Language of document : ECLI:EU:C:2014:336

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 30 de abril de 2014 (1)

Processos apensos C‑473/13 e C‑514/13

Adala Bero (C‑473/13)

contra

Regierungspräsidium Kassel

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha)]

e


Ettayebi Bouzalmate (C‑514/13)

contra

Kreisverwaltung Kleve

[pedido de decisão prejudicial apresentado Landgericht München (Alemanha)]

«Espaço de liberdade, de segurança e de justiça — Diretiva 2008/115/CE — Normas e procedimentos comuns em matéria de regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular — Medida de detenção para efeitos de afastamento — Condições e regime da detenção — Artigo 16.°, n.° 1 — Detenção em centros de detenção especializados — Regulamentação nacional que prevê a detenção num estabelecimento penitenciário do Land quando este não dispuser de um centro de detenção especializado — Compatibilidade»

e

Processo C‑474/13

Thi Ly Pham

contra

Stadt Schweinfurt, Amt für Meldewesen und Statistik

[pedido de decisão prejudicial apresentado Bundesgerichtshof (Alemanha)]

«Espaço de liberdade, de segurança e de justiça — Diretiva 2008/115/CE — Normas e procedimentos comuns em matéria de regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular — Medida de detenção para efeitos de afastamento — Condições e regime da detenção — Artigo 16.°, n.° 1 — Detenção num estabelecimento penitenciário — Obrigação de separação do interessado dos detidos comuns — Não separação devido à renúncia a essa garantia por parte do interessado — Compatibilidade»





I –    Introdução

1.        Pode um nacional de país terceiro, enquanto aguarda o afastamento, ser detido num estabelecimento penitenciário pelo facto de, no Land encarregado de assegurar a sua detenção, não existirem centros especializados como os previstos no artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva 2008/115/CE (2)?

2.        Por outro lado, pode esse nacional aceitar ser detido com presos comuns e assim renunciar ao direito a ser separado destes últimos, que lhe é conferido por aquela disposição?

3.        São estas, no essencial, as questões suscitadas nos processos apensos C‑473/13 e C‑514/13, bem como no processo C‑474/13.

4.        O Tribunal de Justiça é por conseguinte convidado a precisar as condições em que os Estados‑Membros, no caso vertente, a República Federal da Alemanha, devem garantir a detenção dos nacionais de países terceiros enquanto aguardam afastamento, com base na diretiva.

5.        Em conformidade com o artigo 79.°, n.° 2, TFUE, o objetivo da diretiva é pôr em prática uma política eficaz de afastamento e de repatriamento baseada em normas e garantias jurídicas comuns, para que as pessoas em causa sejam repatriadas de forma humana e com total respeito pelos seus direitos fundamentais e pela sua dignidade (3).

6.        Dos considerandos 13 e 16 e da letra do artigo 15.°, n.° 1, da referida diretiva decorre que os Estados‑Membros devem proceder ao afastamento através de medidas o menos coercivas possível. Para garantir a eficácia dos procedimentos de regresso, a diretiva prevê portanto uma gradação das medidas que vai da medida que deixa a maior liberdade possível ao interessado, concretamente, a concessão de um prazo para a sua partida voluntária, a medidas que a restringem mais, a saber, a sua detenção num centro especializado. Só no caso de a execução da decisão de regresso sob forma de afastamento correr o risco, tendo em conta uma apreciação de cada situação específica, de ficar comprometida pelo comportamento do interessado, é que esses Estados podem privar este último da liberdade mediante a sua detenção (4).

7.        Esta última medida constitui a medida restritiva de liberdade mais grave admitida pela referida diretiva no âmbito de um processo de afastamento coercivo (5). Constitui, em princípio, uma medida de última instância (6). É portanto uma medida estritamente enquadrada pelo legislador da União no Capítulo IV da diretiva de modo a garantir, por um lado, o respeito do princípio da proporcionalidade no que diz respeito aos meios utilizados e aos objetivos prosseguidos e, por outro, o respeito dos direitos fundamentais dos nacionais em causa (7).

8.        É neste contexto que o artigo 16.°, n.° 1, da diretiva prevê o seguinte, na versão francesa:

«La rétention s’effectue en règle générale dans des centres de rétention spécialisés. Lorsqu’un État membre ne peut les placer dans un centre de rétention spécialisé et doit les placer dans un établissement pénitentiaire, les ressortissants de pays tiers placés en rétention sont séparés des prisonniers de droit commun.» («Regra geral, a detenção tem lugar em centros de detenção especializados. Se um Estado‑Membro não tiver condições para assegurar aos nacionais de países terceiros a sua detenção num centro especializado e tiver de recorrer a um estabelecimento prisional, os nacionais de países terceiros colocados em detenção ficam separados dos presos comuns») (8).

9.        O artigo 16.°, n.° 1, da diretiva prevê pois duas exigências aplicáveis aos Estados‑Membros relativas às condições e ao regime da detenção.

10.      Por um lado, a detenção deve verificar‑se num centro especializado ao modo de vida adaptado e, por outro, quando a detenção deva, excecionalmente, ter lugar num estabelecimento penitenciário, o Estado‑Membro deve garantir a separação desse nacional dos presos comuns, sendo esta última exigência intocável, por ser obrigatória independentemente do local da detenção.

11.      Ora, na Alemanha, cada uma destas exigências está preenchida apenas em parte.

12.      Com efeito, importa observar que, em conformidade com os artigos 83.° e 84.° da lei fundamental da República federal da Alemanha (Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland, a seguir «lei fundamental»), incumbe aos Estados federados (Bundesländer) assegurar a execução das detenções ordenadas com vista ao afastamento dos nacionais de países terceiros em situação irregular.

13.      Ora, dos dezasseis Länder que compõem a República Federal da Alemanha dez não dispunham, quando foram submetidas as presentes questões, de centros de detenção especializados, sendo os nacionais de países terceiros, enquanto aguardam o afastamento, colocados em estabelecimentos penitenciários e, em alguns casos, submetidos às mesmas regras e restrições que as que estão reservadas aos presos comuns (9).

14.      Assim, no processo C‑473/13, A. Bero, que é uma nacional síria, esteve detida no período compreendido entre 6 de janeiro e 2 de fevereiro de 2011 no estabelecimento penitenciário da cidade de Frankfurt am Main, porque o Land de Hesse não dispõe de nenhum centro de detenção especializado que possa acolher mulheres. Das observações apresentadas por A. Bero decorre que esta não foi separada dos presos comuns e das pessoas colocadas em detenção provisória.

15.      No processo C‑514/13, E. Bouzalmate, que é um nacional marroquino, esteve detido desde 14 de julho de 2013 numa ala distinta do estabelecimento penitenciário da cidade de Munique, por não existirem centros de detenção especializados no Land da Baviera, detenção que durou três meses (10).

16.      Por último, no processo C‑474/13, T. L. Pham, que é uma nacional vietnamita, esteve detida no período compreendido entre 29 de março e 10 de julho de 2012 no estabelecimento penitenciário da cidade de Nuremberga (Land da Baviera) e, além disso, deu o seu consentimento para ser colocada em detenção juntamente com presos comuns.

17.      Decorre das observações apresentadas por T. L. Pham que esta assinou a seguinte declaração por escrito, redigida previamente:

«Pham Thi Ly, em detenção

Declaro consentir ser colocada juntamente com presos.

Nuremberga, 30 de março de 2012

Assinatura»

18.      Todas estas colocações em detenção foram ordenadas com base no § 62a, n.° 1, da lei relativa à residência, à atividade profissional e à integração de estrangeiros no território federal [Gesetz über den Aufenthalt, die Erwerbstätigkeit und die Integration von Ausländern im Bundesgebiet (Aufenthaltsgesetz)], de 30 de julho de 2004 (11), que tem por objeto transpor para a ordem jurídica alemã o artigo 16.°, n.° 1, da diretiva.

19.      O § 62a, n.° 1, da Aufenthaltsgesetz tem a seguinte redação:

«A detenção para fins de afastamento deve efetuar‑se, por norma, em centros de detenção especializados. Quando um Land não dispuser de um centro de detenção especializado, a detenção pode efetuar‑se noutros estabelecimentos penitenciários desse Land; nesse caso, as pessoas detidas que aguardam o afastamento devem ser separadas dos restantes prisioneiros» (12).

20.      Nos processos principais, o Bundesgerichsthof (processos C‑473/13 e C‑474/13) e o Landgericht München (processo C‑514/13) interrogam‑se acerca da legalidade da detenção tendo em conta os princípios previstos no artigo 16.°, n.° 1, da diretiva.

21.      Atendendo à identidade da questão prejudicial os processos C‑473/13 e C‑514/13 foram apensos para efeitos da fase escrita do processo e do acórdão. Na medida em que o processo C‑474/13 tem um elemento de conexão estreito com estes processos apensos, optámos por apresentar conclusões comuns.

A –    Processos apensos C‑473/13 e C‑514/13

22.      Nos processos apensos C‑473/13 e C‑514/13, o Bundesgerichsthof e o Landgericht München interrogam‑se acerca da natureza dos motivos que permitem a um Estado‑Membro ordenar a detenção em detenção de um migrante em situação irregular num estabelecimento penitenciário.

23.      Os órgãos jurisdicionais de reenvio interrogam‑se, em particular, a respeito da compatibilidade do § 62a, n.° 1, da Aufenthaltsgesetz com os princípios em que assenta o artigo 16.°, n.° 1, da diretiva e interrogam‑se, nomeadamente, a respeito da questão de saber se há que ter em conta a estrutura federal da Alemanha e as competências reservadas a cada um dos Estados federados para efeitos da aplicação desses princípios.

24.      Com efeito, a legislação alemã autoriza expressamente o Land competente a colocar os nacionais de países terceiros enquanto aguardam o afastamento em estabelecimentos penitenciários quando «[o Land] não dispuser de um centro de detenção especializado».

25.      Quer o Bundesgerichtshof quer o Landgericht München decidiram suspender a instância e submeter um pedido prejudicial ao Tribunal de Justiça. As questões que submetem neste quadro são, no essencial, idênticas.

26.      No processo C‑473/13, o Bundesgerichtshof submete a seguinte questão prejudicial:

«Resulta do artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva […], a obrigação de um Estado‑Membro efetuar a detenção para fins de afastamento, regra geral, em centros de detenção especializados, mesmo quando tais centros apenas existam numa parte das subdivisões federais deste Estado‑Membro e não noutras?»

27.      No processo C‑514/13, o Landgericht München formula a sua questão nos seguintes termos:

«Resulta do artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva […], que, regra geral, um Estado‑Membro é obrigado a proceder à detenção para efeitos de afastamento num centro de detenção especializado, mesmo nos casos em que esses centros apenas existam numa parte da estrutura federal do Estado, mas não existam na parte dessa estrutura na qual, em conformidade com as disposições que regulam a estrutura federal do Estado, se deve proceder à detenção?»

28.      As partes no processo principal, os Governos alemão, neerlandês, sueco e suíço, bem como a Comissão Europeia, apresentaram observações.

B –    Processo C‑474/13

29.      O processo C‑474/13 inscreve‑se no mesmo contexto que os processos apensos C‑473/13 e C‑514/13. Suscita, contudo, uma questão relativa ao alcance a dar à obrigação de separação entre os migrantes em situação irregular e os presos comuns, visada no artigo 16.°, n.° 1, da diretiva. Com efeito, recordamos que a interessada esteve detida durante três meses no estabelecimento penitenciário da cidade de Nuremberga e, além disso, consentiu em estar detida juntamente com os presos comuns.

30.      Por conseguinte, neste processo, o Bundesgerichtshof interroga‑se sobre a legalidade da detenção ao abrigo do artigo 16.°, n.° 1, da diretiva, tendo em conta o consentimento da interessada.

31.      Assim sendo, o Bundesgerichtshof suspendeu a instância e submeteu a seguinte questão prejudicial ao Tribunal de Justiça:

«É compatível com o artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva […], instalar um detido para fins de afastamento num estabelecimento prisional juntamente com presos comuns, quando ele consentir na detenção em conjunto?»

32.      As partes no processo principal, os Governos alemão e neerlandês e a Comissão apresentaram observações.

C –    Implicações das questões

33.      Os três reenvios prejudiciais suscitam uma verdadeira questão de princípio a respeito das condições de detenção dos migrantes que aguardam o afastamento previstas no artigo 16.°, n.° 1, da diretiva.

