ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção
Alargada)
18 de Dezembro de 1997(1)
[234s«Auxílios de Estado Redução de encargos sociais Arquivamento da
denúncia Interesse em agir Inadmissibilidade»[s
No processo T-178/94,
Asociación Telefónica de Mutualistas (ATM), associação de direito espanhol, com
sede em Madrid, representada pelos advogados Juan Eugenio Blanco Rodríguez,
Bernardo Vicente Hernández Bataller, do foro de Madrid, e Lydie Lorang, do foro
do Luxemburgo, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do
advogado André Sérébriacoff, 11, rue Goethe,
recorrente,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada, na fase escrita, inicialmente
por Francisco Enrique González Diaz e Michel Nolin, e posteriormente por
Francisco Santaolalla e Michel Nolin, e na audiência por Fernando Castillo de la
Torre, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio
escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do
Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,
recorrida,
que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão, comunicada
à Asociación Telefónica de Mutualistas pelo ofício D/30508 da Comissão, de 15 de
Fevereiro de 1994, de arquivar a denúncia apresentada pela referida associação
quanto aos auxílios de Estado de que teria beneficiado a sociedade anónima
Compañia Telefónica de España,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção Alargada),
composto por: A. Saggio, presidente, A. Kalogeropoulos, V. Tiili, R. M. Moura
Ramos e J. Pirrung, juízes,
secretário: B. Pastor, administradora principal,
vistos os autos e após a audiência de 30 de Setembro de 1997,
profere o presente
Acórdão
Factos na origem da denúncia
- A associação recorrente, denominada Asociación Telefónica de Mutualistas (ATM),
foi criada em 1987 para assegurar a defesa dos direitos dos filiados na Institución
Telefónica de Previsión (a seguir «ITP»), mutualidade de previdência social criada
pela Compañia Telefónica de España, SA (a seguir «TESA») para os seus
trabalhadores e reformados.
- A TESA é uma sociedade comercial anónima com participação do Estado. Obteve
do Estado espanhol a concessão do serviço público telefónico de base. Em 1992,
a participação do Estado atingiu 32% do capital da sociedade, estando o capital
restante repartido por 300 000 outros accionistas, cada um dos quais detém menos
de 0,5% das participações sociais. A recorrente explicou na audiência que o Estado
detém actualmente 21% do capital social. Além disso, o Estado nomeia a maioria
dos membros dos órgãos administrativos da TESA.
- A ITP foi criada pela TESA em 1944, com base numa lei de 6 de Dezembro de
1941, relativa aos montepios e às mutualidades de previdência social, e no seu
regulamento de aplicação, aprovado por decreto de 26 de Maio de 1943. Nos
termos do referido regulamento, esses montepios e mutualidades eram regidos
pelas suas disposições estatutárias e regulamentares, na condição de estas serem
conformes com o previsto na lei e no regulamento de aplicação. Além disso, aquela
regulamentação previa que as prestações pagas por esses organismos se
consideravam compatíveis com os benefícios que os seus membros podiam obter
do regime obrigatório de Segurança Social instituído pelo Estado, a menos que
disposições legislativas de teor contrário ou disposições expressas do Ministério do
Trabalho declarassem que tais prestações substituíam as da Segurança Social
obrigatória.
- Desde 1966, no que respeita à Segurança Social em matéria de velhice, de
incapacidade permanente, de morte e sobrevivência resultantes de uma doença
corrente, a ITP tem a natureza de organismo de substituição em relação à
Segurança Social geral. Além disso, as prestações concedidas pela ITP teriam sido
superiores às prestações do regime público.
- As prestações pagas pelas mutualidades, assim como as contribuições que lhes
eram pagas, estavam fixadas no seu próprio regulamento. A contribuição da TESA
para a ITP foi inicialmente fixada no regulamento da ITP em 7%, e mais tarde
sucessivamente aumentada para 8 e 9% dos salários pagos aos trabalhadores.
- Resulta também dos autos que os organismos e empresas que, tendo uma
mutualidade que em certa medida substitui o regime geral de Segurança Social,
estão excluídos da cobertura de certos riscos pelo regime geral, beneficiam da
aplicação de um coeficiente de redução sobre a taxa geral da contribuição. Os
coeficientes eram determinados anualmente por despacho do ministro encarregado
da Segurança Social. Não foi contestado que a redução podia chegar a 14% dos
salários.
