Language of document : ECLI:EU:C:2019:1055

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 5 de dezembro de 2019(1)

Processo C406/18

PG

contra

Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Budapeste, Hungria)]

«Reenvio prejudicial — Política comum em matéria de asilo e de proteção subsidiária — Procedimentos comuns de concessão do estatuto de proteção internacional — Diretiva 2013/32/UE — Artigo 46.o, n.o 3 — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito a um recurso efetivo — Alcance dos poderes do órgão jurisdicional de primeira instância — Inexistência de poder de alteração — Prazo de sessenta dias para o tribunal de recurso ou o tribunal de primeira instância decidir»






I.      Introdução

1.        Qual é a duração razoável de um processo judicial? Esta questão, que é perfeitamente conhecida de qualquer sistema judicial moderno, surge tipicamente quando se trata de decidir a questão de saber se o prazo necessário para decidir um processo foi excessivamente longo e violou, assim, o direito de uma parte a um processo equitativo.

2.        Não é com frequência que um órgão jurisdicional, incluindo o Tribunal de Justiça, se vê confrontado com a questão inversa, isto é, a questão de saber se um prazo (neste caso, um prazo máximo de sessenta dias) é demasiado curto, impedindo assim o tribunal em questão de apreciar devidamente o processo (neste caso uma apreciação exaustiva e ex nunc de uma decisão administrativa que indefere um pedido de proteção internacional, conforme se estabelece no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32/UE (2)), violando potencialmente o direito de uma parte a um processo equitativo.

3.        O órgão jurisdicional de reenvio pergunta igualmente se se pode considerar que o direito a um recurso efetivo, consagrado no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, foi respeitado quando os órgãos jurisdicionais nacionais não têm competência para alterar a decisão administrativa, uma questão que foi recentemente decidida pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos Alheto e Torubarov (3).

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

4.        Nos termos do considerando 18 da Diretiva 2013/32, «[é] do interesse tanto dos Estados‑Membros como dos requerentes de proteção internacional que a decisão dos pedidos de proteção internacional seja proferida o mais rapidamente possível, sem prejuízo de uma apreciação adequada e completa.»

5.        O considerando 34 desta diretiva estabelece que «[os] procedimentos de apreciação da necessidade de proteção internacional deverão ser organizados de modo que as autoridades competentes possam proceder a uma apreciação rigorosa dos pedidos de proteção internacional.»

6.        O artigo 31.o da Diretiva 2013/32 diz respeito ao «[p]rocedimento de apreciação». Prevê o seguinte:

«[…]

2.      Os Estados‑Membros asseguram a conclusão do procedimento de apreciação o mais rapidamente possível, sem prejuízo da adequação e exaustividade da apreciação.

3.      Os Estados‑Membros asseguram a conclusão do procedimento de apreciação no prazo de seis meses a contar da apresentação do pedido.

[…]

5.      Em todo o caso, os Estados‑Membros concluem o procedimento de apreciação dentro de um prazo máximo de 21 meses a contar da apresentação do pedido.»

7.        O artigo 46.o da Diretiva 2013/32 diz respeito ao «[d]ireito a um recurso efetivo». Tem a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que os requerentes tenham direito a interpor recurso efetivo perante um órgão jurisdicional:

a)      Da decisão proferida sobre o seu pedido de proteção internacional, incluindo a decisão:

i)      que considera um pedido infundado relativamente ao estatuto de refugiado e/ou ao estatuto de proteção subsidiária,

ii)      que determina a inadmissibilidade do pedido, nos termos do artigo 33.o, n.o 2,

iii)      proferida na fronteira ou nas zonas de trânsito de um Estado‑Membro, conforme descrito no artigo 43.o, n.o 1,

iv)      de não proceder à apreciação, em aplicação do artigo 39.o;

[…]

3.      Para dar cumprimento ao n.o 1, os Estados‑Membros asseguram que um recurso efetivo inclua a análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, incluindo, se aplicável, uma apreciação das necessidades de proteção internacional na aceção da Diretiva 2011/95/UE, pelo menos no recurso perante um órgão jurisdicional de primeira instância.

4.      Os Estados‑Membros devem estabelecer prazos razoáveis e outras regras necessárias para o requerente exercer o seu direito de recurso efetivo nos termos do n.o 1. Os prazos não podem tornar impossível ou excessivamente difícil o exercício desse direito.

[…]

10.      Os Estados‑Membros podem fixar prazos para o órgão jurisdicional apreciar a decisão do órgão de decisão, nos termos do n.o 1.

[…]»

B.      Direito húngaro

8.        Segundo o artigo 68.o, n.o 2, da menedékjogról szóló 2007. évi LXXX. törvény (Lei LXXX de 2007 Relativa ao Direito de Asilo) (a seguir «Lei Relativa ao Direito de Asilo») o tribunal deve proferir uma decisão no prazo de sessenta dias a contar da data do pedido de análise de uma decisão administrativa pelo tribunal. Segundo o artigo 68.o, n.o 5, da mesma lei, o tribunal não pode alterar a decisão da autoridade competente em matéria de asilo.

III. Matéria de facto, tramitação processual nacional e questões submetidas

9.        O recorrente no processo principal, de nacionalidade iraquiana e etnia curda, chegou à zona de trânsito húngara de Tompa, situada na fronteira entre a Hungria e a Sérvia.

10.      Em 22 de agosto de 2017 apresentou um pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado.

11.      Em 18 de janeiro de 2018, o Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal (Serviço de Imigração e Asilo, Hungria) indeferiu o pedido de proteção internacional apresentado pelo recorrente. Ordenou o seu regresso a partir do território da União Europeia para o território do Governo Regional do Curdistão Iraquiano (KRG) e ordenou a execução da decisão administrativa através do seu afastamento. Impôs igualmente ao recorrente uma proibição de entrada pelo período de dois anos.

12.      O recorrente interpôs recurso desta decisão para o Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Budapeste, Hungria), o órgão jurisdicional de reenvio.

13.      Na audiência, foi confirmado que tinham sido previamente adotadas duas outras decisões administrativas de indeferimento do mesmo pedido. Estas decisões foram anuladas por duas sentenças proferidas por um tribunal diferente. Todavia, na sequência de alterações legislativas introduzidas a nível nacional relativas à competência dos órgãos jurisdicionais em matéria de asilo, o tribunal de reenvio tem a competência para conhecer do é do presente processo.

