Language of document : ECLI:EU:C:2009:631

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

15 de Outubro de 2009 (*)

«Directiva 85/337/CEE – Participação do público no processo de decisão em matéria ambiental – Direito de recorrer das decisões de licenciamento de projectos susceptíveis de ter um impacto ambiental significativo»

No processo C‑263/08,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Högsta domstolen (Suécia), por decisão de 29 de Maio de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 19 de Junho de 2008, no processo

Djurgården‑Lilla Värtans Miljöskyddsförening

contra

Stockholms kommun genom dess marknämnd,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot (relator), presidente da Quarta Secção, exercendo funções de presidente da Segunda Secção, C. Toader, C. W. A. Timmermans, K. Schiemann e L. Bay Larsen, juízes,

advogada‑geral: E. Sharpston,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 7 de Maio de 2009,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Djurgården‑Lilla Värtans Miljöskyddsförening, por P. Schönning e G. Högberg Björck, jur kand,

–        em representação do Governo sueco, por A. Falk, K. Petkovska, C. Meyer‑Seitz e S. Johannesson, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J.‑B. Laignelot e P. Dejmek, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 2 de Julho de 2009,

profere o presente

Acórdão

1        O presente pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação das disposições da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9), conforme alterada pela Directiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio de 2003 (JO L 156, p. 17, a seguir «Directiva 85/337»).

2        Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio entre a Djurgården‑Lilla Värtans Miljöskyddsförening (associação de defesa do ambiente de Djurgården‑Lilla Värtan, a seguir «Miljöskyddsförening») e o Stockholms kommun genom dess marknämnd (município de Estocolmo, a seguir «Stockholms kommun»).

 Quadro jurídico

 Direito comunitário

 Directiva 2003/35

3        O artigo 1.° da Directiva 2003/35 dispõe o seguinte:

«A presente directiva tem como objectivo contribuir para a implementação das obrigações decorrentes da Convenção de Aarhus [sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente, aprovada pela Comunidade Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de Fevereiro de 2005 (JO L 124, p. 1)], em particular:

a)      Prevendo a participação do público na elaboração de determinados planos e programas relativos ao ambiente;

b)      Melhorando a participação do público e prevendo disposições sobre o acesso à justiça no âmbito das Directivas 85/337/CEE e 96/61/CE do Conselho.»

 Directiva 85/337

4        O artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 85/337 prevê:

«Na acepção da presente directiva, entende‑se por:

[…]

público:

uma ou mais pessoas singulares ou colectivas, bem como, de acordo com a legislação ou práticas nacionais, as suas associações, organizações ou agrupamento;

público em causa:

o público afectado ou susceptível de ser afectado pelos processos de tomada de decisão no domínio do ambiente a que se refere o n.° 2 do artigo 2.°, ou neles interessado. Para efeitos da presente definição, consideram‑se interessadas as organizações não governamentais que promovem a protecção do ambiente e cumprem os requisitos previstos na legislação nacional.»

5        Nos termos do artigo 2.° da Directiva 85/337:

«1.      Os Estados‑Membros tomarão as disposições necessárias para garantir que, antes de concedida a aprovação, os projectos que possam ter um impacte significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensão ou localização, fiquem sujeitos a um pedido de aprovação e a uma avaliação dos seus efeitos. Estes projectos são definidos no artigo 4.°

2.      A avaliação do impacto no ambiente pode ser integrada nos processos de aprovação dos projectos existentes nos Estados‑Membros, ou na falta deles, noutros processos ou em processos a estabelecer para responder aos objectivos da presente directiva.

[…]

3.      Sem prejuízo do disposto no artigo 7.°, os Estados‑Membros podem, em casos excepcionais, isentar um projecto específico, na totalidade ou em parte, das disposições previstas na presente directiva.

Neste caso, os Estados‑Membros:

a)      examinarão a conveniência de outras formas de avaliação;

b)      colocarão à disposição do público interessado a informação recolhida através das outras formas de avaliação nos termos da alínea a), a informação relativa à isenção e os motivos para a concessão da mesma;

[…]»

6        O artigo 4.° da Directiva 85/337 estabelece:

«1.      Sem prejuízo do disposto no n.° 3 do artigo 2.°, os projectos incluídos no anexo I serão submetidos a uma avaliação nos termos dos artigos 5.° a 10.°

2.      Sem prejuízo do disposto no n.° 3 do artigo 2.°, os Estados‑Membros determinarão, relativamente aos projectos incluídos no anexo II:

a)      Com base numa análise caso a caso;

ou

b)      Com base nos limiares ou critérios por eles fixados,

se o projecto deve ser submetido a uma avaliação nos termos dos artigos 5.° a 10.°

Os Estados‑Membros podem decidir aplicar os dois procedimentos referidos nas alíneas a) e b).

