Language of document : ECLI:EU:T:2002:119

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

14 de Maio de 2002 (1)

«Funcionário - Indeferimento de um pedido de cessação definitiva de funções - Recurso de anulação e acção de indemnização»

No processo T-194/00,

Nuno Antas de Campos, funcionário do Parlamento Europeu, residente em Lisboa, representado por C. Botelho Moniz, advogado,

recorrente,

contra

Parlamento Europeu, representado por R. da Silva Passos e J. F. De Wachter, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrido,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão de 3 de Setembro de 1999, que indefere o pedido do recorrente para beneficiar de uma medida de cessação definitiva de funções ao abrigo do Regulamento (CE, Euratom, CECA) n.° 2688/95 do Conselho, de 17 de Novembro de 1995, que institui medidas especiais relativas à cessação definitiva de funções de funcionários das Comunidades Europeias por ocasião da adesão da Áustria, da Finlândia e da Suécia (JO L 280, p. 1), e um pedido de indemnização pelos prejuízos sofridos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: R. M. Moura Ramos, presidente, J. Pirrung e A. W. H. Meij, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 6 de Março de 2002,

profere o presente

Acórdão

Quadro regulamentar e factual

1.
    Em 17 de Novembro de 1995, o Conselho adoptou o Regulamento (CE, Euratom, CECA) n.° 2688/95, que institui medidas especiais relativas à cessação definitiva de funções de funcionários das Comunidades Europeias por ocasião da adesão da Áustria, da Finlândia e da Suécia (JO L 280, p. 1).

2.
    O artigo 1.° deste regulamento autorizava o Parlamento «até 30 de Junho de 2000, a adoptar, relativamente aos seus funcionários que tenham atingido a idade de 55 anos, com excepção dos de grau A 1 e A 2, medidas de cessação definitiva de funções nos termos do presente regulamento» (a seguir «cessação definitiva de funções»).

3.
    Nos termos do artigo 2.° do Regulamento n.° 2688/95, o Parlamento Europeu podia adoptar estas medidas relativamente a 70 funcionários, para o período compreendido entre 1 de Julho de 1995 e 30 de Junho de 2000. Este período estava dividido em cinco exercícios, cada um abrangendo o período compreendido entre 1 de Julho de um ano e 30 de Junho do ano seguinte. O número de funcionários susceptíveis de ser abrangidos por esta medida de cessação definitiva de funções foi fixado em 14, para cada um destes exercícios.

4.
    Nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 2688/95, o Parlamento escolherá os funcionários a quem será aplicada a cessação definitiva de funções «com base no interesse do serviço relacionado com o alargamento». O artigo 3.° prossegue:

«Para o efeito, ter-se-á em consideração a idade, a competência, o rendimento, a conduta no serviço, a situação familiar e a antiguidade dos funcionários. É exigido um mínimo de dez anos de antiguidade.

De qualquer modo, essa medida não será aplicada sem o consentimento do interessado.»

5    O recorrente, nascido em 1945, foi recrutado em 1986, por concurso geral, para exercer, como funcionário de grau A 3, as funções de chefe do Gabinete de Informação do Parlamento Europeu em Lisboa.

6    Segundo o recorrente, na década de 90 reinou um clima de tensão entre ele e um vice-presidente do Parlamento Europeu de nacionalidade portuguesa motivado por concepções divergentes quanto ao papel do Gabinete de Informação. O recorrente alega que, não obstante os seus pedidos nesse sentido, o papel do serviço não foi clarificado pelos seus superiores hierárquicos. Segundo afirma, a situação de tensão desanuviou-se em 1998, com o abandono do Parlamento Europeu por parte do vice-presidente em causa, deixando, no entanto, sequelas importantes ao nível da sua saúde que ainda hoje o afectam.

7    Em 1997, a Mesa do Parlamento Europeu adoptou uma política de mobilidade. Em 17 de Fevereiro de 1998, o recorrente foi convocado pelo Director de Pessoal do Parlamento Europeu que o informou que estava «atingido prioritariamente por estas medidas». Num ofício de 27 de Abril de 1998, enviado pelo Secretário-Geral ao Presidente da Comissão Paritária, a ECPN comunicou o propósito de reafectar, no quadro desta política, os chefes dos gabinetes de Copenhaga, Haia, Lisboa e Londres. Em 16 de Dezembro de 1998, a Mesa do Parlamento adoptou o regulamento de aplicação da política de mobilidade.

8    Os chefes dos gabinetes de informação de Londres e Copenhaga, X e Y, cessaram as suas funções, nos termos do Regulamento n.° 2688/95, no exercício que terminou em 30 de Junho de 1999.

