVB e VBBB/Comissão, já referido, n.° 61; despacho do Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1996, SPO e o./Comissão, C-137/95 P, Colect., p. I-1611, n.° 34; acórdãos Matra Hachette/Comissão, já referido, n.° 104; e SPO e o./Comissão, já referido, n.os 267 e 286).

138.
    Há que declarar que, contrariamente ao que sustenta a HB no n.° 123 supra, resulta claramente da decisão controvertida que a Comissão analisou detalhadamente o acordo de distribuição da HB à luz de cada uma das quatro condições impostas pelo artigo 85.°, n.° 3, do Tratado (v. considerandos 221 a 254 da decisão controvertida).

139.
    Por força da primeira destas condições, os acordos susceptíveis de ser isentos devem «[contribuir] para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou económico». A este respeito, deve salientar-se que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância que a melhoria não pode ser identificada com todos os benefícios que os participantes retiram do acordo no que diz respeito à respectiva actividade de produção ou distribuição. Esta melhoria deve, designadamente, apresentar vantagens objectivas sensíveis, de modo a compensar os inconvenientes que o acordo implica no plano da concorrência (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão, 56/64 e 58/64, Colect. 1965-1968, p. 423, e acórdão Langnese-Iglo/Comissão, já referido, n.° 180).

140.
    O exame desta primeira condição foi realizado nos considerandos 222 a 238 da decisão controvertida. A Comissão reconheceu nomeadamente que os acordos de colocação à disposição de arcas congeladoras da HB podiam garantir todas ou parte das vantagens descritas no quinto considerando do Regulamento n.° 1984/83, tanto para a própria HB como para os retalhistas que são parte nesses acordos, e que o método de distribuição utilizado actualmente pela HB podia oferecer-lhe, bem como aos seus retalhistas, determinadas vantagens em termos de eficiência em matéria de planificação, de organização e de distribuição. A Comissão considerou, assim, que esses acordos não apresentavam vantagens objectivas, susceptíveis de compensar os inconvenientes que comportavam no plano da concorrência. Em apoio desta afirmação, considerou que os acordos de colocação à disposição de arcas congeladoras que estão em causa reforçavam consideravelmente a posição da HB no mercado de referência, em especial no que se refere aos concorrentes potenciais. A este respeito, realçou, com razão, que o reforço de uma empresa tão importante como a HB no mercado de referência não estimulava a concorrência, antes a limitando, uma vez que a rede de acordos dessa empresa constituía um obstáculo maior ao acesso ao mercado, bem como à expansão nesse mesmo mercado dos concorrentes já existentes (v., nomeadamente, considerandos 225 e 236 da decisão controvertida, e, por analogia, o acórdão Langnese-Iglo/Comissão, já referido, n.° 182). Há ainda que recordar que o grau de compartimentação do mercado de referência é da ordem de 40% (v. n.° 98 supra) e não de 6% como sustenta a HB (v. n.° 124 supra).

141.
    O Tribunal considera, assim, que, contrariamente ao que a HB alegou (v. n.° 123 supra), foi com razão que a Comissão teve em consideração os obstáculos ao acesso ao mercado de referência que a cláusula de exclusividade acarreta e, em consequência, o enfraquecimento da concorrência que daí decorre, para avaliar o acordo de distribuição da HB à luz da primeira condição do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado (v., por analogia, acórdãos Consten e Grundig/Comissão, já referido, n.° 502, e Langnese-Iglo/Comissão, já referido, n.° 180). Daqui resulta que o argumento da HB mencionado no n.° 122 supra, segundo o qual os considerandos 222 a 225 da decisão controvertida englobam um erro lógico fundamental no que respeita à relação entre o artigo 85.°, n.° 1, e o artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, não pode ser aceite, uma vez que a Comissão está obrigada, por aplicação de uma jurisprudência constante nesta matéria, a apurar a existência de vantagens objectivas sensíveis, susceptíveis de compensar os inconvenientes que um acordo no plano da concorrência comporta.

142.
    Há ainda que realçar que os acordos de distribuição da HB apresentam dois aspectos particulares, consistentes, por um lado, na colocação à disposição dos retalhistas, «a título gracioso», das arcas congeladoras e, por outro, no compromisso por parte destes de utilizarem tais arcas congeladoras unicamente para armazenarem os gelados HB. Ora, as vantagens garantidas pelos acordos em questão decorrem do primeiro aspecto e podem, portanto, ser realizadas mesmo na ausência de cláusula de exclusividade.

143.
    Além disso, deve ser aceite a afirmação da Comissão, no considerando 227 da decisão controvertida, de que, embora a existência de arcas congeladoras destinadas à venda de gelados de impulso num grande número de estabelecimentos, cobrindo a totalidade do mercado geográfico e provindo em grande parte da rede de arcas congeladoras da HB, possa ser considerada uma vantagem objectiva em matéria de distribuição desses produtos de interesse geral, é no entanto pouco provável que a HB cesse definitivamente de fornecer as arcas congeladoras aos retalhistas, quaisquer que sejam as condições, com excepção de um pequeno número de casos, se a faculdade de impor uma obrigação de exclusividade relativa a tais arcas congeladoras vier a ser restringida. A HB não demonstrou que a Comissão cometeu um erro manifesto ao considerar que a realidade comercial, para uma sociedade como a HB, que pretende conservar a sua posição no mercado de referência, consiste em estar presente no maior número de estabelecimentos possível (v. considerandos 228 e n.° 125 supra). Com efeito, contrariamente ao que sustenta a HB, a Comissão não se contentou com presumir a continuidade do fornecimento, pela HB, de arcas congeladoras no mercado de referência, mas realizou uma análise prospectiva do funcionamento desse mercado após a adopção da decisão controvertida. Além disso, contrariamente ao que a HB pretende (v. n.° 125 supra), a Comissão podia validamente invocar o argumento de que os fabricantes concorrentes da HB podiam aplicar uma política consistente em fornecer arcas congeladoras aos estabelecimentos que realizam volumes de negócios demasiado baixos, no domínio dos gelados de impulso, para interessar a HB, e isto em condições mais vantajosas do que aquelas que os próprios retalhistas podiam esperar obter se a HB deixasse de fornecer arcas congeladoras a determinados estabelecimentos. Do mesmo modo, a Comissão podia validamente invocar a possibilidade de as arcas congeladoras serem instaladas por revendedores independentes que se abasteceriam em diferentes fontes e satisfariam a procura de todos os estabelecimentos de que a HB tivesse retirado os seus aparelhos ou aos quais decidisse não os fornecer. Tratando-se de uma análise prospectiva por parte da Comissão, tal análise só poderia ser posta em causa, por viciada por erro manifesto de apreciação, com base em elementos concretos carreados pela HB, o que esta, no caso concreto, não fez.

144.
    Uma vez que os acordos de distribuição da HB não preenchem a primeira das condições referidas no artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, há que rejeitar o terceiro fundamento, sem que se mostre necessário examinar se a Comissão cometeu um erro manifesto no que respeita à apreciação das demais condições previstas nessa disposição. Basta, com efeito, que uma das quatro condições não exista para que a isenção deva ser recusada.

Quanto ao quarto fundamento, assente em erros de direito na aplicação do artigo 86.° do Tratado

Argumentos das partes

145.
    A HB não contesta, na sua petição, as constatações feitas na decisão controvertida sobre a existência de uma posição dominante, mas apenas as que se referem ao abuso dessa posição (v. considerando 263), e nomeadamente a alegação de que ela incita os retalhistas a conceder-lhe uma exclusividade ao fornecer-lhes arcas congeladoras e ao garantir a manutenção destes aparelhos sem despesas directas para os referidos retalhistas.