14.      Nestas circunstâncias, o Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Budapeste) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais e o artigo 31.o da [Diretiva 2013/32] ser interpretado, à luz do disposto nos artigos 6.o e 13.o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no sentido de que um Estado‑Membro pode garantir o direito à ação mesmo no caso de os seus órgãos jurisdicionais não poderem alterar as decisões proferidas em procedimentos de asilo, podendo apenas anulá‑las e ordenar a tramitação de um novo procedimento?

2)      Deve o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais e o artigo 31.o da [Diretiva 2013/32] ser interpretado, novamente à luz do disposto nos artigos 6.o e 13.o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no sentido de que a legislação do Estado‑Membro que estabelece um prazo imperativo único de sessenta dias para os processos judiciais de asilo, independentemente das circunstâncias individuais e sem ter em consideração as especificidades da causa nem as eventuais dificuldades em matéria de prova, está em conformidade com essa regulamentação?»

15.      O tribunal de reenvio solicitou que o presente reenvio prejudicial fosse submetido à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Em 31 de julho de 2018, a Secção competente decidiu não deferir esse pedido.

16.      Foram apresentadas observações escritas pelo recorrente, pelo Governo húngaro e pela Comissão Europeia. Todos eles participaram na audiência, que se realizou em 11 de setembro de 2019.

IV.    Apreciação

17.      As presentes conclusões estão estruturadas do seguinte modo. Começarei por explicar os motivos pelos quais considero que os recentes Acórdãos do Tribunal de Justiça Alheto e Torubarov resolveram todas as questões suscitadas pela primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio (A). Quanto à segunda questão, defenderei que a adequação do prazo previsto de sessenta dias depende da questão de saber se esse prazo assegura o respeito pelos direitos processuais do recorrente. Tal deve ser apreciado pelo órgão jurisdicional nacional à luz das circunstâncias específicas do presente processo, tendo em conta a sua obrigação de proceder a uma análise exaustiva e ex nunc, mas também no âmbito do conjunto das circunstâncias e condições gerais em que esse tribunal é chamado a exercer as suas funções judiciais. Se o tribunal nacional concluir que, à luz destes elementos, o prazo em causa não pode ser respeitado, o prazo em questão deve afastar a respetiva aplicação e concluir a apreciação o mais rapidamente possível após o termo desse prazo (B).

A.      Primeira questão: Acórdãos Alheto e Torubarov

18.      Com a sua primeira questão, o tribunal de reenvio pretende saber, em substância, se a inexistência de poder para alterar uma decisão adotada por um órgão administrativo no âmbito de um procedimento em matéria de proteção internacional é compatível com o direito a um recurso efetivo perante um órgão jurisdicional, previsto no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 (4), lido em conjugação com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») (5).

19.      O artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 prevê que os «Estados‑Membros asseguram que um recurso efetivo inclua a análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, incluindo, se aplicável, uma apreciação das necessidades em matéria de proteção internacional na aceção da Diretiva 2011/95/UE, pelo menos no recurso perante um órgão jurisdicional de primeira instância».

20.      Essa disposição prevê, a nível do direito derivado, o tipo de revisão que pode ser feita quando é impugnada perante um tribunal uma decisão abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2013/32. Naturalmente, a interpretação e a aplicação dessa disposição devem respeitar o direito a um recurso jurisdicional efetivo consagrado no artigo 47.o da Carta (6).

21.      O artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 foi recentemente interpretado pelo Tribunal de Justiça em dois acórdãos.

22.      No Acórdão Alheto, o Tribunal de Justiça sublinhou que, em primeiro lugar, a Diretiva 2013/32 não determina uma forma específica de aplicação do artigo 46.o, n.o 3. Assim, cabe aos Estados‑Membros adotar o respetivo modelo específico de revisão. Em segundo lugar, a análise efetuada por um tribunal de recurso ou por um tribunal de primeira instância deve consistir numa revisão exaustiva e ex nunc, abrangendo questõesquer de facto quer de direito. Em terceiro lugar, quando o tribunal apenas possa anular a decisão administrativa que considerou ilegal, os Estados‑Membros devem garantir que o resultado da apreciação tribunal seja cumprido rapidamente pelo órgão administrativo competente na decisão posterior (7).

23.      No Acórdão Torubarov (8), o Tribunal de Justiça aprofundou ainda mais estas condições relativamente à aplicação, num caso específico do modelo de revisão adotado pela Hungria em matéria de proteção internacional. Este foi alterado, a partir de 15 de setembro de 2015, de um modelo segundo o qual o órgão jurisdicional tinha competência para anular e alterar uma decisão administrativa para um modelo em que o órgão jurisdicional só tinha a possibilidade de anular a decisão e devolver o processo ao órgão administrativo para nova decisão.

24.      Neste contexto, o Tribunal de Justiça salientou a falta de poder discricionário das autoridades competentes quando se trata de conceder o estatuto de refugiado ou proteção subsidiária estando preenchidas as condições da Diretiva 2011/95/UE (9). Ao prever a obrigação de que o tribunal competente examine, se for caso disso, a necessidade do requerente em matéria de proteção internacional, o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 conferiu a esse tribunal o poder de decidir se o requerente preenche essas condições (10).

25.      Assim, quando um tribunal anula uma decisão de um órgão administrativo, com base numa análise exaustiva e atualizada de todos os elementos pertinentes de facto e de direito, e devolve o processo a esse órgão para nova decisão, o referido órgão já não dispõe de um poder discricionário quanto à decisão de conceder ou de recusar a proteção pedida. Caso contrário, como declarou o Tribunal de Justiça, o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, lido em conjugação com o artigo 47.o da Carta, e com os artigos 13.o e 18.o da Diretiva 2011/95 ficaria privado de efeito útil (11).

26.      Além disso, tendo em conta a inexistência de outra via de recurso no direito húngaro que permita ao tribunal nacional garantir a execução da sua decisão, o Tribunal de Justiça considerou que o requerente em causa ficou privado de um recurso efetivo (12). Quanto ao procedimento a seguir, o Tribunal de Justiça concluiu que, nestas circunstâncias, o tribunal deve alterar a decisão administrativa sem ter em conta a sua sentença anterior e afastar a aplicação da regulamentação nacional que o impeça de proceder dessa forma (13).

