Language of document : ECLI:EU:C:2002:589

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

17 de Outubro de 2002 (1)

«Directiva 69/335/CEE - Impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais - Imposto sobre as entradas de capital - Entrada de bens de qualquer natureza - Conceito - Contribuições financeiras efectuadas pela sociedade-mãe de uma sociedade que adquiriu direitos obrigacionais de participação emitidos por uma sociedade de capitais»

No processo C-71/00,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Verwaltungsgerichtshof (Áustria), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Develop Baudurchführungs- und Stadtentwicklungs GmbH

e

Finanzlandesdirektion für Wien, Niederösterreich und Burgenland,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 4.°, n.° 1, alínea d), da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais (JO L 249, p. 25; EE 09 F1 p. 22), com as alterações nela introduzidas pelo Acto relativo às condições de adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se fundamenta a União Europeia (JO 1994, C 241, p. 21, e JO 1995, L 1, p. 1),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: J.-P. Puissochet, presidente de secção, R. Schintgen (relator), C. Gulmann, F. Macken e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogado-geral: A. Tizzano,


secretário: R. Grass,

vistas as observações escritas apresentadas:

-    em representação da Develop Baudurchführungs- und Stadtentwicklungs GmbH, por P. Kisler e K. Pistotnik, Rechtsanwälte,

-    em representação do Governo austríaco, por H. Dossi, na qualidade de agente,

-     em representação do Governo neerlandês, por A. Fierstra, na qualidade de agente,

-     em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por E. Traversa e K. Gross, na qualidade de agentes,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 7 de Fevereiro de 2002,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por despacho de 17 de Fevereiro de 2000, entrado no Tribunal de Justiça a 2 de Março seguinte, o Verwaltungsgerichtshof submeteu, nos termos do artigo 234.° CE, uma questão prejudicial relativa à interpretação do artigo 4.°, n.° 1, alínea d), da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais (JO L 249, p. 25; EE 09 F1 p. 22), com as alterações nela introduzidas pelo Acto relativo às condições de adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se fundamenta a União Europeia (JO 1994, C 241, p. 21, e JO 1995, L 1, p. 1, a seguir «Directiva 69/335»).

2.
    Esta questão foi suscitada no âmbito de um litígio que opõe a Develop Baudurchführungs- und Stadtentwicklungs GmbH (a seguir «Develop») à Finanzlandesdirektion für Wien, Niederösterreich und Burgenland (Administração das Finanças de Viena, da Baixa Áustria e do Burgenland, a seguir «Finanzlandesdirektion»), acerca da cobrança do imposto sobre as entradas de capital em relação a contribuições financeiras pagas à Develop, aquando da emissão de direitos obrigacionais de participação.

Quadro jurídico

A regulamentação comunitária

3.
    Como resulta do seu primeiro considerando, a Directiva 69/335 destina-se a promover a livre circulação de capitais, considerada uma condição essencial para a criação de uma união económica com características análogas às de um mercado interno.

4.
    Nos termos do sexto considerando da Directiva 69/335, a prossecução deste objectivo pressupõe, no que respeita à tributação que incide sobre as reuniões de capitais, a supressão dos impostos indirectos até então em vigor nos Estados-Membros e a aplicação, em seu lugar, de um imposto cobrado uma única vez no mercado comum e de nível idêntico em todos os Estados-Membros.

5.
    Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 69/335:

«Estão sujeitas ao imposto sobre as entradas de capital as seguintes operações:

[...]

c)    O aumento do capital social de uma sociedade de capitais mediante a entrada de bens de qualquer espécie;

d)    O aumento do activo de uma sociedade de capitais mediante a entrada de bens de qualquer espécie, remunerada não por partes representativas do capital social ou do activo, mas por direitos da mesma natureza que os dos sócios, tais como direito de voto, participação nos lucros ou no saldo de liquidação;

[...]»