146.
    Na audiência e nas suas observações sobre o pedido de intervenção da Mars, a HB afirmou, no entanto, que não detinha uma posição dominante. Alega que, se, como foi decidido pelo Tribunal de Justiça, a posição dominante se define pela capacidade de conservar partes de mercado no tempo, «sem que os detentores de partes sensivelmente mais reduzidas tenham a possibilidade de satisfazer rapidamente a procura que pretende afastar-se da empresa que detém a [parte] mais considerável» (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão, 85/76, Colect., p. 217, n.° 41), então ela não dispõe manifestamente de uma tal posição. Realça que vários outros fornecedores, nomeadamente empresas multinacionais como a Nestlé e a Mars, têm capacidades largamente suficientes para fornecer os seus retalhistas-clientes, se estes vierem a querer abandoná-la.

147.
    A HB considera que é estranho qualificar de abusiva uma prática claramente utilizada, que a Comissão não tenta caracterizar como tendo por objecto restringir a concorrência e que concede, como é reconhecido, vantagens às partes no acordo.

148.
    A HB contesta o argumento da Comissão de que a cláusula de exclusividade viola a liberdade de os retalhistas escolherem, com base na qualidade dos produtos, os seus fornecedores. Além disso, esta afirmação está em contradição com o considerando 259 da decisão controvertida, que reconhece expressamente que a grande maioria dos retalhistas escolhem vender produtos HB, frequentemente de modo exclusivo. A HB acrescenta que grande número dos retalhistas em causa não armazenariam nenhuns gelados se não fosse posta à sua disposição uma arca congeladora. O fornecimento de gelados aos pequenos retalhistas e a colocação à disposição de uma arca congeladora melhoram a eficácia geral da HB e aumentam a concorrência. A HB considera que o ponto de vista seguido nas conclusões apresentadas pelo advogado-geral F. G. Jacobs para o acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 1998, Bronner (C-7/97, Colect., pp. I-7791, I-7794), em particular no que se refere aos n.os 57 e 65, é igualmente aplicável à cláusula de exclusividade. Assim, o facto de fornecer arcas congeladoras em condições exclusivas é uma faceta da concorrência no mercado de referência. A HB realça que as suas arcas congeladoras não são uma «facilidade essencial», dado que não existe qualquer constrangimento material que impeça os concorrentes da HB de instalarem arcas congeladoras nos estabelecimentos que pretendam armazenar outras marcas de gelados de impulso.

149.
    A HB sustenta ainda que a posição da Comissão relativa à compartimentação do mercado é inaceitável à luz do artigo 86.° do Tratado, uma vez que, em todos os casos em que uma exclusividade vertical foi considerada um abuso, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância aplicaram, expressa ou implicitamente, um limite ou um critério mínimo de compartimentação do mercado (acórdãos do Tribunal de Justiça Hoffmann-La Roche/Comissão, já referido; de 3 de Julho de 1991, AKZO/Comissão, C-62/86, Colect., p. I-3359, e Michelin/Comissão, já referido; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, T-65/89, Colect., p. II-389). A HB sustenta que, uma vez que a percentagem dos estabelecimentos potencialmente susceptíveis de ser inacessíveis em razão do fornecimento de arcas congeladoras não ultrapassa 6%, o limite do efeito sensível exigido para caracterizar um abuso consistente numa compartimentação do mercado através de uma cláusula de exclusividade não foi atingido.

150.
    A HB realça, na sua réplica, que as análises da Comissão relativas aos artigos 85.°, n.° 1, e 86.° do Tratado estão inextrincavelmente ligadas, de modo que a Comissão «reciclou» o seu processo relativo ao artigo 85.° do Tratado para dele fazer um processo relativo ao artigo 86.° do Tratado, apesar de esta prática ter sido criticada pelo Tribunal de Primeira Instância no seu acórdão de 10 de Março de 1992, SIV e o./Comissão, T-68/89, T-77/89 e T-78/89, Colect., p. II-1403, n.° 360 (a seguir «acórdão vidro plano»).

151.
    A Comissão, apoiada pelas intervenientes, recorda que o conceito de abuso é um conceito objectivo (acórdão Hoffmann-La Roche/Comissão, já referido). Assim, o «reforço da posição detida pela empresa pode ser abusivo e proibido pelo artigo 86.° do Tratado, quaisquer que sejam os meios ou processos utilizados para esse efeito» (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, Colect., p. 109, n.° 27). No que se refere ao argumento da HB assente em a cláusula de exclusividade não poder constituir um abuso por se tratar de uma prática corrente, a Comissão aduz que mesmo uma prática corrente na indústria pode ser um abuso de posição dominante. Acrescenta que a HB não pode utilmente invocar o facto de a situação resultar da livre escolha de retalhistas. Com efeito, a HB incitou-os a celebrar acordos contendo uma cláusula de exclusividade, o que constituiu o abuso.

152.
    A cláusula de exclusividade constitui um obstáculo à entrada no mercado e à expansão do mercado de referência e reforça a preponderância do poder do fornecedor instalado no mercado. Uma eventual concorrência por parte de fornecedores existentes ou potenciais é assim minimizada. Os retalhistas estão impedidos de exercerem a sua liberdade de escolha quanto aos produtos que desejam armazenar e quanto à optimização do espaço do estabelecimento. Além disso, a escolha dos consumidores é reduzida. A Comissão sustenta que a prática da HB que consiste em relacionar o custo da arca congeladora com uma cláusula de exclusividade, quando não há nenhuma relação objectiva entre eles, difere das condições de uma concorrência normal quanto a bens de consumo. Além disso, os estabelecimentos em questão representam 40% de todos os estabelecimentos do mercado e não 6% como sustenta a HB. Finalmente, declara que a HB não precisou nem o estatuto nem a fonte do seu «limite de tolerância» e não explicou como poderia um abuso de uma tal amplitude não relevar do artigo 86.° do Tratado.

153.
    A Comissão sublinha ainda que a análise que realizou à luz do artigo 85.° do Tratado é distinta da que fez à luz do artigo 86.° do Tratado, de modo que a HB não pode formar um argumento com base no acórdão vidro plano. Indica que, nesse acórdão, o Tribunal de Primeira Instância considerou que a Comissão tinha «reciclado» os factos constitutivos de uma infracção ao artigo 85.° do Tratado, daí tendo tirado a constatação, sem realizar qualquer estudo de mercado, que as partes detinham em conjunto uma importante parte de mercado, tendo depois deduzido deste simples facto que detinham uma posição dominante colectiva e tendo concluído que o seu comportamento ilícito constituía um abuso dessa posição.

Apreciação do Tribunal

154.
    É jurisprudência constante que quotas de mercado extremamente importantes constituem por si só, e salvo circunstâncias excepcionais, a prova da existência de uma posição dominante. A posse de uma quota de mercado extremamente importante coloca a empresa que a detém durante um certo período, em razão do volume de produção e de oferta que representa - sem que os detentores de quotas sensivelmente mais reduzidas tenham a possibilidade de satisfazer rapidamente a procura que pretende afastar-se da empresa que detém a quota mais importante -, numa situação de força, transformando-a num parceiro obrigatório e assegurando-lhe, só por isso e pelo menos durante períodos relativamente longos, a independência de comportamento característica da posição dominante (acórdão Hoffmann-La Roche/Comissão, já referido, n.° 41, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Novembro de 2001, AAMS/Comissão, T-139/98, Colect., p. II-3413, n.° 51). Além disso, uma posição dominante é uma posição de poder económico detida por uma empresa que lhe permite afastar a manutenção de uma concorrência efectiva no mercado de referência e lhe possibilita comportar-se, em medida apreciável, de modo independente em relação aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão, 27/76, Colect., p. 77, n.° 65, e acórdão AAMS/Comissão, já referido, n.° 51).