3.      Quando forem efectuadas análises caso a caso ou fixados limiares ou critérios para efeitos do disposto no n.° 2, serão tidos em conta os critérios de selecção relevantes fixados no anexo III.

4.      Os Estados‑Membros assegurarão que a decisão adoptada pelas autoridades competentes ao abrigo do n.° 2 seja disponibilizada ao público.»

7        O ponto 11 do anexo I da Directiva 85/337 refere‑se a «[s]istemas de captação de águas subterrâneas ou de recarga artificial dos lençóis freáticos em que o volume anual de água captado ou de recarga seja equivalente ou superior a 10 milhões de metros cúbicos».

8        O ponto 10 do anexo II da referida directiva, sob a epígrafe «Projectos de infra‑estruturas», menciona, na alínea l), os «[s]istemas de captação e de realimentação artificial de águas subterrâneas não incluídos no anexo I».

9        O artigo 6.° da Directiva 85/337 tem o seguinte teor:

«[…]

2.      O público deve ser informado, através de avisos públicos ou por outros meios adequados, como meios electrónicos sempre que disponíveis, dos elementos a seguir referidos, no início dos processos de tomada de decisão no domínio do ambiente a que se refere o n.° 2 do artigo 2.° e, o mais tardar, logo que seja razoavelmente possível disponibilizar a informação:

a)      Pedido de aprovação;

b)      O facto de o projecto estar sujeito a um processo de avaliação de impacto ambiental e, se for o caso, o facto de ser aplicável o artigo 7.°;

c)      Indicação pormenorizada das autoridades competentes responsáveis pela tomada de decisões, das que podem fornecer informações relevantes e daquelas às quais podem ser apresentadas observações ou questões, bem como pormenores do calendário para o envio de observações ou questões;

d)      A natureza de possíveis decisões ou o projecto de decisão, caso exista;

e)      Indicação da disponibilidade da informação recolhida nos termos do artigo 5.°;

f)      Indicação da data e dos locais em que a informação relevante será disponibilizada, bem como os respectivos meios de disponibilização;

g)      Informações pormenorizadas sobre as regras de participação do público decorrentes do n.° 5 do presente artigo.

3.      Os Estados‑Membros devem assegurar que seja disponibilizado ao público em causa, em prazos razoáveis, o acesso:

a)      A toda a informação recolhida nos termos do artigo 5.°;

b)      De acordo com a legislação nacional, aos principais relatórios e pareceres apresentados à autoridade ou autoridades competentes no momento em que o público em causa deve ser informado nos termos do n.° 2 do presente artigo;

c)      De acordo com o disposto na Directiva 2003/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2003, relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente [JO L 41, p. 26], a outra informação não referida no n.° 2 do presente artigo que seja relevante para a decisão nos termos do artigo 8.° e que só esteja disponível depois de o público em causa ser informado nos termos do n.° 2 do presente artigo.

4.      Ao público em causa deve ser dada a oportunidade efectiva de participar suficientemente cedo nos processos de tomada de decisão no domínio do ambiente a que se refere o n.° 2 do artigo 2.°, devendo ter, para esse efeito, o direito de apresentar as suas observações e opiniões, quando estão ainda abertas todas as opções, à autoridade ou autoridades competentes antes de ser tomada a decisão sobre o pedido de aprovação.

5.      Compete aos Estados‑Membros estabelecer as regras de informação do público (por exemplo, através da afixação de cartazes numa determinada área ou da publicação em jornais locais) e de consulta do público em causa (por exemplo, por escrito ou por inquérito público).

6.      Devem ser fixados prazos razoáveis para as diferentes fases, a fim de permitir que se disponha de tempo suficiente para informar o público e para que o público interessado se possa preparar e possa participar efectivamente ao longo do processo de tomada de decisão em matéria de ambiente sob reserva do disposto no presente artigo.»