9    Em 18 de Janeiro de 1999, o recorrente, que iria cumprir 55 anos em 13 de Junho de 2000, pediu a cessação definitiva de funções com efeitos a partir de 30 de Junho de 2000. Como fundamento do seu pedido, o recorrente alegou o seguinte respeitante à sua situação familiar: «Casamento a celebrar (este ano) com uma professora da Universidade [Autónoma] de Lisboa (UAL). Responsável pelo acompanhamento diário de seus pais (ambos com 83 anos), estando a mãe acamada há 7 anos.»

10    Por nota de 11 de Fevereiro de 1999, o Director-Geral do Pessoal pediu a todos os directores-gerais do Parlamento que lhe comunicassem uma lista dos funcionários propostos para a cessação definitiva de funções, indicando e fundamentado a respectiva ordem de prioridades.

11    Em 22 de Fevereiro de 1999, o Director-Geral da DG da Informação e das Relações Públicas indicou as prioridades relativas à sua direcção-geral. O recorrente constituía a quarta prioridade desta lista, possuindo todos os outros candidatos uma antiguidade maior.

12    Em 23 de Abril de 1999, o Secretário-Geral do Parlamento transmitiu à Comissão Paritária o relatório sobre a cessação definitiva de funções para o período compreendido entre 1 de Julho de 1999 e 30 de Junho de 2000. Neste relatório, o nome do recorrente não constava entre os funcionários propostos para a cessação definitiva de funções. Como «causa de eliminação», o relatório apresenta a antiguidade inferior a 20 anos e indica «Antas de Campos e [...], cujos lugares se encontram sujeitos a mobilidade, não preenchem as condições de antiguidade. Apenas totalizam, com efeito, respectivamente 14 e 11 anos de antiguidade e a sua idade permite-lhes encarar uma carreira profissional inteiramente profícua.» O relatório propõe a cessação definitiva de funções de três outros funcionários da categoria A, pertencendo dois à mesma direcção-geral do recorrente.

13    A Comissão Paritária também não reteve a candidatura do recorrente.

14    Por nota à atenção do Presidente do Parlamento de 9 de Junho de 1999, o Secretário-Geral comunicou as suas propostas e o parecer da Comissão Paritária à ECPN competente na matéria, ou seja, o Presidente do Parlamento. A cessação definitiva de funções não foi proposta devido à «muito pouca antiguidade no serviço».

15    Em nota dirigida ao Secretário-Geral em 9 de Junho de 1999, o chefe de gabinete do Presidente indicou que este estava de acordo com a cessação definitiva de funções de uma das pessoas propostas, acrescentando:

«Toutefois, il souhaiterait que soit à nouveau examiné le cas de M. Antas de Campos, dès lors que l'argument principal, tiré de la relativement faible ancienneté de l'intéressé, est difficilement convainquant lorsqu'on l'applique à des fonctionnaires recrutés à l'occasion d'un élargissement, à un grade élevé, c'est à dire avec une expérience professionnelle déjà importante - et dont on ne peut donc s'attendre à ce qu'ils prestent des services à l'institution pendant une période aussi longue que de jeunes recrutés.

En conséquence, les critères tirés de l'intérêt du service d'une part, du mérite et des aspects familiaux et personnels, d'autre part, paraissent devoir être déterminants.

Je souhaiterais avoir vos observations sur ces points.»

16    Em 19 de Julho de 1999, terminou o mandato do Presidente Gil Robles, que foi substituído pela actual Presidente, Nicole Fontaine.

17    O pedido do recorrente foi indeferido por carta do Director-Geral do Pessoal do Parlamento de 3 de Setembro de 1999. A reclamação do recorrente, datada de 2 de Dezembro de 1999, foi recusada como infundada em 17 de Abril de 2000.

Tramitação processual e pedidos das partes

18     18    Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 26 de Julho de 2000, o recorrente interpôs o presente recurso.

19    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção) decidiu iniciar a fase oral.

20    As partes foram ouvidas em alegações e nas respostas às questões do Tribunal na audiência de 6 de Março de 2002.

21    O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão de 17 de Abril de 2000 que recusou a sua reclamação por infundada,

-    condenar a instituição recorrida no pagamento, ao recorrente, de uma indemnização global de 50 milhões de PTE (cerca de 249 400 euros), sendo 25 milhões de PTE (cerca de 124 700 euros) referentes aos danos causados à sua saúde e 25 milhões de PTE referentes à forma como foi afectado o seu bom nome e reputação profissional,

-    condenar a parte recorrida ao pagamento das despesas do processo,

-    ordenar a junção de certos documentos aos autos,

-    admitir a produção de prova testemunhal e de outras medidas de organização do processo.