155.
    Há que começar por recordar que a decisão controvertida define o mercado de referência como o dos gelados de impulso, vendidos em embalagens individual, na Irlanda (considerandos 138 e 140 da decisão controvertida), e que a HB não contesta a justeza desta definição. A HB, embora não pondo em causa a afirmação da Comissão, feita nos considerandos 28 e 259 da decisão controvertida, de que a sua parte em volume e em valor do mercado de referência é superior a 75% e de que ela conservou essa parte intacta durante vários anos, considera que não detém uma posição dominante no mercado. No momento da adopção da decisão controvertida, a parte do mercado de referência detida pela HB montava a 89% (v. n.° 90 supra). A este respeito, há ainda que recordar que os outros fornecedores de gelados de impulso presentes nesse mercado, tais como a Mars e a Nestlé, apenas detêm partes muito limitadas (v. considerandos 32 e 34 da decisão controvertida), e isto apesar de elas serem actores importantes nos mercados vizinhos das guloseimas e dos chocolates e venderem esses produtos nos mesmos estabelecimentos que os que estão em causa no presente processo. Além disso, a Mars e a Nestlé dispõem de marcas notórias para os seus produtos, bem como de experiência e capacidade financeira para entrarem em novos mercados. Daqui resulta que a HB detém não apenas uma parte de mercado de referência extremamente importante mas que há além disso uma distância considerável entre a sua parte nesse mercado e a das concorrentes que se lhe seguem imediatamente.

156.
    Além disso, resulta nomeadamente dos autos que a HB dispõe da gama de produtos mais ampla e mais popular no mercado de referência, que ela é o único fornecedor de gelados de impulso em cerca de 40% dos estabelecimentos do mercado de referência, que faz parte do grupo multinacional Unilever, o qual produz e comercializa gelados desde há muito anos em todos os Estados-Membros e em muitos outros países, nos quais as empresas do grupo são muito frequentemente os fornecedores mais importantes dos seus respectivos mercados, e que a marca HB goza de uma notoriedade muito forte. O Tribunal considera, em consequência, que foi com razão que a Comissão concluiu que a HB é um contraente incontornável para numerosos retalhistas do mercado de referência e que ela dispõe de uma posição dominante nesse mercado.

157.
    Há, em seguida, que verificar a procedência da conclusão da Comissão, constante da decisão controvertida, relativa à exploração abusiva pela HB da sua posição dominante no mercado de referência. Segundo uma jurisprudência constante, a noção de exploração abusiva é uma noção objectiva que se refere ao comportamento de uma empresa em posição dominante susceptível de influenciar a estrutura de um mercado onde, exactamente por causa da presença da empresa em questão, o grau de concorrência já se encontra enfraquecido, disso resultando obstáculos à manutenção do grau de concorrência que ainda existe no mercado ou ao desenvolvimento dessa concorrência através de meios diferentes dos que regulam a normal competição dos produtos ou serviços baseados nas prestações dos operadores económicos (acórdão Hoffmann-La Roche/Comissão, já referido, n.° 91 e AKZO/Comissão, já referido, n.° 69). Daqui resulta que o artigo 86.° do Tratado proíbe uma empresa dominante de eliminar um concorrente e, assim, de reforçar a sua posição recorrendo a meios diferentes dos que se englobam numa concorrência pelo mérito. A proibição imposta por esta disposição justifica-se ainda pela intenção de não causar prejuízo aos consumidores (v., neste sentido, acórdão Europemballage e Continental Can/Comissão, já referido, n.° 26, e acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.os 526 e 527).

158.
    Em consequência, se a constatação da existência de uma posição dominante não implica, em si, qualquer censura à empresa em causa, a esta incumbe, independentemente das causas de uma tal posição, a especial responsabilidade de não violar, pelo seu comportamento, uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum (acórdão Michelin/Comissão, já referido, n.° 57).

159.
    O Tribunal constata, liminarmente, que é com razão que a HB sustenta que a colocação à disposição das arcas congeladoras sob condição de exclusividade constitui uma prática corrente no mercado de referência (v. n.° 85 supra). Em situação normal de mercado concorrencial, estes acordos são celebrados no interesse de ambas as partes e não podem, por princípio, ser proibidos. Todavia, estas considerações, aplicáveis em situação normal de mercado concorrencial, não podem ser admitidas sem reserva no caso de um mercado em que, precisamente pelo facto da posição dominante detida por um dos operadores, a concorrência é já restrita. Com efeito, actividades comerciais que contribuem para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos e que têm um efeito salutar sobre a concorrência num mercado em equilíbrio podem restringi-la quando são exercidas por uma empresa que dispõe de uma posição dominante no mercado pertinente. No que se refere à natureza da cláusula de exclusividade, o Tribunal considera que foi com razão que a Comissão considerou, na decisão controvertida, que a HB explorava de modo abusivo a sua posição dominante no mercado de referência, no sentido de que incitava os retalhistas que, para armazenarem os gelados de impulso, não dispunham da sua própria arca congeladora ou não dispunham de arca congeladora proveniente de um fornecedor de gelados diferente da HB a aceitar acordos de colocação à disposição de arcas congeladoras sujeitas a uma condição de exclusividade. Esta violação do artigo 86.° toma aqui a forma de oferta de fornecimento de arcas congeladoras aos retalhistas e de manutenção de tais aparelhos sem despesas directas para os retalhistas.

160.
    O facto de uma empresa que se encontra em posição dominante num mercado vincular de facto - ainda que a pedido deles - 40% dos estabelecimentos do mercado de referência por uma cláusula de exclusividade, que opera na realidade como uma exclusividade imposta a esses estabelecimentos, constitui uma exploração abusiva de uma posição dominante na acepção do artigo 86.° do Tratado. Com efeito, a cláusula de exclusividade tem por efeito impedir os retalhistas em causa de venderem outras marcas de gelados ou reduzir a sua possibilidade de efectuarem tais vendas, mesmo que exista uma procura para essas marcas, e impedir o acesso ao mercado de referência aos fabricantes concorrentes. Daqui resulta que o argumento da HB, mencionado no n.° 149 supra, de que a percentagem de estabelecimentos potencialmente susceptíveis de serem inacessíveis em razão do fornecimento de arcas congeladoras não ultrapassava 6%, é incorrecto e deve ser rejeitado.

161.
    Além disso, as referência feitas pela HB às conclusões apresentadas pelo advogado-geral F. G. Jacobs para o acórdão Bronner, já referidas, não são pertinentes no caso presente, uma vez que, como a Comissão sustenta com razão nos seus articulados, ela não afirmou, na decisão controvertida, que as arcas congeladoras HB eram uma «instalação essencial», o que constituiu a questão examinada nessas conclusões, e que, para aplicar essa decisão, não é necessário que a HB ceda um elemento do activo nem que celebre contratos com pessoas que não escolheu.