34.      Evocar a questão da detenção dos migrantes que aguardam o regresso traz‑nos à mente imagens de uma realidade ilustrada demasiadas vezes por uma atualidade trágica. Considerada na sua globalidade, esta questão suscita o problema da adequação do sistema criado ao nível da União Europeia. A simples observação deste sistema leva à conclusão de que a lógica dos princípios acolhidos conduz a um desequilíbrio entre os Estados‑Membros. Alguns deles, devido à sua situação geográfica, têm de suportar um encargo mais pesado do que outros e o peso económico daí resultante não pode ser ignorado.

35.      Nesta medida, através da aplicação dos princípios fundamentais de direito, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e, em seguida, o Tribunal de Justiça, em acórdãos que são do conhecimento geral (13), recordaram que o sistema atualmente em vigor não pode conduzir a um resultado que implique que todo o peso assente apenas nos Estados‑Membros diretamente confrontados com as entradas massivas de migrantes.

36.      Com efeito, antes de terem sido proferidos os acórdãos em questão, a aplicação pura e simples das disposições do direito da União conduzia, volens nolens, a uma situação mais confortável para alguns Estados‑Membros do que para outros.

37.      Os dois órgãos jurisdicionais recordaram, então, que a facilidade devia ceder, perante a exigência do respeito dos direitos fundamentais.

38.      Pretendemos hoje incentivar o Tribunal de Justiça, nos processos que nos são atualmente submetidos, a adotar uma iniciativa imbuída de um espírito semelhante.

39.      Perante o afluxo de migrantes, a detenção enquanto se aguarda o afastamento tornou‑se extremamente importante. São múltiplas e conhecidas as razões desta situação dolorosa. Essas razões dizem respeito à política externa dos Estados‑Membros e da União, domínio que lhes está reservado.

40.      Em contrapartida, as condições jurídicas da decisão de detenção e as condições materiais da sua execução estão abrangidas pela fiscalização jurisdicional.

41.      As condições jurídicas das decisões de detenção não estão aqui em causa. As condições materiais da execução destas decisões constituem, em contrapartida, o núcleo do problema submetido.

42.      A diretiva declara de forma perfeitamente evidente que a decisão de detenção constitui uma medida de última instância. Afirma o seu caráter totalmente subsidiário ligado à necessidade de garantir o afastamento do migrante. Por conseguinte, a diretiva prevê de forma particularmente clara que a situação do migrante, cuja única falta reside na sua pobreza e cujo único crime consiste em tentar escapar‑lhe, ainda que a custo de riscos absurdos para alcançar um resultado totalmente aleatório, se situa no extremo oposto à de um delinquente. Esta característica fundamental tem de se traduzir num regime de execução da medida que, em consequência, tem de se distinguir da execução de uma pena.

43.      Com efeito, importa desde já precisar que os estabelecimentos penitenciários, que são quer estabelecimentos para cumprimento de pena, que respondem a finalidades precisas relacionadas com o próprio conceito de pena, quer prisões, não podem ser confundidos com os centros de detenção especializados previstos na diretiva. Um indivíduo encontra‑se detido num estabelecimento penitenciário unicamente em duas hipóteses, ou seja, antes de ser julgado, ou para cumprir uma sanção penal, integrando‑se cada uma destas hipóteses num processo ligado a uma infração penal grave.

44.      Antes do julgamento a detenção só é concebível por razões precisas que têm como condição de base a cristalização na pessoa em causa dos elementos que tornam verosímil, ou mesmo provável, o cometimento de uma infração de um certo grau de gravidade, podendo existir ligeiras diferenças de graus de acordo com as diferentes legislações nacionais e desde que a eles acresçam elementos relativos à natureza do ato praticado, às circunstâncias em que foi cometido, à falta de garantias de representação da pessoa posta em causa, à necessidade de preservar as provas e de evitar pressões sobre as testemunhas, bem como a elementos ligados à personalidade da pessoa posta em causa, que tornam indispensável a sua manutenção ao dispor da justiça.

45.      Assim, a colocação em detenção antes do julgamento dá nomeadamente resposta à necessidade de evitar contactos com terceiros ou de evitar a fuga. Daqui resulta necessariamente que, mesmo quando diz respeito a estabelecimentos ou a alas de estabelecimentos para pessoas que ainda não foram julgadas, o regime de detenção aplicado tem em conta esses objetivos básicos. As obrigações que daí decorrem não podem em nenhum caso permitir que, nessas estruturas, as pessoas que aí se encontram contra a sua vontade circulem livremente, nem permitir o livre acesso de terceiros ou a liberdade de contactos com o exterior, pois é precisamente para impedir esses contactos que foram concebidos os regimes de detenção.

46.      É tanto mais assim para os estabelecimentos ou alas consagrados aos presos condenados, para os quais uma das principais preocupações, de resto legítimas, da administração penitenciária é evitar a evasão, bem como movimentos coletivos e agressões contra o pessoal. A tomada em conta destes elementos traduz‑se evidentemente no regime aplicável aos detidos e ao modo de gestão destes estabelecimentos.

47.      Independentemente das considerações precedentes, a regra geral de funcionamento desses estabelecimentos assenta na separação — traduzida pela afetação a estabelecimentos ou alas distintas de um mesmo estabelecimento — dos homens, das mulheres e dos menores.

48.      No que respeita aos menores, importa não esquecer que a sua detenção é sempre uma medida, por princípio, excecional, que pressupõe portanto a sua aplicabilidade a menores que estão próximos da maioridade ou que têm um perfil psicológico difícil e, em todo o caso, devido à prática de atos graves.

49.      É pois atendendo a estes dados, por um lado, e, por outro, às prescrições da diretiva e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») que importa verificar se a aplicação desses regimes aos migrantes em detenção enquanto aguardam o seu regresso respeita os direitos que lhes são reconhecidos na União.

50.      Nas presentes conclusões, exporemos as razões pelas quais, do nosso ponto de vista, um nacional de um país terceiro à espera de afastamento não pode ser detido num estabelecimento penitenciário pelo facto de não existirem, no Land encarregue de assegurar a execução da sua detenção, centros especializados como os visados no artigo 16.°, n.° 1, da diretiva.

51.      Defenderemos igualmente que este nacional não pode ser mantido com presos comuns sob pretexto de ter renunciado ao direito que a referida disposição lhe confere de ser separado destes últimos.

II – Quadro jurídico

52.      Os considerandos 11, 13, 16, 17 e 24 da diretiva enunciam:

«(11) Deverá estabelecer‑se um conjunto mínimo comum de garantias em matéria de decisões relacionadas com o regresso, por forma a assegurar a proteção efetiva dos interesses das pessoas em causa. [...]

[...]

(13)      O recurso a medidas coercivas deverá estar expressamente sujeito aos princípios da proporcionalidade e da eficácia no que respeita aos meios utilizados e aos objetivos perseguidos. [...] Os Estados‑Membros deverão poder recorrer a várias possibilidades de fiscalização de regressos forçados.

[...]

(16)      O recurso à detenção para efeitos de afastamento deverá ser limitado e sujeito ao princípio da proporcionalidade no que respeita aos meios utilizados e aos objetivos perseguidos. A detenção só se justifica para preparar o regresso ou para o processo de afastamento e se não for suficiente a aplicação de medidas coercivas menos severas.

(17)      Os nacionais de países terceiros detidos deverão ser tratados de forma humana e digna, no respeito pelos seus direitos fundamentais e nos termos do direito internacional e do direito nacional. Sem prejuízo da detenção inicial pelas entidades competentes para a aplicação da lei, que se rege pelo direito nacional, a detenção deverá, por norma, ser executada em centros de detenção especializados.

[...]

(24)      A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios consagrados na Carta.»

53.      O artigo 1.° da diretiva prevê:

«A presente diretiva estabelece normas e procedimentos comuns a aplicar nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, no respeito dos direitos fundamentais enquanto princípios gerais do direito comunitário e do direito internacional, nomeadamente os deveres em matéria de proteção dos refugiados e de direitos do Homem.»

54.      O artigo 4.°, n.° 3 da diretiva, sob a epígrafe «Disposições mais favoráveis», dispõe o seguinte:

«A presente diretiva não prejudica o direito dos Estados‑Membros de aprovarem ou manterem disposições mais favoráveis relativamente às pessoas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação, desde que essas disposições sejam compatíveis com o disposto na presente diretiva.»

55.      O artigo 15.°, n.° 2, último parágrafo, da diretiva precisa que «[o] nacional de país terceiro em causa é libertado imediatamente se a detenção for ilegal».

56.      O artigo 16.°, n.° 1, da diretiva, sob a epígrafe «Condições de detenção», tem a seguinte redação:

«Regra geral, a detenção tem lugar em centros de detenção especializados. Se um Estado‑Membro não tiver condições para assegurar aos nacionais de países terceiros a sua detenção num centro especializado e tiver de recorrer a um estabelecimento prisional, os nacionais de países terceiros colocados em detenção ficam separados dos presos comuns.»

57.      O artigo 17.°, n.os 2 e 3, da diretiva dispõe:

«2.      As famílias detidas enquanto se aguarda o afastamento ficam alojadas em locais separados que garantam a devida privacidade.

3. Os menores detidos devem ter a possibilidade de participar em atividades de lazer, nomeadamente em jogos e atividades recreativas próprias da sua idade, e, em função da duração da permanência, devem ter acesso ao ensino.»

58.      Por último, o artigo 18.° da diretiva, sob a epígrafe «Situações de emergência», prevê o seguinte:

«1.      Caso um número excecionalmente elevado de nacionais de países terceiros que devam ser objeto de uma operação de regresso sobrecarregue de forma imprevista a capacidade dos centros de detenção de um Estado‑Membro ou o seu pessoal administrativo ou judicial, o Estado‑Membro em causa, pode, enquanto persistir a situação excecional […] tomar medidas urgentes em relação às condições de detenção, em derrogação das previstas no n.° 1 do artigo 16.° e no n.° 2 do artigo 17.°

2.      O Estado‑Membro em causa informa a Comissão sempre que recorra a medidas excecionais deste tipo. Deve igualmente informar a Comissão logo que os motivos que conduziram à aplicação dessas medidas deixem de existir.

3. O presente artigo em nada prejudica o dever geral dos Estados‑Membros de tomarem todas as medidas adequadas, de caráter geral ou específico, para assegurarem o cumprimento das obrigações decorrentes da presente diretiva.»

III – Observações preliminares

59.      A título preliminar observamos que, como resulta das informações prestadas pelo Bundesgerichtshof no processo C‑473/13, a diretiva ainda não tinha sido transposta para a ordem jurídica alemã quando A. Bero foi colocada em detenção em 6 de janeiro de 2011.

60.      Com efeito, o § 62a da Aufenthaltsgesetz entrou em vigor em 26 de novembro de 2011, ou seja, depois de a interessada ter sido posta em liberdade. Esta disposição não era, pois, aplicável no quadro do processo instaurado contra A. Bero. Em contrapartida, esta pode invocar o artigo 16.°, n.° 1, da diretiva, na medida em que, à data em que foi colocada em detenção, o prazo de transposição da diretiva fixado no seu artigo 20.°, n.° 1, primeiro parágrafo, em 24 de dezembro de 2010, já tinha expirado.

61.      Ora, segundo jurisprudência constante, quando um Estado‑Membro não transpõe uma diretiva para o direito nacional no prazo previsto na diretiva ou a transpõe incorretamente, os particulares têm o direito de invocar contra esse Estado as disposições dessa diretiva que se revelem incondicionais e suficientemente precisas. Ora, como o Tribunal de Justiça já realçou no acórdão El Dridi (14), é o que sucede com os artigos 15.° e 16.° da diretiva, os quais são incondicionais e suficientemente precisos para não carecerem de outros elementos específicos para permitir a respetiva execução pelos Estados‑Membros (15).

IV – A nossa análise do artigo 16.°, n.° 1, da diretiva

62.      Cada questão submetida ao Tribunal de Justiça pressupõe, para efeitos do seu exame, uma interpretação comum dos termos e da finalidade do artigo 16.°, n.° 1, da diretiva.

A –    Termos do artigo 16.°, n.° 1, da diretiva

63.      Daremos especial atenção às versões em língua francesa e alemã do artigo 16.°, n.° 1, da diretiva. Com efeito, existe uma diferença substancial entre estas duas versões linguísticas, o que teve evidentemente consequências quanto aos termos empregues pelo legislador alemão na sua lei de transposição nacional.