22    O Parlamento conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar inadmissível o pedido de indemnização,

-    julgar improcedente o pedido quanto ao restante,

-    estatuir sobre as despesas nos termos legais.

Quanto ao pedido de anulação

Argumentos das partes

23    O recorrente deduz três fundamentos, sendo o primeiro a violação do princípio da boa administração, o segundo a violação do princípio da igualdade e da não discriminação e o terceiro a violação do dever de fundamentação consagrado no artigo 25.° do Estatuto.

24    O primeiro fundamento divide-se em três partes. Com as duas primeiras, o recorrente alega, no essencial, que o Parlamento cometeu erros de apreciação no exame do seu pedido. Por um lado, critica a falta de coerência na aplicação dos critérios de apreciação do interesse do serviço. Por outro, alega que o Parlamento não tomou em consideração todos os elementos pertinentes, nomeadamente as condições do seu recrutamento e o seu estado de saúde. Na terceira parte, o recorrente invoca, essencialmente, uma violação do dever de assistência.

25    O recorrente entende que o Parlamento devia, ao decidir os pedidos de cessação definitiva de funções ao abrigo do Regulamento n.° 2688/95, ter tido em conta a situação dos chefes dos gabinetes de informação e, designadamente, os problemas particulares que se lhes colocam com a aplicação do regime da mobilidade. Na sua opinião, as condições do recrutamento dos chefes dos gabinetes de informação, constantes, nomeadamente, dos avisos de vaga, não permitem que lhes seja aplicado o regime da mobilidade.

26    O recorrente entende que o Parlamento considerou que «o critério do interesse do serviço, consagrado no Regulamento n.° 2688/95, justificava a aplicação do regime de cessação definitiva de funções a funcionários que o Parlamento considerava que deviam ser desligados dos cargos que exerciam, mas em relação aos quais não era possível invocar as regras da mobilidade, dadas as condições do respectivo recrutamento.»

27    Em apoio desta tese, o recorrente invoca os casos dos chefes dos gabinetes do Parlamento Europeu de Londres e de Copenhaga, X e Y, que, tendo antiguidade inferior à do recorrente, beneficiaram do regime de cessação definitiva de funções ao abrigo do Regulamento n.° 2688/95.

28    Segundo afirma o recorrente, o princípio da boa administração implica que a Administração, quando exerce poderes de natureza discricionária, deve manter a estabilidade dos seus critérios de apreciação, não lhe sendo lícito aplicar orientações contraditórias em relação a situações em que a «razão de decidir» é idêntica. Entende que, no caso dos autos, verifica-se que não houve estabilidade nos critérios de apreciação utilizados pela autoridade competente, uma vez que a «razão de decidir» que levou a considerar aplicável aos casos de X e Y o critério do interesse do serviço, consagrado no Regulamento n.° 2688/95, devia ter levado a aplicar o mesmo critério à situação do recorrente.

29    Na audiência, o recorrente acrescenta que o relatório sobre a cessação definitiva de funções para o período compreendido entre 1 de Julho de 1998 e 30 de Junho de 1999, reproduzido como anexo 5 da tréplica, demonstra, por um lado, que o Parlamento reconhecia a situação excepcional dos chefes dos gabinetes de informação e, por outro, que a prática do Parlamento aplicada durante este exercício não era coerente com a seguida no exercício seguinte.

30    Com o seu segundo fundamento, o recorrente considera que houve ainda violação do princípio da igualdade, na medida em que a sua situação objectiva era mais favorável, quanto ao preenchimento das condições de aplicação do regime da cessação definitiva de funções, do que a dos seus dois colegas e que tinha antiguidade superior.

31    Na réplica, o recorrente especifica que a instituição recorrida aplicou ainda o critério da antiguidade de maneira discriminatória, censurando-a por ter tratado da mesma forma as situações dos vários funcionários da instituição, sem ter em consideração as circunstâncias em que ocorreu o seu recrutamento. O recorrente refere, a este respeito, a nota do Presidente do Parlamento, referida supra no n.° 15. Por outro lado, censura o Parlamento por ter ponderado, para determinar a antiguidade de X, os anos de serviço deste no Conselho, ao passo que a carreira profissional anterior do recorrente noutras organizações internacionais (designadamente, a NATO e a Organização Intergovernamental para as Migrações) não foi tomada em consideração. Sustenta ainda que a instituição recorrida não ponderou o interesse do serviço de acordo com os mesmos critérios ao longo dos diferentes exercícios de aplicação do Regulamento n.° 2688/95, o que constitui igualmente uma violação do princípio da igualdade.