162.
    Além disso, no que se refere ao argumento da HB relativo à «reciclagem» do processo (v. n.° 150 supra), o Tribunal considera que deve ser rejeitado. Contrariamente ao que foi criticado no acórdão vidro plano, a Comissão não se limitou a uma «reciclagem» dos factos constitutivos de uma violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, com o fim de constatar que o comportamento em questão violava também o artigo 86.° do Tratado. No caso vertente, a Comissão efectuou uma análise ampla, na decisão controvertida, do mercado de referência e concluiu que a HB tinha uma posição dominante nesse mercado. A Comissão concluiu seguidamente com razão que, ao incitar os retalhistas a nela se abastecerem exclusivamente, nas condições referidas nos n.os 159 e 160 supra, a HB recorreu a meios diferentes dos que governam uma concorrência normal no sector dos bens de consumo.

163.
    Há, portanto, que desatender o quarto fundamento.

Quanto ao quinto fundamento, assente em erros de direito atinentes ao desrespeito do direito de propriedade e à violação do artigo 222.° do Tratado

Argumentos das partes

164.
    A HB alega que a aplicação das regras de concorrência na decisão controvertida constitui uma violação injustificada e desproporcionada do seu direito de propriedade, tal como reconhecido no artigo 222.° do Tratado. Reconhece que o direito de propriedade não é absoluto, mas sublinha que qualquer restrição a esse direito não pode constituir uma intervenção desmedida e intolerável nas prerrogativas do proprietário (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 1979, Hauer, 44/79, Recueil, p. 3727). A proibição da cláusula de exclusividade tem assim por finalidade permitir a utilização de arcas congeladoras pagas e mantidas pela HB para a armazenagem de gelados fornecidos por terceiros, o que afectaria seriamente o seu direito de propriedade sobre as arcas e, mais geralmente, os seus interesses económicos. A HB considera que, contrariamente ao que sustenta a Comissão no considerando 219 da decisão controvertida, o seu direito de propriedade não pode ser protegido de modo apropriado através da cobrança de um aluguer por cada arca congeladora. Realça que a gestão e a cobrança de um aluguer acarretariam despesas substanciais de funcionamento e que a locação não compensaria os disfuncionamentos económicos que seriam introduzidos no seu sistema de distribuição em consequência da armazenagem dos gelados de terceiros nas arcas congeladoras. Além disso, ela seria manifestamente prejudicada relativamente aos concorrentes, os quais poderiam continuar a disponibilizar arcas congeladoras a título gracioso.

165.
    A HB contesta ainda a alegação da Comissão (v. considerando 213 da decisão controvertida) de que, uma vez que instalou arcas congeladoras em estabelecimentos de retalho, qualquer restrição contratual que ela imponha sobre o seu uso pode estar sujeita às regras de concorrência. Sublinha que, no domínio da propriedade intelectual, se admite que os elementos que relevam da substância do direito de propriedade não incluem apenas o direito de conceder licenças (acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Março de 1988, Allen & Hanburys, 434/85, Colect., p. 1245, n.° 11), de recusar a concessão de uma licença a um terceiro (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1988, Volvo, 238/87, Colect., p. 6211, n.° 8), e de prevenir a violação do direito (acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Outubro de 1993, Collins, C-92/92 e C-326/92, Colect., p. I-5145), mas também disposições particulares de um contrato de licença [v. n.os 75, 79, 85, 86, 90 e 100 da Decisão 83/400/CEE da Comissão, de 11 de Julho de 1983, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/29.395 - Windsurfing International) (JO L 229, p. 1)]. Ora, a cláusula de exclusividade é qualitativamente comparável aos tipos de cláusulas utilizadas nas licenças de direitos em matéria de propriedade intelectual.

166.
    A HB realça que o valor económico da sua rede de arcas congeladoras reside no facto de ela dispor das instalações necessárias, nos estabelecimentos, para armazenar e vender os seus gelados, em especial nos estabelecimentos que, sem o fornecimento de uma arca, não poderiam vender gelados, por não poderem investir nas sua próprias arcas congeladoras. Deste modo, o direito de a HB controlar as arcas congeladoras e o facto de insistir na exclusividade que lhes está ligada decorrem da própria substância ou essência dos seus direitos (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1988, Alsatel, 247/86, Colect., p. 5987).

167.
    A Comissão, sustentada pelas intervenientes, alega que o direito de propriedade da HB não é violado. Aduz que a HB já cedeu uma parte dos seus direitos sobre as arcas congeladoras aos retalhistas, contra pagamento. Ela mantém-se portanto proprietária, mas conferiu alguns direitos aos retalhistas. Em consequência, o facto de a HB afirmar que o seu direito de propriedade foi «confiscado» releva da retórica. Incumbe aos retalhistas pagar o fornecimento da arca congeladora, cujo custo está incluído no dos gelados.

168.
    Além disso, a Comissão considera que, se os retalhistas fossem autorizados a utilizar as arcas congeladoras da HB para venderem outras marcas de gelados eles não seriam, por essa razão, «oportunistas», uma vez que a HB pode recuperar o custo do seu investimento de vários modos, nomeadamente pedindo o pagamento de um aluguer pela disponibilização de cada arca congeladora. Contesta a afirmação da HB de que seria difícil cobrar um tal aluguer, uma vez que esta já factura os fornecimentos de gelados aos retalhistas. A Comissão faz notar que a HB não provou que um sistema de locação independente introduziria disfuncionamentos económicos na sua rede de distribuição. Além disso, a Comissão considera que a HB não será penalizada, relativamente aos seus concorrentes, se estes continuarem a disponibilizar arcas congeladoras aos retalhistas a título gracioso, uma vez que, se o custo dos gelados e o custo da arca congeladora estiverem dissociados, o resultado deverá ser financeiramente neutro para os retalhistas que continuarem a adquirir gelados da HB e a armazená-los nas arcas congeladoras por esta fornecidas.

169.
    A Comissão realça que o paralelo estabelecido pela HB entre o seu direito de propriedade e o domínio da propriedade intelectual é erróneo, uma vez que os titulares de direitos em matéria de propriedade intelectual obtêm uma determinada protecção para lhes permitir recuperar o seu investimento nos produtos em questão. Segundo a Comissão, o interesse público que a concorrência representa deve ser ponderado com o interesse público representado pelo desenvolvimento de novos medicamentos ou de outros resultados úteis que aproveitem à colectividade no seu conjunto, bem como ao fabricante. O interesse público que os gelados revestem é diferente. De qualquer modo, mesmo que a situação da HB devesse ser regida pelas regras da propriedade intelectual, os processos por ela citados no n.° 165 supra demonstram que o titular de um direito de propriedade intelectual não goza de uma imunidade total, face às regras da concorrência, no que respeita ao modo como vende os seus produtos.

Apreciação do Tribunal

170.
    Segundo uma jurisprudência constante, o direito de propriedade faz parte dos princípios gerais do direito comunitário mas, no entanto, não constitui uma prerrogativa absoluta, uma vez que deve ser tomado em consideração tendo presente a sua função na sociedade. Consequentemente, podem ser introduzidas restrições à utilização do direito de propriedade, desde que tais restrições respondam efectivamente a objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade e não constituam, à luz do objectivo prosseguido, uma intervenção desproporcionada e intolerável que afecte a própria essência dos direitos desse modo garantidos (v. acórdãos do Tribunal de Justiça, Hauer, já referido, n.° 23; de 11 de Julho de 1989, Schräder, 265/87, Colect., p. 2237, n.° 15; e de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho, C-280/93, Colect., p. I-4973, n.° 78). O artigo 3.°, alínea g), do Tratado CE [que passou, após alteração, a artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE] determina que, para alcançar os fins da Comunidade, a acção desta implica «[u]m regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno». Daqui resulta que a aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado constitui um dos aspectos do interesse público comunitário (v., neste sentido as conclusões do advogado-geral G. Cosmas para o acórdão Masterfoods e HB, já referido, Colect., pp. I-11369, I-11371). Em consequência, podem ser feitas restrições, por aplicação destes artigos, ao uso do direito de propriedade, na condição de não serem desmesuradas e de não violarem a própria substância deste direito.