- O objectivo da lei geral de Segurança Social de 1966 foi coordenar e unificar a
Segurança Social geral. Essa lei prevê, em princípio, que são integrados no regime
geral da Segurança Social os grupos incluídos no âmbito de aplicação do regime
de Segurança Social, mas ainda não abrangidos por esse regime.
- Um decreto real de 20 de Novembro de 1985 dispõe que as instituições de que
dependem os grupos a integrar serão obrigadas a transferir para a Segurança Social
a compensação financeira correspondente aos encargos e obrigações que serão
assumidos por esta e que, na hipótese de os recursos disponíveis para assegurar o
pagamento das obrigações relativamente às quais aquelas instituições substituem
a Segurança Social não serem suficientes para cobrir os custos da integração, a
diferença seria paga pelos organismos ou empresas obrigados a cobrir
financeiramente o pagamento das prestações que as instituições em questão
concediam.
- Entretanto, em 1977, o Ministério do Trabalho aprovou o regulamento modificado
da ITP. O n.° 4 das disposições transitórias passou a conter a indicação de que a
TESA «garante com o seu aval o pagamento das prestações que a ITP deva
assegurar durante um período de dez anos e, para concretizar essa
responsabilidade, o montante máximo garantido será fixado anualmente e o aval
será renovado anualmente, de modo que a sua duração abranja o período de dez
anos a partir de cada renovação». Segundo a recorrente, a constituição do aval foi
mesmo exigida pela administração pública para que o regulamento fosse aprovado.
- Segundo a acta da reunião de 24 de Julho de 1979 do comité de direcção da ITP,
este verificou que, no âmbito da compra pela ITP de um lote de acções da TESA,
esta garantira assumir determinados compromissos para com a ITP. Esses
compromissos consistiam, designadamente, «no aumento do aval referido para
cobrir as reservas técnicas evidenciadas nos estudos actuariais» e na obrigação de
manter esse aval, actualizado anualmente, como se indica na disposição transitória
citada no número anterior.
- A recorrente alegou, sem neste aspecto ser desmentida pela Comissão, que a
TESA só fixou o montante do aval no seu orçamento para o exercício de 1977,
tendo-o quantificado em 8 mil milhões de PTA.
- A recorrente alega ainda que o conselho de administração da TESA, na sua
reunião de 28 de Janeiro de 1987, considerou que expirara o período de dez anos
durante o qual devia vigorar o aval inicialmente concedido em 1977, tendo anulado
o aval.
- Em 27 de Dezembro de 1991, o Conselho de Ministros espanhol decidiu integrar
no regime geral da Segurança Social os grupos dos activos e dos pensionistas da
ITP. Em seguida, o Ministério do Trabalho e da Segurança Social determinou em
despacho de 30 de Dezembro de 1991 os efeitos da integração. A Direcção-Geral
da Planificação e Ordenamento Económico da Segurança Social, habilitada para
esse efeito, fixou em resolução de 25 de Maio de 1992 os custos dessa integração.
A resolução dispunha ainda que, se os recursos da ITP se revelassem insuficientes,
a TESA seria obrigada a suportar a diferença entre os pagamentos efectuados pela
ITP e o montante total a pagar aos pensionistas. No que respeita ao regime
complementar de previdência, foi celebrado em 8 de Julho de 1992 um acordo nos
termos do qual a TESA se comprometeu a pagar determinadas prestações aos
beneficiários.
- Em 10 de Junho de 1992, o Ministério da Economia e Finanças decretou
oficiosamente a dissolução e a liquidação da ITP. No entanto, a recorrente
observou, sem neste aspecto ser desmentida pela recorrida, que o procedimento
de dissolução não estava ainda definitivamente concluído.
Procedimento administrativo
- Foi nestas condições que, em 1 de Julho de 1993, foi apresentada uma denúncia
à Comissão, em nome da ATM, acusando os poderes públicos espanhóis de terem
permitido uma diminuição dos encargos sociais da TESA, o que constitui um
auxílio de Estado. As medidas criticadas na denúncia, descritas à luz dos
esclarecimentos fornecidos durante o procedimento administrativo e contencioso,
são as seguintes.