32    Com o seu terceiro fundamento, assente na violação do dever de fundamentação, o recorrente critica a instituição recorrida por o critério da antiguidade não ter sido objecto de fundamentação circunstanciada e por não ter apresentado as razões do afastamento das objecções suscitadas pelo Presidente do Parlamento Europeu na nota de 9 de Junho de 1999 (referida supra no n.° 15). Considera que não se procedeu à reapreciação requerida pelo Presidente Gil Robles e que a decisão que lhe diz respeito foi tomada pela nova titular do cargo, Nicole Fontaine, sem que a Administração a tenha habilitado com elementos que lhe permitissem equacionar e ponderar as objecções formuladas pelo seu antecessor. O recorrente salienta que o processo não contém as observações solicitadas na nota de 9 de Junho de 1999 e critica a ausência de qualquer explicação em relação à mudança de orientação por parte dessa mesma ECPN. Neste âmbito, acrescenta que as decisões relativas à cessação definitiva de funções dos outros candidatos lhes foram notificadas em Julho de 2000, enquanto no seu caso essa notificação foi feita apenas em Setembro, já depois da mudança do titular do cargo. O recorrente alega ainda que os restantes factores, nomeadamente os referentes à saúde e à sua situação familiar, não foram ponderados de forma adequada na decisão impugnada.

33    O Parlamento expõe, em primeiro lugar, os critérios relativos à apreciação dos pedidos para beneficiar da cessação definitiva de funções, que são, por um lado, o interesse do serviço e, por outro, a situação dos funcionários interessados. Na audiência, o Parlamento precisa que o critério principal a este respeito é o interesse do serviço e que a apreciação dos outros critérios deve corresponder a este critério principal. Considera ainda que aplicou correctamente estes critérios à situação do recorrente.

34    Quanto à comparação da situação do recorrente com a dos outros dois chefes dos gabinetes de informação, o Parlamento sustenta que estes tinham uma idade mais avançada e que as suas candidaturas não foram analisadas no mesmo exercício. Na audiência, o Parlamento expõe que a situação dos três funcionários da categoria A que beneficiaram da cessação definitiva de funções no exercício 1999/2000 era diferente da do recorrente, uma vez que tinham uma antiguidade maior e os seus pedidos baseavam-se em problemas de saúde.

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5.
    Em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal na audiência, o Parlamento referiu que existe um documento escrito que contém as observações solicitadas pela nota de 9 de Junho de 1999 (referida supra no n.° 15). O agente da instituição recorrida declarou-se disponível para pedir a autorização de produção deste documento, caso o Tribunal o pretenda.

Apreciação do Tribunal

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6.
    A título liminar, deve observar-se que as medidas de cessação definitiva de funções permitidas pelo Regulamento n.° 2688/95 não têm origem legal no Estatuto nem constituem, por isso, um elemento normal da carreira das pessoas em causa. Medidas deste tipo, designadas de «dégagement des cadres», devem, pelo contrário, ser analisadas como uma prática a que a Comunidade recorreu pontualmente no interesse do bom funcionamento das suas instituições. Daqui resulta que a instituição em causa não é obrigada a deferir os pedidos que lhe são apresentados nem a utilizar, mesmo que em parte, a faculdade que lhe é proporcionada de decidir quanto à cessação definitiva de funções de uma parte dos seus funcionários (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 2000, Conselho/Chvatal e o., C-432/98 P e C-433/98 P, Colect., p. I-8535, n.os 28 e 29).

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7.
    Daqui resulta que a instituição recorrida dispõe de um amplo poder de apreciação na aplicação dos critérios enunciados no artigo 3.° do Regulamento n.° 2688/95. O controlo jurisdicional desta apreciação deve, portanto, limitar-se à verificação do respeito das regras processuais, da exactidão material dos factos considerados para fazer a escolha contestada, da ausência de erro manifesto na apreciação dos factos e da ausência de desvio de poder.

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8.
    Importa examinar os fundamentos do recorrente à luz destas considerações.

- Quanto à primeira parte do primeiro fundamento e quanto ao segundo fundamento

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9.
    Deve proceder-se a uma análise conjunta da primeira parte do primeiro fundamento, na qual o recorrente acusa o Parlamento de incoerência na aplicação dos critérios de apreciação do interesse do serviço, e o segundo fundamento, assente na violação do princípio da igualdade.