6.
    O artigo 5.° da Directiva 69/335 está assim redigido:

«1.    O imposto será liquidado:

a)    No caso de constituição de uma sociedade de capitais, de aumento do seu capital social ou do aumento do seu activo, operações referidas no n.° 1, alíneas a), c) e d), do artigo 4.°: sobre o valor real dos bens de qualquer natureza entregues ou a entregar pelos sócios, após dedução das obrigações assumidas e dos encargos suportados pela sociedade em consequência de cada entrada; os Estados-Membros podem cobrar o imposto sobre as entradas de capital à medida que as liberações sejam efectuadas;

[...]

d)    No caso de aumento do activo referido no n.° 2, alínea b) do artigo 4.°: sobre o valor real das prestações efectuadas, após dedução das obrigações assumidas e dos encargos suportados pela sociedade em consequência das referidas prestações;

[...]»

A legislação nacional

7.
    Segundo o § 2, n.° 1, ponto 1, da Kapitalverkehrsteuergesetz (lei relativa ao imposto sobre os movimentos de capitais), de 16 de Outubro de 1934 (DRGBl. 1934/1058, na sua versão alterada e publicada no BGBl. 1995/21, a seguir «KVG»), o imposto sobre as entradas de capital «incide sobre a aquisição, pelo primeiro adquirente, de direitos sociais numa sociedade de capitais de direito interno».

8.
    Nos termos do § 5, ponto 1, da KVG, considera-se que os direitos obrigacionais de participação constituem direitos sociais. Em conformidade com o ponto 2 desta mesma disposição, os titulares de direitos obrigacionais de participação são equiparados a sócios da sociedade de capitais que emite esses direitos.

9.
    Nos termos do § 7, n.° 1, alínea a), da KVG, a matéria colectável tomada em consideração aquando da aquisição de direitos sociais e, portanto, também aquando da aquisição de direitos obrigacionais de participação é constituída pelo valor da contrapartida paga, incluindo esta igualmente os custos relativos à constituição da sociedade ou ao aumento do seu capital social assumidos pelos sócios, com excepção do imposto sobre as entradas de capital devido pela aquisição dos direitos sociais.

O litígio no processo principal e a questão prejudicial

10.
    A Develop é uma sociedade de responsabilidade limitada cujos associados são a Kontrakto Bauerrichtungs- und Verwertungsgesellschaft mbH e a Raiffeisenlandesbank Niederösterreich - Wien reg. Genossenschaft mbH.

11.
    Em Dezembro de 1995, a RLB Beteiligungs- und Treuhandverwaltungs GmbH (a seguir «RLB-BT») adquiriu direitos obrigacionais de participação emitidos pela Develop no montante nominal total de 1 615 000 ATS.

12.
    Como resulta do despacho de reenvio, estes direitos obrigacionais de participação representam um direito de participação nos lucros correntes da Develop, no activo social desta, no valor desta sociedade, que compreende todas as suas reservas ocultas e o seu valor comercial, bem como no direito a participar no saldo de liquidação da referida sociedade.

13.
    Resulta igualmente do despacho de reenvio que estes direitos obrigacionais de participação conferem, além disso, ao seu titular, o direito ao reembolso do montante nominal acrescido dos pagamentos suplementares eventualmente efectuados. Em caso de dissolução por rescisão da relação jurídica relativa aos direitos obrigacionais de participação, os titulares destes tinham direito a um montante representando a sua quota-parte do valor da Develop no momento da sua dissolução e deviam, no mínimo, receber o montante nominal dos seus direitos obrigacionais de participação acrescido dos pagamentos suplementares eventualmente feitos. Em caso de liquidação da referida sociedade, os titulares dos direitos obrigacionais de participação deviam participar no saldo de liquidação até ao montante do valor dos seus direitos. A aquisição destes direitos obrigacionais de participação não devia, de resto, criar qualquer relação jurídica de carácter social, qualquer que fosse a sua natureza, entre a sociedade emitente dos direitos e os seus adquirentes. Além disso, estes não dispunham de certos direitos dos sócios, tais como o direito de voto ou o direito de participar nas assembleias gerais.