64.      O primeiro período do artigo 16.°, n.° 1, da diretiva, consagra o princípio segundo o qual «[r]egra geral, a detenção tem lugar em centros de detenção especializados».

65.      O princípio está redigido em termos claros e homogéneos em todas as línguas da União (16). Estamos pois convencidos que o legislador da União não pretendeu estabelecer o princípio segundo o qual os Estados‑Membros são obrigados a criar centros de detenção especializados para efeitos da detenção dos nacionais de países terceiros que aguardam o afastamento, salvo exceções especiais.

66.      O rigor deste princípio é atenuado pela utilização da expressão «regra geral», a qual pressupõe a existência de derrogações.

67.      O legislador da União instituiu uma exceção ao referido princípio no artigo 16.°, n.° 1, segundo período, da diretiva (17).

68.      Assim, na versão em língua francesa desta disposição, os nacionais de países terceiros que aguardam o afastamento podem ser mantidos em estabelecimentos prisionais «[l]orsqu’un État membre ne peut les placer dans un centro de rétention spécialisé» (18) ou, na sua versão em língua inglesa, «[w]here a Member State cannot provide accomodation in a specialised detention facility» (19).

69.      Ora, a versão em língua alemã da referida disposição introduz uma diferença substancial quanto às circunstâncias em que um Estado‑Membro pode derrogar o princípio fixado no artigo 16.°, n.° 1, primeiro parágrafo da diretiva. Com efeito, esta autoriza a detenção num estabelecimento penitenciário «[q]uando não existem centros de detenção especializados num Estado‑Membro» (20) («Sind in einem Mitgliedstaat solche speziellen Hafteinrichtungen nicht vorhanden»).

70.      Esta tradução repercute‑se, apenas parcialmente, no texto da legislação alemã que transpõe o artigo 16.°, n.° 1, da diretiva. Com efeito, recorde‑se que o § 62a, n.° 1, da Aufenthaltsgesetz prevê o seguinte:

«Regra geral, a detenção para fins de afastamento é executada em centros de detenção especializados. Se não existirem num Land centros de detenção especializados, a detenção pode ser executada noutros estabelecimentos prisionais desse Land» (21).

71.      Não pode deixar de se constatar que o alcance dos motivos pelos quais um Estado‑Membro pode derrogar ao princípio fixado e, por conseguinte, o alcance da própria exceção, foram substancialmente alterados pelo efeito conjugado da tradução do artigo 16.°, n.° 1, segundo período da diretiva para o alemão e da sua transposição para a ordem jurídica alemã.

72.      Antes de examinar a conformidade da lei de transposição em causa com o direito da União, impõe‑se, por conseguinte, examinar se a versão em alemão desta disposição, caracterizada pelo uso da expressão «quando não existam centros de detenção especializados» (22), pode legitimamente servir de base a uma interpretação que justifique as medidas tomadas nos processo principais.

73.      Em nossa opinião, é evidente que a tradução para a língua alemã do artigo 16.°, n.° 1, segundo período, da diretiva está errada.

74.      Por um lado, as traduções desta disposição, e em particular da expressão «se um Estado‑Membro não tiver condições» (23), são, em todas as outras línguas da União, homogéneas e decalcadas das versões em língua francesa e inglesa da diretiva. Ora, como o Tribunal de Justiça já decidiu, uma versão linguística divergente não pode prevalecer sozinha contra as demais versões linguísticas (24).

75.      Por outro lado, decorre de uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, para garantir uma interpretação e aplicação uniformes de uma disposição cuja versão numa língua da União diverge das demais línguas, importa interpretá‑la, não apenas à luz da economia geral do texto em que a mesma se insere, mas também à luz da finalidade prosseguida pelo legislador da União (25).

76.      Ora, a versão em língua alemã do artigo 16.°, n.° 1, segundo período, da diretiva, e em particular a utilização da expressão «quando não existam centros de detenção especializados» (26), priva de qualquer efeito útil o princípio fixado pelo legislador da União no artigo 16.°, n.° 1, primeiro período, da diretiva, comprometendo seguramente os objetivos que este pretende prosseguir.

77.      Com efeito, não há dúvida de que o legislador da União pretendeu obrigar os Estados‑Membros a criarem centros de detenção especializados a fim de tornar efetivo o regime particular mais favorável que impõe em proveito dos migrantes que aguardam o afastamento. Por conseguinte, e contrariamente à opinião expressa pelo Governo alemão, é absolutamente evidente que o legislador não teve a intenção de permitir que esses Estados invocassem a inexistência desses centros no seu território para derrogarem o princípio fixado.

78.      Se fosse esse o caso, isso equivaleria a fazer da construção de centros adaptados à especificidade da detenção uma condição puramente potestativa deixada à total liberdade de apreciação dos Estados‑Membros. Nesta perspetiva, a expressão «[s]e um Estado‑Membro não tiver condições» (27), constante do artigo 16.°, n.° 1, da diretiva, deveria ser interpretada no sentido de que visa as situações nas quais um «Estado‑Membro não quer», sentido que, concretamente, a frase então teria.

79.      Isso equivaleria igualmente a dissuadir os Estados‑Membros de construírem centros de detenção especializados, permitindo‑lhes ordenar a colocação em estabelecimentos penitenciários dos migrantes em situação irregular — que, no entanto, é uma mera solução excecional na economia da diretiva — e, finalmente, a desculpar os Estados‑Membros pelo incumprimento grave das obrigações que lhes incumbem, não somente por força da diretiva, mas também por força dos seus compromissos internacionais.

80.      Por conseguinte, consideramos que a versão alemã do artigo 16.°, n.° 1, segundo período, da diretiva, ao abrigo da qual um Estado‑Membro pode ordenar a colocação num estabelecimento penitenciário quando não existam centros de detenção especializados no seu território, deve ser afastada para efeitos da análise das presentes questões.

B –    Finalidade do artigo 16.°, n.° 1, da diretiva

81.      A finalidade do artigo 16.°, n.° 1, da diretiva infere‑se da orientação consagrada no artigo 1.° desta, que só pode ser entendida em conformidade e coerência com o artigo 1.° da Carta. Este texto de direito primário, cuja aplicabilidade ao caso vertente é indiscutível, dispõe que «[a] dignidade do ser humano é inviolável [e que a mesma] deve ser respeitada e protegida». Esta referência à dignidade humana está pois necessariamente incluída nas referências aos direitos fundamentais constantes do artigo 1.° da diretiva.

82.      Por conseguinte, o artigo 16.°, n.° 1, da diretiva e, mais em geral, as disposições que tratam especificamente das condições de detenção dos estrangeiros enquanto aguardam o afastamento, só podem ser concretamente aplicadas e conformes a estes textos, se garantirem o respeito destes valores.

83.      Em nossa opinião, é pois para dar cumprimento a estas regras que o artigo 16.°, n.° 1, da diretiva faz assentar a detenção de um nacional de um país terceiro enquanto aguarda o afastamento em dois princípios maiores relativos às condições e ao regime da detenção. Por um lado, a detenção deve ocorrer num centro especializado com um modo de vida adaptado e, por outro, quando esta deva excecionalmente ter lugar num estabelecimento penitenciário, o Estado‑Membro deve garantir a separação entre esse nacional e os presos comuns, sendo esta última exigência intocável por ser obrigatória independentemente do local da detenção.

84.      De resto, ainda de acordo com as referências constantes do artigo 1.° da diretiva, o legislador da União transpõe aqui a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Com efeito, esta exige que o local, o regime e as condições de detenção dos migrantes em situação irregular sejam «adequados» para não comprometer os direitos consagrados nos artigos 3.°, 5.° e 8.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH») (28).

85.      O legislador de União transpõe igualmente a décima e a décima primeira das «Vinte orientações sobre o regresso forçado» que o Comité dos ministros do Conselho da Europa adotou em 4 de maio de 2005 e às quais a diretiva faz referência no seu considerando 3.

86.      Com efeito, a décima orientação exige, no seu n.° 1, que, «normalmente», as pessoas detidas antes do afastamento sejam colocadas em locais especialmente afetos a esse fim, que proporcionem condições materiais e um regime adaptado ao seu estatuto jurídico (29). Impõe igualmente, no seu n.° 4, que essas pessoas sejam separadas dos presos preventivos e das pessoas condenadas a pena de prisão. A décima primeira orientação exige, nos seus n.os 2 a 4, que as famílias beneficiem de acomodações separadas, para preservar a sua intimidade, que sejam dotadas de um pessoal e de instalações que tenham em conta as necessidades específicas das crianças e que permitam, nomeadamente, que estas tenham acesso à educação e que usufruam de atividades recreativas (30).

87.      Para este efeito, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem elaborou uma lista não exaustiva de critérios com base nos quais aprecia a adequação do local, das condições e do regime da detenção (31).

88.      Antes de mais, a conceção e a disposição das instalações devem, na medida do possível, evitar dar a impressão de um ambiente de cárcere. Em seguida, estas instalações devem ser dotadas de pessoal com qualificações adequadas e, em particular, alguns conhecimentos linguísticos e médicos. As referidas instalações devem ser limpas e oferecer suficientes espaços habitáveis para o número de pessoas que aí poderá vir a ser colocado. Em particular, devem dispor de quartos coletivos não mistos e de equipamentos sanitários de acesso livre e em número suficiente. Devem, além disso, dispor de um espaço e de material necessários à restauração, bem como de um telefone com acesso livre. O centro de detenção deve igualmente dispor de equipamento médico e de um local reservado ao acolhimento das famílias e das autoridades consulares. Deve também dispor de um espaço educacional e de lazer e, nomeadamente, de um espaço de passeio ao ar livre. Por último, caso o centro deva acolher famílias, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem exige que os quartos estejam especialmente equipados com as infraestruturas essenciais exigidas para a detenção de crianças de tenra idade com material de puericultura adaptado e seguro (32).

89.      É à luz destes critérios que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem decidiu que a prisão não é um local «apropriado» ou «adequado» para o acolhimento e detenção dos nacionais de países terceiros enquanto aguardam o afastamento.

90.      As exigências fixadas pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, e transpostas pelo legislador da União, assentam na natureza e finalidade da medida de detenção.

91.      Essa medida, na sua essência, distingue‑se muito claramente de uma medida punitiva. Não se trata de punir o migrante por um crime ou infração que eventualmente tenha cometido, mas sim de preparar o seu afastamento do Estado‑Membro em causa. No quadro da diretiva, o legislador da União tem aliás o cuidado de não empregar os termos «detenção» ou «prisão» relativamente a este migrante. Precisa, por outro lado, no artigo 15.° da diretiva, que a detenção só pode ser ordenada contra quem seja objeto de procedimento de regresso e que apenas deve contribuir para efetuar o referido afastamento (33). No contexto da diretiva 2003/9/CE (34), define por fim a detenção no sentido de que visa «qualquer medida de isolamento de um requerente de asilo por um Estado‑Membro numa zona especial, no interior da qual o requerente é privado da liberdade de circulação» (35).

92.      Por conseguinte, a detenção não constitui uma pena pronunciada na sequência da prática de uma infração penal e o seu objetivo não é corrigir o comportamento do interessado com vista a reinseri‑lo na sociedade dentro de um determinado período de tempo. De resto, os fundamentos em que assenta a base jurídica da medida de detenção são totalmente alheios à ideia de sanção do comportamento. Não se deve perder de vista que, nesta fase, o migrante que aguarda o afastamento não é abrangido por qualquer estatuto penal, nem esquecer que, ainda que o Estado‑Membro em causa qualifique de «infração penal», como o Tribunal de Justiça lhe reconhece como um direito legítimo, o facto de entrar de modo irregular no seu território, este decidiu, além disso, que a natureza eventualmente penal deste comportamento deve ceder perante a prioridade que deve ser dada ao afastamento (36).

93.      Por conseguinte, não existe qualquer motivo legítimo para se proceda a esta detenção em condições e sob um regime prisionais.

94.      Embora a primeira obrigação que incumbe aos Estados‑Membros seja a de garantir o respeito da dignidade humana, em conformidade com o artigo 1.° da Carta, isso implica, em primeiro lugar, que não se dê dos homens, mulheres e crianças que aguardam o afastamento a imagem de delinquentes, que é, em si só, atentatória dessa dignidade, tratando‑os como tais.