         40    A este respeito, conclui-se dos dois relatórios sobre a cessação definitiva de funções elaborados pelo Parlamento que este procedeu a uma interpretação dos critérios constantes do artigo 3.° do Regulamento n.° 2688/95 de modo a melhor enquadrar o exercício do seu poder de apreciação. Tal precisão dos critérios fixados pelo legislador comunitário pela autoridade administrativa chamada a aplicá-los é, em princípio, legítima, a menos que esta interpretação seja contrária ao texto do regulamento ou que revele um erro manifesto de apreciação ou um desvio de poder, o que não é todavia aqui alegado.

41    Como é acertadamente salientado pelo recorrente, o princípio da boa administração obriga a ECPN a aplicar os critérios por ela precisados com coerência e a justificar qualquer excepção em relação à sua prática habitual. Tal não a impede, porém, de ter em conta a evolução da situação dos seus serviços no decurso dos diferentes exercícios de cessação definitiva de funções, tanto no que respeita ao número de funcionários voluntários para a aplicação de uma medida de cessação definitiva de funções como no que se refere às alterações que podem ocorrer nas necessidades do serviço.

42    Há que examinar, à luz das considerações precedentes, a questão de saber se o recorrente tem razão quando sustenta que o Parlamento se afastou, no seu caso, de um critério geral ou de uma prática habitual que adoptara, para efeitos da apreciação do interesse do serviço. O recorrente é de opinião que a existência de uma regra de conduta, segundo a qual este interesse justifica a cessação definitiva de funções dos chefes dos gabinetes de informação que o Parlamento tenciona afastar do seu posto, pode ser deduzida das decisões do Parlamento de conceder a cessação definitiva de funções no exercício 1998/1999 a dois chefes de gabinetes de informação, X e Y.

43    A este respeito, resulta do relatório sobre a cessação definitiva de funções apresentado à Comissão Paritária para o exercício 1998/1999 que a situação de X e Y foi considerada excepcional por razões ligadas tanto ao interesse do serviço quanto aos seus interesses pessoais. O relatório indica, designadamente, que a aplicação do regime da mobilidade a esses funcionários não foi considerada, enquanto tal, motivo para propor a sua cessação definitiva de funções. O relatório sublinha as circunstâncias particulares em que a instituição pretendeu aplicar-lhes o regime de mobilidade, nomeadamente no que respeita à necessidade de substituí-los nos seus postos em tempo útil antes das eleições europeias de Junhode 1999 e às dificuldades encontradas para propor-lhes uma nova afectação. Resulta do relatório que, nestas circunstâncias, o dever de assistência para com eles influenciou a decisão de aplicar-lhes o Regulamento n.° 2688/95, apesar de um dos dois não cumprir a exigência de uma antiguidade no serviço de 20 anos que o Parlamento fixara como critério geral.

44    Não se pode deduzir das considerações constantes do referido relatório que o Parlamento adoptara um critério geral de que o interesse do serviço justifica a cessação definitiva de funções dos chefes dos gabinetes de informação que o Parlamento pretende afastar do seu posto. Antes resulta deste relatório que o Parlamento procedeu a uma apreciação da situação particular dos dois funcionários a que o recorrente se refere.

45    Nestas condições, as circunstâncias em que X e Y apresentaram os seus pedidos de cessação definitiva de funções não são pertinentes para o resultado do presente litígio, não devendo ser deferido o pedido do recorrente de ouvi-los aqui como testemunhas.

46    Daqui decorre que, ao decidir a não cessação definitiva de funções do recorrente, o Parlamento não violou a obrigação de coerência na sua prática administrativa.

47    Acrescente-se que o Parlamento não estava obrigado a adoptar o critério geral preconizado pelo recorrente. Com efeito, a questão de saber se, em razão das condições em que foram recrutados, a mobilidade pode ser aplicada utilmente aos funcionários afectos aos gabinetes de informação é, em princípio, alheia ao mecanismo de cessação definitiva de funções. Como tal, o Parlamento não cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que o facto de o recorrente ser chefe de um gabinete de informação e de ser abrangido pela política de mobilidade não impunha que lhe fosse concedida a cessação definitiva de funções.

48    Quanto ao segundo fundamento, assente na violação do princípio da igualdade, há que recordar que o princípio da não discriminação, que constitui um princípio fundamental de direito, proíbe que situações comparáveis sejam tratadas de maneira diferente ou que situações diferentes sejam tratadas de forma igual, a menos que tal diferença de tratamento seja objectivamente justificada (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Outubro de 2001, Martinez e o./Parlamento, T-222/99, T-327/99 e T-329/99, ainda não publicado na Colectânea, n.° 150).