10      O artigo 10.° A da Directiva 85/337 tem a seguinte redacção:

«Os Estados‑Membros devem assegurar que, de acordo com o sistema jurídico nacional relevante, os membros do público em causa que:

a)      Tenham um interesse suficiente ou, em alternativa;

b)      Invoquem a violação de um direito, sempre que a legislação de processo administrativo de um Estado‑Membro assim o exija como requisito prévio,

tenham a possibilidade de interpor recurso perante um tribunal ou outro órgão independente e imparcial criado por lei para impugnar a legalidade substantiva ou processual de qualquer decisão, acto ou omissão abrangido pelas disposições de participação do público estabelecidas na presente directiva.

Os Estados‑Membros devem determinar a fase na qual as decisões, actos ou omissões podem ser impugnados.

Os Estados‑Membros devem determinar o que constitui um interesse suficiente e a violação de um direito, de acordo com o objectivo que consiste em proporcionar ao público em causa um vasto acesso à justiça. Para tal, considera‑se suficiente, para efeitos da alínea a) do presente artigo, o interesse de qualquer organização não governamental que cumpra os requisitos referidos no n.° 2 do artigo 1.° Igualmente se considera, para efeitos da alínea b) do presente artigo, que tais organizações têm direitos susceptíveis de ser violados.

O presente artigo não exclui a possibilidade de um recurso preliminar para uma autoridade administrativa e não afecta o requisito de exaustão dos recursos administrativos prévios aos recursos judiciais, caso esse requisito exista na legislação nacional.

O referido processo deve ser justo, equitativo, atempado e não exageradamente dispendioso.

Para melhorar a eficácia das disposições do presente artigo, os Estados‑Membros devem garantir que sejam postas à disposição do público informações práticas relativas ao acesso às vias de recurso administrativo e judicial.»

 Direito nacional

11      A drenagem das águas subterrâneas e a infiltração de água para aumentar os níveis das águas subterrâneas, bem como a construção de instalações para o efeito constituem uma actividade sujeita a licença, nos termos dos §§ 2 e 9 do capítulo 11 da Lei do Ambiente. Em primeira instância, os pedidos de autorização neste domínio específico são apreciados pelas Secções de Ambiente, em aplicação do § 9, b), desta lei. Das decisões das Secções de Ambiente pode recorrer‑se para uma secção superior em matéria ambiental, cujos acórdãos, por sua vez, nos termos dos §§ 1 e 9 do capítulo 23 da referida lei, são recorríveis para o Högsta domstolen (Supremo Tribunal).

12      As disposições sobre a avaliação do impacto ambiental figuram no capítulo 6 da Lei do Ambiente, nelas se prevendo, designadamente, que quem pretender dedicar‑se a uma actividade sujeita a licença deverá consultar o länsstyrelsen (governo provincial), autoridade de tutela, e os particulares que possam considerar‑se especialmente afectados. Cabe à referida autoridade pronunciar‑se sobre se a actividade projectada poderá ter um impacto significativo no ambiente. Se assim o considerar, a consulta deve ser alargada a outros órgãos do Estado e aos municípios, ao público e às organizações que possam ser interessadas.

13      O direito de recurso está regulado nos §§ 12 e 13 do capítulo 16 da Lei do Ambiente. O direito de recurso das partes num processo judicial e de determinadas organizações e autoridades é tratado nos §§ 12 e seguintes do referido capítulo 16. O § 13 estabelece que as associações sem fins lucrativos podem, em certas condições nele reguladas, recorrer das sentenças e das decisões em matéria de licenciamento, de aprovação ou de isenção tomadas nos termos da Lei do Ambiente.

14      O mesmo § 13 exige que as associações cumpram três condições: que tenham por objecto estatutário a defesa da natureza ou do ambiente, que tenham exercido a sua actividade durante, pelo menos, três anos na Suécia e que tenham no mínimo 2 000 membros.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      O Stockholms kommun celebrou um contrato com uma empresa de produção de electricidade, para a construção de um túnel na rocha, com o comprimento de cerca de 1 km, entre as regiões de Hjorthagen e de Fisksjöäng, situadas na parte norte de Djurgården, para nele enterrar linhas eléctricas em substituição das linhas de alta tensão aéreas.

16      A realização deste projecto exigia, por um lado, a drenagem das águas subterrâneas que se infiltravam tanto no túnel onde seriam colocadas as linhas eléctricas como no respectivo túnel de acesso e, por outro, a instalação, em algumas propriedades da zona em causa, de infra‑estruturas destinadas à drenagem das águas e à sua infiltração no solo ou na rocha, para compensar uma eventual redução do nível das águas subterrâneas.