27.      No que diz respeito ao presente processo, há que salientar três aspetos.

28.      Por um lado, decorre das explicações facultadas pelo tribunal de reenvio que a regulamentação nacional em causa no presente processo é a mesma de que tratava o Acórdão Torubarov, a saber, o artigo 68.o, n.o 5, da Lei Relativa ao Direito de Asilo, que prevê que os tribunais nacionais não podem alterar as decisões administrativas adotadas em matéria de proteção internacional.

29.      Em segundo lugar, o tribunal de reenvio não explica na sua decisão de reenvio se e em que medida uma decisão anterior proferida em relação ao mesmo recorrente, mas por um tribunal nacional diferente, não foi cumprida pelo órgão administrativo competente (14).

30.      Em terceiro lugar, a redação da primeira questão prejudicial e a fundamentação apresentada na decisão de reenvio são relativamente resumidas e abstratas. Não apresentam quaisquer outras considerações para além de um um questionamento geral sobre se o direito a um recurso efetivo previsto no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, lido à luz do artigo 47.o da Carta, configura o modelo de proteção judicial definido no artigo 68.o, n.o 5, da Lei Relativa ao Direito de Asilo.

31.      Assim, na falta de outras características distintivas, penso que a resposta à primeira questão submetida pelo tribunal de reenvio foi, entretanto, integralmente facultada nos Acórdãos Alheto e Torubarov. À luz dessas decisões, a resposta deverá comportar duas vertentes.

32.      Em primeiro lugar, decorre do Acórdão Alheto que a existência de um modelo judicial baseado no poder de anular decisões administrativas não é, enquanto tal, contrária à exigência de uma proteção jurisdicional efetiva. Os Estados‑Membros podem adotar livremente qualquer modelo de exame por um tribunal de recurso ou por um tribunal de primeira instância que considerem adequado. Todavia, devem igualmente garantir que, no caso de um processo ser devolvido ao órgão administrativo competente na sequência da anulação de uma decisão inicial, seja rapidamente adotada nova decisão e em conformidade com a apreciação contida na sentença.

33.      Em segundo lugar, resulta do Acórdão Torubarov que, quando uma decisão judicial, através da qual o tribunal procedeu a uma revisão exaustiva e ex nunc da necessidade de proteção internacional, não tiver sido respeitada pela decisão posterior do órgão administrativo competente, o tribunal deve alterar esta decisão e substituir pela sua própria decisão a decisão do órgão administrativo, afastando ao mesmo tempo a regulamentação nacional que impeça o tribunal de agir desse modo.

34.      Estas afirmações dão, em meu entender, uma resposta suficiente à primeira questão submetida.

35.      Por conseguinte, a minha primeira conclusão provisória é que o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, lido à luz do artigo 47.o da Carta e do direito a um recurso efetivo nele consagrado, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que não confere aos órgãos tribunais o poder de alterar decisões administrativas adotadas em matéria de proteção internacional. Todavia, para conferir efeito útil ao artigo 46.o, n.o 3, da referida diretiva e garantir o direito a um recurso efetivo em conformidade com o artigo 47.o da Carta, em caso de devolução do processo ao órgão administrativo competente, uma nova decisão deve ser rapidamente adotada e em conformidade com a apreciação contida na decisão judicial que anulou a decisão administrativa inicial. Além disso, quando um tribunal nacional tenha declarado — após ter procedido a uma análise exaustiva e ex nunc de todos os elementos de facto e de direito pertinentes submetidos por um requerente de proteção internacional — que, por força dos critérios fixados pela Diretiva 2011/95, o requerente em causa deve beneficiar dessa proteção com base no fundamento invocado em apoio do seu pedido, mas o órgão administrativo adota depois uma decisão contrária sem demonstrar que surgiram novos elementos que justificam uma nova apreciação da necessidade de proteção internacional do requerente, esse tribunal deve alterar a referida decisão que não era conforme com a sua sentença proferida anteriormente e substituí‑la pela sua própria decisão sobre o pedido de proteção internacional, afastando, se necessário, a aplicação da regulamentação nacional que o proíba de agir desse modo.

B.      Segunda questão: a adequação do prazo de sessenta dias

36.      Com a sua segunda questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, lido à luz do artigo 47.o da Carta (15), se opõe a uma regulamentação que prevê um prazo imperativo único de sessenta dias para que um tribunal proceda à revisão de uma decisão administrativa em matéria de proteção internacional, independentemente de quaisquer circunstâncias individuais e sem ter em conta as especificidades do processo.

37.      Começo por assinalar os problemas que comporta o estabelecimento de prazos gerais sem permite permitir que se diferenciem os casos concretos (1). Em seguida, abordarei o prazo em causa a partir de dois ângulos complementares. Por por um lado, partindo da perspetiva dos direitos que devem ser garantidos aos requerentes de proteção internacional em cada caso concreto na fase de revisão por um tribunal de recurso ou por um tribunal de primeira instância (2). Por outro lado, embora não sejam decisivas no contexto do presente processo, devem também ser mencionadas as implicações estruturais de prazos potencialmente demasiado curtos para o bom funcionamento do tribunal nacional (3).

1.      Problemas com os prazos judiciais (ou por que razão o tamanho único raramente serve a todos)

38.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, em várias ocasiões, o prazo de sessenta dias não pode ser respeitado ou só com grande dificuldade o poderá ser, especialmente quando a realização de várias audiências se afigura necessária para clarificar os factos ou quando devam ser obtidas mais provas. O prazo pode induzir o órgão jurisdicional a agir de forma ilegal quando, ao tentar que seja cumprido, deixa de clarificar os factos. Frequentemente, os requerentes têm de comparecer perante o tribunal pessoalmente, acompanhados de um intérprete, o que pode ser lento, especialmente no caso de línguas raramente faladas na Hungria. A conclusão do processo dentro do período em questão poderá ser ainda mais difícil se o lugar onde o requerente se encontre não aquele onde o tribunal está sedeado e se este considerar necessária a comparência do requerente em pessoa.