49    A este respeito, há que salientar, antes de mais, que as decisões relativas aos outros dois chefes de gabinete de informação, invocadas pelo recorrente, foram adoptadas num exercício diferente do da decisão impugnada. O recorrente não contesta que a cessação definitiva de funções de X e Y tenha ocorrido em 1999, numa situação em que 85 funcionários tinham manifestado o interesse naquela medida e em que havia 14 possibilidades. Cerca de um funcionário em seis voluntários podia, portanto, obter essa cessação definitiva de funções. No exercício seguinte, onde se inclui o pedido do recorrente, os números eram claramente menos favoráveis aosfuncionários interessados na cessação definitiva de funções. Com efeito, o número de pedidos para este exercício era de 134 para 15 possibilidades de cessação definitiva de funções, de modo que apenas um pedido em nove podia ser deferido. Nestas condições, a aplicação de critérios semelhantes podia levar a um resultado diferente. Assim, o facto de X e Y terem podido beneficiar da cessação definitiva de funções, ao contrário do recorrente, não é suficiente para demonstrar uma violação do princípio da igualdade.

50    No que se refere à acusação de aplicação discriminatória do critério da antiguidade, pelo facto de os anos de serviço de X no Conselho terem sido tomados em consideração para o cálculo dos seus anos de serviço e o mesmo não ter acontecido com a carreira anterior do recorrente noutras organizações internacionais, há que salientar que, nos termos do artigo 8.°, segundo parágrafo, do Estatuto, considera-se que o funcionário que tiver sido transferido para outra instituição fez a sua carreira comunitária nesta última instituição. Assim, o Parlamento estava obrigado, pelo Estatuto, a tomar em consideração os anos de serviço de X no Conselho. Esta disposição do Estatuto é a expressão de um princípio geral segundo o qual, para a determinação da antiguidade global de serviço dos funcionários comunitários, apenas são considerados os anos de serviço cumpridos nas instituições comunitárias. Assim, a situação do recorrente não era comparável à de X, em termos do cálculo da sua antiguidade no serviço.

51    Daqui resulta que a primeira parte do primeiro fundamento e o segundo fundamento não são procedentes.

- Quanto às segunda e terceira partes do primeiro fundamento

52    No que respeita à acusação de que o Parlamento cometeu um erro de apreciação da situação pessoal do recorrente, importa salientar que o Parlamento afirma, sem ser contestado pelo recorrente, que este não invocou o seu estado de saúde no quadro do procedimento administrativo. Assim, não se pode censurar o Parlamento por não o ter tomado em consideração. Quanto às outras circunstâncias relativas à situação pessoal do recorrente, este também não contestou a afirmação de que a situação pessoal de vários candidatos à cessação definitiva de funções era equivalente à sua. O recorrente não alegou, designadamente, que as indicações fornecidas pelo Parlamento em relação à situação pessoal dos três funcionários da sua categoria que beneficiaram da cessação definitiva de funções no exercício 1999/2000 eram inexactas.

53    A este respeito, extrai-se das indicações fornecidas pelo Parlamento na contestação que estes três funcionários não só tinham uma antiguidade de serviço superior à do recorrente, e que eram entre dois e seis anos mais velhos do que ele, como também que cada um deles se encontrava numa situação pessoal ou familiar que justificava igualmente o desejo de poderem cessar as suas funções.

54    Assim, uma das três pessoas em causa estava gravemente doente com cancro e tinha sido submetida a três intervenções cirúrgicas. Um segundo funcionário tinha um problema de saúde que implica uma invalidade de 2% e um filho doente, ao passo que o cônjuge do terceiro funcionário estava doente e tinha sido submetido a cinco operações.

55    Nestas condições, o recorrente não demonstrou que o Parlamento cometeu um erro manifesto de apreciação ao aplicar o critério da antiguidade no serviço para escolher, de entre os funcionários cuja situação pessoal justificava o desejo de poderem cessar as suas funções, os três funcionários acima referidos aos quais foi concedida a cessação definitiva de funções, afastando o pedido do recorrente. É certo que a nota do chefe de gabinete do Presidente (referida supra no n.° 15) menciona considerações susceptíveis de justificar a aplicação de outros critérios no caso do recorrente. O facto de o recurso a outros critérios poder justificar-se no caso em apreço não chega, porém, para considerar que o Parlamento devia ter dado prioridade a estes critérios, nem que a aplicação do critério da antiguidade era, no caso em análise, constitutiva de um erro manifesto de apreciação.