17      Por decisão de 27 de Maio de 2004, o länsstyrelsen i Stockholms län (governo provincial de Estocolmo), que fez uma apreciação nos termos do capítulo 6 da Lei do Ambiente, concluiu, com base na avaliação do impacto ambiental realizada para este projecto, que a operação em causa podia ter um impacto ambiental significativo, especialmente no que se refere às águas subterrâneas.

18      Por sentença de 13 de Dezembro de 2006, o miljödomstolen vid Stockholms tingsrättla (Secção do Ambiente do Tribunal de Primeira Instância de Estocolmo) concedeu ao Stockholms kommun, nos termos do capítulo 11 da Lei do Ambiente, autorização para realizar as obras em causa.

19      A Miljöskyddsförening interpôs recurso desta decisão para o Miljööverdomstolen du Svea Hovrätt (Secção Superior para o Ambiente do Tribunal de Segunda Instância de Svealand), mas este recurso foi julgado inadmissível por a Miljöskyddsförening não preencher o requisito do § 13 do capítulo 16 da Lei do Ambiente, ou seja, por não ter os 2 000 membros necessários para poder recorrer das sentenças e decisões mencionadas na Lei do Ambiente.

20      O Miljöskyddsförening interpôs recurso desta decisão para o Högsta domstolen (Supremo Tribunal).

21      Neste, colocou‑se a questão de saber se ao projecto em litígio era aplicável a Directiva 85/337, como projecto referido no anexo II, ponto 10, alínea l), da mesma, uma vez que este ponto, segundo a versão em língua sueca da directiva, se parece limitar à captação de águas subterrâneas para utilização posterior. Colocou‑se igualmente a questão de saber qual o alcance exacto do direito de recurso previsto na Convenção de Aarhus e se as condições impostas para esse efeito pela lei sueca não seriam demasiado restritivas.

22      O Högsta domstolen decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)      O ponto 10 do anexo II da Directiva 85/337 deve ser interpretado no sentido de abranger actividades hídricas que impliquem a drenagem de águas subterrâneas infiltradas num túnel de cabos eléctricos e a infiltração (introdução) de água no solo ou na rocha para compensar a eventual redução do nível das águas subterrâneas, bem como a construção e manutenção das instalações de drenagem e de infiltração?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: a disposição do artigo 10.° A da Directiva 85/337 – segundo a qual o público em causa deve, sob determinadas condições, ter a possibilidade de interpor recurso perante um tribunal ou outro órgão independente e imparcial criado por lei para impugnar a legalidade substantiva ou processual de uma decisão – implica também a exigência de ao público em causa assistir o direito de recorrer da decisão de um tribunal num processo relativo a uma licença, quando o público em causa tenha podido participar no processo judicial relativo à licença e apresentar as suas observações nessa instância?

3)      Em caso de resposta afirmativa à primeira e segunda questões: os artigos 1.°, n.° 2, 6.°, n.° 4, e 10.° A da Directiva 85/337 devem ser interpretados no sentido de que podem ser estabelecidos requisitos nacionais diferentes no que respeita ao público em causa a que se referem os artigos 6.°, n.° 4, e 10.° A, com a consequência de as pequenas associações de defesa do ambiente de âmbito local terem direito a participar no processo de tomada de decisão previsto no artigo 6.°, n.° 4, quanto a projectos susceptíveis de terem impacto ambiental significativo na área de actividade da associação, mas não disporem do direito de recurso a que se refere o artigo 10.° A?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

23      Com a sua primeira questão, o tribunal de reenvio interroga‑se sobre se um projecto como o que está em causa no processo principal deve ser considerado abrangido pela noção de «[s]istemas de captação e de realimentação artificial de águas subterrâneas não incluídos no anexo I» da Directiva 85/337, mencionado no ponto 10, alínea l), do seu anexo II.

24      Segundo o tribunal de reenvio, a letra do ponto 10, alínea l), do referido anexo II, na versão sueca, pode referir‑se exclusivamente aos projectos de captação de águas subterrâneas para utilização posterior.