- Em primeiro lugar, o auxílio consistiria no facto de as autoridades públicas terem
permitido que a TESA beneficiasse, entre 1982 e finais de 1991, da diferença entre
o montante que efectivamente pagou à ITP a título de contribuições, por um lado,
e o montante das contribuições que, graças a um coeficiente de redução, não teve
de pagar ao regime geral de Segurança Social, por outro lado. Esse auxílio
elevar-se-ia a 270 mil milhões de PTA. Além disso, a recorrente pediu à Comissão
que ordenasse à TESA que pagasse essa diferença à ITP.
- Em segundo lugar, as autoridades públicas teriam permitido a anulação de um aval
que a TESA estaria obrigada a manter em vigor para que a ITP pudesse continuar
a contar com uma cobertura suficiente das prestações que deve pagar nos dez anos
seguintes. Essa medida estatal teria proporcionado à TESA um lucro de 8 mil
milhões de pesetas.
- Na denúncia, a recorrente afirmou ainda que as referidas medidas de auxílio
tinham colocado a ITP em situação deficitária, o que, em consequência, levara à
sua liquidação.
- Por ofício de 12 de Agosto de 1993, a Comissão convidou a recorrente a apresentar
observações adicionais à sua denúncia. Após uma reunião realizada em 15 de
Setembro de 1993, a recorrente comunicou informações adicionais por carta de 29
de Outubro de 1993. Por ofício de 12 de Novembro de 1993, a Comissão voltou a
convidar a recorrente a completar as suas informações, o que esta fez por carta de
3 de Dezembro de 1993.
- Segundo a resposta da Comissão a uma pergunta do Tribunal, não houve troca de
correspondência com o Estado espanhol nem qualquer decisão formal dirigida a
esse Estado.
- Após a troca de correspondência entre a Comissão e a recorrente, a Comissão, por
ofício D/30508 de 15 de Fevereiro de 1994 (a seguir «ofício de 15 de Fevereiro de
1994»), dirigido ao representante da recorrente, Sr. Molina del Pozo, comunicou
que da análise de todas as informações apresentadas não resultara qualquer prova
da existência de um auxílio de Estado a favor da TESA. Assim, a Comissão
arquivou a denúncia da recorrente sem lhe dar seguimento.
- A fundamentação do ofício de 15 de Fevereiro de 1994 está assim redigida:
«Não existe qualquer intervenção do Estado na anulação [do aval ... Embora] a
TESA seja uma empresa detida maioritariamente pelo Estado, nem o Estado nem
qualquer outro dos seus accionistas é em princípio responsável pelos actos ou
compromissos assumidos pela TESA, que tem personalidade jurídica autónoma.
Se a ITP e os seus trabalhadores se consideram lesados nos seus direitos pelo
incumprimento de um compromisso imputável à TESA, podem pedir o respectivo
ressarcimento, como fizeram, nos tribunais nacionais competentes, que, se assim
o entenderem, restabelecerão os autores da denúncia nos seus direitos.»
«A dispensa do pagamento de determinados montantes à Segurança Social [geral]
foi decidida pelo Governo espanhol em conformidade com a legislação geral
espanhola em matéria social, preenchendo a TESA as condições exigidas por essas
disposições. Quanto à questão do eventual incumprimento pela TESA dos
compromissos que assumira nos termos da legislação geral citada, o Tribunal
Supremo espanhol decidiu, por acórdão de 26 de Dezembro de 1990, que, à luz da
legislação geral aplicável, a TESA não estava obrigada a fazer na ITP entradas
superiores àquelas que efectivamente fez. Por conseguinte, a Comissão não pode
concluir que a diferença mencionada constituiu um auxílio de Estado, uma vez que
tal situação não é contrária à legislação geral aplicável.
[...]
De qualquer modo, o pedido da autora da denúncia para que a Comissão ordeneà TESA que pague à ITP o montante da diferença não é conforme com o direito
comunitário, uma vez que a Comissão, no caso de existir um auxílio e de este ser
incompatível, exigiria a sua restituição ao Estado.»
Tramitação processual
- Foi nestas circunstâncias que, por petição entrada na Secretaria do Tribunal em 22
de Abril de 1994, a recorrente interpôs o presente recurso.
- Em requerimento separado, nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de
Processo, a recorrida suscitou uma questão prévia de admissibilidade, que deu
entrada na Secretaria do Tribunal em 28 de Julho de 1994.