95.      Em segundo lugar, isso exige garantir‑lhes, em conformidade com o princípio da proporcionalidade (37), que as modalidades de execução da detenção não os sujeitarão aos condicionalismos inerentes ao regime penitenciário, que evidentemente tornam impossível o cumprimento das regras e dos princípios fixados pela diretiva e pelos textos que a mesma transpõe, e o respeito dos direitos fundamentais nos quais esta última se inspira. Isso pressupõe que seja criado um regime e condições materiais de detenção que sejam adaptados ao seu estatuto jurídico que tenham capacidade para dar resposta às suas necessidades particulares, designadamente às dos mais vulneráveis. Tal é o caso das disposições do artigo 17.°, n.os 2 e 3, da diretiva que preveem que as famílias colocadas em detenção enquanto aguardam o afastamento devem ficar alojadas em locais separados e que os menores devem ter acesso ao ensino e poder praticar atividades adequadas, disposições que, de resto, não são mais do que a repercussão na diretiva dos artigos 7.°, 14.°, n.° 1, e 24.° da Carta.

96.      A exigência de colocação em centros especialmente adaptados à natureza da detenção é uma consequência lógica e necessária do acima exposto. A este respeito, a diretiva descreve as condições mínimas que esta detenção deve preencher, salvo nos casos em que fixa condições ainda mais estritas.

97.      É evidente que a prisão não permite dar cumprimento às regras e princípios fixados na diretiva, pela simples razão de que está prevista para uma utilização diferente da detenção enquanto se aguarda o afastamento. Com efeito, as condições materiais são seguramente inadaptadas, em particular para o acolhimento de famílias e crianças. As regras internas de funcionamento tornam o sentimento de cárcere omnipresente uma vez que as saídas são cronometradas, a presença policial é forte, a vigilância é apertada e a tomada a cargo é total (38). A isto deve ainda acrescentar‑se a precariedade, a promiscuidade, o stress, a insegurança e o ambiente hostil que representam os estabelecimentos penitenciários, não devendo esquecer‑se que os condicionalismos administrativos inerentes a este tipo de estabelecimentos têm tendência a limitar as iniciativas administrativas e jurídicas que podem ser levadas a cabo pelos migrantes.

98.      De acordo com a mesma lógica e na hipótese de a detenção dever excecionalmente decorrer num estabelecimento penitenciário, a diretiva exige uma separação entre os migrantes e os presos comuns.

99.      Por seu turno, esta obrigação de separação participa diretamente do respeito pela dignidade humana e pelos direitos fundamentais daquele que não cometeu nenhum crime e nem sequer nenhum delito. A mesma permite garantir que, no próprio seio da estrutura penitenciária, a detenção do migrante que aguarda o afastamento se distinga da execução de uma pena e decorra em condições e num regime adaptados ao seu estatuto. Tal obrigação permite, por fim, prevenir os riscos ligados à criminalização de certos migrantes e evitar as violências ligadas ao universo carcerário suscetíveis de atingir as pessoas mais vulneráveis.

100. Em nosso entender, isso implica uma separação estrita entre os migrantes e os presos comuns através da criação de uma unidade distinta, totalmente isolada do resto do estabelecimento penitenciário, que não ofereça possibilidade alguma de comunicação com as pessoas condenadas ou detidas antes de serem julgadas. No artigo 15.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da sua proposta de diretiva de 1 de setembro de 2005 (39), a Comissão exigia, por outro lado, que os Estados‑Membros garantissem «a separação física permanente entre os nacionais de países terceiros […] e os presos comuns» (40).

101. As regras de funcionamento da administração penitenciária parecem, a nosso ver, opor‑se à aplicação dos princípios fixados pela diretiva, por razões relacionadas, nomeadamente, com exigências legítimas de segurança, inerentes ao funcionamento desses estabelecimentos. Se permitirmos o contacto entre os presos comuns e os estrangeiros em detenção, garantindo a estes últimos a flexibilidade do regime que os textos impõem, nomeadamente no que respeita aos contactos com o exterior, arriscamo‑nos então a que, por seu intermédio, os próprios condenados aproveitem para, diretamente ou por intermédio dos migrantes, manter contactos exteriores, o que teria consequências facilmente imagináveis. Do mesmo modo, não nos surpreende constatar, através das observações apresentadas, nomeadamente, pelo estabelecimento penitenciário de Munique — se bem as entendemos —, que os estrangeiros em detenção estão na realidade submetidos ao regime penitenciário e não a um regime especialmente adaptado e conforme às prescrições da diretiva. Tal não pode, de resto, ser censurado à própria administração penitenciária, pois, pelas razões, nomeadamente, de segurança que acabámos de recordar, aquela administração não pode atuar de outra forma. São, portanto, a lógica e os imperativos do próprio sistema que são, por natureza, incompatíveis com as exigências da diretiva e que a tornam inaplicável no meio carcerário.

102. Na nossa opinião, não há dúvidas de que, tendo em conta a finalidade das exigências impostas pelo legislador da União no artigo 16.°, n.° 1, da diretiva, este pretendeu efetivamente subtrair os nacionais de países terceiros que aguardam o afastamento do regime penitenciário, exigindo que cada Estado‑Membro, por um lado, crie centros de detenção especializados no seu território e, por outro, que garantam a separação dos nacionais de países terceiros enquanto aguardam o afastamento dos presos comuns quando excecionalmente ordenam que se proceda à detenção num estabelecimento penitenciário.

103. Dito isto, importa agora analisar detalhadamente cada uma das questões colocadas nos processos apensos C‑473/13 e C‑514/13 e no processo C‑474/13.

V –    Análise das questões

A –    Observações preliminares

104. Para bem compreender o contexto em que se inscrevem os presentes reenvios prejudiciais importa referir os seguintes elementos.

105. Recordamos em primeiro lugar que, em conformidade com os artigos 83.° e 84.° da Lei Fundamental, incumbe aos Länder assegurar a execução das detenções ordenadas com vista ao afastamento dos nacionais de países terceiros em situação irregular.

106. Ora, dos dezasseis Länder que compõem a República Federal da Alemanha, dez de entre eles não dispõem de centros de detenção especializados (41). Nestas condições e com exceção das situações em que certos Länder recorrem à entreajuda administrativa, os nacionais de países terceiros que aguardam o afastamento são colocados em estabelecimentos penitenciários e são sujeitos, em alguns casos, a regras e restrições idênticas às reservadas aos presos comuns ou às pessoas presas preventivamente.

107. Esta situação foi condenada pelo Comité europeu para a prevenção da tortura e das penas ou tratamentos desumanos ou degradantes do Conselho da Europa (a seguir «CPT») num relatório apresentado em 22 de fevereiro de 2012 (42).

108. Em segundo lugar, a separação dos migrantes que aguardam o afastamento dos presos comuns não está garantida em todos os estabelecimentos penitenciários do território e, em particular, no que respeita à detenção das mulheres e das crianças (43). Tal decorre, não apenas das observações apresentadas pelo Governo alemão, mas igualmente da jurisprudência nacional.

109. Por despacho de 20 de setembro de 2011, o Landgericht Leipzig (Land da Saxónia) anulou, com fundamento no artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva, a colocação em detenção de um nacional tunisino, pelo facto de este último partilhar a cela com um indivíduo condenado (44). De acordo com o relatório elaborado pelo CPT, em 22 de fevereiro de 2012, na prisão de Leipzig não existiam nessa época unidades particulares reservadas ao acolhimento de nacionais de países terceiros que aguardavam o afastamento (45).

110. Por despacho de 21 de agosto de 2012, o Landgericht Traunstein (Land da Baviera) também anulou a colocação em detenção de um menor que aguardava o afastamento, pelo facto de este se encontrar detido num centro para delinquentes juvenis (46). Efetivamente, o estabelecimento penitenciário de Munique só dispõe de uma unidade distinta reservada ao acolhimento de adultos de sexo masculino. Como indicou a República Federal da Alemanha na sua resposta ao CPT, os menores estão, por conseguinte, detidos no centro de detenção para menores, em conjunto com os delinquentes juvenis (47). As migrantes estão detidas numa unidade penitenciária reservada às mulheres. Esta situação repete‑se nos Länder de Bade‑Vurtemberga, de Hesse (48) e da Saxónia (49).

111. Esta situação, além de ilegal, é chocante. Com efeito, as mulheres grávidas e os menores são particularmente vulneráveis e necessitam de uma atenção particular por parte das autoridades devido ao seu estado, à sua idade e à sua dependência, a respeito da qual, nem o legislador da União, no seu artigo 17.°, n.° 2, da diretiva, nem o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, na sua jurisprudência, estão prontos a transigir (50).

112. Em terceiro lugar, no que diz respeito à organização espacial das unidades, embora estejam organizadas alas especiais, não deixa de ser verdade que, na maioria das vezes, durante as refeições, os passeios ou ainda nos cuidados na enfermaria, os migrantes podem estarem contacto com os presos comuns. Assim, de acordo com as observações do estabelecimento penitenciário de Munique no âmbito do processo C‑514/13, as pessoas detenção administrativa não são separadas dos presos comuns nem durante o processo de acolhimento e de visitas, nem nas diferentes salas de espera (visita médica, transferência) ou quando estão na enfermaria. E. Bouzalmate ficou doze dias na enfermaria comum da prisão na sequência de uma tentativa de suicídio.

113. Por fim, na maioria dos Länder, a detenção dos migrantes em situação irregular parece decorrer de acordo com as condições gerais fixadas pela lei relativa à execução das penas e às medidas de reabilitação e de prevenção privativas de liberdade, de 16 de março de 1976, e, em particular, segundo as regras previstas nos seus §§ 3 a 49, 51 a 121, 171, 173 a 175 (regras relativas à indumentária, às compras e ao trabalho), 178, n.° 3 (regra especial para os menores), e 179 a 187 (51).

114. Feito o reconhecimento da situação, importa agora que nos debrucemos sobre os diferentes casos concretos.

B –    Processos apensos C‑473/13 e C‑514/13

115. Com a sua questão, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam ao Tribunal de Justiça, no essencial, se o artigo 16.°, n.° 1, da diretiva deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que, atendendo à sua estrutura federal, autoriza os Estados federados a colocar os nacionais de países terceiros que aguardam o afastamento num estabelecimento penitenciário quando não existam centros de detenção especializados no território do Estado federado competente.

116. Recordamos desde já que a questão de saber se a diretiva impõe, e sendo o caso em que prazos, a construção imediata de um número mínimo de centros de detenção, não se situa, em nossa opinião, no âmbito das presentes questões. A problemática suscitada por estas questões concentra‑se em casos individuais submetidos ao Tribunal de Justiça e equivale, de facto, a saber se um Estado‑Membro pode, sem invocar situações extraordinárias, fazer regra da exceção visada no artigo 16.°, n.° 1, segundo período da diretiva.

117. Recordamos, com efeito, que A. Bero ficou detida num estabelecimento penitenciário porque, no Land de Hesse, não existiam centros de detenção especializados que estivessem em medida de acolher mulheres. Também decorre das observações apresentadas por A. Bero que ela não foi separada dos presos comuns e das pessoas presas preventivamente.

118. Quanto a E. Bouzalmate, ficou em detenção numa ala distinta do estabelecimento penitenciário de Munique, na medida em que o Land da Baviera não dispõe de centros de detenção especializados.

119. Na sua decisão de reenvio, o Bundesgerichtshof e o Landgericht München têm dúvidas de que esse motivo, baseado na estrutura federal da Alemanha, possa ser legitimamente invocado ao abrigo do artigo 16.°, n.° 1, da diretiva.

120. Por um lado, defendem que as autoridades nacionais devem assegurar a detenção dos nacionais de países terceiros que aguardam o afastamento em centros especializados, independentemente da sua localização no território nacional. Consideram portanto que não há que ter em conta as competências reservadas a cada um dos Estados federados para a aplicação dos princípios previstos no artigo 16.°, n.° 1, da diretiva. Nessa hipótese, a detenção dos interessados seria contrária às exigências da diretiva.

121. Por outro lado, os órgãos jurisdicionais de reenvio sublinham que, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, TUE, a União deve respeitar a estrutura federal dos Estados‑Membros.

122. Nas suas observações o Governo alemão recorda que o artigo 4.°, n.° 2, TUE obriga efetivamente o legislador da União a respeitar a identidade nacional dos Estados‑Membros inerente às suas estruturas políticas e constitucionais fundamentais, incluindo no que respeita à autonomia local e regional. Por conseguinte, considera que, de acordo com a repartição de competências levada a cabo pela lei fundamental, os Länder deveriam poder determinar livremente se, e em que medida, devem criar e gerir centros de detenção especializados, tendo em conta a sua dimensão, a sua situação geográfica e o número de pessoas detidas para efeitos de afastamento e deveriam também poder decidir livremente, sendo caso disso, criar uma cooperação administrativa com outros Länder. Por conseguinte, o Governo alemão defende que a soberania administrativa de um Land seria prejudicada se este não pudesse colocar os migrantes que aguardam o afastamento num estabelecimento penitenciário abrangido pela sua competência pelo facto de existirem centros de detenção especializados noutro ponto do território nacional.