25      Decorre de jurisprudência assente que a necessidade de uma aplicação e, consequentemente, de uma interpretação uniforme das disposições do direito comunitário exclui que, em caso de dúvida, o texto de uma disposição seja considerado isoladamente numa das suas versões, exigindo, pelo contrário, que seja interpretado e aplicado à luz das versões redigidas nas outras línguas oficiais (acórdãos de 9 de Março de 2006, Zuid‑Hollandse Milieufederatie e Natuur en Milieu, C‑174/05, Colect., p. I‑2443, n.° 20, e de 29 de Janeiro de 2009, Consiglio Nazionale degli Ingegneri, C‑311/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 53).

26      Aliás, a necessidade dessa interpretação exige que, em caso de divergência entre as várias versões, a disposição em causa seja interpretada em função da economia geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (v., neste sentido, acórdão de 7 de Dezembro de 1995, Rockfon, C‑449/93, Colect., p. I‑4291, n.° 28).

27      No que diz respeito ao ponto 10, alínea l), do anexo II da Directiva 85/337, resulta da análise das diferentes versões linguísticas e, em especial, das versões alemã, inglesa, espanhola, finlandesa, francesa, italiana, neerlandesa, polaca e portuguesa que essa disposição visa os sistemas de captação e de realimentação de águas subterrâneas não mencionados no anexo I da directiva, independentemente do objectivo que tenham as operações em causa e, designadamente, da utilização que seja ulteriormente feita da água captada ou reinfiltrada no solo.

28      Além disso, o ponto 11 do anexo I da mesma directiva também não alude a esses critérios no caso dos sistemas de captação ou de realimentação de águas subterrâneas cuja capacidade seja igual ou superior a um volume anual de águas a captar ou a reinfiltrar de 10 milhões de metros cúbicos.

29      Por último, resulta de jurisprudência assente que o âmbito de aplicação da Directiva 85/337 é vasto e o seu objectivo lato (v. acórdão de 28 de Fevereiro de 2008, Abraham e o., C‑2/07, Colect., p. I‑1197, n.° 32 e jurisprudência citada).

30      Por consequência, as disposições do ponto 10, alínea l), do anexo II da Directiva 85/337 devem ser interpretadas no sentido de que se aplicam a todos os sistemas de captação ou de realimentação artificial de águas subterrâneas não referidos no anexo I da mesma directiva, independentemente da sua finalidade, o que implica que são por elas abrangidos também os sistemas que não implicam a utilização ulterior das águas.

31      Atento quanto precede, há que responder à primeira questão que um projecto como o que está em causa no processo principal, relativo à drenagem das águas de infiltração num túnel que alberga linhas eléctricas, à injecção de água no solo ou na rocha para compensar uma eventual redução do nível das águas subterrâneas e à realização e manutenção de instalações de drenagem e de infiltração, está abrangido pelo ponto 10, alínea l), do anexo II da Directiva 85/337, independentemente do destino final das águas subterrâneas e, em particular, do facto de as mesmas serem ou não ulteriormente utilizadas.

 Quanto à segunda questão

32      Com a sua segunda questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.° A da Directiva 85/337 implica que os elementos do público em causa possam recorrer da decisão pela qual uma instância, pertencente à organização judiciária de um Estado‑Membro, decide um pedido de licenciamento de um projecto, quando tenham tido a possibilidade de participar na instrução do pedido, tomando parte no processo na referida instância, e de exprimir a sua posição nesse momento.

33      A Directiva 85/337, tendo em conta as alterações que lhe foram introduzidas pela Directiva 2003/35, que visa aplicar a Convenção de Aarhus, atribui, no seu artigo 10.° A, aos elementos do público em causa que preencham determinadas condições, o direito de recorrer para um tribunal ou outro órgão independente, para contestar a legalidade, substantiva ou processual, de qualquer decisão, acto ou omissão que se inclua no seu âmbito de aplicação.

34      Assim, devem poder exercer esse direito de recurso, segundo a letra da disposição, os membros do público em causa que tenham um interesse suficiente em agir ou, em alternativa, invoquem a violação de um seu direito por uma das operações visadas pela Directiva 85/337, sempre que a legislação nacional assim o exija como requisito prévio.

35      Decorre igualmente desta mesma disposição que as organizações não governamentais que promovam a protecção do ambiente e cumpram os requisitos previstos na legislação nacional preenchem os critérios do público em causa, que pode recorrer, previstos no artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 85/337, lido em conjugação com o seu artigo 10.° A.