- A recorrente apresentou as suas observações sobre a questão de admissibilidade
em 12 de Setembro de 1994.
- Por despacho de 14 de Junho de 1995, o Tribunal decidiu apreciar a questão de
admissibilidade juntamente com o mérito.
- As partes apresentaram contestação, réplica e tréplica na Secretaria do Tribunal
respectivamente em 21 de Agosto de 1995, 9 de Outubro de 1995 e 15 de
Dezembro de 1995.
- Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal (Primeira Secção Alargada) deu
início à fase oral. No âmbito das medidas de organização do processo, o Tribunal
dirigiu algumas perguntas escritas às partes, que responderam na forma devida.
- As partes foram ouvidas em alegações e em resposta às perguntas orais do
Tribunal na audiência de 30 de Setembro de 1997.
Pedidos das partes
- A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- julgar o recurso admissível e procedente;
- anular o ofício de 15 de Fevereiro de 1994 em que a Comissão declara ter
arquivado a denúncia apresentada pela recorrente;
- condenar a Comissão nas despesas.
- A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- a título principal, julgar o recurso inadmissível;
- a título subsidiário, negar-lhe provimento, por improcedente;
- condenar a recorrente nas despesas.
Quanto à admissibilidade
Argumentação das partes
- A recorrida invoca dois fundamentos de inadmissibilidade contra o recurso. Em
primeiro lugar, a recorrente não teria interesse em agir. Em segundo lugar, não
existiria um acto que a recorrente pudesse impugnar e, de qualquer modo, esta não
teria legitimidade processual, na acepção do artigo 173.°, quarto parágrafo, do
Tratado CE.
- Quanto ao primeiro fundamento de inadmissibilidade, a inexistência de interesse
em agir resultaria em primeiro lugar do facto de, mesmo na hipótese de as
intervenções financeiras do Estado espanhol a favor da TESA serem efectivamente
auxílios de Estado incompatíveis com o mercado comum, uma eventual exigência
de restituição em nada beneficiaria a recorrente, atendendo a que os encargos
sociais não cobrados deveriam ser restituídos ao Estado espanhol e não à ITP ou
à ATM. No entender da recorrida, a ordem jurídica espanhola não prevê a
possibilidade de se compensar a diferença entre a contribuição normal para a
Segurança Social e a contribuição inferior paga pela TESA à ITP, como o Tribunal
Supremo teria declarado no mencionado acórdão.
- A recorrida acrescenta que, tendo em conta a dissolução da ITP, uma restituição
a seu favor é mesmo juridicamente impossível desde 1992. Ainda que os pretensos
auxílios a restituir devessem ser pagos às caixas da ITP, o seu montante deveria,
devido à liquidação, ser pago à Segurança Social para suportar o custo da sua
integração no regime geral de Segurança Social.
- A inexistência de interesse em agir resultaria, em segundo lugar, do facto de o
pretenso auxílio de Estado beneficiar apenas a TESA, empresa com a qual nem
a recorrente nem os seus membros se encontrariam, directa ou indirectamente, em
relação de concorrência. A recorrida invoca a este respeito os despachos do
Tribunal de Justiça de 30 de Setembro de 1992, Landbouwschap/Comissão
(C-295/92, Colect., p. I-5003), e de 8 de Abril de 1981, Ludwigshafener Walzmühle
Erling e o./CEE (197/80, 198/80, 199/80, 200/80, 243/80, 245/80 e 247/80, Recueil,
p. 1041), alegando que a análise das relações de concorrência, para determinar a
existência ou a inexistência de interesse em agir, deve ser feita em relação à parte
recorrente e não em relação a pessoas ou empresas que poderiam eventualmente
ser efectiva ou potencialmente afectadas pelo acto em causa. No caso vertente,
nem a ATM nem os seus membros se encontrariam directa ou indirectamente em
relação de concorrência com a TESA, nem em qualquer outra relação relevante
da perspectiva da protecção da livre concorrência. Daí resulta, segundo a recorrida,
que a manutenção ou anulação da decisão impugnada em nada afecta os interesses
da ATM.