39.      As partes manifestam opiniões divergentes quanto ao caráter adequado do prazo em causa.

40.      O recorrente sugeriu na audiência que, na prática, o prazo em causa impede os tribunais de procederem a uma análise aprofundada e exaustiva. No essencial, concordando com o tribunal de reenvio, o recorrente enumerou uma série de medidas processuais que deviam ser tomadas por um tribunal que se pronuncie em matéria de proteção internacional. Se um tribunal nacional quiser proceder a uma revisão exaustiva em conformidade com as normas exigidas, não lhe será, na prática, possível respeitar o prazo de sessenta dias.

41.      O Governo húngaro considera que o prazo em causa é compatível com a exigência de uma proteção jurisdicional efetiva, especialmente quando o tribunal pode recorrer a meios de comunicação eletrónicos e a novas tecnologias para acelerar o processo em casos que exijam um exame mais complexo.

42.      A Comissão observa que, uma vez que a Diretiva 2013/32 não contém regras comuns em matéria de prazos, a questão é abrangida pela autonomia processual dos Estados‑Membros. Neste contexto, considera que não é respeitada a exigência de efetividade, uma vez que o prazo em causa é uniforme e obrigatório e não permite que as circunstâncias individuais sejam tidas em conta. A Comissão remete mais precisamente para a redação do artigo 55.o constante da sua proposta de regulamento em substituição da Diretiva 2013/32 (16). A Comissão propõe aí a criação de regras comuns em matéria de prazos e sugere prazos de seis meses, dois meses e um mês, podendo cada um destes prazos ser prorrogado por mais três meses. É tendo em conta o prazo geral de seis meses que a Comissão considera que sessenta dias são insuficientes.

43.      Na audiência, foram apresentados diversos esclarecimentos importantes no que respeita à natureza do prazo em causa.

44.      Em primeiro lugar, o prazo tem caráter indicativo e processual. Cria uma «obrigação moral» para que os juízes decidam dentro desse prazo. O Governo húngaro sustentou que o incumprimento do prazo de sessenta dias não tem consequências diretas ou imediatas, quer no que diz respeito ao próprio processo e ao poder para nele proferir uma decisão (como se o juiz perdesse a competência para conhecer do processo) quer no que diz respeito ao juiz em causa (como se se sancionasse automaticamente o juiz) (17).

45.      Em segundo lugar, o prazo em causa é geral (na medida em que se aplica a todos os casos em matéria de proteção internacional) e não pode ser prorrogado (uma vez que não existe nenhum mecanismo de prorrogação ou adequação do prazo em função das circunstâncias do caso concreto).

46.      Em terceiro lugar, o prazo diz respeito à data em que a decisão deve ser lida em audiência pública e não à data em que a decisão escrita deve ser notificada ao requerente.

47.      Por último, o Governo húngaro sublinhou que a regulamentação em causa está em vigor há dez anos. É, portanto, anterior à alteração legislativa de setembro de 2015 relativa à competência dos órgãos jurisdicionais para alterar as decisões administrativas.

48.      Deve‑se sublinhar desde o início que, em geral, a existência de prazos de revisão judicial enquanto tal não constitui um problema. Esses prazos existem em muitos Estados‑Membros (18). Além disso, o artigo 46.o, n.o 10, da Diretiva 2013/32 prevê expressamente essa possibilidade. Com efeito, a existência de um prazo para que um tribunal de recurso ou um tribunal de primeira instância proceda à revisão contribui para o tratamento dos pedidos de proteção internacional o mais rapidamente possível, tal como expresso de forma geral no considerando 18 e no artigo 31.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32.

49.      Todavia, para além destas amplas declarações de princípio, designadamente de que podem ser estabelecidos prazos e que estes podem contribuir para tornar mais céleres os procedimentos de revisão, a diretiva não contém quaisquer outras regras comuns.

50.      A proposta da Comissão (19) visa estabelecer regras detalhadas em matéria de prazos. Todavia, além do facto de ser um processo legislativo ainda em curso, não há forma de negar como a Hungria sublinhou nos seus articulados e a Comissão reconheceu na audiência que esta proposta específica não teve, para não dizer mais, um apoio universal.

51.      É possível que esta situação de facto seja sintomática de uma dificuldade maior e dupla no momento de fixar prazos gerais e universalmente aplicáveis para que a revisão por um tribunal de recurso ou por um tribunal de primeira instância tenha uma duração adequada.

52.      Em primeiro lugar, o tempo é relativo. Não é certamente segredo que os diversos sistemas judiciais da União Europeia funcionam a velocidades diferentes (20). Assim, uma duração específica de um procedimento que é aceitável num Estado‑Membro para um determinado tipo de processo pode parecer exageradamente curta para outro Estado‑Membro e demasiado longa para outro.

53.      Em segundo lugar, existe uma dificuldade em definir prazos gerais em termos de dias ou meses dentro dos quais um determinado procedimento judicial deve estar concluído. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH») comprova esta dificuldade, mutatis mutandis, quando se trata de apreciar se um determinado processo foi excessivamente longo e, portanto, viola o direito a um processo equitativo nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH. Neste contexto, o TEDH desenvolveu uma metodologia com base em vários critérios através dos quais aprecia se a duração de um determinado processo judicial foi ou não razoável (21). Essa apreciação depende sempre fortemente do processo em causa: em algumas circunstâncias, uma duração de 8 anos está em conformidade com o artigo 6.o da CEDH, ao passo que, noutros casos, uma duração de três anos não o está. Porém, é praticamente impossível fixar prazos gerais e universalmente aplicáveis em termos de saber exatamente quantos anos ou meses serão considerados adequados (22). A jurisprudência deste Tribunal de Justiça sobre a matéria segue a mesma abordagem baseada nas circunstâncias específicas de cada caso (23).

54.      Tendo em conta o que precede, é bastante difícil, ou mesmo impossível, fixar, em abstrato, prazos gerais e universalmente aplicáveis para a revisão, quer no que diz respeito a uma duração máxima (além da qual o procedimento será automaticamente considerado demasiado longo) quer a uma duração mínima (abaixo da qual qualquer processo será considerado demasiado curto).