36      Aliás, o artigo 6.°, n.° 4, da Directiva 85/337 garante, em particular, ao público em causa uma participação efectiva no processo de tomada de decisão em matéria ambiental, no que toca aos projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente.

37      O facto de a autorização de um projecto de enterramento de linhas eléctricas e de captação de águas subterrâneas, como o que está em causa no processo principal, que constitui uma decisão no sentido do artigo 10.° A da Directiva 85/337, ser proveniente de um tribunal que, neste quadro, exerce competências administrativas, não pode impedir o exercício, segundo as modalidades reguladas pelo direito nacional, do direito de recurso contra a mesma decisão, por parte de uma associação que preenche as condições recordadas no n.° 35 do presente acórdão.

38      Com efeito, por um lado, o direito de recurso nos termos do artigo 10.° A da Directiva 85/337 é independente da natureza administrativa ou jurisdicional da autoridade que toma a decisão ou que adopta o acto impugnado. Por outro, a participação no processo de decisão em matéria ambiental, nas condições previstas nos artigos 2.°, n.° 2, e 6.°, n.° 4, da Directiva 85/337, é distinta e tem um objectivo diferente do recurso jurisdicional que pode eventualmente ser interposto da decisão tomada no final desse processo. A participação no processo é, assim, irrelevante quanto às condições de exercício do direito de recurso.

39      Destarte, há que responder à segunda questão que os membros do público em causa, na acepção dos artigos 1.°, n.° 2, e 10.° A da Directiva 85/337, devem poder recorrer da decisão pela qual uma instância que integra a organização judiciária de um Estado‑Membro decida um pedido de licenciamento de um projecto, qualquer que tenha sido o seu papel na instrução desse pedido no momento em que intervieram no processo na referida instância e aí exprimiram a sua opinião.

 Quanto à terceira questão

40      Com a sua terceira questão, o tribunal de reenvio procura, em substância, saber se, no quadro da aplicação dos artigos 6.°, n.° 4, e 10.° A da Directiva 85/337, os Estados‑Membros podem prever que as pequenas associações locais de defesa do ambiente participem no processo de decisão previsto no artigo 2.°, n.° 2, da directiva, sem contudo beneficiarem do direito de recurso da decisão que venha a ser tomada no termo do processo.

41      Resulta da decisão de reenvio e dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça, bem como dos debates na audiência pública, que esta questão é suscitada pelo facto de, na legislação nacional pertinente, haver uma regra segundo a qual só as associações com um mínimo de 2 000 membros podem interpor recurso de uma decisão tomada no domínio do ambiente.

42      A Directiva 85/337 distingue o público em causa numa operação por ela abrangida, em geral, de uma subcategoria de pessoas singulares ou colectivas, dentre esse público em causa, que, devido à sua posição particular relativamente à operação em questão, devem, nos termos do artigo 10.° A, ter o direito de impugnar a decisão de licenciamento.

43      A directiva remete para a legislação nacional a definição dos requisitos de legitimidade para o recurso, que tanto podem ser a existência de um «interesse suficiente» em agir ou a «violação de um direito», consoante a legislação nacional use habitualmente uma ou outra destas noções.

44      No que toca às organizações não governamentais que promovem a defesa do ambiente, o artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 85/337, lido em conjugação com o artigo 10.° A, exige que as que «cumprem os requisitos previstos na legislação nacional» sejam consideradas, consoante o caso, como tendo um «interesse suficiente [em agir]» ou como titulares de um direito que pode ser violado por uma operação abrangida pela directiva.

45      Embora este artigo, pela remissão que faz para o artigo 1.°, n.° 2, da referida directiva, deixe aos legisladores nacionais o cuidado de determinar as condições que podem ser exigidas para que as organizações não governamentais de defesa do ambiente que operam como associações possam ter o direito de recurso nas condições acima indicadas, as regras nacionais assim criadas devem não só assegurar «um vasto acesso à justiça» como também conferir efeito útil às disposições da Directiva 85/337 relativas ao direito de recurso jurisdicional. Assim, essas regras nacionais não devem esvaziar de conteúdo as disposições comunitárias segundo as quais as pessoas que tenham um interesse suficiente em contestar um projecto e as pessoas cujos direitos possam por ele ser violados, como as associações de defesa do ambiente, devem poder agir nos tribunais competentes.