171.
    O direito de propriedade em causa no presente processo diz respeito ao parque de arcas congeladoras da HB e ao direito que esta detém de as explorar comercialmente. Ora, a decisão controvertida de modo algum afecta o título de propriedade da HB sobre os seus activos, apenas regulamentando, no interesse público, uma forma particular de exploração deles, do mesmo modo que, por exemplo, em numerosos Estados-Membros, o legislador intervém para proteger o locatário. A decisão controvertida não priva a HB do seu direito de propriedade sobre o seu parque de arcas congeladoras nem a impede de explorar esses activos, dando-as em locação em condições comerciais. A decisão apenas prevê que, se a HB decidir explorá-las fornecendo-as «a título gracioso» aos retalhistas, não poderá fazê-lo com base numa cláusula de exclusividade, enquanto dispuser de uma posição dominante no mercado de referência. Daqui resulta que foi com razão que, na decisão controvertida, a Comissão declarou que a cláusula de exclusividade constitui uma infracção ao disposto nos artigos 85.°, n.° 1, e 86.° do Tratado nos estabelecimentos que são unicamente dotados de arcas congeladoras fornecidas pela HB para a armazenagem de gelados de impulso e que não dispõem da sua própria arca congeladora nem de arca(s) congeladora(s) proveniente(s) de outro fabricante, e indeferiu, ao abrigo do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, o pedido de isenção apresentado pela HB em prol da cláusula de exclusividade. A decisão limitou-se, de seguida, a simplesmente intimar a HB a pôr imediatamente fim a estas infracções e a abster-se de tomar medidas com o mesmo objectivo ou o mesmo efeito. Deste modo, a decisão controvertida não comporta qualquer limitação indevida ao exercício do direito de propriedade da HB sobre as suas arcas congeladoras.

172.
    Além disso, face à apreciação feita no n.° 114 supra, há que rejeitar o argumento da HB exposto no n.° 164 supra e baseado nos inconvenientes relacionados com a imposição de um aluguer independente pelas arcas congeladoras. Quanto ao argumento da HB exposto no n.° 164 supra, segundo o qual ela seria prejudicada relativamente aos concorrentes que pudessem continuar a pôr as arcas congeladoras à disposição dos retalhistas a título gracioso, o Tribunal recorda que os acordos de distribuição da HB, diferentemente dos dos seus concorrentes, contribuem de modo significativo para a compartimentação do mercado de referência. Além disso, a HB dispõe de uma posição dominante nesse mercado, incumbindo-lhe, independentemente das causas de uma tal posição, a responsabilidade especial de não violar, pelo seu comportamento, uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum (acórdão Michelin/Comissão, já referido, n.os 57 e 158 supra).

173.
    Em consequência, o quinto fundamento deve também ser rejeitado.

Quanto ao sexto fundamento, assente na violação do artigo 190.° do Tratado

Argumentos das partes

174.
    A HB alega que a decisão controvertida viola o artigo 190.° do Tratado, pelo menos sob quatro aspectos. Em primeiro lugar, a definição do «encerramento» do mercado dada pela Comissão evoluiu entre a comunicação de acusações de 1993 e a de 1997. A HB acrescenta que a Comissão mudou de opinião a seu respeito durante este mesmo período. Em segundo lugar, o facto de a Comissão não ter aplicado o entendimento, seguido no acórdão Langnese-Iglo/Comissão, já referido, e relativo à aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, à cláusula de exclusividade, torna a decisão controvertida insuficientemente fundamentada. Em terceiro lugar, a HB considera que as conclusões que a Comissão extrai dos factos do caso vertente não são fundadas de um ponto de vista lógico e inquinam, assim, a decisão controvertida por insuficiência de fundamentação. Em quarto lugar, o facto de a Comissão não ter explicado a razão pela qual, em sua opinião, a exclusividade da arca congeladora HB não é indispensável para atingir as vantagens decorrentes dos acordos da HB relativos à disponibilização das arcas congeladoras, para efeitos do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, quando tinha reconhecido, tanto na sua comunicação de acusações de 1993 como na comunicação de 1995 (v. n.° 12 supra), que tal exclusividade podia justificar uma isenção, inquina a decisão controvertida por insuficiência de fundamentação.

175.
    A Comissão, apoiada pelas intervenientes, recorda, por um lado, que, de acordo com o artigo 190.° do Tratado, está obrigada a indicar as razões que a conduziram à decisão efectivamente adoptada e não aquelas que, numa fase anterior, teriam podido, ou não, levá-la a adoptar uma decisão diferente. Por outro lado, sustenta que não alterou de modo significativo a sua análise desde 1993. De qualquer modo, tinha o direito de adoptar uma posição diferente da sua posição inicial, na presença de factos novos. Assim, teve em conta os acórdãos Langnese-Iglo/Comissão, já referido, e Schöller/Comissão, já referido, proferidos após a comunicação de acusações de 1993.

Apreciação do Tribunal

176.
    Segundo uma jurisprudência constante, o alcance do dever de fundamentação depende da natureza do acto em causa e do contexto em que foi adoptado. A fundamentação deve evidenciar de forma clara e inequívoca o raciocínio seguido pela instituição, de forma a, por um lado, fornecer aos interessados uma indicação suficiente para saberem se o acto tem fundamento ou se está, eventualmente, afectado por um vício que permita contestar a sua validade e, por outro lado, permitir ao tribunal comunitário exercer o seu controlo da legalidade (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão, T-213/95 e T-18/96, Colect. p. II-1739, n.° 226, e de 17 de Fevereiro de 2000, Stork Amsterdam/Comissão, T-241/97, Colect., p. II-309, n.° 73). Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 190.° do Tratado deve ser apreciada à luz não somente do seu teor literal mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v., designadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Março de 1985, Países Baixos e Leeuwarder Papierwarenfabriek/Comissão, 296/82 e 318/82, Colect., p. 809, n.° 19; de 14 de Fevereiro de 1990, Delacre e o./Comissão, C-350/88, Colect., p. I-395, n.os 15 e 16; e de 29 de Fevereiro de 1996, Bélgica/Comissão, C-56/93, Colect., p. I-723, n.° 86).

177.
    Há que declarar a título liminar que pelos seus segundo e terceiro argumentos, evocados no n.° 174 supra, a HB não efectua a necessária distinção entre a exigência de fundamentação e a legalidade da decisão controvertida no que toca ao seu mérito. Com efeito, a coberto de uma alegada insuficiência de fundamentação, ela acusa a Comissão de um erro de direito e de um erro manifesto de apreciação dos factos. Não critica a ausência de fundamentação, mas antes a sua procedência. Daqui resulta que estes argumentos devem ser rejeitados no quadro do presente fundamento.