55.      A posição da Comissão no presente processo também revela esta dificuldade. Por um lado, no interesse, compreensível e louvável, de garantir uma revisão célere, em matéria de proteção internacional, por parte de um tribunal de recurso ou de um tribunal de primeira instância, a Comissão parece aprovar os prazos máximos em geral, como é demonstrado na sua proposta legislativa (24). Por outro lado, quando foi confrontada com um caso específico de um prazo (de facto bastante curto, mas, ainda assim, um prazo), a Comissão não conseguiu disfarçar um certo incómodo. Mas esse incómodo não diz respeito às decisões proferidas fora desse prazo, mas sim às decisões proferidas dentro do mesmo. Assim, implicitamente, a capacidade de respeitar um prazo deste tipo é vista com alguma suspeita, como uma possível indicação de um trabalho apressado e não profissional por parte do juiz. Há, no entanto, casos que podem ser decididos com bastante rapidez e é claramente possível que alguns juízes possam trabalhar de forma mais eficiente do que outros.

56.      É aí que reside o problema inerente aos prazos. Estes podem, de facto, contribuir para tornar os procedimentos mais céleres. Porém, também têm o potencial de dividir este campo em dois tipos (igualmente suspeitas): os que são suspeitos por serem demasiado lentos e os que o são por serem demasiado céleres. Por outras palavras, ser‑se condenado por respeitar os prazos e ser‑se condenado por não o fazer.

57.      Estas dúvidas poderiam ser naturalmente dissipadas se se pudesse garantir que são escolhidos pelo legislador os prazos adequados e que os tribunais os respeitam. Mas isto remete a discussão para o ponto de partida e para a (im)possibilidade de fixar esses prazos universalmente adequados. Em vez de retomar esse debate neste momento, gostaria apenas de chamar a atenção para o grau (não necessariamente útil (25)) de otimismo legislativo que tal esforço pressupõe.

58.      Sem prejuízo destas considerações, o facto é que, atualmente, o artigo 46.o, n.o 10, da Diretiva 2013/32 dá aos Estados‑Membros a possibilidade de fixarem os prazos de revisão das decisões em matéria de proteção internacional. A Hungria fez uso desta faculdade e fixou um prazo de sessenta dias. Será tal prazo adequado?

2.      Apreciação específica para cada caso e orientada para os direitos

59.      Quando se trata de avaliar a adequação de um prazo, o ponto de partida é o caso individual. O prazo deve permitir uma revisão exaustiva e efetiva da decisão administrativa em causa, em conformidade com os critérios de apreciação exigidos, respeitando simultaneamente os direitos processuais do requerente. No entanto, mesmo no âmbito da apreciação do caso específico, o contexto mais amplo e as condições em que a função judicial é exercida a nível nacional são igualmente pertinentes.

60.      Para além das garantias concretas a este respeito contidas na Carta (em que diferentes direitos podem ser relevantes em função da configuração específica de cada processo), os critérios de revisão exigidos e os direitos processuais específicos estão igualmente previstos no direito derivado, nomeadamente na Diretiva 2013/32.

61.      Os requerentes têm direito a uma análise exaustiva e ex nunc, que inclui, se necessário, um exame da necessidade de proteção internacional (26), bem como o direito de os seus pedidos serem apreciados à luz da sua situação individual e das circunstâncias específicas (quer na fase administrativa quer na fase judicial) (27). O Tribunal de Justiça esclareceu igualmente que as autoridades nacionais são obrigadas a cooperar com os requerentes, em todas as fases, para reunir todos os elementos pertinentes para a decisão (28). O procedimento de exame deve prever um prazo adequado para o cumprimento dessas obrigações.

62.      No que respeita aos direitos processuais específicos, resulta do artigo 12.o, n.o 1, lido em conjugação com o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32, que devem ser garantidos aos requerentes os seguintes direitos (ou equivalentes destes) na fase de revisão.

63.      Em primeiro lugar, por força do artigo 12.o, n.o 1, alínea b), conjugado com o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32 devem beneficiar dos serviços de um intérprete. Recordo, a este respeito, as potenciais dificuldades mencionadas pelo tribunal de reenvio e pelo recorrente em encontrar (e garantir que esteja disponível) um intérprete para algumas línguas raramente faladas. Em segundo lugar, por força do artigo 12.o da Diretiva 2013/32, não pode ser recusada aos requerentes a possibilidade de comunicarem com o ACNUR ou com qualquer outra organização que preste assistência jurídica ou outro tipo de aconselhamento. Em terceiro lugar, por força do artigo 12.o, n.o 1, alínea d), em conjugação com o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32, os requerentes e os seus consultores jurídicos devem ter acesso às informações referidas no artigo 10.o, n.o 3, alínea b) (29), e às informações prestadas pelos peritos referidos no artigo 10.o, n.o 3, alínea d) (30), quando essas informações tiverem sido tidas em conta para tomar uma decisão sobre o seu pedido. Em quarto lugar, por força do artigo 20.o da Diretiva 2013/32, deve ser facultada aos requerentes assistência jurídica e representação gratuitas. Por força do artigo 22.o, deve ser dada aos requerentes a possibilidade de se aconselharem junto de um consultor jurídico em todas as fases do procedimento. Em quinto lugar, por força dos artigos 24.o e 25.o, devem ser dadas garantias específicas aos requerentes com necessidades especiais e a menores não acompanhados. Em sexto lugar, pode afigurar‑se necessário (embora não estritamente obrigatório em todos os casos) entrevistar pessoalmente o requerente (31) ou realizar um exame médico.

64.      O tribunal de reenvio não refere se foram violados alguns desses direitos processuais ou outros direitos garantidos pelo direito da União (e, especialmente, pela Carta) por causa do prazo que a legislação prevê para a revisão.

65.      Na falta de outras informações a este respeito, a orientação que o Tribunal de Justiça possa fornecer é necessariamente limitada. Todavia, em geral, o tribunal nacional deve certificar‑se de que pode garantir: i) todos os critérios de revisão e os direitos individuais acima mencionados, tendo em conta as circunstâncias do caso individual de que se trate, ii) no contexto das circunstâncias e das condições gerais em que é chamado a exercer as suas funções judiciais.