- O segundo fundamento de inadmissibilidade baseia-se na inexistência de um acto
impugnável pela recorrente. A recorrida alega, em primeiro lugar, que o ofício de
15 de Fevereiro de 1994 não é uma decisão dirigida à recorrente, pois,
diversamente do que está previsto no Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de
Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do
Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), não existe, no sector dos auxílios
de Estado, qualquer procedimento de denúncia que permita, se o requerente
pretender, levar a uma decisão de que ele poderia ser o destinatário e que seria
susceptível de recurso de anulação. Segundo a Comissão, esta posição é claramente
confirmada pelos acórdãos do Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1993, CIRFS
e o./Comissão (C-313/90, Colect., p. I-1125), e de 19 de Maio de 1993,
Cook/Comissão (C-198/91, Colect., p. I-2487), e sintetizada nas conclusões do
advogado-geral Tesauro no processo Cook/Comissão, já referido (Colect.,
p. I-2502).
- Na realidade, um ofício como o do caso vertente apenas seria uma informação
relativa a uma decisão dirigida ao Estado-Membro, único destinatário das decisões
no sector dos auxílios de Estado. Ela mais não faria do que levar o conteúdo de
uma decisão propriamente dita ao conhecimento daqueles que denunciaram a
existência do auxílio. Portanto, o ofício de 15 de Fevereiro de 1994 em si não poria
termo ao procedimento, que poderia aliás ser reaberto se a empresa autora da
denúnica apresentasse novos elementos de direito ou de facto que justificassem
essa reabertura.
- Além disso, a recorrida considera que, de qualquer modo, a recorrente não é
directamente afectada, como exige o artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado.
Enquanto associação privada actuando no presente processo no interesse dos seus
membros e não no seu próprio interesse, não diria directamente respeito à
recorrente uma decisão que declara que a pretensa intervenção financeira do
Estado a favor da TESA não é um auxílio de Estado, na acepção do artigo 92.° do
Tratado. Mais precisamente, ela não teria desempenhado o papel de interlocutor
privilegiado, na acepção do acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de
1988, Van der Kooy e o./Comissão (67/85, 68/85 e 70/85, Colect., p. 219). De igual
modo, embora o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 1995
AITEC e o./Comissão (T-447/93, T-448/93 e T-449/93, Colect., p. II-1971), tenha
confirmado que uma associação profissional podia considerar-se individualmente
afectada se pudesse provar que a posição concorrencial de alguns dos seus
membros fora sensivelmente afectada pelos auxílios em questão e se um eventual
recurso desses membros fosse admissível, na acepção do acórdão do Tribunal de
Justiça de 28 de Janeiro de 1986, Cofaz e o./Comissão (169/84, Colect., p. I-391),
a Comissão considera contudo que não é o que acontece no caso presente.
- A recorrente também não seria directamente afectada, como exige o artigo 173.°,
quarto parágrafo, do Tratado, uma vez que não existiria qualquer nexo de
causalidade entre a decisão de não levantar objecções, não existindo auxílios de
Estado, e o prejuízo eventualmente decorrente da legislação espanhola em matéria
de segurança social. Com efeito, admitindo que a Comissão tenha cometido um
erro na sua qualificação da intervenção financeira do Estado espanhol a favor da
TESA e deva portanto ordenar a restituição do auxílio, a ordem jurídica espanhola
não prevê qualquer mecanismo que torne possível a reparação do prejuízo
invocado pela recorrente.
- A recorrente sustenta que o seu recurso é admissível. No âmbito do primeiro
fundamento de inadmissibilidade, afirma o seu interesse em agir. Em primeiro
lugar, teria sido devido à anulação do aval e às contribuições demasiado baixas, isto
é, aos auxílios denunciados, que a ITP não pôde assumir as prestações aos
beneficiários e foi integrada no regime geral de Segurança Social. A restituição pela
TESA dos auxílios de Estado que a recorrente considera incompatíveis com o
mercado comum beneficiá-la-ia porque a administração espanhola pagaria esses
montantes à ITP, em benefício, em definitivo, dos membros da recorrente.
- A recorrente alega que o mencionado acórdão do Tribunal Supremo foi
erradamente interpretado pela Comissão. Segundo a recorrente, aquele acórdão
não incide sobre a questão de saber se deve ou não haver restituição. O órgão
jurisdicional nacional teria baseado a sua decisão apenas numa norma processual
e considerado que quem deveria ter formulado o pedido não eram os trabalhadores
e pensionistas recorrentes, mas os órgãos directivos da ITP.