178.
    No que se refere aos primeiro e quarto argumentos da HB, o Tribunal considera que a Comissão esclareceu, nomeadamente nos considerandos 7 e 247 da decisão controvertida, que reviu a sua opinião favorável inicial, contida na sua comunicação de 15 de Agosto de 1995, em razão de as modificações propostas pela HB ao seu sistema de distribuição não terem ocasionado os resultados esperados em termos de livre acesso aos estabelecimentos. Deste modo, a Comissão fundamentou suficientemente, em termos de direito, a sua decisão de modificar a sua posição inicial. Além disso, resulta claramente do considerando 241 da decisão controvertida que a Comissão considerou que a HB não tinha demonstrado que as alegadas vantagens, ocasionadas por acordos de distribuição conducentes a uma melhoria da produção e da distribuição no interesse, nomeadamente, dos consumidores, não podiam ser obtidas de modo igualmente eficaz na ausência de cláusula de exclusividade a favor dos seus produtos e, assim, de relação entre o fornecimento das arcas congeladoras e a oferta de gelados, e resulta do considerando 247 que, nomeadamente por esta razão, os acordos em questão não podiam beneficiar de uma isenção a título do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado.

179.
    Daqui resulta que o fundamento assente na violação da obrigação de fundamentação imposta pelo artigo 190.° do Tratado não é procedente.

Quanto ao sétimo fundamento, assente na violação dos princípios fundamentais do direito comunitário

Argumentos das partes

180.
    A HB alega que a Comissão, não tendo respeitado os termos da sua comunicação de 1995 (v. n.° 12 supra), violou o princípio destinado à protecção da confiança legítima, na ausência de qualquer «interesse público peremptório». As circunstâncias que determinaram o «acordo» celebrado em 1995 entre a HB e a Comissão sobre as modificações do seu sistema de distribuição e a sua aplicação pela HB foram susceptíveis de legitimar as suas expectativas, segundo as quais a Comissão, por um lado, tomaria uma posição favorável sobre os seus acordos revistos relativos à exclusividade das arcas congeladoras e, por outro, não alteraria a sua posição nem reformularia o processo no que respeita aos factos e ao direito. A HB acrescenta que se o mundo dos negócios não puder confiar em que a Comissão se comportará como deve, o sistema das credenciais e das resoluções informais dos litígios ficará, por isso, desacreditado.

181.
    A HB considera que a Comissão violou ainda o princípio da subsidariedade e a sua obrigação de cooperação leal com os órgãos jurisdicionais nacionais. Recorda que estava pendente nos órgãos jurisdicionais irlandeses um processo idêntico e sustenta que nenhum interesse comunitário justificava a intervenção da Comissão, uma vez que o processo diz respeito ao abastecimento, por uma sociedade irlandesa, de consumidores irlandeses, através de retalhistas irlandeses, em produtos específicos do mercado irlandês.

182.
    A HB sustenta ainda que a Comissão violou o princípio da segurança jurídica ao adoptar a decisão controvertida, por estar pendente nos órgãos jurisdicionais irlandeses um recurso em cujo processo foi fixada uma data de audiência anterior à adopção da referida decisão. Além disso, a HB realça que a High Court adoptou uma decisão diametralmente oposta à da Comissão. Apesar de a Comissão ter o dever de tomar em conta os interesses dos denunciantes, a comunicação da Comissão sobre a cooperação entre a Comissão e os tribunais nacionais no que diz respeito à aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1993, C 39, p. 6) indica claramente que «normalmente não [há] um interesse comunitário suficiente em prosseguir a análise de um processo se o denunciante puder obter uma protecção adequada dos seus direitos junto dos tribunais nacionais. Nessas circunstâncias, a denúncia será normalmente arquivada».

183.
    Além disso, a decisão controvertida viola o princípio da proporcionalidade, na medida em que priva a HB do valor económico do seu parque de arcas congeladoras de um modo tal que provoca uma violação desproporcionada do seu direito de propriedade. A violação é igualmente desproporcionada por invalidar todos os acordos da HB relativos à disponibilização de arcas congeladoras na parte do mercado alegadamente encerrada, o que vai contra os acórdãos Delimitis, já referido, e Langnese-Iglo/Comissão, já referido, que admitiram não ser necessário que todos os obstáculos ao acesso ao mercado sejam suprimidos, a partir do momento em que existe uma real possibilidade de penetração do mercado e de expansão. Além disso, a decisão controvertida viola o princípio da proporcionalidade e é discriminatória na medida em que proíbe, não apenas para o passado mas também para o futuro, a exclusividade da arca congeladora HB nas relações com a categoria de retalhistas em causa. No acórdão Langnese-Iglo/Comissão, o Tribunal anulou a parte da decisão da Comissão que proibia a Langnese-Iglo de celebrar acordos de compra exclusiva até 31 de Dezembro de 1997, constatando que seria contrário ao princípio da igualdade de tratamento excluir certas empresas do benefício, no futuro, de um regulamento de isenção por categoria, enquanto outras empresas podiam continuar a celebrar acordos de compra exclusiva, tais como os proibidos pela decisão.

184.
    A HB alega ainda que a decisão controvertida é discriminatória, por implicar um ataque arbitrário à sua capacidade de fazer concorrência aos outros fornecedores na base adoptada por todas as outras sociedades activas no mercado de referência.

185.
    Finalmente, a HB alega que os argumentos que invocou em apoio dos fundamentos assentes na violação do artigo 190.° do Tratado podem também ser invocados em apoio do fundamento assente na violação das formalidades essenciais. Além disso, afirma que a Comissão, pela sua recusa de qualquer diálogo destinado a encontrar uma solução ao insucesso do «acordo de 1995», não cumpriu os deveres de boa administração, assim violando formalidades essenciais.

186.
    A Comissão, apoiada pelas intervenientes, considera que não pode entender-se ter havido violação da confiança legítima da HB pelo facto de esta não ter obtido uma isenção a título do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado. Com efeito, a HB não recebeu «garantias precisas» neste sentido e, de qualquer modo, tendo sido verificada uma violação do direito comunitário, a confiança legítima não pode ser invocada.

187.
    A Comissão considera que o conceito de subsidiariedade não incide sobre a questão de saber se o direito comunitário deve ser aplicado pelos órgãos jurisdicionais nacionais ou pela Comissão, uma vez que esta questão está decidida desde há muito. Segundo a Comissão, a tese da HB assenta na ideia errada de que ela não pode punir uma violação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado que lhe tenha sido revelada se tal violação (que, por definição, supõe um efeito sobre o comércio entre os Estados-Membros) só produzir efeitos no mercado de um Estado-Membro.

188.
    A Comissão alega também que não violou o princípio da segurança jurídica ao adoptar a decisão controvertida no momento em que estava pendente um processo nos órgãos jurisdicionais irlandeses. Considera que tinha o direito de tomar essa decisão por um certo número de razões. Em primeiro lugar, a HB notificou um acordo pedindo um certificado negativo ou uma isenção. Ora, só a Comissão tem o poder de tomar uma decisão de isenção por aplicação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado. Em segundo lugar, a Comissão realça que, no momento em que adoptou a decisão controvertida, estava pendente nos órgãos jurisdicionais e nas autoridades nacionais em matéria de concorrência um determinado número de acções. Considera que tinha o dever de ter em conta os interesses dos litigantes e, em consequência, só estava obrigada a tomar uma decisão rápida a partir do momento em que chegara à conclusão de que havia violação dos artigos 85.°, n.° 1, e 86.° do Tratado. Segundo a HB, a Comissão deveria ter aguardado o resultado do recurso interposto nos tribunais irlandeses antes de adoptar a decisão litigiosa. Em tal caso, o problema da segurança jurídica não teria sido resolvido. A adopção da decisão controvertida teria simplesmente sido diferida.