66.      Ambos os pontos estão intrinsecamente ligados. A fixação e a aplicação efetiva dos prazos estão ligadas à necessidade de ter em conta a configuração e a complexidade do caso individual, bem como o volume de trabalho global e as condições em que o juiz em causa deve exercer as suas funções judiciais.

67.      Em determinadas circunstâncias, mesmo um prazo apertado poderia ser razoável se um juiz se ocupasse apenas de um ou de alguns processos e dispusesse de todos os meios técnicos e materiais necessários. Todavia, uma vez que o funcionamento normal dos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros tende a estar bastante longe dessa utopia, para além do caso concreto, devem ser tidas igualmente em conta, o volume e as condições de trabalho num determinado tribunal.

68.      É certo que um Estado‑Membro pode exigir celeridade judicial no domínio do direito da União se criar as condições materiais e de organização para que essa celeridade seja alcançada, sem que seja necessário comprometer a qualidade da tomada de decisões judiciais. Pelo contrário, se o único contributo dado por um Estado‑Membro forem prazos rigorosos, sem criar as condições materiais razoavelmente necessárias para que sejam respeitados (por exemplo, se forem atribuídos aos juízes nacionais dezenas ou mesmo centenas de pedidos paralelos enquanto as condições de trabalho permanecem as mesmas), insistir em aplicar prazos rigorosos dificilmente constituirá garantia de um processo equitativo.

69.      Se, à luz desses elementos, o tribunal nacional verificar que é impossível, dentro do prazo legal fixado, proceder a uma revisão exaustiva e ex nunc, incluindo o exame das necessidades de proteção internacional do requerente, respeitando ao mesmo tempo os direitos do requerente garantidos pelo direito da União Europeia, esse tribunal deve afastar a aplicação da disposição pertinente de direito nacional e proceder à revisão o mais rapidamente possível, uma vez terminado o prazo (32).

70.      A minha segunda conclusão provisória é, assim, a de que o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, lido à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que a adequação do prazo de revisão previsto pela legislação nacional no processo pendente no tribunal nacional depende da apreciação do tribunal nacional, tendo em conta a sua obrigação de proceder a uma revisão exaustiva e ex nunc que inclua, sendo caso disso, um exame da necessidade de proteção internacional na aceção da Diretiva 2011/95, garantindo ao mesmo tempo os direitos do requerente tal como previstos, nomeadamente, na Diretiva 2013/32. Se o tribunal nacional considerar que esses direitos não podem ser garantidos, tendo em conta as circunstâncias específicas do processo ou as condições gerais em que esse tribunal deve executar as suas tarefas, como a apresentação simultânea de um número especialmente elevado de pedidos, esse tribunal deve renunciar à aplicação do prazo aplicável e proceder a um exame o mais rapidamente possível, uma vez terminado esse prazo.

71.      Há que acrescentar que, se for efetivamente necessário afastar a aplicação da regulamentação nacional que fixa um prazo de revisão por um tribunal de recurso ou pou um tribunal de primeira instância, como ultima ratio, não podem resultar consequências negativas diretas ou indiretas para o juiz que tome essa decisão. São as potenciais consequências indiretas aquelas a que agora me refiro.

3.      Nível estrutural (e observações finais)

72.      Na audiência, o Governo húngaro insistiu em que facto de não respeitar o prazo em questão não tem consequências diretas ou imediatas para o juiz em questão.

73.      Todavia, também na audiência, o recorrente chamou a atenção do Tribunal de Justiça para uma série de consequências de certo modo indiretas e subsequentes que alegadamente poderiam daí decorrer. O recorrente sugere que um juiz que não respeite os prazos em questão pode sofrer consequências em termos das suas condições de trabalho e avaliações periódicas. A sua remuneração e as suas promoções poderiam ser afetadas. Em caso de desrespeito reiterado dos prazos, o juiz em questão pode ser submetido a uma avaliação mais rigorosa (extraordinária) e corre o risco de ser repreendido ou eventualmente afastado (33).

74.      No âmbito do presente processo, a resposta à segunda questão submetida pelo tribunal de reenvio deve basear‑se na apreciação do prazo em causa, orientada para os direitos e específica em cada caso concreto, tal como descrita na secção anterior: será possível, na medida do razoável, proceder à apreciação exigida pelo direito da União tendo em conta o caso concreto e o expediente geral do tribunal em questão?

75.      Naturalmente, para além da perspetiva individual e centrada nos direitos no que diz respeito a esses prazos, existe também a questão estrutural, mais vasta, do impacto desses prazos na qualidade da revisão e na função judicial nacional. O ponto central dessa apreciação passa da proteção jurídica no caso concreto para as questões estruturais e para o funcionamento do sistema (34).

76.      Por muito válidas e pertinentes que sejam estas considerações, não compete ao Tribunal de Justiça especular a este respeito no presente processo. Com exceção das declarações do recorrente, nem a decisão de reenvio nem qualquer outro elemento de informação apresentado ao Tribunal de Justiça confirmaram a existência de tais questões estruturais. Por conseguinte, penso que pode ser dada uma resposta útil e suficiente centrada no caso concreto, como foi sugerido na secção anterior, sublinhando ao mesmo tempo que o desrespeito justificado de um prazo não razoável num caso concreto não pode ter consequências, mesmo indiretas e subsequentes, para o juiz em questão.

77.      Em conclusão, importa reiterar que a existência de prazos indicativos para a revisão enquanto tal é um fenómeno bastante comum e não problemático. Escusado será dizer que os juízes que não executem as suas tarefas de acordo com os critérios exigidos, incluindo o respeito de prazos razoáveis, sofrem necessariamente consequências profissionais. Podem sofrer repreensões em certa medida dentro do sistema de avaliação interna do tribunal relevante. Não podem ser nomeados para presidir a uma secção (ou ascender a um tribunal superior) ou assumir outras responsabilidades na estrutura do tribunal baseadas no mérito. Neste sentido, a profissão de juiz não é diferente de muitas outras profissões.

78.      Assim, no presente processo, não se trata de saber se podem existir prazos judiciais em matéria de proteção internacional (sim, podem existir), mas sim quais podem ser razoavelmente esses prazos e, de modo subentendido, com que finalidade podem ser utilizados. Justificam‑se duas observações finais sobre estas últimas questões.