123. Tendo em conta estes elementos o Governo alemão considera, por conseguinte, que a exceção prevista no artigo 16.°, n.° 1, segundo período, da diretiva deve aplicar‑se à situação em que um Estado‑Membro está confrontado com a falta de centros de detenção especializados no território do Estado federado competente, ao mesmo tempo que está, todavia, obrigado a respeitar a repartição de competências previstas pelas regras institucionais do Estado.

124. É certo que, em conformidade com o artigo 16.°, n.° 1, segundo período, da diretiva, um Estado‑Membro pode ordenar que um migrante em situação irregular seja colocado num estabelecimento penitenciário quando «não tiver condições» para detê‑lo num centro de detenção especializado. Contudo, esta disposição não precisa os motivos pelos quais um Estado‑Membro poderia encontrar‑se perante uma impossibilidade desse tipo.

125. Nestas condições, o legislador da União deixa à escolha de cada Estado‑Membro a possibilidade de definir os motivos pelos quais um indivíduo pode ser colocado num estabelecimento penitenciário em vez de num centro de detenção especializado?

126. É esse o parecer dos Governos alemão e neerlandês que, na sua interpretação, evitam estabelecer uma ligação entre o artigo 16.° da diretiva e o artigo 18.° desta, a qual, no entanto, é clara ao ponto de sermos de opinião que os dois artigos devem ser lidos em conjugação, sendo que a letra do segundo prevê claramente que o mesmo constitui uma exceção relativamente ao primeiro.

127. Assim, o artigo 16.°, n.° 1, da diretiva prevê um princípio, a execução da detenção num centro especializado, e prevê uma exceção quando o Estado‑Membro não pode fazê‑lo.

128. O artigo 18.° da diretiva prevê expressamente a situação em que essa derrogação é possível, concretamente, quando o Estado‑Membro está confrontado com «situações de emergência», expressão que constitui a epígrafe deste artigo.

129. Nesta fase, podemos de resto interrogar‑nos a respeito das razões que conduziram o legislador da União a prever expressamente uma derrogação baseada na urgência da situação, se a derrogação fosse natural e normal como alegam os Governos alemão e neerlandês. O que é autorizado por razões de prática administrativa devia sê‑lo, por maioria de razão, em situações de urgência, sem que a diretiva necessitasse de o precisar.

130. É portanto correto que, no espírito da diretiva, seja necessário enquadrar estritamente os motivos que podem ser invocados pelos Estados‑Membros para ordenarem a colocação num estabelecimento penitenciário não somente porque se trata da medida privativa da liberdade mais grave que a diretiva autoriza, mas igualmente porque se trata de uma exceção, sendo portanto indispensável recordar os limites da margem de manobra dos Estados‑Membros que a própria diretiva prevê para garantir o seu efeito útil.

131. Situações de urgência como as definidas no artigo 18.° da diretiva constituem portanto o único motivo expressamente previsto pelo legislador da União. Em conformidade com esta disposição, o Estado‑Membro pode adotar medidas de urgência em derrogação dos princípios enunciados nos artigos 16.°, n.° 1, e 17.°, n.° 2, da diretiva quando um encargo pesado e imprevisto sobrecarregue a capacidade dos seus centros de detenção ou o seu pessoal administrativo ou judicial devido a um número excecionalmente elevado de nacionais de países terceiros sujeitos a uma obrigação de regresso. A referida disposição permite ter em conta o encargo muito mais pesado que certos Estados‑Membros devem gerir devido à sua posição geográfica. Fluxos massivos de migrantes, como os que podem conhecer os Estados‑Membros com costa no Mediterrâneo, estão abrangidos por esta exceção.

132. É este o único motivo suscetível de ser invocado?

133. Não nos parece que o texto da diretiva permita uma resposta afirmativa a esta questão. Em contrapartida, a partir deste texto é possível inferir as características que deveriam apresentar as eventuais circunstâncias que um Estado‑Membro poderia invocar com esse objetivo.

134. Com efeito, o n.° 2 do artigo 18.° da diretiva qualifica expressamente as derrogações previstas no seu n.° 1 de «medidas excecionais» e impõe, nessa hipótese, que a Comissão seja informada do início e do termo das medidas em causa.

135. Parece‑nos claro que só circunstâncias excecionais que apresentem critérios de urgência ou de gravidade análogos aos visados no âmbito do artigo 18.° da diretiva podem justificar as medidas excecionais que exigem o controlo de princípio da Comissão.

136. Por conseguinte, consideramos que, com exceção das situações de urgência ligadas a um fluxo de migrantes, um Estado‑Membro só pode ordenar a detenção de um nacional de países terceiros que aguarde o afastamento num estabelecimento penitenciário se existirem motivos excecionais e legítimos, como os relativos ao estado de necessidade, que exprimam sem contestação possível que a ponderação dos interesses em causa impõe essa solução. Quando um Estado‑Membro é confrontado com dificuldades ligadas à colocação em detenção de um migrante que aguarda o afastamento, parece‑nos que este deveria caracterizar, com base numa apreciação de cada caso individual, as razões pelas quais se impõe a colocação num estabelecimento penitenciário. Além disso, esse Estado deveria fundamentar a sua decisão tendo em conta as circunstâncias do caso concreto e respeitar as obrigações que o artigo 18.°, n.° 2, da diretiva lhe impõe. Parece‑nos igualmente, e isso apesar de a Comissão não ter partilhado desta ideia na audiência, que esta decisão de colocação deveria ser passível de recurso, pelo menos administrativo, por parte dos migrantes.

137. É pois à luz destas considerações, inspiradas pela simples leitura da letra do próprio texto da diretiva que examinaremos uma a uma as razões invocadas pelas autoridades nacionais competentes no âmbito dos processos principais e as evocadas pelos Governos dos Estados‑Membros nas suas observações.

1.      Fundamentos invocados pelo Regierungspräsidium Kassel (processo C‑473/13) e pelo Kreisverwaltung Kleve (processo C‑514/13)

138. Nos processos apensos C‑473/13 e C‑514/13, as autoridades nacionais competentes baseiam‑se nas competências reservadas a cada um dos Länder e nos próprios termos do § 62a, n.° 1, da Aufenthaltsgesetz para justificar as detenções em causa. Esta disposição, como já vimos, reconhece a cada um dos Länder o direito de ordenar a detenção dos migrantes em situação irregular nos estabelecimentos penitenciários quando estes Länder não disponham de centros de detenção especializados no seu território.

139. Ora, recordamos que dez Länder não dispõem desses centros de detenção. Assim, decorre das peças apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑514/13 que as pessoas colocadas em detenção administrativa no Land da Baviera ficam automaticamente detidas, desde 1 de janeiro de 2012, em estabelecimentos penitenciários de Aschaffenburg, de Munique e de Nuremberga (52).

140. Ora, deter um migrante em situação irregular num estabelecimento penitenciário sob pretexto de não existirem centros de detenção especializados numa parte do território do Estado‑Membro não é, em nosso entender, um motivo aceitável, porque não é abrangido por nenhum dos critérios acima definidos. Com efeito, esta situação não resulta de forma alguma de uma situação como a que é expressamente descrita no artigo 18.° da diretiva ou de critérios de emergência ou de gravidade análogos aos visados pela referida disposição. Na realidade fica a sensação de que não existem centros de detenção especializados simplesmente porque os mesmos não foram construídos em alguns Länder e porque não foi feito apelo às capacidades dos centros de acolhimento existentes.

141. Por outro lado, não nos parece que a estrutura federal do Estado‑Membro seja um obstáculo à aplicação dos princípios da diretiva.

142. A este respeito, é importante recordar dois princípios essenciais da nossa jurisprudência.

143. Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente que um Estado‑Membro não pode invocar disposições ou práticas nacionais que decorrem da sua organização federal para eventualmente justificar a não observância das obrigações impostas por uma diretiva (53). Assim, em conformidade com uma jurisprudência constante, as instituições da União não devem ter em conta e nem mesmo pronunciar‑se sobre a repartição de competências decorrente das regras institucionais de cada Estado‑Membro e sobre as obrigações que podem respetivamente incumbir às autoridades do Estado federal e às dos Estados federados (54).

144. Por conseguinte, a partir do momento em que um Estado‑Membro tenha um centro de detenção especializado no seu território, que disponha de uma capacidade de acolhimento suficiente, deve ordenar que o interessado seja colocado nesse centro, sendo indiferente a organização federal deste Estado e a localização geográfica deste centro.

145. Em segundo lugar, os Estados‑Membros devem adaptar a sua legislação de forma a garantir o respeito dos direitos fundamentais dos indivíduos. Em particular, estes Estados não podem aplicar uma legislação, ainda que em matéria penal, suscetível de pôr em perigo a realização dos objetivos prosseguidos por uma diretiva e, por conseguinte, de privar a mesma do seu efeito útil. Com efeito, nos termos do artigo 4.°, n.° 3, segundo e último parágrafos, TUE, os Estados‑Membros «tomam todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos atos das instituições da União» e, nomeadamente, «abstêm‑se de qualquer medida suscetível de pôr em perigo a realização dos objetivos da União», incluindo os prosseguidos pelas diretivas. Esta obrigação impõe‑se a todas as autoridades dos Estados‑Membros (55), quer se trate das autoridades do Estado federal ou das autoridades dos Estados federados caso o Estado‑Membro tenha uma organização federal.

146. Na Alemanha, as competências relativas à execução do direito da União são repartidas entre o Estado federal e os Estados federados. Importa contudo sublinhar que, em conformidade com o artigo 35.°, n.° 1, da Lei Fundamental, todas as autoridades do Estado federal e dos Estados federados prestam mutuamente ajuda judiciária e administrativa, sem que tal prejudique a soberania administrativa dos Länder invocada pelo Governo alemão nas suas observações.

147. Em aplicação desta disposição, o § 5, n.° 1, ponto 2, da lei alemã sobre o processo administrativo não contencioso (Verwaltungsverfahrensgesetz) permite que as autoridades dos Estados federados apresentem pedidos de entreajuda administrativa quando uma delas se encontra impedida de adotar medidas administrativas devido, nomeadamente, à ausência de instalações necessárias ou da falta de pessoal.

148. O Land do Sarre celebrou assim um acordo de cooperação administrativa que lhe permite colocar os nacionais de países terceiros enquanto aguardam o afastamento no centro especializado de Ingelheim situado no Land da Renânia‑Palatinato. Dos 152 lugares de que o centro dispõe, 50 são colocados à disposição do Land de Sarre (56). O Land de Hamburgo também celebrou um acordo de cooperação para garantir a detenção das mulheres e menores nos centros especializados situados no território do Land de Brandeburgo (57). Tal parece também ser o caso dos Länder da Saxónia e de Schleswig‑Holstein que, com base no acordo de cooperação celebrado com o Land de Brandeburgo, colocam os migrantes nos centros de detenção especializados de Berlin‑Köpenick e de Eisenhüttenstadt (58).

149. No processo C‑514/13, o órgão jurisdicional de reenvio previu de resto expressamente o recurso à entreajuda administrativa. Com efeito, decorre das peças processuais de 10, 12 e 13 de setembro de 2013 que pediu expressamente às autoridades do Land da Renânia‑Palatinato que colocassem o interessado no centro de detenção especializado de Ingelheim. Importa observar que este pedido foi aceite antes de ser rejeitado na sequência da tentativa de suicídio do interessado.

150. Parece‑nos, por conseguinte, que a estrutura federal da Alemanha não se opõe à colocação dos migrantes em situação irregular nos centros de detenção especializados, mesmo no caso em que o Land competente não disponha de tais centros no seu território.

151. Com efeito, nessa hipótese parece‑nos que os acordos de cooperação entre os diferentes Estados federados, certamente de caráter voluntário, permitem garantir o respeito do artigo 16.°, n.° 1, da diretiva observando ao mesmo tempo a estrutura federal da Alemanha.