- A afirmação da Comissão, de que a restituição de montantes à ITP é juridicamente
impossível desde 1992, também não poderia ser juridicamente sustentada, pois a
liquidação da ITP não estaria iminente. Mesmo no caso de estarem preenchidas
as exigências legais e de serem tomadas as decisões jurídicas relativas à liquidação,
um acórdão favorável do Tribunal de Primeira Instância no presente caso poderia
levar à revisão dos actos administrativos que provocaram a dissolução da ITP.
- No que respeita à situação concorrencial no mercado, a recorrente afirma ter
sofrido um prejuízo real e certo devido ao auxílio de Estado à TESA, atendendo
a que a diminuição das contribuições sociais afectou os direitos dos seus membros.
Neste contexto, a recorrente invoca o acórdão Cook/Comissão, já referido, segundo
o qual os interessados, na acepção do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, foram definidos
como sendo as pessoas, empresas ou associações eventualmente afectadas nos seus
interesses pela concessão do auxílio, isto é, as empresas concorrentes e as
associações profissionais. Como a recorrente é uma associação profissional criada
para assegurar a defesa dos mutualistas, tudo o que afecta a ITP ou a TESA tem
interesse directo para ela.
- A recorrente teria também interesse em agir no caso presente, porque teria sido
constituída para defender os direitos da ITP, em circunstâncias em que a defesa
desses direitos seria de outro modo impossível, devido ao domínio exercido pela
TESA sobre a ITP.
- A recorrente alega, no âmbito do segundo fundamento de inadmissibilidade, que
é destinatária do ofício de 15 de Fevereiro de 1994, que é uma decisão que produz
efeitos jurídicos obrigatórios. Efectivamente, aquele acto poria termo ao
procedimento de denúncia e conteria uma apreciação dos auxílios contestados e,
portanto, impediria que os interesses dos membros da recorrente fossem satisfeitos
no futuro.
- A este respeito, a recorrente invoca o acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de
Junho de 1993, França/Comissão (C-325/91, Colect., p. I-3283, n.° 9), alegando que
a existência de um acto impugnável, na acepção do artigo 173.° do Tratado,
depende da questão de saber se ele produz efeitos jurídicos, e o acórdão do
Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1988, Irish Cement/Comissão (166/86
e 220/86, Colect., p. 6473, n.° 11), em que o Tribunal de Justiça qualificara como
medida que produz efeitos jurídicos a recusa de iniciar um procedimento nos
termos do artigo 93.°, n.° 2. A recorrente remete também para o acórdão do
Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 1994, SFEI e o./Comissão (C-39/93 P,
Colect., p. I-2681, n.os 27 e 28), segundo o qual uma instituição que dispõe do poder
de declarar uma infracção e de a punir e a quem podem ser submetidas denúncias
pelos particulares, como é o caso da Comissão em matéria de direito da
concorrência, adopta necessariamente um acto que produz efeitos jurídicos quando
põe termo a um inquérito que iniciou na sequência dessa queixa, e o acto que
determina o arquivamento de uma denúncia não pode ser qualificado como
preliminar ou preparatório, pois constitui a última fase do procedimento: não será
seguido de qualquer outro acto susceptível de originar um recurso de anulação.
- A recorrente afirma além disso que interveio activamente no procedimento iniciado
pela Comissão na sequência da sua denúncia. Isso permitir-lhe-ia impugnar a
decisão tomada no final do procedimento (acórdão Cofaz e o./Comissão, járeferido).
- Por fim, a recorrente alega que o presente recurso deveria ser admissível para
garantir o direito da recorrente a um recurso efectivo, em conformidade com o
artigo 13.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e com a jurisprudência
do Tribunal de Justiça, pois em Espanha não existiria qualquer meio judicial
adequado, em matéria de auxílios de Estado, que lhe permitisse contestar a
diminuição dos encargos sociais autorizada por omissão pelo Reino de Espanha.