79.      Em primeiro lugar, alertei para o excesso de otimismo legislativo no momento de fixar prazos universais. Todavia, se a o simples facto de conceder tratamento prioritário a certos tipos de processos não for considerado suficiente e forem, em vez disso, escolhidos prazos judiciais fixos, a questão fundamental não consiste necessariamente na duração dos prazos, mas sim na sua conceção e funcionamento. Uma abordagem na perspetiva do «tamanho único que serve a todos» é problemática. Assim, para além de ser razoável em termos de duração, tendo em conta o expediente geral de um tribunal ou de um juiz individual, esse prazo deverá também ser flexível, no sentido de permitir que sejam tidas em conta as especificidades e a complexidade de um processo concreto e que o prazo seja, se necessário, prorrogado. Simplificando, uma a sala de audiências não é uma linha de montagem de uma fábrica.

80.      Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça recordou reiteradamente a obrigação decorrente do artigo 19.o, n.o 1, TUE que incumbe aos Estados‑Membros de criarem e manterem condições adequadas para garantir a independência dos juízes e para que estes possam executar as suas tarefas de um modo que possibilite a proteção efetiva dos direitos de que gozam os cidadãos ao abrigo do direito da União Europeia (35).

81.      Em termos puramente hipotéticos, um sistema em que os próprios guardiões da legalidade fossem obrigados a comportar‑se de forma ilegal dificilmente cumpriria criterioso preceituado no artigo 19.o, n.o 1, TUE. Além disso, se o respeito de prazos relativamente curtos fosse alguma vez imposto, direta ou indiretamente (36), seria necessário criar garantias sólidas para assegurar uma igualdade estrita na imposição dos mesmos e excluir qualquer risco de utilização abusiva através da (não) imposição seletiva de obrigações impossíveis unicamente em relação a determinados juízes.

V.      Conclusão

82.      Tendo em conta o que precede, sugiro que o Tribunal de Justiça responda ao Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Budapeste, Hungria) nos seguintes termos:

1.      O artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional, lido à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do direito a um recurso efetivo nele consagrado, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que não confere aos tribunais poder para alterar decisões administrativas adotadas em matéria de proteção internacional. Todavia, a necessidade de conferir efeito útil ao artigo 46.o, n.o 3, da referida diretiva e de garantir o direito a um recurso efetivo em conformidade com o artigo 47.o da Carta, exige que, em caso de devolução do processo ao órgão administrativo competente, uma nova decisão seja adotada rapidamente e uma análise exaustiva e ex nunc de todos os elementos de facto e de direito pertinentes submetidos por um requerente de proteção internacional — que, por força dos critérios fixados pela Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida, o requerente em causa deve beneficiar dessa proteção com base no fundamento invocado em apoio do seu pedido, mas o órgão administrativo adota depois uma decisão contrária sem demonstrar que surgiram novos elementos que justificam uma nova apreciação da necessidade de proteção internacional do requerente, esse tribunal deve alterar a referida decisão que não era conforme com a sua decisão anterior e substituí‑la pela sua própria decisão sobre o pedido de proteção internacional, afastando, se necessário, a regulamentação nacional que o proíba de agir desse modo.

2.      O artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, lido à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que a adequação do prazo de revisão previsto pela legislação nacional aplicável no processo pendente no órgão tribunal nacional depende da apreciação do tribunal nacional, tendo em conta a sua obrigação de proceder a uma análise exaustiva e ex nunc que inclua, sendo caso disso, um exame da necessidade de proteção internacional na aceção da Diretiva 2011/95, garantindo ao mesmo tempo os direitos do requerente tal como previstos, nomeadamente, na Diretiva 2013/32. Se o tribunal nacional considerar que esses direitos não podem ser garantidos, tendo em conta as circunstâncias específicas do processo ou as condições gerais em que esse tribunal deve executar as suas tarefas, como a apresentação simultânea de um número especialmente elevado de pedidos, esse tribunal deve renunciar à aplicação do prazo aplicável e proceder a um exame o mais rapidamente possível, uma vez terminado esse prazo.


1      Língua original: inglês.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60).


3      Acórdãos de 25 de julho de 2018, Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:584), e de 29 de julho de 2019, Torubarov (C‑556/17, EU:C:2019:626).


4      O presente processo é abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2013/32, tal como foi corretamente identificado pelo órgão jurisdicional de reenvio. Todavia, estas duas questões suscitam a questão dos critérios específicos do direito a um recurso efetivo em matéria de proteção internacional perante um órgão jurisdicional. Como todas as partes interessadas salientam, em princípio a disposição pertinente no presente processo é, pois, artigo 46.o da referida diretiva, em especial o seu artigo 46.o, n.o 3, que trata especificamente do direito a um recurso efetivo perante um órgão jurisdicional, e não o artigo 31.o, que diz respeito ao procedimento de apreciação da decisão administrativa.


5      O tribunal de reenvio invoca os artigos 6.o e 13.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH»). Uma vez que a União Europeia não é parte nesse instrumento, e tendo em conta o artigo 52.o, n.o 3, da Carta, entendo que essa referência remete para o artigo 47.o da Carta.


6      Acórdão de 25 de julho de 2018, Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:584, n.o 114).


7      Ibidem (n.os 110 a 113 e 145 a 148).


8      Acórdão de 29 de julho de 2019, Torubarov (C‑556/17, EU:C:2019:626).


9      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9).


10      Acórdão de 29 de julho de 2019, Torubarov (C‑556/17, EU:C:2019:626, n.o 65).


11      Ibidem, n.o 66.


12      Ibidem, n.o 72.


13      Ibidem, n.o 77.


14      Sabe‑se apenas que houve efetivamente duas decisões anteriores em relação ao mesmo recorrente (n.o 13, supra).


15      Como foi precisado, supra, nas notas n.os 4 e 5.


16      Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui um procedimento comum de proteção internacional na União Europeia e que revoga a Diretiva 2013/32/UE (COM/2016/0467), atualmente objeto do processo legislativo 2016/0224/COD.


17      Todavia, a resposta cuidadosamente redigida do Governo húngaro parece também indicar que essas confirmações não excluíram consequências indiretas e subsequentes para o juiz em causa — v., infra, n.os 72 e 73.