189.
    A Comissão sustenta igualmente que a decisão controvertida não violou o princípio da proporcionalidade. A decisão controvertida não aniquila o direito de propriedade da HB sobre as arcas congeladoras. Com efeito, a decisão dá um exemplo específico do modo pelo qual a HB pode recuperar o seu investimento em arcas congeladoras por meios lícitos. A HB não apresentou qualquer razão válida no que respeita à sua impossibilidade de gerir um sistema de facturação separada para os gelados e para as arcas congeladoras. A HB afirma que a decisão invalida todos os acordos em questão, quando ela própria interpreta os acórdãos nos processos Delimitis, já referido, e Langnese-Iglo/Comissão, já referido, no sentido de significarem que não é necessário que todos os obstáculos ao acesso ao mercado sejam suprimidos. A Comissão considera, no entanto, que o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Delimitis, já referido, que os acordos devem ser tomados como um todo e não devem ser divididos. Além disso, quanto ao argumento da HB de que a decisão controvertida proíbe a cláusula de exclusividade não apenas quanto ao passado mas também quanto ao futuro, a Comissão alega que esta decisão proíbe simplesmente a HB de celebrar novos acordos que tenham o mesmo efeito ou o mesmo objecto que os acordos existentes.

190.
    A Comissão contesta a afirmação da HB de que esta foi tratada de modo não equitativo e discriminatório. A Comissão teve em conta, na decisão controvertida (considerando 204), os efeitos produzidos pelas demais redes de acordos, mas considerou que nenhuma dessas outras redes contribuíra de modo importante para o encerramento do acesso ao mercado de referência. O princípio da igualdade de tratamento não impõe a proibição desses acordos quando eles não têm efeitos restritivos importantes.

191.
    A Comissão sustenta, finalmente, que não violou qualquer formalidade essencial.

Apreciação do Tribunal

192.
    No que se refere à acusação relativa à violação da confiança legítima, é de jurisprudência constante que o direito de reclamar a protecção da confiança legítima, que constitui um dos princípios fundamentais da Comunidade, se alarga a qualquer particular que se encontre numa situação da qual resulte que a administração comunitária, ao prestar-lhe garantias precisas, lhe fez nascer esperanças fundadas (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 1999, Vlaamse Televisie Maatschappij/Comissão, T-266/97, Colect., p. II-2329, n.° 71, e de 8 de Novembro de 2000, Dreyfus e o./Comissão, T-485/93, T-491/93, T-494/93 e T-61/98, Colect., p. II-3659, n.° 85).

193.
    Há que começar por realçar que a Comissão não forneceu à HB garantias precisas quanto ao destino dos compromissos notificados pela carta de 8 de Março de 1995 (v. n.° 12 supra). Além disso, não adoptou uma decisão de aplicação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, decisão que ela podia em qualquer caso revogar ou modificar por aplicação do artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17, se a situação de facto se modificasse relativamente a um seu elemento essencial.

194.
    A comunicação de 15 de Agosto de 1995 foi expressamente feita por aplicação do artigo 19.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17. Nessa comunicação a Comissão propôs-se, a título preliminar, adoptar uma atitude favorável aos acordos de distribuição da HB por esta revistos e convidou todos os terceiros interessados a apresentarem-lhe as suas observações num determinado prazo. Daqui resulta que a comunicação em questão apenas representava uma posição preliminar da Comissão que era susceptível de alteração, nomeadamente atendendo às observações dos terceiros. Assim, a HB não podia criar uma confiança legítima no facto de a Comissão lhe conceder o benefício de uma isenção, a título do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, por aplicação da comunicação em questão e apenas com base na publicação desta.

195.
    Quanto ao argumento da HB de que agiu contra os seus interesses de modo irreversível ao adoptar alterações ao seu sistema de distribuição com base na «proposta» da Comissão de tomar uma opção favorável aos seus acordos de distribuição, o Tribunal considera que, se a HB pudesse ter tido uma confiança legítima na comunicação em questão, ela seria limitada ao processo aberto pela Comissão através da sua comunicação de acusações de 1993 e às objecções suscitadas por esta, relativas aos acordos de distribuição da HB nessa data. No caso vertente, no entanto, a Comissão não actuou com base na sua comunicação de acusações de 1993, mas, tendo verificado que as alterações feitas pela HB ao seu sistema de distribuição não tinham tido os resultados esperados em termos de livre acesso aos estabelecimentos, abriu um novo processo e suscitou novas objecções contra esse sistema na sua comunicação de acusações de 1997. Dado que, mesmo que a Comissão tivesse concedido uma isenção à HB, ela teria tido o poder, ou mesmo a obrigação, nos termos do artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17, de revogar ou alterar o benefício desta isenção se viesse a constatar que os acordos isentos tinham no entanto determinados efeitos incompatíveis com as condições previstas no artigo 85.°, n.° 3, do Tratado e, nomeadamente, se a experiência viesse a mostrar que as modificações efectuadas pela HB ao seu sistema de distribuição não haviam provocado os resultados esperados, o Tribunal considera que a Comissão, ao adoptar a comunicação de acusações de 1997, não violou o princípio da confiança legítima no caso vertente.

196.
    Daqui resulta que esta acusação deve ser rejeitada.

197.
    Quanto às acusações da HB relativas à violação dos princípios de subsidiariedade, de cooperação leal e de segurança jurídica, embora os artigos 85.°, n.° 1, e 86.° do Tratado produzam efeitos directos nas relações entre particulares e criem directamente, na esfera jurídica dos administrados, direitos que os órgãos jurisdicionais nacionais devem salvaguardar, isso não tem por consequência privar a Comissão do seu direito de tomar posição num processo, mesmo que um processo idêntico ou similar esteja pendente num ou em vários órgãos jurisdicionais nacionais, na condição, nomeadamente, de o comércio entre Estados-Membros poder ser afectado, condição que não foi posta em causa no caso vertente.

198.
    Ao invocar o facto de o presente processo dizer respeito ao abastecimento, por uma sociedade irlandesa, dos consumidores irlandeses, através de retalhistas irlandeses, em produtos específicos do mercado irlandês, e o facto de, no momento da adopção da decisão controvertida, um processo paralelo ter sido decidido pela High Court ou estar pendente na Supreme Court, a HB não comprovou suficientemente, do ponto de vista jurídico, segundo o Tribunal, que a Comissão violou esses princípios ou a sua comunicação relativa à cooperação entre ela própria e os órgãos jurisdicionais nacionais para a aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CE. Resulta claramente da decisão controvertida e dos articulados da Comissão que a aplicação de uma condição de exclusividade às arcas congeladoras fornecidas aos retalhistas é uma prática contratual própria da maioria dos fabricantes de gelados da Comunidade. Além disso, as sociedades do grupo Unilever têm um papel importante no mercado dos gelados de impulso em vários Estados-Membros. Daqui resulta que as questões tratadas na decisão controvertida tinham uma importância comunitária mais vasta, em especial atendendo ao facto de diversos órgãos jurisdicionais e autoridades nacionais em matéria de concorrência terem sido chamados a decidir processos paralelos, que suscitavam questões similares às do presente processo (v., nomeadamente, considerandos 275 a 280 da decisão controvertida). Nestas circunstâncias, a adopção pela Comissão da decisão controvertida era apropriada para garantir que as regras comunitárias de concorrência fossem aplicadas de modo coerente com as diferentes formas de exclusividade praticadas pelos fabricantes de gelados no território da Comunidade.