14.
    Em 16 de Fevereiro de 1996, a declaração relativa à emissão de direitos obrigacionais de participação foi depositada no Finanzamt für Gebühren und Verkehrsteuern (Administração Fiscal dos Impostos e Direitos de Registo). Resultava desta declaração que, além do montante de 1 615 000 ATS pago pela RLB-BT, a Develop tinha recebido uma contribuição financeira suplementar que se elevava a 321 385 000 ATS, por parte da RLB Immobilienprojektentwicklungs- und Beteiligungs GmbH. A Develop, que admitiu que esta contribuição suplementar tinha sido efectuada no âmbito da emissão dos direitos obrigacionais de participação, alegou, no entanto, que a referida contribuição não estava sujeita ao imposto sobre as entradas de capital devido ao facto de não provir do adquirente dos direitos, mas da sociedade-mãe deste.

15.
    Por decisão de 29 de Maio de 1996, o Finanzamt für Gebühren und Verkehrsteuern fixou o imposto sobre as entradas de capital devido pela Develop, tomando como matéria colectável o montante de 323 000 000 ATS.

16.
    A Develop recorreu desta decisão para a Finanzlandesdirektion, alegando que uma contribuição suplementar, tal como a «contribuição da avó» («Großmutterzuschuss»), efectuada pela RLB Immobilienprojektentwicklungs- und Beteiligungs GmbH, paga por um não sócio, não está sujeita ao imposto sobre as entradas de capital. Todavia, no referido recurso, a Develop não contestou a cobrança do imposto sobre as entradas de capital em relação ao montante de 1 615 000 ATS.

17.
    Por decisão de 18 de Julho de 1997, a Finanzlandesdirektion negou provimento a este recurso, por a origem das entradas recebidas no âmbito da emissão de direitos obrigacionais de participação não ter importância, pois as somas pagas até ao montante nominal dos direitos obrigacionais de participação e a contribuição suplementar formam um todo. Com efeito, estas duas somas devem ser consideradas um conjunto, na medida em que determinam tanto o montante do direito ao reembolso como o montante do direito aos benefícios que o titular dos direitos pode obter.

18.
    A Develop impugnou a referida decisão no Verwaltungsgerichtshof. Em apoio do seu recurso, alegou nomeadamente que, nos termos do artigo 4.° da Directiva 69/335, contribuições financeiras suplementares que não emanam de um sócio da sociedade de capitais que delas beneficia não podem estar sujeitas ao imposto sobre as entradas de capital.

19.
    Nestas condições, o Verwaltungsgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial seguinte:

«As prestações que o adquirente de direitos de fruição numa sociedade de capitais efectua, não por si próprio, mas através da sociedade-mãe, representam uma ‘entrada de bens de qualquer espécie’, na acepção do artigo 4.°, n.° 1, alínea d), da Directiva 69/335 [...]?»

Quanto à questão prejudicial

20.
    Na sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se o artigo 4.°, n.° 1, alínea d), da Directiva 69/335 deve ser interpretado no sentido de que estão sujeitas ao imposto sobre as entradas de capital as contribuições financeiras que uma sociedade-mãe efectua em benefício de uma sociedade de capitais que procede a um aumento do seu activo através da emissão de direitos obrigacionais de participação, para permitir a aquisição destes por uma filial da referida sociedade-mãe.

21.
    A este respeito, há, em primeiro lugar, que salientar que, tal como resulta do n.° 28 do acórdão hoje proferido, Solida e Tech (C-138/00, ainda não publicado na Colectânea), a emissão, por uma sociedade de capitais, de direitos obrigacionais de participação, como os que estão em causa no processo principal, entra, em princípio, no âmbito do artigo 4.°, n.° 1, alínea d), da Directiva 69/335.