2.      Motivos invocados pelos Governos dos Estados‑Membros nas suas observações

a)      Interesse e bem estar do migrante

152. Segundo os Governos alemão e neerlandês, existem circunstâncias nas quais o interesse e o bem estar do migrante impõem a sua colocação num estabelecimento penitenciário, justificando desse modo uma derrogação aos princípios enunciados no artigo 16.°, n.° 1, segundo parágrafo, da diretiva. Esta colocação constitui uma «disposiç[ão] mais favoráve[l]» na aceção do artigo 4.°, n.° 3, da diretiva que permite que as autoridades nacionais competentes forneçam uma solução «caso a caso» no interesse do migrante, na aceção do considerando 6 da diretiva (59).

153. O Governo alemão precisa, com efeito, que, devido à duração média da detenção dos presos comuns, claramente mais longa que a dos migrantes, os estabelecimentos penitenciários oferecem uma gama de atividades, lazeres e de cuidados mais extensa e contínua do que a proposta nos centros de detenção especializados, bem como um melhor enquadramento em termos de segurança. Os menores colocados em centros para delinquentes juvenis poderiam assim beneficiar dos cuidados e do ensino específico proporcionados nesses centros de detenção para menores e participar, se assim o desejarem, em atividades com pessoas da mesma idade. Quanto às pessoas que sofrem de uma afeção particular, as mesmas poderiam beneficiar de cuidados médicos que não são necessariamente propostos nos centros de detenção especializados. Por último, as pessoas que apresentam um risco para a segurança dos outros poderiam ser mais bem enquadradas graças à estrutura do estabelecimento penitenciário e vigiadas por pessoal qualificado.

154. Além disso, segundo o Governo alemão, a colocação do migrante num estabelecimento penitenciário da localidade permitiria evitar os inconvenientes relacionados com o afastamento geográfico dos centros de detenção. Antes de mais, essa colocação permitiria assegurar a eficácia do processo de afastamento. Seguidamente, permitiria evitar ao migrante um percurso sobre longas distâncias e facilitaria, não só a manutenção dos contactos com a família e os amigos, mas também os trâmites jurídicos. Por fim, quando um membro da família se encontra preso num estabelecimento penitenciário a colocação em detenção do migrante neste mesmo estabelecimento permitiria reagrupar os mesmos membros da família.

155. Observe‑se que alguns destes argumentos foram evocados pela República Federal da Alemanha na resposta que forneceu ao CPT na sequência do relatório elaborado em 22 de fevereiro de 2012 (60).

156. Com exceção das pessoas que representam um risco para a segurança dos outros e em relação às quais a referência à teoria do estado de necessidade nos parece oportuna, temos muitas dúvidas em relação a estes argumentos.

157. Embora o artigo 5.° da diretiva exija efetivamente que os Estados‑Membros tenham em conta o interesse superior da criança, a vida familiar e o estado de saúde do interessado na aplicação da diretiva, é evidente que não o faz no sentido sugerido pelos Governos alemão e neerlandês nas suas observações.

158. É certo que há situações em que é preferível estar num estabelecimento penitenciário em vez de num centro de detenção. São precisamente as descritas pelo legislador da União no artigo 18.° da diretiva ou outras que sejam análogas pela sua gravidade ou urgência. Além destes casos, parece‑nos difícil defender que a detenção num estabelecimento penitenciário pode constituir uma «disposiç[ão] mais favoráve[l]» ou representar uma solução «caso a caso» para quem aguarda o afastamento, quer se trate de um menor ou de uma pessoa doente. Fazê‑lo seria mais uma vez ignorar a função da prisão, que é concebida como instrumento de uma sanção destinada a garantir a retribuição por uma infração cometida.

159. A este respeito, é evidente que os Estados‑Membros não podem basear‑se na letra do artigo 4.°, n.° 3, da diretiva para ordenar essa colocação em detenção.

160. Com efeito, embora esta disposição confira aos Estados‑Membros a faculdade de adotar ou de manter disposições mais favoráveis aos nacionais de países terceiros em situação irregular que as previstas na diretiva, desde que essas disposições sejam compatíveis com esta, o Tribunal de Justiça recordou, no acórdão El Dridi (61), que a diretiva não permite aos referidos Estados aplicar normas mais severas no domínio que rege (62).

161. Ora, é evidente que a colocação em detenção num estabelecimento penitenciário constitui, não só uma medida mais severa que as visadas no âmbito do afastamento forçado, mas também que viola os princípios fixados pela diretiva se não for acompanhada das garantias exigidas pelo artigo 16.°, n.° 1, desta.

162. Retomemos os argumentos avançados pelos Governos alemão e neerlandês nas suas observações.

163. Em primeiro lugar, os menores colocados num centro para delinquentes juvenis poderiam beneficiar de cuidados e de ensino específicos e participar em atividades com pessoas da mesma idade. De que cuidados estamos a falar? Embora seja certo que os jovens colocados num centro para delinquentes juvenis, que são, portanto, delinquentes, têm necessidade de cuidados ao nível do enquadramento psicológico, não vemos por que razão os jovens migrantes, que não são delinquentes, deveriam, por definição, necessitar desses cuidados.

164. Vemos nisso a equiparação do migrante a um delinquente, que acarreta, devido à sua colocação numa ala de menores, uma separação do menor dos seus pais, circunstância que a diretiva pretende precisamente evitar. Não nos parece que esta argumentação reflita os artigos 1.° e 24.° da Carta, nomeadamente do n.° 3 desta última disposição que prevê que «[t]odas as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos os progenitores».

165. Por outro lado, embora a diretiva preveja que os menores devem poder beneficiar de atividades adaptadas à sua idade, designadamente desportivas e recreativas, duvidamos seriamente que o legislador da União tenha ponderado fazê‑los participar em atividades comuns com jovens delinquentes, e isso, devido ao risco de criminalização que tal situação pode gerar.

166. Em segundo lugar, os migrantes que sofrem de uma afeção particular poderiam beneficiar, nos estabelecimentos penitenciários, de cuidados médicos adequados que não estão necessariamente disponíveis nos centros de detenção. É claro que não pode exigir‑se que cada centro de detenção possa oferecer uma oferta de tratamentos médicos completa. Contudo, em conformidade com o artigo 16.°, n.° 3, da diretiva, recordamos que devem ser prestados cuidados de saúde urgentes e o tratamento básico de doenças. Se um estado de saúde exigir um tratamento pesado, temos sérias dúvidas de que as prisões possam servir de local de hospitalização. De resto, com toda a certeza, a partir de um certo grau de gravidade, os próprios presos devem receber cuidados facultados no exterior do estabelecimento.

167. Em terceiro lugar, a detenção num estabelecimento penitenciário da localidade ou do Land competente permitiria ao migrante manter contactos com a sua família e amigos. Ora, esse corte existe necessariamente na medida em que o migrante se encontra em vias de afastamento, não lhe permitindo a presença eventual dos pais no local beneficiar de disposições que o autorizam a ficar no território da União.

168. Em quarto lugar, o facto de deslocar o migrante até um centro especializado afastado atingiria a eficácia do processo de afastamento. Este argumento não é, a nosso ver, admissível na medida em que a própria finalidade do centro de detenção especializado é facilitar os trâmites que permitem garantir um regresso rápido e eficaz do indivíduo até ao seu país de origem com respeito pelos direitos que lhe são reconhecidos.

169. Em quinto lugar, um migrante poderia ser colocado no mesmo estabelecimento penitenciário que aquele em que estão detidos outros membros da sua família. Não vemos por que é que essa detenção não seria possível num centro de detenção especializado no qual o reagrupamento familiar é a regra em conformidade com o artigo 17.°, n.° 2, da diretiva. Esta exigência de reagrupamento familiar parece‑nos, pelo contrário, marcar a diferença essencial do regime de retenção em relação ao da detenção e, consequentemente, proibir o recurso a este último. A este respeito, os condicionalismos ligados ao regime de prisão em celas e com refeições e tarefas cronometradas, horas de «passeio» extremamente reduzidas e por vezes o porte de um uniforme, parecem‑nos perfeitamente ilustrados pelas observações do estabelecimento penitenciário de Munique.

b)      Custos relativos à criação de centros de detenção especializados e os encargos relacionados com as transferências para centros de detenção afastados

170. O Governo alemão observa que seria excessivamente oneroso criar em cada Land centros de detenção especializados para todas as pessoas em causa, concretamente, os homens, as mulheres e as crianças, tendo nomeadamente em conta que se trata de um número relativamente reduzido dessas pessoas, em particular de mulheres e crianças (63). Considera igualmente que o Estado‑Membro deve dispor de alguma flexibilidade quanto à organização desses centros na medida em que o número de pessoas em detenção não é fixo e em que a duração da sua detenção não ultrapassa algumas semanas ou meses.

171. Os Governos neerlandês, sueco e suíço evocam, além disso, o encargo pesado e desproporcionado que poderia representar uma transferência de longa distância do migrante e das autoridades responsáveis para um centro de detenção geograficamente afastado, o que provocaria atrasos e constituiria um entrave desproporcionado à execução do processo de regresso. A este respeito, o Governo neerlandês evoca especificamente a situação em que um Estado‑Membro se pode encontrar quando um centro de detenção especializado não disponha de nenhuma vaga disponível ou esteja temporariamente encerrado.

172. Compreendemos que um Estado‑Membro possa ver‑se confrontado com um problema de sobrepopulação dos seus centros de detenção numa época em que a detenção administrativa se generalizou amplamente e que se veja igualmente obrigado a encerrar alguns desses centros devido, por exemplo, a obras de transformação e de renovação. No entanto, não pode perder‑se de vista que a colocação de migrantes em situação irregular em prisões também implica igualmente o risco de conduzir à sobrepopulação destes estabelecimentos, a qual, em si mesma, gera custos importantes. Ora, segundo sabemos, são vários os Estados‑Membros que se queixam de uma situação endémica de sobrepopulação nos estabelecimentos penitenciários.

173. Também compreendemos que a transferência para um centro de detenção especializado possa implicar custos e necessitar de uma organização, mesmo quando a execução do processo de afastamento deva decorrer rapidamente. Ora, nenhum Estado‑Membro poderia imaginar, ou mesmo pretender, que no quadro da adoção da diretiva, as obrigações e princípios que a mesma consagra não teriam custos. A este respeito, importa igualmente considerar que a própria afetação de migrantes a estabelecimentos penitenciários é muito dispendiosa em termos de espaço e de organização das instalações. A mesma exige uma restruturação completa de algumas alas destes estabelecimentos para que o regime da detenção seja compatível com as disposições da diretiva. Por conseguinte, as poupanças alegadas pelos Estados‑Membros parecem ser muito ilusórias. Por último, gostaríamos de conhecer o respetivo custo, para um número idêntico de lugares, de um estabelecimento penitenciário e de um centro de detenção.

174. Atendendo ao acima exposto, consideramos, por conseguinte, que, com exceção das situações de emergência expressamente previstas no artigo 18.° da diretiva, apenas as circunstâncias excecionais que apresentem critérios de emergência ou de gravidade análogos aos visados no âmbito da referida disposição ou relativas ao estado de necessidade podem justificar que um Estado‑Membro se veja obrigado a derrogar ao princípio previsto no artigo 16.°, n.° 1, primeiro período, da diretiva e a ordenar a detenção de um nacional de país terceiro enquanto aguarda o afastamento num estabelecimento penitenciário.

175. Em nossa opinião, nenhum dos fundamentos evocados nos processos principais tem estas características.

176. Atendendo a todas as considerações acima expostas, consideramos, por conseguinte, que o artigo 16.°, n.° 1, da diretiva deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que, tendo em conta a sua estrutura federal, autoriza os Estados federados a deter os nacionais de países terceiros enquanto aguardam o afastamento num estabelecimento penitenciário quando não existirem no território do Estado federado competente centros de detenção especializados.

C –    Processo C‑474/13

177. No processo C‑474/13, o Bundesgerichtshof pergunta, no essencial, ao Tribunal de Justiça se, nos termos do artigo 16.°, n.° 1, da diretiva, um Estado‑Membro pode não separar um nacional de país terceiro, detido num estabelecimento penitenciário para efeitos do seu afastamento, dos presos comuns pelo facto de o migrante ter consentido na detenção em conjunto (64).

178. Por outras palavras, pode um migrante detido para fins do seu afastamento consentir em ser tratado da mesma forma que um delinquente ou que um criminoso?