199.
    Além disso, como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Masterfoods e HB, já referido, a Comissão dispõe de competência exclusiva para tomar decisões de aplicação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, por força do artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17. A Comissão tem igualmente o direito de tomar, em qualquer momento, decisões individuais para aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado, não obstante o facto de partilhar a sua competência para a aplicação dos artigos 85.°, n.° 1, e 86.° do Tratado com os órgãos jurisdicionais nacionais, mesmo quando um acordo ou uma prática tenham já sido objecto de uma decisão de um órgão jurisdicional nacional e a decisão prevista pela Comissão esteja em contradição com a referida decisão jurisdicional (v., neste sentido, acórdão Masterfoods e HB, já referido, n.os 47 e 48 e acórdão Delimitis, já referido, n.os 44 e 45). Dado que a HB submetera à Comissão um pedido de isenção, no decurso das negociações, e que a esta tinham sido formuladas denúncias, os argumentos da HB relativos à subsidiariedade não são fundados.

200.
    As presentes acusações devem, em consequência, ser rejeitadas.

201.
    No que respeita às acusações da HB de que a decisão controvertida viola o princípio da proporcionalidade e se revela discriminatória, o Tribunal considera que não são fundadas. Há que recordar que o princípio da proporcionalidade exige que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do que é apropriado e necessário para atingir o fim desejado (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 1984, Denkavit Nederland, 15/83, Recueil, p. 2171, n.° 25). Além disso, há que declarar que a discriminação consiste em tratar de modo diferente situações idênticas ou de modo idêntico situações diferentes.

202.
    Em primeiro lugar, face à apreciação feita nos n.os 170 a 173 supra, há que declarar que a decisão litigiosa, não comporta uma limitação indevida ou desproporcionada do direito de propriedade da HB sobre as suas arcas congeladoras. Além disso, não constitui uma violação arbitrária ou discriminatória da capacidade de a HB fazer concorrência aos demais fornecedores na base adoptada por todas as outras sociedades que têm actividades no mercado de referência, face nomeadamente à posição preponderante de que dispõe nesse mercado e à sua contribuição importante para a compartimentação dele, diferentemente do que sucede com os outros fornecedores (v. n.° 172 supra).

203.
    Em segundo lugar, a circunstância de a decisão controvertida invalidar a cláusula de exclusividade constante dos acordos de fornecimento de arcas congeladoras celebrados na Irlanda entre a HB e os retalhistas, aplicáveis às arcas congeladoras instaladas nos estabelecimentos que são unicamente dotados de aparelhos fornecidos pela HB para a armazenagem de gelados de impulso embalados individualmente e que não dispõem quer da sua própria arca congeladora quer de uma arca congeladora proveniente de outro fabricante de gelados, não implica que tal decisão seja desproporcionada.

204.
    Com efeito, uma rede de acordos de distribuição criada por um único fornecedor pode escapar à proibição das regras de concorrência na condição de não contribuir de modo significativo, com o conjunto dos contratos similares que existem no mercado de referência, incluindo os dos outros fornecedores, para fechar o acesso ao mercado de novos concorrentes nacionais e estrangeiros (v., por analogia, os acórdãos Langnese-Iglo/Comissão, já referido, n.° 129 e Delimitis, já referido, n.os 23 e 24). Isto implica que, na presença de uma rede de acordos similares celebrados por um único fabricante, a apreciação relativa aos efeitos dessa rede sobre a concorrência se aplica a todos os contratos individuais que constituem a rede. O Tribunal considera, portanto, que foi com razão que a Comissão apreciou, no seu conjunto, o feixe de acordos de distribuição da HB e, em consequência, não procedeu a um fraccionamento desses acordos como esta pretendia. Com efeito, resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 2000, Neste Markkinointi (C-214/99, Colect., p. I-11121, nomeadamente n.os 36 e 37) que só a título excepcional e em condições especiais, que não estão presentes no caso vertente, pode a rede de um mesmo fornecedor ser fraccionada.

205.
    Em terceiro lugar, resulta do artigo 4.° da decisão controvertida que a Comissão intimou a HB a pôr imediatamente fim às infracções aos artigos 85.°, n.° 1, e 86.° do Tratado que a sua rede de acordos de distribuição comportava e a abster-se de tomar medidas com o mesmo objecto ou o mesmo efeito. O Tribunal considera que esta disposição não é desproporcionada ou discriminatória, uma vez que apenas proíbe a HB de retomar a cláusula de exclusividade em circunstâncias idênticas às referidas nos artigos 1.° e 3.° da decisão controvertida, assim garantindo o efeito útil desta, uma vez que impede que a prática restritiva da concorrência que foi censurada possa prosseguir no futuro (v., por analogia, as conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer para o acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 1998, Langnese-Iglo/Comissão, C-279/95 P, Colect., p. I-5609, n.° 39).

206.
    Daqui resulta que esta acusação deve ser afastada.

207.
    No que se refere à acusação da HB relativa à violação das formalidades essenciais e à insuficiência de fundamentação, uma vez que ela se limita a consistir no reenvio, pela HB, aos seus argumentos no quadro do quinto fundamento, assente na violação do artigo 190.° do Tratado, o Tribunal considera que ela não pode ser aceite, à luz da apreciação feita nos n.os 176 a 179 supra. Quanto ao argumento da HB relativo à necessidade de prolongar as negociações a fim de encontrar uma solução para o fracasso do «acordo de 1995», o Tribunal considera ainda que a Comissão não violou formalidades essenciais. Com efeito, tendo a Comissão constatado que as alterações feitas pela HB ao seu sistema de distribuição não tinham tido os resultados esperados em termos de livre acesso aos estabelecimentos, ela não tinha a obrigação de prosseguir indefinidamente as negociações, em especial por o processo se arrastar desde há muito. A Comissão tinha, pois, o direito de abrir um novo processo e de suscitar novas objecções contra o sistema na sua comunicação de acusações de 1997, deixando à HB a possibilidade de lhe responder.

208.
    Esta acusação deve, portanto, ser rejeitada.

209.
    Em consequência, o sétimo fundamento é improcedente.

210.
    Daqui resulta que o recurso deve ser julgado improcedente no seu conjunto.

Quanto às despesas

211.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a HB sido vencida e tendo a Comissão requerido nesse sentido, há que condenar a HB a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas efectuadas pela Comissão, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

212.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, terceiro parágrafo, o Tribunal pode determinar que um interveniente, que não seja qualquer um dos mencionados no parágrafo precedente, suporte as respectivas despesas. No caso vertente, a Mars e a Richmond, intervenientes em apoio da Comissão, suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1.
    É negado provimento ao recurso.

2.
    A Van den Bergh Foods Ltd suportará as suas próprias despesas, bem como as efectuadas pela Comissão, incluindo as despesas relativas ao processo de medidas provisórias.

3.
    A Masterfoods Ltd e a Richmond Frozen Confectionery Ltd suportarão as suas próprias despesas.

R. García-Valdecasas
P. Lindh
J. D. Cooke

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 23 de Outubro de 2003.

O secretário

O presidente

H. Jung

R. García-Valdecasas


1: Língua do processo: inglês.


2: -    Dados confidenciais ocultados.