56    Resulta do que precede que não cabe ordenar, como medida de organização do processo, a produção de certos documentos, pedida pelo recorrente. No que se refere, por um lado, à decisão da ECPN na origem da carta de 3 de Setembro de 1999 que informou o recorrente do indeferimento do seu pedido, o Parlamento afirmou, sem ser contestado pelo recorrente, que não existe qualquer documento escrito a este respeito. Esta explicação é plausível, visto que a decisão notificada ao recorrente podia resultar da simples aprovação, pela ECPN competente, das propostas do Secretário-Geral e da Comissão Paritária. O facto de o chefe de gabinete do Presidente Gil Robles ter solicitado à Administração explicações mais amplas quanto aos critérios a tomar em consideração no caso do recorrente não obsta à referida aprovação. Também não há que pedir a produção das referidas explicações, cuja existência foi confirmada pelo Parlamento na audiência, uma vez que as questões suscitadas pela nota acima referida não impedem a ECPN de considerar que o recurso ao critério da antiguidade era, afinal, justificado.

57    De igual modo, a produção dos documentos dos quais consta a data da notificação das decisões relativas à cessação definitiva de funções no exercício 1999/2000 aos outros candidatos não é necessária, uma vez que o Parlamento reconhece que estas notificações ocorreram várias semanas antes da notificação ao recorrente. Além disso, o Parlamento deu uma explicação plausível para este atraso, ou seja, o reexame da situação do recorrente após a nota do chefe de gabinete do Presidente datada de 9 de Junho de 1999.

58    Quanto à terceira parte do fundamento, o recorrente também não demonstrou que a instituição violou o dever de assistência a seu respeito. Se é certo que este dever obriga a Administração a tomar em consideração não só o interesse do serviço, mas igualmente o interesse pessoal do funcionário em causa, deve porém fazê-lo sempre no respeito das normas adoptadas pelo legislador comunitário. Ora, no casoem apreço, o número de funcionários que podiam beneficiar da cessação definitiva de funções era muito limitado. Não existem indícios concretos que permitam concluir que a instituição não tomou em consideração os interesses do recorrente ou que cometeu um erro manifesto na ponderação dos seus interesses com os dos outros funcionários que pediram a cessação definitiva de funções no exercício 1999/2000.

59    Daqui decorre que as segunda e terceira partes do primeiro fundamento também não procedem.

- Quanto ao terceiro fundamento, assente na violação do dever de fundamentação

60    Enquanto a fundamentação da decisão inicial de indeferimento do pedido do recorrente para beneficiar da cessação definitiva de funções é muito sucinta e pouco explícita, o mesmo não se passa com a decisão que indefere a sua reclamação. Com efeito, esta expõe com clareza suficiente as razões que levaram a ECPN a tomar a sua decisão, permitindo ao recorrente impugná-la e ao Tribunal fiscalizar a sua legalidade.

61    A este respeito, a fundamentação da decisão que indefere a reclamação do recorrente não podia ser considerada insuficiente, por não tomar expressamente posição em relação às observações feitas na nota do chefe de gabinete do Presidente do Parlamento referida supra no n.° 15. Com efeito, esta omissão não impediu o recorrente de submeter ao Tribunal a questão de saber se a ECPN podia legitimamente adoptar a decisão impugnada, não obstante estas considerações. Tal missão também não impediu o Tribunal de examinar esta questão.

62    Por conseguinte, o terceiro fundamento não procede.

63    Daqui resulta que o pedido de anulação deve ser julgado improcedente.

Quanto ao pedido de indemnização

Argumentos das partes

64    O recorrente considera que o clima de tensão em que exerceu as suas funções na década de noventa e a maneira como a hierarquia do recorrente se comportou nessa situação estiveram na origem de graves problemas de saúde. Além disso, a adopção pelo Parlamento da política de mobilidade teve para ele consequências particularmente graves. O recorrente explica que os graves problemas de saúde de que padece e o sentimento de abandono por parte dos seus superiores hierárquicos levaram-no a apresentar a candidatura ao regime de cessação definitiva de funções previsto no Regulamento n.° 2688/95. Ora, a tramitação do seu processo no seguimento dessa candidatura foi sujeita a vicissitudes dificilmente explicáveis. Orecorrente defende que a rejeição da sua candidatura à cessação definitiva de funções, com todas as vicissitudes que acompanharam o respectivo procedimento administrativo, contribuiu de forma decisiva para o agravamento do seu estado de saúde.

