Language of document : ECLI:EU:C:2020:24

Processo C178/18 P

MSD Animal Health Innovation GmbH
e
Intervet international BV

contra

Agência Europeia de Medicamentos (EMA)

 Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 22 de janeiro de 2020

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Acesso aos documentos das instituições, dos órgãos ou dos organismos da União — Regulamento (CE) n.° 1049/2001 — Artigo 4.°, n.° 2, primeiro travessão — Exceção relativa à proteção dos interesses comerciais — Artigo 4.°, n.° 3 — Proteção do processo decisório — Documentos apresentados à Agência Europeia de Medicamentos no âmbito de um pedido de autorização de introdução no mercado de um medicamento veterinário — Decisão de conceder a um terceiro acesso aos documentos — Presunção geral de confidencialidade — Inexistência de obrigação de uma instituição, um órgão ou um organismo da União Europeia aplicar uma presunção geral de confidencialidade»

1.        Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Interpretação e aplicação estritas — Obrigação de a instituição proceder a um exame concreto e individual dos documentos — Alcance — Exclusão da obrigação — Possibilidade de se basear em presunções gerais que se aplicam a certas categorias de documentos — Limites

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 2)

(cf. n.os 51‑57)

2.        Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Análise do risco de lesão do interesse protegido por uma dessas exceções — Obrigação de a instituição recorrer a uma presunção geral de confidencialidade — Inexistência

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 2)

(cf. n.os 58‑64)

3.        Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção dos interesses comerciais — Alcance — Aplicação aos documentos apresentados no âmbito de um procedimento de autorização de introdução no mercado — Risco de utilização abusiva dos dados — Ónus da prova — Alcance

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 2, primeiro travessão)

(cf. n.os 80‑82, 93‑96)

4.        Recurso de decisão do Tribunal Geral — Fundamentos — Fundamentação insuficiente ou contraditória — Alcance do dever de fundamentação — Utilização pelo Tribunal Geral de uma fundamentação implícita — Admissibilidade — Requisitos

(Artigo 256.°, n.° 1, TFUE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 58.°, 1.° parágrafo)

(cf. n.os 115‑117)

5.        Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção do processo decisório — Proteção dos documentos elaborados no âmbito de um procedimento já encerrado — Alcance

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 3, 2.° parágrafo)

(cf. n.° 127)

Resumo

O Tribunal de Justiça confirma o direito de acesso aos documentos contidos no dossiê de um pedido de autorização de introdução no mercado de medicamentos

Uma oposição a tal acesso deve fornecer explicações sobre a natureza, o objeto e o alcance dos dados cuja divulgação possa prejudicar os interesses comerciais

Nos acórdãos PTC Therapeutics International/EMA (C‑175/18 P) e MSD Animal Health Innovation e Intervet International/EMA (C‑178/18 P), proferidos em 22 de janeiro de 2020, o Tribunal de Justiça foi levado a examinar, pela primeira vez, a questão do acesso aos documentos da União Europeia apresentados no âmbito de pedidos de autorização de introdução no mercado (AIM). Nessa ocasião, negou provimento aos recursos interpostos, por um lado, pela PTC Therapeutics International e, por outro, pela MSD Animal Health Innovation e pela Intervet International dos acórdãos do Tribunal Geral(1) que negaram provimento aos seus recursos de anulação das decisões(2) através das quais a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) tinha concedido acesso a documentos que continham informações apresentadas no âmbito do procedimento relativo a pedidos de AIM de medicamentos.

Os dois processos têm por objeto a legalidade das decisões da EMA de conceder, ao abrigo do Regulamento n.° 1049/2001(3), acesso a vários documentos, a saber, relatórios de ensaios toxicológicos e a um relatório de ensaio clínico (relatórios controvertidos), apresentados pelas recorrentes nos recursos dos acórdãos proferidos pelo Tribunal Geral no âmbito dos seus pedidos de AIM que visavam dois medicamentos, um dos quais para uso humano (processo C‑175/18 P) e o outro para uso veterinário (processo C‑178/18 P). Nos casos em apreço, depois de ter autorizado a introdução desses medicamentos no mercado, a EMA decidiu divulgar a terceiros o conteúdo daqueles relatórios, sem prejuízo de algumas ocultações. Ao contrário das recorrentes nos presentes recursos, que alegavam que aqueles relatórios deviam beneficiar de uma presunção de confidencialidade na sua integralidade, a EMA considerava que, com exclusão das informações já ocultadas, os referidos relatórios não tinham caráter confidencial.

Assim, num primeiro momento, o Tribunal de Justiça abordou a aplicação de uma presunção geral de confidencialidade por uma instituição, um órgão ou um organismo da União, ao qual foi submetido um pedido de acesso a documentos. A este respeito, o Tribunal de Justiça sublinhou que, quando essa instituição, esse órgão ou esse organismo se pode basear em presunções gerais aplicáveis a certas categorias de documentos, para lhe permitir decidir se a divulgação desses documentos prejudica, em princípio, o interesse protegido por uma ou várias exceções previstas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001, essa instituição, esse órgão ou esse organismo não é obrigado a basear a sua decisão nessa presunção geral. Assim, o Tribunal de Justiça concluiu que o recurso a uma presunção geral de confidencialidade constitui apenas uma simples faculdade para a instituição, o órgão ou o organismo da União em causa, o qual pode sempre proceder a um exame concreto e individual dos documentos em causa para determinar se estes estão, total ou parcialmente, protegidos por uma ou por várias das exceções previstas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça afastou o fundamento das recorrentes segundo o qual os relatórios controvertidos beneficiavam de uma presunção geral de confidencialidade, salientando que a EMA não estava obrigada a aplicar essa presunção aos referidos relatórios e que esta tinha efetuado um exame concreto e individual desses relatórios, que a tinha conduzido a ocultar alguns excertos destes.