- A recorrida responde, na tréplica, que o acórdão SFEI e o./Comissão, já referido,
diz respeito ao procedimento de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado, em
que se prevê designadamente a possibilidade de apresentar denúncias. Essa
jurisprudência não seria aplicável no caso em apreço. No que respeita ao acórdão
do Tribunal de Justiça Irish Cement/Comissão, já referido, a recorrida observa que,
se nesse acórdão o Tribunal de Justiça não tivesse considerado que o recurso fora
interposto fora de prazo, teria que apreciar se o ofício da Comissão dizia directa
e individualmente respeito à recorrente.
- Por fim, quanto ao argumento da recorrente baseado na inexistência de
possibilidade de fiscalização jurisdicional no caso de o presente recurso ser
inadmissível, a recorrida observa que o artigo 92.°, n.° 1, do Tratado é directamente
aplicável e pode, por conseguinte, ser invocado pela recorrente nos tribunais
nacionais, se assim o entender.
Apreciação do Tribunal
- O Tribunal observa, antes de mais, que uma decisão que põe termo à apreciação
da compatibilidade de uma medida de auxílio com o Tratado tem sempre como
destinatário o Estado-Membro em questão e que um particular pode impugná-la
no tribunal comunitário se estiverem preenchidas as condições do artigo 173.°,
quarto parágrafo, do Tratado.
- Deve observar-se, nesta fase, que o ofício de 15 de Fevereiro de 1994 constitui
apenas, no que se refere à recorrente, uma comunicação que reflecte o conteúdo
de uma decisão que tem como destinatário o Estado-Membro em causa. O
Tribunal entende, portanto, que é razoável considerar o pedido da recorrente para
anulação do ofício de 15 de Fevereiro de 1994, em que a Comissão declara ter
arquivado a denúncia da recorrente, como pretendendo na realidade a anulação
da decisão cujo destinatário é o Estado-Membro em causa, decisão essa que o
ofício reproduz.
- Ora, só podem ser impugnados por uma pessoa singular ou colectiva, nos termos
do artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado, os actos que produzem efeitos
jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os seus interesses, modificando de
forma nítida a sua situação jurídica.
- Assim, deve apreciar-se se a decisão de pôr termo à análise da compatibilidade
com o Tratado dos auxílios de Estado denunciados pela recorrente, decisão essa
comunicada à recorrente pelo ofício de 15 de Fevereiro de 1994, mas que na
realidade tem como destinatário o Reino de Espanha, afecta os interesses da
recorrente modificando de forma nítida a sua situação jurídica. Tem de ser esse o
caso para que a recorrente possa ter interesse na anulação do acto impugnado.
- No caso vertente, a recorrente alega que a decisão da Comissão contém uma
apreciação dos auxílios contestados e, portanto, impede que os interesses dos seus
membros sejam satisfeitos no futuro. Deve, portanto, resumir-se o quadro factual
do presente caso para determinar qual é a relação entre a decisão da Comissão e
o alegado prejuízo da recorrente.
- A recorrente é uma associação constituída pelos beneficiários da mutualidade de
previdência ITP. Todos esses beneficiários são trabalhadores ou pensionistas da
TESA, sociedade que criou a ITP para organizar a previdência social dos seus
trabalhadores. O Tribunal verifica, portanto, que na realidade os membros da
associação recorrente se queixam dos pretensos auxílios de Estado que beneficiam
a sua actual ou antiga entidade patronal.
- A recorrente afirma que, não existindo os pretensos auxílios ilegais, a ITP não teria
sido integrada no regime geral de Segurança Social e os beneficiários teriam podido
continuar a beneficiar de prestações superiores às concedidas pelo regime geral.
Acrescenta que, se o montante dos auxílios fosse restituído ao Estado, o que em
seu entender a Comissão deveria ter ordenado, o Estado pagaria esses montantes
à ITP. Consequentemente, esta seria ressuscitada e os beneficiários recuperariam
o direito a prestações de nível elevado.
- Ora, é forçoso notar que o Tribunal Supremo decidiu «que não existe qualquer
direito para se pedir em favor [da ITP] pagamentos [...] que não sejam os
legalmente previstos [pelo diploma] que a regula, e é notório que o desfasamento
que existe entre a contribuição normal [para a caixa geral da Segurança Social],
pelo facto de esta assumir integralmente os riscos segurados, e a contribuição
parcial efectuada no presente caso para a [mutualidade da] TESA [...] constitui um
problema de alteração normativa que não é susceptível de ser resolvido por via
judicial» (n.° 3 da fundamentação do acórdão referido). O Tribunal verifica que a
Comissão tinha razão em concluir que, nos termos da legislação nacional, a TESA
não estava obrigada a fazer na ITP entradas superiores àquelas que efectivamente
fez. Além disso, a legislação nacional não prevê o pagamento à ITP da diferença
entre a contribuição normal para o regime geral de Segurança Social e a
contribuição inferior que era devida àquela mutualidade, em conformidade com as
disposições que lhe eram aplicáveis na época (v. supra, n.os 5 e 6).