179. Na sua decisão de reenvio, o Bundesgerichtshof considera que o interessado deveria poder consentir em ser detido com os presos comuns devido às «oportunidades de contactar com compatriotas ou pessoas da mesma idade». Defende, além disso, que a obrigação de separação visa apenas melhorar a situação do interessado e que a renúncia a essa obrigação não afeta o conteúdo essencial da dignidade humana na medida em que a execução de uma pena não é, enquanto tal, contrária à dignidade humana.

180. O órgão jurisdicional de reenvio observa contudo que ao abrigo do artigo 16.°, n.° 1, da diretiva, o legislador da União não previu nenhuma exceção à obrigação de separação. Além disso, tem dúvidas a respeito da existência de um risco de contorno desta obrigação na medida em que «a autoridade interveniente fornece aos interessados, para assinatura, declarações de consentimento formuladas previamente ou pressiona[‑os] a dar o consentimento».

181. Nas suas observações, o Stadt Schweinfurt, Amt für Meldewesen und Statistik e os Governos alemão e neerlandês consideram que essa prática é compatível com o artigo 16.°, n.° 1, da diretiva.

182. Baseiam‑se, no essencial, no interesse e bem‑estar do migrante, os quais, em certas circunstâncias, imporiam uma derrogação à obrigação de separação imposta por esta disposição. A detenção em conjunto com os presos comuns permitiria, com efeito, melhorar a sua situação e, por conseguinte, preencher o objetivo visado na referida disposição.

183. Segundo o Governo alemão, esta detenção em conjunto permitiria nomeadamente ao interessado «ter contacto social com compatriotas durante a detenção», posição de resto partilhada pelo Governo neerlandês, e facilitaria as visitas dos progenitores e das pessoas mais próximas. A referida detenção em conjunto permitiria, por conseguinte, evitar o isolamento social com o qual o interessado se veria confrontado num centro de detenção em razão do seu afastamento geográfico e do reduzido número de pessoas com a mesma nacionalidade e que falam a mesma língua nesses centros. Segundo o Governo alemão, essa situação seria mais difícil de suportar do que os inconvenientes ligados a uma detenção com pessoas condenadas. Além disso, o Governo alemão sustenta que o respeito da dignidade humana não se opõe e que um migrante que aguarda o afastamento seja detido com presos comuns nas mesmas condições que estes últimos. Pelo contrário, o respeito deste princípio obrigaria a respeitar o desejo manifestado pelo interessado de ser colocado em detenção com presos da mesma nacionalidade.

184. Em conclusão, todos defendem que esta prática pode constituir uma medida mais favorável para o interessado do que uma obrigação estrita de separação. Segundo o Governo neerlandês, esta prática seria, por conseguinte, conforme ao artigo 4.°, n.° 3, da diretiva e permitiria, na aceção do considerando 6 da diretiva, «adotar soluções à medida do interesse do estrangeiro».

185. Rejeitamos com firmeza esta interpretação e consideramos que importa, evidentemente, dar uma resposta negativa à questão colocada pelo Bundesgerichtshof.

186. Na sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio visa uma situação na qual o interessado «consentiu» em ser colocado em detenção juntamente com os presos comuns ao redigir uma declaração escrita de consentimento. Ora, o verbo «consentir» («einwilligen» em alemão) implica um pedido prévio. No contexto do processo C‑474/13, isso pressupõe que as autoridades nacionais competentes tivessem «pedido» previamente à interessada, de uma forma ou de outra, que renunciasse a esta garantia.

187. Decorre das observações apresentadas por T. L. Pham que a mesma assinou a seguinte declaração formulada previamente:

«Pham Thi Ly, em detenção

Declaro consentir ser colocada juntamente com presos.

Nuremberga, 30 de março de 2012

Assinatura»

188. Atendendo aos elementos de que dispomos, parece‑nos que a iniciativa das autoridades nacionais não foi motivada pelo interesse de T. L. Pham e ainda menos pelo eventual desejo que esta última teria manifestado quanto às suas condições de detenção. Nenhum elemento dos autos, e ainda menos a declaração assinada por T. L. Pham, permitem afirmar que esta pediu expressamente para ser detida com compatriotas. Bem pelo contrário. Decorre dos elementos de que dispomos que não dominava a língua alemã e que, em 31 de março de 2012, só 3 mulheres vietnamitas estavam presas num dos 37 estabelecimentos penitenciários do Land da Baviera. Pensamos que, na realidade, a iniciativa das autoridades foi imposta pela inexistência de estruturas capazes de acolher T. L. Pham, não tendo de resto aquelas autoridades proposto qualquer alternativa para a sua colocação em detenção.

189. Ora, parece‑nos difícil de admitir que, além da situação difícil em que o migrante se encontra devido ao seu afastamento forçado e devido à debilidade da sua posição, um Estado‑Membro possa, de uma forma ou de outra, pedir‑lhe que renuncie a uma garantia que o direito da União lhe reconhece expressamente pelo facto de este Estado não dispor das infraestruturas necessárias para o deter num centro especializado ou, sendo caso disso, para o separar dos presos comuns.

190. Mais uma vez, admitir que os Estados‑Membros possam não separar um migrante dos presos comuns pelo facto de este ter dado o seu consentimento permitiria que as autoridades nacionais contornassem a obrigação prevista no artigo 16.°, n.° 1, da diretiva e, em última instância, desculpar um incumprimento grave das obrigações que incumbem a esses Estados‑Membros ao abrigo da diretiva e dos seus compromissos internacionais.

191. No âmbito do processo C‑474/13, parece‑nos pois evidente que esse consentimento não pode constituir um motivo válido que permita ao Estado‑Membro derrogar à obrigação de separação prevista no artigo 16.°, n.° 1, da diretiva.

192. Os termos do artigo 16.°, n.° 1, segundo período, da diretiva são perfeitamente claros e servem de fundamento, recordemo‑lo, a uma obrigação incondicional e precisa. O legislador da União não previu nenhuma exceção à obrigação de separação, pelo que um Estado‑Membro não pode, com fundamento na diretiva, derrogar esse princípio, com exceção das situações de urgência visadas no artigo 18.° da mesma.

193. Em seguida, os objetivos da diretiva, que não voltaremos a enunciar, opõem manifestamente a esta prática.

194. Quando um Estado‑Membro não separa os migrantes que aguardam o afastamento dos presos comuns, adota um comportamento que é, não só contrário à finalidade da diretiva, concretamente, repatriá‑los de forma humana e digna, no respeito pelos seus direitos fundamentais (65), mas igualmente desproporcionada relativamente à finalidade da detenção.

195. Com efeito, este Estado tende a equiparar a detenção do nacional de país terceiro que aguarda o afastamento a uma medida de execução de pena, pelo que o migrante em situação irregular é tratado da mesma forma que um criminoso, por ser detido num local, em condições e sob um regime idênticos aos reservados aos presos comuns.

196. É certo que podemos partilhar da opinião do Bundesgerichtshof quando este enuncia como princípio o facto de a execução de uma pena não ser, por si só, contrária à dignidade humana. O cumprimento da pena em que o preso incorreu legalmente e que foi legalmente pronunciada é, para ele, ao pagar a sua dívida para com a sociedade, um meio de recuperar a sua dignidade de cidadão. Mas, pode a mesma opinião ser formulada sem reservas em relação a T. L. Pham, que, apesar de estar inocente da prática de qualquer infração penal de direito comum, foi colocada na situação de uma pessoa que cumpre uma pena? Parece‑nos que, neste caso, não é possível fazer um paralelismo.

197. Por outro lado, parece‑nos muito arriscado defender, à luz dos direitos fundamentais, que a detenção num estabelecimento penitenciário permite «melhorar a situação» do migrante e assim inverter os princípios previstos no artigo 16.°, n.° 1, da diretiva baseando‑se na preservação dos interesses do migrante em situação irregular e da sua dignidade. De resto, como indicámos nos n.os 162 a 164 das presentes conclusões, o artigo 4.°, n.° 3, da diretiva não permite justificar essa prática na medida em que se trata, em si mesma, de uma medida muito mais severa do que a prevista pelo legislador da União.

198. Por conseguinte, não subscrevemos de modo algum a ideia exposta pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua decisão de reenvio, segundo a qual o interessado pode renunciar a esta garantia quando por exemplo existam «oportunidades de contactar com compatriotas ou com pessoas da mesma idade», ideia também partilhada pelo Governo neerlandês. Um estabelecimento penitenciário não é um clube de férias ou um clube de encontros. Por outro lado, ao analisarmos as estatísticas elaboradas pelo Land da Baviera relativas à nacionalidade dos presos em 31 de março de 2012 ‑ data em que L. T. Pham foi detida ‑ em todo o território (66) (ou seja, 37 estabelecimentos prisionais, dos quais principalmente 9 acolhem mulheres) (67), constatamos que só 3 detidas eram de nacionalidade vietnamita, 7 eram de origem africana — o que inclui 57 países e outras tantas línguas e dialetos — e nenhuma era de origem chinesa, iraquiana, libanesa ou ainda albanesa. As oportunidades parecem‑nos, em todo o caso, bastante raras.

199. Por último, duvidamos do valor do consentimento de L. T. Pham atendendo ao contexto em que o mesmo foi dado.

200. Antes de mais, decorre das observações apresentadas por L. T. Pham que esta não dispunha de conhecimentos linguísticos suficientes de língua alemã para entender a declaração que assinou, tudo levando a crer que esta declaração não foi traduzida.

201. Além disso, a renúncia em causa ocorreu numa situação de profundo desequilíbrio entre as autoridades encarregues de proceder à detenção e a migrante em situação irregular. Não pode perder‑se de vista que uma pessoa detida para efeitos de afastamento está numa situação de debilidade face à autoridades e não podemos excluir que esta dê o seu consentimento sob pressão, por mínima que seja. Como observa o órgão jurisdicional de reenvio na sua decisão de reenvio, «a autoridade interveniente fornece aos interessados, para assinatura, declarações de consentimento formuladas previamente ou pressiona[‑os] a dar o consentimento».

202. Por fim, importa também ter em conta a fragilidade psicológica na qual o migrante se pode encontrar aquando da sua colocação em detenção e das dificuldades que pode ter, por exemplo devido à sua língua, em conhecer os direitos que lhe são reconhecidos. A este respeito, muitos são os que, nesta fase, não dispõem de assistência judiciária e que não têm plena consciência dos seus direitos no momento em que são convidados a renunciar aos mesmos. Muitos não conseguirão discutir o alcance e as consequências de uma declaração neste sentido. É por essa razão que não podemos correr o risco de reconhecer um valor legal a um consentimento dado neste tipo de circunstâncias.

203. Acrescente‑se que, na medida em que a situação proposta a L. T. Pham constitui, pelos motivos expostos, um agravamento da sua situação, parece‑nos que, para garantir o respeito dos seus direitos, ela deveria ter sido assistida por um advogado. Ora, decorre das observações apresentadas na audiência que esta foi assistida por um advogado numa fase posterior do processo.

204. Por conseguinte, atendendo ao acima exposto, consideramos que o artigo 16.°, n.° 1, da diretiva deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro não separe um nacional de país terceiro detido para efeitos do seu afastamento num estabelecimento penitenciário dos presos comuns, pelo facto de este ter dado o seu consentimento a essa colocação conjunta.

VI – Conclusão

205. À luz das considerações anteriores, propomos ao Tribunal de Justiça que responda nos seguintes termos:

1)      Nos processos apensos C‑473/13 e C‑514/13:

O artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que, tendo em conta a sua estrutura federal, autoriza os Estados federados a deter os nacionais de países terceiros enquanto aguardam o afastamento num estabelecimento penitenciário, quando não existam centros de detenção especializados no território do Estado federado competente.

2)      No processo C‑474/13:

O artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, não proceda separe um nacional de país terceiro detido para efeitos do seu afastamento num estabelecimento penitenciário dos presos comuns, pelo facto de este ter dado o seu consentimento a essa colocação conjunta.


1 —      Língua original: francês.


2 —      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO L 348, p. 98, a seguir «diretiva»).


3 —      V. artigo 1.° e considerandos 2 e 11 da diretiva.


4 —      Acórdão El Dridi (C‑ 61/11 PPU, EU:C:2011:268, n.os 39 e 41).


5 —      Ibidem (n.° 42).


6 —      No acórdão Popov c. França de 19 de janeiro de 2012, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem recordou assim que «a detenção administrativa [é] uma medida de último recurso que não [pode] ser substituída por nenhuma outra» (§ 119). V., igualmente, Resolução 1707 (2010), na qual a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa recorda que «a detenção [...] dos migrantes em situação irregular é uma medida excecional que só é aplicável quando foram analisadas todas as outras alternativas e quando nenhuma delas se revelou adequada» (n.° 9.1.1).