Num segundo momento, o Tribunal de Justiça abordou a questão de saber se a decisão da EMA de conceder acesso aos relatórios controvertidos tinha prejudicado os interesses comerciais das recorrentes nos presentes recursos, exceção prevista no artigo 4.°, n.° 2, primeiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001. Assim, o Tribunal de Justiça começou por precisar que a pessoa que solicita a aplicação de uma das exceções previstas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001, por uma instituição, um órgão ou um organismo ao qual o referido regulamento se aplica, deve, tal como a instituição, o órgão ou o organismo em causa quando este pretenda recusar acesso a documentos, apresentar as explicações sobre a forma como o acesso a esses documentos poderia prejudicar concreta e efetivamente o interesse protegido por uma dessas exceções. Em seguida, o Tribunal de Justiça declarou que deve ser feita prova da existência de um risco de utilização abusiva dos dados contidos num documento ao qual é pedido acesso e que uma simples alegação não fundamentada relativa a um risco geral de tal utilização não pode conduzir a que se considere que esses dados estão abrangidos pela exceção relativa à proteção dos interesses comerciais, quando não haja mais nenhuma precisão, apresentada pela pessoa que requer a aplicação dessa exceção, antes de a instituição, o órgão ou o organismo em causa adotar uma decisão a este respeito, sobre a natureza, o objeto e o alcance dos referidos dados, suscetível de esclarecer o juiz da União sobre o modo como a sua divulgação pode prejudicar de forma concreta e razoavelmente previsível os interesses comerciais das pessoas abrangidas por esses mesmos dados. Por último, o Tribunal de Justiça concluiu, confirmando o raciocínio seguido pelo Tribunal Geral, que os excertos dos relatórios controvertidos que tinham sido divulgados não constituíam dados suscetíveis de serem abrangidos pela exceção relativa à proteção dos interesses comerciais. No que diz respeito à recorrente no recurso C‑175/18 P, o Tribunal de Justiça constatou que não tinha, por um lado, fornecido à EMA, antes da adoção da sua decisão, explicações sobre a natureza, o objeto e o alcance dos dados em causa que permitissem concluir pela existência de um risco de utilização abusiva dos dados contidos nos relatórios controvertidos e, por outro, identificado de forma concreta e precisa perante a EMA quais os excertos dos relatórios controvertidos que podiam prejudicar os seus interesses comerciais se fossem divulgados. No que diz respeito às recorrentes no recurso C‑178/18 P, o Tribunal de Justiça salientou que não tinham, no Tribunal Geral, fornecido essas explicações nem identificado de forma concreta e precisa os excertos dos relatórios controvertidos que podiam prejudicar os seus interesses comerciais em caso de divulgação.

Num terceiro momento, o Tribunal de Justiça recordou que o Tribunal Geral podia recorrer a uma fundamentação implícita perante argumentos, invocados por uma parte, que não são suficientemente claros e precisos. Neste sentido, sublinhou que incumbia às recorrentes apresentarem à EMA, na fase do procedimento administrativo que correu perante esta, explicações sobre a natureza, o objeto e o alcance dos dados cuja divulgação prejudicaria os seus interesses comerciais e que, não tendo estas explicações sido fornecidas, foi com razão que o Tribunal Geral concluiu, implícita mas necessariamente, que os depoimentos apresentados pelas recorrentes após a adoção das decisões da EMA não eram pertinentes para efeitos da apreciação da legalidade dessas decisões. Com efeito, o Tribunal de Justiça precisou que a legalidade de tal decisão relativa à divulgação de um documento só pode ser apreciada em função dos elementos de informação de que a EMA podia dispor na data em que adotou essa decisão.

Num quarto e último momento, o Tribunal de Justiça analisou a exceção ao direito de acesso aos documentos relativa à proteção do processo decisório, conforme prevista no artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001. Assim, no que se refere à crítica feita pelas recorrentes ao Tribunal Geral nos presentes recursos, relativa ao facto de a divulgação dos relatórios controvertidos durante o período de exclusividade dos dados prejudicar gravemente o processo decisório relativo aos eventuais pedidos de AIM para medicamentos genéricos durante esse período, o Tribunal de Justiça declarou que as recorrentes se referem a processos decisórios distintos do processo decisório relativo à AIM dos medicamentos em causa, que, como fora observado pelo Tribunal Geral, estava encerrado na data do pedido de acesso aos relatórios controvertidos.


1      Acórdãos do Tribunal Geral de 5 de fevereiro de 2018, PTC Therapeutics International/EMA (T‑718/15, EU:T:2018:66) e MSD Animal Health Innovation e Intervet international/EMA (T‑729/15, EU:T:2018:67).


2      Decisões da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), de 25 de novembro de 2015, EMA/722323/2015 e EMA/785809/2015.


3      Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43).