- Mesmo admitindo que a decisão seja anulada e que a Comissão deva tomar
medidas de execução do acórdão, nada indica que tal processo possa
razoavelmente resultar, no final, no pagamento da diferença em causa à ITP.
- Efectivamente, como a Comissão afirma com razão, na hipótese de ser ordenada
uma restituição, os encargos sociais não cobrados deveriam ser restituídos ao
Estado espanhol, que, nos termos da legislação nacional, não tem qualquer dever
de os pagar posteriormente à ITP. Mais ainda, atendendo a que a integração das
caixas de previdência privadas no regime geral da Segurança Social prosseguia uma
finalidade política (v. supra, n.° 7), nada permite considerar que a ITP poderia ser
ressuscitada.
- Quanto à outra parte do pretenso auxílio, o Tribunal observa que, mesmo que a
Comissão tivesse concluído que a anulação do aval constituía um auxílio de Estado
e tivesse ordenado a respectiva restituição, esta teria apenas consistido em fazer
garantir pela TESA que fossem pagas as prestações sociais devidas aos
beneficiários. Ora, por força dos diplomas nacionais referidos nos n.os 8 e 13, supra,
a TESA já tem a obrigação de cobrir o custo da integração da ITP no regime geral
de Segurança Social. Desde a integração da ITP, as prestações são pagas pelo
regime geral de Segurança Social. Assim como a recorrente não demonstrou que
a anulação do aval causara prejuízos concretos aos seus membros, também não
demonstrou que uma eventual restituição criaria benefícios exigíveis pelos
membros. E também não demonstrou que a ITP não teria sido integrada no regime
geral se o aval tivesse sido mantido em vigor.
- Nas circunstâncias acima expostas, embora a decisão tenha o efeito de arquivar a
denúncia da recorrente, não afecta obviamente a sua esfera jurídica. Daí resulta
que a manutenção ou anulação da decisão não é de modo algum susceptível de
afectar os interesses da recorrente ou dos seus membros. Assim, a recorrente não
tem qualquer interesse em obter a anulação da decisão que impugna e não
preenche, portanto, as condições do artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado.
- O Tribunal conclui além disso que a recorrente, sendo na realidade uma associação
de trabalhadores da empresa pretensamente beneficiária de um auxílio de Estado,
não é de modo algum uma concorrente dessa empresa e também não pode
demonstrar que tem um interesse em agir resultante de efeitos concorrenciais (v.,
no que respeita à relação entre efeitos concorrenciais e admissibilidade, por
exemplo o despacho Landbouwschap/Comissão, já referido, n.° 12, e o acórdão do
Tribunal de Primeira Instância de 27 de Abril de 1995, ASPEC e o./Comissão,
T-435/93, Colect., p. II-1281, n.° 63).
- Nestas circunstâncias, a recorrente não provou ter interesse na anulação da decisão
que lhe foi comunicada pelo ofício de 15 de Fevereiro de 1994.
- Resulta do que antecede que o presente recurso deve ser julgado inadmissível, sem
que seja necessário analisar os outros argumentos expendidos pela recorrente e
pela Comissão.
Quanto às despesas
- Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte
vencida é condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. Tendo a recorrente
sido vencida, e em conformidade com o pedido da Comissão, há que condená-la
a suportar as suas próprias despesas e as despesas efectuadas pela Comissão.
Pelos fundamentos expostos,O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção Alargada),
decide:
- O recurso é julgado inadmissível.
- A recorrente é condenada a suportar as suas próprias despesas e as
despesas efectuadas pela Comissão.
Saggio Kalogeropoulos TiiliMoura Ramos
Pirrung
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Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de Dezembro de 1997.
O secretário
O presidente
H. Jung
A. Saggio
1: Língua do processo: espanhol.