18      Verifica‑se que a legislação nos diferentes Estados‑Membros é bastante heterogénea. Algumas não estabelecem prazos e outras preveem prazos com duração variável. V. estudo da Rede Europeia das Migrações (REM) AdHoc Query on Judicial review of appeals against international protection decisions: Requested by BG EMN NCP on 11th April 2018 (relativamente a 22 Estados‑Membros e à Noruega) e EMN AdHoc Query on accelerated asylum procedures and asylum procedures at the border (part 2): Requested by EE EMN NCP on 13th February 2017 (relativamente a 20 Estados‑Membros e à Noruega).


19      Supra, nota 16.


20      V. Comissão Europeia para a Eficácia da Justiça (CEPEJ) do Conselho da Europa, Relatório sobre a avaliação dos sistemas judiciais europeus – 2014 Edição (2012 data), CEPEJ Studies n.o 20 (versão inglesa disponível em: https://www.coe.int/en/web/cepej/documentation/cepej‑studies), em especial a comparação da duração média dos procedimentos determinados tipos de processos em primeira instância no n.o 9.3. (pp. 230 a 257).


21      A título de exemplo recente, «o caráter razoável da duração do processo deve ser apreciado em função das circunstâncias do caso concreto, que exigem uma apreciação global, e tendo em conta os critérios desenvolvidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, em especial a complexidade do processo, o comportamento do requerente e o das autoridades em questão, bem como o que estava em causa para o demandante no lítígio.» O sublinhado é meu. TEDH, Acórdão de 7 de junho de 2018, O’Sullivan McCarthy Mussel Development Ltd c. Irlanda (CE:ECHR:2018:0607JUD004446016, § 144 e jurisprudência referida). Para uma visão global da jurisprudência v., por exemplo, CEPEJ, Length of court proceedings in the member states of the Council of Europe based on the case law of the European Court of Human Rights, 3. a edição, CPEJ Studies n.o 27 (versão inglesa disponível em: https://www.coe.int/en/web/cepej/documentation/cepej‑studies).


22      V., por exemplo, TEDH, Acórdãos Van Pelt/França, de 23 de maio de 2000 (CE:ECHR:2000:0523JUD003107096, § 48), e de 26 de maio de 1993, Bunkate/Países Baixos (CE:ECHR:1993:0526JUD001364588, §§ 21 a 23).


23      V., por exemplo, Acórdãos de 26 de novembro de 2013, Gascogne Sack Deutschland GmbH/Comissão Europeia (C‑40/12 P, EU:C:2013:768, n.os 91 a 92 e jurisprudência referida), e de 12 de janeiro de 2017, Timab Industries e CFPR/Comissão (C‑411/15 P, EU:C:2017:11, n.o 168 e 169 e jurisprudência referida), ou Acórdão de 7 de junho de 2017, Guardian Europe/União Europeia (T‑673/15, EU:T:2017:377, n.o 134).


24      Supra, n.o 42.


25      A realidade de vários tribunais administrativos nacionais comprova que, metaforicamente falando, para garantir celeridade e qualidade processuais, o cultivo de pelo menos uma cenoura é sempre mais útil do que o fabrico de mais um chicote.


26      Nos termos do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32. Acórdãos de 25 de julho de 2018, Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:584, n.os 105 e 106), e de 29 de julho de 2019, Torubarov (C‑556/17, EU:C:2019:626, n.o 51).


27      V., neste sentido, Acórdãos de 5 de setembro de 2012, Y e Z (C‑71/11, EU:C:2012:518, n.o 77); de 2 de dezembro de 2014, A e o. (C‑148/13 a C‑150/13, EU:C:2014:2406, n.o 57); de 25 de janeiro de 2018, F (C‑473/16, EU:C:2018:36, n.o 41 e jurisprudência referida); e de 4 de outubro de 2018, Ahmedbekova (C‑652/16, EU:C:2018:801, n.o 48 e jurisprudência referida).


28      Acórdão de 22 de novembro de 2012, M. (C‑277/11, EU:C:2012:744, n.o 66).


29      Ou seja, que «sejam obtidas informações precisas e atualizadas junto de várias fontes, tal como o EASO, o ACNUR e organizações internacionais de direitos humanos pertinentes, sobre a situação geral nos países de origem dos requerentes e, sempre que necessário, nos países por onde estes tenham transitado».


30      Isto é, que «os agentes responsáveis pela apreciação dos pedidos e pela pronúncia de decisões tenham a possibilidade de obter aconselhamento, sempre que necessário, de peritos em matérias específicas, tais como questões médicas, culturais, religiosas, de menores ou de género».


31      Quanto à eventual obrigação de organizar, na fase contenciosa, uma entrevista pessoal com o requerente, v. Acórdão de 26 de julho de 2017, Sacko (C‑348/16, EU:C:2017:591, n.os 37 e 44 a 48). V. igualmente, por analogia, Acórdão de 10 de setembro de 2013, G. e R. (C‑383/13 PPU, EU:C:2013:533, n.os 32 a 34).


32      Poderia apenas observar‑se que tanto o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 como o artigo 47.o da Carta têm efeito direto. V. Acórdão de 29 de julho de 2019, Torubarov (C‑556/17, EU:C:2019:626, n.os 56 e 73), ou (no que respeita apenas ao artigo 47.o da Carta), Acórdãos de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 78), e de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 162).


33      Compreendo que tal afastamento poderia acontecer, como é o caso em vários outros Estados‑Membros, na sequência de um processo disciplinar contra o juiz em questão. Com efeito, desrespeitar prazos aplicáveis pode ser constitutivo de uma infração disciplinar em várias jurisdições.


34      Ambos os pontos de vista são complementares, mas exigem diferentes tipos de prova e argumentos jurídicos. V. as minhas conclusões no processo Torubarov (C‑556/17, EU:C:2019:339, n.os 57 a 61).


35      V., especialmente, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, em particular, n.os 32 a 37); de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, em particular, n.os 50 a 53); e de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531, em particular, n.os 47 a 50, 54 a 55 e 71 e segs.).


36      Por qualquer dos fundamentos enumerados, supra, no n.o 73 das presentes conclusões.