46      Deste ponto de vista, a lei nacional pode exigir que as associações que pretendam contestar judicialmente um projecto no âmbito da Directiva 85/337 tenham um objecto social com alguma relação com a protecção da natureza e do ambiente.

47      Além disso, não se exclui que a condição relativa ao número mínimo de membros das associações de defesa do ambiente possa ser tida como adequada para garantir a efectividade da sua existência e da sua actividade. Contudo, o número de membros exigido não pode ser fixado pela lei nacional a um nível que prejudique os objectivos da Directiva 85/337, especialmente o de facilitar o controlo jurisdicional das actividades por ela abrangidas.

48      A este respeito, é de notar que, embora a Directiva 85/337 preveja que os membros do público em causa, com um interesse suficiente em impugnar uma operação ou cujos direitos possam ser prejudicados por esta, devem poder recorrer da decisão que a licencie, de maneira nenhuma esta directiva permite que se limitem as possibilidades de recurso pelo facto de as pessoas envolvidas já terem podido manifestar a sua opinião durante a fase de participação no processo de decisão prevista no artigo 6.°, n.° 4.

49      Assim, a circunstância alegada pelo Reino da Suécia, de as regras nacionais permitirem amplamente a participação a montante no processo de elaboração da decisão relativa a uma operação, não permite de modo algum justificar que o recurso jurisdicional da decisão tomada no seu termo só seja admitido em condições restritivas.

50      Além disso, a Directiva 85/337 não diz apenas respeito a operações de envergadura regional ou nacional, mas também a operações de dimensão mais restrita que as associações locais têm melhores condições para analisar. Ora, como salienta a advogada‑geral no n.° 78 das suas conclusões, a norma sueca em causa é susceptível de privar, em substância, as associações locais de qualquer recurso jurisdicional.

51      O Governo sueco – que reconhece que actualmente apenas duas associações têm um mínimo de 2 000 membros e, assim, preenchem a condição do § 13 do capítulo 16 da Lei do Ambiente – alegou que as associações locais poderiam solicitar a uma dessas duas associações que interpusesse um recurso. Mas esta possibilidade, por si só, não permite satisfazer as exigências da Directiva 85/337, pois, por um lado, estas associações habilitadas podem não ter interesse em se ocuparem de uma operação de alcance limitado e, por outro lado, correriam o risco de ser inundadas de inúmeros pedidos nesse sentido, que necessariamente teriam de seleccionar segundo critérios que ficariam fora de qualquer controlo. Finalmente, tal sistema provocaria, pela sua própria natureza, uma filtragem dos recursos em matéria ambiental, directamente contrária ao espírito da directiva, cujo objectivo já indicado no n.° 33 do presente acórdão é o de assegurar a aplicação da Convenção de Aarhus.

52      Destarte, há que responder à terceira questão que o artigo 10.° A da Directiva 85/337 se opõe a uma disposição da legislação nacional que reserva o direito de se recorrer das decisões relativas a operações no âmbito da directiva, apenas às associações de defesa do ambiente que tenham o mínimo de 2 000 membros.

 Quanto às despesas

53      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      Um projecto como o que está em causa no processo principal, relativo à drenagem das águas de infiltração num túnel que alberga linhas eléctricas, à injecção de água no solo ou na rocha para compensar uma eventual redução do nível das águas subterrâneas e à realização e manutenção de instalações de drenagem e de infiltração, está abrangido pelo ponto 10, alínea l), do anexo II da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente, conforme alterada pela Directiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio de 2003, independentemente do destino final das águas subterrâneas e, em particular, do facto de as mesmas serem ou não ulteriormente utilizadas.

2)      Os membros do público em causa, na acepção dos artigos 1.°, n.° 2, e 10.° A da Directiva 85/337, conforme alterada pela Directiva 2003/35, devem poder recorrer da decisão pela qual uma instância que integra a organização judiciária de um Estado‑Membro decida um pedido de licenciamento de um projecto, qualquer que tenha sido o seu papel na instrução desse pedido no momento em que intervieram no processo na referida instância e aí exprimiram a sua opinião.

3)      O artigo 10.° A da Directiva 85/337, conforme alterada pela Directiva 2003/35, opõe‑se a uma disposição da legislação nacional que reserva o direito de se recorrer das decisões relativas a operações no âmbito da directiva, conforme alterada, apenas às associações de defesa do ambiente que tenham o mínimo de 2 000 membros.

Assinaturas


* Língua do processo: sueco.