22.
    Seguidamente, há que salientar igualmente que o Tribunal de Justiça decidiu que o facto de o adquirente desses direitos obrigacionais de participação não ser um sócio da sociedade que os emite não é susceptível de manter esta operação fora do âmbito da Directiva 69/335 (v., neste sentido, acórdão Solida e Tech, já referido, n.os 32 e 33).

23.
    Segue-se que todas as entradas de capital efectuadas pelo adquirente de direitos obrigacionais de participação para financiar esta aquisição estão sujeitas ao imposto sobre as entradas de capital, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, alínea d), da Directiva 69/335.

24.
    Ora, devem ser consideradas entradas que se destinam a financiar a aquisição de direitos obrigacionais de participação as contribuições financeiras suplementares que excedem o valor nominal desses direitos que o adquirente destes paga à sociedade emitente, desde que esse pagamento constitua uma condição indispensável à realização dessa aquisição (v., por analogia, acórdão hoje proferido, ESTAG, C-339/99, ainda não publicado na Colectânea, n.os 30 a 33).

25.
    Finalmente, convém ainda recordar que resulta dos n.os 37 e 38 do acórdão ESTAG, já referido, que, quando se trate de determinar se uma operação entra no âmbito do artigo 4.° da Directiva 69/335, é conveniente adoptar uma abordagem económica e não uma abordagem formal, baseada unicamente na origem das entradas de capital, procurando saber qual é a pessoa à qual o pagamento das entradas de capital deve ser realmente atribuído.

26.
    Por conseguinte, para determinar se contribuições financeiras suplementares efectuadas pela sociedade-mãe do adquirente de direitos obrigacionais de participação são abrangidas pelo artigo 4.°, n.° 1, alínea d), da Directiva 69/335, há que verificar em que medida o pagamento das referidas contribuições deve ser atribuído a este adquirente.

27.
    A este respeito, há que salientar que o facto de a obrigação de efectuar essas contribuições incumbir a essa filial e a circunstância de este pagamento ter um carácter liberatório em relação a esta constituem indícios susceptíveis de provar que o pagamento das referidas contribuições pela sociedade-mãe de uma filial deve ser atribuído a esta última (v., neste sentido, acórdão ESTAG, já referido, n.° 39).

28.
    Compete, todavia, ao órgão jurisdicional nacional determinar, à luz das circunstâncias do litígio que tem de decidir, se o pagamento de uma contribuição financeira suplementar pelo adquirente dos direitos obrigacionais de participação é efectuado para financiar esta aquisição - ou se existe um nexo necessário com esta - e, no caso de o pagamento ser efectuado pela sociedade-mãe do adquirente dos referidos direitos, se deve ser atribuído a este último.

29.
    Face às considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 4.°, n.° 1, alínea d), da Directiva 69/335 deve ser interpretado no sentido de que estão sujeitas ao imposto sobre as entradas de capital as contribuições financeiras que uma sociedade-mãe efectua em benefício de uma sociedade de capitais que procede a um aumento do seu activo através da emissão de direitos obrigacionais de participação para permitir a aquisição destes por uma filial da referida sociedade-mãe.

Quanto às despesas

30.
    As despesas efectuadas pelos Governos austríaco e neerlandês e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Verwaltungsgerichtshof, por despacho de 17 de Fevereiro de 2000, declara:

O artigo 4.°, n.° 1, alínea d), da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, com as alterações nela introduzidas pelo Acto relativo às condições de adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se fundamenta a União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que estão sujeitas ao imposto sobre as entradas de capital as contribuições financeiras que uma sociedade-mãe efectua em benefício de uma sociedade de capitais que procede a um aumento do seu activo através da emissão de direitos obrigacionais de participação para permitir a aquisição destes por uma filial da referida sociedade-mãe.

Puissochet
Schintgen
Gulmann

Macken

Cunha Rodrigues

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Outubro de 2002.

O secretário

O presidente da Sexta Secção

R. Grass

J.-P. Puissochet


1: Língua do processo: alemão.