7 —      V., respetivamente, considerandos 13, 16, 17 e 24 da diretiva.


8 —      Sublinhado nosso.


9 —      Trata‑se dos Länder de Hamburgo, de Hesse, de Bade‑Wurtemberg, da Baviera, de Mecklenburg‑Vorpommern, da Baixa Saxónia, da Renânia do Norte‑Vestefália, da Saxónia, da Saxónia ‑Anhalt e de Turíngia. Em contrapartida, existem centros de detenção especializados nos seguintes Länder: Berlim, Schleswig‑Holstein, Renânia‑Palatinato e Sarre em cooperação, Brandeburgo e Brema.


10 —      Tomámos conhecimento, na audiência, que o despacho de colocação em detenção de E. Bouzalmate foi anulado.


11 —      BGBl. 2004 I, p. 1950.


12 —      Sublinhado nosso.


13 —      V., designadamente, TEDH, acórdãos S.D c. Grécia de 11 de junho de 2009; Popov c. França, já referido, e Aden Ahmed c. Malta de 23 de julho de 2013.


14 —      EU:C:2011:268.


15 —      N.os 46 e 47 e jurisprudência referida.


16 —      Em língua checa, «Zajištění se zpravidla vykonává ve zvláštních zajišťovacích zařízeních»; em alemão, «Die Inhaftierung erfolgt grundsätzlich in speziellen Hafteinrichtungen»; em inglês, «Detention shall take place as a rule in specialised detention facilities»; em finlandês, «Säilöönotto tapahtuu yleensä erityisissä säilöönottolaitoksissa»; em italiano, «Il trattenimento avviene di norma in appositi centri di permanenza temporanea»; em neerlandês, «Voor bewaring wordt in de regel gebruik gemaakt van speciale inrichtingen voor bewaring»; ou ainda em polaco, «Przetrzymywanie odbywa się z reguły w specjalnych ośrodkach detencyjnych».


17 —      V., igualmente, exceção visada no artigo 18.° da diretiva, ao qual regressaremos.


18 —      Sublinhado nosso.


19 —      Idem.


20 —      Idem.


21 —      Idem.


22 —      Idem.


23 —      Idem.


24 —      V., nomeadamente, acórdão Ferriere Nord/Comissão (C‑219/95 P, EU:C:1997:375, n.° 15).


25 —      V., nomeadamente, acórdão Endendijk (C‑187/07, EU:C:2008:197, n.os 22 e segs.).


26 —      Sublinhado nosso.


27 —      Idem.


28 —      Na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem está bem assente que qualquer privação de liberdade deve não apenas ser abrangida por uma das exceções previstas no artigo 5.°, n.° 1, alínea a) a f), da CEDH, mas também ser «regular» (v., nomeadamente, TEDH, acórdão Popov c. França, já referido, § 118 e jurisprudência referida). Para atingir este fim, o Tribunal Europeu dos direitos do Homem exige um nexo entre, por um lado, o motivo invocado para a privação de liberdade autorizada e, por outro, o local e o regime da detenção (idem).


29 —      V., igualmente, oitava das dez orientações que definem as circunstâncias em que a detenção dos requerentes de asilo e os migrantes em situação irregular é legalmente admissível, na qual a Assembleia parlamentar do Conselho da Europa observa o local, as condições e o regime da detenção devem ser apropriados, à semelhança do documento de reflexão «Os direitos fundamentais dos migrantes em situação irregular na Europa» [CommDH/IssuePaper(2007)1, Título III, alínea ii].


30 —      Na mesma ordem de ideias, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa exige, na segunda das «15 regras europeias que definem as normas de base aplicáveis às condições de detenção dos migrantes em situação irregular e aos requerentes de asilo» que as pessoas detidas sejam alojadas em centros especialmente concebidos para a detenção relacionada com a imigração e não em prisões. Impõe igualmente, na quinta e sexta regras europeias, que as instalações afetas a esta finalidade ofereçam condições materiais e um regime adaptados ao estatuto jurídico e à situação factual dos interessados.


31 —      V., igualmente, explicações relativas à décima e à décima primeira das vinte orientações sobre o regresso forçado do Conselho da Europa.


32 —      V. TEDH, acórdão Popov c. França, já referido.


33 —      Assim, o legislador da União transpõe a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem segundo a qual uma privação de liberdade só pode ser conciliada com o artigo 5.°, n.° 1, alínea f), da CEDH se a mesma for efetuada para efeitos de execução de um processo de expulsão e se for proporcional a esse objetivo (v. TEDH, acórdãos Chahal c. Reino Unido de 15 de novembro de 1996, Recueil des arrêts et décisions 1996‑V, § 112 e 113, bem como Popov c. França, já referido, § 140).


34 —      Diretiva do Conselho, de 27 de janeiro de 2003, que estabelece normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados‑Membros (JO L 31, p. 18).


35 —      Artigo 2.°, alínea k), da Diretiva 2003/9. Sublinhado nosso.


36 —      V. acórdão El Didri (EU:C:2011:268, n.° 59)


37 —      V. considerandos 13 e 16 da diretiva.


38 —      V., a este respeito, as observações do estabelecimento penitenciário de Munique que constam do anexo 2 da decisão de reenvio no processo C‑514/13.


39 —      COM (2005) 391 final.


40 —      Sublinhado nosso.


41 —      Depois de terem sido submetidas as presentes questões, esta situação parece ter evoluído. Assim, resulta de uma decisão do Ministério do Interior do Land da Baviera, adotada em novembro de 2013, que o estabelecimento penitenciário de Mühldorf am Inn se encontra atualmente reestruturado a fim de aí instalar um centro de detenção especializado com capacidade para acolher 82 pessoas, de entre as quais 14 mulheres, que aguardam o seu afastamento. Este estabelecimento foi escolhido devido à sua proximidade geográfica com o aeroporto de Munique (v. artigo do jornal Wochenblatt de 14 de novembro de 2013 «Aus Mühldorfer ‘Kuschelknast’ wird Bayerns einziges ‘Abschiebe‑Gewahrsam’»)


42 —      Report to the German Government on the visit to Germany carried out by the European Committee for the Prevention of Torture and Inhuman or Degrading Treatment or Punishment (CPT) from 25 November to 7 December 2010 [CPT/Inf (2012) 6, n.° 33].


43 —      Decorre da resposta do Governo alemão ao relatório do CPT de 22 de fevereiro de 2012 (Response of the German Government to the Report of the European Committee for the Prevention of Torture and Inhuman or Degrading Treatment or Punishment (CPT) on its visit to Germany from 25 November to 2 December 2010 [CPT/Inf (2012) 7] que a detenção num estabelecimento penitenciário de migrantes que aguardam afastamento decorre em unidades distintas, separadas dos resto do estabelecimento, nos Länder de Brandebourg, de Brême, de Rhénanie‑Palatinat, de Rhénanie du Nord‑Westphalie e de Basse‑Saxe (p. 23 e 24).


44 —      LG Leipzig — 07 T 104/11.


45 —      V. CPT/Inf (2012) 6, n.° 31.


46 —      LG Traunstein — 4 T 3104/12.


47 —      «As a general rule, minors are not detained pending deportation. This is the case only in severely limited exceptional cases, and the principle of proportionality is strictly adhered to. As a rule, minors are placed in the custody of the youth welfare office» [CPT/Inf (2012) 7, p. 24].


48 —      V. resposta do Land de Hesse que figura no anexo 3a da decisão de reenvio no processo C‑514/13, que precisa que, «[o] reduzido número de mulheres adultas e de jovens e crianças de ambos os sexos não permite criar centros de detenção adaptados. Quando essas pessoas têm de ser colocadas em detenção administrativa, a mesma é assegurada nos estabelecimentos prisionais de Frankfurt am Main III (para as mulheres) e em centros de detenção para menores» (tradução livre).


49 —      V. resposta do Land da Saxónia que figura no anexo 3a da decisão de reenvio no processo C‑514/13, que remete para a resposta que forneceu à questão 49 do inquérito parlamentar de 5 de setembro de 2012 (Drucksache 17/10597), que precisa que, «[d]ado o reduzido número de mulheres detidas (na maioria das vezes apenas uma mulher) — e para evitar um isolamento total — procede‑se à detenção das mulheres adultas na prisão de Chemnitz, numa ala reservada às pessoas em prisão preventiva» (p. 114, tradução livre).


50 —      V., igualmente, despacho do Bundesgerichtshof de 7 de março de 2012 (V ZB 41/12), no qual o Supremo Tribunal faz expressamente referência à separação entre os menores em detenção e os presos comuns e sublinha a importância das condições previstas no artigo 17.°, n.os 3 a 5, da diretiva.


51 —      V. respostas dos diferentes Länder à questão 52 do acima referido inquérito parlamentar de 5 de setembro de 2012 (pp. 124 a 127).


52 —      V. anexo 3a da decisão de reenvio no processo C‑514/13.


53 —      V., acórdão, Comissão/Alemanha (C‑67/05, EU:C:2005:791, n.° 9 e jurisprudência referida).


54 —      V., nomeadamente, acórdão Alemanha/Comissão (C‑8/88, EU:C:1990:241, n.° 13).


55 —      V. acórdão Impact (C‑268/06, EU:C:2008:223, n.° 85 e jurisprudência aí referida). V., a este respeito, igualmente, despacho Région Wallonne/Comissão (C‑95/97, EU:C:1997:184, n.° 7).


56 —      V. anexo 3b da decisão de reenvio no processo C‑514/13.


57 —      V. resposta do Land de Hamburgo que figura no anexo 3a da decisão de reenvio no processo C‑514/13.


58 —      V. p. 3 das observações de A. Bero na sua versão em língua francesa.


59 —      N.os 29 e segs. das observações do Governo neerlandês.


60 —      V. CPT/Inf (2012) 7. Segundo a República Federal da Alemanha, a detenção num estabelecimento penitenciário permite, em alguns casos, dispor de infraestruturas e de pessoal comum e deter os indivíduos em causa num local relativamente próximo da sua «residência» (p. 24). V., igualmente, resposta do Land de Hesse que figura no anexo 3a da decisão de reenvio no processo C‑514/13, que precisa que «[n]ão estão previstos centros de detenção especializados no Land de Hesse, não sendo os mesmos necessários» (tradução livre).


61 —      EU:C:2011:268.


62 —      Ponto 33.


63 —      Na sua resposta ao relatório elaborado pelo CPT, a República Federal da Alemanha também evocou os argumentos económicos relacionados com a criação de centros especializados considerando que, tendo em conta o número relativamente baixo de pessoas atualmente detidas, o sistema atual pode ser considerado adequado [CPT/Inf (2012) 7, p. 24]. V., igualmente, resposta do Land de Hesse que figura no anexo 3a da decisão de reenvio no processo C‑514/13, que precisa que «[n]ão estão previstos, nem são necessários, centros de detenção especializados no Land de Hesse» (tradução livre).


64 —      Esta colocação em detenção também foi objeto de decisão das autoridades do Land da Baviera com fundamento no § 62a, n.° 1, da Aufenthaltsgesetz. Nenhum elemento dos autos indica a razão pela qual L. T. Pham não pôde ser colocada num centro de detenção especializado. Contudo, e tendo em conta os elementos de que podemos dispor no âmbito dos processos apensos C‑473/13 e C‑514/13, parece‑nos que esta detenção num estabelecimento penitenciário é justificada pela inexistência de centros de detenção especializados no Land da Baviera. Em nossa opinião, na medida em que, ao abrigo das exigências fixadas no artigo 16.°, n.° 1, da diretiva, esta justificação não pode admitida, tal detenção seria, por conseguinte, ilegal. Contudo, caso esta detenção fosse justificada por um motivo legítimo, a questão da sua ilegalidade colocar‑se‑ia na medida em que o interessado foi detido em conjunto com presos comuns na sequência do seu consentimento.


65 —      V. considerandos 13, 16, 17 e 24 da diretiva.


66 —      Bayerisches Landesamt für Statistik und Datenverarbeitung — Strafvollzugsstatistik in Bayern 2012, Stichtagerhebung zum 31. März (Kennziffer B VI 6 j 2012, p. 10).


67 —      V. endereço de Internet http://www.justizvollzug‑bayern.de/JV/Anstalten/Zustaendigkeiten.