65    O recorrente acrescenta que o comportamento da instituição recorrida não foi apenas causa de problemas de saúde, mas também de lesões morais ao seu bom nome e à sua reputação profissional.

66    O recorrente considera que o pagamento de uma indemnização no valor global de 50 milhões de PTE (cerca de 249 400 euros), sendo 25 milhões de PTE (cerca de 124 700 euros) referentes aos danos causados à sua saúde e 25 milhões de PTE referentes à forma como foi afectado o seu bom nome e reputação profissional, constitui um montante adequado à reparação dos prejuízos sofridos.

67    Na tréplica, o Parlamento afirma que o pedido de indemnização por danos é inadmissível, por não ter sido precedido de uma fase pré-contenciosa nos termos do Estatuto.

68    No que se refere ao mérito do pedido, o Parlamento declara não ter praticado qualquer acto ilícito e que o recorrente não demonstrou de forma alguma que existisse um nexo de causalidade entre o comportamento da instituição e o prejuízo alegado.

Apreciação do Tribunal

69    O pedido de indemnização do recorrente visa obter, por um lado, a reparação de um prejuízo que, segundo afirma, lhe foi causado pelo indeferimento do seu pedido de cessação definitiva de funções, portanto, pelo acto impugnado no seu recurso de anulação. Por outro, o recorrente pede a reparação de um prejuízo resultante, segundo ele, de diversas faltas de serviço distintas do acto objecto do seu recurso de anulação, prejuízo causado, nomeadamente, pelo clima de tensão a que considera ter estado exposto devido às faltas de serviço dos seus superiores hierárquicos.

70    No que respeita, em primeiro lugar, ao prejuízo alegadamente causado pelo acto impugnado no recurso de anulação, o Tribunal verificou que o mesmo não padece de ilegalidade. Assim, não pode ser constitutivo de uma falta de serviço que dê lugar à reparação de um prejuízo. Por conseguinte, a acção de indemnização não procede, na medida em que visa obter a reparação de um prejuízo alegadamente causado ao recorrente pela decisão impugnada.

71    No que se refere, em seguida, ao prejuízo que o recorrente considera ter sofrido devido a outros comportamentos da instituição recorrida, importa verificar se existiu um procedimento pré-contencioso nos termos do Estatuto.

72    A este respeito, recorde-se que, quando um funcionário pede a reparação de um prejuízo causado por um comportamento sem carácter decisório deve, em primeiro lugar, apresentar um pedido à Administração que tenha por objecto a obtenção da reparação do prejuízo. Se a Administração não deferir o pedido, o interessado deve reclamar do indeferimento explícito ou implícito deste pedido, e só após o indeferimento desta reclamação é que pode ser intentada acção de indemnização no Tribunal (v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Setembro de 1991, Marcato/Comissão, T-5/90, Colect., p. II-731, n.° 50, de 12 de Janeiro de 1994, White/Comissão, T-65/91, ColectFP, pp. I-A-9, II-23, n.° 137, de 6 de Julho de 1995, Ojha/Comissão, T-36/93, ColectFP, pp. I-A-161, II-497, n.os 117 e segs., e de 30 de Novembro de 1995, Branco/Tribunal de Contas, T-507/93, ColectFP, pp. I-A-265, II-797, n.° 44).

73    Verifica-se que, no caso em apreço, não teve lugar tal procedimento pré-contencioso em duas fases. Com efeito, não resulta dos autos que a reclamação do recorrente tenha sido precedida de um pedido que tenha por objecto a obtenção da reparação do prejuízo alegado.

74    Por conseguinte, o pedido de indemnização deve ser julgado inadmissível, na medida em que tem por objecto a reparação de um prejuízo causado por outros comportamentos que não a decisão impugnada.

Quanto às despesas

75    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Todavia, nos termos do artigo 88.° do mesmo regulamento, nos litígios entre as Comunidades e os seus agentes, as despesas efectuadas pelas instituições ficam a cargo destas. Tendo o recorrente sido vencido e o Parlamento requerido que o Tribunal decida quanto às despesas nos termos legais, cada uma das partes suportará as suas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)    O pedido de anulação é julgado improcedente.

2)    O pedido de indemnização do prejuízo causado pela decisão impugnada é julgado improcedente.

3)    O pedido de indemnização é julgado inadmissível quanto ao restante.

4)    Cada uma das partes suportará as suas despesas.

Moura Ramos
Pirrung
Meij

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de Maio de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

R. M. Moura Ramos


1: Língua do processo: português.